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Arthur Ki Beak Lee A Responsabilidade Social e o Brasil a história até a ISO-26000 Rio de Janeiro Barra Livros 2015

A Responsabilidade Social e o Brasil - barralivros.com · fuzileiro naval, engenheiro de automação, auditor-fiscal do INSS, bacharel de direito, Jhony Ki Su Lee ( in memorian ),

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Arthur Ki Beak Lee

A Responsabilidade Social e o Brasil

a história até a ISO-26000

Rio de JaneiroBarra Livros

2015

Copyright © 2014 by Arthur Ki Beak LeeTodos os direitos reservados à Barra Livros Proibida a reprodução desta obra, total ou parcialmente, sem autorização por escrito da Editora.

Diagramação e revisão: Anelise Faucz de Alcântara Stechman Capa: Leandro Pinheiro Felipe Impresso no Brasil

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Dedico este trabalho à minha mãe Yong Ja Hong e meueterno pai Mun Yop Lee (in memorian) pelo dom da persistência e pelaformação da pessoa que sou e, também, à minha esposa Viviane NunesTetzlaff Lee, à minha irmã Vivian Kiran Lee e meu irmão Nelson Ki UnLee pelo apoio para realização desta obra.

Agradeço especialmente à Dra. Teresa da Silva Rosa, à Dra.Rossana Mattos e à Dra. Maura Pardini Bicudo Veras pelo apoio ecolaboração na realização desta obra.

Aproveito para homenagear meu eterno irmão caçula, capitãofuzileiro naval, engenheiro de automação, auditor-fiscal do INSS, bacharelde direito, Jhony Ki Su Lee (in memorian), o primeiro a receber amedalha Sebastopol, na Escola Naval da Marinha de Guerra do Brasil,pelo desempenho acadêmico e primeiro lugar da primeira turma do cursode automação e da área politécnica da USP e mestrando em direito naUNB... eterno orgulho!

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..........................................................................................7

CAPÍTULO I - O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SUAS CONSEQUÊNCIAS.................................................................................25

1.1 Dos Problemas Ambientais.............................................................25

1.2 Da Migração em Massa e a Precarização dos Trabalhadores..........29

1.3 Precariedade e Despreparo dos Governos.......................................35

1.4 Direitos Sociais na Lei Constitucional do Brasil.............................43

1.5 Programas Sociais do Governo Brasileiro.......................................50

1.5.1 Do Sistema de Custeio e Financiamento do Governo.............57

1.5.2 Dos Royalties no Brasil...........................................................62

CAPÍTULO II - A RESPONSABILIDADE SOCIAL E SEUS ELEMENTOS..........................................................................................75

2.1 Histórico do Conceito da Responsabilidade Social.........................75

2.1.1 A Abordagem Científica da Responsabilidade Social.............83

2.1.2 Elaboração da Norma de Responsabilidade Social..................95

2.2 Conceito de Responsabilidade e sua Ética.....................................110

2.2.1 Sobre a Ética.........................................................................112

2.2.2 Teoria da Responsabilidade..................................................116

2.2.3 Responsabilidade com o Meio Ambiente..............................119

2.3 Meio Ambiente - Objeto da Responsabilidade Social...................121

2.4 Sustentabilidade............................................................................127

2.5 Atores da Responsabilidade Social...............................................142

2.5.1 Conceito de Stakeholders......................................................142

2.5.2 Sociedade e as Organizações Não Governamentais..............146

2.5.2.1 Sobre a ISO “International Organization for Standardization”.......................................................................154

2.5.2.2 Sobre a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).....................................................................................156

2.5.2.3 Sobre o Instituto Ethos de Responsabilidade Social......157

2.5.2.4 Sobre o Greenpeace......................................................160

CAPÍTULO III - A PRÁTICA DA RESPONSABILIDADE SOCIAL..................................................................................................163

3.1 Internalização da Responsabilidade Social....................................163

3.2 Das Ações Sociais das Empresas..................................................180

3.2.1 Empreendedorismo Social.....................................................188

3.3 Escopo Econômico da Responsabilidade Social...........................189

3.4 Atipicidade da Norma da Responsabilidade Social.......................198

3.4.1 Ausência de Sanção Penal.....................................................203

3.4.2 Da Norma Principiológica.....................................................204

CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................207

BIBLIOGRAFIA....................................................................................221

INTRODUÇÃO

O capitalismo há muito deixou de ser uma ideologia econômico-financeira exclusiva da burguesia. Ele atualmente permeia toda espécie desociedade organizada onde exista uma forma de economia em prática ouqualquer atividade produtiva, afinal a produção de quaisquer bens eserviços possui cunho econômico e, desde que a sociedade estejaorganizada politicamente como Estado, a economia possui um viésfinanceiro. Ocorre que o capitalismo tornou-se não só uma ideologia daburguesia, um meio material de construção social daqueles nele envolvidos,como definiu Marx e Engels (2009)1, mas também, amalgamado com apolítica, tornou-se uma ideologia de Estado, a ideologia da políticaeconômica do Estado2, hodiernamente, inclusive, uma política dos paísescuja Revolução Comunista foi melhor sucedida, como no caso da China eda Rússia, e, agora, mais timidamente, o ícone comunista ocidental, Cuba.Sobre este tópico, cabe citar o que escreveu Martinez (2006) sobre oassunto:

Inicialmente vamos dizer que o Estado Moderno é araiz histórica em que repousa o nosso atual Estado

1 “Essa concepção de história se baseia no processo real de produção, partindoda produção material da vida imediata; e concebe a forma de troca conectada aesse modo de produção por ela gerada (isto é, a sociedade civil em suas váriasfases) como o fundamento de toda a história, apresentando-a em sua açãoenquanto Estado e explicando, a partir dela, o conjunto dos diversos produtosteóricos e formas de consciência – religião, filosofia, moral, etc.- e seguindo seuprocesso de nascimento a partir dessas produções; [...]” (MARX; ENGELS,2009, p. 65); “A classe que dispõe dos meios de produção material dispõetambém dos meios de produção espiritual, o que faz com que sejam a elasubmetidas, ao mesmo tempo, as ideias daqueles que não possuem os meiosde produção espiritual. As ideias dominantes, são, pois, nada mais que aexpressão ideal das relações materiais dominantes compreendidas sob a formade ideias; são, portanto, a manifestação das relações que transformam umaclasse em classe dominante; são dessa forma, as ideias de sua dominação” (id,2009, p. 78).

2 “[...] a burguesia, desde o estabelecimento da indústria moderna e do mercadomundial, conquistou finalmente a soberania política no Estado representativomoderno. O governo do Estado moderno é apenas um comitê para gerir osnegócios comuns de toda a burguesia.” (MARX; ENGELS, 2006. p. 35).

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Capitalista. Nesse sentido, o Estado moderno guarda achave para definirmos o próprio metabolismo docapital e a estrutura política, funcional e administrativaque o acompanha. Por isso, o Estado não é aquitratado como organismo, de acordo com as concepçõesorganicistas da política ou do funcionalismo, mas comofluxo vital de um amplo sistema que articulaEstado/Sociedade/Capital e suas variáveisintercambiáveis. O Estado remete-nos ao Direito ediscutir a sociedade implica em tomar a cultura, e oCapital pressupõe o trabalho e o próprio sistemafinanceiro.

Dessa forma, as empresas capitalistas que se destacam no cenáriointernacional, muitas vezes, representam o próprio Estado onde possui asua sede, assumindo a identidade desse Estado. Por vezes, as empresasrealizam um papel diplomático perante outras nações, principalmente,quando possuem filiais e/ou subsidiárias em outros países3 tal comodemonstra Ribeiro (2011) quando fala de “Diplomacia Empresarial”. Nahistória recente, vários Estados, principalmente aqueles dotados de riquezasnaturais (destacando-se os minerais extraíveis em grande escala), jáinseridos no sistema da ideologia capitalista, constituíram empresaspúblicas e/ou mistas com fins de gerar riqueza para a nação4, muitas vezes

3 “As empresas brasileiras devem ter um novo olhar para o mundo, uma novavisão nas relações internacionais, perceber que o mundo quer negociar com oBrasil, mas de forma competitiva e agressiva. Um jovem diplomata, MarcosTroyjo, criou o conceito de Diplomacia Empresarial alguns anos atrás, poispercebeu que muitas empresas brasileiras no mundo perdem emcompetitividade e negociação por não entenderem a linguagem do mundo, equando tentam inovar estão atrasadas. Inovação e diplomacia empresarial sãoconceitos conexos” (RIBEIRO, 2011).

4 “A disputa por espaço político sempre esteve presente no contexto dasorganizações econômicas. Merece destaque a atuação de entidades da classeempresarial e sua relação com o Estado e com a sociedade assumefundamental importância. Nesse contexto, a prática da diplomacia empresarial,tendo por princípio a defesa de interesses empresariais sob a ótica estratégicados negócios ou do interesse nacional, se pauta pelo processamento deinformações estratégicas, pela proposição de acordos que visam o consensoentre partes concorrentes e pela elaboração de propostas alinhadas à defesade interesses setoriais ou nacionais em fóruns de negociação no Brasil ou noexterior.” (IBEPES - Instituto Brasileiro de Estudos e Pesquisa Social.http://ibepes.org.br/ibepes/?page_id=738. Acesso em 07/11/12).

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influenciado pelo pensamento e interesse da burguesia capitalista local. NoBrasil, o surgimento das grandes empresas estatais decorreu desse processode ajuste de interesses entre Estado e sociedade em geral, principalmenteporque a burguesia agrária, predominante no país, não tinha o interesse pelaindústria (muito pelo contrário, se opunha)5, bem como, não tinha o capitalnecessário para implementar projetos industriais do porte que a demandaexigia.

Sobre a intervenção ou influência das empresas no âmbito doEstado, Gomes e Moretti (2007, p. 11) expõe que “as organizaçõesprivadas, principalmente as empresas transnacionais, sempre tiveram papelde importância fundamental no dia a dia dos Estados capitalistas”.Referindo-se aos “movimentos” e “revoluções” ocorridos no Brasil6, osautores afirmam que “a cada movimento há um Estado funcionando deacordo com os interesses do grupo que está no poder, sendo que, para osgrupos financeiros interessa o Estado mínimo da ideologia liberal”(GOMES; MORETTI, 2007, p. 11). No entanto, nem sempre a“exploração” das riquezas naturais de um Estado é consequência damanipulação do poder econômico das grandes empresas multinacionaisestrangeiras, pois o próprio Estado, munido de interesses próprios eexclusivos, constrói estruturas multinacionais para suas empresas, o que,em parte, contradiz o processo de “globalização” enquanto compreendidocomo uma perversidade da burguesia capitalista.

Ocorre que essa ideologia de estado, essa política econômica, sereplica e se reflete em todos os níveis e, numa República Federativa como oé o Brasil, onde a autonomia de governo se dá até os níveis moleculares domunicípio, a ideologia capitalista se impregna nas estruturas mínimas,como ocorre na sociedade ao invadir os níveis familiares7. Essa ideologiavai carreando para todos os níveis políticos o desejo de enriquecimento

5 “Em especial, as condições da industrialização brasileira impediram a formaçãode uma burguesia industrial, com suficiente peso social, cujos interesseseconômicos fundamentais se chocassem com o grupo cafeeiro.” (FAUSTO,1982, p 230).

6 “Aqui mesmo no Brasil, cada uma das ´revoluções` que ocorreram podem serencaradas como a ascensão de um novo grupo no poder. Porém, na essência,o Estado sempre foi capitalista. Em 1822, dá-se a ascensão da burguesiaagrária e, em 1889, da burguesia cafeeira, que seguirá no comando até 1930,quando a burguesia industrial se organiza ao lado de Getúlio Vargas. Somenteem 1964 é que o grupo, ainda hoje dominante, a burguesia financeira, toma aliderança e a condução política” (GOMES; MORETTI, 2007, p. 11).

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rápido e usufruto das vantagens do mundo consumerista, acompanhado detodas as condutas típicas do capitalismo competitivo, ou seja, o usufrutoimediato dos bens e a geração antecipada da riqueza com as consequentesdevastações ambientais e geração de problemas sociais crônicos.

Indiscutível é a importância das grandes empresas para a economiade um país e para o bem-estar da sociedade, bem como, indiscutível é ainfluência política que essas empresas exercem sobre o poder público,justamente pelo poder econômico, capaz de alterar, para bem ou para mal, aestrutura e o funcionamento de uma cidade ou região. Galbraith (1982,p.15), citado por Tenório et al. (2004, p. 20), afirma que o poder dasgrandes empresas, que ele chama de “companhias amadurecidas”8,influencia o mercado e a sociedade, dizendo que elas sozinhas podemempregar o capital e mobilizar as “aptidões” que se requer. Não é raro,dirigentes empresariais possuírem mais prestígio e exercerem maiorinfluência do que políticos locais, e/ou mesmo, políticos locaisfrequentarem assiduamente a sede de grandes empresas em busca depatrocínio, participação ou cogestão e correalização de projetos públicos denatureza profilática ou preventiva.

A ideia de “diplomacia empresarial” (RIBEIRO, 2011), foiabordada por Goldstein (2007, p. 19), ao afirmar que a evolução docapitalismo teve como consequência um aspecto diplomático ou político,através do processo globalizante das atividades mercantis ou econômicas,pois conectou os diversos mercados e sociedades, aproximando povos,continentes e mercados. Goldstein (2007, p. 19) citando Anthony Giddens,afirma ainda que um dos pontos fundamentais da globalização é a“coordenação internacional” dos países, onde as economias tornaram-seinterligadas como parte de uma grande teia. No entanto, cabe ressaltar queeste processo de globalização tem seus impactos, nesse sentido, Karkotli(2007, p. 94) afirma que “as forças que movem a globalização estãopresentes na produção, no comércio, no consumo, na tecnologia, nainformação, em praticamente todos os segmentos da atividade humana

7 “A burguesia despojou de sua aura todas as atividades até então consideradashonradas e vistas com respeito. Converteu o médico, o jurista, o padre o poetae o homem de ciência em trabalhadores assalariados. A burguesia rasgou ovéu sentimental da família, reduzindo as relações familiares a meras relaçõesmonetárias” (MARX; ENGELS, 2006, p. 36).

8 “Essas companhias apresentam objetivos amplos, não se limitando àmaximização dos lucros, e têm crescente necessidade de capital, planejamentoe profissionais qualificados” (TENÓRIO et al., 2004, p. 20).

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contemporânea, influenciando na criação de novos hábitos e diferentesvisões de mundo”.

Nesse sentido, Gomes e Moretti (2007, p. 59), dizem que asempresas9 são o tipo de sistema social predominante nas sociedades atuais edominam o panorama social contemporâneo, tornando-se cada vez maiorese mais bem estruturadas, a ponto de, na escala de “grande” empresa,empregarem centenas de milhares de pessoas, administrarem orçamentosmaiores que o Produto Interno Bruto (PIB) de muitos países einfluenciarem a vida da sociedade através de produtos e serviços. Emseguida, os autores explicitam que a “função social da empresa” estáfirmada pela sua “[...] profunda inserção no mundo moderno e pelo papelque desempenha no desenvolvimento econômico, político e social” eafirmam que o desenvolvimento do capitalismo e o processo deglobalização da economia transformaram o mundo com impactos positivose negativos sobre a população, meio ambiente e culturas regionais(GOMES; MORETTI, 2007, p. 60).

Jonas (2006) relaciona o poder de transformação do homem,através da tecnologia e do novo saber, com o poder de transformação dapaisagem e da biosfera por meio do poder econômico das grandesempresas, pois, atualmente, essas empresas detém quase queexclusivamente a tecnologia e o saber, isto é, hoje o saber é o sabercorporativo empresarial. Mesmo o saber obtido do meio acadêmico,invariavelmente é voltado para atender demandas de projetos capitalistas,sendo as pesquisas específicas financiadas por grandes empresas, ou porconvênios entre instituições de ensino e instituições capitalistas.

Sobre o potencial de transformação das grandes empresas,podemos aproveitar o que Jonas (2006, p. 77) constatou ao dizer que “ogrande empreendimento da tecnologia moderna, que não é paciente nemlento, comprime – como um todo e em muitos de seus projetos singulares –os muitos passos minúsculos do desenvolvimento natural em poucos passoscolossais, e com isso despreza a vantagem daquela marcha lenta danatureza, cujo tatear é uma segurança para a vida”. Prosseguindo, o autorafirma que, “no que tange à inevitabilidade dos erros, não se pode ignorar asubstituição da longa duração da evolução natural pelo prazo relativamente

9 Os autores se referem às empresas como “organizações”, cuja denominação foiassim convencionada pelo meio acadêmico da área de interesse daAdministração de Empresas.

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curto da ação humana planejada”, em vista de que, ao contrário, “aquiloque para a evolução é um lapso de tempo muito curto, para o homemsignifica um lapso de tempo muito mais longo”.

A dependência econômica da sociedade às empresas, não se limitaaos empregados, dependentes diretos, mas se estende, também, às pessoasvinculadas indiretamente, tais como: os pequenos empresários e seusempregados que fornecem bens e serviços a essas grandes empresas; alémdo próprio Estado que arrecada tributos diretos das empresas e tributosindiretos de todos os elementos da cadeia produtiva e dos demaiscomponentes da sociedade que de alguma forma se relaciona com essasempresas, inclusive como consumidores.

O desenvolvimento econômico, carreado pelas empresas adeterminadas regiões, eleva o consumo e a circulação de mercadorias nasociedade, criando condições favoráveis ao desenvolvimento social ecrescimento das cidades através do enriquecimento, tanto da administraçãopública quanto da própria sociedade. Gomes e Moretti (2007, p. 60)concluem que, dentro da perspectiva de uma empresa inserida no contextoeconômico, político e social, uma empresa de negócios opera em três níveisde ambientes, a saber:

a) nível macro – no qual processam as relações denatureza social e cultural mais ampla e comum a todasas organizações e pessoas;

b) nível específico do mercado – no qual relaciona-secom o mercado através de seus produtos e serviços;

c) nível interno – no qual operam, internamente àorganização, as pessoas e os recursos para disputardeterminado mercado (GOMES; MORETTI, 2007, p.60).

Mediante a reiteração de vários autores, resta o consenso quanto àcomplexidade da atividade empresarial na contemporaneidade. Karkotli(2007, p. 28) afirma que a empresa “[...] quando relacionada àcomplexidade do ambiente, é vista como uma instituição sociopolítica” e,sob esse ponto de vista, os administradores “[...] devem considerar nas suasdecisões internas, as influências provindas do ambiente externo”, e

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refutando o tipo de empresa descontextualizada do cenário socioambiental,ressalta que, na atualidade, “o enfoque moderno de administração deempresas se traduz na consideração da comunidade como um ecossistema ea empresa como um componente desse mesmo ecossistema, não havendomais espaço para o antigo conceito de 'empresa-ilha'”10, onde os bônus sãoapropriados pela elite burguesa e os ônus distribuídos ao proletariado eterceiros (KARKOTLI, 2007, p. 70). Contextualizando com o paradigmada “empresa-ilha” e seu fluxo de vantagens, Jonas (2006, p. 80) adverte quediante dos grandes empreendimentos transformadores do homem e suasconsequências, deve ser sopesado o risco de “perda infinita” (entenda-sepor prejuízos irreversíveis à natureza) mediante uma oportunidade de“ganhos finitos” (portanto, limitado ao presente), o que relevaria o dever deconservar um bem de valor maior e também vulnerável.

Tenório et al. (2004, p. 16) afirma que o desenvolvimento docapitalismo e sua ideologia liberal, através da industrialização, ocasionou adegradação da qualidade de vida, a intensificação de problemas ambientaise a precariedade das relações de trabalho. Inúmeros problemas sociaismodernos são, assim, consequências das atividades ou das decisões degrandes empresas que, descompromissadas com a sociedade e com oEstado na prevenção dos mesmos, deixam para a administração pública agestão e o combate dos problemas sociais gerados ou agravados por elas.Algumas empresas, muitas vezes aquelas causadoras de maiores impactos àsociedade, limitam-se a realizar ações filantrópicas pontuais, nem semprede natureza corretiva, visando a aceitação de suas atividades pelasociedade, ignorando que as soluções de problemas sociais passam,obrigatoriamente, pela adoção de ações permanentes e autossustentáveis,devendo contemplar toda a sociedade e não só as pessoas vinculadasdiretamente às empresas na condição de empregado11.

10 “A ideia de 'empresa-ilha' implica a maximização dos benefícios (lucros a seremapropriados pelos acionistas) e a socialização dos prejuízos (distribuídos entreempregados, clientes, comunidade, etc.). Entre os exemplos típicos destasocialização estão: poluição industrial no ar e nas águas; baixa qualidade edurabilidade dos produtos, salários baixos em relação à rentabilidade daprodução e más condições de trabalho” (BONILLA, 1993, apud KARKOTLI,2007, p. 70).

11 Comentário: Durante o Movimento em defesa do monopólio do petróleo pelaPetrobras em 1994, uma frase representou o sentimento da sociedade nativano nordeste brasileiro ao parafrasear o chavão “O Petróleo é Nosso” a frasetornou-se: “É, o petróleo é deles... só dos empregados da Petrobras”exprimindo o sentimento de que a distribuição dessa riqueza não repercutiapara a sociedade.

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Goldstein (2007, p. 20) corrobora a assertiva acima, de Tenório(2004), afirmando que da mesma forma como o capitalismo acentua asdiferenças e acirra as desigualdades sociais pela via econômica das relaçõessociais, a globalização, também, promove a desigualdade e a consequentesubordinação política pela via das relações econômicas. Segundo essaautora, este processo vai acarretar um quadro social mundial onde 815milhões de pessoas passam fome (Instituto de Pesquisas sobre PolíticasAlimentares de Washington, apud Goldstein, 2007, p. 20), 20% dapopulação mundial vive com menos de US$ 1 por dia e 50% vive commenos de US$ 2 por dia (Banco Mundial, apud Goldstein, p. 20) e 1% daspessoas detém a mesma renda de 57% da população mais pobre emconjunto (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD,apud Goldstein, p. 20).

É nesse contexto, do desenvolvimento do capitalismo eprecarização das condições de vida social e ambiental, que surge umanoção de responsabilização e atuação positiva, passando atualmente a sedenominar “Responsabilidade Social”.

Apesar de não ser uma ideia aceita por todos os autores, Goldstein(2007, p. 33) considera a criação do conjunto de entidades conhecidas porSistema “S” (Sesi, Senai, Sesc e Senac)12 em 1946, o marco da consciênciada Responsabilidade Social no Brasil e, segundo a mesma autora, talvez nomundo por não haver similar em outros países. Isto se deve ao fato de que asua finalidade é prestar serviços sociais e de aprendizagem aostrabalhadores de forma autônoma. Entretanto, a mesma autora cita queMariesa Toldo considera a criação da Associação de Dirigentes Cristãos deEmpresas–ADCE, em 1961, a primeira iniciativa com um enfoque voltadopara a Responsabilidade Social Empresarial no Brasil e, em seguida, ainstituição do Prêmio ECO, em 1982, pela Câmara Americana do Comércio(GOLDSTEIN, 2007, p. 35).

Citando Galbraith (1982, p.15), Tenório et al (2004, p. 21) postulaque os objetivos sociais das tais “companhias amadurecidas”13 limitam-se abusca do crescimento contínuo do produto nacional bruto (PNB) e a

12 Goldstein (2007, p. 33) relata que o Sistema “S” foi apoiado por empresáriosbrasileiros durante a “Conferência das Classes Produtoras” no Rio de Janeiroem 1945, visando preparar e qualificar a mão de obra da população, quemigrava dos campos para as áreas urbanas em busca de trabalho,principalmente para a indústria e comércio, além de melhorar as condições devida e/ou saúde em face da precariedade da infraestrutura das cidades.

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redução do emprego e, a persecução desses objetivos se dá por meio docrescimento econômico da empresa pelo lucro. Divergindo de Galbraith,Toffler (1995, apud Tenório et al., 2004, p. 22), entende que somente ocrescimento econômico da empresa não é suficiente para satisfazer asexpectativas dos diversos agentes sociais. Ou seja, implicitamente, eleredireciona a discussão para essa nova dimensão extraeconômica dasempresas quando estas devem contribuir para a melhoria da qualidade devida da sociedade, a partir da adoção de novos valores “pós-econômicos”,evidenciados pela crescente pressão pública, pelos movimentos dosconsumidores, pelas reivindicações de minorias étnicas e subculturais epela reivindicação por representação nos conselhos de administração dascorporações. Tais pressões se pautam na ideia de que as empresas deveriamse inclinar para “múltiplos objetivos”, além do objetivo econômico,ajustando-se ao meio social e ecológico em que se situam.

Jonas (2006, p. 64) defende a necessidade dessa “nova ética deresponsabilidade”, também, mediante a provável incapacidade do Estado(governos) em elidir os problemas decorrentes das transformações ou açõesdo homem, e mediante tanto poder de transformação da biosfera, o autorafirma que há uma necessidade de uma nova “ética de responsabilidade delongo alcance” que imponha uma “humildade” no sentido de autorrestringirou autodeter suas ações, pois sobre as consequências das transformaçõespromovidas pela humanidade, não há efetivamente o conhecimento detodas as consequências, nem valoração e juízo das ações atuais (JONAS,2006, p. 63).

Problemas sociais sempre existiram e sempre vão existir,diferenciando-se no tempo e no espaço quanto ao tipo ou aspectos edimensão do problema. Entretanto, a falta de uma política por parte doEstado e a falta de um trabalho de análise das atividades econômicas e seusimpactos, de forma a prever problemas socioambientais e detectarantecipadamente as suas causas, agravam os problemas sociais das regiõesdependentes economicamente das empresas aí instaladas. Portanto, ascondutas das empresas desprovidas de responsabilidade social, quedesconsideram os aspectos nocivos de suas atividades e decisões para

13 De acordo com Tenorio et al., “essas companhias apresentam objetivosamplos, não se limitando à maximização dos lucros, e têm crescentenecessidade de capital, planejamento e profissionais qualificados” (TENÓRIOet al., 2004, p. 20).

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sociedade e para a região, agravam problemas ora existentes e/ou criamoutros problemas antes inexistentes.

A recente história pós-revolução industrial encontra-se repleta deexemplos de empreendimentos capitalistas que deixaram como legado decondutas “socialmente irresponsáveis”, cidades abandonadas por todo oplaneta, bem como terras ambientalmente degradadas, além do tãopropalado “aquecimento global”, decorrente do modo de produção e devida moderna (utilização de veículos automóveis, processo industrial,desmatamentos, etc.). Em outras palavras, as ruínas do capitalismo sãoáreas devastadas.

Mediante a constatação dessa conduta leviana pelas empresas,concomitante a uma gestão pública equivocada e negligente, esforçosinternacionais foram dispendidos no sentido de elidir as iniquidades sociaisatravés de regulações normativas de cunho mercadológico.

Segundo Gomes e Moretti (2007, p. 64), “os ditames do progressoe a expansão desenfreada dos negócios em escala global provocaram [...]um grande impacto nas desigualdades”14, de acordo com os dados doRelatório de Desenvolvimento Humano da Organização das Nações Unidas(ONU) de 2003. De modo que, na última década, os organismosinternacionais, a sociedade civil e a comunidade empresarial convergiramsuas agendas para abarcar as dimensões da vida humana, estabelecendouma “agenda positiva” firmada sobre o tripé desenvolvimento social,preservação ambiental e desenvolvimento econômico, triple botton line,como em inglês é conhecido.

Diante das frequentes crises econômicas, ainda que pontuais,alargam seus efeitos em cascata reproduzindo-se em escala mundial,demonstrando uma fragilidade intrínseca e uma dependência recíproca (oque contrariaria o princípio capitalista da individualidade, da concentraçãoe da dominação), além das catástrofes ambientais ocorrendo ao redor domundo, que os cientistas ambientais atribuíram aos efeitos dos processosindustriais e dos aparelhos utilizados pelas pessoas para o bem-estar físico

14 “Os anos de 1990 conheceram uma estagnação sem precedentes, com oÍndice de Desenvolvimento Humano (IDH) a cair em 21 países. Muitos dessespaíses têm dados insuficientes para calcular o IDH anterior a 1980, não sendopossível saber se seus IDH também caíram em 1980. Dos 114 países comdados desde 1980, apenas quatro diminuíram seus IDH nos anos de 1980 –enquanto conheceram declínio nos anos de 1990, segundo o Relatório deDesenvolvimento Humano de 2003” (GOMES; MORETTI, 2007, p. 64).

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(ar-condicionado, veículos automóveis, produtos químicos aerossóis, etc.-ícones das sociedades de consumo capitalistas), vários analistas daeconomia e autores propalam o fim do capitalismo ou a sua debilitação.

O surgimento de um discurso ético, “politicamente correto”,aplicado aos princípios da administração de empresas, não tomourelevância a partir de uma mobilização não-hegemônica, isto é, não partiudas subcamadas do poder, mas a partir de sua aceitação pelos detentores daclasse dominante, do governo apoiado pela burguesia e vice-versa (daburguesia avalizada pelos governos), apesar do discurso e mobilizaçãoterem partido do meio acadêmico (cientistas da biologia, da meteorologia,da sociologia, entre outros) desde o início do século XIX (considerando aslutas dos urbanistas e médicos pela construção de obras de saneamentobásico de esgoto e água tratada nas cidades capitalistas).

Pode-se verificar que, geralmente, os marcos da humanidade, asmudanças de rumo, foram capitaneadas por um grande evento que tenha“assombrado” a sociedade, foi assim que os armamentos de exércitosvencedores tornaram os dos perdedores obsoletos e passaram a sercopiados, foi assim que o naufrágio do Titanic provocou a introdução depadrões e leis visando a segurança marítima, foi assim que o derramamentode petróleo do navio Exxon Valdez na costa do Alaska em 24 de março de1989 provocou a introdução de leis mais rigorosas e novas tecnologias nocombate à poluição marítima, foi assim que cada catástrofe da aviação civilprovocou a evolução dos equipamentos e adoção de novas leis e padrões,foi assim que as grandes guerras mundiais provocaram mudanças nas leiscivis e militares e a formação de blocos políticos, além do desenvolvimentoda medicina, enfim, são inúmeros os casos de transformações no statusestabelecido à custa de vidas e sacrifícios de valores universais, mas queforam essencialmente sentidos ou sofridos pelos detentores do poder (aclasse social dominante ou a “nação líder”).

Portanto, as mudanças radicais ou acentuadas de rumo, não sãodeterminadas apenas pela característica intrínseca de sua importância,necessidade ou simples desejo, mas pela sua aceitação ou permissão daclasse dominante. Entretanto, todas as mudanças são lentas ou tardam aserem implementadas, primeiro porque mudanças colocam em risco ostatus presente, isto é, põe em risco a relação de hegemonia oupredominância dos grupos que ocupam essa posição (quem detém o podernão quer perdê-lo) e segundo pelo alto custo econômico inicial querepresenta toda mudança (além, é claro do custo da posição social que pode

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sofrer algum abalo), dessa forma, as grandes catástrofes humanas eambientais apressam as mudanças justamente pelo poder de mobilizaçãonum “mesmo momento” da sociedade (atualmente pode-se vislumbrar umasociedade mundial).

Assim, constata-se que de fato o capitalismo se “reinventa” epropõe novas “tábuas da salvação”, de forma a inserir no contexto, nãomais como resistência, mas como patrono das mudanças (que antes atétemiam ou rejeitavam), e a institucionalização da Responsabilidade Socialcomo uma tábua de mandamentos que visa não só salvar o que já existe eestá consolidado, mas também a salvar o mundo. Schumpeter (1961),citado por Gomes e Moretti (2007, p. 93), diz que o capitalismo é ummétodo de transformação econômica cujo impulso fundamental procede dainovação “uma tempestade eterna de destruição criadora”, ou seja, seprocessa “por intermédio de um macroprocesso de permanente reinvençãode seus modos de operação”. Gomes e Moretti (2007, p. 109)acompanhando a ideia de Schumpeter, ressaltam que:

O capitalismo vai adaptando sua necessidade básica,ou seja, a acumulação do capital, com as demandas dasociedade, por meio de uma espécie de destruiçãocriadora de paradigmas que se esgotam por suatemporalidade e a adoção de outros mais adequadosaos novos tempos.

O histórico do surgimento e desenvolvimento do conceito deResponsabilidade Social, até culminar com a ISO-26000, demonstra que asdiretrizes “reais” e os objetivos perseguidos pela sociedade são, em umprimeiro momento, antagônicos aos interesses capitalistas, poisrepresentam alto custo financeiro e, o que justificaria a baixíssima adesãoreal e certificações das empresas (em relação à norma nacional NBR-16001). Quando o conceito de Responsabilidade Social ainda se encontravaem formatação, algumas empresas buscaram distorcer o seu sentido e osobjetivos almejados pela sociedade, alardeando estarem adaptados econscientizados às diretrizes de Responsabilidade Social ao realizarpequenos atos filantrópicos15.

15 Nesse sentido depuseram Karkotli (2007) e Gomes e Moretti (2007).

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A Responsabilidade Social é uma construção revolucionária daburguesia capitalista, como o “americanismo” e o “fordismo”, e utiliza-seda mesma fórmula do “discurso heterogêneo”16 descrita por MichelFoucault, realizando “movimentos para ganhar a adesão das classes deexplorados pela nova ideologia”, conforme postula Gomes e Moretti (2007,p. 150), assimilando essa estratégia ao conceito de “Revolução Passiva”construída por Antonio Gramsci. Karl Marx (2005) quando descreve a“produção da consciência” afirma que a ideologia é a “falsa consciência”,alegando que “[...] a ideologia tem a ver diretamente com a ocultação daverdade dos fatos”.

Atualmente, diante do “poder” do mercado ou da sociedade, asempresas têm divulgado, como ação mercadológica, que estão atuando comResponsabilidade Social, ao alinharem um ou alguns de seus processos aosprincípios ou determinações da ISO-26000, entretanto, sem apresentaremresultados efetivos à sociedade, mas, apenas, parcos compromissos com ascomunidades locais, que nada mais representam que ações filantrópicaspautadas por coerção mercadológica e não por uma ética deresponsabilidade (GOMES; MORETTI, 2007). Nesse sentido, Gomes eMoretti (2007, p. 08) também atribuem à ideologia neoliberal a inspiraçãopara o surgimento de uma nova postura empresarial em face dos problemassociais, afirmando que:

[...] as empresas notaram que não é mais possível virarde costas para os problemas que elas mesmas criarame se inclinam a desenvolver mecanismos capazes desolucioná-los. Mas seria uma enorme contradiçãoresolver os problemas sociais pelo próprio agentecausador. Entra em cena uma ´nova ordem´ econômica(na verdade, mais uma repetição do históricomovimento liberal), denominada neoliberalismo, o qualimpulsionará os intelectuais, notadamente os deformação econômica, a bombardear o Estado,imputando-lhe toda a ´culpa´ pelas mazelas que asociedade sofre. Com esse cenário preparado, asempresas se autoproclamaram o último bastião de

16 “Discurso Heterogêneo” é a denominação dada por Michel Foucault para atécnica de desenvolvimento de um conceito em outro sentido.

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defesa da sociedade. (...) A responsabilidade socialempresarial, portanto, é uma formação ideológicabastante específica, cujo objetivo é inculcar na mentedos agentes econômicos que, diante do fracasso doEstado em promover o bem-estar social, cabe àempresa tomar essa posição, até porque, na atmosferado neoliberalismo e da globalização, a empresa possuiuma competência em gerir e o Estado uma total eabsoluta incompetência.

Em função da forma como as empresas buscam utilizar o mote daResponsabilidade Social para arregimentar “prestígio” e visibilidademercadológica, resta a presunção ou a dúvida de que o uso da norma ficariarestrita ao campo do “marketing” empresarial, sem alcançar o devido valorsocial ou a transformação da consciência empresarial, insculpida no escopoda norma e dos pensamentos dos que defenderam a ideia e aplicabilidadedaqueles conceitos, que sugere a inserção do espírito da “boa-fé” e “boavontade” empresarial.

Na sequência desse entendimento, Gomes e Moretti (2007, p. 151)afirmam que “a ´nova ética´ da responsabilidade social” utiliza-se daestratégia projetada por Tragtenberg (1974) para cooptar seus funcionáriosa aderir como voluntários de ações sociais em projetos da empresa sob oargumento de que “só a vida na empresa é pouco”, o fazendo nas seguintespalavras:

Um dos maiores paradigmas capitalistas é o da éticada produtividade. Sobre essa característica,Tragtenberg (1974, p.72-89) percebeu que aprodutividade só poderia ocorrer se simultaneamentehouvesse aquilo que ele chamou de coparticipação, emque o operário sentir-se-ia o grande promotor dasmudanças (GOMES; MORETTI, 2007, p. 151).

Atualmente, o tema da Responsabilidade Social tem sidoostensivamente explorado, sendo abordado sob diferentes ângulos,conforme os interesses envolvidos e os interessados. Dessa forma, nos

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deparamos com produções científicas oriundas dos mais diversossegmentos acadêmicos e profissionais, autores de obras voltados para oescopo de estudos de administração de empresas, direito, ciências sociais,ciências políticas, relações internacionais, etc.

Chama atenção o número de autores especializados emadministração, uma área de conhecimento voltada para o interessecapitalista, como deixa evidente Gomes e Moretti (2007, p. 10), afirmandoque “os cursos de administração de empresas adotam um tom ´pró-empresa'e defendem a inserção das organizações privadas no cenário social”. Taisautores ainda lembram que o projeto pedagógico desta área doconhecimento foi reformulado, de modo a incluir a disciplina deResponsabilidade Social, porém, atentam para o fato dela ser “[...] um meroinstrumento, não indo além desse passo, o da instrumentação”, o queresulta numa internalização, pelos alunos, do discurso de que “o Estado foiincapaz de resolver a questão social e, portanto, caberá às empresas fazê-lo” (GOMES; MORETTI, 2007, p. 10).

Em nota de rodapé, Gomes e Moretti (2007, p. 41) expõe que “éesperado que o tema da responsabilidade social, discutido em teses nasáreas de administração de empresas, tenha um tom pró-empresa e nãocoloque todo o leque de discussão necessária e fundamental para análise”, e“por outro lado, em Ciências Sociais, é mister a análise pormenorizada erizomática do tema”, concluindo que infelizmente não tiveram a“oportunidade de verificar um trabalho sequer com esse alcance, pelocontrário, o discurso, inclusive em Ciências Sociais” é pró-empresa.

Conforme pesquisa realizada por Gomes e Moretti (2007, p. 184)junto à plataforma Lattes e CNPq, “[...] o estímulo para se pensar aResponsabilidade Social Empresarial coincide com a propagação iniciadano final de 1990, por institutos como o Ethos, Fides e Gife”17 e três áreas doconhecimento se destacam na produção sobre Responsabilidade SocialEmpresarial, a saber: Administração – 126 currículos; Sociologia – 73currículos; e Comunicação – 48 currículos.

A divergência da finalidade e visão do instituto daResponsabilidade Social se deve aos interesses bipolares e antagônicos quelhe deram origem. Nesse sentido, Gomes e Moretti (2007, p. 63) sintetizamafirmando que “o principal elemento desse ponto de tensão é o embate

17 GIFE - Grupo de Institutos Fundações e Empresas; FIDES - Federação Intera-mericana de Empresas de Seguros.

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entre a orientação que se pretende, doravante, dar à sociedade”, poisconcorrem “duas visões distintas da sociedade, a econômica e a social, cujodiálogo é prejudicado por serem portadoras de lógicas diferentes”, uma demercado, voltada para a acumulação capitalista e outra da sociedadevoltada para a “solidariedade e compartilhamento”.

Sob a visão política, Gomes e Moretti (2007, p. 03) ressalvam queo uso do termo Responsabilidade Social em discursos políticos, refere-se ao“esforço de o governo criar políticas públicas capazes de contemplarproblemas como pobreza, miséria, desnutrição, inclusão social, educação,dentre outros, e não somente limitar-se à retórica neoliberal cujopressuposto é, em última análise, a autorregulação dos conflitos, inclusiveos sociais, pelo mercado”18. Sobre a “ação política”, Jonas (2006, p. 53)afirma que “[...] o legislador não propõe o Estado perfeito em termosideais, mas o melhor em termos reais [...]” e, portanto, a previsão doestadista consiste na sabedoria e na moderação que ele devota ao presente,com a firme expectativa de perpetuação da situação existente, mas a “açãopolítica” possui uma duração maior, bem como uma responsabilidademaior do que as ações privadas, apesar de a ética impregnada ser a éticatradicional (aquela voltada para o presente).

O instituto da Responsabilidade Social desponta atualmente comouma nova “onda” de um processo de conscientização e mudança de condutade gestão, tanto da coisa privada quanto pública, ou seja, do Estado e dasempresas, voltado para o combate aos problemas socioambientais causadospelo desenvolvimento do mundo moderno. Aliado ao surgimento de uma“nova ética” de responsabilidade, o mundo adquiriu uma capacidade demobilização nunca imaginado com o advento da internet e, com essaferramenta de comunicação aberta e “quase” sem barreiras, as “ondas”, as“correntes sociais” durkheiminianas19 podem ocorrer por influência das

18 Sobre discurso proferido pelo então ministro José Dirceu em 05 de maio de2004, durante o seminário do Partido Progressista, onde mencionou o termo aodiscursar dizendo que “temos de ter responsabilidade fiscal, mas tambémtemos de ter responsabilidade social”.

19 “No entanto, há outros fatos que, sem apresentar estas formas cristalizadas,têm a mesma objetividade e o mesmo ascendente sobre o indivíduo. É o quetêm sido chamado de correntes sociais. Assim, numa grande reunião, osmovimentos de vivo entusiasmo, de indignação, de piedade que se produzem,não têm por origem nenhuma consciência particular. Vêm a cada um de nós doexterior e são susceptíveis de nos arrastar sem que o queiramos” (DURKHEIM,1995, p. 04).

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ONGs, dos governos, das organizações técnicas, como a AssociaçãoBrasileira de Normas e Técnicas (ABNT), International Organization forStandardization (ISO), traduzindo, Organização Internacional paraPadronização, etc. e jurídicas (associação de consumidores, OAB,Ministério Público, Poder Legislativo, Poder Judiciário, etc.).

Esse cenário contemporâneo, suscita expectativa positiva quanto àviabilidade dessa “nova ética” de responsabilidade, nos termos definidospor Jonas (2006), onde os princípios possam ter o mesmo poder de coaçãoe influência das normas tradicionais (que usam sanções para impor umaforma de conduta) somente pelo “sentimento ético”, como enseja oentendimento atual de que Responsabilidade Social pode ser compreendidacomo uma nova cultura que procura “formatar” atores sociais econômicospara responder a crise socioambiental, visto que ela:

[...] se expressa pelo desejo e pelo propósito dasorganizações em incorporarem consideraçõessocioambientais em seus processos decisórios e a seresponsabilizar pelos impactos de suas decisões eatividades na sociedade e no meio ambiente. Issoimplica um comportamento ético e transparente quecontribua para o desenvolvimento sustentável, queesteja em conformidade com as leis aplicáveis e sejaconsistente com as normas internacionais decomportamento. Também implica que aresponsabilidade social esteja integrada em toda aorganização, seja praticada em suas relações e leve emconta os interesses das partes interessadas.(INMETRO20)

Tendo sido levantadas as considerações acima, este trabalhoincorpora à discussão a abordagem normativa do instituto daResponsabilidade Social, pois até o momento as abordagens têm seconcentrado no campo conceitual, que divergem conforme os enfoques ouáreas de conhecimento de cada autor (onde cada empresa e cada teórico

20 Informação disponível no site da INMETRO http://www.inmetro.gov.br/qualidade/ responsabilidade_social/iso26000.asp (Acesso em 10/10/2012).

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busca ascender sua interpretação sobre o assunto), bem como, expõe ocenário e as possibilidades ou o potencial do instituto da ResponsabilidadeSocial, conforme normatizado, para se constituir de uma ferramenta eficazde combate às iniquidades socioambientais, intrínsecas ao capitalismo esuas formas de desenvolvimento.

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