A Restauração Da Eficácia Punitiva Estatal - Estrutura e Teleologia Da Delação Premiada

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    Revista Direito e Liberdade - ESMARN - v. 15, n. 1, p. 182 197 jan/abr 2013.

    ISSN Impresso 1809-3280 | ISSN Eletrnico 2177-1758www.esmarn.tjrn.jus.br/revistas

    A RESTAURAO DA EFICCIA PUNITIVA ESTATAL: ESTRUTURA E

    TELEOLOGIA DA DELAO PREMIADA

    THE RESTORATION STATE PUNITIVE EFFECTIVENESS: STRUCTURAL AND

    TELEOLOGY OF PLEA BARGAINING

    Noel de Oliveira Bastos*Marlia de Oliveira Bastos**

    RESUMO: De posse das prelees estruturais normativas e teleolgicas, o ensaio em tela trata da norma penal

    premial enquanto instrumento de restaurao eficacial do jus puniendiestatal, diante do preocupante avano dopoderio das organizaes criminosas, na sociedade brasileira hodierna. Lanadas as devidas premissas, pretende-se estudar o arqutipo normativo da delao premiada, ressaltando tanto as caractersticas de seu antecedentenormativo (colaborao espontnea como conduta lcita), como de seu consequente (reduo de pena de um adois teros), a partir da interpretao do enunciado normativo do artigo 6, da Lei contra OrganizaesCriminosas, Lei n. 9.034, de 03 de maio de 1995. Superada a anlise estrutural, passa-se a enfrentar os aspectosteleolgicos (finalsticos) mais relevantes da delao premiada, enquanto norma penal premial responsvel pelapaulatina restaurao da eficcia punitiva do Estado, diante de eventuais crises eficaciais de aplicao do juspuniendis organizaes criminosas.Palavras-chave: Norma penal premial. Delao premiada. Restaurao eficacial doJus puniendi.

    ABSTRACT: This essays deals with premial criminal standard norms as an efficient tool for state ius puniendi.This is done considering structural lectures and teleological norms. It is seen that there is an increase in the

    number of criminal organizations in current Brazilian society. The research aims to study normative archetypesconsidered in the plea bargaining situation. Thus we consider characteristics regarding normative antecedent(such as agents spontaneous collaboration and lawful conduct) as well as its consequent normativecorrespondence (as one third sentence reduction). The interpretation considers the normative statement present inthe sixth article of the Laws that plead against Criminal Organizations as well as the Brazialian Law number9.034, May 03, 1995. Once structural analysis is overcome, the research deals with teleological and mostrelevant aspects present in plea bargaining considered a focal point in the States gradual restoration of effectivepunitive measures. The work also considers this matter as presenting eventual crises in the application of the iuspuniendiin organized crime.Keywords: Premial Criminal Norm. Plea Bargaining. Efficient ius puniendirestoration.

    SUMRIO: 1 INTRODUO; 2 ESTRUTURALISMO NORMATIVISTA E TELEOLOGISMO:

    PREMISSAS PARA UMA COMPREENSO DAS NORMAS PENAIS INCRIMINADORA EPREMIAL; 2.1 ESCORO TERICO DO ESTRUTURALISMO NORMATIVISTA; 2.2 TELEOLOGISMOCOMO CRITRIO MATERIAL DE CORREO DO ESTRUTURALISMO NORMATIVISTA; 2.3PRESCRITIVIDADE DAS NORMAS JURDICAS: RELAES COM AS NORMAS PENAIS

    * Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN. Especialista em DireitoPblico pela Universidade Potiguar UnP/Laureate International Universities. Professor de Direito daUniversidade Potiguar UnP/Laureate International Universities e Faculdade Natalense de Ensino e Cultura FANEC. Advogado. Natal Rio Grande do Norte Brasil.

    **Especialista em Psicopedagogia pela Universidade Potiguar UnP/Laureate International Universities.Licenciada em Letras Lngua Portuguesa e Bacharela em Direito pela Universidade Potiguar UnP/Laureate

    International Universities. Natal Rio Grande do Norte Brasil.

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    INCRIMINADORAS E PREMIAIS; 3 NORMAS PENAIS EM ESPCIES: ESTRUTURA, FINALIDADEE EFICCIA DA DELAO PREMIADA; 3.1 ESTRUTURA DA NORMA PENALINCRIMINADORA; 3.2 ESTRUTURA E FINALIDADE DA NORMA PENAL PREMIAL PREVISTA NALEI CONTRA ORGANIZAES CRIMINOSAS: INSTITUTO DA DELAO PREMIADA; 3.3

    RESTAURAO DA EFICCIA DA NORMA PENAL INCRIMINADORA PELO DIREITO PENALPREMIAL; 4 CONCLUSO; REFERNCIAS.

    1 INTRODUO

    O presente ensaio trata da delao premiadaenquanto expresso da norma penal

    premial, no sentido de evidenciar seus aspectos estruturais normativos e teleolgicos,

    voltados para arestaurao de eficciasancionadorada norma penal incriminadora, pela via

    recompensatria, no mbito da legislao criminal brasileira.Por sua vez, o sobredito tema atesta sua relevncia diante dos empecilhos

    decorrentes da implementao de combate eficaz contra a expanso hodierna do crime

    organizado, cujos tentculos j transpuseram asfronteiras nacionais1.

    A par da premente necessidade de cooperao internacionalpara a represso da

    criminalidade organizada, far-se- neste breve estudo uma proposta de interpretao da

    delao premiada2, no sentido de ressaltar seu papel de instituto responsvel pelo aumento da

    carga eficacialdapersecuo penaldesse preocupante fato social moderno.Assim, por organizao criminosa entende-se a associao de pessoas com o

    escopo de perpetrar ilcitos penais, comumente encontradas em sociedades funcionalmente

    diferenciadas3, a exemplo dos gangsters estadunidenses, das mfias italianas ou da yakuza

    1 Quanto ao delito de lavagem de capitais, como temtica estreitamente vinculada s organizaes criminosas,cujas repercusses so sentidas no Direito Internacional: CALLEGARI, Andr Lus; SCHEID, CarlosEduardo; ANDRADE, Roberta Lofrano. Breves anotaes sobre a lei de lavagem de dinheiro. In RevistaBrasileira de Cincias Criminais, ano 19, vol. 92, set.-out./2001. Editora: Revista dos Tribunais, So Paulo,p. 221. Assim, [...] o delito de lavagem sofreu modificaes no decorrer dos anos e foi impulsionado pororganizaes criminosas internacionais como o novo pretexto de luta contra a criminalidade organizada..

    2 Lei n. 9.034, de 03 de maio de 1995, que dispe sobre a utilizao de meios operacionais para a preveno erepresso de aes praticadas por organizaes criminosas. Enquanto mais recente diploma de represso deaes oriundas de organizaes criminosas, destaque-se igualmente a Lei n. 12.694, de 24 de julho de 2012,que dispe sobre julgamento colegiado, em primeiro grau, para efeito de garantir maior autonomia eindependncia das decises, especialmente, para garantir a tutela da integridade fsica dos magistrados quepresidem processos criminais em desfavor de organizaes criminosas.

    3 LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito I, Trad. Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983,p. 176. Para Luhmann (1983, p. 176), [...] na diferenciao funcional os sistemas parciais, ao contrrio, soformados para exercerem funes especiais ou especficas, sendo portanto distintos entre si: para a poltica e a

    administrao, para a economia [...].. [sic].

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    nipnica, que se estruturam mediante diviso funcional do trabalho, no apenas no Sculo

    XX, mas especialmente, na atualidade.

    No Brasil, as organizaes criminosasconsideradas mais perigosas geralmente seestabelecem como o intuito de praticar o ilcitode trfico de entorpecentes, sem se olvidar

    outros crimes antecedentes(trfico de armasetc.), os quais ensejam a lavagem de dinheiroou

    de capitalcomo correspondente crime consequente.

    Diante desse complexo cenrio delitivo, as dificuldades de instruo e de

    persecuo criminais se agigantam, por fora do poderio econmico e grau de

    associabilidade inerente a esse tipo organizado de prtica criminal4, instaurando-se, nesse

    mbito, verdadeira crise da eficcia punitiva, quanto aojus puniendido Estado.Evidentemente, o Direito Penal clssico preocupado em reprimir agentes

    delituosos isolados ou pouco organizados, ancorado unicamente em ameaas jurdicas e

    psicolgicas de imputao de sanes negativas mesmo com reprimendas exacerbadas,

    verbi gratia, Regime Disciplinar Diferenciado (RDD)5, insuficiente para a represso eficaz

    da criminalidade organizada, em face do alto grau de diferenciao ou especializao de

    suas tarefas interna corporis.

    Com o advento da Lei contra Organizaes Criminosas, Lei n. 9.034, de 03 de

    maio de 1995, o Direito Penal clssico ressurge revigorado em sua eficcia punitiva, com o

    instituto da delao premiada, que instrumentaliza norma penal premial, consubstanciada na

    permisso legal de aplicao de causa de reduo de pena, como recompensa destinada ao

    agente criminoso delatorda organizao criminosa.

    4 CALLEGARI, Andr Lus; SCHEID, Carlos Eduardo; ANDRADE, Roberta Lofrano. Breves anotaes sobrea lei de lavagem de dinheiro. In Revista Brasileira de Cincias Criminais, ano 19, vol. 92, set.-out./2001.Editora: Revista dos Tribunais, So Paulo, p. 221. Nesse contexto, O crime organizado, merc de suasatividades ilcitas (trfico de drogas, contrabando de armas, extorso, prostituio, etc.) dispe de fundoscolossais, mas, inutilizveis enquanto possam deixar pistas de sua origem..

    5 Atentos crescente Poltica Criminal do Terror inicialmente introduzida no nosso ordenamento jurdico penal,v.g., RDD, criou-se o Movimento Antiterror - MAT, mesmo antes da edio da Lei n. 10.792, de 02 dedezembro de 2003, como instrumento de sensibilizao dos aparatos estatais da desnecessidade de um direitoultrapunitivo. Nesse sentido: CARVALHO, Salo de; WUNDERLICH, Alexandre. O suplcio de Tntalo: a Lei10.792/03 e a consolidao da Poltica Criminal do Terror. In Leituras constitucionais do sistema penalcontemporneo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, pp. 383-384. Igualmente, considerando meraexacerbao penal simblica, verbis: BASTOS, Noel de Oliveira. O pndulo simblico-instrumental do direitopenal brasileiro: crimes contra a ordem tributria como expresso instrumental da ordem punitiva. In JurisRationis, ano 5, n 1, out.2011/mar.2012, EdUnp, Natal-RN, p. 14.

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    Apesar de muito aplicada, as bases legais da delao premiadaso ancoradas no

    apenas no estruturalismo do positivismo normativista, mas especialmente nas disposies

    atualmente resgatadas doDireito Premial ou Recompensatrio romano, enquanto expressesdo teleologismode Von Ihering.

    Portanto, diante da criminalidade organizada, constatar-se-, por sua vez, que

    eventual impotncia do aparelho estatal repressivo em aplicar as sanes penais cabveis aos

    seus partcipes, sanada mediante instrumentalizao processual da delao premiada, como

    mecanismo de aumento da carga eficacial da instruo probatria e da persecuo penal na

    referida seara.

    2 ESTRUTURALISMO NORMATIVISTA E TELEOLOGISMO: PREMISSAS PARA

    UMA COMPREENSO DAS NORMAS PENAIS INCRIMINADORA E PREMIAL

    2.1 ESCORO TERICO DO ESTRUTURALISMO NORMATIVISTA

    Para uma ampla compreenso da repercusso do Direito Premial e sua expresso

    no Direito Criminal brasileiro, imperioso ressaltar o pensamento estruturalista decorrentedo positivismo normativista kelseniano.

    Foi Kelsen (1998), no Sculo XX6, que passou a pesquisar o Direito como

    estrutura normativa7(LOSANO, 2010), a partir de corte metodolgicodestinado a estrem-lo

    de outros saberes metajurdicos, como a ideologia, a poltica ou a economia (GOMES, 2006).

    6 LOSANO, Mrio. Sistema e estrutura no direito: o sculo XX, Trad. de Luca Lamberti. So Paulo: MartinsFontes, 2010, p. 25, v. 2. A propsito, contextualiza o eminente professor italiano com suas pertinentes lies:Na cincia jurdica do sculo XX, o pensamento sistemtico mais rigoroso o do positivismo jurdico, e suaformulao mais completa a teoria pura do direito. [...] alcanou seu pice e iniciou seu declnio nos anos emque, na filosofia, afirmavam-se as filosofias irracionalistas e, na poltica, os regimes totalitrios. O fato de queem 1933 os nacional-socialistas tenham tomado o poder na Alemanha e de que em 1934 tenha sido publicada obviamente, no na Alemanha a primeira edio da Teoria pura do direito uma epifania no sentido

    joyciano do termo.. [Grifos do autor].7GOMES, Orlando. Razes histricas e sociolgicas do cdigo civil brasileiro. So Paulo: Martins Fontes,

    2006, p. 67. Quanto ao tema, didaticamente enfrenta a dicotomia de pensamento sovitico quanto naturezado Direito: 21. As concepes mais importantes da Filosofia do Direito sovitico podem ser enfeixadas emdois grupos: a) antinormativoe b) normativo. No primeiro, incluem-se as teorias de Stuchka e Paschukhanis e,no segundo, as de Reisner, Vischinsky, e de Golunskii e Strogovitch. Caracterizam-se as teoriasantinormativaspela tese de que o Direito um sistema de relaes sociais, enquanto as teorias normativas

    afirmam que constitui um sistema de normas.. [Grifos do autor].

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    O Direito concebido em sua teoria como ordem autnoma, estruturalmente

    escalonada8 e sancionadora9 de comportamentos contrrios s prescries normativas

    (KELSEN, 1998).Portanto, essa sano mais explorada em sua obra pelo vis punitivo (sano

    negativa), em face do carter coercitivo da ordem jurdica escalonada. Em outros termos,

    trata-se da predominncia dos influxos do direito sancionador, que se instrumentaliza e se

    concretiza pelapunio, e no pela recompensaou peloprmio.

    2.2 TELEOLOGISMO COMO CRITRIO MATERIAL DE CORREO DO

    ESTRUTURALISMO NORMATIVISTA

    Admoesta Grau (2005), que o enfoque estruturalista a maior expresso do

    direito formal10, cuja metodologia sobressai-se, a partir da construo semntico de

    arqutipos regidos pela lgica jurdica dentica.

    Por sua vez, a investigao conteudstica do que se compreende porfinalidade do

    direito, como critrio materialde correo do formalismo jurdicoexacerbado, nas paragens

    do Direito, encontra inmeras inspiraes tericas, das quais se destacam o finalismo ou

    teleologismo jurdico(VON IHERING, 1979).

    8 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, 6 ed. Traduo de Joo Baptista Machado. So Paulo: MartinsFontes, 1998, p. 247. Nesse sentido, A norma que regula a produo a norma superior, a norma produzidasegundo as determinaes daquela a norma inferior. A ordem jurdica no um sistema de normas jurdicasordenadas no mesmo plano, situadas umas ao lado das outras, mas uma construo escalonada de diferentescamadas ou nveis de normas jurdicas..

    9 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito,6 ed. Trad. de Joo Baptista Machado. So Paulo: Martins Fontes,1998, p. 14. A propsito sobre seu carter sancionador, conferir seguinte excerto: Assim, uma norma

    jurdica, que liga produo de determinado fato um ato coercitivo como sano, pode determinar que umindivduo que tenha adotado determinada conduta, antes ainda de a norma jurdica ser editada, seja punido e desta forma tal conduta vem a ser qualificada como delito..

    GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto, 6 ed, So Paulo: Malheiros, 2005, p. 33. Oeminente jurista relata as dificuldades e vcios metodolgicos da teoria estruturalista, a partir de Kelsen, asaber: Os kelsenianos so vtimas tambm da postura metodolgica que assumem diante do direito, comoobjeto de conhecimento, divisando-o apenas enquanto forma. Isso conduz, inexoravelmente, a um mtodopeculiar de apreciao das noes jurdicas: a lgica dessas noes buscada exclusivamente na razoterica.. No entanto, no merece prosperar a crtica de esvaziamento do Direito posto, de tal sorte que oestruturalismo o ponto de partida mais seguro, inclusive juridicamente, tanto para os juristas como para os

    jurisdicionados, que ora sofrem em face do exacerbamento deposturas materiaisdo Direito. Enfim, o enfoqueestruturalista essencial, sim, para a interpretaro direito, mas, obviamente, trata-se de ponto de partidapara

    qualquer enfoque material, pois so teorias que se complementam.

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    Em seu teleologismo, Von Ihering (1979) contraps-se ao rigor do pensamento

    formalista da Jurisprudncia dos Conceitos (Begriffsjurisprudenz), por entender o Direito

    como meio de se atingir determinados fins ou escopos sociais e individuais11

    , surgindo otelos(), isto , o fim, como elemento norteador de toda e qualquer interpretao

    jurdica, por fora do critrio relativo de finalidade(DINIZ, 2008)12.

    Nesse sentido, destaque-se a habitual genialidade da afirmao iheringuiana na

    sutil constatao das tcnicas jurdicas capazes de concretizao de determinados fins ou

    escopos sociais, a saber: atravs da recompensa ou prmio, enquanto representaes da

    sano positiva, ou, por intermdio da pena ou punio, como expresses da sano

    negativa.No Direito ptrio, frise-se o pensamento de Grau (2005) que, ao desposar das

    premissas de interveno do Estado, por induo, preserva a atualidade do teleologismo

    idealizado por Von Ihering (1979), no que tange tcnica premial de atribuio de

    recompensasoupremiaes jurdicas.

    De posse das alentadas lies de LOSANO (2007), assevere-se que a postura

    estruturalista complementada pelo teleologismo (finalismo jurdico), voltado para o

    preenchimento dos arqutipos formais do Direito.

    Ademais, somente assim se torna possvel visualizar a concretizao dos fins

    positivadosna ordem jurdica, mediante juzos hipotticos emitidos, a partir de modalizadores

    denticos instrumentalizadores da tcnica premial.

    VON IHERING, Rudolf. A finalidade do direito, Trad. de Jos Antonio Faria Correa. Rio de Janeiro: Rio,1979, p. 31, v. 1. Nesse sentido, Os fins de toda a existncia humana dividem-se em dois grandes grupos: osdo indivduo e os da comunidade (sociedade).

    DINIZ, Maria Helena. Compndio de introduo cincia do direito, 19 ed. So Paulo: Saraiva, 2008, p.59. Nesse sentido, Para Ihering, deve-se, portanto, interpretar a norma levando em conta seus fins,esclarecendo que a norma jurdica no um fim em si mesma, mas um meio a servio de uma finalidade, que a existncia da sociedade. Se a sociedade no pode subsistir sob o regime jurdico dominante numadeterminada poca, e se o direito se mostrar ineficaz para manter a sociedade de forma adequada, a fora entraem ao abrindo caminho para uma nova ordem jurdica, que se mostre como meio idneo e apropriado pararealizar aquela finalidade.[sic].

    13GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto, 6 ed, So Paulo: Malheiros, 2005, p. 26-27.14 LOSANO, G. Mrio. O pensamento de Norberto Bobbio, do positivismo jurdico funo do direito In

    BOBBIO, Norberto. Da estrutura funo: novos estudos de teoria do direito, Traduo de DanielaBeccaccia Versiani. Barueri, So Paulo: Manole, 2007, p. XLI. A propsito, destaque-se a pertinenteexposio do respeitvel jurista italiano, Mrio Losano, em prefcio traduo brasileira da obra de Bobbio, asaber: Aceitar a funo como elemento essencial do direito no implica, contudo, a rejeio de uma viso

    estrutural do direito. Trata-se, no de um repdio, mas sim de um complemento: [...].

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    Por outro lado, no que tange ao enfoque hermenutico, opensamento teleolgico

    busca a ratio de determinado Direito posto, com supedneo em duas correntes teorticas, a

    saber: a)primeira correntevolta-se para a interpretao da vontade do legislador, como pontode partida; b) por outro lado, a segunda pretende compreender os fins jurdicos no prprio

    sistema de direito positivo, independentemente da vontade criativa dos parlamentares.

    Ressalte-se, que a primeira corrente de carter subjetivo encarregada da

    investigaoda vontade psicolgica do legislador no mais celebrada na literatura jurdica,

    em razo das abordagens jusfilosficas radbruchianas (RADBRUCH, 2010).

    Assim, prevalece a segunda corrente de cunho objetivo, na qual se buscam os

    fins

    positivados na ordem jurdica vigente, em harmonia com a segunda fase do pensamentode Von Ihering (1979), que exsurge como enfoque de complementao da metodologia

    lgico-formal, inerente ao estruturalista, no presente ensaio.

    Nesse sentido, aps a exposio da corrente objetiva do enfoque teleolgico,

    cumpre destacar a relevncia daprescrio permissiva (modalizador dentico permitido) das

    ordens jurdicas ocidentais, especialmente, as de matriz romanstica17 (GLISSEN, p. 20,

    2003), no mbito do estudo do Direito Premial.

    A partir de exame percuciente do Direito Romano, preleciona Von Ihering (1979)

    que os sistemas atuais jurdicos sofreram hipertrofia da tcnica punitiva(pena), em detrimento

    RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito, Trad. de Marlene Holzhausen, 2 ed. So Paulo: Martins Fontes,2010, p. 163. A propsito, ensina o eminente jusfilsofo germnico, a saber: Os legisladores no so osautores da lei; a vontade do legislador no a vontade coletiva dos participantes do processo legislativo, mas,ao contrrio, a vontade do Estado. O Estado, todavia, no se pronuncia pelas manifestaes pessoais dosparticipantes na produo da lei, mas to-somente pela prpria lei. A vontade do legislador coincide com a dalei.

    VON IHERING, Rudolf. A finalidade do Direito, Trad. de Jos Antonio Faria Correa. Rio de Janeiro: Rio,1979, p. 19. Verbis, A prpria natureza indicou ao homem o caminho que deve tomar, para aliciar outrempara seus fins: trata-se da ligao do objetivo individual com o interesse alheio . Toda a nossa vida humanarepousa sobre esta frmula: o estado, a sociedade, o comrcio e as relaes. Uma cooperao de diversoshomens, visando ao mesmo fim, s se efetua na medida em que os interesses de todos convirjam para omesmo ponto. Pode ser que nenhum deles almeje a finalidade como tal, mas cada um seu prprio interesse, umfim subjetivo inteiramente diverso daquela finalidade objetiva, mas a coincidncia de todos os interesses como fim geral faz com que cada um, ao esforar-se meramente por si prprio, atue, ao mesmo tempo, peloltimo. Nesse mesmo sentido, GRAU, Eros Roberto. O Direito posto e o Direito pressuposto, p. 88. Apropsito, resgata que Isso importa lembrarmos de von Ihering (1884/424): O direito existe em funo dasociedade; no a sociedade em funo do direito.

    17GLISSEN, John. Introduo histrica ao Direito. 4 ed. Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 2003, p. 20.A propsito, Provieram, na sua maior parte, da cincia romanista do direito que se desenvolveu nas

    universidades dos pases latinos e tambm dos pases germnicos..

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    da tcnica premial (recompensa), uma vez que ambas foram muito utilizadas de maneira

    equilibrada, em Roma, na Antiguidade clssica (VON IHERING, 1979, p.99)18.

    Sob a ptica normativista, apenas possvel falar em Direito Premial, partindo-sede disposio racional do modalizador dentico permitido, no af de outorgar maior esferade

    liberdade geral de ao (MARTINS, 2012)19 no espectro das tomadas de deciso, sem

    qualquer ameaa de coero estatal.

    O comportamento permitido no prescritor normativo, caso aderido por

    determinados sujeitos de direitos e deveres, leva o sistema normativo paulatina

    concretizao de seus fins (), mediante concesso de recompensas ou prmios, como

    emblemtica complementao teleolgicado estruturalismo normativista20

    .Destarte, os prmios outorgados pelo sistema jurdico, a exemplo de incentivos

    fiscais, no Direito Tributrio, de bolsas acadmicas de estudo, no Direito Administrativo ou

    de redues de pena, no Direito Penal, surgem como tcnica persuasivade eventuais sujeitos

    interessados21, que, por sua vez, acabam por concretizar determinados fins constitucionais,

    como, respectivamente, ocorre com a reduo de desigualdades regionais, a cultura e a

    cincia, bem como a segurana pblica.

    18VON IHERING, Rudolf. A finalidade do direito, Trad. de Jos Antonio Faria Correa. Rio de Janeiro: Rio,1979, p. 99. Em supina lio, exalte-se a atualidade do pensamento de Ihering, cuja origem histrico-evolutiva encontra suas razes no Direito Romano, a saber: O emprego que a sociedade hodiernamente faz darecompensa, bastante inferior em relao pena. Neste sentido, fez um grande retrocesso em relao antigidade. Em Roma, recompensa e pena equiparavam-se perfeitamente como os dois meios postos disposio da sociedade para a perseguio de seus objetivos, aos olhos dos polticos sociais. Um juristaromano no teme, no que respeita questo da finalidade do direito, em assestar a recompensa e a pena em umnica e mesma linha.

    19 MARTINS, Leonardo. Liberdade e estado constitucional: leitura jurdico-dogmtica de uma complexarelao a partir da teoria liberal dos direitos fundamentais. So Paulo: Atlas, 2012, p. 50. Quanto ao tema daliberdade geral de ao, preleciona Martins (2012) no sentido de que A liberdade geral de ao engloba,segundo a opinio dominante na literatura especializada alem, todo e qualquer comportamento individual,que deve ser, em princpio, livre de coeres estatais.. (MARTINS, 2012, p. 50).

    20 Contra a possibilidade de associao do estruturalismo kelseniano ao finalismo de Von Ihering: WARAT,Luiz Alberto. Introduo geral ao Direito I: interpretao da Lei. Temas para uma reformulao . PortoAlegre: Sergio Antonio Fabris, 1994, p. 81. A par do quilate intelectual do eminente autor, no mereceprosperar a sobredita lio, uma vez que se demonstrou que o finalismo jurdico s instrumentalizado, apartir da estrutura permissiva arquitetada pelo formalismo jurdico kelseniano.

    21 ARISTTELES. Retrica. Trad. Edson Bini. So Paulo: Edipro, 2011, p. 53. Nesse contexto, entre osgneros da retrica ou oratria, ensina Aristteles (2011, p. 53) que O discurso deliberativonos induz a fazer

    ou a no fazer algo. [grifos do autor]. Portanto, esse gnero que se amolda ao direito premial.

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    2.3 PRESCRITIVIDADE DAS NORMAS JURDICAS: RELAES COM AS NORMAS

    PENAIS INCRIMINADORAS E PREMIAIS

    Com aporte em Kelsen (1998), pode-se asseverar que, nas molduras

    comportamentais prescritas pelas normas jurdicas vigentes, distinguem-se as condutas em

    proibidas ou empermitidas(KELSEN, 1998)22.

    No mbito criminal, exsurgem as normas incriminadoras nas prescries

    proibitivas (implcitas), especialmente, por fora de interpretao sistemtica, entre os tipos

    penais (proibitivos) e as excludentes de ilicitude (permissivas), verbi gratia, no se

    constituindo crime, a propsito, ato praticado em legtima defesa.Por outro lado, as normas permissivas no do azo apenas ao estudo das

    excludentes de ilicitude, mas, igualmente, proporcionam um estudo mais abalizado a respeito

    das normas penais premiais, que encontram guarida naLei contra Organizaes Criminosas,

    Lei n. 9.034, de 03 de maio de 1995, com o instituto da delao premiada.

    Portanto, permite-se, com arrimo no enunciado normativo do artigo 6, do

    sobredito estatuto criminal, aplicar causa especial de reduo de pena(de um a dois teros),

    como recompensa ou prmio ao agente-delator de determinado esquema criminoso sob o

    crivo de instruo criminal, com a finalidade principal de desbarat-lo, em homenagem

    tutela da segurana pblica.

    3 NORMAS PENAIS EM ESPCIES: ESTRUTURA, FINALIDADE E EFICCIA DA

    DELAO PREMIADA

    3.1 ESTRUTURA DA NORMA PENAL INCRIMINADORA

    22 KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito, 6 ed. Traduo de Joo Baptista Machado. So Paulo: MartinsFontes, 1998, p. 18.Sem meno aos modalizadores denticos canalizados pelo juzo hipottico do dever-ser,tem-se que O carter positivo de uma permisso sobressai especialmente quando se opera uma limitao deuma norma proibitiva de determinada conduta, atravs de uma outra norma que permite a conduta proibidasob a condio de esta permisso ser concedida por um rgo da coletividade que para tal tem competncia. Afuno tanto negativa como positiva da permisso est, assim, essencialmente ligada com a daprescrio. Somente nos quadros de um ordenamento normativo que prescreve determinada conduta humana

    pode ser permitida uma determinada conduta humana.. [Grifos nossos].

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    Em razo de seu carter eminentemente repressivo, para Marques (2002) o

    Direito Penal tende a se debruar sobre o estudo da norma penal incriminadora incumbida de

    descrever uma conduta proibida23

    .No seu arqutipo, a norma incriminadora estrutura-se em preceito principal

    (preceptum juris), no qual se descreve a conduta proibida penalmente e, em preceito

    secundrio (sanctio juris), que prescreve a punio legal pertinente ao delito descrito

    (MARQUES, 2002, p. 135)24.

    Nessa ordem de consideraes, o preceito principalcorresponde ao antecedente,

    ao descritor ou ao suporte ftico da norma penal incriminadora encarregada de descrever

    genrica e abstratamente as condutas ofensivas aos bens jurdicos mais caros para cadasociedade(CALDEIRA, 2012)25.

    Por sua vez, o preceito secundrio faz as vezes de consequente ou prescritor

    normativoque impe ao Estado o dever de imputar a responsabilidade pela infrao penal ao

    agente violador dopreceito principal ou primrio, mediante aplicao da punio legal.

    Dessa maneira, a sobredita representao formal da norma penal incriminadora

    dotada de extrema singeleza, caso comparada com os avanos das anlises estruturalistas

    desenvolvidas pelos tributaristas, sob o crivo da lgica dentica, especialmente, pela pliade

    23 MARQUES, Jos Frederico. Tratado de Direito Penal, Campinas: Millenium, 2002, p. 133, Vol. I. Apropsito, vislumbre-se a estrutura sinttica do recente tipo penal Condicionamento de atendimento mdico-hospitalar emergencial, do artigo 135-A, introduzido pela Lei n. 12.653, de 2012, no Cdigo Penalbrasileiro, no sentido de implicitamente proibir qualquer exigncia de cauo (cheque-cauo, notapromissria etc.) ou preenchimento prvio de formulrio administrativo, como condies de atendimentosemergenciais, em estabelecimentos hospitalares. Por conseguinte, a proibio de exigir no expressa noenunciado normativo, mas sim, implcita, de modo que o tipo penal se inicia com o verbo exigir, e no com proibido exigir ou No se deve exigir.

    24 MARQUES, Jos Frederico. Tratado de Direito Penal, Campinas: Millenium, 2002, p. 135, Vol. I.25CALDEIRA, Felipe Machado. A conformao constitucional do direito penal econmico e a impossibilidade

    de sobreposio de sanes administrativa e penal. In Revista Brasileira de Cincias Criminais, ano 20, vol.95, mar-abr./2012, p.329. A propsito de bens penais tutelados prprios da sociedade em Roma Antiga,conferir no sentido de que A sada de produtos como ferro e armas, dada a sua importncia para a poca doImprio Romano, era punida com pena de morte e confisco, e o crime de adulterao de produtos alimentciospode ser encontrado desde a Idade Mdia at as legislaes penais da atualidade..

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    de juristas brasileiros capitaneada por Carvalho (2011)26e pelos tericos hispnicos Atienza e

    Ruiz (ATIENZA; RUIZ, 2004)27.

    Apesar da abalizada doutrina de Marques (2002) considerar o direito abstrato depunir

    28 decorrente da prtica do ilcito criminal, seria mais condizente com os preceitos da

    lgica dentica falar-se empoder-dever do Estadoem restaurar a estabilidade e segurana da

    ordem jurdica penal.

    In summa, esse poder-dever (jus puniendi) atribudo ao Estado decorre do

    consequente da norma penal incriminadorapositivada para zelar pelo cumprimento da ordem

    jurdica, mediante aplicao de penasdas mais diversas modalidades(AZEVEDO, 2005)29.

    3.2 ESTRUTURA E FINALIDADE DA NORMA PENAL PREMIAL PREVISTA NA LEI

    CONTRA ORGANIZAES CRIMINOSAS: INSTITUTO DA DELAO PREMIADA

    Superadas as sobreditas consideraes, importa ressaltar a estrutura normativae a

    finalidade das normas penais premiais, sob os auspcios do Direito Penal brasileiro,

    especialmente, diante do enunciado normativodo artigo 6, presente nas disposies gerais da

    Lei contra Organizaes Criminosas, Lei n. 9.034, de 03 de maio de 199530 (JNIOR

    SILVA, 2008).

    26CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributrio, linguagem e mtodo. 4 ed. So Paulo: Noeses, 2011, p.611. A regra matriz de incidncia tributria represente excelente exemplificao da metodologiaestruturalista, a partir da aplicao cientfica da lgica dentica.

    27ATIENZA, Manuel; RUIZ, Juan. Las piezas del derecho:teora de los enunciados jurdicos. 2. ed. Barcelona:Ariel, 2004. p. 88, especialmente, nota de rodap 10, in verbis: Como el lector recordar, utilizamos eltrmino normas denticas o regulativas para referirnos a todas aquellas normas em cuyo consecuente apareceun operador dentico (sea ste obligatorio, prohibido o permitido)..

    28MARQUES, Jos Frederico. Tratado de Direito Penal. Campinas: Millenium, 2002, p. 135, Vol. I.29AZEVEDO, Mnica Louise de. Penas alternativas priso:os substitutos penais no sistema penal brasileiro.

    Curitiba: Juru, 2005, p. 202. Deveras interessante a abordagem atravs dos substitutos penais da penaprivativa de liberdade, uma vez que [...] so menos degradantes do que a pena privativa de liberdade, cujainiqidade notria na realidade perifrica latino-americana, especialmente nas condies de superpopulaodas prises dos pases perifricos.. Ressalte-se, por derradeiro, que tais substitutos sancionadores no soinaplicveis aos crimes perpetrados pelas organizaes criminosas, em face do elevado grau de periculosidadee poderio econmico que ostentam.

    30SILVA JNIOR, Walter Nunes da. Curso de Direito Processual Penal:teoria (constitucional) do ProcessoPenal. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 864. relevante ressaltar uma meterica digresso ponto de vistaprocessual, a partir da imperiosa necessidade de interpretao Conformeda vedao de recorrer em liberdadeno sobredito diploma repressivo das organizaes criminosas, em seu artigo 9, em virtude do imperioso deverde fundamentar na sentena a respeito da privao cautelar da liberdade (JNIOR SILVA, 2008). No entanto,

    o respeitvel processualista no destaca o carter premial da delao premiada.

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    O sobredito enunciado normativorepresenta verdadeiro exemplar de norma penal

    de inspirao premial, seno vejamos: Art. 6. Nos crimes praticados em organizaes

    criminosas, a pena ser reduzida de um a dois teros, quando a colaborao espontnea doagente levar ao esclarecimento de infraes penais e sua autoria..

    Ab initio, diante da complexidade da criminalidade organizada, exsurge a sua

    estrutura permissiva de concesso de reduo premial de pena, em benefcio de potenciais

    colaboradores, desde que haja [...] colaborao espontnea do agente levar ao

    esclarecimento de infraes penais e sua autoria., com a translcida finalidadede combate

    contra o crime organizado, tendo em vista a concretizaoda segurana pblica.

    Em razo do carter premial da reduo de pena, a possibilidade depersuasotonificada em relao a um ou mais integrantes dessas clulas criminosas, no que tange

    facilitao da instruo criminal, quanto atuao dos demais infratores, ainda no

    segregados cautelarmente do tecido social.

    Estruturalmente, o sobredito enunciado normativo do Estatuto Contra o Crime

    Organizadoenquadra-se nas primeiras caractersticas exigidas para ingressar na disciplina do

    Direito Premial, isto , ostentar no s descrio legal deconduta lcitaem seu antecedente

    normativo (colaborao espontnea do agente), como tambm possuir a respectiva

    prescrio da concesso de reduo premial de pena (a pena ser reduzida de um a dois

    teros), no seu consequente normativo, em face da colaborao efetiva do agente-delator.

    Deveras, a permisso encartada no enunciado normativo do artigo 6, da Lei

    Contra o Crime Organizado, enquanto representao de norma penal premialtem o condo

    de gerarfato constitutivo de prmio ou vantagem(causa de reduo de pena) na esfera penal

    ao agente-delator.

    Alerte-se que essapremiao condicionada ao desbaratamentoda organizao

    criminosa, objeto de investigao criminal, de modo que se [...] deve levar ao esclarecimento

    de infraes penais e sua autoria.

    Narra Rangel (2005)31 que, no Direito Penal estadunidense, j se outorgou

    reduo de pena que diminuiu de dezessete anos para cinco anos, a pena privativa de

    liberdade de deliquente delator chamado Rafael Perez (policial preso) que informou o modus

    31RANGEL, Paulo. Investigao criminal direta pelo ministrio pblico:viso crtica. 2 ed. Rio de Janeiro:

    Lumen Juris, 2005, p. 115.

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    Correspondncia | Correspondence:

    Noel de Oliveira Bastos

    Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN, Campus Universitrio,s/n, Lagoa Nova, CEP 59.072-970. Natal, RN, Brasil.Fone: (84) 3215-3487.Email: [email protected]

    Recebido: 21/01/2013.Aprovado: 03/04/2013.

    Referncia Bibliogrfica

    BASTOS, Noel de Oliveira; BASTOS, Marlia de Oliveira. A restaurao da eficcia

    punitiva estatal: estrutura e teleologia da delao premiada. Revista Direito e Liberdade,Natal, n. 1, vol. 15, p. 182 197, jan/abr. 2013.