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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE COMUNICAÇÃO SOCIAL VINÍCIUS DE MACEDO BERGHAHN A revolução no marketing político: um estudo de caso da campanha presidencial do Partido dos Trabalhadores em 2002 Porto Alegre 2009

A revolução no marketing político: um estudo de caso da campanha presidencial do Partido dos Trabalhadores em 2002

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RESUMONesta monografia realiza-se um estudo de caso sobre a campanha presidencial do Partido dos Trabalhadores em 2002. O problema central de pesquisa é entender como o marketing político foi utilizado para convencer um eleitor acostumado a votar somente em intelectuais que um operário poderia ser um bom presidente. Para tanto, estuda-se a eficácia da estratégia de marketing utilizada por Duda Mendonça na campanha presidencial do PT em 2002 a partir de conceitos de marketing e seus correlatos; o marketing político e o eleitoral. Dá-se grande importância ao contexto histórico-político vivido pela sociedade no momento em que se realiza a eleição, havendo, por isso, uma extensa e necessária reconstrução histórica da política brasileira e das origens do PT. Julga-se importante em meio a isso, integrar a discussão sobre a relação entre marketing comercial e marketing político, que prejudica o caráter sociológico da política, enquanto ciência que contribui para a vida das pessoas. Dessa forma o marketing é analisado estritamente dentro do campo da comunicação, limitado a desenvolver necessidades, não a criá-las. Depois de confrontadas teoria e prática, busca-se a opinião de experts nas áreas a fim, com a intenção de trazer dados primários ao trabalho e ajudar na elaboração da resposta ao problema de pesquisa. Entende-se que o trabalho do marketing ficou de fato restrito ao âmbito comunicacional, e que este conseguiu trabalhar a necessidade da população de querer um governo novo, desenvolvendo a valorização do povo pobre que ao unir-se concretizou a sua vontade.

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL

FACULDADE DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

VINÍCIUS DE MACEDO BERGHAHN

A revolução no marketing político: um estudo de caso da campanha presidencial do Partido dos Trabalhadores em

2002

Porto Alegre

2009

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VINÍCIUS DE MACEDO BERGHAHN

A revolução no marketing político: um estudo de caso da campanha presidencial do Partido dos Trabalhadores em

2002

Monografia apresentada como requisito para a obtenção de grau de Bacharel em Comunicação Social - Habilitação em Publicidade e Propaganda pela Faculdade de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Orientador: Me. Ilton Teitelbaum

Porto Alegre

2009

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Ao meu avô,

Francisco Riopardense de Macedo (in memoriam),

por toda a paixão pela política herdada dele.

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AGRADECIMENTOS

Ao Professor Mestre Ilton Teitelbaum, meu orientador, pela paciência durante

a elaboração deste trabalho, pela competência profissional e pelo brilhantismo

didático marcante em todos os momentos do curso.

A Marcus Vinícius Manssur Anflor, meu colega de trabalho, que contribuiu

para este trabalho, não só com a sua entrevista, mas também fornecendo auxílio no

contato com os demais entrevistados.

A Guaracy de Souza Cunha, coordenador do meu estágio, também pela

disposição mostrada em auxiliar no contato com os entrevistados.

E por último, mas não menos importante, a todos os entrevistados que

generosamente cederam seu tempo e seus conhecimentos para a elaboração desta

monografia.

Page 5: A revolução no marketing político: um estudo de caso da campanha presidencial do Partido dos Trabalhadores em 2002

“É triste dizer, mas quem baseia sua

campanha exclusivamente em programas

bem elaborados dificilmente pode ter

chances. A política como espetáculo ganha

cada vez mais espaço no mundo inteiro.

Mesmo em países mais desenvolvidos, onde

o eleitor é mais instruído e informado,

questões como reforma tributária ou política

social de investimento são extremamente

complexas para empolgar a massa dos

eleitores.”

Rubens Figueiredo

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RESUMO

Nesta monografia realiza-se um estudo de caso sobre a campanha presidencial do

Partido dos Trabalhadores em 2002. O problema central de pesquisa é entender

como o marketing político foi utilizado para convencer um eleitor acostumado a votar

somente em intelectuais que um operário poderia ser um bom presidente. Para

tanto, estuda-se a eficácia da estratégia de marketing utilizada por Duda Mendonça

na campanha presidencial do PT em 2002 a partir de conceitos de marketing e seus

correlatos; o marketing político e o eleitoral. Dá-se grande importância ao contexto

histórico-político vivido pela sociedade no momento em que se realiza a eleição,

havendo, por isso, uma extensa e necessária reconstrução histórica da política

brasileira e das origens do PT. Julga-se importante em meio a isso, integrar a

discussão sobre a relação entre marketing comercial e marketing político, que

prejudica o caráter sociológico da política, enquanto ciência que contribui para a vida

das pessoas. Dessa forma o marketing é analisado estritamente dentro do campo da

comunicação, limitado a desenvolver necessidades, não a criá-las. Depois de

confrontadas teoria e prática, busca-se a opinião de experts nas áreas a fim, com a

intenção de trazer dados primários ao trabalho e ajudar na elaboração da resposta

ao problema de pesquisa. Entende-se que o trabalho do marketing ficou de fato

restrito ao âmbito comunicacional, e que este conseguiu trabalhar a necessidade da

população de querer um governo novo, desenvolvendo a valorização do povo pobre

que ao unir-se concretizou a sua vontade.

Palavras-chave: Marketing. Marketing Político. Marketing Eleitoral. Partidos

Políticos. História Política do Brasil. História de Formação do PT. Sociedade.

Comportamento do Eleitor.

Page 7: A revolução no marketing político: um estudo de caso da campanha presidencial do Partido dos Trabalhadores em 2002

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Fluxograma 1 – Fases para a conquista do eleitor...................................................41

Figura 1 – Peça da campanha Xô, corrupção...........................................................78

Figuras 2, 3, 4 e 5 - Sequência de frames do comercial...........................................79

Gráfico 1 - Pesquisa do Instituto Datafolha realizada no dia 14/05/2002.................82

Figuras 6, 7, 8 e 9 - Sequência de frames do primeiro programa de Lula................90

Figuras 10, 11, 12 e 13 - Sequência de frames de um programa do Lula................92

Figuras 14, 15, 16 e 17 - Sequência de frames do comercial Grávidas...................98

Gráfico 2 - Pesquisa do Instituto Datafolha realizada no dia 30/07/2002...............100

Gráfico 3 - Pesquisa do IBOPE realizada nos dias 27-29/07/2002........................100

Gráfico 4 - Pesquisa do Instituto Datafolha realizada no dia 30/08/2002...............101

Gráfico 5 - Pesquisa do IBOPE realizada nos dias 24-26/08/2002........................101

Gráfico 6 - Pesquisa do Instituto Datafolha realizada nos dias 04 e 05/10/2002...102

Gráfico 7 - Pesquisa do IBOPE realizada nos dias 04 e 05/10/2002.....................102

Gráfico 8 - Pesquisa do Instituto Datafolha realizada no dia 26/10/2002...............103

Gráfico 9 - Pesquisa do IBOPE realizada no dia 26/10/2002.................................103

Page 8: A revolução no marketing político: um estudo de caso da campanha presidencial do Partido dos Trabalhadores em 2002

LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Modelo AIDAS ........................................................................................34

Tabela 2 – Atos institucionais....................................................................................45

Tabela 3 – Partidos formados com o fim do bipartidarismo......................................49

Tabela 4 - Avaliação presidencial para o período 1990-2002...................................80 Tabela 5 – Os entrevistados....................................................................................105

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LISTA DE SIGLAS

ALN - Aliança Libertadora Nacional

AP – Ação Popular

APML - Ação Popular Marxista Leninista

CEB - Comunidade Eclesial de Base

CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

CO - Causa Operária

COLINA - Comando de Libertação Nacional

CUT – Central Única dos Trabalhadores

DL - Dissidência Leninista

FBT - Fração-Bolchevique-Trotskista

GC-1° de Maio - Grupo Comunista 1° de maio

LIBELU - Liberdade e Luta

MERCOSUL – Mercado Comum do Sul

MRT - Movimento Revolucionário Tiradentes

OMB - Organização Marxista Brasileira

OQI - Organização IV Internacional

ORM-DS - Organização Revolucionária Marxista – Democracia Socialista

ORM-POLOP - Organização Revolucionária Marxista – Política Operária

OSI - Organização Socialista Internacionalista

PC do B - Partido Comunista do Brasil

PCB - Partido Comunista Brasileiro

PCBR - Partido Comunista Brasileiro Revolucionário

PCR - Partido Comunista Revolucionário

PDS - Partido Democrático Social

PDT - Partido Democrático Trabalhista

PFL - Partido da Frente Liberal

PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro

POC - Partido Operário Comunista

POR - Partido Operário Revolucionário

PP - Partido Popular

PPS – Partido Popular Socialista

PRT - Partido Revolucinário dos Trabalhadores

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PSB – Partido Socialista Brasileiro

PSD – Partido Social Democrata

PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira

PSR - Partido Socialista Revolucionário

PST - Partido Socialista dos Trabalhadores

PT – Partido dos Trabalhadores

PTB - Partido Trabalhista Brasileiro

QI-CIR - Quarta Internacional – Comitê Internacional de Reconstrução

SU - Secretariado Unificado

TSE – Tribunal Superior Eleitoral

UDN – União Democrática Nacional

VAR-Palmares – Vanguarda Armada Revolucionária Palmares

VPR - Vanguarda Popular Revolucionária

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...........................................................................................................13 CAPÍTULO 1 – ASPECTOS TEÓRICOS..................................................................17 1.1 – CONSIDERAÇÕES ACERCA DO MARKETING...................................17 1.1.1 – Marketing comercial e marketing político.................................19 1.2. - A SOCIOLOGIA DA POLÍTICA..............................................................21 1.3 - NECESSIDADES E DESEJOS...............................................................22 1.4 – O CONTEXTO POLÍTICO......................................................................23 1.5 – A PERSONALIZAÇÃO DO CANDIDATO..............................................24 1.6 – PESQUISA.............................................................................................26 1.7 – O POSICIONAMENTO DE CAMPANHA...............................................27 1.8 – COMPORTAMENTO DO ELEITORADO...............................................37 1.8.1. – Os eleitores indecisos..............................................................40 CAPÍTULO 2 - O CONTEXTO POLÍTICO.................................................................43 2.1 – O REGIME MILITAR..............................................................................43 2.2 – DE TANCREDO A FHC.........................................................................50 CAPÍTULO 3 - A HISTÓRIA DE LULA E DO PT.....................................................56 3.1 – A HISTÓRIA DE LULA..........................................................................56 3.1.1 – As disputas eleitorais de Lula..................................................58 3.2 – A PRÉ-HISTÓRIA DO PT.....................................................................61 3.3. - A FORMAÇÃO DO PT..........................................................................70 CAPÍTULO 4 – A CAMPANHA PRESIDENCIAL DO PARTIDO DOS TRABALHADORES EM 2002...................................................................................77 4.1 – DUDA MENDONÇA E O PT..................................................................77 4.2 - PERÍODO PRÉ-CAMPANHA.................................................................78 4.3. – A CAMPANHA......................................................................................82 4.3.1. - A peça norteadora...................................................................84 4.4 - TRABALHANDO O MEDO DE VOTAR EM LULA ................................87 4.5 - A CONCORRÊNCIA..............................................................................93 4.5.1. - O Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE)..............93 4.6 - FORMA E CONTEÚDO.........................................................................96 4.7. – A EVOLUÇÃO DA CAMPANHA EM PESQUISAS..............................99 5 – PERCEPÇÕES OBTIDAS A PARTIR DAS ENTREVISTAS EM PROFUNDIDADE...................................................................................................105 5.1. – A ELEIÇÃO DE LULA........................................................................105 5.2. – AS IMPLICAÇÕES DO MARKETING POLÍTICO..............................107 5.3 – FATORES SOCIOLÓGICOS..............................................................112

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CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................117 REFERÊNCIAS......................................................................................................122 SITES CONSULTADOS.........................................................................................125 ANEXO A - PERFIL DA AMOSTRA PARA PESQUISA QUANTITATIVA, IBOPE 2002........................................................................................................................126 ANEXO B – CARTA AO POVO BRASILEIRO.......................................................127 ANEXO C – QUESTIONÁRIO................................................................................133 ANEXO D – ANÚNCIOS DE CAMPANHA.............................................................134

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INTRODUÇÃO

O presente estudo, tendo em vista a grande mudança ocorrida no campo

político brasileiro com a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2002,

busca entender como esse evento concretizou-se. O presente trabalho caracteriza-

se como fenomenológico-hermenêutico, pois trabalha sobre estudos teóricos prévios

que possibilitam descobrir a essência do fenômeno que foi a campanha de Lula,

dentro de um contexto político favorável para o seu desenvolvimento. O projeto

estuda o feito inédito arquitetado sobre uma campanha eleitoral também inédita, e

muito bem sucedida; que levou um operário ao poder depois de décadas de

governos de elite, eleitos sobre a construção de uma cultura de que apenas

graduados e ditos intelectuais poderiam ser governantes competentes e

respeitáveis. Por inédito, entenda-se a nova visão de Duda Mendonça sobre como

trabalhar o marketing eleitoral, que é um dos objetos de estudo deste projeto,

lembrando que a aplicação do termo novo na política, tantas vezes copiado por

outros publicitários em campanhas de outros partidos, foi criado por ele.

Com uma base teórica que disserta sobre a queda da identificação partidária

(IP), o crescimento do personalismo político, a mudança causada no marketing

político e eleitoral pelo advento da televisão e sobre fatores comportamentais do

eleitor, temos a base para um estudo sobre essa campanha. A redução da IP aliada

ao personalismo político, que é a confiança na figura do candidato e não na

ideologia do partido, possibilita imaginar como foi possível a construção da

campanha de Lula em 2002. É importante notar que o eleitor faz distinção entre

partido e candidato, e que cada um deles precisa ter uma imagem individual, mas

que funcione em conjunto. Visto que o Partido dos Trabalhadores de Lula era

percebido como uma facção de esquerda e sem compromisso com as suas ações, o

candidato tem a possibilidade de desprender-se dessa relação direta com o partido,

oportunizando ao eleitor o perceber como um homem independente, criando uma

imagem isolada do candidato. Essa imagem irá receber o nome de imagem midiática, uma representação moldada sem necessariamente apresentar propostas

reais de atuação política, uma representação originada somente a partir das

características pessoais do candidato.

A postura de um partido extremamente crítico, e que não possuía idéias concretas

para governar o país, foi retrabalhada pelo PT; que a partir de então, começa a se

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posicionar diante dos brasileiros como um partido aberto ao diálogo, utilizando

algumas idéias mais práticas, que se projetadas no contexto da sua postura anterior

eram impensáveis. A abertura para um convívio harmônico com outras vertentes

ideológicas, possibilitando o diálogo, mostrou que aquela postura dura havia sido

deixada de lado. O PT passa a trabalhar a interpretação da realidade,

abandonando o conflito existente entre o que era possível fazer e o que de fato

podia ser feito, que permeava sua história desde sua fundação. Utilizando seu

candidato como vitrine desse novo posicionamento, os dois agentes se completam.

Mas o fato é que não apenas a visão de um partido rebelde poderia dificultar

o sucesso da campanha; a própria história de Lula, de uma vida simples, não

conferia credibilidade a um candidato que aspirava ao cargo mais alto da nação. Ou

seja, se os dois fatores, isoladamente, já não eram bons, a união deles nada trazia

de agradável aos olhos dos brasileiros. E é em face desse cenário tão desfavorável

que se propõe o presente estudo, buscando entender como o que parecia

impossível tornou-se realidade. A aplicação do conceito de interpretação da

realidade, que possibilitou entender os anseios da população e trabalhá-los, através

do marketing e da propaganda, a fim de que os eleitores acreditassem que um

operário poderia ser presidente, bem como o estudo da história de vida de Lula, são

objetivos deste trabalho.

É assim que se chega ao problema de pesquisa, perguntando-se como o

marketing político foi utilizado para convencer um eleitor acostumado a votar

somente em intelectuais que um operário poderia ser um bom presidente.

Tem-se por objetivo perceber a aplicabilidade do marketing, um componente

concebido para vender produtos e serviços, num ramo muito mais humano e muito

delicado, compreendendo como essa transposição é feita num momento em que o

candidato assume o papel de produto (candidato-produto) e os eleitores o papel de

consumidores (eleitor-consumidor).

O enorme sucesso da campanha, na medida em que vários veículos da mídia

a analisaram como um ideal de marketing eleitoral, somado ao seu ineditismo, a

tornaram referência para outras estratégias eleitorais. Sendo assim, torna-se

importante, através de um método indutivo, tomar referenciais teóricos e dissecar as

estratégias utilizadas durante a campanha, a fim de disponibilizar o estudo para que

futuras campanhas eleitorais tenham pronto, um trabalho que explica o sucesso da

eleição de Lula, apresentando todo o embasamento teórico e prático sobre o qual a

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campanha realizou-se. Objetiva-se também comentar, através de um método

comparativo e de pesquisa histórica dos governos anteriores, o momento histórico-

político no qual ela foi efetuada. Sendo assim, o trabalho destina-se aos

profissionais de marketing político, àqueles que desejam seguir essa área,

interessados em marketing, política ou na campanha de Lula em específico.

O assunto causa pessoal interesse devido ao fato de a campanha ser um

símbolo do momento de virada na política brasileira. Foi a partir dessa campanha

que o comportamento do eleitorado brasileiro mudou, elegendo um operário de

origem simples, e acreditando que ao quebrar a sequência de marajás no poder,

seria possível obter um novo país, através de um novo modelo de governo,

conforme prometia a propaganda apresentada para este eleitorado.

No capítulo 1 são feitas considerações acerca do marketing. Pretende-se

explicar diferentes conceitos através do confronto entre diferentes autores, com a

finalidade de esclarecer a teoria sobre a qual opera o marketing político e eleitoral. A

atividade aqui desenvolvida tem a sua validade obtida através de um processo

lógico de interpretação, desenvolvido com a ajuda das teorias em que se apóia o

estudo, para explicar e detalhar todos os componentes envolvidos no caso.

No capítulo 2, começa a reconstrução histórica da política brasileira a partir do

início da ditadura militar. Tal reconstrução é de fundamental importância para

entender o contexto político vigente à época das eleições de 2002. Lembra-se que o

contexto político é considerado por todos os autores como o fator mais importante

em uma eleição, ao ponto de alguns sugerirem que ao se perceber tal contexto

como desfavorável a este ou aquele candidato, aconselhar-se a desistência da

candidatura.

O capítulo 3 continua a reconstrução histórica, porém nele se dedica mais a

história de formação do PT e de vida pública de Lula. Novamente, faz-se

imprescindível tal contextualização, mesmo que portadora de uma linguagem mais

jornalística e diferenciada do tema do trabalho (marketing político), pois é necessária

a compreensão da evolução da carreira de Lula, até chegar ao status de ser a única

liderança verdadeiramente nacional de hoje em dia, e o entendimento das origens

do PT, para compreender seu posicionamento como partido e seus conflitos

internos.

O capítulo 4 traz, com a ajuda de um método descritivo, o cruzamento entre a

etapa prática e a teórica, buscando apoio na teoria sobre todas as ações tomadas

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durante a campanha. Justificando-se assim tais ações e compreendendo o que

havia por trás da propaganda apresentada: todo o revolucionário trabalho de Duda

Mendonça.

O quinto e último capítulo faz uma coleta de dados através de entrevistas em

profundidade com representantes do PT, bem como com especialistas em marketing

e ciência política, visando à sustentação em fontes primárias, que fornecem seus

pontos de vistas sobre o que de fato aconteceu nas eleições de 2002, além de

abordarem outras questões relevantes surgidas ao longo do estudo.

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CAPÍTULO 1 – ASPECTOS TEÓRICOS

Neste capítulo serão analisados todos os aspectos teóricos relevantes para

entender o estudo de caso acerca da campanha presidencial do Partido dos

Trabalhadores realizada em 2002 e articulada pelo estrategista de marketing Duda

Mendonça.

1.1 – CONSIDERAÇÕES ACERCA DO MARKETING

Aqui serão expostos diversos conceitos de marketing sob a visão de

diferentes autores.

Segundo Kotler (2007, p. 4), “marketing envolve a identificação e a satisfação

das necessidades humanas e sociais.” “Em um sentido mais amplo, os profissionais

de marketing têm como objetivo provocar uma resposta comportamental da outra

parte. Uma empresa deseja realizar uma venda, um candidato deseja um voto, uma

igreja deseja um membro ativo, um grupo de ação social deseja a adoção acalorada

de uma causa. O marketing consiste na tomada de ações que provoquem a reação

desejada de um público-alvo.” (2007, p. 5)

Entrando mais a fundo no segmento de marketing que interessa para esse

trabalho, tem-se a definição de Figueiredo (1994, p.10) para marketing político:

Marketing político é um conjunto de técnicas e procedimentos que tem como objetivos adequar um candidato ao seu eleitorado potencial, procurando fazê-lo, num primeiro momento, conhecido do maior número de eleitores possível e, em seguida, mostrando-o diferente de seus adversários, obviamente melhor do que eles.

No entanto, para Gomes (2004), marketing político é uma estratégia

permanente de aproximação do partido e do candidato com o cidadão em geral.

Note-se que a autora faz distinção entre o marketing político e o eleitoral, definindo o

segundo como uma estratégia voltada para o eleitor, com o objetivo de fazer o

partido ou candidato vencer uma determinada eleição. Dentro das definições feitas

por Kotler pode-se construir uma separação entre marketing político e eleitoral,

mantendo as devidas restrições quanto aos termos mercadológicos utilizados pelo

autor, bem como quanto a determinados fatores que só dizem respeito ao mercado

comercial.

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“O plano de marketing estratégico estabelece os mercados-alvo e a proposta de valor que será oferecida, com base em uma análise das melhores oportunidades de mercado. O plano de marketing tático especifica as táticas de marketing, incluindo características do produto, promoção, comercialização, determinação do preço, canais de venda e serviços.” (KOTLER, 2007, p. 41, grifo nosso)

Note-se que dentro do plano estratégico estariam os mercados-alvo, ou seja,

a população para qual se direciona a comunicação política, e a proposta de valor

que será oferecida, ou seja, além de questões ideológicas, dentro dessa proposta de

valor estariam as ofertas feitas pelo candidato para suprir as necessidades da

população, após aquele ter realizado uma análise das melhores oportunidades de

mercado, através de pesquisas que levem tais necessidades ao conhecimento do

candidato e de seu estrategista. O plano de marketing tático diz respeito às

características a serem expostas pelo “candidato-produto” (SCOTTO, 2003, p. 54)

(que varia a cada eleição, portanto não podem estar estipuladas desde o plano

estratégico), bem como a definição dos meios pelos quais essas características

serão divulgadas, a linguagem a ser utilizada para tal.

Em outras palavras, marketing político é estratégia e marketing eleitoral é

tática. Figueiredo (1994) reconhece essa diferença, mas trabalha com o termo

marketing político para designar também o marketing eleitoral. O que pode ser

aceitável se estiver claro que o marketing eleitoral está inserido dentro do marketing

político, podendo o último, mesmo que de uma forma mais grosseira, denominar os

dois. Como este trabalho é um estudo de caso de uma campanha política em

específico, a definição de marketing eleitoral deveria ser suficiente para resolver o

problema. No entanto, o marketing político como uma concepção maior, não pode

ser deixado de lado, de modo que as duas definições serão intercaladas durante o

trabalho.

A comunicação enquanto ciência faz uma diferenciação conceitual entre os

termos publicidade e propaganda. Propaganda é “(...) o conjunto de regras e

técnicas empregadas para propagar idéias. Já a publicidade é o conjunto de regras

e técnicas empregadas para divulgar produtos e serviços” (GOMES, 2004, p. 53).

Para a autora o termo publicidade caracteriza um fenômeno posterior a revolução

industrial e que está diretamente ligado à sociedade de consumo. Definidos os

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termos anteriores parte-se para o esclarecimento conceitual de publicidade eleitoral e propaganda política.

Ainda conforme Gomes (2004, p.54):

Publicidade eleitoral qualifica os esforços planejados de comunicação persuasiva para arrecadar votos, usando para isso as técnicas que proporcionem ao indivíduo assimilar e reconhecer alguns códigos e um tipo de linguagem e comunicação muito bem diferenciado do resto do conteúdo dos meios. Propaganda política é outro esforço de comunicação persuasiva, que visa conquistar militantes, simpatizantes ou adeptos a um determinado partido político ou, então, a adesão a alguma ação que o candidato ou partido político devem tomar durante sua vida e, para isso, utiliza técnicas e espaços que são de outros formatos da informação e da persuasão, tais como, reportagens, entrevistas, documentários, editoriais, etc.

Em resumo: publicidade e eleição dizem respeito à venda, a um processo de

curto prazo e de lucro imediato. Propaganda e política referem-se a idéias e

ideologias, a um processo de longo prazo e que exige uma maior compreensão e

envolvimento da situação. Tanto a propaganda política quanto a publicidade eleitoral

fazem parte dos esforços de comunicação política, estes esforços dizem respeito a

todas as estratégias e ações tomadas para atingir o eleitor. A comunicação política,

por sua vez, é um instrumento do marketing.

1.1.1 – Marketing comercial e marketing político

Existe uma grande preocupação entre os autores em relacionar diretamente o

marketing comercial com o eleitoral. Figueiredo (1994) diz que o marketing político é

similar ao marketing de produtos. Segundo ele, tanto em uma campanha, como no

mercado, há um conjunto de organizações (partidos/empresas) que competem entre

si para atrair os consumidores-eleitores que são os tomadores de decisão e que

fazem a sua escolha através dos diversos canais de comunicação que estão

disponíveis, tanto para anunciar um produto quando para falar bem de um

candidato. Quanto a isso, Gomes (2004) diz que o marketing empresarial é uma

filosofia prática, uma forma de direção que se adianta ao futuro; faz sua previsão e

consegue o desenvolvimento industrial, cumprindo a função técnica de pesquisar

planejar, executar e controlar empiricamente.

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Dias1 (2005, apud NETO, 2008, p. 55) faz uma crítica ao marketing eleitoral

quando diz que o desenvolvimento deste se deu

à sombra de um intenso processo de profissionalização das campanhas eleitorais que ocorreu, simultaneamente, à decadência de algumas funções clássicas dos partidos políticos, especialmente na formação da opinião pública e na definição do voto pelos eleitores.

Nessa crítica percebe-se claramente os perigos na construção de uma

relação direta entre marketing comercial e político. Segundo a autora a

profissionalização das campanhas deu-se sobre o detrimento das funções do partido

político. Nascido para otimizar e catalisar o processo de escolha, ao evidenciar

certos aspectos, o marketing eleitoral, acaba por, involuntariamente, tomar para si

algumas tarefas que antes eram exercidas pelos partidos políticos, porém, com

grande lentidão. Diz-se involuntariamente, pois ao pretender a otimização e

catalisação do processo de escolha, é natural que o marketing eleitoral já na forma

de propaganda e inserido em uma mídia formadora de opinião, em face da grande

visibilidade que adquire, empreenda para si tarefas que antes eram feitas de outra

forma, mesmo que este não seja o seu objetivo primeiro.

A grande visibilidade e a consequente troca de papéis, só interessa ao

marketing de produtos, pois aqui ela termina por caracterizar a espetacularização do

processo político. Tal efeito é totalmente indesejável quando se pretende a formação

de uma cultura cidadã responsável. Esse aumento da característica de espetáculo

revela-se no crescimento da exposição do candidato em detrimento do partido. Tal

subjugação torna visível características pessoais e não ideologias, infelizmente essa

é a abordagem preferida pela mídia de massa que se dirige a um eleitor que

desconhece o valor da política.

A despeito disso, a transposição do marketing comercial para o eleitoral

continua sendo aceitável; uma vez que a venda de produtos (publicidade) de uma

empresa, e de idéias (propaganda) de um candidato, são elementos que com

frequência se confundem. Toma-se como referência o seguinte exemplo: o processo

de construção de marca pode caracterizar um objetivo do marketing comercial. Por

construção de marca entende-se um processo que visa atribuir valor a algo

1 DIAS, Márcia Ribeiro. Projeção da imagem partidária nas estratégias de campanha na televisão: uma análise do HGPE 2002. In: Dados - Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 48, n. 1, p. 149-187, jan.-mar. 2005.

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21

intangível, o que claramente não diz respeito a uma troca imediata entre produto e

dinheiro, e sim à construção de confiança e credibilidade, características adquiridas

quando se tem uma marca forte e estabilizada, em outras palavras, bem construída.

Ou seja, estes dois tipos de marketing são de fato muito parecidos, sendo o

marketing empresarial totalmente passível de adaptação para ser aplicado no campo

político.

Conclui-se este subtítulo com a citação de Figueiredo: “se você está com o

produto errado, não há propaganda genial que conserte a coisa” (2004, p. 12). Note-

se que o termo produto pode ser trocado por candidato e a frase continua sendo

verdadeira. De tal forma que é possível, assim, acreditar no marketing político não

como deturpador da realidade, mas apenas como “(...) a venda do político em troca

do voto em um mercado de eleitores (...)” (ZUCCOLOTTO1 et al., 2004 apud NETO,

2008, p. 56)

1.2. - A SOCIOLOGIA DA POLÍTICA

Todas as ponderações feitas acima sobre as diferenciações entre

marketing comercial e marketing político levam a discussão sobre o que é política e

qual é a sua relação com as questões sociológicas. Emir Sader na introdução à

compilação dos escritos de Gramsci expõe que: A política, que originariamente significava tudo o que se refere à esfera social, pública e cidadã, foi submetida nas últimas décadas a um processo de abastardamento. Objeto do marketing eleitoral, a política foi redefinida como a arte do possível num outro sentido – o de que a disputa da consciência social das pessoas se dá no plano da simbologia publicitária. As campanhas eleitorais abandonaram as praças pelas salas de visita ou de jantar, a pertinência ao povo trocada pela privacidade da família, o público transfigurado num somatório de privacidades. (GRAMSCI, 1990, p. 9)

Em seguida, Gramsci (1990) mostra que a política é intimamente ligada a

sociologia:

Se ciência política significa ciência do Estado e Estado é todo o complexo de atividades práticas e teóricas com que a classe dirigente justifica e mantém seu domínio e ainda consegue obter o consenso ativo dos

1 ZUCCOLOTTO, Rodrigo et al. Correleção das estratégias de marketing político com o processo de decisão do eleitor. In: Revista de Administração On Line – FECAP – v. 5, n. 3, p 1-10, jul.-ago.-set. 2004.

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governados, é evidente que todas as questões vitais da sociologia são somente as questões da ciência política.

Contudo, começa-se a entender o perigo da aproximação do caráter

comercial da ciência do marketing com a ciência da política. Por ser um processo

sociológico, a política quando trabalhada por um marketing que esquece este fator,

submete-se justamente a um processo de abastardamento. Pois enquanto processo

que influencia a vida das pessoas, a política não pode ter a sua disputa concentrada

no plano da simbologia publicitária. Se for assim, a política perde a sua ligação com

o que se refere à esfera social, pública e cidadã. E passa a ser banalizada como um

produto, longe de seu caráter de uma ciência do Estado e que molda esse Estado.

Essa discussão caminha por linhas muito tênues sendo tomada a todo

momento durante o trabalho.

1.3 - NECESSIDADES E DESEJOS

Observa-se agora as definições de necessidade, desejo e demanda, expostas

em Kotler (2007, p. 22). O autor nos lembra que o que é criado não é a necessidade,

e sim o desejo. Ou seja, o país precisa de um líder. Isso é fato, é básico, é imutável.

Isso caracteriza uma necessidade. Ao fato desse líder precisar apresentar

determinadas características para suprir as necessidades de uma população

específica, atribuí-se a definição de desejo. Desejam-se determinadas

características nesse líder, conforme forem as necessidades da população. E por

fim, segundo o mesmo autor, (lembra-se que Kotler é um autor que disserta sobre

marketing comercial e não político) o conceito de demanda engloba quantas

pessoas querem seu produto, quantas estariam dispostas a comprá-lo e quantas

teriam condições para isso. O conceito de demanda não se aplica ao marketing

político (especialmente o brasileiro), uma vez que podemos verificar quantas

pessoas irão votar em um candidato específico, mas em uma democracia de

sufrágio universal como a brasileira, a imensa maioria da população tem condições

de votar, e como o voto é obrigatório, a demanda não se limita pela disposição ou

não de votar.

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Com tudo isso, é possível concluir que o trabalho do marketing e da

comunicação restringi-se a criar uma preferência; um desejo por determinado

candidato, em função das características apresentadas por ele.

Vale lembrar: os benefícios que podem ser obtidos com o marketing político dependem do contexto e de como candidato-cliente se enquadra nele: caso a imagem projetada não corresponda às expectativas existentes na sociedade, por melhor que seja o ‘marketólogo’ e sua estratégia, não é possível modificar a opinião dos eleitores sobre seus anseios mais profundos. (FIGUEIREDO, 2004?, p. 13)

1.4 – O CONTEXTO POLÍTICO

Em virtude do grande aspecto sociológico pertencente à política, o momento

no espaço e no tempo no qual se realiza a eleição, dentro de uma perspectiva

histórica e de identidade da sociedade naquele momento específico, é de vital

importância. Atenta-se, por exemplo, ao fato de que as necessidades do eleitorado

variam conforme esse momento. Para se ter uma noção da relevância do contexto

político, basta dizer que o próprio Duda Mendonça aponta este fator como o mais

importante da campanha.

Se você me perguntar quais são as dez coisas que considero as mais importantes numa campanha política, não vou precisar nem pensar para responder. (...) A primeira, sem dúvida, é o contexto, o momento político em que as eleições se realizam. Essa conjuntura pode ser favorável ou prejudicial a este ou àquele candidato, aumentando ou diminuindo as suas chances de vitória. (MENDONÇA, 2001, p. 111).

Em seu livro, Gomes (2004) sugere um modelo de marketing político que

começa com a análise da situação atual do partido e do candidato dentro da oferta

política. É nessa análise que se percebe a evolução política do eleitorado,

entendendo o mercado eleitoral que correspondeu a cada um dos partidos que

participaram das eleições anteriores. É feita uma retrospectiva que inclui um

passado e, é claro, a situação do momento. Para tanto, fazem parte dessa análise

ainda, os candidatos que concorrem à mesma eleição e os partidos que os

respaldam. Sobre eles são estudados a sua ideologia básica, os seus programas

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eleitorais, o perfil de cada candidato e a equipe que apóia cada um deles. O

presente trabalho dedica os próximos dois capítulos a análise destes fatores.

1.5 – A PERSONALIZAÇÃO DO CANDIDATO

Rubim (2004) vê a formação da imagem de um candidato dissociada em dois

movimentos conectados, mas não necessariamente dependentes. Com o advento

da televisão e consequente grande exposição midiática de tudo, inclusive das

eleições, faz-se necessário a qualquer candidato ter uma efetiva imagem midiática,

que pode ser uma representação moldada sem necessariamente apresentar

propostas reais de atuação política, uma representação originada a partir das

características pessoais do candidato. O que começa a explicar a origem do

personalismo político, a imagem pela imagem.

Percebe-se a concretização de tal teoria quando Mendonça (2001) revela que

o segundo fator mais importante em uma campanha política é o candidato. Ou seja,

não é o partido e sua ideologia, é o candidato propriamente dito. Como relata

Gomes (2004), nos países com o jogo político em estágio de subdesenvolvimento

não é o partido que promove o homem, mas o homem que promove o partido. Ou

seja, os povos atrasados intelectualmente não podem sentir atração pelo programa

político de um partido, que é algo bem mais complexo. A autora segue dizendo que

aqui se encontram duas problemáticas: a utilização da publicidade comercial no

campo político e a falta de compreensão da ideologia dos partidos por parte dos

eleitores. Pensando o marketing político como marketing de produtos não é possível

ofertar ao eleitor informações sobre a estruturação e funções dos partidos e sobre

outros temas políticos.

Por se dar esse tipo de comunicação esvaziada de conteúdo político, é que podemos aproximar a comunicação política que se faz no Brasil muito mais à publicidade comercial do que à propaganda política e, por consequência, à comunicação mais persuasiva do que informativa. (GOMES, 2004, p. 43)

É dessa aproximação da comunicação política com a publicidade comercial

que nasce a figura do candidato-produto, despido de ideologia partidária, pronto

para ser comprado pelo “eleitor-consumidor” (SCOTTO, 2003, p. 54). Aqui os

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agentes do marketing comercial e eleitoral se misturam. Tomando sempre cuidado

em não tornar tal mistura indissociável, têm-se as palavras de Scotto (2003, p. 54):

A representação mercadológica da vida política durante as eleições vê os adversários políticos como ‘concorrentes’ disputando o mercado de eleitores (consumidores) com os mesmos métodos com que os fabricantes de sabonetes disputam o mercado. Trata-se de vender o produto (candidato) principalmente por intermédio dos meios de comunicação de massa, individualizando e tornando direta (sem mediações) a relação do candidato-produto com o eleitor-consumidor.

Sobre a personalização da política em países subdesenvolvidos como o

Brasil, Figueiredo (2004?) afirma que ela é resultado de um sistema partidário fraco

e pouco representativo e cita Joe Napolitan para completar seu pensamento

afirmando que os eleitores votam quase sempre em pessoas e não em propostas.

Ele conclui dizendo que não há identificação com siglas partidárias ou planos de

governo. A escolha é direcionada para a figura do candidato. (esta análise será

aprofundada no item 1.7, quando da queda da identificação partidária)

Para Grandi et al. (1992) um candidato é primeiro a vitrine dos partidos, das

ideologias, das estratégias de marketing, de seus ideais, tornando-se mais tarde a

própria essência de todos esses fatores. O candidato apresenta-se então como uma

composição de três fatores: o primeiro é uma combinação de elementos inerentes

ao potencial próprio candidato, tais como, sua formação pessoal, características

físicas e personalidade. Todos esses elementos são difíceis de serem modificados e

mesmo que sejam passíveis de tal modificação leva tempo até que a adaptação se

concretize. O segundo são os denominados fatores internos de pressão. Dentre

estes fatores encontra-se o conteúdo ideológico, que deve levar em conta o

posicionamento político do candidato em eleições anteriores, bem como de seu

partido e dos grupos que o apóiam financeiramente. Qualquer mudança repentina

nesses fatores significa renegar o passado e perder credibilidade. O último

componente, aquele que irá dar a forma final ao candidato, é o que se chama de

fatores externos de pressão. Esses fatores são compostos pelos eleitores e

adversários. De acordo com quem está concorrendo e quais são as necessidades

do povo, sem desconsiderar os dois fatores anteriores sob pena de gerar um

sentimento de falsidade no eleitorado, é que se moldará o perfil final do candidato

como “produto político” (GOMES, 2004, p. 81).

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1.6 - PESQUISA

Segundo Figueiredo (1994), para definir corretamente a postura do candidato

são necessários quatro tipos de pesquisa: análise do quadro geral, vida dos

adversários e características do eleitorado; além de pesquisas qualitativas e

quantitativas.

A análise do quadro geral consiste em entender o momento pelo qual a

sociedade está passando. Esse momento é composto por uma série de variáveis

que estão fora do controle do candidato ou de seu estrategista político. Conforme

Kotler (2007), essas variáveis dizem respeito ao ambiente demográfico, ambiente

econômico, ambiente natural (meio ambiente), ambiente tecnológico, ambiente

político-legal e ambiente sociocultural. Mais uma vez “(...) convém saber que o

momento histórico é um fator importante para a conduta eleitoral e que dele também

dependem as mudanças de atitudes de uma ou outra geração” (GOMES, 2004, p.

82). Lembra-se que este será analisado nos próximos dois capítulos deste trabalho.

Informações sobre a vida dos adversários podem estar inclusas já na análise

do quadro geral, no entanto, detalhes mais particulares da concorrência podem ser

adquiridos como um recurso para atacar ou se defender. Além disso, são

necessárias informações básicas quanto ao eleitorado. Tais como sexo, idade, grau

de instrução e localização demográfica. Para Figueiredo (1994), o grau de instrução

da população é o fator que mais gera diferença no comportamento eleitoral,

podendo ajudar a entender fatores como o poder da televisão: “Com uma massa de

eleitores pouco escolarizados e sem acesso a jornais e revistas, cresce

assustadoramente a força da televisão” (p. 41). Quanto a isso Mendonça (2001, p.

89) diz: “(...) numa campanha política, a televisão é o antibiótico – e todo o resto é

homeopatia.” (este tópico será abordado mais aprofundadamente no item 1.7)

O terceiro fator que ajuda na composição do perfil do candidato são as

pesquisas qualitativas. Esse tipo de pesquisa pode ser dividido em entrevistas de

profundidade e discussões em grupo. Para conhecer melhor o ambiente no qual o

candidato está se inserindo, utilizam-se primeiramente as entrevistas em

profundidade, onde junto a formadores e líderes de opinião podemos entender qual

é a imagem que eles possuem do candidato. Essas entrevistas, justamente em

virtude de suas características qualitativas, podem trazer informações novas, e úteis

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27

não só ao posicionamento do candidato como também ao desenvolvimento e

estruturação da campanha como um todo.

Os grupos de discussão são reuniões de oito a doze pessoas com perfis

semelhantes, da qual se extrai informações não apenas sobre o candidato, mas

também sobre seus adversários e sobre todo o contexto em que se encontram

eleitores e elegíveis.

O último fator diz respeito às pesquisas quantitativas. Estas pesquisas são

preferencialmente aplicadas para descobrir a intenção de voto. Retira-se uma

fotografia do momento onde é possível dizer, através de uma amostra do eleitorado,

quem está na frente e quem está atrás na preferência do eleitor.

Contudo, esse tipo de pesquisa também possibilita a observação de vários

outros fatores além da intenção de voto: 1) Quem vota em quem; 2) O índice de

rejeição; 3) raízes da escolha ou da rejeição; 4) qual é o candidato ideal e; 5) quais

são os principais problemas do eleitorado.

É possível desenhar um quadro de quem vota em quem, ou seja, qual o perfil

do eleitor que vota no candidato X e qual o perfil do eleitor que vota no candidato Y.

Pode-se definir o nível de rejeição dos candidatos que disputam a eleição, ou seja,

descobrir qual é a porcentagem de eleitores que não votaria de jeito nenhum em

determinado candidato. E por fim, podem-se entender os motivos da escolha ou da

rejeição, através da prospecção do candidato ideal. Para isso estipulam-se certas

características que são submetidas à avaliação do povo, para que este determine

quais são as que mais importam na composição do candidato que os eleitores

julgariam ideal. O discurso do candidato precisa estar em sintonia com os principais

problemas do eleitorado. Confiar apenas no feeling para efetuar tal adequação, não

é garantia de sucesso. Lembra-se que as preocupações dos eleitores são muito

variáveis, e que se a população não reconhecer no discurso do candidato alguém

que vai resolver os seus problemas, ela não corresponde.

1.7 – O POSICIONAMENTO DE CAMPANHA

Um ditado muito conhecido no meio dos “marketólogos” políticos diz o seguinte: “Numa campanha, metade do trabalho você faz no seu quintal. E a outra metade no quintal do adversário.” Quer dizer, não basta você vender seu peixe ao eleitorado. É preciso mostrar que o peixe do seu adversário não é lá grande coisa. (FIGUEIREDO, 1994, p. 38)

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Uma campanha eleitoral não consiste apenas em convencer o eleitor que

determinado programa de governo é melhor que outro. Consiste também em

“desbancar o adversário, fulminá-lo, derrubar os argumentos que ele oferece”

(GOMES, 2004, p. 47). Para a autora, quando a escolha por um eixo, dentre os

vários a disposição em uma estratégia de comunicação mais ampla, recai sobre um

campo de disputas que pretendem desprestigiar e desmoralizar o partido ou o

político em questão, é “útil saber todos os tipos de informações, já que, como na

campanha comercial, a campanha política não pode ser iniciada sem uma

informação exaustiva dos concorrentes, suas virtudes, suas fraquezas, seus erros e

seus acertos, de todo o pessoal que nela está envolvido” (GOMES, 2004, p. 89).

“Mantenha sempre um trunfo contra seus inimigos, e saiba quando deve ser

acionado“ (GRANDI et al., 1992, p. 124). Detalhe que nenhum dos três autores acha

que ataques pessoais entre candidatos sejam a única estratégia a ser tomada, nem

mesmo a mais correta. Mas são unânimes em concordar que é sempre bom ter um

dossiê para ser utilizado em caso de dificuldades, ou mesmo em debates,

entrevistas, etc.

Além do eixo que preferencia o ataque aos adversários, existem uma série de

outras opções a seguir quando se pretende definir qual será a estratégia de

campanha a ser adotada. Segundo Gomes (2004), a definição do eixo não é tarefa

fácil, e a sua elaboração ocorre a partir das informações obtidas nos estudos de

mercado que foram realizados, ou seja, as informações para a definição desse eixo

devem partir dos principais problemas do eleitorado. Para isso é preciso listar as

vantagens que o partido têm, que o candidato apresenta, ou que o programa

oferece. Como os fatores elencados nem sempre dizem respeito direto as

necessidades do eleitorado (conhecidas a partir dos estudos de mercado

previamente aplicados), é necessário então eleger a mais conveniente, e acentuar

ou supervalorizar sua importância em detrimento de outras; pela força, e em razão

de sua capacidade persuasiva. A partir do confronto entre os fatores requisitados

pelo mercado eleitoral e àqueles pertencentes ao candidato, é que surge a definição

do eixo de campanha. Note-se aqui, que o que é feito é uma adequação, ou seja, o

candidato não está fingindo ser algo que ele não é, afinal, como visto anteriormente,

por mais propaganda que um candidato possa fazer, se o seu posicionamento não

corresponder às necessidades da sociedade, ele não se elege.

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Dentre os vários eixos possíveis de adoção, segundo Gomes (2004),

destacam-se: a) o posicionamento ideológico; b) a personalidade do candidato e; c)

os interesses temporais e contingentes do eleitorado.

De acordo com Chauí (1981, p. 31), ideologia “é um ‘fato’ social justamente

porque é produzida pelas relações sociais, possui razões muito determinadas para

surgir e se conservar, não sendo um amontoado de idéias falsas que prejudicam a

ciência, mas uma certa maneira da produção das ideias pela sociedade, ou melhor,

por formas históricas determinadas das relações sociais.” Ao que completa Neto

(2008, p. 42), “as ideologias, ao mesmo tempo em que são constituídas pela cultura

política de uma sociedade, acabam moldando essa mesma sociedade através da

produção de novos significados, que são internalizados nas práticas sociais.”

Conforme citado em Neto (2008); estudos da chamada Escola de Michigan

sobre a identificação partidária (IP) como fator explicativo da escolha eleitoral, foram

consagrados por diversos autores. “Uma vez formada, a identificação partidária

tende a tornar-se estável, ou seja, os eleitores que tem identificação partidária em

graus variados, inclinam-se a ‘ver’ a política e orientar suas ações numa direção

partidária” (FIGUEIREDO1, 1991 apud NETO, 2008, p. 50). Tal direção partidária

configura-se exatamente no que Rubim (2004) chamada de interpretação da realidade. Segundo ele, um candidato precisa, além de existir na mídia sobre a

evidência de suas características pessoais, existir sobre a sua interpretação da

realidade. A realidade existente é imutável e se traduz por necessidades, no entanto,

a criação do desejo virá conforme a possibilidade de desenvolver uma interpretação

persuasiva sobre essa realidade imutável. Essas diferentes interpretações são

advindas do posicionamento ideológico de partidos e candidatos, e diferenciam-se

de acordo com os mesmos.

Revela-se, portanto, a importância do partido como agente portador de tal

ideologia, ao qual o candidato adere se concordar com ela. Note-se que as

agremiações não são criadoras das ideologias, elas são um reflexo do pensamento

nascido do comportamento da sociedade.

Sendo as ideologias nascidas da sociedade e moldadas por ela, é através

dessa troca que as relações sociais evoluem. No entanto, infelizmente esse é um

processo lento sobre o qual um eleitor pouco escolarizado não tem entendimento, o 1 FIGUEIREDO, Rubens. A decisão do voto : (democracia e racionalidade). São Paulo: Sumaré; Anpocs, 1991.

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que incentiva o crescimento da política como espetáculo (GOMES, 2004), já que

programas de governo que abordem questões como reforma tributária ou política

social de investimento pouco podem empolgar a massa de eleitores.

Contudo, lembra-se ainda, que segundo Fiorina1 (1981, apud NETO, 2008, p.

51), apesar de não ser isenta de conteúdo político, a IP é impermeável a mudança.

Esta mudança caracteriza-se quando a interpretação da realidade advinda de uma

IP conflita com as necessidades diretas do eleitor. É justamente essa mutabilidade

que leva ao enfraquecimento da ligação entre partidos e classes, terminando por

enfraquecer também os laços de solidariedade social e fortalecer o individualismo

(caracterizado numa escolha que leve em conta apenas as características pessoais

do candidato). Esse conflito que leva à mutabilidade e ao consequente

individualismo ocorre quando o partido, ou até mesmo o candidato, começa a

aprofundar-se demais em temas que não estão relacionados diretamente às

necessidades mais urgentes do eleitor. Em outras palavras: um eleitor não pode

sequer tentar entender o que é a política externa do NAFTA (Tratado de Livre

Comercio da América do Norte), enquanto ele não tiver onde morar.

Visto que a decisão do voto através da ideologia tem pouca importância

dentro do eleitorado brasileiro, tem-se como segundo eixo de campanha a

personalidade do candidato. Este fato é uma consequência da falta de conhecimento

do eleitorado, pois quando este não entende o processo como um todo, restringe-se

as características pessoais do candidato como fator único na decisão de seu voto.

Conforme Borba2 (2005, apud Neto, 2008, p. 46), “a personalização parece ser uma

exceção e um fenômeno recente nas democracias avançadas, em países como o

Brasil ela sempre se constituiu em uma das regras do comportamento eleitoral. Nas

democracias avançadas, tal fenômeno convive com eleitores com níveis de

sofisticação, estruturação ideológica e capacidade de conceitualização política muito

superiores à média do eleitorado brasileiro.” “Observa-se por fim que a decisão do

voto, para a grande maioria do eleitorado, está fortemente estruturada pelas

‘imagens políticas’ e avaliações que o eleitor faz de algumas características

pessoais dos candidatos em disputa” (BORBA, 2005, apud NETO, 2008, p. 47). 1 FIORINA, Morris. Retrospective Voting in American National Elections. New Haven, Yale University Press, 1981. 2 BORBA, Julian. Cultura política, ideologia e comportamento eleitoral : alguns apontamentos teóricos sobre o caso brasileiro. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-62762005000100006&script=sci_arttext> Acesso em: 24 de novembro de 2009

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Considere-se ainda o alto nível de descrédito acumulado pela política

brasileira. Conforme pesquisa do IBOPE, publicada na Revista Veja em 31 de

janeiro de 2007, apenas 3% dos brasileiros afirmam acreditar que os congressistas

representem e defendem os interesses da sociedade. Uma imensa parcela de

brasileiros (84%) acha que os parlamentares trabalham pouco e 52% consideram

que não passa de 10% o número de bons deputados e senadores do país.

Corrobora essa pesquisa elucidação de Gomes (2004) quando revela que o eleitor

“está acostumado a pensar que a política está relacionada com fraude, corrupção e

impunidade, o que, para os partidos e políticos sérios, é o grande desafio da sua

comunicação política” (p. 125). Rubim (2004), atenta para o fato de que mesmo

imersa em problemas de diversas ordens (éticos, morais, etc.), a visão crítica da

política, que descambe para uma negação pura e simples da mesma – como

processo ineficaz, lento e intrinsecamente corruptor – deve ser esquecida; a política

deve ser considerada, mesmo que com todas as suas deficiências, como a melhor

resolução para a questão do poder político com finalidade de gerar um governo

democrático da sociedade. O autor lembra ainda o descrédito dado pela mídia e já

incorporado pela população à palavra promessa. Termo que foi muito utilizado em

campanhas anteriores, mas devido ao seu uso excessivo e à constante falta de real

comprometimento com as promessas feitas, acabou por cair em desuso. Sendo

essa palavra mais um agravante dentro da falta de credibilidade da política e de seu

discurso.

Lavareda1 (1991 apud NETO, 2008, p. 54) resume bem todo o processo

quando diz que “(...) a mídia eletrônica se encarrega atualmente de passar uma

esponja sobre os poucos incentivos à IP dos eleitores, personalizando em demasia a

política, e instaurando a primazia absoluta do marketing eleitoral. (...)”

Todos esses fatores levam a um círculo vicioso que só tende a piorar. Pois a

falta de compreensão do processo como um todo, aliado ao descrédito nos políticos

e na política, leva o eleitor a se satisfazer com a situação de acreditar somente nas

características pessoais do candidato. Dessa forma, a campanha caracteriza-se

cada vez mais como publicidade eleitoral, contendo cada vez menos informação e o

eleitor entende cada vez menos o processo. Afinal, conforme Gomes (2004), uma

das principais funções das campanhas eleitorais seria a de informar e contribuir para 1 LAVAREDA, A. A Democracia nas Urnas: O Processo Partidário Eleitoral Brasileiro. Rio de Janeiro, Rio Fundo/IUPERJ, 1991.

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a formação de uma verdadeira cultura cívica do cidadão, mesmo que tal formação

não seja de inteira responsabilidade dos políticos e de seus partidos, dado o

tamanho atraso histórico dessa cultura em nosso país, essa formação demanda

ações conjuntas de todos os setores da sociedade, o que incluiria o marketing

político e eleitoral e a mídia em geral.

O terceiro dos eixos passíveis de adoção diz respeito aos interesses

temporais e contingentes do eleitorado, definido como natural, em função de

problemas socioeconômicos ou políticos conjunturais com transcendência no

momento da pesquisa. Podem ser escolhidos alguns dos problemas cotidianos dos

eleitores, tais como questões políticas, econômicas ou sociais. Saber quais são

estes interesses é de fundamental importância par adequar o discurso à ideologia,

construindo uma correta interpretação da realidade.

Após definido o eixo da campanha é preciso escolher qual será o tom que

esta irá ter. Para Figueiredo (1994), adotar um tom polêmico significa reservar um

grande espaço da campanha para o adversário, seja criticando ou respondendo aos

ataques. Geralmente a polêmica interessa somente aos candidatos que estão atrás

nas pesquisas, pois o tom neutro, mantido pelo candidato líder, que fala apenas dos

problemas do povo e das soluções que ele têm, o mantém longe de confusão. É

necessário, no entanto tomar cuidado com o reflexo que a escolha do tom tem sobre

a população. Conforme Figueiredo (1994, p. 81):

Posar como “acima do bem e do mal”, ignorando os ataques, pode parecer civilizado. Mas se o candidato começa a despencar nas pesquisas, é importante uma mudança de rumo. Afinal, o objetivo da campanha é ter mais votos, e não ser o mais elegante.

Por fim, ainda de acordo com Figueiredo (1994), é a partir da atitude dos

adversários que depende a escolha do comportamento do candidato. Afinal, é muito

difícil adotar uma postura neutra se os adversários atacam o tempo todo.

O último passo estratégico antes de se colocar o plano em prática refere-se à

escolha dos temas da campanha. Segundo Gomes (2004), “o tema central refere-

se a como será a abordagem da mensagem pelo eleitor, e de que tratará, para que

sua atenção, interesse e ação sejam desenvolvidos” (p. 90). Figueiredo (1994) indica

a combinação de dois princípios conhecidos para definir os principais temas que o

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candidato irá abordar: o da concentração de esforços, de von Clausewitz, e o da

repetição (dos publicitários).

Carl von Clausewitz (1780-1831) era um general e filósofo de guerra

prussiano, reconhecido pelas suas estratégias com aplicabilidade em diversos

ramos de atuação.

“(...) não há lei mais importante ou mais simples para a estratégia do que manter as próprias forças concentradas. Nenhuma tropa deveria ser separada do exército principal a menos que um propósito urgente exigisse seu afastamento. (...) Se reconhecermos a unificação de todas as forças combatentes como a norma, e que qualquer separação ou divisão é um desvio da norma que exige que sejam oferecidas razões, não apenas evitaremos completamente essa loucura, mas muitas razões ilusórias para tal separação serão excluídas.” (GHYCZY et al., 2002, p. 137)

Modernamente essa mesma idéia aparece de uma forma mais mercadológica

sobre a concepção construída por Rosser Reeves na década de 60, de uma

Proposição Única de Venda; ou, em inglês, Unique Selling Proposition (USP). A USP

consiste na idéia de que cada anúncio deve oferecer um benefício claro para o

consumidor; em termos genéricos: Compre este produto e você terá este benefício específico. Este benefício tem que ser um valor positivo, que a

concorrência não pode oferecer ou que ela não oferece. Deve ser também único. Ou

porque se caracteriza como um diferencial da marca ou porque se utiliza de um

apelo nunca antes utilizado naquele campo específico de anúncio. A USP deve

ainda consistir em um apelo tão forte, que seja capaz de mover milhões de pessoas,

trazendo inclusive novos consumidores para o produto. (REEVES1, 1961 apud

http://en.wikipedia.org/wiki/Unique_selling_proposition). Tal explicação é apoiada por

Ferrari (2002), quando afirma que o conteúdo da propaganda deve ser baseado em

“um conceito diferenciador que transmita o principal ou os principais argumentos

motivadores e caracterize nosso produto/serviço, diferenciando-o dos concorrentes”

(p. 38). Note-se que a USP, não é única no sentido de ser apenas uma, mas sim no

sentido de ser singular.

Depois de selecionados os atributos diferenciadores, aplica-se um método

que busca sedimentar esses atributos na mente do eleitor. Para tal, pratica-se a

1 REEVES, Rosser. Reality in Advertising. New York : Alfred A. Knopf, 1961.

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intensa repetição da mensagem, com vistas a cumprir um processo de cinco etapas

denominado AIDAS. De acordo com Gomes (2004, p. 91):

Tabela 1 – Modelo AIDAS

Atenção chamar a atenção do eleitor para a mensagem política;

Interesse despertar o seu interesse pelo partido ou simpatia pelo candidato;

Desejo criar um desejo de votar nele;

Ação lograr a ação de voto, verdadeiro fim da estratégia de marketing

utilizada e da publicidade eleitoral e;

Satisfação realçar a satisfação que o eleitor vai ter pela escolha do candidato

ou produto.

Segundo Figueiredo (1994), na época das eleições quase todos os

candidatos sabem quais são as preocupações dos eleitores e todos passam a falar

sobre os mesmos assuntos. Ou seja: “os profissionais precisam criar uma

comunicação que rompa a desordem criada por todas as outras mensagens, de

forma que o público-alvo pelo menos preste atenção a ela” (CHURCHILL e PETER,

2000, p. 451). Ainda conforme os autores; chamam mais atenção as mensagens

que são distintivas e relevantes para um público que deve ser corretamente

segmentado e para o qual a mensagem deve agregar o maior valor positivo

possível. O interesse irá surgir quando for escolhida a forma pela qual os eleitores

receberão a informação sobre como o candidato poderá propiciar valor para eles. Ou

seja, no meio de tantos apelos semelhantes é preciso se destacar e chamar a

atenção do cliente, depois é necessário explicar ao cliente como será feito o que

está sendo prometido. De tal forma que o eleitor veja não apenas promessas, mas

também, e principalmente, valor naquilo que é dito. Ou seja, o eleitor precisa

enxergar que tais apelos podem, através do governo de determinado candidato,

serem de fato, realizados. Esse entendimento é o que irá gerar o desejo por um

candidato em específico. E por fim, a ação é traduzida no momento do voto, onde o

eleitor vai finalmente expressar a sua opinião. Repare que a criação do desejo no

eleitor, não se traduz obrigatoriamente em voto. Uma vez que mesmo entendendo

que um candidato poderá satisfazer melhor as suas necessidades, eleitores podem

ser levados a mudar de opinião, pela ação dos indivíduos pertencentes a seus

círculos de atuação dentro da sociedade (casa, trabalho, etc.), ou, muito

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comumente, pelo medo de desperdiçar o seu voto em um candidato, quando as

pesquisas mostram outro como provável vencedor. Eleitores também mudam seu

voto de acordo com o “coração. (...) Ou seja: um fato gera uma emoção – e uma

emoção tem o poder de mudar, de repente, a opinião das pessoas” (MENDONÇA,

2001, p. 41). Essa é a variável mais difícil de ser calculada, pois nem sempre

aparece nas pesquisas.

É que, com frequência, costumamos não prestar atenção a uma frase importante, muito repetida pelos pesquisadores. A pesquisa é o retrato de um momento. A fotografia de um agora. Que pode se alterar com o surgimento de um fato novo. (MENDONÇA, 2001, p. 41)

Segundo artigo de Serrano (2006), teorias mais recentes de marketing

assumem que a venda não é o ponto final do processo, mas sim a satisfação do

consumidor. Ou seja, uma vez que o candidato-produto conseguisse satisfazer as

necessidades do consumidor-eleitor, este voltaria a comprá-lo. Assim, muitos

especialistas, passaram a acrescentar o “S” de satisfação, modificando a

nomenclatura AIDA para AIDAS (Atenção, Interesse, Desejo, Ação e Satisfação).

De uma forma mais prática Figueiredo (1994) afirma que existem alguns

métodos para escolher esses temas: 1) de acordo com a preferência do

candidato; 2) de acordo com o resultado das pesquisas e; 3) conforme os pontos

fortes do candidato ou do partido.

O primeiro seria privilegiar os temas que o próprio candidato julga importante.

O autor alerta para o fato de que a escolha do candidato não pode ser desconectada

do mundo. Aqui surge o chamado feeling, que provém da experiência do candidato e

de seus contatos com jornalistas e eleitores. Mas de qualquer jeito é arriscado tomar

decisões de campanha sem o auxílio de pesquisas.

O segundo método caracteriza-se justamente por escolher os temas

principais em função das pesquisas. Assim é possível adequar o discurso do

candidato aos interesses temporais e contingentes do eleitorado. De acordo com

Gomes (2004) no momento de escolher o tema é necessário levar em consideração

a atualidade do tema, a oportunidade e a tendência ou ambiente.

De acordo com a lei da efemeridade de Grandi et al. (1992), as idéias e

aspirações da sociedade obedecem a um ciclo de vida determinado. Nascem,

crescem, atingem seu apogeu, desgastam-se, e afinal, desaparecem. Esses ciclos

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podem ter diversas durações, porém a lei da efemeridade trata dos ciclos de curto

prazo, especialmente interessantes para o marketing eleitoral. A tarefa de detectar

os ciclos e avaliar sua importância cabe aos estrategistas de marketing, que para

isso se utilizam principalmente da pesquisa qualitativa. Para o autor essa é a grande

questão do marketing eleitoral: encontrar e abraçar o ciclo que esteja ascendendo e

que deverá ser o mais importante no momento da campanha. Pegar uma idéia no

apogeu significa dividi-la com outros, sob o risco de, muitas vezes, parecer

oportunista. Por outro lado, escolher um ciclo que está em seu momento

descendente leva o candidato a chegar ao momento da eleição com um tema

obsoleto, que não desperta o menor interesse no eleitorado.

O mesmo autor faz ressalvas no que diz respeito ao aproveitamento dos

ciclos de aspirações, segundo ele, um candidato não pode adotar um tema que vá

contra a sua imagem de longo prazo, sob pena de transmitir falsidade ao eleitorado.

Quanto a isso, Figueiredo (1994) ainda lembra que o discurso não pode soar

artificial. Muitas vezes a história do candidato não bate com os desejos dos eleitores.

Se um político nunca se preocupou com a segurança pública, soa extremamente

artificial que ele se apresente como especialista de uma hora para outra. Ou seja, se

em determinado momento a sociedade não estiver disposta a aceitar o perfil do

candidato, definido por sua história, não há nada a fazer. Nesse caso o máximo que

se pode pretender é uma modificação de estratégia, para que uma eventual derrota

eleitoral possa se transformar em uma vitória política. Para arrematar a opinião dos

outros autores, cita-se Gomes (2004); quando diz que o objetivo principal da

publicidade eleitoral é fazer coincidir a proposta do queremos do partido e do

candidato, com o queremos do eleitorado específico.

Conforme Grandi et al. (1992), outro problema pertinente ao ciclo das

aspirações é posicionar-se depois que outro já o fez. Se a ideia pertinente a um ciclo

já está associada a outro candidato, pode ser bastante difícil, senão impossível,

desalojá-lo de sua posição. Pelas regras do posicionamento, o segundo a chegar

leva enorme desvantagem. Em fim, existem situações em que é preciso repensar a

conveniência de lançar-se candidato naquele exato momento. Conforme visto

anteriormente; algumas vezes o eleitor simplesmente não pode ser persuadido.

Por fim, o terceiro método para a escolha do tema é explorar os pontos fortes

do candidato e do partido. Assim, os candidatos de partidos de esquerda centram

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seu discurso na questão social. Enquanto candidatos de partidos de direita

privilegiam a manutenção da ordem e a eficiência administrativa.

1.8 – COMPORTAMENTO DO ELEITORADO

Conforme visto anteriormente, dos quatro tipos de pesquisas utilizadas para

definir corretamente a postura do candidato uma delas diz respeito às características

do eleitorado, e são dessas características que se pode construir o comportamento

eleitoral. “As análises sobre o comportamento eleitoral podem ser divididas em dois

grandes grupos, um de matriz analítica macrossocial e outro microssocial, também

conhecido como individualismo metodológico. A primeira aponta fatores estruturais,

culturais e históricos como formadores das esferas sociais, econômicas e políticas

de uma sociedade. Considera que cada grupo social tem interesses e busca

representação política própria através de partidos e lideranças. A influência do grupo

é um importante elemento explicativo da escolha eleitoral, pois pessoas que

trabalham e vivem juntas tendem a votar nos mesmos candidatos.” (CASTRO1, 1994

apud NETO, 2008, p. 44 e 45)

A matriz analítica aplicada ao segundo grupo foi elaborada por Downs, que

conforme citação de Neto (2008), no final dos anos 1950, formulou uma proposta

teórica baseada na perspectiva microssocial, ou do individualismo metodológico.

Através dessa proposta “seria possível explicar os comportamentos políticos,

considerando que os indivíduos são racionais e agem intencionalmente, procurando

maximizar seus ganhos, tal como fazem os consumidores no mercado econômico.

Os efeitos do grupo seriam secundários na definição do comportamento eleitoral,

embora não rejeitados.” (DOWNS2, 1999 apud NETO, 2008, p. 45)

Cervi resume:

As diferentes correntes apresentam explicações incompletas para o comportamento eleitoral contemporâneo, na medida em que o eleitor é encarado como um sujeito que decide racionalmente em quem votar, mesmo que essa escolha seja condicionada pelo contexto em que ele insere-se. Como todo voto é uma ação intencional, logo racional, trata-se de uma ação voltada para alcançar da maneira mais eficaz os objetivos

1 CASTRO, Mônica M. Determinantes do comportamento eleitoral : a centralidade da sofisticação política. Tese de Doutorado em Ciência Política, IUPERJ, Rio de Janeiro : 1994. 2 DOWNS, Anthony. Uma teoria econômica da democracia. São Paulo : Edusp, 1999.

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pretendidos por cada eleitor. O importante é não esquecer que os atores políticos agem em situações estruturais e institucionais específicas. Essas situações condicionam suas opiniões, atitudes, seus objetivos e os instrumentos de que dispõem para perseguirem seus objetivos. Por isso, análises recentes levam em conta, por um lado, fatores sócio-econômicos e demográficos, além dos político-institucionais, e, por outro, a dimensão subjetiva e cognitiva do eleitor. (CERVI, 2004, p. 8).

Conforme visto anteriormente à luz de Scotto (2003), aqui retorna a figura do

eleitor-consumidor como agente que exerce o seu voto (ou sua compra) visando à

maximização de seus ganhos, levando em conta principalmente os referidos fatores

sócio-econômicos e a dimensão subjetiva e cognitiva. Isso ocorre em detrimento do

lado político-institucional, que levaria ao aspecto macrossocial de um engajamento

no processo político, sendo este o viés preferencial, em vista à evolução na

construção da cidadania.

Segundo Gomes (2004), das pesquisas sobre o eleitorado podem se destacar

algumas correlações tais como:

População ativa e passiva: A distribuição censitária por idade e atividade

apresenta situações díspares em função de diferentes áreas geopolíticas. O

exercício da atividade produtiva, o mercado de trabalho e suas condições de

desenvolvimento, condicionam o comportamento dos grupos residentes em um

distrito. Isso implica em aceitação ou recusa dos conteúdos da publicidade eleitoral.

Informações sobre gênero: Apesar de atualmente, em termos quantitativos,

esses dois grupos serem iguais, ainda existem problemas específicos de um gênero.

Questões como aborto, anticoncepcionais e legislação trabalhista dizem respeito ao

sexo feminino. Já questões como drogas, educação e saúde, merecem diferentes

abordagens conforme o sexo ao qual se dirigem.

Níveis de renda: O Brasil, segundo pesquisas sociológicas, caracteriza-se

como um país de gritante desigualdade social. Em função disso, os eleitores de

baixa renda, precisam ter as suas motivações percebidas, para que estas sejam

incluídas no programa como problemáticas alternativas.

Comunidades diferenciadas: Outra característica brasileira é a de que aqui

são abrigados grupos sociais que fundamentam sua identidade sobre bases étnicas

(brancos, negros, asiáticos e indígenas), religiosas e culturais (descendentes de

europeus, africanos, indígenas ou asiáticos). O que implica em fenômenos de ordem

especifica e que requer tratamento diferenciado e respeitoso. Além das

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39

comunidades diferenciadas vistas, existem outras, tais como; as de jovens, de

cidadãos de terceira idade, de donas de casa, de homossexuais, de população rural,

de industriários, de comerciários, de estudantes universitários, de empresários, etc.

que merecem ter incluídas nas mensagens, elementos de sua simbologia grupal.

Transformações que ocorrem na sociedade entre os períodos eleitorais:

São mudanças refletidas em vários indicadores, entre eles as atitudes frente aos

valores universais tais como Paz, Justiça, Liberdade, Progresso, Ordem,

Democracia, Igualdade, Direitos Humanos, etc. que podem orientar os

deslocamentos ideológicos dos eleitores. Os valores de ordem universal,

dignificantes e humanistas, costumam ser de grande importância, por isso, muitas

vezes, o candidato chega a ser a síntese do pai de família, que defende os

interesses e crenças de seus filhos; o chefe carismático em que se confia a guarda

dos valores.

Idade e mudança generacional: Conforme Berelson, Lazarsfeld e McPhee1

(1954 apud Gomes, 2004) os jovens são os grandes impulsores das mudanças

políticas, enquanto que as pessoas mais velhas são as que seguram mais as

reformas, já que não são muito dadas a variações em suas demandas políticas.

Além disso, Festinger2 (1962 apud Gomes, 2004) assegura que as pessoas são

propensas a repetir suas decisões políticas numa mesma direção, segundo atitudes

próprias que as orientam e justificam. Se os adultos mais maduros persistem mais

em um comportamento eleitoral, os jovens são fatores determinantes nas mudanças

de opinião, na criação de novas atitudes e nas tendências de voto.

Níveis socioculturais: O nível de educação e o grupo ocupacional de um

eleitor têm forte relação. Muitas das características descritas quando se trata de

nível de ocupação, servem para descobrir as linhas gerais da conduta eleitoral para

os diversos níveis socioculturais. Sendo o nível de escolarização, indicador de traços

ou tendências ideológicas do indivíduo.

Determinação da estrutura de classes: Em toda confrontação eleitoral

democrática, aparece uma das formas de lutas de classes, porém o conceito

marxista não é muito operativo para a publicidade eleitoral, por ser demasiado

totalizador. Aconselha-se então interpretar as desigualdades no sentido funcionalista

1 BERELSON, B., LAZARSFELD, P. F., MCPHEE, W.N. Voting. New York : The University of Chicago Press, 1954. 2 FESTINGER, L. A theory of cognitive dissonance. New York : Stanford University Press, 1962.

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40

que Parsons1 (1970 apud GOMES, 2004, p. 82 e 83) dá ao termo: “uma classe

social é uma série de atores que desempenham papéis e que desfrutam mais ou

menos do mesmo prestígio; um sistema de classes é um conjunto dessas unidades

segundo seu prestígio“. Uma análise desta variável permite descobrir os tipos de

problemas enfrentados pelas classes que formam o sistema, aumentando o

conhecimento sobre o eleitorado, o que por sua vez permitirá uma seleção

adequada da melhor estratégia de comunicação a seguir. Nas sociedades

capitalistas, a agrupação dos indivíduos por níveis de prestígio está mais ou menos

relacionada com o lugar que ocupam na escala da atividade produtiva, podendo isso

ser verificado utilizando alguns índices representados pela renda familiar,

propriedade de bens, etc.

É interessante que se façam pesquisas sobre a conduta eleitoral de

determinadas classes sociais, já que grande parte do eleitorado vota em função das

atitudes de classe. Esse comportamento político se acentua quando a posição vem

acompanhada de certo grau de consciência de classe, consciente ou induzida.

Esses pontos levantados pela autora são importantes para quem vai criar a

campanha, porque são eles que dão a realidade do eleitorado, delimitando o seu

perfil. Dessa forma há elementos para definir o approach comunicativo: se

corresponde ou não às aspirações do grupo-alvo.

1.8.1. – Os eleitores indecisos

Duda Mendonça (2001) relata que depois de ter tomado conhecimento do

contexto político no qual a disputa eleitoral se realizará, procura “conhecer de perto

quem vota e quem pode vir a votar em meu candidato, deixando totalmente de lado

aqueles que o rejeitam” (p. 39). A primeira preocupação do marqueteiro é não perder

votos, por isso, após conhecer o pensamento da parcela de eleitores que já votam

no candidato em questão, o próximo passo é fazer o mesmo com aqueles

denominados “conquistáveis” (p. 40); os eleitores indecisos.

Quero saber se eles já votaram alguma vez no partido político do meu candidato, ou mesmo nele, em alguma eleição passada. Quero saber onde ele está, onde mora, quanto ganha. Quero saber de suas dúvidas. De suas

1 PARSONS, T. Uma revisión de la aproximación analítica a la teoría de la estratificación social. In: BENDIX, R., LIPSET, S. M. Clase, status y poder. Madrid : Euroamérica, 1970

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culpas. De seus medos. De suas esperanças. E, sobretudo, do que ele pensa do meu candidato. Quais são os pontos que o levam a ser atraído por um determinado candidato e quais são os pontos vulneráveis, os que produzem receio e afastamento. (p. 40)

Os indecisos são definidos pelo autor como:

(...) a faixa de público mais importante e mais difícil de ser conquistada, não só porque é uma das mais críticas, e por isso mesmo menos receptiva aos programas eleitorais, como também porque é a que, na maioria das vezes, decide uma eleição. (p. 157)

Pelo que foi analisado anteriormente, é possível notar que o eleitorado

brasileiro em sua grande maioria encaixa-se perfeitamente no perfil de eleitor

indeciso. Para Gomes (2004, p. 80), “o eleitorado é um conglomerado volúvel,

inconstante e em mudança contínua, sendo bastante frágil, rompendo-se ante

qualquer eventualidade econômica ou social.”

Grandi et al. (1992) faz uma análise sobre os eleitores indecisos e sua

indiferença quanto aos candidatos. Para ele a redução gradual dessa indiferença

obedece cinco etapas distintas. A saber:

Fluxograma 1

Indiferença ► Indefinição ► Indecisão ► Simpatia ► Adesão

A fase de indiferença predomina no processo decisório. Em países onde não

há obrigatoriedade de voto, os eleitores não chegam nem mesmo a sair dessa fase.

Os elevados índices de abstenção eleitoral, nesses casos, demonstram o quanto é

difícil sensibilizar um indiferente.

Seis meses antes da eleição, cerca de 10% do eleitorado está posicionado em relação aos virtuais candidatos, não apenas em termos de adesão a um nome, como de rejeição a um outro. Ao iniciar a propaganda gratuita na televisão e no rádio, o eleitor-padrão começa a ouvir as propostas dos candidatos. Os eleitores entram gradualmente na fase de indefinição, seguidos da indecisão, mais tarde simpatia ou antipatia a algumas candidaturas, e finalmente tomam sua decisão, baseados na adesão ou rejeição a algum nome. (GRANDI et al., 1992, p. 51)

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Note-se que ao sair da fase de indiferença, transição que segundo o autor só

acontece depois do início da propaganda eleitoral, as fases seguintes seguem o

mesmo padrão de evolução do modelo AIDAS, comentado anteriormente. O que

caracteriza mais uma vez a possível transposição do marketing comercial para o

marketing eleitoral. E ainda comprova a eficácia do último como agente definidor de

um posicionamento por parte do eleitorado, uma vez que é apenas com o começo

das propagandas que fica possível sair da fase de indiferença, do contrário, sem o

auxílio dos comerciais, que têm a televisão como principal meio de veiculação, tal

processo seria muito mais lento e muito menos eficaz, lembrando todos os fatores

que conferem grande poder a esse meio, conforme visto anteriormente.

Gomes (2004) diz que o grupo dos eleitores indecisos é “constituído por

aqueles cuja conduta de voto é tradicionalmente inconsistente, flutuante em cada

ocasião, e incoerente em sua ideologia entre uma eleição e outra.” E corrobora a

posição de Mendonça (2001): “Este é um eleitorado basicamente influenciável pela

publicidade eleitoral. É importante, na hora de definir o tema da campanha

publicitária, o conhecimento deste eleitorado (...)” (p. 127).

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CAPÍTULO 2 - O CONTEXTO POLÍTICO

Conforme visto no capítulo anterior o contexto político é de extrema

importância para o sucesso da campanha. E é por isso que nesse capítulo será

descrita a história política brasileira desde o início da ditadura até a eleição de Lula

em 2002.

“Somente a partir das eleições majoritárias de 1982 o marketing político

passou a ser utilizado com mais rigor e regularidade nas campanhas eleitorais”

(FIGUEIREDO, 1994, p. 27). É com base nessa declaração que se estipula começar

a descrição histórica da política brasileira a partir do início da ditadura militar,

acreditando-se assim satisfazer o propósito de contextualizar o processo eleitoral de

2002. A ditadura que começou em 1964 e terminou em 1985, teve entre os anos de

1966 e 1979 um período de bipartidarismo, e foi só com a volta do pluripartidarismo,

que em 1982 foram abertas novamente as eleições diretas, realizadas para todos os

cargos menos para presidente. Sendo assim, faz-se necessário analisar o regime

militar até este início de uma abertura gradual, que conforme o autor acima citado,

caracterizou no Brasil o marco do inicial da utilização do marketing político com

seriedade.

As informações históricas aqui reunidas foram retiradas em sua maior parte

do livro ‘Os Presidentes e a República’, editado em 2009 pelo Arquivo Nacional, no

Rio de Janeiro. As informações complementares pertencem à reconstrução histórica

encontrada no livro ‘Eleições: História e Estratégias’, Porto Alegre, EDIPUCRS,

1999.

2.1 – O REGIME MILITAR

Os governos militares foram marcados por sucessivas manifestações da

oposição, que resultaram em intervenções em sindicatos, extinção de entidades de

representação estudantis, invasões de universidades, além de detenções e prisões

indiscriminadas. Para muitos, a saída foi o exílio.

Em 2 de abril de 1964, sob o pretexto de reinstaurar a ordem social e retomar

o crescimento econômico, contendo o avanço do comunismo e da corrupção no

Brasil, a junta militar liderada pelo General Artur da Costa e Silva, depõe o

presidente João Goulart e passa a governar em caráter provisório. No dia 9 de abril

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é promulgado o Ato Institucional n° 1 (AI-1) que previa, entre outras coisas, eleições

indiretas para presidente da República, realizadas no dia 11 de abril, e vencidas pelo

marechal Humberto de Alencar Castelo Branco que toma posse no dia 15 do mesmo

mês.

Uma das primeiras medidas do governo foi o rompimento das relações

diplomáticas com Cuba, assinalando a mudança de orientação de política externa

brasileira, que passaria a buscar apoio econômico, político e militar nos Estados

Unidos. Em junho de 1964, foi criado o Serviço Nacional de Informações (SNI),

órgão encarregado das atividades de informação e contra-informação no interesse

da segurança nacional.

No dia 15 de julho de 1965, o presidente Castelo Branco assina a Lei

Orgânica dos Partidos (lei n° 4.740) e o novo Código Eleitoral que, entre outras

determinações, limita a campanha eleitoral a seis meses antes do pleito, proíbe

alianças para eleições majoritárias e estabelece a vinculação entre presidente e vice

nas eleições presidenciais, sendo todos os eleitos proibidos de trocar de partido. A

nova lei determina que só serão legalizados os partidos que tiverem 3% dos votos

nas eleições legislativas em 11 estados (e um mínimo de 2% no estado), os que

elegerem 12 deputados federais em 7 estados e os que tiverem 11 diretórios

estaduais. Assim só a UDN e o PSD poderiam legalizar-se, o PTB de Getúlio Vargas

e o Partido Comunista Brasileiro (PCB), entre outros, ficam de fora.

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Pra ampliar os poderes do executivo segue a promulgação de uma série de

atos institucionais:

Tabela 2 – Atos institucionais

Ato Institucional n° Data Determinações

1

9 de abril de 1964

Eleições indiretas para presidente da República, suspensão temporária da estabilidade dos funcionários públicos, suspensão da imunidade parlamentar e cassação de mandatos eletivos, suspensão dos direitos políticos por dez anos, fortalecimento do poder do presidente da Republica e decretação do estado de sítio sem aprovação parlamentar.

2

27 de outubro de 1965

Extinção dos partidos políticos e julgamento de civis por tribunais militares.

3

5 de fevereiro de 1966

Eleições indiretas para o governo dos estados e a indicação dos prefeitos das capitais pelos governadores.

4 7 de dezembro de 1966 Convocava o Congresso Nacional para votar a nova Constituição.

5

13 de dezembro de 1968

Fechamento do legislativo pelo presidente da República, suspensão dos direitos políticos e garantias constitucionais, intervenção federal em estados e municípios e a demissão e aposentadoria de funcionários públicos.

Algumas complementações referentes ao quadro acima: O fortalecimento do

poder do presidente da República decretado pelo AI-1, significava que o presidente

poderia apresentar projetos de lei e emendas constitucionais que deveriam ser

votadas em trinta dias, do contrário seriam aprovadas por decurso de prazo. O AI-2

e o Ato Complementar n° 4 (AC-4), de 20 de novembro de 1965, criavam normas

adicionais para criação de novos partidos, exigindo que estes tivessem no mínimo

120 deputados, 20 senadores e proibindo-os de usarem nomes siglas e símbolos

dos partidos extintos. Era então estabelecido o bipartidarismo, caracterizado pela

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Aliança Renovadora Nacional (ARENA), de apoio ao governo, e o Movimento

Democrático Brasileiro (MDB), de oposição. Todos os atos institucionais foram

assinados pelo presidente Castelo Branco, logo no início do regime, com exceção do

AI-5 que foi promulgado pelo presidente Costa e Silva.

O grande problema do Brasil na época tinha suas origens no segundo

mandato do advogado Getúlio Dornelles Vargas (31 de janeiro de 1951 e 24 de

agosto de 1954) e chamava-se inflação. A tendência inflacionária surgida no

governo de Getúlio derivava do aumento das divisas geradas pelos altos preços

alcançados pelo café no mercado internacional, expandindo a quantidade de moeda

em circulação. A inflação decorria também do endividamento com as importações

promovidas por receio de uma crise internacional que se anunciaria com a guerra da

Coreia.

Finalmente, um outro problema com que se defrontava o país era relativo ao

próprio crescimento industrial, incompatível com a estrutura energética e de

transportes então existente. Tal crescimento era favorecido pela valorização do

cruzeiro e conseqüente redução das exportações e aumento da importação de

equipamentos, máquinas e outros insumos, excluindo-se os bens de consumo,

processo que teve início no governo do marechal Eurico Gaspar Dutra, o antecessor

de Getúlio.

Note-se que o problema da inflação remonta a um período remoto da história

política brasileira. Desde então todos os presidentes tentaram estabilizar a

economia, tarefa que só será concretizada no governo de Itamar Franco em 1994.

Para resolver esse problema, Castelo Branco, na área econômica

implementou o Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG), com o objetivo de

conter a inflação, retomar o crescimento econômico e normalizar o crédito. Em 1964,

destacaram-se a criação do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central.

Nesse mesmo ano foi criado o Banco Nacional de Habitação (BNH), com o objetivo

de promover a construção e a aquisição de moradias pelas classes de menor renda.

Em setembro de 1966, o governo instituiu o Fundo de Garantia por Tempo de

Serviço (FGTS), que substituiu a estabilidade do trabalhador no emprego (retirada

pelo AI-1), e em novembro, unificou os institutos de aposentadoria e pensões,

criando o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS).

Em 24 de janeiro de 1967 entrou em vigor a nova Constituição Federal. A

constituição incorporava as alterações dos AI’s e dos Atos Complementares, além

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de conferir mais poder ao Executivo, restringir a autonomia dos estados, a liberdade

dos partidos, o direito de greve, a imunidade parlamentar e a autonomia do

Judiciário.

Em fevereiro foi baixado o decreto que autorizou a entrada em circulação do

Cruzeiro Novo, e em março entraram em vigor duas leis que definiram os limites do

novo regime: a Lei de Imprensa, que restringia a liberdade de expressão, e a Lei de

Segurança Nacional, que definiu os crimes contra a segurança nacional e a ordem

política e social.

Em 15 de março de 1967 sai Castelo Branco e entra Costa e Silva. O ano de

1968 foi marcado pela intensificação dos protestos e a imediata reação do governo.

O ponto alto das manifestações que contavam com a participação de amplos setores

da sociedade foi a Passeata dos Cem Mil, ocorrida no Rio de Janeiro. Em

setembro, o deputado Márcio Moreira Alves, do MDB, discursou da Câmara dos

Deputados, responsabilizando os militares pelas violências praticadas contra os

estudantes. Seu pronunciamento foi considerado ofensivo às forças armadas e

resultou no pedido de cassação de seu mandato pelo governo, negado pela Câmara

dos Deputados em 13 de dezembro de 1968, tal derrota levou à promulgação do AI-

5 no mesmo dia.

Na área econômica o período era de crescimento, e no campo administrativo

foram criadas a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e a Empresa Brasileira de

Aeronáutica (EMBRAER).

Vítima de uma trombose cerebral, Costa e Silva foi afastado do governo em

30 de agosto de 1969. O país passa então dois meses sob o comando de uma junta

militar, até que o general Emílio Garrastazu Médici é eleito presidente em 30 de

outubro.

O período foi marcado pelo recrudescimento da repressão política, da

censura aos meios de comunicação e pelas denúncias de tortura aos presos

políticos. Devido à intensificação da ação de esquerda o governo passou o comando

das operações repressivas para o Comando de Operações de Defesa Interna

(CODI) que coordenava as atividades dos Departamentos de Operações e

Informações (DOIs).

Na área econômica, numa conjuntura internacional favorável, observou-se o

chamado milagre econômico, que consistiu na grande expansão da economia

brasileira, expressa no vertiginoso crescimento do PIB, na estabilização dos índices

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inflacionários, na expansão da indústria, do emprego e do mercado interno. Em 1970

foi criado o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e em

1973, o Brasil assinou um contrato com a Bolívia, para a construção de um gasoduto

entre Santa Cruz de La Sierra e Paulínia, e com o Paraguai, para a construção da

usina hidrelétrica de Itaipu.

Em 15 de março de 1974 o General Ernesto Geisel assume a presidência e

inicia o processo denominado por ele mesmo de distensão lenta, gradual e segura, com vistas à reimplantação do sistema democrático no país. Volta então a

ser permitida a propaganda eleitoral, o que aumenta consideravelmente os

representantes do MBD na Câmara dos Deputados e no Senado. Nesse ano ocorre

o fim da suspensão dos direitos políticos determinada pelo AI-1, e em 1975 tem fim

a censura prévia ao jornal O Estado de São Paulo. Em 1976, foi elaborada a Lei

Falcão, que alterou a propaganda eleitoral, impedindo o aparecimento de candidatos

ao vivo no rádio e na televisão. Em 1978, ocorre a primeira greve de operários

metalúrgicos desde 1964, em São Bernardo do Campo, salientando-se, na ocasião,

a liderança de Luiz Inácio da Silva, o Lula, presidente do sindicato da categoria.

O plano econômico do governo ressentiu-se, entretanto, do impacto da crise

do petróleo, do aumento da dívida externa e do desequilíbrio da balança de

pagamentos. Em 1978, no final do governo Geisel, os principais problemas da

economia continuavam sendo o crescimento da taxa de inflação e da dívida externa.

Em 31 de dezembro de 1978, o presidente Geisel revogou o AI-5, dando um passo

decisivo no processo de redemocratização do país.

Em 15 de março de 1979 assume a presidência o general João Batista de

Oliveira Figueiredo, que deu continuidade ao processo de abertura iniciado pelo

governo anterior.

Em agosto de 1979 foi aprovada a Lei da Anistia, que beneficiou cidadãos

destituídos de seus empregos, presos políticos e parlamentares cassados desde

1964, permitindo a volta de exilados ao país.

Em novembro, é enviada ao congresso, a nova Lei Orgânica dos Partidos (Lei

6767, aprovada em 19 de dezembro de 1979), que extinguia o bipartidarismo. No

mesmo mês também entrou em vigor o projeto do governo que previa eleições

diretas de governadores e extinguia a figura do senador eleito indiretamente. Com o

fim da ARENA e do MDB, formaram-se os seguintes partidos:

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Tabela 3 – Partidos formados com o fim do bipartidarismo

Sigla Partido Origem/Integrantes

PDS Partido Democrático Social Congregava a maior parte

dos ex-arenistas

PMDB Partido do Movimento

Democrático Brasileiro

Constituído pelos antigos

emedebistas

PP Partido Popular Fundado pelo senador

emedebista Tancredo

Neves e dissidentes da

ARENA

PTB Partido Trabalhista Brasileiro Liderado pela ex-deputada

Ivete Vargas

PDT Partido Democrático Trabalhista Liderado pelo ex-

governador gaúcho Leonel

Brizola

PT Partido dos Trabalhadores Fundado pelo líder sindical

Luiz Inácio Lula da Silva

À tabela acima cabem as seguintes informações adicionais encontradas em

Pedroso e Torresini (1999):

A sigla do antigo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) constitui-se em objeto de grandes disputas entre Ivete Vargas, aparentada com Getúlio Vargas, criador do antigo PTB, e Leonel Brizola. Ambos julgavam-se herdeiros políticos de Vargas e com direito à referida legenda. O Tribunal Superior Eleitoral acabou por dar ganho de causa a Ivete Vargas, restando a Brizola adotar nova sigla para o partido que estava construindo. Assim, surgiu o Partido Democrático Trabalhista (PDT) que teve significativa penetração no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro, antigos redutos petebistas. Da convergência de três importantes setores da sociedade – novo movimento sindical, militantes ligados à ala progressista da Igreja Católica e as comunidades eclesiais de base e representantes da intelectualidade brasileira de esquerda – surgiu o Partido dos Trabalhadores (PT). (PEDROSO, Elizabeth K., TORRESINI, Elizabeth R. (org.), 1999, p. 25)

Em 1981 foi decretado um novo pacote eleitoral complementar a reforma

partidária de 1979. Ainda segundo as autoras:

Entre as determinações do novo pacote, incluía-se a proibição de coalizões para a escolha de candidatos aos governos estaduais, era criado o voto vinculado, sendo o eleitor impedido de votar em candidatos de partidos diferentes e ficava determinado que um candidato só poderia renunciar a sua candidatura se seu partido se retirasse do processo eleitoral. (PEDROSO, Elizabeth K., TORRESINI, Elizabeth R. (org.), 1999, p. 26)

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Durante o governo Figueiredo o modelo econômico adotado pelos governos

militares, agravado pela nova crise do petróleo (1979) e a elevação dos juros no

mercado internacional, se esgotou. Em 1981 a dívida externa aumentou e chegou a

61 bilhões de dólares, este fenômeno ainda estava relacionado ao crescimento

negativo do PIB e aos altos índices inflacionários, o que acabou por gerar a

estagnação das atividades econômicas e produtivas aliada à inflação dos preços.

Em 1982 nasce o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

(BNDES) e um ano depois é criada a Central Única dos trabalhadores (CUT). Em

novembro do mesmo ano realizaram-se eleições diretas. Só não foram à votação os

cargos de presidente e prefeito. A oposição obteve maioria na Câmara dos

Deputados, e o PDS no Senado e nos governos estaduais. Lembra-se que os

prefeitos eram indicados pelos respectivos governadores de seus estados e o

presidente só seria eleito diretamente em 1989.

Em 1983 formou-se uma frente única, que reuniu partidos e entidades de

oposição numa campanha que tomou o país, reivindicando eleições diretas para a

presidência da República, era a campanha das “Diretas Já”. A emenda

constitucional das diretas, de autoria do deputado peemedebista Dante de Oliveira,

foi derrotada na Câmara em abril de 1984.

2.2 – DE TANCREDO A FHC

Em janeiro de 1985, Tancredo Neves e José Sarney foram eleitos

indiretamente pelo Colégio Eleitoral, respectivamente, presidente e vice-presidente

da República, derrotando os candidatos governistas Paulo Maluf e Flávio Marcílio.

O advogado Tancredo foi internado em estado grave na véspera da posse,

assumindo interinamente o cargo o vice-presidente José Sarney. Tancredo faleceu

em São Paulo, no dia 21 de abril de 1985. Foi, portanto eleito, mas não chegou a

governar, tornando se parte da galeria dos que foram ungidos pela Nação brasileira para a Suprema Magistratura, para todos os efeitos legais. No mesmo

dia da morte de Tancredo, assume como presidente o vice e também advogado,

José Sarney.

Segundo Pedroso e Torresini (1999), no dia 10 de maio de 1985, através da

Emenda Constitucional n° 25, ficou instituído o direito de voto aos analfabetos

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(proibido desde 1946), extinta a fidelidade partidária (que vigorava desde 1965) e

abrandadas as exigências para registro de partidos políticos (demandadas desde

1965). Essas medidas, que mais tarde foram incorporadas à nova Constituição,

trouxeram grandes reflexos sobre o sistema partidário nacional, permitindo, por

exemplo, a legalização do PCB (na ilegalidade desde 1965) e do PC do B.

O governo Sarney criou três planos fracassados com medidas relacionadas a

estabilização da inflação. Em 1° de março de 1986, o Plano Cruzado (que

implantava uma nova moeda no país), congelou os preços e salários. Inicialmente a

inflação se manteve inferior a 2% ao mês, mas em dezembro daquele ano, o

aumento camuflado de preços provocou um aquecimento excessivo da economia.

Em janeiro de 1988 o ministro da economia foi substituído, e então um novo plano

de estabilização foi implantado, devido ao contínuo aumento da inflação, em janeiro

de 1989 nasceu um terceiro programa econômico batizado de Plano Verão que

também fracassou, encerrando o ano com taxa anual de inflação de 1.764,86%.

Para reconstruir a democracia e enfrentar a inflação, em 5 de outubro de 1988

é promulgada a nova constituição. A Carta estabelecia eleições diretas em dois

turnos para presidente, governadores e prefeitos, adotou o presidencialismo como

forma de governo, afirmou a independência dos três poderes, restringiu a atuação

das forças armadas, estendeu o voto aos analfabetos e maiores de 16 anos,

universalizou o direito de greve, entre diversas outras garantias civis, sociais e

trabalhistas, deixando lacunas, no entanto, no que se refere à reforma agrária.

Destacou-se, nesse período, a criação do Ministério da Cultura, em 15 de

março de 1985, e na política externa, foram reatadas relações diplomáticas com

Cuba e assinado o protocolo do MERCOSUL, em conjunto com a Argentina e o

Uruguai.

Conforme a nova Constituição promulgada por Sarney em 88, o ano de 1989

estava marcado para ser o ano das primeiras eleições diretas para presidente em 29

anos. Para o cargo foi eleito o jornalista, Fernando Afonso Collor de Melo, que

concorrendo pelo PRN venceu Luiz Inácio Lula da Silva candidato da Frente

Popular. No primeiro dia de governo, Collor anunciou o plano econômico de combate

a inflação, que confiscou provisoriamente contas de poupança, contas correntes e

outras aplicações financeiras, a partir de determinado valor. O programa de governo

estabeleceu também a extinção de órgãos públicos, a demissão e a disponibilidade

de funcionários federais, além de promover a privatização de inúmeras empresas

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públicas. O enxugamento do meio circulante reduziu drasticamente a inflação, e o

déficit fiscal foi igualmente diminuído. As tarifas aduaneiras foram eliminadas,

aumentado as importações consideravelmente, o cruzeiro valia mais que o dólar,

dessa forma houve diminuição das exportações e redução das vendas no mercado

interno. O país entrou então em recessão econômica devido a queda da produção

industrial e a expansão do desemprego.

Com a volta da inflação no final de 1990, as mesmas políticas implantadas no

inicio do governo foram intensificadas, provocando um choque na indústria nacional.

De modo geral, o projeto de modernização implementado pelo governo, visando à

diminuição de gastos públicos e o incentivo à economia de mercado, ajustava-se à

idéia de Estado Mínimo e à nova ordem mundial, neoliberal, que se impôs com o

término da Guerra Fria.

Em 1992 foi denunciada na imprensa a existência de um esquema de

corrupção no governo, comandado por Paulo César Farias, ex-tesoureiro da

campanha presidencial de Collor. A CPI instalada para investigar as denúncias

encerraria seus trabalhos recomendando o afastamento de Collor da presidência.

Respaldada por maciço apoio popular, a abertura do processo de impeachment foi

aceita pela Câmara dos Deputados em 29 de setembro de 1992. Collor foi então

afastado do cargo para aguardar o julgamento, sendo substituído interinamente pelo

vice Itamar Franco. Em 29 de dezembro Collor renunciou a presidência, horas antes

de ser condenado pelo Senado por crime de responsabilidade, perdendo seus

direitos políticos por oito anos.

Com a renúncia de Collor, o engenheiro Itamar Augusto Cautiero Franco, seu

vice, assume definitivamente a presidência. Em março de 1993, foi aprovado pelo

Senado o Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira (IPMF) calculado em

0,25% do valor dos cheques emitidos até dezembro de 1994.

Em 21 de abril de 1993 foi realizado um plebiscito, conforme previa a

constituição de 1988, para escolher a forma e o sistema de governo no Brasil, tendo

sido o regime republicano e o sistema presidencialista confirmados pela maioria dos

eleitores.

Em maio, Itamar nomeou o ministro das Relações Exteriores, Fernando

Henrique Cardoso, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), para assumir

o Ministério da Fazenda. Iniciou-se então um combate a inflação que incluía a

redução dos gastos públicos e a intensificação do processo de privatizações (algo

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parecido com a abordagem de Collor). Em fins de julho foi decretado o corte de três

zeros na moeda, que passou a se chamar Cruzeiro Real. Em dezembro foi lançado

o Plano de Estabilização Econômica, que visava, entre outras medidas, preparar a

economia para a entrada em circulação de uma nova moeda, o Real, antecedida

pela adoção da Unidade Real de Valor (URV), que passou a vigorar a partir de 1° de

março de 1994 como um indexador único da economia. Foi então que em julho, o

Real entrou em circulação, cotado acima da moeda norte-americana. O plano

promoveu a queda da inflação, e no primeiro trimestre de 94 a atividade econômica

cresceu em proporções comparáveis apenas ao início da década de 1980,

verificando-se um grande aumento do consumo, apesar da manutenção das altas

taxas de juros.

Em 1994, o relatório do Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento (PNUD) situou o Brasil no ápice da concentração de renda entre

174 países do mundo. O programa de privatizações executado durante o governo

Itamar abrangeu a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), a Aço Minas Gerais

Gerais (Açominas) e a Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa), além de

subsidiárias da Petrobrás.

A estabilidade econômica alcançada com o Plano Real garantiu ao ministro

Fernando Henrique, candidato do PSDB à sucessão de Itamar Franco, uma posição

confortável na disputa presidencial de 94, realizada também contra Lula.

Descompatibilizado do cargo desde abril de 1994, Fernando Henrique elegeu-se no

primeiro turno das eleições presidenciais, conquistando 54,3% dos votos válidos.

Sob o impacto do êxito do Plano Real, o maior desafio do governo Fernando

Henrique foi manter a estabilização da moeda e, ao mesmo tempo, promover o

crescimento econômico, que apesar do pico no primeiro trimestre de 94, estava

estagnado devido justamente aos mecanismos empregados para manter a

estabilização da moeda. Para atingir tais objetivos e na tentativa de adaptar o país

as novas realidades da economia mundial, determinados assuntos passaram a fazer

parte do cotidiano político nacional. Tais como reforma administrativa e

previdenciária, desregulamentação de mercados, flexibilização das regras de

contratação de mão de obra e fim do monopólio estatal nas áreas de siderurgia,

energia e telecomunicações. O programa de privatizações, que visava diminuir o

controle do Estado (característica da anteriormente citada idéia de Estado Mínimo),

a despeito das críticas da oposição, foi implementado com eficácia: o setor de

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energia elétrica, na área de distribuição e geração regional, foi completamente

privatizado; o setor de telecomunicações, incluindo a Telebrás e as empresas

telefônicas estaduais, passou às mãos da iniciativa privada na segunda metade de

1998; teve fim o monopólio da Petrobrás sobre a exploração e o refinamento do

petróleo e sobre a exploração de gás natural; e o controle acionário da Companhia

Vale do Rio Doce passou, em maio de 1997, a um consórcio formado por bancos

nacionais e estrangeiros e fundos de pensão.

Em 1995, visando à desindexação da economia, o governo proibiu o reajuste

automático dos salários pela inflação e estabeleceu a livre negociação entre patrões

e empregados (o Estado, mais uma vez, direcionando-se para ter a menor influência

possível, conforme política Neoliberal pós-Guerra Fria). Em novembro desse ano,

uma medida provisória ampliou os poderes do Banco Central parta intervir, quando

necessário, nas instituições bancárias, com o objetivo de evitar que a crise que

atingiu o setor - resultante da queda das taxas de inflação, das medidas de

contenção do consumo e da consequente diminuição dos lucros obtidos com a

especulação financeira - se alastrasse e comprometesse todo o sistema financeiro.

A estabilização da economia, com a contenção do processo inflacionário,

permitiu o crescimento da renda média dos trabalhadores assalariados. Contudo, os

mecanismos utilizados na defesa da moeda nacional e a manutenção de altas taxas

de juros implicaram um ritmo lento de crescimento econômico e, em decorrência, a

elevação do índice de desemprego, que atingiu 5,6% em 1997 e 7,6% em 1998,

Segundo dados da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (FIBGE).

Fernando Henrique, em 4 de junho de 1997, consegue aprovar a emenda que

permite a reeleição. E dessa forma vence Luiz Inácio Lula da Silva pela segunda

vez, elegendo-se novamente no primeiro turno, com 53,06% dos votos.

O segundo mandato do presidente iniciou-se com uma ruptura na política

cambial até então praticada: em janeiro de 1999 o Real sofreu uma desvalorização e

o Banco Central adotou a livre flutuação do Dólar, o que contribuiu para o aumento

das exportações (em baixa desde o governo Collor) e a redução da taxa de juros

(que vinha aumentando gradativamente desde o começo do Plano Real no governo

Itamar).

Em agosto de 2002 em meio ao processo eleitoral, a desconfiança dos

mercados, a elevação do risco Brasil na avaliação das agências internacionais e a

disparada da cotação da moeda americana fizeram com que o Brasil fechasse um

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acordo com o FMI da ordem de 30 bilhões de dólares, elevando o piso das reservas

internacionais do país. O pouco dinheiro no mercado interno devido aos altos índices

de importações projetados com a finalidade de reduzir a inflação, mais a alta taxa de

juros, dificulta o crescimento da economia e produz elevada taxa de desemprego,

daí o motivo do empréstimo, para aumentar o dinheiro circulante no país. O ano de

2002 se encerrou com a inflação anual atingindo os dois dígitos e a taxa de

desemprego em 9,4%.

A política social foi amplamente trabalhada nos dois governos de FHC. Foram

criados em todos os níveis (saúde, renda, educação, etc.), inúmeros programas de

ajuda a população carente. Na área da saúde ocorre, pelo congresso nacional, em

fevereiro de 1999, a aprovação da lei dos medicamentos genéricos, distinguindo-se

ainda o programa de combate a AIDS. E na educação, ao final do período, o

governo obteve a marca de 97% das crianças na escola. Entretanto, segundo o

censo do IBGE, realizado em 2000, o País possuía uma das piores taxas de

analfabetismo da América Latina, equivalente a 17,6 milhões de pessoas.

Contudo, no final de 2002, o presidente Fernando Henrique Cardoso foi

considerado pelas Nações Unidas a autoridade mundial que mais se destacou

naquele ano no campo do desenvolvimento humano.

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CAPÍTULO 3 - A HISTÓRIA DE LULA E DO PT Neste capítulo será abordada a história de vida de Luiz Inácio Lula da Silva,

bem como suas disputas presidenciais, além da pré-história e da história de

formação do PT. Este capítulo torna-se relevante, pois continua uma reconstrução

histórica que objetiva contextualizar as eleições de 2002. Termos como a mudança

e fatores como o descontentamento com a política, além das razões que levavam o

povo a ter medo do PT e de seu candidato, só podem ser entendidos com o apoio

desses capítulos, do contrário tornam-se afirmações vagas e sem sustentação

histórica suficiente.

3.1 – A HISTÓRIA DE LULA

Luiz Inácio Lula da Silva é Metalúrgico, nasceu na cidade de Garanhuns,

estado de Pernambuco, em 27 de outubro de 1945. Em 1952 migrou com a família

para Santos (SP) e em 1956 mudou-se para a cidade de São Paulo, onde aos 12

anos obteve seu primeiro emprego em uma tinturaria. Ingressou na Fábrica de

Parafusos Marte aos 14 anos e ali permaneceu por quatro anos, alternando o

trabalho na fábrica com a formação no Serviço Nacional de Aprendizagem (SENAI),

onde obteve o diploma de torneiro mecânico. Ainda em São Paulo, em 1964

trabalhou na Metalúrgica Independência, e em 1965, depois de alguns meses

desempregado, ingressou na Metalúrgica Villares, em São Bernardo do Campo.

Em 1967 começou a participar do movimento sindical, tornando-se presidente

do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema em 1975. Em

seu primeiro mandato, em plena ditadura militar, lançou a campanha pela

recuperação das perdas salariais dos metalúrgicos durante os anos de 1973 e 1974,

reunindo diversos setores do sindicalismo no movimento contra a política econômica

do governo. A situação de Lula à frente do Sindicato dos Metalúrgicos caracterizou-

se pela busca de ampliação das bases do movimento sindical e pela organização de

greves como recurso político. Em 1978 foi reeleito presidente do sindicato e, no ano

seguinte, destacou-se como líder na paralisação de cerca de 150 mil metalúrgicos

do estado de São Paulo. A repressão policial aos movimentos grevistas se

intensificou durante os anos de 1979 e 1980, quando o sindicato sofreu intervenção

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do Ministério do Trabalho e vários dirigentes sindicais, entre eles Lula, foram presos

e processados pela Lei de Segurança Nacional.

Com o fim do bipartidarismo e a aprovação da nova Lei Orgânica dos Partidos

pelo Congresso Nacional, foi apresentado o manifesto de lançamento do Partido dos

Trabalhadores (PT) na cidade de São Paulo, em fevereiro de 1980. O novo partido

fundado por Lula, intelectuais, sindicalistas e dirigentes de movimentos sociais

concorreu, em 1982, pela primeira vez, nas eleições legislativas e para os governos

estaduais. Nesse pleito, Lula disputou o governo de São Paulo, conquistando o

quarto lugar.

O processo de abertura gradual do regime levou o PT a defender a ideia de

uma campanha popular pelas eleições diretas para a Presidência da República,

movimento conhecido como Diretas Já, que teve em Lula uma de suas principais

lideranças. Em 1983, participou da fundação da Central Única dos Trabalhadores

(CUT), e em 1986 candidatou-se à Assembleia Nacional Constituinte pelo estado de

São Paulo, tornando-se o deputado federal mais votado do país.

Em 1989, concorreu à Presidência da República pela Frente Brasil Popular,

coligação formada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Verde (PV), Partido

Socialista Brasileiro (PSB) e Partido Comunista do Brasil (PCdoB), tendo sido

derrotado no segundo turno pelo ex-governador de Alagoas, Fernando Collor de

Melo. Disputou, sem êxito, as eleições presidenciais de 1994 e de 1998, vencidas

em primeiro turno por Fernando Henrique Cardoso. Em 2002, foi eleito Presidente

da República com cerca de 53 milhões de votos, uma das mais expressivas

votações da história do país, derrotando o candidato governista José Serra.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tomou posse em 1° de janeiro de 2003,

em meio a uma gigantesca festa cívica que reuniu 150 mil pessoas e tomou a cidade

de Brasília. Em seu discurso para a multidão que o saudava em frente ao parlatório

do Palácio do Planalto, anunciou o seu projeto prioritário, o Fome Zero, inaugurando,

em suas palavras, o primeiro dia de combate à fome no Brasil. (Fonte: Os presidentes e a república : Deodoro da Fonseca a Luiz Inácio Lula da Silva /

Arquivo Nacional, Presidência da República, 4° ed., 2009)

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3.1.1 – As disputas eleitorais de Lula

Aqui interessam somente os pleitos presidenciais disputados por Lula. Todas

as disputas pela presidência ocorridas após o fim da ditadura tiveram a presença de

Lula.

Conforme análise do processo eleitoral de 89 feita por Figueiredo em O que é marketing político, Collor foi eleito porque representava tudo o que a sociedade

queria naquele momento, e posicionou-se dessa forma; mesmo que estas não

fossem suas características natas. A eleição de Collor foi uma exceção à regra

mencionada no primeiro capítulo, que dizia que um candidato não se elege em cima

de uma imagem forjada, ou seja, sobre uma ilusão criada para o eleitor. Acontece

que Collor era um candidato sem passado, então qualquer imagem que ele

apresentasse era passível de credibilidade. ”(...) metade do eleitorado nacional

nunca tinha ouvido falar do seu nome em março de 89, segundo o IBOPE”.

(FIGUEIREDO, 1994, p. 17) O próprio marqueteiro do Lula nos diz que:

se você mobiliza a população para um fato que acaba não ocorrendo, ou que não acontece à altura da expectativa criada, a revolta e a decepção das pessoas vai ser diretamente proporcional à expectativa que se criou. (...) Nunca se engane: meras jogadas de efeito não se sustentam, não dão certo por muito tempo. Podem até funcionar no início, mas logo tudo vai por água abaixo. Uma célebre observação de Abraham Lincoln retrata com perfeição toda essa história: você pode conseguir enganar muitos por pouco tempo; ou enganar poucos por muito tempo; o que você nunca vai conseguir é enganar a todos todo o tempo. (MENDONÇA, 2001, p. 275 e 276)

Essa afirmação de Mendonça encontra respaldo no campo teórico no modelo

AIDAS apresentado por Gomes (2004), onde a etapa ‘satisfação’ consiste em

realçar a satisfação que o eleitor vai ter pela escolha do candidato ou produto.

Ou seja, o não cumprimento dessa etapa, que é realizada pós-eleição, leva a

insatisfação do eleitor e a conseqüente revolta, conforme previsto por Mendonça

(2001), elementos esses que se traduziram na campanha pelo impeachment de

Collor realizada em 1992.

Collor apresentou-se como o candidato perfeito, conforme o perfil que fora

delineado pelas pesquisas. Ou seja, ele era a representação da revolta latente

contra o status quo. O candidato era jovem, de idéias novas, identificado com o

futuro e com os problemas populares e ainda possuía uma aparência honesta e

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competente. Estas características não pertenciam a Ulysses Guimarães e a

Aureliano Chaves, candidatos da situação e, portanto, representantes da

continuidade, fato que os excluía automaticamente da corrida presidencial, e

concentrava a disputa entre Collor e Lula, que acabou chegando muito perto, mas as

suas características sindicalistas e revolucionárias atrapalhavam quando a

preferência era por idéias novas.

O posicionamento de ‘caçador de marajás’, que partiu do repúdio aos

funcionários públicos que ganhavam muito dinheiro sem ir trabalhar e mais tarde

estendeu-se a tudo e a todos que por algum motivo incomodavam alguém (políticos,

partidos, chefes, ricos, etc.), foi o tema da campanha de Collor. Esse tema gerou

alta identificação com a população e manteve Collor na liderança das pesquisas de

opinião. No entanto, após o primeiro debate realizado no início de dezembro, a

equipe de Collor entrou na fase do já ganhou e começou a descuidar da campanha,

que ficou com muita forma e sem nenhum conteúdo. As pesquisas apontavam a

ascensão de Lula e uma possível troca de posições.

A fim de resolver esse problema, foi chamado para o segundo turno da

campanha o marqueteiro Chico Santa Rita. Aos poucos ele foi retomando o controle

da situação, e deu o golpe final quando apresentou ao povo brasileiro a ex-

namorada de Lula, Miriam Cordeiro. Ela vinha a público para contar que o candidato

do PT certa feita havia lhe pedido que abortasse o filho dos dois.

Duda Mendonça ao exemplificar qual deveria ter sido a reação de Lula,

lembra que durante o último debate antes das eleições, realizado pela TV Globo, o

candidato possuía os últimos três minutos do confronto para suas considerações

finais, e que durante os dois dias seguintes, que antecediam a eleição, era proibida

qualquer propaganda política. Ou seja, as palavras de Lula naquele momento seriam

vitais.

O que Lula não poderia jamais ter feito foi desperdiçar aqueles preciosos minutos para dizer que, em vez de caçador de marajás, Collor era um caçador de maracujás. O Brasil inteiro se lembra. Mas se, em vez disso, tivéssemos visto, naquela noite, um Lula emocionado, falando com a alma e com o coração, como já o vimos em alguns momentos, a conversa talvez tivesse sido outra. Teríamos um Lula confessando a sua dor. Quem sabe falando que naquele tempo ele era quase um garoto, em começo de vida, e que a responsabilidade de criar um filho, sem recursos, numa terra estranha, o apavorou. Queria ter um filho, sim, queria muito, mas num momento em que pudesse dar a esse filho o que não pudera ter em sua infância. (MENDONÇA, 2001, p. 62)

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No entanto, essa não foi a reação de Lula, que acusando o golpe, acabou

com todas as suas perspectivas de vitória.

Note-se que apesar de não ter sido uma vitória eleitoral, esta eleição foi para

Lula uma vitória política, visto que Collor ganhou o segundo turno das eleições com

49,94% dos votos e foi seguido por Lula com 44,23% (números oficiais do TSE). Ou

seja, o candidato do PT conseguiu levar a eleição para o segundo turno e mesmo

assim perdeu por uma margem pequena, mostrando-se competitivo.

As duas disputas seguintes de Lula foram contra Fernando Henrique Cardoso

do PSDB. Conforme Rubim (2004), em 1994 e em 1998, “a mídia conivente

‘esqueceu’ a cobertura das eleições” (p. 9). Tal acontecimento tem destaque

principalmente em 1998, quando da eleição de FHC, que fazia campanha sem

deixar o cargo de presidente, ou seja, as ações de governo e de campanha se

misturavam, lhe dando a oportunidade de “suprimir o caráter de disputa da eleição,

ao retirá-la, na medida do possível, da dimensão pública da sociedade (...)” (p. 9).

Após a renúncia de Collor, envolvido em escândalos de corrupção, assume o

seu vice-presidente Itamar Franco, que remaneja FHC do Ministério das Relações

Exteriores para o Ministério da Fazenda. E então, através de um inteligente

processo que auxiliou o início da reestruturação econômica, surge o Plano Real.

Com ele a moeda brasileira passa a valer mais do que a norte-americana e assim é

alcançada a estabilidade econômica e o consequente controle da inflação, que

depois de bater recordes no governo Sarney e de ser fator perturbador da economia

brasileira desde Getúlio Vargas, foi dominada, gerando imenso alívio da população

em estado de crescente nervosismo.

Com o controle da inflação e a volta do poder de compra da moeda, FHC

candidatava-se a eleição presidencial de 1994. Conforme artigo de Almeida (2009),

o que dá a vitória nas eleições presidenciais é o consumo popular. Sendo assim,

Fernando Henrique era o candidato que mais havia auxiliado os pobres, logo, era o

candidato que estava ligado diretamente ao ciclo correspondente a aspiração mais

profunda da sociedade, o fim da inflação e a volta do poder de compra (conforme

explanação sobre os ciclos de aspirações de Grandi et al. (1992) citada no primeiro

capítulo). De tal forma que acabou por vencer Lula, sem a menor dificuldade, logo

no primeiro turno, com generosos 54,3% dos votos.

Com o sucesso do Plano Real, o maior desafio do governo Fernando

Henrique foi manter a estabilização da moeda, no entanto, os mecanismos de

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61

defesa da mesma e a manutenção de altas taxas de juros conduziram a um ritmo

lento de crescimento econômico e a elevação do índice de desemprego. Contudo,

ainda em 1998, o Real trazia bons frutos, visto que depois da estabilidade financeira

e a volta do poder de compra, naquele momento os pobres podiam comprar o que a

classe média já comprava havia várias gerações. Levando assim FHC a conseguir

sua reeleição, novamente no primeiro turno, com 53% dos votos, números oficias do

TSE.

Depois dos oito anos de relativo sucesso de Fernando Henrique Cardoso,

tudo o que se via, em 2002 era a crise cambial de 1999, a consequente

desvalorização da moeda e o racionamento de energia de 2001. “O desemprego,

nos dois episódios, foi resultado de forte desaceleração no crescimento econômico”

(ALMEIDA, 2009). E foi assim, que em junho de 2002, a pesquisa do IBOPE (apud

FIGUEIREDO e COUTINHO, 2003) apontava que 65% dos brasileiros consideravam

que a geração de emprego havia piorado "um pouco/muito" e, na questão da

segurança, 54% avaliavam negativamente o governo. Provocando uma queda de

20% em sua aprovação (Instituto Datafolha apud FIGUEIREDO e COUTINHO,

2003). Com o poder de consumo da população pobre em baixa, fruto do

desemprego iniciado no final do primeiro mandato de FHC; e da inflação, que no

final do governo alcançava a casa dos dois dígitos; surge a vontade de mudança na

população brasileira.

3.2 – A PRÉ-HISTÓRIA DO PT

Todas as informações contidas nos dois próximos subtítulos foram retiradas

da dissertação de mestrado de Léo Voigt, a não ser quando mencionado.

Voigt (1990) identifica três segmentos fundamentais na construção do Partido

dos Trabalhadores: 1) os setores oriundos do trabalho da Igreja, a partir das

periferias da cidade; 2) o novo sindicalismo operário, localizado nos grandes

conglomerados urbano-industriais; 3) a esquerda organizada, pós-PCB e egressa da

clandestinidade dos anos de ditadura.

1) O empenho da Igreja Católica em levar sua mensagem pastoral às

periferias das cidades tem origens históricas bem demarcadas. Em 1962, durante o

Concílio Vaticano II, o Papa João XXIII pediu o anggiornamento, que seria a

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62

descentralização da Igreja em Roma. Este pedido levou a Igreja na América Latina a

dirigir sua atuação para o trabalho leigo, passando a privilegiar a noção de

Comunidade Eclesial de Base (CEB), ou seja, o povo de Deus reunido em

comunidade para celebrar a sua palavra e para celebrar a vida. Nos anos 60

diversificaram-se as frentes de atuação da militância cristã de contestação da

ordem. Haviam grupos de alfabetização, de militância estudantil e de atuação

sindical. No entanto, a ditadura militar que se instaurou, conseguiu eliminar o

trabalho pastoral leigo, sistemático e de esquerda, levando os grupos cristãos a

integrarem-se na resistência armada contra a ditadura. O fechamento dos canais de

organização e participação sociais obrigou a Igreja a voltar-se, sobretudo, para o

trabalho nas paróquias. E a CNBB passou a configurar como um espaço institucional

oposicionista.

O trabalho das Comunidades Eclesiais de Base era reunir grupos e fazê-los

refletirem sobre as suas condições de vida (moradia e trabalho), em comparação

com os ensinamentos bíblicos. Baseado nisso o grupo eclesial organizava ações

concretas a fim de denunciar ou alterar essa realidade. E ao reunir a religiosidade

popular, à crítica e à ação prática nas periferias urbanas, foi que o trabalho da Igreja

logrou o seu grande acerto. As CEBs se multiplicaram pelo país e seus agentes

tiveram papel preponderante na criação dos diferentes grupos e movimentos sociais

que germinaram na década de 70. As diversas pastorais se tornaram o único canal

de contestação para a sociedade, uma vez que a guerrilha estava fadada à derrota e

o MDB era ainda um partido impotente para fazer frente ao regime, carecendo de

implantação social. Em suma, foi o trabalho da igreja nas periferias urbanas quer fez

surgir o novo movimento popular, dando origem a uma rede de organizações

atomizadas no seio da sociedade. Ou seja, foi devido ao trabalho exercido pela

Igreja, que centrais sindicais, como a CUT, por exemplo, puderam nascer, pois tal

trabalho oferecia bases bem definidas e enraizadas, permitindo o sucesso do

movimento popular, que do contrário, teria perecido.

Porém, as CEBs tinham uma vinculação geográfica específica e atendiam as

suas respectivas necessidades. De tal forma que os núcleos do movimento já

vinham esgotando o caráter localista de suas mobilizações. Com as articulações em

torno da formação do PT, em 1979, o movimento popular, que se encontrava para

além dos limites da identidade eclesial, adere à proposta partidária dos

sindicalistas autênticos (defensores de um partido de expressão exclusiva do

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63

movimento sindical). O crescimento da consciência política que os militantes e

lideranças haviam realizado, tornava disponível o potencial de lutas para uma nova

demanda de reivindicações mais organizadas e propriamente políticas.

2) Os sindicalistas – Durante os governos militares, o Estado brasileiro

aprofundou o papel de gerenciador/financiador do desenvolvimento capitalista no

país, caracterizando-se como um Estado intervencionista. Nesse período o regime

desenvolveu e transformou a estrutura industrial no país, fazendo da indústria o

lugar privilegiado dos grandes investimentos do capital nacional e estrangeiro. Por

consequência, as transformações econômicas atingiram os trabalhadores, atraindo

numerosa mão de obra do campo. O êxodo rural engrossou as periferias das

metrópoles, forçando a manutenção do baixo preço do trabalho, em favor dos

investidores. O Estado capitalizou o campo a fim de aumentar a produção de

alimentos e baixar os seus preços. Com isso o proletariado brasileiro foi ampliado e

o Estado deixou claro de que lado da luta de classes se colocava, perdendo a

aparência de pai dos pobres, construída pelo getulismo e habilmente conservada

pelo populismo posterior.

Até 1964 os sindicatos estavam voltados à conquista de melhorias salariais e

à luta pelo cumprimento dos benefícios da legislação trabalhista. Com a falta de

apoio do Estado os sindicalistas passaram a organizar a sua luta para o confronto

com o patronato e com o Estado, rompendo com o caráter conciliador pré-64 e

instaurando reinvidicações contestatórias à ordem econômica e política. Era o

chamado sindicalismo combativo. Dentre os líderes desse sindicalismo encontrava-

se Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do sindicato dos metalúrgicos de São

Bernardo do Campo.

Além da criação do fundo de greve, que dava sustentação material aos

trabalhadores durante os confrontos, teve grande importância o processo de

comunicação entre direção e base operária, que foi instaurado através de uma rede

de boletins, panfletos e jornais que unificavam a categoria através das informações.

Esse sindicalismo contestador assumiu publicidade e expressão política a partir da

greve da Scania em 1978. A partir de então, proliferaram greves por todo o país e os

lideres sindicais, a exemplo de Lula, foram alçados a personagens de

reconhecimento político nacional.

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A abertura política em 79 levou as reinvindicações a um estágio acima, ou

seja, com o poder de barganha nas mãos de quem produz os bens para a

sociedade, os sindicalistas passaram a constituir-se nos agentes privilegiados para a

articulação de um partido político disposto a reunir os setores populares, sindicais,

progressistas e de esquerda. Por fim, as lideranças sindicais possuíam uma origem

política desvinculada das correntes ideológicas existentes na esquerda organizada

brasileira. Pode-se afirmar que é quase uma regra a origem essencialmente operária

e sindical dos líderes que convergiam em torno do projeto do PT.

3) A esquerda organizada – Para a melhor compreensão didática dos partidos

e organizações clandestinas originadas nesse período optou-se por uma divisão em

quatro grandes grupos, a saber: a) os PCs; b) as cisões dos PCs; c) os grupos

cristãos e, d) os grupos trotskistas.

a) Os Partidos Comunistas (PCs)

O PCB (Partido Comunista Brasileiro), fundado em 25 de março de 1922, foi

sempre uma agremiação que defendeu o etapismo, ou seja, desejava tomar o poder

pelos meios legais e através de um processo que incluiria primeiramente um

governo anti-feudal, nacionalista e democrático; e somente em um segundo

momento uma etapa socialista, onde com a tomada do poder pelo proletariado,

caracterizado por um representante pecebista, seria implantada a socialização dos

meios de produção. A visão etapista das transformações políticas no país levou o

Partidão (denominação atribuída pelos próprios membros do partido) a uma

estratégia nada popular, de colaboração de classes com uma suposta burguesia

nacional, através da adesão ao populismo petebista. Além disso, o PCB sempre

pautou sua atuação pela política oficial, segundo os partidos legais, submetendo sua

tática às intempéries imediatas e oportunistas de cada conjuntura. Esse

posicionamento levou o partido a aderir diversas vezes à oposição, como por

exemplo quando apoiou Getúlio e aderiu ao projeto golpista de João Goulart. Dessa

forma, o Partidão do início da década de 60 já não se diferenciava mais da tradição

conciliadora e golpista da política brasileira, deixando de se apresentar como um

projeto político catalisador das demandas populares. Foi então que muitos de seus

partidários vincularam-se as novas organizações de esquerda, que tornaram-se

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65

cada vez mais numerosas. Nasce, dentre estas organizações, o PC do B (Partido

Comunista do Brasil), que defendia o caráter centralista e totalitário do partido no

poder, ao contrário da colaboração de classes pretendida pelo PCB.

Instalada a ditadura, o PCB condenou a luta armada e ingressou no MDB,

enquanto o PC do B, optava pela guerra popular prolongada, conforme o modelo

chinês de Mao Tsé Tung. Tal guerra foi efetivada no Araguaia, sul do estado do

Pará, e descoberta pelos órgãos de informação do exército e das policias em 1972,

foi aniquilada pelas tropas do Gen. Hugo Abreu em 1974. E foi assim que o PC do B

acabou por desistir da luta armada, que já havia sido reprovada pelo PCB.

Contudo, surgem diversas organizações responsáveis pela resistência

armada, atuantes entre 1967 e 1973. Estas novas organizações catalisaram toda a

oposição popular e de esquerda do período, dando início a uma nova fase do

marxismo-revolucionário no Brasil.

b) As cisões dos PCs

A primeira organização a se formar é a ORM-POLOP (Organização

Revolucionária Marxista – Política Operária). Constituída essencialmente de

intelectuais, a POLOP rompeu com o etapismo dos PCs, priorizou o trabalho de

massas e deu origem a uma nova forma de pensar a via brasileira para o socialismo,

a partir do trabalho de base e sem vínculos com partidos comunistas de outras

nações. A POLOP propugnava ainda pela formação de uma frente de esquerdas,

constituída exclusivamente de representantes da classe operária. Ainda que de

forma bastante embrionária, tem-se aqui a primeira antecipação, enquanto

formulação de uma organização de esquerda, do projeto autônomo e popular de

transição ao socialismo que o PT buscaria implementar vinte anos mais tarde.

A fim de abrir focos para a realização da luta armada, a POLOP dividiu-se em

VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) e COLINA (Comando de Libertação

Nacional). A VPR foi uma ativa organização, tendo se destacado em ações

desapropriatórias, assaltos a bancos, sequestros e atos terrorristas. A partir de então

esses fragmentos subdividiram-se em uma série de outros movimentos que por sua

vez também dividiram-se, gerando diversas frentes de atuação independentes mas

com o mesmo objetivo, batalhar contra a ditadura militar. Dentre esses movimentos

destaca-se ainda a DL (Dissidência Leninista), que representava a Corrente de

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66

Esquerda do PCB no Rio Grande do Sul. A DL havia rompido com o partido em 68 e

unido-se a POLOP, para fazer surgir o Partido Operário Comunista (POC), que

propunha um trabalho de base operária identificado com a orientação obreirista da

POLOP.

Um segundo segmento das organizações de resistência foram as cisões do

PCB em 68 que se aproximaram das correntes surgidas da POLOP ao optarem pela

luta armada. As cisões de 68 foram originadas devido a posição assumida pelo

partido diante do regime (ingressar no MDB e abandonar o combate direto à

ditadura). Em São Paulo formou-se a Aliança Libertadora Nacional – ALN, talvez o

mais terrorista de todos os grupos guerrilheiros. No Rio de Janeiro nasceu o Partido

Comunista Brasileiro Revolucionário – PCBR, que buscou construir novas

estratégias de transição socialista, ficando a meio caminho entre a crítica ao

conservantismo pecebista e o voluntarismo da guerrilha. O partido somente decidiu-

se por entrar na luta tardiamente, e mesmo com grandes perdas manteve-se vivo

como organização durante a ditadura, somando-se ao processo de construção do

PT na abertura política de 79.

A militância estudantil também entrava em ação nessa época, resgatando o

nome da Dissidência estudantil de Niterói – Movimento Revolucionário 8 de Outubro

(MR8). O movimento teve grande destaque entre os grupos armados, porém, em

1972, iniciou uma guinada a direita de tal envergadura, que em 79 ingressou no

PMDB e chegou a ser considerado pela CUT como um movimento próximo do

fascismo.

De outra parte surgiam ainda grupos saídos do PC do B após a dissidência de

66, quando a chamada Ala Vermelha contestou o não engajamento do partido na

luta armada. Assim como as outras, a Ala Vermelha foi derrotada pelo regime,

porém, da mesma maneira que o PCBR, ela não chegou a se extinguir e acabou por

participar efetivamente na construção do PT. Da Ala Vermelha nasceu uma

dissidência ainda mais radical. O Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT), que

também acabou dizimado pela repressão.

Na cisão de 69, surgiu o Partido Comunista Revolucionário (PCR), que era a

revolta nordestina em função da pouca importância dada a região pela direção do

PC do B. Muito identificada com a Ala Vermelha, os dois movimentos só não se

uniram em uma só organização, em função da dificuldade de comunicação imposta

pela clandestinidade.

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67

c) Os grupos cristãos

Como vimos anteriormente, a Igreja esteve presente em movimentos

esquerdistas, vindo mais tarde a colaborar para formar o PT. Após o golpe de 1964,

dentre os vários grupos de origem cristã, sobreviveu a chamada Ação Popular (AP),

que havia sido formada em 1962, através das pastorais da juventude católica. Antes

mesmo de 64, a direção da AP já havia iniciado uma aproximação com as teses

defendidas pela POLOP, uma vez que o trabalho popular, identificava-se com o

projeto polopista de um modelo popular e autônomo para o socialismo brasileiro.

Influenciada pelo processo de radicalização de todas as organizações à

esquerda do PCB, a AP passou a debater a luta armada em suas fileiras. Em 1968,

com o fechamneto do regime, acontece um racha na AP, criando o Partido

Revolucinário dos Trabalhadores (PRT), que vai mergulhar na guerrilha urbana e ter

o mesmo fim dos seus similares. Já em 71, a AP assume a sua posição em favor da

guerrilha rural, e passa a se chamar Ação Popular Marxista Leninista (APML). O

movimento, inicialmente cristão, transformara-se num partido clandestino identificado

com o comunismo revolucionário. Em 73, a APML funde-se ao PC do B e juntos eles

concretizam a batalha do Araguaia.

Note-se que os movimentos católicos só pegaram em armas quando

ingressaram em uma organização propriamente leninista. A resistência em assumir a

via armada se manifestou também nos militantes que procuraram rearticular a APML

após a diluição de 73. Eles representavam o segmento que propunha vínculos mais

orgânicos com o movimento de massas, não a luta armada como um fim em si.

Logo, este setor jamais aderiu às guerrilhas, mantendo a identificação tática

primeira, aquela próxima das propostas de trabalho de base e autonomia popular da

POLOP. Estas teses foram ampliadas mais adiante na construção do PT, na qual

estes fazedores de política compareceriam novamente.

d) Os grupos trotskistas

Mário Pedrosa e Hermínio Sachetta, dissidentes do PCB, fundam o Partido

Socialista Revolucionário (PSR), secção brasileira do trotskismo e filiado à IV

Internacional Comunista. O redirecionamento para uma orientação mais pablista

(Michel Pablo), de reingresso das secções nacionais nos PC’s, deflagrado durante o

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II Congresso da IV Internacional, levou o PSR a romper com esta e a dissolver-se.

Nasce então, em 1953, o Partido Operário Revolucionário (POR), filiado a secção

trotskista/posadista (J. Posadas – Argentina) da IV. Em 62 o posadismo retira-se da

IV, e os representantes brasileiros de sua vertente posadista aproximam-se do

brizolismo. Diante do cresce isolamento entre os grupos comunistas, em 1968, o

POR dá origem à Fração-Bolchevique-Trotskista (FBT), vinculada ao Secretariado

Unificado, que passara a controlar a IV Internacional. Uma outra parte do POR forma

o Grupo Comunista (GC) 1° de Maio, que implanta-se no meio operário do ABC

paulista, vinculando-se ao Comitê Internacional, a organização minoritária da IV.

Com a clandestinidade e os sucessivos rachas na IV Internacional, mesmo

sem ter aderido a luta armada, os agrupamentos trotskistas foram dispersados

durante os anos do governo Médici, exceção feita ao GC - 1° de Maio que lançou-se

no trabalho nas fábricas, tendo preservado sua identidade como grupo.

Em 1976, o emaranhado de grupos reaparece na cena civil. A parte do POR

que não se manteve na esfera do posadismo reuniu-se a Organização Marxista

Brasileira (OMB), que em 76 se reunificou com o Grupo Comunista 1° de Maio,

formando a Organização Socialista Internacionalista (OSI), popularizada pelo nome

de seu jornal “Liberdade e Luta”: a LIBELU. Sob orientação lambertista (Lambert –

PC francês), a OSI formou a secção da Quarta Internacional – Comitê Internacional

de Reconstrução (QI – CIR), uma divisão do já citado Comitê Internacional da IV.

Com o crescimento do PT, a OSI seguiu a orientação internacional e iniciou, em 85,

um processo de integração ao partido, tendo aderido à Articulação no interior deste.

A segunda organização do Comitê Internacional da IV, a partir de 79, passa a

se auto-denominar Tendência IV Internacional, reunindo secções apenas na

América Latina. No Brasil, a divisão sai também das fileiras da Libelu, e passa a se

chamar Organização IV Internacional (OQI), conhecida pelo nome do seu jornal

Causa Operária (CO), somente existente no ABC paulista. Assim como todas as

organizações que se reivindicaram do trotskismo, a Causa Operária também se

encontra no interior do PT.

Por seu turno, a FBT se rearticulou nos anos Geisel através do Partido

Socialista dos Trabalhadores (PST), conhecido pelo nome de Convergência

Socialista. Para tanto, a Convergência contou com a adesão de ex-militantes do

POC e de um respeitável contingente de universitários. Seu trabalho no ABC

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69

paulista aproximou-a dos líderes sindicais e a organização exerceu alguma

influência na formulação das idéias partidárias dos sindicalistas.

No Partido dos Trabalhadores, a Convergência Socialista mantém uma linha

de atuação distante da orientação do partido, se diferenciando das demais correntes

em seu interior. Sem esconder sua adesão tática, a Convergência se lança

prioritariamente na construção de sua organização no movimento social e no PT.

Caracteriza-se assim, como um partido dentro do partido; com direção, finanças e

orientação próprias. Por ter esta orientação e por sua atuação vanguardista no

movimento sindical, a Convergência, detentora de um sectarismo político singular, é

considerada o movimento mais esquerdista filiado ao PT e a CUT.

A quarta vertente da IV Internacional foi formada em 68 por remanescentes

do POC que aderiram ao trotskismo, notadamente os militantes oriundos da DL, sob

inspitração do teórico belga Ernest Mandel. Os mandelistas já participavam do

Secretariado Unificado da IV em 63 quando, no 9° Congresso do SU, houve uma

divisão e os mandelistas passaram a controlá-lo.

No Brasil, os ex-integrantes do POC que aderiram ao Programa de Transição de Trotsky, formaram a Organização Revolucionária Marxista –

Democracia Socialista (ORM – DS), em 78. Este grupo apresenta-se, atualmente,

como Democracia Socialista – Tendência do Partido dos Trabalhadores e edita o

jornal Em Tempo.

Por fim, cabe mencionar a persistência de alguns militantes identificados com

o posadismo em São Paulo, que formam, desde 61, o quinto setor do trotskismo e

estão reunidos na IV Internacional Posadista. No Brasil, denominam-se

pomposamente de Partido Operário Revolucionário Trotskista Posadista.

A partir deste resumo histórico, das organizações identificadas com a

continuação da obra de Trotsky, importa reter a influência das idéias do líder

soviético na crítica ao PCB, realizada não apenas pelas secções brasileiras da IV

Internacional, mas presente também na crítica da POLOP ao reformismo da

esquerda tradicional. Esta crítica contou ainda com a adesão, em diferentes graus,

da esquerda católica (AP e APML), da VAR-Palmares (organização nascida da

união da VPR com a COLINA, caracterizando a necessidade de formar novos

militantes devido as sucessivas quedas e perdas de núcleos de ação destes

movimentos), do POC (DL e POLOP) e dos históricos militantes Sachetta e Mario

Pedrosa. Todos estes setores propunham a priorização do trabalho popular nos

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bairros e nas fábricas, sem o que o socialismo desejado não teria sentido. Deste

ponto de vista, o monoclassismo obreiro do trotskismo, ardorosamente defendido

pelas organizações da IV Internacional, trazia uma aproximação potencial com o

trabalho de base da Igreja progressista e com o corporativismo de macacão dos

sindicalistas autênticos.

Dito em outras palavras, as correntes trotskistas deram uma contribuiçào

histórica ao movimento social no Brasil ao formular teoricamente a proposta de

autonomia política dos trabalhadores.

3.3. - A FORMAÇÃO DO PT

Como se pode observar, o Partido dos Trabalhadores é resultado da união de

três vertentes políticas de tradições sociais e culturais muito distintas, mas que

apesar de tudo conseguiram viabilizar uma unidade partidária. Narra-se a partir de

agora o processo que gerou tal integração.

Em dezembro de 78 foi realizado um encontro no Rio de Janeiro, onde

sindicalistas e parlamentares do MDB, discutiram um possível reagrupamento das

esquerdas em torno do MDB, frente a proposta de rearticulação partidária feita pelo

regime. Tal proposta foi rejeitada e abriu espaço para a discussão de um partido de

trabalhadores. Neste encontro Lula declarou: “trata-se de lutar pela democracia no

sentido que os trabalhadores a entendam”. (Revista Em Tempo n° 42, apud, Voigt,

1990, p. 87)

Em janeiro de 1979 realiza-se na cidade de Lins, o IX Congresso de

Trabalhadores Metalúrgicos do estado de São Paulo. Nesta ocasião foi aprovada por

unanimidade a Tese de Santo André. No terceiro item o texto propunha: “que se

lance um manifesto por este congresso, chamando todos os trabalhadores

brasileiros a se unificarem na construção de seu partido, o partido dos

trabalhadores;” (VOIGT, 1990, p. 272)

Por outro lado, em 19 de janeiro de 79, a reunião da Intersindical de Porto

Alegre, decide apresentar aos setores interessados a proposta de formação de um

partido de trabalhadores. As Intersindicais eram organismos que buscavam

congregar todas as organizações sindicais na ausência de uma central única.

A quase simultaneidade destes dois encontros, pretendendo a formação de

um novo partido, distante do MDB, diferenciando-se igualmente do PCB e do

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populismo getulista em rearticulação com Brizola, leva estes dois eventos a dividirem

o lançamento da idéia do PT aos trabalhadores e aos setores que com eles se

alinharam.

Ao final de janeiro de 1979 foi realizada, na cidade de Osasco, a reunião da

Intersindical Estadual de São Paulo que, segundo fora definido no IX congresso

Metalúrgico, apresentaria a Carta de Princípios da nova agremiação partidária. No

entanto, a sessão plenária do encontro não obteve o consenso necessário para o

cumprimento desta deliberação, e o lançamento do novo partido ficou adiado, agora

sem data marcada.

No dia 1° de maio (Dia do Trabalhador), cerca de um mês após a posse do

general Figueiredo, foi lançado, na cidade de São Paulo, o Partido dos

Trabalhadores, com base na publicação de dois documentos: a Carta de Princípios

e a Plataforma Política do novo partido. Percebendo o aflorar das discussões sobre

a abertura política, o novo partido, em sua Carta de Princípios, percebia que se o

regime autoritário fosse substituído por uma democracia formal e parlamentar, fruto

de um acordo entre elites dominantes que excluísse a participação organizada do

povo, tal regime nasceria débil e descompromissado com a resolução dos

problemas que afligiam o povo (PEDROSA, 1980). Dessa forma a Carta proclamava

a urgência em se criar um partido a tempo de participar da criação dessa

democracia.

No entanto ainda haviam lideranças sindicais que possuíam vínculos

históricos com o MDB e se empenhavam em resgatar expressivas figuras do

parlamento para o PT. Este era o chamado sindicalismo tradicional, ou,

popularmente, pelego, onde seriam conciliadas a base sindical e a participação

parlamentar. O próprio presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo

do Campo, Luiz Inácio Lula da Silva, era um exemplo do sindicalismo pelego. Sendo

um líder sindical, Lula adotava uma atuação não personalista em sua liderança

política, levando sempre o debate aos trabalhadores, sem conceber a construção de

um partido que exclui-se a participação privilegiada das bases sindicais. Mesmo

após o lançamento dos dois documentos, Lula, os achando precipitados, declarou

que antes de mais nada era preciso dialogar com diferentes lideranças, inclusive

integrantes do próprio MDB, repudiado na Carta de Princípios.

Foi neste contexto que se realizou a reunião de 2 a 3 de junho, em São

Bernardo do Campo, ainda dentro da perspectiva de unificação das esquerdas,

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72

reunindo sindicalistas, parlamentares do MDB e intelectuais. Tal encontrou não foi

além da declaração de intenções em favor de uma aproximação entre essas

categorias, os pontos comuns foram genéricos e insatisfatórios para a concretização

de qualquer aliança, levando a estratégia peleguista a cair por terra. Dias depois da

reunião, Paulo Skromov, sindicalista autêntico, escreve sobre a não concretização

da coalizão com o MDB e antecipa o futuro do PT:

Resta ainda por buscar setores até mais amplos e mais consequentes: as lideranças dos trabalhadores rurais, as organizações de bairro, os movimentos contra a carestia, os movimentos pela anistia, o movimento estudantil e as comunidades de base e pastorais da igreja. (Revista Em Tempo n° 67, apud Voigt, 1990, p. 100)

Skromov chama de setores amplos e consequentes a figura dispersa e

atomizada dos agentes sociais populares, aqueles que se situam fora dos espaços

do poder institucional, em oposição a concepção corrente nas articulações políticas

parlamentares.

Foi então, que em 28 de julho de 79, lançou-se o Movimento Pró-Partido dos

Trabalhadores na cidade de Contagem – MG, visto por seus organizadores, nas

palavras de Skromov, “como um passo importante no deslanche do processo político

de organização dos trabalhadores de nosso país.” O movimento pela criação do

Partido dos Trabalhadores é caracterizado por este mesmo líder como “uma

necessidade fundamental para se permitir a continuidade e o avanço das lutas dos

trabalhadores”, na medida que colhia o saldo organizativo do sindicalismo também

no plano político. (Revista Em Tempo n° 75, apud Voigt, 1990, p. 102)

Até aqui estava sendo descrita a pré-história de um agrupamento político que

neste instante perde, definitivamente, a identidade corporativa, de sindicalistas

tentando fazer política institucional, passando a serem identificados como uma

agremiação política. Nasce, assim, da ação consciente dos líderes operários, uma

articulação partidária que buscará construir-se enquanto instrumento de intervenção

política das organizações populares e democráticas da sociedade civil brasileira

frente ao Estado autoritário.

Revela-se nessa atitude de união da classe, com o propósito de tornar-se um

real instrumento de intervenção política, a já citada matriz analítica macrossocial de

Castro (1994, apud NETO, 2008, p. 44 e 45). Sobre essa matriz, a autora, de forma

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73

geral, elabora a teoria de que cada grupo social tem interesses e busca

representação política própria através de partidos e lideranças.

Da maneira como foi criado, o Partido dos Trabalhadores acabou por seguir o

modelo de sindicalismo autêntico, ou seja, um partido que expressa

privilegiadamente os interesses dos setores marginais à política legal, sob a ótica

destes setores.

Em 13 de outubro de 1979, a partir da reunião de seis articuladores do

partido, provenientes de diferentes estados da federação, no Primeiro Encontro

Nacional do Movimento Pró-PT, formou-se a Comissão Nacional Provisória Pró-PT,

liderada por Lula.

No entanto, a ausência de base parlamentar mínima impedia o funcionamento

legal da agremiação. Segundo a Lei Orgânica dos Partidos Políticos, o PT só teria

seu registro através da formação de comissões municipais em 1/5 das cidades de

nove estados da federação. Foi então que em janeiro de 1980, reuniu-se a

Comissão Nacional Provisória, a fim de ultimar os preparativos do I Encontro

Nacional do Movimento pró-PT. Na ocasião estipulou-se um calendário de atividades

que possibilitou a inscrição do partido junto ao TSE. Finalmente, nos dias 09 e 10 de

fevereiro, reuniram-se, na cidade de São Paulo, 750 pessoas, representates de 19

estados da federação, além da Comissão Nacional Provisória do Movimento pró-PT

(CNP), para realizar o I Encontro Nacional, considerado o ato oficial de fundação do

partido.

Contudo, o Encontro Nacional foi marcado por divergências quanto às

prioridades na construção do partido, não havendo consenso, por exemplo, para a

eleição da direção nacional do PT, que só veio a se concretizar no Encontro

Nacional dos Militantes do PT em 1° de junho de 1980, elegendo Lula como

presidente nacional.

O caráter exclusivamente classista do partido o fazia se ressentir de

experiência no terreno da política eleitoral. Sendo assim, a opção pela implantação

popular, de um partido que deveria crescer nas bases, inicialmente distante dos

políticos, impôs um elevado custo desde o surgimento da agremiação. O PT nasceu

totalmente despossuído de estrutura material, financeira e parlamentar, sem

implantação municipal (o que dificultava o registro do partido junto ao TSE) e

contando com poucos quadros partidários para as tarefas que se apresentavam, na

maioria das vezes, militantes amadores. Note-se que nos três primeiros documentos

Page 74: A revolução no marketing político: um estudo de caso da campanha presidencial do Partido dos Trabalhadores em 2002

74

lançados pelo partido – Carta de Princípios, Plataforma Política e Declaração

Política – ficou expressa uma visão de mundo marcada pela distância entre a leitura

que faziam do social, que era uma manifestação de suas vontades políticas; e a

realidade social e histórica da nação, que apresentava-se caótica, amorfa e

contraditória. A complexidade desta relação, entre a idealização e a realidade,

permeou a singular história do PT. Este paradoxo será resolvido através do que

denomina-se de interpretação da realidade, conceito visto no primeiro capítulo e

que terá sua aplicabilidade analisada no próximo.

Foi então que o PT, sobressaltado, recebeu o ingresso das diversas correntes

e militantes organizados em suas fileiras. A esquerda organizada vinha de uma

tradição de lutas cuja implantação de base era questionável (guerrilhas), tendo ainda

por método uma atuação vanguardista (PCs). O choque entre estas práticas

políticas distintas teve que ser administrado pelas instâncias partidárias e

representou outro universo de dificuldades para o partido. Um fator determinante na

superação destes enfrentamentos internos através de uma adaptação recíproca,

estava na determinação dos grupos organizados em sua opção pelo PT, expressa,

entre outros indicativos, pela capacidade de trabalho na construção do partido. Isto

é, a dedicada militância destes pequenos partidos, herdeiros de uma sólida

disciplina leninista, funcionava como legitimador no interior do PT.

Por outro lado, havia uma ala ainda muito marcada pelo corporativismo

sindical, que via em sua própria trajetória (de trabalhador sindicalista) o legitimador

imediato da exclusão dos setores organizados. Esta é a visão de Lula, para o qual o

partido deveria ser dos “’peões de mãos calejadas e dos camponeses’, sob a

direção dos trabalhadores braçais” (p. 117). E em contraposição estava Raul Pont,

que representa uma visão cujo programa político valoriza mais o aspecto ideológico

da organização a partir da ótica dos trabalhadores e não da condição de trabalhador.

E é sob o argumento de Lula que residiu a conduta obreirista que por muito tempo

marcou a organização do PT. Nela os demais segmentos sociais figuram mais como

aliados do que como grupos políticos que reivindicam um campo próprio de

participação política e na direção do partido.

O esforço da luta democrática naquele período da história brasileira refletiu-se

no interior do PT, que acabou transformando esta bandeira da luta política nacional

em um princípio interno (artigos 72 e 77 dos Estatutos do PT). O convívio

democrático, duramente adquirido pelas novas esquerdas após um século de

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divisões, prevaleceu como cultura política no interior do PT. Isto indica uma nova

postura dos personagens partidários na esfera das esquerdas, ante as disputas

políticas próprias destes partidos. À medida em que os petistas remeteram as

divergências internas ao confronto do debate nas instâncias de base e de direção do

partido, passaram a superar a tradição dos rachas na esquerda comunista e a

desenvolver um “movimento centrípeto” (VOIGT, 1990, p. 118) que articula as

diferentes concepções de partido existentes em seu interior. Este fato também o

diferencia dos partidos tradicionais porque o PT passou a executar em seu interior a

principal bandeira política das oposições: a democracia.

Em continuidade ao encontro de 1° de junho, foi realizada a primeira reunião

da nova Direção Nacional, nos dias 23 e 24 do mesmo mês. Ela serviu para avaliar o

andamento da campanha de filiados e de formação de diretórios municipais e

estaduais. Na mesma ocasião, foram aprovados o texto final dos Estatutos e a

proposta base de Regimento Interno. Finalmente, em 13 de outubro de 1980, a

Direção Nacional Provisória entregou no TSE a documentação necessária para a

legalização, e obteve nas semanas seguintes o registro provisório do Partido dos

Trabalhadores.

Diferenciando-se ideologicamente da Lei Orgânica dos Partidos e da

organização das demais agremiações, os estatutos do PT definem que as

convenções municipais, estaduais e nacionais se realizarão sob a forma de pré-

convenção, antecedidas pelo debate nos núcleos de base, onde as posições sejam

democraticamente discutidas e as divergências se enfrentem através do voto direto

dos filiados (pré-convenções zonais e municipais), ou dos delegados eleitos (pré-

convenções municipais e estaduais). Definidas nas plenárias das pré-convenções,

as decisões majoritárias passa a ser assumidas pelo conjunto do partido e

homologadas pela convenção oficial, de caráter exclusivamente referendador.

Através deste mecanismo, o PT reafirma o seu carater sindicalista de aproximação

das bases com a direção.

A I pré-Convenção Nacional, de agosto de 81, aprovou os Estatutos e o

Programa do Partido conforme exigia a lei, e elegeu o primeiro Diretório Nacional e a

Comissão Executiva. No dia 27 de setembro o PT homologou as decisões na I

Convenção Nacional oficial, no salão nobre do Senado Federal em Brasília.

Por último, tem-se a problemática dos segmentos originários dos movimentos

populares e eclesiais. Da experiência do trabalho pastoral, estes militantes traziam

Page 76: A revolução no marketing político: um estudo de caso da campanha presidencial do Partido dos Trabalhadores em 2002

76

uma prática política basista e autoritária, devido a falta de experiência no convívio

com aqueles que são politicamente diferentes. Isto levava a uma preferência pelo

popular em detrimento das demais culturas, acompanhado de intenso preconceito

contra as organizações clandestinas. Esta origem religiosa limitou também a

capacidade de organização política destes setores, que além de nunca chegarem

nas lideranças do partido, acabaram por contribuir para a imagem de intolerância e

inaptidão para a luta política parlamentar atribuída ao PT.

As correntes organizadas, agora já com legitimidade suficiente para não

serem excluídas do partido, lançaram para o interior do deste a discussão de

questões políticas fundamentais, que careciam de um posicionamento; como a

convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte, o projeto de socialismo do

PT, as táticas do partido e as relações partido/movimento. Dentro da tradição do

marxismo revolucionário estas organizações levaram o PT a realizar o resgate de

diferentes fragmentos do movimento socialista internacional. Mas a frágil e, em

muitos casos, inexistente implantação nos movimentos sociais, contribuiu para o

esvaziamento de suas propostas e do papel de vanguarda que propunham realizar.

Essa falta de enraizamento é derivação do já comentado vazio ideológico existente

nos povos de baixa cultura como o Brasil.

A criação do PT demonstra que o povo trabalhador praticava o pretendido

pela já citada análise de Rubim (2004), ou seja, mesmo com uma política corrupta e

em descrédito, seus formadores continuavam acreditando na essência de uma

política como único instrumento de desenvolvimento para a construção de um país

mais justo, uma nação verdadeiramente democrática. Valoriza-se mais essa

característica quando percebe-se que tal democracia era não somente requisitada

para o país, mas operada internamente. A criação de um partido para representar a

classe trabalhadora nas altas decisões do Estado, demonstrava a raiz da esperança

que viria a ser cantada em jingle tantos anos depois.

Entendendo todo o contexto político vivenciado pelo Brasil desde o início da

ditadura militar, passando pela história de vida pública de Lula e a história de

formação do PT, há embasamento suficiente para entender o próximo capítulo.

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Capítulo 4 – A campanha presidencial do Partido dos Trabalhadores em 2002

Nesse capítulo, os conceitos teóricos vistos na primeira parte do trabalho,

serão unidos a prática de campanha conforme conduzida por Duda Mendonça.

Leva-se em conta ainda toda a história geral da política brasileira, bem como a

história específica de formação do PT e de vida pública de Lula.

4.1 – DUDA MENDONÇA E O PT

Eleito prefeito de São Paulo em 1992, Paulo Maluf, alcançou durante o

mandato 93/96 índices majestosos de aprovação. Sendo assim, ele era candidato

ideal para a Presidência da República, no entanto, Maluf não quis abandonar a

prefeitura para candidatar-se, o que acabou por abrir as portas para o início da

conversa entre Duda e o PT. O assessor de imprensa do PT que trabalhava ao lado

de Eduardo Suplicy na disputa pela mesma prefeitura de São Paulo de 92, Ricardo

Kotscho, convidou Duda para um churrasco, no qual ocorreu o encontro do

publicitário com Lula. Segundo relato de Duda o encontro foi muito proveitoso e

acabou com uma promessa de união. Devido ao preconceito do PT pelo fato de

Duda ter trabalhado tanto tempo ao lado de Maluf e por especulações da imprensa

acabou-se por criar um caos que tornou impossível qualquer acordo. Sendo assim,

Duda ainda faria uma última campanha para Maluf, a campanha para governador de

São Paulo. Maluf acabou derrotado por Mário Covas, em um processo de

deterioração da sua imagem que começou com o apoio a Celso Pitta como seu

sucessor na prefeitura culminando na frase: Se o Pitta não for um grande prefeito nunca mais vote em mim.

As negociações com o PT só seriam retomadas em 2001. José Dirceu,

presidente nacional do PT entra em contato com Duda Mendonça para uma

retomada de conversas antigas em um jantar na casa de Lula. Durante o jantar

Duda foi convidado a criar e produzir os dois programas nacionais de 2001 do PT,

todos os seus comerciais de TV e uma campanha contra a corrupção. Quando

aceitou a proposta o publicitário tinha medo, em suas próprias palavras: “Será que

ainda sou capaz de me superar? Será que ainda tenho, no fundo do meu baú,

alguma idéia surpreendente?” (MENDONÇA, 2001, p. 237)

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78

4.2 - PERÍODO PRÉ-CAMPANHA

Para cumprir as tarefas iniciais de seu contrato com o PT, Duda começou do

início.

“(...) nunca pego uma campanha sem antes fazer o que chamamos de ‘diagnóstico’. (...) Nesse diagnóstico – à luz de pesquisas quantitativas e qualitativas, entrevistas de profundidade, análises da situação política, quadros comparativos com nossos principais adversários -,chegamos às primeiras conclusões.” (MENDONÇA, 2001, p. 34)

Ao cabo do mês de maio de 2001, quando Duda realizou as suas pesquisas

sobre o ambiente político e social no qual o PT estava se inserindo, o publicitário

descobre “muita coisa interessante” (2001, p. 259) - (Anexo A – Perfil da Amostra

para Pesquisa Quantitativa, IBOPE 2002).

O marqueteiro assume em seu livro, que todo o trabalho feito naquele ano foi

para colocar o partido na rota certa para as eleições de 2002, sobre a qual ele diz

não ter dúvidas quanto a possibilidade de vitória do PT, mesmo sabendo que seria

difícil.

Dentre os trabalhos desenvolvidos para o PT naquele ano, destaca-se,

primeiramente, o Xô, corrupção – uma campanha do PT e do povo brasileiro. Esta campanha provocou todo o tipo de reação, desde satisfação total, uma vez que

o povo sentia-se satisfeito por ter a sua indignação finalmente reconhecida a nível

nacional, experimentando uma sensação de alívio; até de insatisfação total, sendo

este o primeiro trabalho desenvolvido por Duda para o PT, toda a oposição se

mostrou revoltada, acusando a propaganda de nazista e rebaixando-o a um

publicitário decadente.

Figura 1 – Peça da campanha Xô, corrupção

Fonte: <http://eduardoleite.blogspot.com/2009/01/corrupcao-o-pior-virus-social.html> Acesso em: 24 de novembro de 2009

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O segundo destaque deste período pré-eleitoral vai para a campanha de

anúncios eletrônicos que diziam, após demonstrarem situações dramáticas e

passíveis da indignação de qualquer um: se fatos como esse tocam você, você pode até não saber, mas, com certeza, no fundo, você também é um pouco PT.

Figuras 2, 3, 4 e 5 - Sequência de frames do comercial

Fonte: <http://www.youtube.com/watch?v=32ZEnFCYBkM> Acesso em: 24 de novembro de 2009

Com esse comercial fica clara a ação de Duda sobre um segmento do

eleitorado denominado por Gomes (2004) de fronteiriços: “aqueles que roçam em

ideologia com a forma de pensar do nosso partido” (p. 127). Os eleitores fronteiriços

são indecisos, mas a recíproca não é verdadeira. Ou seja, os fronteiriços têm uma

afinidade com o partido, mas não vota nele em todas as eleições, já os indecisos

não tem afinidade com nada e são extremamente voláteis.

O raciocínio do comercial resume-se assim: colocando o telespectador frente

a tocantes questões sociais, indagando uma pergunta da qual já se sabe a resposta,

e apresentando-se como parte também preocupada com a situação, levar o eleitor

concluir que de fato há um ponto incomum entre ele e o partido. Evoca-se assim

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essa semelhança para ser o agente de união que ajudará a colocar no poder uma

agremiação com as mesmas preocupações populares e com intenção de resolvê-

las.

Devido a todo o contexto político já mencionado, que conduzia o povo

brasileiro a situações econômicas e sociais desesperadoras, o quadro no período

pré-eleitoral de 2002, não poderia ser diferente. Veja abaixo uma tabela que resume

bem a insatisfação dos brasileiros com seus governantes:

Tabela 4

Fonte: FIGUEIREDO, Rubens e COUTINHO, Ciro. A eleição de 2002. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-62762003000200005&script=sci_arttext>

Acesso em: 24 de novembro de 2009

A avaliação dos presidentes desde Sarney, eleito por voto indireto e que só

chegou à presidência devido a morte de Tancredo, tem altos índices de

ruim/péssimo e regular. A situação melhora somente quando da avaliação do

governo Itamar, devido a este governo ser o responsável pelo controle da inflação.

Os bons índices seguem durante o primeiro mandato de Fernando Henrique, que

considerado ‘pai’ do Plano Real foi eleito e se manteve no cargo sobre a força da

estabilidade econômica criada e mantida por ele. No entanto os bons números não

acompanham o seu segundo mandato, que foi desgastado pela elevação do

desemprego e consequente diminuição do consumo popular.

Sendo assim, de acordo com dados da pesquisa realizada pelo IBOPE1 em

junho de 2002 (apud FIGUEIREDO e COUTINHO, 2003), 52% dos entrevistados

1 Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-2762003000200005&script=sci_arttext> Acesso em: 24 de novembro de 2009

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disseram que não votariam de jeito nenhum em um candidato que representasse a

continuidade da política de FHC; 44% afirmaram que certamente votariam ou poderiam votar; 5% não responderam.

É assim que pode-se concluir pelo desejo de mudança existente na

população. Conforme visto no capítulo anterior, todos os presidentes que

antecederam Lula eram profissionais com diploma, homens instruídos; e Lula era um

operário de formação técnica. Lula era o diferente naquela eleição, era somente

nele que residia o potencial de mudança e a vontade por algo realmente novo que

pudesse solucionar os problemas do Brasil.

Com todo esse cenário é oficializada, no dia 23 de março de 2002, a

candidatura de Lula para presidente, homologando o resultado das prévias eleitorais

realizadas no dia 17, em um processo de duas etapas, pré-convenção e convenção,

como é de praxe dentro do partido.

Ainda na pré-campanha Lula enfrentou a maior ameaça a sua candidatura: o

surgimento do poderoso nome de Roseana Sarney. A pré-candidata pelo Partido da

Frente Liberal (PFL) era na época governadora do Maranhão, e apresentava-se,

desde setembro de 2001 como uma mulher moderna, sensível aos problemas

sociais e com alta aprovação da população maranhense à sua gestão. Sem

apresentar propostas ou assumir explicitamente ser candidata à Presidência nas

primeiras aparições, a filha do ex-presidente José Sarney tornou-se capa das

principais revistas semanais e unia à sua imagem pessoal, beleza, tranqüilidade no

falar, um sobrenome conhecido e circunstâncias favoráveis.

Era uma novidade política no âmbito nacional e poderia ser o rosto da mudança tão desejada pelos brasileiros. (...) Não obstante ter sido considerada um ‘fenômeno’ pela imprensa, e chegando a estar tecnicamente empatada com Lula nas pesquisas de intenção de voto do período, a candidatura de Roseana Sarney terminou quando foram descobertos R$ 1,5 milhão em dinheiro no escritório da empresa Lunus, da qual ela era sócia, dinheiro que foi considerado recurso de campanha. A imagem dos pacotes de R$ 50,00, caprichosamente dispostos em uma mesa, destacada em revistas e na televisão, gerou uma sucessão de versões estapafúrdias para explicar a origem do dinheiro e levantou suspeitas a ponto da governadora desistir da candidatura em abril de 2002. (FIGUEIREDO e COUTINHO, 2003)

Roseana desiste oficialmente da candidatura no dia 13 de abril. Pouco mais

de um mês após o início dos escândalos financeiros (1° de março). A primeira

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pesquisa publicada após a desistência da pré-candidata trazia Lula ainda em

primeiro lugar, só que agora com 11 pontos percentuais a mais.

Gráfico 1 - Pesquisa do Instituto Datafolha realizada no dia 14/05/2002 Fonte: <http://datafolha.folha.uol.com.br/po/ver_po.php?session=174>

Acesso em: 24 de novembro de 2009

Após esse período de turbulência na corrida presidencial, em 06 de julho

começa oficialmente a campanha para presidente.

4.3. – A CAMPANHA

Conforme visto no primeiro capítulo, o planejamento de marketing é

responsável por uma série de decisões que norteiam a campanha propriamente dita.

Ou seja, marketing não é campanha. Campanha é a expressão do marketing.

Duda Mendonça entende bem essa diferença, porém ele atribuí aos mesmos

termos nomes diferentes: “o marketing é o conteúdo (...) E propaganda é a forma

(...)” (2001, p. 49). No caso, propaganda, para o marqueteiro, é igual a campanha. O publicitário usa a seguinte frase de Ogilvy para definir um princípio básico

da comunicação. Comunicação não é o que você diz, é o que os outros entendem. “É importante, é fundamental, estar sempre atento para isso: o que dizer

e como dizer, para que as pessoas entendam e sintam exatamente o que você quer

que elas entendam e sintam” (MENDONÇA, 2001, p. 42). É a isso que ele se refere

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quando fala em forma e conteúdo. Conteúdo é o que se quer dizer e forma é

como se diz.

Conforme o que foi descrito no primeiro capítulo, a definição do

posicionamento de campanha depende de uma série de fatores que irão determinar

qual será a estratégia a seguir. Para Ferrari (2002), uma estratégia de comunicação,

tem a finalidade de determinar o conteúdo dessa comunicação, orientando a criação

em sua formalização. A formalização feita pela criação dá-se justamente na

produção das peças de campanha, nas quais se encontra o slogan, que sendo “a

síntese da argumentação e dos objetivos da campanha eleitoral” (GOMES, 2004, p.

100), irá nortear a campanha. Ou seja, o slogan é a forma dada ao conteúdo

advindo do posicionamento.

Visto isso, vale lembrar que o presente trabalho se propõe a analisar a

revolução feita no marketing político por Duda Mendonça. Para isso serão tomadas

como referências para análise apenas algumas peças, com a finalidade única de

permitir a identificação do plano de marketing existente por trás de tudo que foi

produzido em termos de campanha. Ou seja, as peças de campanha não são o

objeto principal da análise, são apenas instrumentos para chegar à compreensão do

plano de marketing.

Duda Mendonça relata em seu livro a importância de uma campanha feita

com unidade. Seu processo de criação das peças de uma campanha respeita uma

ordem, que segundo ele, garante a manutenção do mesmo conceito em todas as

peças.

Quando você coloca lado a lado o adesivo, o cartaz, a bandeira, o outdoor e o jingle, você tem que sentir que eles fazem parte da mesma história. Que falam a mesma linguagem. Que cantam a mesma alegria ou a mesma ponderação ou o que for. Então, a campanha está aí. Todas as peças dialogam entre si, pertencem a um mesmo conjunto. O slogan que aparece escrito no outdoor é cantado no jingle. De preferência, no refrão. (MENDONÇA, 2001, p. 89)

O processo de criação de uma campanha feita por Duda Mendonça começa

pela definição da logomarca e do slogan, o publicitário ressalva que a logo é um

recurso que ajuda a fixar o nome do candidato, no entanto não se faz imprescindível.

Esse modelo adotado por ele funciona devido à lógica estabelecida no processo.

Uma campanha não pode iniciar se ela não possui um posicionamento definido,

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correndo o risco de perder a unidade do conceito. A criação do slogan, formulado a

partir do posicionamento de campanha, fornece a base para todo o resto.

A primeira peça a ser criada depois de estabelecidos a marca e o slogan, é o

adesivo. Para Duda essa é a peça mais difícil de todas. Justamente porque é

preciso acumular em um objeto muito pequeno a síntese de toda a campanha. É

nele que deve estar presente não só o nome do candidato, como a cor e a marca ou

a logotipia que será usada, e mesmo números, o que no caso de vereadores e

deputados torna tudo ainda mais difícil.

Seguindo o modo praticado pelo marqueteiro, após realizadas essas etapas,

o cartaz e o outdoor nascem facilmente. E é então que acontece a concepção do

jingle. Conforme dito anteriormente, a ordem do processo garante a unidade da

campanha, ou seja, o processo de criação do slogan contribui para a elaboração do

jingle. Durante a produção do slogan, no processo de brainstorm, o grupo de criação

reúne todas as suas ideias no papel. E após a definição do slogan, sobram diversas

ideias, diversas frases não aproveitadas que giram em torno do mesmo tema, de um

mesmo posicionamento. Duda traduz isso como “um verdadeiro caldo de slogans”

(p. 89), caracterizando essas frases como a matéria-prima para quem for fazer a

letra do jingle, desde o conceito até as rimas.

4.3.1. - A peça norteadora

Com a finalidade de poder entender qual foi o marketing político desenvolvido

por Duda Mendonça, escolheu-se como peça norteadora a ser analisada o jingle

feito por ele para a campanha de Lula. Visto que a letra deste jingle reúne todos os

fatores que geravam os entraves percebidos na candidatura ela é a mais necessária

para cumprir o objetivo do presente trabalho.

Duda relata que em 1985, segunda eleição direta depois da abertura política

de 79, como marqueteiro de Mário Kertész (PMDB), usou pela primeira vez a música

nas campanhas eleitorais. Com o intuito de deixar o horário eleitoral gratuito mais

agradável, ele começou a colocar música nos trabalhos que fazia. Tal realização,

deve ser lembrado, só foi possível com a queda da Lei Falcão, que entre outras

limitações, exigia que as músicas de campanha deveriam ser apenas instrumentais.

Para Lula, Duda compôs a seguinte música, veiculada durante o primeiro

turno da campanha:

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Não dá pra apagar o sol

Não dá pra parar o tempo

Não dá pra contar estrelas

Que brilham no firmamento

Não dá pra parar um rio

Quando ele corre pro mar

Não dá pra calar um Brasil

Quando ele quer cantar

Bote essa estrela no peito

Não tenha medo ou pudor

Agora eu quero você

Te ver torcendo a favor

A favor do que é direito

Da decência que restou

A favor de um povo pobre

Mas nobre trabalhador

É o desejo dessa gente

Querer um Brasil mais decente

Ter direito a esperança

E uma vida diferente

Refrão

É só você querer

Que amanhã assim será

Bote fé e diga Lula, bote fé e diga lula

Eu quero Lula

Na primeira parte do jingle nota-se que o autor pretende mostrar que a

mudança é inevitável, comparando o anseio por mudança expresso nas pesquisas,

com outros fatores que também estão fora do nosso controle, como por exemplo, o

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brilho do Sol ou o correr de um rio. As orações, ‘não dá pra calar um Brasil, quando

ele quer cantar’, evidenciam que o povo já demonstrou que quer algo novo e que a

já referida mudança não pode mais ser contida, em outras palavras, a voz do povo

não será abafada.

Os versos seguintes tendem para um lado mais prático e pedem uma tomada

de decisão mostrando as virtudes do partido. A música pede que o ouvinte assuma

que é PT (‘bote essa estrela no peito’), sem temer as ligações guerrilheiras vistas no

capítulo anterior e que estavam enraizadas na imagem do partido (‘não tenha medo

ou pudor’), pede, poeticamente, o voto efetivo de quem está ouvindo (‘agora eu

quero você’), assume que o voto confiado no partido e no candidato é a

demonstração de que o Brasil de fato quer a mudança (‘te ver torcendo a favor’), diz

que o sufrágio destinado ao PT, seria, também, a demonstração de que a população

quer o que é certo (‘a favor do que é direito’), e que confia no partido, lembrando que

tal confiança advém de um passado incólume, já que o PT é o único partido que

nunca esteve envolvido em escândalos de corrupção (‘da decência que restou’).

A música reitera à quem o partido se propõe a servir (‘a favor de um povo

pobre’), e mostra que ser pobre não é necessariamente uma situação imutável, e

que com trabalho é possível alcançar a nobreza mesmo sem ter muito dinheiro (‘mas

nobre trabalhador’). Fica explícito na canção que o já citado desejo de mudança,

vem justamente das classes mais necessitadas (‘é o desejo dessa gente’), e que

essas pessoas querem um país melhor (‘querer um Brasil mais decente’), nessa

oração há uma interessante proposta de relação que acontece com outro verso da

música, a ligação do adjetivo (decente) com sua qualidade (decência), lembrando

automaticamente que essa qualidade só poderá ser alcançada por um partido

decente, aqui, acaba por concretizar-se a fusão das duas orações, de modo que

uma interfere na outra e vice-versa.

Antes do fim da estrofe ainda se tem algumas orações incentivando o povo

pobre a deixar o medo de lado e voltar a ter esperança, já que como dizem os

versos anteriores da canção, que prenunciavam uma mudança irrefreável, algo

diferente está se apresentando na frente desse povo, e ele deve permitir-se ter

esperança, pois a final, com ou sem novidade, esse é um direito da população (‘ter

direito a esperança’), do contrário não há porque persistir na luta por ter ‘uma vida

diferente’.

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87

O refrão do jingle resume todas as estrofes, recapitulando o que já foi dito. A

população deve acreditar (’e só você querer’) que o futuro pode, e será melhor (‘que

o amanhã assim será’). Clama-se ainda por mais esperança e por mais confiança

(‘bote fé e diga Lula’), encerrando refrão e música com a utilização da primeira

pessoa, convoca-se a participação de todos a cantarem a afirmação da preferência

por Lula, transparecendo um caráter de voto efetivo no candidato (‘eu quero Lula’).

4.4 - TRABALHANDO O MEDO DE VOTAR EM LULA

Como vimos, o jingle é em grande parte centrado na tentativa de dissolver o

medo que existia em uma possível eleição de Lula. Conforme trabalho de Vera

Chaia incluído em compilação de Rubim (2004), o medo sempre esteve ligado à

pessoa de Lula. Em sua primeira disputa, contra Collor, Lula já era acusado de

incompetente por seus adversários e condenado por seus eleitores. Nessas

eleições não era diferente, os riscos atribuídos a uma possível confirmação de Lula

como presidente eram a arma mais fácil e mais óbvia a ser usada contra o

candidato. E foi em cima do medo expresso na música que Duda Mendonça

precisou trabalhar para construir um Lula que se adequasse ao que a população

julgava necessário possuir para ser um líder político.

Haja vista a falta de experiência política do PT como um todo e a origem

humilde do candidato, somados ao fato de pertencer a um partido formado por

militantes de esquerda atuantes na luta armada contra a ditadura militar, nenhum

fator lhe conferia credibilidade para governar. O passado de Lula não dava

segurança para o povo. Havia medo em relação a um possível descontrole geral das

finanças do Estado, além de um potencial calote na dívida externa (esse muitas

vezes efetivamente enunciado por Lula em tempos passados).

É visível, desde antes da virada do milênio, a transformação por que tem passado o PT, tornando-se um partido mais maduro, mais moderado, de mais propostas e menos críticas. Isso tem feito com que uma parcela cada vez maior da sociedade, não-politizada, que é a que elege, comece a perder o medo do PT e a ficar mais motivada a lhe dar uma oportunidade, (...). O PT começou a se modernizar no ‘conteúdo’ - disso, ninguém tem dúvida. Mas continua se equivocando na ‘forma’. No modo de se comunicar com a população. Nos seus discursos, por exemplo, permanecem clichês como ‘a luta continua’ e ‘vamos à luta companheiro’ - slogans de um tempo passado, que remetem à resistência à ditadura militar e às grandes greves operárias da década de 70. As críticas excessivas e o uso dessas palavras de ordem contribuem para assustar o eleitor comum, moderado e

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88

despolitizado, que não quer ouvir falar de lutas ou de brigas de espécie alguma. Briga lembra confusão, confusão lembra baderna. E é justamente disso que ele mais tem medo. É preciso falar de sonhos, mas também de realidades. Em vez de dizer ‘juntos, vamos mudar o Brasil’, passar a falar mais objetivamente do que será feito para mudar o país. Juntos como? Com o quê? De que forma? O PT precisa mudar um pouco o seu discurso, comunicar-se de forma mais clara com a população, apresentando propostas concretas para os problemas brasileiros, para que a sociedade possa entender e confiar no seu projeto. E assim apoiá-lo. (MENDONÇA, 2001, p. 42 e 43)

O PT vinha mudando sua forma de atuar dentro da política, mas apesar disso,

por questões de fatores externos de pressão, como as tendências eleitorais do povo,

traduzidas através dos ciclos de aspirações (conforme explicação de Grandi et al.

(1992) citada no primeiro capítulo), não chegava ao governo. Ao mesmo tempo em

que seu conteúdo começava a se apresentar como o de um governo mais

experiente e menos incapaz, a sua forma preservava características rebeldes. O que

terminava por, paradoxalmente, gerar apreensão da própria classe pobre e

trabalhadora para a qual o partido se dirigia e da qual ele tinha surgido, conforme

tendência natural do processo de queda da identificação partidária. Tudo isso adiava

“a hora do PT” (MENDONÇA, 2001, p. 43).

Para completar a definição do quadro cita-se Rubim (2004), que em seu texto

revela a existência do sujeito político ‘mercado’, construído na e pela mídia, ditador

de posturas dos candidatos e fator exigente de determinados candidatos confiáveis.

Esse sujeito político implica na existência de mais uma habilidade em alguns

candidatos, em virtude dele é preciso ter “a ‘competência’ de acalmar o mercado” (p.

17), competência essa que era posta em dúvida pelos adversários de Lula, levando

a crer que o candidato do PT era o “vírus que provocava o caos econômico” (p. 17).

Com isto, Duda Mendonça tinha dois principais problemas no

desenvolvimento do posicionamento de Lula, devido a imagem pública anterior do

candidato. Tais problemas eram traduzidos pelo caráter radical atribuído a Lula e

pelo seu despreparo para governar. Para cada problema o marqueteiro encontrou

uma solução diferente. O publicitário se ateve a utilização destas duas soluções em

todas as peças, concentrando esforços no diferencial criado para Lula, mantendo a

USP.

Para terminar com a visão de um Lula radical e baderneiro, foi trabalhada a

figura do Lulinha paz e amor. Sob este posicionamento, Lula e o PT apresentavam-

se mais moderados, o que não só eliminava a percepção de um Lula radical, como

Page 89: A revolução no marketing político: um estudo de caso da campanha presidencial do Partido dos Trabalhadores em 2002

89

também vinha a calhar, visto que, encontrando-se o candidato em primeiro lugar em

todas as pesquisas, o desenvolvimento de um posicionamento neutro era o ideal,

uma vez que, de acordo com Figueiredo (2004), o ataque e consequente

demonstrações de agressividade em relação aos adversários não são necessários

quando se está em primeiro lugar nas pesquisas de opinião.

Ainda conforme Figueiredo (1994), na época das eleições todos os

candidatos sabem quais são as necessidades do eleitorado, essa observação fez-se

tão verdadeira que os próprios ciclos de aspiração em surgimento diziam respeito a

características pessoais do candidato e não a necessidades latentes da população,

deixando como única alternativa de diferenciação a busca por apresentar-se de

acordo com as expectativas do eleitorado, como o candidato ideal, gerando mais

uma vez o caráter personalista da política brasileira. Além disso, de acordo com

Rubim (2004), a desqualificação pela mídia das poucas interpretações da realidade

expostas, rebaixando-as a meras promessas, contribuiu para o crescimento de tal

caráter.

Segundo o mesmo autor, a mídia não está preocupada em falar sobre as

diferentes proposições políticas em disputa, afinal isso não gera entusiasmo no

eleitor, que em geral pouco entende de política. A mídia está interessada em expor a

imoralidade dos atores que participam da disputa política. A disputa entre a moral

dos candidatos é a única preocupação na cobertura jornalística, não que não seja

importante, mas acaba por suprimir “aspectos que possam ser considerados mais

propositivos e quiçá positivos” (p. 17), haja visto o caso Roseana Sarney, que teve a

sua candidatura encerrada antes mesmo de começar a apresentar suas propostas.

Dessa forma evidencia-se mais uma vez o personalismo político, e contribuí-se para

o círculo vicioso de uma exposição que não informa, aumenta o descrédito na

política e em suas posições ideológicas, voltando por fim à figura do candidato como

sujeito independente do partido.

A mídia, no entanto, em apresentar o processo eleitoral dessa maneira, ganha

créditos como portadora de uma cobertura isenta, pois persiste na busca pela

imoralidade de todos os atores, e crítica, no sentido de tomar para si a

responsabilidade de ser um órgão fiscalizador dos governantes. Ressalta-se que

esse comportamento não é de todo repreensivo, no entanto a cobertura feita dessa

forma, apenas contribui para o círculo vicioso anteriormente citado, impedindo a

evolução da cultura política no país.

Page 90: A revolução no marketing político: um estudo de caso da campanha presidencial do Partido dos Trabalhadores em 2002

90

Em face dos dois movimentos políticos apresentado por Rubim (2004) na

realização do que ele chama de embate-político midiático, revela-se a presença de

candidaturas que buscaram “demonstrar a existência de um programa e de

propostas específicas, como no caso de Lula, até outras candidaturas que apenas

fizeram afirmações genéricas de proposições e concentram sua campanha em sua

imagem pública ou em seu passado de realizações” (p. 23). Sendo assim,

caracteriza-se a importância da ideologia partidária que fornece sustentação a

imagem do candidato, apesar de partido e ideologia não estarem em primeiro plano

eles não são suprimidos.

Uma vez compreendida a separação da formação de imagem midiática e da

interpretação da realidade como processos interligados, mas não dependentes, é

possível a compreensão da participação do partido na escolha eleitoral, mesmo que

em um processo caracterizado pelo personalismo político. A face personalista do

Lulinha paz e amor, mostra já em seu primeiro programa a face prática de um

candidato que com tais características pessoais dispõe da base sustentável de seu

partido para a formulação de um programa real de governo.

Figuras 6, 7, 8 e 9 - Sequência de frames do primeiro programa de Lula

Fonte: <http://www.youtube.com/watch?v=QX3aZCF9sFI> Acesso em: 24 de novembro de 2009

Lembra-se que a conjuntura político-social daquele momento apresentava um

cenário de crise emergido da desvalorização da moeda e consequente desemprego,

além do medo da violência nas ruas. O despreparo para governar atribuído a Lula

possuía ligação direta com essa crise e a potencial inapetência em resolvê-la. É aqui

Page 91: A revolução no marketing político: um estudo de caso da campanha presidencial do Partido dos Trabalhadores em 2002

91

que aparece a resposta para o segundo problema a ser trabalhado pela equipe de

comunicação. À falta de preparo para governar, projeta-se a figura do Lula negociador. Esse personagem apresentava-se como um novo jeito de agir frente à

crise. Depois de tantos governos de nível universitário e experiência administrativa,

que nada resolveram, propõe-se que o povo passe a pensar de uma maneira

diferente, acreditando que a mudança pudesse ser concretizada através de um

candidato de origem operária e competência aglutinadora.

O momento de crise requer para a sua superação uma competência política – e não técnica – de conversar para aglutinar atores e interesses em torno de uma saída, negociada e alternativa, que abra a possibilidade de desenvolvimento social e econômico para o país. Este deslocamento das competências exigidas, não mais prioritariamente administrativas e técnicas, mas agora essencialmente políticas guarda uma sintonia fina com a imagem do Lula negociador e, por conseguinte, potencializa sua atuação eleitoral. (RUBIM, 2004, p. 25)

A construção da imagem do Lula negociador, era extremamente necessária

para aumentar a aceitação de Lula entre o eleitorado. O ciclo de aspiração que

demonstrava a latência de um novo tipo de atuação para resolver os problemas da

crise, só podia ser assumido por Lula, face à sua história de líder sindicalista e

também a história de seu partido, que formado a partir da visão dos trabalhadores

sobre a sociedade, lhe conferia a sustentação ideológica para adotar esse ciclo e

confirmar a interpretação da realidade conforme a visão do partido e do próprio Lula.

Note-se que tal construção não foi realizada arbitrariamente, mas com conexões

reais e pertinentes. O que se fez foi realçar um aspecto já próprio de sua

personalidade e corroborado pela visão de seu partido. Evidenciava-se assim uma

identidade legítima sem correr o risco de gerar um sentimento de falsidade na visão

do eleitorado. Lembra-se que o conflito verificado entre a visão de mundo e a

realidade desse mundo, foi durante anos um problema dentro do PT, haja visto o

capítulo sobre sua formação. Aqui este conflito foi finalmente resolvido através da

interpretação da realidade, onde não há abandono dos ideais, há apenas uma

adaptação à realidade.

Vê-se nos seguintes frames abaixo um programa de Lula que expressava sua

característica de negociador, mostrando-o em diversas partes do mundo

conversando com os mais diversos líderes mundiais.

Page 92: A revolução no marketing político: um estudo de caso da campanha presidencial do Partido dos Trabalhadores em 2002

92

F

existência desse personagem foi consolidada no momento de publicação da

chama

elo não poderá ser produto de decisões unilaterais do governo,

O que Lula cha país e de novo contrato ocial

a no comportamento eleitoral, não pode-se

Figuras 10, 11, 12 e 13 - Sequência de frames de um programa do Lula onte: <http://www.youtube.com/watch?v=6aazMGg6isg> Acesso em: 24 de novembro de 2009

A

da Carta ao Povo Brasileiro. É nesse documento que o candidato do PT

compromete-se em cumprir todos os contratos assumidos anteriormente e

tranquiliza a economia em geral. Um trecho dessa carta propõe um novo modelo e

deixa bem claro esse compromisso. O novo modtal como ocorre hoje, nem será implementado por decreto, de modo voluntarista. Será fruto de uma ampla negociação nacional, que deve conduzir a uma autêntica aliança pelo país, a um novo contrato social, capaz de assegurar o crescimento com estabilidade. Premissa dessa transição será naturalmente o respeito aos contratos e obrigações do país. (Carta ao Povo Brasileiro, Anexo B)

a de uma autêntica aliança pelo m

s é a ideia que acabou por gerar um grande pacto social, firmado através de

sua competência política e aglutinadora capaz de unir trabalhadores, intelectuais,

empresários e diversos outros setores.

Fora essas análises de mudanç

deixar de lado a ponderação feita por Chaia (2004), que segundo análise da Folha de São Paulo, de 1° de dezembro de 2002, conclui que o real motivo do voto do

empresariado e da parcela mais rica da população em Lula, não teve nada de

Page 93: A revolução no marketing político: um estudo de caso da campanha presidencial do Partido dos Trabalhadores em 2002

93

racional ou ideológico. Para ela os motivos do voto foram de origem genuinamente

egoísta, relacionado a disputa por espaço, em um momento de saturação do já

enorme abismo social.

O crescimento excessivo da população pobre nas ruas começou a incomodar

os rico

.5 - A CONCORRÊNCIA

lém de Lula, os outros três principais candidatos a presidência eram: José

Serra

.5.1. - O Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE)

onforme visto anteriormente, nas eleições de 2002 foi detectado um

desloc

s quando aumentaram a violência urbana e número de pedintes, ou seja, a

pobreza passava a atrapalhar o direito de ir e vir dos mais ricos. Somente com a

caracterização dessa invasão de espaço, foi que as classes mais altas sentiram a

necessidade efetiva de acabar com ela. Lula passou então a ser o caminho mais

lógico para que essa parte da população pudesse voltar a ter o direito de ser rico,

voltar a usar suas jóias e outros objetos de valor, sem medo de serem assaltados.

Com a redução de sua agressividade, Lula passou a ser um candidato mais

palatável, e, principalmente por causa de suas origens operárias, caracterizado

como o conhecedor das reais necessidades do povo mais pobre, tendo assim mais

conhecimento para resolver o problema.

4

A

(PSDB), Ciro Gomes (PPS) e Anthony Garotinho (PSB). A concorrência é aqui

analisada a partir de seus programas no Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral

(HGPE) durante o primeiro turno. Os dados obtidos nessa análise são confrontados

com os temas agendados pelo Jornal Nacional (TV Globo). Todos os dados

expostos foram retirados do artigo de Mario Porto et al., presente na compilação

organizada por Antonio Albino C. Rubim, Eleições Presidenciais em 2002 no Brasil.

4

C

amento na competência exigida para o desenvolvimento social e econômico

do país. Tal deslocamento agravou a situação da candidatura de José Serra que,

além dos problemas de apoio político e de ordem pessoal, se defrontava com a

dificuldade de ser candidato do governo em meio a uma conjuntura que solicitava

mudanças. Em seu programa televisivo Serra dividiu seus apelos entre Políticas

Page 94: A revolução no marketing político: um estudo de caso da campanha presidencial do Partido dos Trabalhadores em 2002

94

Futuras (36,4%) e Políticas Passadas (15,6%). Ou seja, ao mesmo tempo em que

apresentava o seu plano de governo e desvencilhava-se da sua imagem de

candidato da situação, ele, ao mostrar seus feitos do passado, caracterizados

principalmente por sua atuação no ministério da saúde de FHC, inevitavelmente

remontava à sua situação de candidato do governo. A estratégia político-midiática de

ser governo e ser mudança, intentada por Serra, dificultou, sem dúvida, sua

performance eleitoral, mas o deslocamento das capacidades e competências

exigidas pelo momento também teve um efeito, talvez mortal, para as suas

pretensões presidenciais. Uma vez candidato do governo e balizado por sua

competência administrativa, era impossível para Serra apresentar-se como fonte

alternativa de solução, ele era apenas, mais do mesmo.

Vale ressaltar que, obviamente, Serra dedicou apenas 5% de seu tempo para

análise

rte de

seu te

s sobre a conjuntura nacional; que diz respeito a informações relevantes à

situação atual do país, ou seja, a situação que vai ser herdada pelo novo líder das

mãos do antigo governo. Esse é o menor tempo destinado a análise deste fator

dentre os quatro candidatos avaliados (foram excluídos da pesquisa aqueles que

somavam menos de 1% das intenções de voto). Já Lula, candidato da oposição,

destinou, como lhe convinha, 28,2% de todo o seu tempo para essa análise.

No entanto, tanto Serra como Lula e Garotinho, destinaram grande pa

mpo a apresentação de seu programa de governo, respectivamente, 36,4%,

18,4% e 17,7%. Garotinho foi o que mais destinou-se a falar sobre Políticas Passadas (23,8%), apresentando suas realizações no governo do Estado do Rio de

Janeiro. Haja vista o momento de crise caracterizado, os quatro candidatos focaram

seus projetos de governo nos temas que compunham tal crise, a economia

(desemprego) e a questão social (pobreza). Enquanto Garotinho e Serra

destinavam-se 82,6% e 65,4% de suas Políticas Futuras para a economia, Lula

dedicava apenas 38,2%. No entanto, de acordo com o que foi visto anteriormente,

este tema necessitava de uma abordagem diferenciada, o que não foi e nem poderia

ser exercida por Serra ou por Garotinho - mesmo que Garotinho não estivesse

diretamente ligado a continuidade, ele não representava a mudança requisitada pela

população. Ou seja, enquanto os dois candidatos desenvolviam sua abordagem

econômica baseados no emprego e no salário, tema que dizia respeito a 1% do que

foi agendado pelo Jornal Nacional, Lula o fazia baseado na política econômica,

dialogando explicitamente com o que era exposto pelo Jornal (das 165 notícias

Page 95: A revolução no marketing político: um estudo de caso da campanha presidencial do Partido dos Trabalhadores em 2002

95

sobre economia, 67% tinham como foco a política econômica e outros 22% as

finanças - taxas de juros, câmbio e bolsas de valores; apenas 1% dizia respeito a

emprego e salário).

A política econômica a qual se referia negativamente Lula, caracterizava-se

pelo m

te confrontamento de opiniões sobre quais eram os reais motivos da

turbulê

odelo adotado por FHC de manutenção dos juros altos e sobrevalorização da

moeda com vistas ao controle da inflação. Foram esses elementos que acabaram

por implicar um ritmo lento de crescimento econômico e consequente elevação de

um dos dois principais fatores da crise em questão, o índice de desemprego. Por

outro lado, Serra relacionava a crise a um medo do mercado sobre um possível

calote na dívida externa, sem evidenciar, no entanto, que tal dívida havia sido

gerada a partir dos inúmeros empréstimos empregados na tentativa de evitar a

estagnação da economia, risco corrido devido à “desastrosa política econômica do

governo Fernando Henrique” (p. 78) - conforme opinião de todos os presidenciáveis

de oposição.

Com es

ncia percebida no agente político mercado, percebe-se duas diferentes

interpretações da realidade. Lembra-se que os dois motivos alegados são

verdadeiros, porém o ato de omitir um deles e relegar maior importância ao outro

ajuda a popularizar a candidatura mostrando o ponto de vista mais favorável.

Atuando sobre a política do Lulinha paz e amor o candidato do PT já possuía uma

aceitação maior do eleitorado, que, ao entender a necessidade de um político com

competência política (e não técnica), advinda de sua história sindicalista, para

resolver os problemas, pode aceitar a postura do Lula negociador. Esse novo

político tinha origem trabalhadora, e tanto ele como seu partido respondiam por uma

ideologia que carregava os anseios dessa classe, que estava assistindo o seu poder

de consumo cair graças ao desemprego. Lula tornava-se assim a opção natural dos

eleitores, pois com sua característica aglutinadora ele chamava ao diálogo não

somente os pobres que originalmente representava, mas também as outras classes,

que agora já não tinham mais a imagem de um líder radical e incapaz. A figura do

Lula negociador e de sua proposta de diálogo entre classes, caracterizava a

mudança, através de uma nova interpretação da realidade que permitia agir de

maneira diferente frente a velhos problemas.

Page 96: A revolução no marketing político: um estudo de caso da campanha presidencial do Partido dos Trabalhadores em 2002

96

4.6 - FORMA E CONTEÚDO

Segundo o marqueteiro Duda Mendonça, o eleitor comum, moderado e

despo

s nascidos de um contexto político, que recebe a

atuaçã

uindo a sua teoria de adequação entre forma e conteúdo, necessária,

segun

ntário 36° presidente: as estratégias de marketing de 2002 produz

de uma forma e, portanto, quando se

constr

Um texto para televisão é um texto para ser dito. Falado. Não é para ser

litizado, não quer ouvir falar de lutas ou de brigas de qualquer espécie. Aliás, é

justamente isso que o eleitor mais teme. O que o eleitor quer é ouvir falar de sonhos,

mas deixar de lado as realidades.

As realidades são elemento

o da publicidade eleitoral, mas que é trabalhada segundo uma perspectiva

mais teórica de adequação de imagem e interpretação da realidade. Por outro lado,

os sonhos, permitem que se trabalhe com um universo mais subjetivo, gerando uma

aproximação não puramente racional, mas também emocional entre partido e

eleitores.

Seg

do o próprio marqueteiro, para o processo de otimização da imagem do PT

junto aos eleitores, segue uma última parte prática nesse processo de ajustamento.

Repare-se que essa otimização é construída na figura de um PT light, que

conseguia representar os sonhos da população, tornado-se portador da esperança.

Essa imagem teve o cuidado de manter o diálogo com a imagem do Lulinha paz e amor, conforme a importância à unidade dada para os elementos da campanha por

Duda Mendonça.

No docume

ido pelo Centro Universitário FIAM FAAM (São Paulo) e dirigido por Roberto

Murolo Zsiga e Thomaz Meira, Ricardo Kotscho (coordenador de imprensa do PT em

2002) revela que em campanhas passadas Lula se negava a usar o teleprompter. O

candidato literalmente discursava de improviso sobre qualquer tema. Não que o

fizesse com incompetência, o problema não era o conteúdo, era a forma, ou seja, a

barreira estava na adequação da linguagem.

Cada mídia funciona operacionalmente

ói a mensagem é preciso pensar em qual mídia ela será veiculada. Duda

Mendonça relata em seu livro como ele trabalha segundo esse conceito:

lido, como num livro. A palavra possui pesos e virtudes diferentes numa fala, num escrito, numa canção. (...) quem escreve para televisão, escreve diferente de quem o faz para um jornal ou uma revista. E não pode nunca se esquecer disso: de que está trabalhando no plano da oralidade, da

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97

expressão oral, e não no campo da língua escrita. E quem fala não é um livro. É uma pessoa. (MENDONÇA, 2001, p. 50 e 51)

publicitário vai ainda mais além, e ao citar os cuidados a serem tomados

com o

Hoje em dia, caso o leitor ainda não saiba, quase ninguém mais fala de improviso, como antigamente. Nos noticiários da televisão, nas falas do

uando o candidato não tem intimidade com a televisão,

pós melhorar o discurso televisivo do candidato do PT, Duda Mendonça

contin

os comerciais mais marcantes da campanha de 2002 foi o das mulheres

grávid

O

discurso do candidato apresenta sua visão sobre o teleprompter.

presidente ou do papa, o que se usa é o teleprompter – um aparelhinho no qual você escreve o que quer e o texto vai aparecendo na lente da câmera, sem, no entanto, aparecer na tela do televisor. O candidato vai olhando e lendo tudo direitinho. Quem está em casa é capaz de jurar que ele está falando de improviso. Apesar dessa moleza, muitos políticos ainda não se adaptaram a esse recurso. E a mensagem soa falsa. Sem falar no perigo de o sujeito escorregar numa vírgula, não fazendo a pausa certa e, assim, mudando o sentido da frase. A língua portuguesa é pródiga em tais armadilhas. (...) Para evitar essas e outras, todo o cuidado é pouco com as pausas e interpretações. Qdepois de escrever a mensagem, a quatro mãos, juntamente com ele, gravo previamente o texto com a minha voz e a minha interpretação. Antes da gravação, o candidato vai lendo no teleprompter, enquanto ouve a minha voz. Na hora de gravar fica tudo muito mais simples, mais fácil, melhor.

A

ua trabalhando com a linguagem televisiva, passando o conteúdo racional

para a forma emocional, aflorando dentro dos eleitores o sonho de um país

melhorar, criando um desejo pelo candidato do PT, como único agente possível de

mudança.

Um d

as. O comercial trazia dezenas de gestantes, das mais diversas raças,

caminhando sobre uma paisagem bucólica em um campo aberto, e encerrava-se

com algumas dessas mulheres já com seus filhos no colo, e as palavras de Chico

Buarque: “Você não pode escolher se seu filho será menino ou menina. Não pode

escolher a sua altura nem a cor dos seus olhos. Muito menos o que ele vai ser

quando crescer. Mas uma coisa você pode escolher: que tipo de país você quer pra

ele? Se você não muda, o Brasil, também não muda.”

Page 98: A revolução no marketing político: um estudo de caso da campanha presidencial do Partido dos Trabalhadores em 2002

98

Figuras 14, 15, 16 e 17 - Sequência de frames do comercial Grávidas

Fonte: <http://www.youtube.com/watch?v=fDG1_NXJNA8> Acesso em : 24 de novembro de 2009

Mais uma vez, estava representado o caráter de mudança que já vinha

guiando a campanha. A esta mudança também se unia o incentivo para que ela

partisse de cada um. Mostrando que mesmo com tantas variáveis fora do nosso

controle, era possível efetivar um novo projeto para o país. Este novo projeto deveria

partir de cada um e formar uma enorme integração, concretizado um processo

aglutinador, capaz de ser realizado apenas pelo PT e por Lula, conforme já visto

anteriormente.

O comercial obedece às etapas do modelo AIDAS, sem mudar o conteúdo,

mantendo-se dentro da USP, o que ocorre é apenas a alteração da forma. Ele

chama a atenção quando se percebe várias mulheres no meio do nada. Fazendo o

telespectador se perguntar: Aonde elas vão? O que estão fazendo aí? Desperta o

interesse quando o artista começa a fazer uma série de interrogações para as quais

não se tem resposta e sobre as quais, provavelmente, nunca se tenha pensado. Ao

criar um estado de caos na mente de quem assiste o comercial o locutor expõe que

apesar de existir diversos elementos fora de nosso controle é possível, pelo menos

preparar um Brasil melhor, desde que esse Brasil comece a mudar a partir da nossa

própria mudança de atitude. Cria-se assim um desejo, para efetivar esse novo país,

que já se fazia necessário, mas que ainda não possuía um meio para concretizar-se.

Atente-se ainda para o design clean do comercial. Chico Buarque aparece de

branco e em um fundo branco, o que expressa total neutralidade. Tal conjunto foi

Page 99: A revolução no marketing político: um estudo de caso da campanha presidencial do Partido dos Trabalhadores em 2002

99

propositalmente pensado para que o telespectador prestasse o máximo de atenção

possível na mensagem que estava sendo passada. O músico tem a estrela no peito,

da mesma forma que se canta no jingle, e a assinatura do partido se resume à

estrela com o número 13 aparecendo discretamente no canto superior-esquerdo da

tela. A trilha sonora remete ao som de tambores característicos da condução de uma

marcha, uma marcha para mudança. Sobre esses tambores, surge uma melodia

suave, porém a soma dos dois fatores garante à música um impacto épico,

remetendo a algo de esperança em um futuro melhor. Toda essa suavidade e

melancolia do comercial vem a servir a manutenção de uma unidade com a imagem

do PT light. E foi assim que Duda Mendonça foi modelando a campanha do partido e

construindo um novo posicionamento para o PT, através da adequação de forma e

conteúdo, lembrando sempre que a publicidade não impõe nada aos eleitores, ela

apenas age sobre a necessidade latente. Nas palavras de Duda Mendonça: “Em

matéria de campanha política na televisão, a forma é, muitas vezes, mais importante

do que o conteúdo. Mesmo porque conteúdo não é sinônimo de verdade, nem forma é sinônimo de maquiagem.” (2001, p. 53, grifo nosso).

4.7. – A EVOLUÇÃO DA CAMPANHA EM PESQUISAS

Para finalizar este capítulo serão apresentados os principais dados de

pesquisa de opinião realizados pelo Instituto Datafolha e pelo Instituto Brasileiro de

Opinião Pública e Estatística (IBOPE).

O dia 6 de julho ficou marcado como o início do período oficial de campanha.

Do final deste mês datam os índices (em %) de duas pesquisas sobre intenções de

voto, já levando em conta os possíveis desempenhos da propaganda sobre os

eleitores.

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100

Gráfico 2 - Pesquisa do Instituto Datafolha realizada no dia 30/07/2002

Fonte: <http://datafolha.folha.uol.com.br/po/ver_po.php?session=171> Acesso em: 24 de novembro de 2009

Gráfico 3 - Pesquisa do IBOPE realizada nos dias 27-29/07/2002

Fonte: <http://www.ibope.com.br/calandraWeb/servlet/CalandraRedirect?temp=6&proj=PortalIBOPE &pub=T&db=caldb&comp=pesquisa_leitura&docid=7884ABCBB4E22CA483256EA10059D024>

Acesso em: 24 de novembro de 2009

Note-se que Ciro Gomes vinha em ascendência desde o início do período

oficial, ultrapassando Serra e chegando em segundo lugar.

No dia 20 de agosto começa o horário eleitoral gratuito e uma semana depois

Datafolha e IBOPE publicaram pesquisas mostrando intensa disputa pelo 2° lugar

entre Ciro Gomes e José Serra.

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101

Gráfico 4 - Pesquisa do Instituto Datafolha realizada no dia 30/08/2002

Fonte: <http://datafolha.folha.uol.com.br/po/ver_po.php?session=169> Acesso em: 24 de novembro de 2009

Gráfico 5 - Pesquisa do IBOPE realizada nos dias 24-26/08/2002

Fonte: <http://www.ibope.com.br/calandraWeb/servlet/CalandraRedirect?temp=6&proj=PortalIBOPE &pub=T&db=caldb&comp=pesquisa_leitura&docid=E8E1A98E6139FB4283256EA10062203E>

Acesso em: 24 de novembro de 2009

A derrocada de Ciro teve início após o começo do HGPE. Com Lula sempre

em primeiro lugar, os demais candidatos preocupavam-se em disputar uma vaga no

2° turno. Não valia a pena dedicar esforços para vencer Lula que usufruía de uma

candidatura estável, enquanto os outros três viviam em cima de uma gangorra.

Em cinco de outubro o Datafolha e o IBOPE publicaram as suas últimas

pesquisas antes da realização do 1° turno das eleições. Ambas as pesquisas

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102

apresentavam resultados semelhantes e apontavam possível vitória de Lula no 1°

turno. Após Ciro e Serra alternarem-se diversas vezes na segunda posição, é

interessante notar que na antevéspera da eleição Garotinho aparecia empatado com

Serra e pleiteando uma vaga no segundo turno. Note-se que Ciro perdeu

impressionantes 18 pontos percentuais durante o HGPE.

Gráfico 6 - Pesquisa do Instituto Datafolha realizada nos dias 04 e 05/10/2002

Fonte: <http://datafolha.folha.uol.com.br/po/ver_po.php?session=561> Acesso em: 24 de novembro de 2009

Gráfico 7 - Pesquisa do IBOPE realizada nos dias 04 e 05/10/2002

Fonte: <http://www.ibope.com.br/calandraWeb/servlet/CalandraRedirect?temp=6&proj=PortalIBOPE &pub=T&db=caldb&comp=pesquisa_leitura&docid=1F38140108B5881C83256EA10064C0BB>

Acesso em: 24 de novembro de 2009

Page 103: A revolução no marketing político: um estudo de caso da campanha presidencial do Partido dos Trabalhadores em 2002

103

Por fim, os números oficiais do TSE registraram Lula e Serra no 2° turno, com

46,44% e 23,19% respectivamente.

A batalha eleitoral deu-se de fato durante o primeiro turno, uma vez que

inclusive a possibilidade de vitória de Lula foi cogitada. “(...) se a eleição fosse

realizada hoje, não seria possível afirmar se haveria segundo turno ou não” (site do

Datafolha no momento da publicação da pesquisa dos dias 4 e 5 de outubro). Sendo

assim, cita-se aqui apenas os dados da última pesquisa antes da eleição do

segundo turno e os dados oficiais do TSE.

Gráfico 8 - Pesquisa do Instituto Datafolha realizada no dia 26/10/2002

Fonte: <http://datafolha.folha.uol.com.br/po/ver_po.php?session=163> Acesso em: 24 de novembro de 2009

Gráfico 9 - Pesquisa do IBOPE realizada no dia 26/10/2002

Fonte: <http://www.ibope.com.br/calandraWeb/servlet/CalandraRedirect?temp=6&proj=PortalIBOPE &pub=T&db=caldb&comp=pesquisa_leitura&docid=4F8C7B07A2A3E59683256EA10066F4AC>

Acesso em: 24 de novembro de 2009

Page 104: A revolução no marketing político: um estudo de caso da campanha presidencial do Partido dos Trabalhadores em 2002

104

Levando em consideração os números das pesquisas acima, realizadas na

véspera da eleição, lembra-se o último apelo desesperado de José Serra. Ao final do

debate na TV Globo, o último antes da votação do segundo turno, em suas

considerações finais, Serra pede, encarecidamente, que cada uma das pessoas que

já votam nele consigam mais um voto, para que assim eles possam juntos vencer

Lula.

Os números oficiais do TSE foram 61,2% para Luiz Inácio Lula da Silva da

coligação PT / PL / PC do B / PMN / PCB e 38,7% para José Serra da união PSDB /

PMDB.

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105

5 – PERCEPÇÕES OBTIDAS A PARTIR DAS ENTREVISTAS EM PROFUNDIDADE

A etapa final do estudo de caso sobre a campanha presidencial do Partido

dos Trabalhadores em 2002 consiste em uma tomada de opinião feita através de

entrevistas em profundidade. Foram entrevistadas cinco pessoas. Três delas

representantes do Partido dos Trabalhadores, um especialista em marketing e um

cientista político. A teoria e a prática expostas neste trabalho serão confrontatas com

os apontamentos feitos por estes profissionais, buscando um maior aprofundamento

sobre as questões levantadas anteriormente. Os entrevistados responderam a um

questionário de dez perguntas (Anexo C), sendo que para cada entrevista foi

dedicado o tempo de uma hora.

Tabela 5

Entrevistado Ocupação

Marcus Vinícius Manssur Anflor Especialista em Marketing

Paulo Ferreira Secretário Nacional de Finanças e

Planejamento do PT (2005/2009)

Adeli Sell Vereador do PT e vice-presidente da

Câmara de Porto Alegre

Selvino Heck Assessor Especial do Gabinete do

Presidente da República

Djedah Lisboa Cientista Político

5.1. – A ELEIÇÃO DE LULA

Questionados sobre a eleição de Lula em 2002, todos os entrevistados

concordam que ela não foi um evento esporádico, mas sim o resultado de um

acúmulo de conquistas anteriores. Ferreira diz que a vitória de Lula em 2002 foi um

processo que iniciou com a criação do PT e com as disputas democráticas na

metade da década de 70 e continuou pela década de 80. Ele cita como exemplo as

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106

lutas pelas eleições diretas, pela fundação da CUT e pela autonomia de organização

dos partidos políticos que rompeu com o bipartidarismo (ARENA-MDB), permitindo a

própria criação do PT. O entrevistado lembra que em 2002 o PT já tinha experiência

administrativa em prefeituras e governos, bem como na bancada federal e no

senado. E foi sobre esse patrimônio de conquistas e de acúmulo de programas de

governo, que a vitória dos setores que apostavam em um novo rumo para o país se

concretizou.

Sell relata que o eleitor “elege um homem que vem do povo, de origem

popular, mas que tinha se preparado. O povo não é descuidado nessa questão. Eles

votam no Lula porque acreditam não apenas que o Lula é um homem do povo, mas

que é um homem que se preparou, que tem um partido atrás dele para fazer essa

mudança. Não é a partir da eleição do Lula (que o povo passou a acreditar no PT),

já a própria eleição do Lula é uma demonstração de que a população acredita e que

acreditava no PT.”

Anflor aborda um outro viés sobre a eleição dizendo que o candidato não

precisa ter diploma. O candidato na visão do entrevistado precisa ter bons

assessores e visão política, para trabalhar com inteligência e sensibilidade, tendo

uma visão global. Ele afirma que é preciso ter “o coração puro e as mãos limpas”,

relembrando os ataques dirigidos ao PT e à Lula, trazendo como exemplo a eleição

de 89, data da primeira candidatura de Lula à presidência, quando o PT ainda tinha

“poucos referenciais para poder provar o que que tinha de projeto para apresentar.

Então era muito fácil ser atacado.” “Acusavam o Lula de ser rude, de nunca ter

trabalhado, de não ter diploma, de ser um nordestino que não entendia do Brasil.”

Os fatores levantados pelo entrevistado foram listados na reconstrução

histórica feita neste trabalho, quando se fala em luta armada, pouca negociação e

sobre a história de vida de Lula. A imagem que ficou vinculada ao PT foi a de

guerrilha, devido justamente as suas características de formação, e

consequentemente essa imagem estendida-se ao Lula.

A ideia de guerrilha e de movimentos contestadores de esquerda afastava as

pessoas, segundo Lisboa, o PT fechava-se em sua elite intelectual e escondia-se

atrás da bandeira de seu partido. Para o entrevistado, o grande passo foi dado com

a adoção do verde-amarelo. “(...) coisa que o PT não deixava naquela época. Ele

resistia“. Foi só a partir desse momento, com a adoção da bandeira brasileira em

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107

sua publicidade, que o partido concretizou sua abertura ao diálogo com todas as

classes. (Anexo D – Anúncios de campanha)

Não esquecendo todo o acúmulo das vitórias do passado como principal

elemento da eleição, Heck lembra especificamente do confronto em 2002 e do

“fracasso de FHC e do neoliberalismo no Brasil”, ao que Ferreira completa: “a

grande disputa com o neoliberalismo, do presidente anterior Fernando Henrique,

todo o programa de privatização, todo o problema que envolveu a relação do Brasil

com a internacionalização da economia, foram elementos de programa e de disputas

muito intensas.”

Todas estas ponderações sobre a vitória de Lula em 2002 são resumidas por

Heck em uma frase: “as circunstâncias históricas junto com o amadurecimento do

PT permitiram a vitória de Lula.” Com esta citação chama-se atenção para a enorme

importância do contexto político, já assinalada anteriormente. E que foi descrito em

detalhes nos capítulos 2 e 3.

5.2. – AS IMPLICAÇÕES DO MARKETING POLÍTICO

Todos os entrevistados concordam que o marketing político é uma ferramenta

de comunicação que traduz as propostas de um candidato e de um partido. Lisboa

entende que “marketing eleitoral é marketing de resultado”, e que este deve

pertencer a “um conjunto mais amplo de marketing político”. Nas palavras de Sell:

“marketing eleitoral é uma forma de comunicação que pega os aspectos de

constituição do partido e do candidato, e apresenta de uma forma mais simples, de

uma forma apreensível, para um maior conjunto da população, para um maior

número possível de eleitores. O marketing político é uma tradução de programas, de

ideários, de posições, de partido, de candidato, para ter mais apelo popular, mais

comunicação, mais relação com o eleitor para que isso se transforme em voto, em

sufrágio suficiente para eleger o candidato.” Nota-se que, ao contrário de Lisboa, o

entrevistado usa os termos indistintivamente, confusão esta que é comum no meio,

conforme visto no próprio livro de Figueiredo (1994), onde o autor usa “a expressão

marketing político para designar os dois processos” (p.11).

Sem entrar no mérito, atém-se a citação de Sell para remontar-se à

Mendonça, quando o último define-se como sendo apenas o ”instrumento de

comunicação” do candidato. Segundo esta visão, o marketing não constrói ideologia,

Page 108: A revolução no marketing político: um estudo de caso da campanha presidencial do Partido dos Trabalhadores em 2002

108

projetos ou ações. Ele exerce apenas a adequação entre forma e conteúdo. De

acordo com Ferreira, “no Brasil, hoje, a condição do marketing político de exercer

uma influência está restrita a esse ambiente de comunicação.” Conforme visto

anteriormente, o trabalho do marketing e da comunicação restringi-se a criar uma

preferência; um desejo por determinado candidato, em função das características

apresentadas por ele.

Chega-se então ao fato de um candidato poder ou não ser considerado um

produto. Novamente todos os entrevistados concordam entre si e repudiam essa

associação. Sell diz que “há uma similitude. E quando passa desse aspecto, você

deixa de fazer marketing político e começa a fazer apenas marketing, ou seja,

venda.” Lisboa argumenta que “ele foge de ser um produto. Pode enxergar como um

sabonete, mas não é um sabonete.” E diz claramente que “erra quem faz isso”. Para

Anflor, o produto de uma eleição é um “conjunto de idéias” apresentadas por um

candidato, um grupo de pessoas, ou uma agremiação política. Ao que completa

Ferreira dizendo que “o candidato é a síntese dessas características”, referindo-se

às características pertencentes aos partidos. Sobre isso Heck diz que “as

características do candidato devem estar de acordo com isso (as características do

partido) e não o contrário. A política deve sempre dar-se em cima de idéias, em

primeiro lugar.”

Assim tem-se à visão de Grandi et al. (1992) de que o candidato é

primeiramente a vitrine de um partido, para depois tornar-se a própria essência de

tudo o que o partido representa. Nesse sentido, Sell, Anflor e Ferreira, levantam a

tese de que Lula é maior do que o PT, e fazem ponderações. Anflor não acha que

isso seja bom para o partido, uma vez que ele vê como sendo tarefa do partido

“apresentar idéias”. Tarefa hoje que foi incorporada pelo candidato, devido à alta

visibilidade trazida pela televisão e pela necessidade de uma boa imagem midiática, que é justamente o que deve ser trabalhada pelo marketing político.

No entanto, Ferreira diz que “para efeitos de convencimento eleitoral, os

candidatos necessariamente tem que ampliar a sua representação partidária.

Porque nenhum partido no Brasil, hoje, tem 50% mais um, então é natural que o

candidato parta de um programa e de um partido, mas que transcenda a

representação que ele tem.” A isso se aplica a tese de Rubim (2004) quando ele

afirma a possibilidade de desenvolver a formação da imagem de um candidato,

dissociada em dois movimentos conectados, mas não necessariamente

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dependentes. O primeiro referente à imagem midiática, já comentada, e o segundo

referente à interpretação da realidade. É dentro desta teoria que se desenvolve o

pensamento de Ferreira, quando ele relata que “não existe o Lula sem o PT e nem o

PT sem o Lula”. Mesmo que os dois “guardem determinadas identidades”, no

sentido de que “tem certas posições que o PT não concorda com o Lula e o Lula não

concorda com o PT”, conforme visto no capítulo 3 ao analisarem-se as divergências

internas que permeiam o PT desde a sua fundação, estas vem sendo administradas

sem que venham a “romper essa identidade mais geral entre indivíduo, partido e

programa”.

A interpretação da realidade diz respeito justamente ao programa de

governo, ao conjunto de idéias transformadoras do partido materializado na forma do

candidato. Conforme relata Anflor, a política é feita de “governos possíveis”, no

sentido de que como cada candidatura é composta por alianças partidárias que

possuem partidos defensores de ideologias parecidas mas nunca idênticas, e que

posteriormente, todo governo no Brasil, opera sobre um regime de democracia, tem-

se a necessidade de negociar. Ainda de acordo com o mesmo entrevistado: “Existe

o mundo ideal e o mundo real. O ideal é a proposta inteira e o real é o que possível

traduzir da proposta inteira. A adequação da ideologia à realidade. Dos meus dez

itens que mudariam o país alguns são dificultados por leis, e não é possível fazer

isso por imposição e sim por negociação. É preciso apresentar o mínimo destes

itens e torná-los viáveis através de um processo amplo de negociação com quem vai

me ajudar a governar, e colocar eles em prática, e aí escolher aqueles que eu acho

que são os melhores. Se tenho dez e não posso ter os dez, vou ter só dois, então eu

negocio para ter pelo menos os dois melhores. Que é para poder mostrar como eu

sou capaz de poder mudar o país. Na próxima eleição talvez já seja possível

governar com quatro itens.” A interpretação da realidade caracteriza-se

justamente, no que o entrevistado relata como sendo a adequação da ideologia à realidade.

Tal adequação caracteriza-se, exatamente no que todos os entrevistados

consideram como o grande mérito de Duda Mendonça. Lisboa relata que a

campanha feita pelo marqueteiro foi 100% importante para a vitória, “porque o Lula

já era Lula antes”, no sentido de que todo o trabalho de comunicação realizado tinha

como objetivo saber dar forma ao conteúdo de um Lula que já existia, “sem que

haja falsidade ou incoerência” (Heck) nessa adaptação. Para Anflor, Duda

Page 110: A revolução no marketing político: um estudo de caso da campanha presidencial do Partido dos Trabalhadores em 2002

110

Mendonça é “um dos maiores profissionais de marketing em atividade no país”. E

ele “teve a capacidade para comunicar uma grande idéia ao público eleitor”. Sell dá

o exemplo, da “Carta ao Povo Brasileiro, que foi uma simplificação do programa do

Lula, de uma forma tão simples e convincente, que é um programa político, um

programa de governo, que foi traduzido em uma linguagem comum, é que garantiu

que vários setores que tinham alguma resistência ao Lula, que aderissem ao Lula,

não temessem o Lula, que não temessem o PT, que haveria governabilidade, que

haveria um prosseguimento da economia em vigor, para um processo lento e

gradual de transformações segundo as necessidades da conjuntura política pós-

eleição”.

Reforça-se que o que foi feito foi uma adequação, não foram criadas

necessidades no eleitorado, nem características que o candidato ou seu partido não

possuíssem. O preconceito sobre Lula foi vencido através de uma boa comunicação

desenvolvida por Duda Mendonça. “Acusavam o Lula de ser rude, de nunca ter

trabalhado, de não ter diploma, de ser um nordestino que não entendia do Brasil.

Essa gama de preconceito foi vencida com um bom projeto de comunicação. O Lula

já tinha tentado vencer este preconceito e não tinha conseguido ainda. E o Duda

comandou uma equipe que conseguiu de forma muito criativa fazer chegar essa

mensagem, isso é mérito do Duda. O Lula tem profundos conhecimentos sobre o

Brasil, o Lula não estava em casa vendo TV e tentando conhecer o Brasil através

dela. O lula viajou pelo Brasil esses anos todos conhecendo o país. E isso ele

conseguiu fazer chegar na mensagem eleitoral criada. Além disso foi passada a

imagem de um Lula extremamente preparado, trabalhador e inteligente. Porque para

chegar onde ele chegou saindo de onde ele saiu, tem que ralar muito, ele trabalhou

muito para isso” (Anflor).

Ao responder essa pergunta Ferreira confirma a opinião dos demais e produz

a deixa para a crítica de uma mídia que sob a visão dos entrevistados trabalha na

maioria das vezes para as elites, mascarando os fatos e construindo, não uma

rejeição, mas um afastamento entre a classe trabalhadora e o PT. “(...) nós

precisávamos afirmar as nossas teses e o nosso programa no âmbito da

comunicação, e nisso o Duda Mendonça foi muito importante. Na medida que ele

conseguiu com muito talento traduzir essa mensagem com uma linguagem

televisiva, com uma linguagem de massa”.

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Já em resposta a quarta pergunta, Anflor diz que “não havia rejeição dos

trabalhadores, o que havia era má informação”, e faz um comentário geral

exatamente sobre a mídia, na qual se inclui a televisão, apontando que “as elites

controlam as mídias”, no sentido de que a mídia favorece quem lhe patrocina, quem

anuncia nela. Heck diz que “as elites deturpam a propostas de esquerda ou as

criminalizam”. E, por sua vez, Sell continua a critica a mídia, porém de forma muito

mais veemente: “os meios de comunicação no Brasil agem a partir dos seus

interesses, não partem da notícia propriamente dita, não partem necessariamente da

ação, mas sim constroem o noticiário a partir dos interesses de grupo econômico

que os meios de comunicação representam. Não tem exceção no Brasil. A mídia

brasileira é medíocre, puramente interesseira, vende a falsa idéia de imparcialidade.

Não existe imparcialidade em comunicação. Você sempre defende alguma coisa.

Mídia imparcial, texto imparcial, isso é ficção, isso não existe na face da Terra. No

Brasil se criou a ideia de que temos uma mídia que não é facciosa, que se noticia o

fato pura e simplesmente, isso é mentira. Jornal tem posição, para um lado ou para

outro, a favor ou contra o governo.”

E por que essa ruptura com a vontade da mídia não se deu anteriormente?

Na opinião de Anflor “são 500 anos de paternalismo e de pressão da classe

dominante em cima da classe trabalhadora”. “Esse tipo de preconceito é introjetado

nessa classe trabalhadora.” No entanto, “não tem como enganar a todos durante

todo o tempo”, como também disse Duda Mendonça ao citar Abraham Lincoln, de

forma que “as pessoas vão começando a entender como é que funciona. O

processo histórico de formação da consciência do trabalhador é inexorável, ele vai

acontecendo, porque as pessoas não conseguem passar a vida inteira sendo

exploradas. Ela diz pro filho, o filho diz pro filho, e assim por diante, vai contando a

sua própria história, e as pessoas vão abrindo os olhos e vão entendendo. Aliado a

uma boa mensagem que um partido pode produzir e aliado a boas ferramentas que

esse partido pode criar para poder romper esta lógica perversa, para poder fazer

fluir, fazer chegar essa informação no seu destino. É o conjunto de boas idéias que

vai semear boa terra. Vai fazer com que o trabalhador consiga se libertar, pelo

menos em parte e romper com alguns paradigmas.”

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112

5.3 – FATORES SOCIOLÓGICOS

Segundo visão de Marx encontrada em http://pt.wikipedia.org/wiki/Ideologia e

da qual partilha Chauí (1981), ideologia é a construção de uma falsa consciência em

favor da dominação ocorrida entre as classes sociais, por meio de idéias capazes de

deformar a compreensão sobre o modo como se processam as relações de

produção. Sobre esta afirmação discordam todos os entrevistados. Se não

totalmente, pelo menos em parte. O único que se opõe totalmente a esta visão é

Sell, que diz que “ideologia é exatamente ao contrário. Ela é relação direta entre

aquilo que você constrói para superar o modo de produção da exploração do homem

pelo homem.”

Todos os demais entrevistados veem ideologia de uma forma mais genérica,

pelas palavras de Ferreira: “o debate sobre a ideologia se arrastou e vai se arrastar

durante muitos e muitos anos.” Ele próprio diz que não acha que “as ideologias em

todos os aspectos só produzem manipulação.” Embora concorde que este aspecto

também seja verdadeiro. Heck vê ideologia como ”um conjunto de idéias através das

quais se expressa um programa, valores”. Sendo assim os entrevistados concordam

que “muitas vezes acontece isso” (Lisboa), mas que isso não é regra, podendo o

termo servir tanto a dominação como não.

De tal forma que Ferreira expõe dois tipos de ideologias: 1) “(...) quem

idealiza uma sociedade com mais igualdade, com mais ditribuição, mais repartição

da renda e do poder e fruto do trabalho social, pode ser classificado como um

cidadão, um tipo de defensor de uma ideologia socialista, por exemplo.” 2)

“Analisando o período autoritário no Brasil, analisando toda a justificativa que os

militares davam a aquela situação, evidente que o componente ideológico da luta

anticomunismo, antinacional, foi muito pregado em toda a oposição, tanto a

oposição clandestina quanto a oposição formal. Ideologicamente esse regime pode

ser classificado como um regime inspirado na manipulação e no autoritarismo.”

Quando perguntados sobre qual deveria ser o principal fator na escolha de

um candidato, a maioria dos entrevistados repudia o individualismo e mostra que o

importante são as idéias apresentadas a sociedade. O único que se contrapõe ao

consenso é Lisboa, que vê o processo eleitoral de forma mais objetiva e acredita

que o povo vota em si mesmo; em alguém que o favoreça: “não importa dizer que o

cara é bom é sério. O povo quer votar em um político que traga benefícios”. O

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entrevistado acredita que mesmo em face a um político historicamente corrupto, o

povo cede a propostas que atendam as suas vontades (necessidades ou desejos),

mais imediatas.

A visão é completamente oposta ao que diz Ferreira quando alimenta que a

trajetória do político deve ser o principal fator de escolha, argumentando que “o

candidato tem que inspirar confiabilidade”. Sell continua nessa linha e diz que o mais

importante é a “coerência entre as idéias que defende e a prática realizada”. O

entrevistado expõe inclusive que a desmoralização da política se deve justamente a

incoerência entre o discurso feito na prática eleitoral e durante o exercício do

mandato. Este posicionamento de Sell tem a aprovação de Heck, que valoriza além

da coerência, a verdade. A isso se atrela o comentário de Rubim (2004) sobre a

desvalorização da palavra promessa; o uso excessivo e a constante falta de real

comprometimento com as promessas feitas pelos políticos durante a campanha, em

virtude da referida mudança no discurso, acaba por gerar falta de coerência e o

descrédito na política.

Ferreira continua na sua visão de um candidato como agente indissociável do

processo, e dessa vez incorpora a noção de relação entre Estado e sociedade: “O

mundo político é feito de eleições, queiram ou não queiram, as eleições fazem parte

do processo democrático e nessas eleições os candidatos são peça fundamental.

Porque eles são a explicitação de uma mensagem, de um programa que os partidos

ou coligações apresentam à sociedade. A noção de Estado, de serviço público, da

relação entre Estado e sociedade, todos os conceitos que estão presentes em uma

eleição, o candidato tem que ser representante de uma determinada posição, então

ele tem que ter trajetória, tem quer opinião, posição e representar um conjunto de

idéias, um programa. Um candidato ele não o é, simplesmente porque quer ser

candidato. Ele é porque tem programa, tem aliança e porque tem trajetória e tem

história.”

Ao responder sobre a concentração de esforços estar na valorização das

características do candidato, nota-se que a opinião do entrevistado é muito ligada a

teoria de formação da imagem de um candidato dissociada em dois movimentos.

Apesar de valorizar a ampliação da representação partidária através da

imagem do candidato, o entrevistado não acredita que candidato se eleja

unicamente com uma ou outra característica, ele crê que o programa e os partidos

são fundamentais. Ferreira é o único que defende a ideia de que “a sociedade sabe

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114

que quem é do DEM, tem uma política determinada, quem é do PT defende outro

tipo de política”. Lisboa tem uma visão absolutamente contrária, ele diz que todos os

partidos são ideologicamente fracos e que as próprias noções de esquerda e direita

não são compreendidas pela população. De tal forma que chega a concordar com

Ferreira no que diz respeito à necessidade dos candidatos assumirem a frente na

disputa eleitoral, justamente em face da fraca diferenciação ideológica entre os

partidos.

Na visão de Sell aqui se caracteriza “o problema do individualismo na política

brasileira.” “O candidato deveria ser a expressão mais acabada, mais concentrada,

mais equilibrada das ideias de um partido político. Muitas vezes se faz de tudo para

que se omita o partido dele, para que se esconda o partido dele, o ideário do partido

dele e se busque colocar luzes, holofotes e pesos sobre a figura pessoal do

candidato. É uma forma de marketing, eu não chamaria de marketing político,

porque isso é uma dimensão de factóide, uma deturpação da política, uma

enganação, mas isso existe na política brasileira.”

A isso Ferreira diz que o que falta na população brasileira é a cultura do

associativismo. “A baixa adesão da população aos partidos políticos tem a ver com a

cultura de formação política do país. Assim como há baixa filiação aos partidos

políticos, há uma baixa filiação aos candidatos, as entidades associativas, as igrejas

que fazem uma militância social. O nível de adesão a algum tipo de instituição que

contribua com a formação da consciência crítica, no Brasil, ainda é muito pequena.

Apenas 10% dos adultos, no Brasil, têm algum tipo de relação com atividade política,

em qualquer desses níveis. É preciso perseguir um índice maior, com atividades

formativas do Estado e dos partidos. Falta a cultura de que o associativismo é o

elemento fundamental, para exercer a cidadania, para exercer os direitos. Quando

as pessoas não se associam, quando as pessoas não têm programas comuns, a

defesa de direitos fica muito prejudicada. Isso tem a ver com o avanço democrático

que as sociedades exercem.” Vê-se aqui a queda na identificação partidária como

um elemento característico da falta de informação citada anteriormente por Anflor, e

de educação citada por Gomes (2004) e por Figueiredo (1994), e abordada por

Lisboa da seguinte forma: “Quando a educação chegar nas pessoas. As pessoas

vão conseguir escolher, vão conseguir ter a verdadeira ideologia.”

Na afirmação de Sell sobre o individualismo encontra-se a dimensão do

problema em concentrar todos os argumentos da política, enquanto ciência do

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Estado que interfere na consciência social das pessoas, exclusivamente nas

características do candidato. Construir essa concentração resulta em uma

deturpação da política e de seus valores.

Tal deturpação aparece justamente na resposta dada pelos entrevistados

quando questionados sobre a contribuição da mídia na visão da população sobre a

política em geral. A deformação da real função da política ocorre em cima do

processo de desvalorização que é impresso pela mídia, no sentido da alta exposição

dos escândalos de corrupção. Conforme Ferreira, “a mídia é muito presidida pelo

espetáculo. E o espetáculo no caso da política é o escândalo. Eu não concordo com

a idéia de que a maioria dos políticos no Brasil são corruptos. Se nós pegarmos as

assembléias, o congresso nacional, os governos estaduais, os governos municipais;

a imensa maioria dos governantes são honestos. Evidente que tem os casos de

corrupção que não são só inerentes ao poder público.” Ao que completa Sell: “a

mesma corrupção que existe na política, existe no judiciário, existe no ministério

público, existe na iniciativa privada. Não existe um lugar mais corrupto que o outro. A

corrupção existe na sociedade. Os políticos são a parte mais visível, mais tocada,

mais palpável, porque tem fiscalização, tem contraditório. Na época da ditadura não

tinha corrupção, se roubava muito mais do que agora e não aparecia absolutamente

nada, porque não tinha contraditório, não tinha democracia.”

Conforme Anflor: “no congresso nacional a maioria dos deputados são

honestos. Só que a minoria faz muito barulho e rouba muito. E a mídia trabalha

muito em cima desses caras, expõe demais, em uma tentativa de desmoralizar o

congresso. Com todos os problemas que nós temos o congresso é a melhor

instituição que existe no país, porque ela é o retrato da democracia.” Visão esta que

é confirmada por Sell quando diz que “a câmara é 100% da cidade (tal qual o

senado é 100% do Brasil), ali é que está a pluralidade da cidade, não no governo

que é eleito com 50% mais um.”

É sobre essa visão de democracia que se aborda o assunto das mídias

alternativas: A mídia pode ter opinião, para isso tem os editoriais. Mas a cobertura

jornalística tem que ter determinado padrão. Não pode ser uma cobertura que tenha

tendência, que tenha intencionalidade política. Aí ela perde credibilidade. Uma rede

de televisão é uma concessão pública. E sendo assim ela tem que servir ao público.

(...) Esse tipo de posição não faz bem a democracia. Porque as pessoas hoje tem

outros mecanismos de formar opinião, a internet tem um valor muito maior do que as

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redes de rádio, jornal e televisão. Hoje a internet é uma potência de disseminação

de opinião. O tema da mídia merecia ser tratado com um conceito de democracia

sem interferir, mas nunca esquecer que as grandes redes são concessões, quer ter

opinião tenha, mas tenha no editorial. Não faça da mídia um quarto poder, para

poder exercer influência eleitoral e ter o seu candidato. Porque a sociedade

brasileira não comporta mais isso hoje, a sociedade brasileira tem opinião. Se uma

grande rede emite uma determinada opinião que vá contra o censo, é evidente que a

sociedade vai reagir (...)”. Sell compartilha essa visão e ao criticar a mídia saúda a

existência dos blogs, das comunidades virtuais e do twitter, como ferramentas que

ajudam a sociedade a se informar e a se expressar melhor.

A esta reação da sociedade é que se refere Lisboa, quando argumenta que

mesmo com a intenção de desvalorizar a política, a crítica feita pela mídia ajuda em

um processo de fiscalização do povo sobre as instituições públicas que “coloca (a

política) no trilho”.

Neste sentido todos os entrevistados veem o marketing como uma ferramenta

que pode contribuir para a valorização da política. Para tanto eles projetam o

marketing mais uma vez como intérpretes das necessidades da população. No

sentido de que ele é um “processo de formação” (Lisboa). E assim como formou

Lula presidente, o marketing pode construir a valorização da política. Para tanto, ele

deve cumprir sua função como um “elemento de facilitação do conhecimento por

parte do conjunto amplo da população, e não é apenas um instrumento de venda”

(Sell). Para Lisboa “o marketing é a maior arma da democracia”.

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117

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O marketing político é uma ferramenta utilizada para promover os candidatos

dentro de um mundo em que a existência midiática é de extrema importância para o

sucesso de um político. Existir dentro dessa mídia se faz necessário para obtenção

de uma visibilidade, que com o poder da televisão torna-se cada vez mais ilimitada.

Em virtude da importância de tamanha exposição, é preciso construir uma boa

imagem dos candidatos frente ao eleitorado, e é para isso que entra em ação o

marketing político, como uma estratégia permanente de aproximação do partido e do

candidato com o cidadão em geral. Do marketing político surge o seu derivado

tático; o marketing eleitoral, empregado para agir próximo ao eleitor, com o objetivo

de fazer o partido ou candidato vencer uma eleição em específico.

Contudo, cuida-se muito ao realizar a aproximação dos mecanismos de

marketing comercial com os de marketing político. Pois, por estar inserido em um

campo midiático de alta visibilidade, é possível que a política acabe virando um

espetáculo, o que só interessa aos produtos do marketing comercial. Conforme as

opiniões obtidas a partir das entrevistas em profundidade, a transformação da

política em espetáculo é extremamente perigosa, pois com isto perde-se seu real

valor e ela acaba por tornar-se banal, sendo cada vez mais vista como um processo

corrupto e ultrapassado que serve apenas aos interesses dos que governam e como

agente alimentador de suas riquezas. No entanto, o que deve ficar claro, é que

mesmo com todos os problemas advindos da política ela não só é necessária, como

também efetivamente funciona. Os políticos não são todos corruptos, e mesmo os

que são, possuem grande competência administrativa. Não se pretende defender o

rouba mas faz, e sim apresentar a política como um sistema de regras respeitantes

à direção dos negócios públicos e o marketing como sua grande ferramenta

democrática. Ou seja, mesmo que vista como um sistema corrompido, a análise

histórica feita aqui, mostra as inúmeras tentativas feitas pelos mais diferentes

governos de empreender o controle sobre os negócios públicos. Mesmo que muitos

desses governos tenham se mostrado mais tarde representantes desonestos. Enfim,

política não é brinquedo, apesar da grande exposição midiática de seus escândalos

insistir em caracterizá-la como uma grande baderna.

Apesar do risco da banalização, permeado pelo crescimento do personalismo

político, que acaba por deixar de lado posturas ideológicas em exaltação às

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características pessoais do candidato, os instrumentos do marketing comercial têm

tal aplicabilidade no campo político que podem ser percebidas a união entre agentes

dos dois tipos de marketing, caracterizada nas figuras do candidato-produto e do

eleitor-consumidor. Afinal, em última análise, o objetivo ao qual se destina o

marketing eleitoral é a venda das características de um político para um mercado de

eleitores.

Partindo dessas ponderações observou-se o trabalho desenvolvido pelo

publicitário/marqueteiro Duda Mendonça, na tentativa de aumentar e gerar uma boa

visibilidade do candidato do PT a presidência da República, Luiz Inácio Lula da

Silva. Ao detectar como principais problemas o caráter radical atribuído a Lula e a

sua falta de potencial para governar, são implementadas duas posições diferentes e

diferenciadoras: o Lulinha paz e amor e o Lula negociador. O marqueteiro

consegue comprovar que Lula não está disposto a brigar, muito pelo contrário, ele

está disposto a ser um agente aglutinador de todas as classes, para que com a

mútua cooperação seja possível criar um pacto social para um país melhor. É assim

que o empresariado passa a acreditar na palavra de Lula, especialmente quando

leva a conhecimento público o seu compromisso com contratos firmados por outros

governos, através da Carta ao Povo Brasileiro, que foi uma simplificação de um

programa político traduzido em uma linguagem comum.

Quando chega o período eleitoral todos os candidatos já sabem quais são os

problemas que afligem o eleitorado, sendo assim, o que vale nessa hora é a

propaganda eleitoral e a interpretação da realidade desenvolvida em conjunto pelo

marketing e pelo partido, segundo os preceitos daquele e as ideologias deste. O

posicionamento empreendido demonstrou-se correto quando da modificação na

preferência do eleitor. A estratégia de comunicação de desenvolvida para o PT

venceu o preconceito do eleitorado, que sempre valorizou o diploma universitário e a

experiência administrativa como atributos ideais de um candidato a um cargo

executivo, e mostrou que naquele momento valia mais um candidato com

competência política – e não técnica –, a fim de conversar para aglutinar, tanto

atores, como interesses, em torno de uma saída para o desenvolvimento social e

econômico do país.

Por fim, restava ainda transmitir tudo isso de forma correta aos eleitores.

Candidato e partido então trabalharam conforme os ensinamentos de Duda

Mendonça para conseguir proporcionar uma forma adequada ao seu conteúdo. A

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postura menos agressiva, adequando o discurso televisivo para chegar mais perto

da população e de uma linguagem que fosse entendida por esta, além da exposição

de propostas efetivas em detrimento das críticas não construtivas, foram os fatores

moldados pelo jeito “Duda Mendonça” de trabalhar.

Estudada e comprovada a eficácia da estratégia de marketing utilizada por

Duda Mendonça na campanha presidencial do PT em 2002, projeta-se como

utilização prática do presente estudo a ideia de que realmente houve uma revolução

não apenas no marketing político, mas também no comportamento do eleitorado.

Um eleitorado que passou a acreditar na mudança a partir da união, e que

conseguiu superar velhos preconceitos incutidos por uma mídia paternalista,

passando a ter esperança em uma vida diferente. Sugere-se assim que se

implemente pesquisas relativas a um comportamento de admissão da informação e

de exposição de opinião trazido por dois entrevistados, mas que não foi

suficientemente aprofundado. A utilização da internet como ferramenta

disseminadora de conteúdo. Muitos trabalhos já tem sido desenvolvidos sobre este

tema, porém o meio continua sendo um mar de dados a espera de estratégia. Ainda

mais em se tratando de internet aplicada a campanha política, suas efetivas

possibilidades precisam ser estudadas. Tendo a política um caráter

fundamentalmente sociológico que merece todo cuidado quando se trabalha com

ferramentas originariamente comerciais, e sendo a internet um meio aglutinador e de

acesso irrestrito, e de faculdades ainda pouco desenvolvidas, faz-se interessante

construir um estudo sobre como esse meio tão democrático pode influenciar sobre a

real democracia da sociedade, permitindo mais do que apenas um potencial crítico,

mas também o conhecimento das tarefas e da importância da política.

Dentro dessa perspectiva sociológica e diante de todo o conflito de se

estabelecer uma relação puramente comercial entre política e marketing, entende-se

que as estratégias de marketing político restringem-se apenas ao campo da comunicação, podendo ser uma ferramenta de valorização da política, à medida

que se caracteriza como um processo de formação que traduz as necessidades da

população.

Retorna-se aqui ao debate sobre desejos e necessidades, no sentido de que

tudo o que pode ser trabalhado pelo marketing são desejos e não necessidades. Ou

seja, o trabalho de marketing desenvolvido trabalhou em cima de uma necessidade

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da população para convencer um eleitor acostumado a votar somente em

intelectuais que um operário poderia ser um bom presidente.

Tal trabalho foi desenvolvido sobre a necessidade de um governo diferente,

que tivesse um “coração puro e as mãos limpas” (Anflor). Um governo aglutinador,

que valoriza-se todas as camadas, incluindo a população mais necessitada. Um

governo que valorizasse o pobre. A mudança proferida pela campanha do PT, dizia

respeito justamente a essa valorização. A mudança era caracterizada pela guinada

na preferência do eleitorado por uma alternativa aos governantes experientes e

diplomados. Em virtude da saturação de tal modelo de governo praticado durante

anos ininterruptos, a população atende ao chamado do único partido que possuía

uma reputação intacta, livre dos escândalos políticos. Ao confiar no PT e em Lula, o

povo o faz também, em virtude do passado da agremiação e do candidato. Lula era

pobre, e como tal podia entender as necessidades desse povo. E o PT, como o

próprio nome já diz, é o partido dos trabalhadores. Ou seja, a parcela menos

favorecida da sociedade encontrava ali, a si mesma. Quando da formação do PT, foi

possível visualizar essa valorização do pobre, que passava a acreditar em si

mesmo, no momento em que sentia a necessidade de reunião da classe, para poder

ter voz junto aos governantes.

Contudo, essa classe infelizmente havia deixado o medo tomar conta de si,

aceitando a sua condição de inferioridade incutida pelas elites e desvalorizando-se.

O povo pobre esqueceu suas virtudes de nobre trabalhador e passou a rejeitar o

partido que havia se formado justamente para lhe representar, na medida em que

era mal informado pela mídia, passando a relegar a tarefa de governar àqueles

detentores de diploma universitário e vasta experiência administrativa, ou seja, a

minoria rica.

Destituindo-se de todo a sua força, como maioria dentro da sociedade e como

classe geradora das riquezas do país, os trabalhadores abandonaram o poder na

mão dos outros por julgarem-se incapaz de exercê-lo. No momento em que eles

passam a acreditar em sua força, evento que só foi possível com o apoio do marketing - que desenvolveu tal necessidade e contribuiu para fomentar uma maior

cultura de formação política através da idéia do “associativismo” (Ferreira), até que

se passa-se da etapa de desejo e se alcança-se a etapa de ação (dentro do

processo AIDAS) – concretiza-se a luta contra a submissão da população à vontade

alheia e oficializa-se a sua maioria populacional nas urnas. O povo pobre ao

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valorizar-se, e ao acreditar que a mudança do país nasceria somente a partir da

mudança de cada um, elabora uma soma de esforços que viria a ser oficializada

através de um verdadeiro pacto social que passava a integrá-los. Essa soma de

esforços realizava o sonho de Karl Marx quando, na frase final de seu Manifesto

Comunista, clamava ardentemente pela união: “proletários de todos os países, uni-

vos!”

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ANEXO A

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ANEXO B

Carta ao povo brasileiro

O Brasil quer mudar. Mudar para crescer, incluir, pacificar. Mudar para conquistar o

desenvolvimento econômico que hoje não temos e a justiça social que tanto

almejamos. Há em nosso país uma poderosa vontade popular de encerrar o atual

ciclo econômico e político.

Se em algum momento, ao longo dos anos 90, o atual modelo conseguiu despertar

esperanças de progresso econômico e social, hoje a decepção com os seus

resultados é enorme. Oito anos depois, o povo brasileiro faz o balanço e verifica que

as promessas fundamentais foram descumpridas e as esperanças frustradas.

Nosso povo constata com pesar e indignação que a economia não cresceu e está

muito mais vulnerável, a soberania do país ficou em grande parte comprometida, a

corrupção continua alta e, principalmente, a crise social e a insegurança tornaram-se

assustadoras.

O sentimento predominante em todas as classes e em todas as regiões é o de que o

atual modelo esgotou-se. Por isso, o país não pode insistir nesse caminho, sob pena

de ficar numa estagnação crônica ou até mesmo de sofrer, mais cedo ou mais tarde,

um colapso econômico, social e moral.

O mais importante, no entanto, é que essa percepção aguda do fracasso do atual

modelo não está conduzindo ao desânimo, ao negativismo, nem ao protesto

destrutivo. Ao contrário: apesar de todo o sofrimento injusto e desnecessário que é

obrigada a suportar, a população está esperançosa, acredita nas possibilidades do

país, mostra-se disposta a apoiar e a sustentar um projeto nacional alternativo, que

faça o Brasil voltar a crescer, a gerar empregos, a reduzir a criminalidade, a resgatar

nossa presença soberana e respeitada no mundo.

A sociedade está convencida de que o Brasil continua vulnerável e de que a

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verdadeira estabilidade precisa ser construída por meio de corajosas e cuidadosas

mudanças que os responsáveis pelo atual modelo não querem absolutamente fazer.

A nítida preferência popular pelos candidatos de oposição tem esse conteúdo de

superação do impasse histórico nacional em que caímos, de correção dos rumos do

país.

A crescente adesão à nossa candidatura assume cada vez mais o caráter de um

movimento em defesa do Brasil, de nossos direitos e anseios fundamentais

enquanto nação independente. Lideranças populares, intelectuais, artistas e

religiosos dos mais variados matizes ideológicos declaram espontaneamente seu

apoio a um projeto de mudança do Brasil. Prefeitos e parlamentares de partidos não

coligados com o PT anunciam seu apoio. Parcelas significativas do empresariado

vêm somar-se ao nosso projeto. Trata-se de uma vasta coalizão, em muitos

aspectos suprapartidária, que busca abrir novos horizontes para o país.

O povo brasileiro quer mudar para valer. Recusa qualquer forma de continuísmo,

seja ele assumido ou mascarado. Quer trilhar o caminho da redução de nossa

vulnerabilidade externa pelo esforço conjugado de exportar mais e de criar um

amplo mercado interno de consumo de massas. Quer abrir o caminho de combinar o

incremento da atividade econômica com políticas sociais consistentes e criativas. O

caminho das reformas estruturais que de fato democratizem e modernizem o país,

tornando-o mais justo, eficiente e, ao mesmo tempo, mais competitivo no mercado

internacional. O caminho da reforma tributária, que desonere a produção. Da

reforma agrária que assegure a paz no campo. Da redução de nossas carências

energéticas e de nosso déficit habitacional. Da reforma previdenciária, da reforma

trabalhista e de programas prioritários contra a fome e a insegurança pública.

O PT e seus parceiros têm plena consciência de que a superação do atual modelo,

reclamada enfaticamente pela sociedade, não se fará num passe de mágica, de um

dia para o outro. Não há milagres na vida de um povo e de um país.

Será necessária uma lúcida e criteriosa transição entre o que temos hoje e aquilo

que a sociedade reivindica. O que se desfez ou se deixou de fazer em oito anos não

será compensado em oito dias. O novo modelo não poderá ser produto de decisões

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unilaterais do governo, tal como ocorre hoje, nem será implementado por decreto, de

modo voluntarista. Será fruto de uma ampla negociação nacional, que deve conduzir

a uma autêntica aliança pelo país, a um novo contrato social, capaz de assegurar o

crescimento com estabilidade.

Premissa dessa transição será naturalmente o respeito aos contratos e obrigações

do país. As recentes turbulências do mercado financeiro devem ser compreendidas

nesse contexto de fragilidade do atual modelo e de clamor popular pela sua

superação.

À parte manobras puramente especulativas, que sem dúvida existem, o que há é

uma forte preocupação do mercado financeiro com o mau desempenho da economia

e com sua fragilidade atual, gerando temores relativos à capacidade de o país

administrar sua dívida interna e externa. É o enorme endividamento público

acumulado no governo Fernando Henrique Cardoso que preocupa os investidores.

Trata-se de uma crise de confiança na situação econômica do país, cuja

responsabilidade primeira é do atual governo. Por mais que o governo insista, o

nervosismo dos mercados e a especulação dos últimos dias não nascem das

eleições.

Nascem, sim, das graves vulnerabilidades estruturais da economia apresentadas

pelo governo, de modo totalitário, como o único caminho possível para o Brasil. Na

verdade, há diversos países estáveis e competitivos no mundo que adotaram outras

alternativas.

Não importa a quem a crise beneficia ou prejudica eleitoralmente, pois ela prejudica

o Brasil. O que importa é que ela precisa ser evitada, pois causará sofrimento

irreparável para a maioria da população. Para evitá-la, é preciso compreender que a

margem de manobra da política econômica no curto prazo é pequena.

O Banco Central acumulou um conjunto de equívocos que trouxeram perdas às

aplicações financeiras de inúmeras famílias. Investidores não especulativos, que

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precisam de horizontes claros, ficaram intranqüilos. E os especuladores saíram à luz

do dia, para pescar em águas turvas.

Que segurança o governo tem oferecido à sociedade brasileira? Tentou aproveitar-

se da crise para ganhar alguns votos e, mais uma vez, desqualificar as oposições,

num momento em que é necessário tranqüilidade e compromisso com o Brasil.

Como todos os brasileiros, quero a verdade completa. Acredito que o atual governo

colocou o país novamente em um impasse. Lembrem-se todos: em 1998, o governo,

para não admitir o fracasso do seu populismo cambial, escondeu uma informação

decisiva. A de que o real estava artificialmente valorizado e de que o país estava

sujeito a um ataque especulativo de proporções inéditas.

Estamos de novo atravessando um cenário semelhante. Substituímos o populismo

cambial pela vulnerabilidade da âncora fiscal. O caminho para superar a fragilidade

das finanças públicas é aumentar e melhorar a qualidade das exportações e

promover uma substituição competitiva de importações no curto prazo.

Aqui ganha toda a sua dimensão de uma política dirigida a valorizar o agronegócio e

a agricultura familiar. A reforma tributária, a política alfandegária, os investimentos

em infra-estrutura e as fontes de financiamento públicas devem ser canalizadas com

absoluta prioridade para gerar divisas.

Nossa política externa deve ser reorientada para esse imenso desafio de promover

nossos interesses comerciais e remover graves obstáculos impostos pelos países

mais ricos às nações em desenvolvimento.

Estamos conscientes da gravidade da crise econômica. Para resolvê-la, o PT está

disposto a dialogar com todos os segmentos da sociedade e com o próprio governo,

de modo a evitar que a crise se agrave e traga mais aflição ao povo brasileiro.

Superando a nossa vulnerabilidade externa, poderemos reduzir de forma sustentada

a taxa de juros. Poderemos recuperar a capacidade de investimento público tão

importante para alavancar o crescimento econômico.

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Esse é o melhor caminho para que os contratos sejam honrados e o país recupere a

liberdade de sua política econômica orientada para o desenvolvimento sustentável.

Ninguém precisa me ensinar a importância do controle da inflação. Iniciei minha vida

sindical indignado com o processo de corrosão do poder de comprar dos salários

dos trabalhadores.

Quero agora reafirmar esse compromisso histórico com o combate à inflação, mas

acompanhado do crescimento, da geração de empregos e da distribuição de renda,

construindo um Brasil mais solidário e fraterno, um Brasil de todos.

A volta do crescimento é o único remédio para impedir que se perpetue um círculo

vicioso entre metas de inflação baixas, juro alto, oscilação cambial brusca e aumento

da dívida pública.

O atual governo estabeleceu um equilíbrio fiscal precário no país, criando

dificuldades para a retomada do crescimento. Com a política de sobrevalorização

artificial de nossa moeda no primeiro mandato e com a ausência de políticas

industriais de estímulo à capacidade produtiva, o governo não trabalhou como podia

para aumentar a competitividade da economia.

Exemplo maior foi o fracasso na construção e aprovação de uma reforma tributária

que banisse o caráter regressivo e cumulativo dos impostos, fardo insuportável para

o setor produtivo e para a exportação brasileira.

A questão de fundo é que, para nós, o equilíbrio fiscal não é um fim, mas um meio.

Queremos equilíbrio fiscal para crescer e não apenas para prestar contas aos

nossos credores.

Vamos preservar o superávit primário o quanto for necessário para impedir que a

dívida interna aumente e destrua a confiança na capacidade do governo de honrar

os seus compromissos.

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Mas é preciso insistir: só a volta do crescimento pode levar o país a contar com um

equilíbrio fiscal consistente e duradouro. A estabilidade, o controle das contas

públicas e da inflação são hoje um patrimônio de todos os brasileiros. Não são um

bem exclusivo do atual governo, pois foram obtidos com uma grande carga de

sacrifícios, especialmente dos mais necessitados.

O desenvolvimento de nosso imenso mercado pode revitalizar e impulsionar o

conjunto da economia, ampliando de forma decisiva o espaço da pequena e da

microempresa, oferecendo ainda bases sólidas par ampliar as exportações. Para

esse fim, é fundamentar a criação de uma Secretaria Extraordinária de Comércio

Exterior, diretamente vinculada à Presidência da República.

Há outro caminho possível. É o caminho do crescimento econômico com

estabilidade e responsabilidade social. As mudanças que forem necessárias serão

feitas democraticamente, dentro dos marcos institucionais. Vamos ordenar as contas

públicas e mantê-las sob controle. Mas, acima de tudo, vamos fazer um

Compromisso pela Produção, pelo emprego e por justiça social.

O que nos move é a certeza de que o Brasil é bem maior que todas as crises. O país

não suporta mais conviver com a idéia de uma terceira década perdidas. O Brasil

precisa navegar no mar aberto do desenvolvimento econômico e social. É com essa

convicção que chamo todos os que querem o bem do Brasil a se unirem em torno de

um programa de mudanças corajosas e responsáveis.

Luiz Inácio Lula da Silva

São Paulo, 22 de junho de 2002

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ANEXO C – Questionário

1 - Ao escolher Lula presidente o povo interrompeu uma sequência histórica de governantes de nível universitário e comprovada experiência administrativa. O Sr. acha que após a eleição do presidente Lula, o povo finalmente passou a acreditar no Partido dos Trabalhadores? Ou a eleição de 2002 foi um evento esporádico?

2 - O que o Sr. entende por marketing eleitoral?

3 - O Sr. acredita que o candidato a um cargo político pode ser considerado um produto?

4 - Até que ponto o marketing feito por Duda Mendonça foi importante no sucesso da eleição?

5 - Na sua opinião, por que os trabalhadores rejeitavam o partido que se formou justamente para representá-los?

6 - Ideologia é a construção de uma falsa consciência em favor da dominação ocorrida entre as classes sociais, por meio de idéias capazes de deformar a compreensão sobre o modo como se processam as relações de produção. O Sr. concorda com esta afirmação?

7 - Na sua opinião, qual deveria ser o principal fator na escolha de um candidato?

8 - Qual a sua visão sobre a concentração de esforços para eleger um candidato estar sobre as características deste e não sobre as diretrizes do partido ao qual pertence?

9 - A mídia devido a sua alta visibilidade e a sua posição de formadora de opinião exerce grande efeito sobre o processo eleitoral. No entanto, para o senhor, qual é o efeito que a mídia exerce na visão da população sobre a política em geral (não somente sobre o processo eleitoral)?

10 - O senhor acha que o marketing poderia contribuir para a valorização da política ou ele é fundamentalmente uma ferramenta de venda?

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ANEXO D – Anúncios de campanha