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UFRJ TRAJETÓRIA DO PARTIDO DOS TRABALHADORES: DA FUNDAÇÃO À VITÓRIA PRESIDENCIAL Marli da Silva Paulo Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Ciência Política, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Ciência Política. Orientadora: Eli Diniz Rio de Janeiro Dezembro de 2004

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UFRJ

TRAJETÓRIA DO PARTIDO DOS TRABALHADORES:

DA FUNDAÇÃO À VITÓRIA PRESIDENCIAL

Marli da Silva Paulo

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa

de Pós-graduação em Ciência Política, Instituto de

Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal

do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos

necessários à obtenção do título de Mestre em

Ciência Política.

Orientadora: Eli Diniz

Rio de Janeiro

Dezembro de 2004

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ii

TRAJETÓRIA DO PARTIDO DOS TRABALHADORES:

DA FUNDAÇÃO À VITÓRIA PRESIDENCIAL

Marli da Silva Paulo

Orientadora: Eli Diniz

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em

Ciência Política, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do

Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título

de Mestre em Ciência Política.

Aprovada por:

___________________________________

Presidente, Profª Eli Diniz

___________________________________

Prof. Antonio Carlos Jucá de Sampaio

___________________________________

Prof. Charles Pessanha

Rio de Janeiro

Dezembro de 2004

iii

Paulo, Marli da Silva.

Trajetória do Partido dos Trabalhadores: Da fundação à vitória presidencial/ Marli da Silva Paulo - Rio de Janeiro: UFRJ/ IFCS, 2004.

148f.

Orientadora: Eli Diniz.

Dissertação (mestrado) – UFRJ/ IFCS/ Programa de Pós-Graduação em Ciência Política, 2004.

Referências Bibliográficas: f. 99-101.

1. Partido dos Trabalhadores. 2. Eleições. 3. Organização partidária. 4. Partidos políticos. 5. Democracia. I. Diniz, Eli. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Programa de Pós-graduação em Ciência Política. III. Trajetória do Partido dos Trabalhadores: Da fundação à vitória presidencial.

iv

RESUMO

TRAJETÓRIA DO PARTIDO DOS TRABALHADORES:

DA FUNDAÇÃO À VITÓRIA PRESIDENCIAL

Marli da Silva Paulo

Orientadora: Eli Diniz

Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-

graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ,

como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Ciência

Política.

Estudo sobre a trajetória do Partido dos Trabalhadores. A partir da literatura

existente, depoimentos e materiais produzidos pelo PT, é traçado um histórico do

partido, desde a sua fundação até a vitória presidencial, em 2002. Sua forma de

organização e o levantamento das propostas de seus diversos segmentos são

utilizados para traçar o perfil e a identidade partidária. Através de análises sobre os

posicionamentos adotados pelo partido, ao longo de sua existência, busca-se o

entendimento sobre o seu crescimento institucional.

Palavras-chave: partido dos trabalhadores, eleições, organização partidária,

partidos políticos, democracia.

Rio de Janeiro

Dezembro de 2004

v

AGRADECIMENTOS

Por sua dedicação e importante colaboração, agradeço à minha orientadora, Eli

Diniz. Agradeço ao prof. Charles Pessanha, que ajudou na montagem do projeto de

pesquisa, dando importantes contribuições.

Por ter sido um professor sempre presente, dedicado e amigo, tanto em

minha Graduação e mesmo depois, agradeço a Antonio Carlos Jucá de Sampaio.

Em especial, agradeço à minha irmã, Marlene da Silva Paulo, por me apoiar

e dar sugestões na elaboração dos textos da dissertação.

vi

LISTA DE SIGLAS

Arena – Aliança Renovadora Nacional

Libelu – Liberdade e Luta

MDB – Movimento Democrático Brasileiro

MEP – Movimento de Emancipação do Proletariado

MR-8 – Movimento Revolucionário 8 de Outubro

OSI – Organização Socialista Internacionalista

PAG – Plano de Ação do Governo

PC do B – Partido Comunista do Brasil

PCB – Partido Comunista Brasileiro

PCBR – Partido Comunista Brasileiro Revolucionário

PDS – Partido Democrático Social

PDT – Partido Democrático Trabalhista

PL – Partido Liberal

PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro

PMN – Partido da Mobilização Nacional

PPS – Partido Popular Socialista

PRN – Partido da Reconstrução Nacional

PSB – Partido Socialista Brasileiro

PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira

PSTU – Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado

PTB – Partido Trabalhista Brasileiro

PV – Partido Verde

RBCS – Revista Brasileira de Ciências Sociais

TD – Teoria e Debate

vii

SUMÁRIO

Introdução 1

Capítulo 1. Partidos políticos: Algumas considerações teóricas 5

O PT: uma perspectiva weberiana

Capítulo 2. Gênese e organização do PT 23

A formação do PT

O funcionamento do Partido

Capítulo 3. Perfil e identidade 34

Partido socialista

Partido de massas

Partido democrático

Capítulo 4. Embates eleitorais e a vitória do PT em 2002 48

A disputa político-partidária (1982-1988)

Eleições presidenciais (1989-1998)

A vitória petista

Conclusão 97

Referências bibliográficas 99

Anexos 102

Introdução

Margaret Keck, que realizou estudos sobre os primeiros anos de existência do PT,

afirmava que seu livro – PT: A lógica da diferença – era o estudo de uma

anomalia.1 Partindo desse pressuposto, no prefácio do livro de Keck, Paulo Sérgio

Pinheiro destacava que a existência do Partido dos Trabalhadores era uma completa

irregularidade e anormalidade no âmbito do sistema partidário brasileiro e na

história política brasileira.2

Pela primeira vez, um partido podia se reivindicar uma presença sólida na classe operária e propor um programa que traduzisse com clareza essa representação.3

No entanto, segundo Pinheiro, não se pode afirmar que o Partido Comunista

Brasileiro - PCB e o Partido Trabalhista Brasileiro - PTB4 – partidos mais

emblemáticos que reclamaram essa representação – não tivessem bases

operárias.5 Mas tanto um como o outro não tiveram condições de fazer com que

esse vínculo determinasse sua atuação.

[...] A situação dos comunistas [...] estava sobredeterminada pela política do Estado soviético e a do PTB foi marcada pelos limites das relações preferenciais com projetos populistas no Estado.6

De acordo com Raquel Meneguello, o PT apresentava-se como uma novidade

no sistema político brasileiro.

Com uma história predominantemente marcada pela manipulação dos políticos populistas, pareceu-nos que a iniciativa de uma organização autônoma pelas classes trabalhadoras e a idéia de inserção no mercado político moldavam certa novidade, conferindo cores mais legítimas ao processo de reestruturação da representação dos interesses da nação. Assim, para nós, o que explica esta novidade é, sobretudo, a ruptura com os padrões de organização partidária conhecidos no país.7

1 KECK, M. PT – A lógica da diferença: 13. 2 Idem: 3. 3 Ibidem. 4 Um importante estudo sobre o PTB, durante o período democrático de 1945-1964, é o de ARAÚJO, M. Sindicatos, carisma e poder: o PTB de 1945-65. 5 KECK, M. PT – A lógica da diferença: 3. 6 Ibidem. 7 MENEGUELLO, R. PT: a formação de um partido (1979-1982): 15.

2

Segundo Margaret Keck, um dos aspectos mais interessantes, para

pesquisadores europeus e americanos, quando do surgimento do Partido dos

Trabalhadores no Brasil foi a sua aparente semelhança com os partidos de base

socialista da Europa na virada do século. Contudo, segundo a autora, dificilmente

os partidos políticos em nosso país seguiriam a mesma trajetória de

desenvolvimento dos partidos dos primeiros países que se industrializaram. Para a

autora,

é improvável que o desenvolvimento do PT venha a seguir, quase cem anos mais tarde, exatamente o mesmo caminho que os partidos socialistas, social-democratas ou trabalhistas da Europa.8

Nos países europeus, no período em que o PT foi criado, o tamanho do

operariado industrial estava em declínio.

No Brasil, entre os anos 60 e 80, ele se expandira a uma taxa extraordinariamente rápida, pois a industrialização deslocou-se para a produção ampliada de bens de capital e de consumo duráveis,

o que era terreno fértil para a criação de uma partido voltado para a classe

trabalhadora.9 Entretanto, com a desaceleração da taxa de expansão do operariado

industrial, devido ao uso de novas tecnologias, o PT acabou perdendo sua base

social entre os trabalhadores industriais,

o que o coloca quase desde o início em uma posição defensiva, situação que seus congêneres europeus só tiveram que enfrentar bem mais tarde em sua história.10

Além disso, ocorreram diferenciadas mudanças na ordem mundial - como a

crise do socialismo e a internacionalização da economia – bem como na esfera

nacional. A sociedade brasileira mudou, os personagens já não são os mesmos. Luiz

Dulci,11 em artigo publicado pela revista, destaca:

A burguesia brasileira foi redesenhada. Seus vínculos com o capital internacional, sobretudo com o capital financeiro, aprofundaram-se

8 KECK, M. PT – A lógica da diferença: 25. 9 Idem: 26. 10 Ibidem. 11 Luiz Dulci – então presidente da Fundação Perseu Abramo, vice-presidente nacional do PT e secretário de cultura de Belo Horizonte.

3

de modo notável. Oligarquias econômicas importantes, especialmente em determinadas regiões do país, foram devastadas pela concorrência internacional, substituídas por novos grupos de poder, com origens e tradições diferenciadas. As classes populares também estão longe de ser as mesmas de dez anos atrás. O operariado fabril perdeu, evidentemente, peso contratual e político com a restruturação produtiva. Os bancários, de protagonismo relevante, passam em pouquíssimo tempo de 800 mil para 400 mil trabalhadores. A chamada economia informal, esfinge cultural e política, expandiu-se de modo formidável, numa relação ao mesmo tempo tensa e funcional com o mercado.12

É claro que o Partido dos Trabalhadores está inserido e é afetado por esse

complexo de mudanças, tanto nacionais como internacionais. Portanto, ao

acompanhar a caminhada do PT, não podemos deixar de levar isso em conta. Assim

sendo, o presente trabalho tem por finalidade analisar a trajetória do partido, desde

a sua fundação até 2002, ano em que ocorreu a vitória nas eleições presidenciais.

O Partido dos Trabalhadores tem um significado histórico para o Brasil e, em

especial, para aqueles que ansiavam por mudança de rumos. Ao ser constituído, no

período da ditadura militar, era tido como uma alternativa e um meio de luta em

prol da abertura e da restauração da democracia no país. Também mais tarde, com

o fim do militarismo, continuou a congregar os vários grupos que buscavam

alternativas à situação de desigualdade e exclusão da sociedade brasileira. Com a

chegada ao poder, é inegável a importância de que, pela primeira vez, um operário,

candidato por um partido de esquerda, tenha assumido a presidência do Brasil.

Ao ser perguntado sobre o significado histórico da vitória de Lula, Luiz Dulci

afirma:13

A vitória de Lula já é, em si mesma, uma conquista histórica. Uma ruptura com a tradição elitista e antipopular do poder político no Brasil. É a primeira vez que um filho do povo, com a trajetória sofrida e a coerência de classe que todos conhecemos, chega à Presidência da República. E o faz derrotando não apenas o candidato governista e seu bloco político-econômico, mas sobretudo vencendo preconceitos tremendos contra o trabalho e os trabalhadores, profundamente arraigados na sociedade brasileira,

12 DULCI, L. Por uma nova estratégia. 13 Luiz Dulci – então secretário-geral do PT e presidente da Fundação Perseu Abramo.

4

que deitam raízes – por que não dizê-lo? - em nosso longo passado escravocrata.14

Para a análise da trajetória do PT, das continuidades e mudanças na

evolução do partido, foram utilizadas fontes documentais – material interno do

partido, livros e, especialmente, revistas dedicadas à exposição do pensamento de

seus principais líderes. O argumento central é o de que a mudança detectada na

campanha eleitoral de 2002 não foi uma brusca reviravolta nas posições do PT,

senão que foi o resultado de um processo que durou pelo menos uma década, ao

longo de vários embates eleitorais entre o Partido dos Trabalhadores e os demais

partidos, bem como também ao longo de embates entre as diversas correntes

existentes no PT. Nessa trajetória, particularmente importantes foram as três

candidaturas anteriores de Lula às eleições presidenciais.

Os capítulos que seguem tentam recuperar a memória histórica do PT, a

partir da literatura existente e, em especial, a partir de depoimentos de seus

próprios membros.

No capítulo 1 são realizadas considerações teóricas sobre partido político e a

forma como se deu a sua existência e evolução em nosso país. O capítulo 2 traz

informações sobre como surgiu o Partido dos Trabalhadores; os principais grupos

envolvidos em sua criação; a forma como se deu a sua fundação, sua organização

interna e seu funcionamento. O capítulo 3 tenta recuperar as principais propostas

ideológicas do partido. No capítulo 4 é feito um levantamento sobre o caminho

percorrido pelo PT, tendo em vista as eleições e a sua inserção institucional.

14 DULCI,L. Mudanças desde o início – Entrevista.

Capítulo 1

Partidos políticos: Algumas considerações teóricas

O termo partido, segundo Sartori, de início foi empregado em substituição à

expressão depreciativa facção.15 Para melhor entendimento da questão, o autor

cita Voltaire, para quem facção é um partido sedicioso num Estado. Já partido

estaria no âmbito de uma facção não sediciosa.

De acordo com Sartori, facção e partido, etimológica e semanticamente não

têm a mesma significação. Facção vem do latim e significa fazer ou agir. Para

alguns autores esse fazer indicava um grupo político empenhado em fazer algo

perturbador e danoso, expressando um comportamento excessivo, impiedoso e

daninho. Já partido, teve como significação dividir, que dava idéia de parte, que

não tem em si uma conotação depreciativa. Mais tarde, a palavra partido foi

entendida como participação, partilha, associação.

Portanto, desde o início, a palavra partido teve uma conotação menos

negativa do que a palavra facção. Segundo Burke

o partido é um grupo de homens unidos para a promoção, pelo seu esforço conjunto, do interesse nacional com base em algum princípio com o qual todos concordam.16

Entendendo que, para a realização de determinados fins é necessário que se

criem os mecanismos apropriados, os partidos são o meio adequado que permitem

aos homens encaminharem seus planos comuns.

Além disso, Burke ressaltou a diferença entre partido e facção. Segundo ele,

essa generosa luta pelo poder (do partido) [...] será facilmente distinta da luta mesquinha e interessada por cargos e emolumentos – a referindo-se por último às facções.17

15 SARTORI, G. Partidos e sistemas partidários: 23. 16 BURKE apud SARTORI, G. Partidos e sistemas partidários: 29. 17 Ibidem.

6

Apesar de Burke ter realizado um importante trabalho, somente cinqüenta

anos depois é que os partidos, da forma como ele havia definido, suplantaram as

facções e iniciaram sua existência no mundo da língua inglesa.

Os partidos [...] chegaram a ser aceitos [...] mediante a compreensão de que a diversidade e a dissensão não são necessariamente incompatíveis com a ordem política, nem necessariamente a perturbam.18

Se recuarmos no tempo, podemos observar que, na visão de Hobbes e

Spinoza os partidos são inconcebíveis, e eles também não são admitidos por

Rosseau. Segundo Sartori, somente se tornaram aceitáveis quando o horror da

desunião foi substituído pela crença de que um mundo monocrático não é a única

base possível da formação política.

E isso equivale a dizer que, idealmente, os partidos e o pluralismo se originam do mesmo sistema de crenças e do mesmo ato de fé.19

Além disso, Sartori afirma que o pluralismo partidário, tomado por seu valor

aparente, indica a existência de mais de um partido,

[...] mas a conotação é a de que os partidos no plural são o produto do pluralismo.20

Uma cultura pluralista tem uma visão do mundo fundada na convicção de

que a diferença e não a semelhança, a dissensão e não a unanimidade, a mudança

e não a imutabilidade, podem levar a uma vida melhor.21

Entediados com demasiado consenso e ante tanto conflito, estamos atualmente ressaltando que a base da democracia não é o consenso, mas na verdade o conflito.22

Para Sartori, o consenso não deve ser tido como um parente próximo da

unanimidade. Segundo o autor, o consenso pode ser concebido como uma

unanimidade pluralista, não consistindo em uma visão única de mundo, mas

18 SARTORI, G. Partidos e sistemas partidários: 33-34. 19 Idem: 34. 20 Idem: 39. 21 Idem: 35. 22 Idem: 36.

7

evocando um processo de ajuste de muitos espíritos discordantes. Portanto,

podemos dizer que enquanto o

dissenso é o estado entrópico de natureza societal, o consenso não existe naturalmente, mas deve ser produzido.23

Sartori também destaca uma outra referência para melhor entendimento da

função do partido, que é a distinção entre um governo responsável e um governo

sensível. De acordo com ele, um governo responsável centra a sua preocupação

apenas em sua responsabilidade técnica, comportando-se de maneira responsável e

competente. Já um governo sensível é um governo que tem que ser flexível às

demandas.

Não obstante, só se pode falar de um partido democrático [...] quando a ênfase se desloca da responsabilidade para a sensibilidade política.24

Além disso, embora os partidos se tenham tornado partidos em condições de

participação muito reduzida e de direito muito limitado de voto, não aconteceu o

mesmo com o estabelecimento do sistema partidário.

A estruturação da formação política como sistema partidário só surge quando o direito de voto e outras condições atingem uma massa crítica e envolvem uma parcela substancial da comunidade.25

De acordo com Sartori, os partidos se comportaram e se desenvolveram

muito mais como uma prática do que como uma teoria. Portanto, o autor sugere,

para que a mensagem possa ser capturada e a justificativa do partido reconstituída,

levar em conta três premissas básica: 1. Os partidos não são facções; 2. Um

partido é parte-de-um-todo; 3. Os partidos são canais de expressão.

1. O partido não é uma facção; se não se diferenciasse, não seria um partido (mas

uma facção). Apesar das críticas, os partidos não são um mal por definição [...] e

as facções são um mal.26 Com freqüência diz-se que os partidos são uma

23 ETZIONI apud SARTORI, G. Partidos e sistemas partidários: 37. 24 SARTORI, G. Partidos e sistemas partidários: 43. 25 Ibidem. 26 SARTORI, G. Partidos e sistemas partidários: 46.

8

necessidade, ao passo que as facções simplesmente existem, não são uma

necessidade.

Ao que tudo indica, a palavra facção não perdeu, na linguagem habitual, sua conotação original, ou seja, a de que é apenas a expressão de conflitos pessoais, de um comportamento auto-referido e que ignora o público.27

Também não podemos deixar de levar em conta que os membros dos

partidos não são altruístas. A existência de partidos não acaba com as motivações

egoístas e inescrupulosas. O que pode variar são o processamento e as limitações

impostas a tais motivações.

Mesmo que o político partidário seja motivado pelo interesse pessoal apenas, seu comportamento deve disfarçar (se as restrições do sistema forem operativas) tal motivação.28

Dessa forma, os partidos se diferenciam por serem instrumentos das metas

coletivas, de um fim que não é apenas vantagem privada dos eleitores.

De acordo com Sartori , um partido é a parte de um todo que procura servir

aos propósitos desse todo e a facção é apenas parte de si mesma. Contudo, apesar

da diferenciação, seria errado esquecer que, por muito tempo, os partidos foram

precedidos pelas facções. Portanto, os partidos bem podem recair em algo que se

assemelhe a uma facção.

Nesse sentido, o facciosismo é a sempre presente tentação para a organização partidária e para uma degeneração sempre possível.29

2. Parte-se do pressuposto de que um partido é a parte de um todo.

Semanticamente, partido transmite a idéia de parte. Portanto, ao nos ocuparmos

das partes que são partidos, estaremos examinando um todo pluralista.

E, se a formação política é concebida como um todo pluralista, então o necessário é um todo feito de partes no plural [...].30

27 Ibidem. 28 Ibidem. 29 Idem: 47. 30 Ibidem.

9

Em vista desse pressuposto, o autor afirma que, se um partido não tem a

capacidade de governar em função do todo, ou seja, levando em conta o interesse

geral, então não difere de uma facção.

3. Considerar os partidos como canais de expressão nos leva a entendê-los como

um instrumento, ou uma agência, de representação do povo, expressando suas

reivindicações.

Ao se desenvolverem, os partidos não o fizeram [...] para transmitir ao povo os desejos das autoridades, mas antes para transmitir às autoridades os desejos do povo.31

Segundo Sartori, o governo responsável tornou-se sensível exatamente

porque os partidos constituíram-se em canais para articulação, comunicação e

implementação das demandas dos governados. De acordo com o autor,

[...] os partidos são instrumentos de expressão que desempenham uma função expressiva.32

Contudo, se eles se limitassem a transmitir informações poderiam ser

substituídos por pesquisa de opinião, levantamento e ações similares.

Mas os partidos oferecem algo que nenhuma máquina ou pesquisa de opinião pode oferecer: transmitem reivindicações apoiados por pressões. O partido lança seu próprio peso nas reivindicações a que se sente obrigado a fazer eco.33

Contudo, os partidos não só expressam a opinião pública, muitas vezes a

modelam e, na verdade, manipulam. Todavia,

há manipulação e manipulação: e enquanto os partidos forem partes (no plural), um sistema partidário presta-se à expressão vinda de baixo muito mais do que à manipulação feita de cima.34

Além disso, Sartori propõe o estudo não só do partido, mas também das

subunidades partidárias. Segundo o autor, mesmo que o partido seja a principal

unidade de análise, essa análise é incompleta se não examinarmos como tais

subunidades interagem no interior do partido e o alteram. Um partido, qualquer

31 Idem: 48. 32 Idem: 49. 33 Ibidem. 34 Idem: 50.

10

que seja a estrutura organizacional, é um agregado de pessoas que formam

constelações de grupos rivais.

Para designar os grupos presentes no interior dos partidos, Sartori adota a

palavra fração, uma vez que fração é, sem sombra de dúvidas, uma palavra mais

neutra do que facção. O autor afirma que a natureza de um partido está na

natureza de suas frações. Ou seja,

[...] diferentes tipos de frações incidem sobre o grau de coesão e, inversamente, de fragmentação de um partido, e sobre as maneiras e meios das interações e dinâmica intrapartidárias.35

Segundo Sartori, a anatomia subpartidária pode ser analisada sob quatro

dimensões:36 1. Organizacional, 2. Motivacional, 3. Ideológica, 4. Esquerda-direita.

1. Dimensão organizacional – sabemos que não só as subunidades podem ser

muito organizadas, como também o partido pode ser, em comparação com suas

subunidades, uma entidade menos organizada. Evidentemente, é importante

avaliar o grau em que o partido é constituído de subunidades que operam uma rede

de lealdades próprias; fazem congressos, angariam fundos para si mesmas (não

para o partido), tem imprensa própria e – no conjunto – tem um relacionamento

com o partido como se fossem grupos quase soberanos.

2. Dimensão motivacional – é a que investiga mais diretamente o facciosismo no

interior do partido. Grupos voltados para o poder e/ou para cargos e proventos

indicam o que se pode chamar de facção. Os grupos de opinião e/ou ideológicos, ao

contrário, são desinteressados, sendo seu principal interesse pautado na promoção

de idéias e ideais.

Sob este aspecto, uma dificuldade a ser enfrentada é a camuflagem. Uma

facção de interesse não vai se declarar como tal. Muitas vezes, busca um disfarce

sob a bandeira da eficiência, do realismo técnico e, até mesmo, usa roupagens

ideológicas.

35 Idem: 97. 36 Idem: 98-104.

11

Uma das primeiras indicações poderia ser o fato de ter ou não a fração uma base de clientela.37 Os cargos e proventos são importantes para as facções de interesse, porque conferem poder e porque atraem seguidores.38

3. Dimensão ideológica – certamente confunde-se com a dimensão motivacional.

Podemos encontrar frações que podem ser classificadas ao mesmo tempo como

ideológicas e como facções voltadas para cargos e proventos.

Ora, o fator causal e o fato de serem essas frações mais interessadas na distribuição de cargos e proventos do que motivadas ideologicamente ou vice-versa, é um problema de pesquisa empírica, e só esta pode esclarecer se a ideologia é apenas uma cortina de fumaça legitimadora.39

4. Dimensão esquerda-direita – adotar essa classificação para os partidos e para as

subunidades partidárias, embora não mereça muita confiança, é útil porque já está

pronta e pode ser aceita sem risco pelo seu valor aparente – e não se esperará dela

que possa explicar mais do que explica.40

Raquel Meneguello, no estudo sobre partidos políticos, toma como

referencial de análise a crítica que aponta o declínio dos partidos como decorrência

da degeneração de sua função de representar e por sua inadequação diante dos

novos interesses e questões que emergem no sistema político.41

Um dos problemas destacados pela autora é a priorização, pelos meios de

comunicação de massa, do personalismo e da imagem, prescindindo da mediação

partidária.

A perda pelos partidos do monopólio da organização e representação traduz o dilema da representação política da sociedade contemporânea.42

37 Um caso extremo de partido de clientela é a máquina política. Ver DINIZ, E. Voto e máquina política: patronagem e clientelismo no Rio de Janeiro. 38 SARTORI, G. Partidos e sistemas partidários: 100. 39 Idem: 101. 40 Idem: 102. 41 MENEGUELLO, R. Partidos e governos no Brasil contemporâneo ( 1985-1997): 25. 42 Idem: 26.

12

No entanto, ao mesmo tempo, os partidos figuram como agentes centrais da

conexão entre cidadãos e os governos democráticos, definindo agendas

governamentais e influenciando no processo de elaboração das políticas públicas.

Portanto, se por um lado há o declínio dos partidos no campo da representação, por

outro as relações entre os partidos e o Estado dão sustentação e legitimidade a

essas organizações.43

Para melhor entendimento e análise dos partidos políticos, Meneguello parte

de três acepções:44

1. Os partidos têm uma função representativa e de articulação de interesses –

apesar das transformações da representação política, são eles as instituições que

melhor integram clientelas, mobilizam eleitorado e estruturam as vontades e

demandas no sistema político.

2. Função governativa – são os principais agentes dos processos governamentais,

pois formam governos, ocupam cargos e produzem políticas públicas.

3. Natureza interativa dessas funções entre si – as funções e instâncias dos

partidos sofrem processos diversos de desenvolvimento, adquirindo graus diversos

de importância no sistema político.

Para a análise da questão partidária, Meneguello adota as abordagens de

Budge e Keman, que focalizam o comportamento dos partidos à luz da capacidade

de regulação do Estado, afirmando um suposto básico:

os partidos, quanto à organização e comportamento, variam segundo circunstâncias políticas definidas.45

Em linhas gerais, segundo este modelo,

[...] a participação dos partidos na arena governamental define-se por uma dinâmica segundo a qual, através da obtenção de cargos (ministérios) os partidos e os políticos viabilizam suas políticas.46

43 Idem: 27. 44 Idem: 27-28. 45 Idem: 34. 46 Idem: 36.

13

Assim sendo, afirma-se que a busca e a negociação por cargos pode ser

considerada uma ação legítima à sua função de governar. Portanto, ao invés da

consideração de que a negociação por cargos traduz apenas fisiologismo,

consideramos que a ocupação de postos governamentais pelos partidos é parte central de sua função governativa e pode traduzir graus significativos de organização no sistema partidário.47

Além disso, Budge e Keman trabalham com o suposto de que nenhum

partido detém a maioria das cadeiras legislativas, uma vez que isto é bastante raro

nas democracias contemporâneas.48

Esta condição define a dinâmica regular de coalizões partidárias para o exercício do governo e contempla a possibilidade de participação de um número variado de partidos.49

Três supostos básicos nortearam o modelo de Budge e Kenam: primeiro,

trata-se de sistemas multipartidários, em que os governos se constituem através

de coalizões e as parcelas de sustentação devidas aos partidos são traduzidas

através de ministérios; em segundo lugar, entende-se que a influência dos partidos

nas políticas de governo ocorre através da obtenção de ministérios; e, por fim,

considera-se que, através do controle de ministérios específicos, os partidos têm

acesso aos processos decisórios e de implementação de políticas públicas.50

Portanto, uma das formas de avaliar o desenvolvimento organizacional dos partidos

políticos seria através da análise de sua permanência na ocupação de ministérios

específicos ao longo do tempo.

No Brasil, afirma Meneguello, de modo geral os estudos sobre os partidos

consideram que as organizações partidárias são instituições frágeis.

Tais estudos convergem quanto à idéia de que nossos partidos são produtos debilitados de condições políticas globais...51

47 Ibidem: 36. 48 Idem: 47. 49 Ibidem. 50 Idem: 50. 51 Idem: 28.

14

Sob este aspecto, para o estudo sobre os partidos no Brasil, no período

republicano, a autora destaca quatro aspectos:52

a) O grau de descontinuidade dos partidos e dos sistemas partidários – a

existência de seis sistemas partidários de 1889 a 1985, aponta a inexistência de

condições para a constituição de uma história partidária contínua.

b) A complexidade das formações partidárias pode ser entendida como

reflexo da heterogeneidade regional política e cultural brasileira – as

dificuldades para formação de partidos nacionais, com a predominância de grupos

políticos de caráter regional; e o baixo grau de estruturação interna dos partidos,

considerado uma conseqüência de sua fragilidade institucional.

c) Na história política do país a quase totalidade dos partidos traduz um

perfil organizacional frágil – muitas das organizações partidárias são

caracterizadas como máquinas políticas estruturadas sobre uma dinâmica de

satisfação de interesses particulares e de obtenção de recursos materiais.

d) O papel predominante do Estado na organização e na representação de

interesses – o pressuposto de que a fragilidade dos partidos e a debilidade

contínua do sistema partidário brasileiro ocorrem, em parte, devido às limitações

impostas pelo Estado, é uma idéia observada na maior parte dos estudos sobre os

partidos no Brasil.

De acordo com Maria D’Alva Kinzo,53 o sistema político brasileiro não tem

mecanismos capazes de assegurar um grau razoável de accountability.54 Para que

isso ocorresse, seria necessário que o sistema oferecesse aos eleitores

52 Idem: 29-32. 53 KINZO, M. Partidos, eleições e democracia no Brasil Pós-1985: 28. 54 Segundo Luís Felipe Miguel, a literatura de Ciência Política designa pela palavra inglesa accountability a prestação de contas que o representante deve fazer de seus atos. MIGUEL, L. F. Representação política em 3-D: elementos para uma teoria ampliada da representação política: 131.

15

(1) condições de escolha entre distintas plataformas políticas ou alternativas partidárias, e (2) uma estrutura de conexão com seus representantes [...].55

Segundo Kinzo, as instituições brasileiras pouco têm ajudado na elevação do

grau de inteligibilidade do processo eleitoral. Dessa forma, muitos são os fatores

que dificultam o exercício da cidadania.56 Um deles é a complexidade do sistema de

escolha eleitoral que envolve cargos em diferentes níveis de poder e diversos

métodos eleitorais –

[...] representação proporcional para as câmaras legislativas federal, estaduais e locais; sistema de maioria simples para o Senado e sistema majoritário em dois turnos para presidente e governadores.57

Também o grande número de partidos, que resulta em um excesso de

candidatos, torna as opções menos nítidas para os eleitores. E, mais ainda, ocorre a

formação de coligações partidárias com alianças formadas por um grande número

de partidos, impedindo uma maior diferenciação entre eles. Além disso, como as

fronteiras das circunscrições eleitorais coincidem com as fronteiras geográficas dos

estados, cujo número de representantes (ou magnitude dos distritos eleitorais)

varia de acordo com o tamanho da população, torna-se difícil identificar a quem os

representantes deveriam prestar contas.58

Assim sendo, o vínculo entre eleitores e representantes não é algo

generalizado. De modo geral, é grande a autonomia que os deputados desfrutam

em sua atividade parlamentar, principalmente entre os eleitos nas grandes cidades.

O fato de a maioria dos eleitores não lembrar quem é o seu deputado ou em quem votou nas últimas eleições legislativas é uma boa indicação da inexistência de um vínculo de representação claro entre parlamentares e eleitores.59

Dessa forma, torna-se muito difícil para a população conferir

responsabilidade pelo desempenho governamental, o que impede a accountability

55 KINZO, M. Partidos, eleições e democracia no Brasil Pós-1985: 28. 56 Ibidem. 57 Ibidem. 58 Ibidem. 59 Idem: 29.

16

vertical60 efetiva e produz uma situação que tende a distanciar os eleitores de seus

representantes.61

Além disso, chama a atenção a fragmentação do sistema partidário

brasileiro. Não há dúvida de que no Brasil ocorre uma das maiores fragmentações

partidárias do mundo.62 A fragmentação do sistema partidário, segundo Kinzo, não

seria um problema se não afetasse a capacidade de o sistema estabelecer claras

opções para os eleitores, permitindo a escolha de acordo com o conhecimento

sobre os partidos.

O problema é que no Brasil a intensa fragmentação partidária está acompanhada por uma pequena inteligibilidade do processo eleitoral.63

Diante disso, com muita facilidade um candidato migra de um partido para

outro, sem nenhum constrangimento, o que demonstra a fragilidade dos partidos.

Uma maior evidência é o fato de dificilmente os partidos participarem de disputas

eleitorais como atores distintos, apresentando-se em alianças partidárias. Ou seja,

os partidos não se apresentam no jogo eleitoral como unidades diferenciadas, mas

como candidatos e coligações formadas por diversos partidos, muitas vezes até

com orientações ideológicas diferentes.

Em suma, não é fácil para o eleitor identificar e distinguir os partidos em

disputa – muitos são os partidos e muitas são as alianças –, cuja composição varia

de um lugar para o outro e de uma eleição para outra. Isto é,

60 No artigo Accountability horizontal e novas poliarquias, Guillermo O’Donnell realiza a diferenciação entre accountability vertical e accountability horizontal. Segundo O’Donnell, o que pode ser definido como o canal principal de accountability vertical são as eleições. Eleições, reivindicações sociais que possam ser normalmente proferidas, sem que se corra o risco de coerção, e cobertura regular da mídia ao menos das mais visíveis dessas reivindicações e de atos supostamente ilícitos de autoridades públicas são dimensões da accountability vertical. Já a accountability horizontal consiste na existência de agências estatais que têm o direito e o poder legal e que estão de fato dispostas e capacitadas para realizar ações, que vão desde a rotina a sanções legais ou até o impeachment contra ações ou emissões de outros agentes ou agências do Estado que possam ser qualificadas como defeituosas. 61 KINZO, M. Partidos, eleições e democracia no Brasil Pós-1985: 29. 62 Idem: 31. 63 Idem: 32.

17

[...] a intensa fragmentação e a falta de nitidez do sistema partidário fazem com que os eleitores tenham dificuldade em fixar os partidos, distingui-los e, assim, conseguir criar identidades partidárias.64

Assim sendo, ao observarmos a evolução dos partidos em nosso país, sua

fragilidade pode ser constatada. A visão do PT desse processo aparece nos

Cadernos de Formação nº 3:

desde de que surgiram na história da sociedade brasileira, os partidos políticos, em geral, foram formados de cima para baixo, sem a participação do povo e sempre para defender os interesses dos poderosos.65

No período do Brasil-Colônia e durante o Império, com a adoção do voto

censitário, o poder político encontrava-se nas mãos dos nobres e dos donos de

terra.

Mais tarde, com o advento da República, surgiram partidos políticos mais

organizados.

Mas eram controlados pelas classes dominantes de cada estado, que brigavam entre si pelo poder. O povo só votava para escolher um dos candidatos dos fazendeiros. Era a época dos coronéis e do voto de cabresto.66

Com a chegada dos europeus no Brasil, no início do século XX, propagaram-

se idéias anarquistas e socialistas e organizaram-se grandes lutas. Em 1922,

propondo-se lutar pelos interesses das classes trabalhadoras, foi fundado o Partido

Comunista. Contudo, era pequena a participação ativa de trabalhadores como

membros do partido.

Em 1937, com o golpe do Estado Novo, foi proibido o funcionamento de

todos os partidos e todas as tentativas de organização por parte do povo foram

violentamente reprimidas. Após o fim da ditadura de Vargas, em 1945, ressurgiram

e nasceram vários partidos políticos.

A grande maioria defendia uma visão de desenvolvimento de um capitalismo nacional, mas se opunha ao interesse dos

64 Idem: 33. 65 PT – SECRETARIA NACIONAL DE FORMAÇÃO POLÍTICA. O que é o PT: 8. 66 Ibidem.

18

trabalhadores. Alguns se diziam trabalhistas, mas só mobilizavam o povo para conseguir apoio para seus candidatos.67

Em 1964, com o golpe militar, novamente todos os partidos políticos foram

proibidos e fundaram-se dois novos. Foi criada a Aliança Renovadora Nacional -

Arena, que era o partido do governo e o Movimento Democrático Brasileiro - MDB,

um partido de oposição consentida pelos militares. Dessa forma, a Ditadura Militar

não proibia as eleições,

[...] mas transformou-as numa verdadeira encenação, num jogo de cartas marcadas, entre Arena e MDB, com elevadas taxas de votos nulos e brancos, de protesto.68

A partir de 1974, como forma de expressar sua desaprovação ao governo, o

eleitorado passa a votar maciçamente no MDB.

Este partido, no entanto, era um saco de gatos, onde existiam desde patrões insatisfeitos[...] até gente que queria defender os trabalhadores, mas não podia se arriscar muito, porque qualquer ousadia era respondida com cassação e perda do mandato.69

Finalmente, ressalta o documento do PT, com a crise internacional do

capitalismo, em 1974, e seus reflexos sobre a economia brasileira, passou a haver

desentendimentos dentro das próprias classes dominantes. Também entre os

trabalhadores esta situação levou ao surgimento de novas formas de organização,

como o Movimento do Custo de Vida, o Movimento pela Anistia e as greves

operárias, a partir de 1978.70 Em resposta à nova situação, o governo Geisel inicia

um processo que se desdobrou, em 1978, na chamada abertura política.

Em 1979, como forma de enfraquecer o MDB, foi proposta uma reforma

partidária. A Arena e o MDB foram dissolvidos e em seu lugar criaram-se seis novos

partidos, dos quais cinco sobreviveram. O Partido Democrático Social - PDS, foi

formado como sucessor da Arena; o Partido do Movimento Democrático Brasileiro -

67 Idem: 9. 68 Idem: 10-11. 69 Idem: 8. 70 Ibidem.

19

PMDB, veio a substituir o antigo MDB; o Partido Democrático Trabalhista - PDT; o

Partido Trabalhista Brasileiro - PTB e o Partido dos Trabalhadores - PT.

O PT: uma perspectiva weberiana

Devido à abrangência do significado do termo política, Weber partirá do

entendimento de política como

[...] tão-somente a direção do agrupamento político denominado Estado ou a influência que se exerce nesse sentido.71

Segundo Weber, o ponto peculiar na existência do Estado é o uso da coação

física.72 Nesse sentido, o autor cita a seguinte frase, dita por Trotsky: Todo Estado

se fundamenta na força. É evidente que a violência não é o único mecanismo de

que se vale o Estado, mas é seu instrumento específico.

Em geral, não se reconhece o direito de grupos ou indivíduos fazerem uso da

violência, a não ser nos casos em que é permitido pelo Estado.

Nesse caso, o Estado se transforma na única fonte do direito à violência.73

Assim sendo, pode-se entender por política o conjunto de esforços realizados

no sentido de alcançar a participação no poder.74

Desse modo, afirma Weber, qualquer homem que se dedique à política

aspira ao poder, seja porque o considere importante para realização de outros fins,

ideais ou egoístas, seja porque deseja o poder pelo poder.75 A política concede,

antes de tudo, o sentimento de poder.

A possibilidade de influir sobre outros seres humanos, o sentimento de participar do poder e, acima de tudo, a consciência de figurar entre os que detêm nas mãos um elemento importante da história que se constrói podem elevar o político profissional, mesmo aquele que ocupa apenas modesta posição, acima da banalidade da vida cotidiana.76

71 WEBER, M. Ciência e Política: duas vocações: 59. 72 Idem: 60. 73 Ibidem. 74 Ibidem. 75 Idem: 61. 76 Ibidem.

20

Dessa forma, Weber destaca três qualidades necessárias a um homem para

adquirir o direito de possuir o poder político: paixão, sentimento de

responsabilidade e senso de proporção.77 Paixão, afirma o autor, no sentido de um

propósito a realizar, isto é, de dedicação a uma causa. Além da paixão, um líder

político deve possuir sentimento de responsabilidade e um senso de proporção. Isso

significa

[...] que ele deve possuir a faculdade de permitir que os fatos ajam sobre si no recolhimento e na calma interior do espírito, sabendo, por conseguinte, manter à distância os homens e as coisas.78

De acordo com Weber, um dos mais comuns inimigos do homem político é o

sentimento de vaidade.79 A vaidade é inimiga mortal de qualquer dedicação a uma

causa. É inimiga do recolhimento e do afastamento de si mesmo. Certamente, ela é

algo inerente a todas as pessoas. Da mesma forma, o desejo do poder, o instinto

de poder é uma das qualidades normais do político.

O pecado contra o Espírito Santo de sua vocação consiste num desejo de poder, que, sem qualquer objetivo, em vez de se colocar exclusivamente a serviço de uma causa, não consegue passar de pretexto de exaltação pessoal.80

Em sua formação, o PT quis identificar-se como um partido voltado para os

despossuídos dos meios de produção, para aqueles que contavam apenas com sua

força de trabalho para sobreviver. Nesse sentido, o partido assumiria a causa da

classe trabalhadora.

À luz de considerações de Weber, essa causa a ser assumida pode ser

melhor analisada. O autor afirma que há duas formas de exercer política.

Pode-se viver para a política ou pode-se viver da política.81

Para Weber, nada há de exclusivo nessa prática, geralmente a pessoa realiza

as duas coisas simultaneamente. Aqueles que vivem para a política a transformam

77Idem: 107. 78Idem: 108. 79 Ibidem. 80 Ibidem. 81Idem: 68.

21

em seu principal objetivo, seja porque encontram satisfação na simples posse do

poder, seja porque essa atividade lhes permite exprimir valor pessoal, pondo-se a

serviço de uma causa que fornece significado às suas vidas.

Sob este aspecto, Weber ressalta que todo homem sério, que vive para uma

causa, vive também dela. Portanto, o aspecto econômico é extremamente

importante na distinção do homem político.

Do que vê na política uma permanente fonte de rendas, diremos que vive da política e diremos, no caso contrário, que vive para a política.82

Contudo, uma coisa é um ideal a ser posto em prática, outra é a prática do

exercício do poder. Nesse sentido, devemos levar em conta essas duas situações

quando da classificação do PT com um partido que vive para a política ou um

partido que vive da política. Podemos constatar que, tanto por questões

econômicas quanto pela sobrevivência do partido quando de seu apelo eleitoral e

em posterior exercício de mandato, a mistura das duas proposições passa a ser a

forma mais atrativa.

Weber ressalta também que

o resultado final da atividade política raramente corresponde à intenção original do agente.83

No entanto, o autor afirma que essa constatação não deve servir de pretexto

para que o político aja sem dedicação a uma causa, causa esta que dependerá das

convicções pessoais de cada um.

Além disso, a discussão sobre ética da convicção e ética da responsabilidade

também nos ajuda a analisar a situação do PT no governo. Enquanto a ética da

convicção coloca seu ideário como uma meta a ser atingida, independentemente

dos transtornos que possam ocorrer, a ética da responsabilidade dá ênfase às

conseqüências da ação. A diferenciação entre os dois conceitos pode ser melhor

entendida através do exemplo dado por Weber:

82 Ibidem. 83 Idem: 109.

22

Sempre que as conseqüências de um ato praticado por pura convicção se revelem desagradáveis, o partidário dessa ética não atribuirá responsabilidade ao agente, mas ao mundo, à tolice dos homens ou à vontade de Deus [...] Contrariamente, o partidário da ética da responsabilidade [...] por conseguinte, dirá: Essas conseqüências são imputáveis à minha própria ação.84

De acordo com Weber, há duas espécies de pecado mortal em política: não

defender causa alguma e não possuir sentimento de responsabilidade.85 Para ele

a ética da convicção e a ética da responsabilidade não se contrapõem, mas se complementam e, juntas, formam o homem autêntico, ou seja, um homem que pode aspirar à vocação política.86

84 Idem: 68. 85 Idem: 109. 86 Idem: 123.

Capítulo 2

Gênese e organização do PT

O objetivo deste capítulo, como foi ressaltado anteriormente, é o estudo da origem

e da fundação do Partido dos Trabalhadores. Do mesmo modo, será analisada sua

estruturação e organização interna, assim como os meios adotados para seu

funcionamento.

A formação do PT

Em 1974, com o início da liberalização, realizada pelo presidente Geisel, foram

sendo restaurados gradualmente muitos dos direitos civis e políticos, suspensos

durante a década precedente. Essa nova conjuntura permitiu o crescimento de um

movimento pela restauração da democracia,

[...] que incluía elites políticas, associações profissionais, um setor do movimento operário de militância recente e um amplo espectro de movimentos sociais associados à Igreja Católica.87

Naquele contexto, os intelectuais de oposição, algumas elites políticas e a

imprensa criaram conjuntamente uma forte imagem de consenso oposicionista

sobre a necessidade da democratização. Numa versão ampliada, a oposição incluía

elites econômicas e políticas dissidentes, a Igreja Católica, movimentos sociais,

estudantes e o operariado;

[...] sua imagem era, assim, a imagem de toda uma sociedade, da sociedade contra o Estado.88

O movimento operário, que também passou por transformações profundas

nesse período, constituía um outro tipo de fenômeno, possuindo uma poderosa

base institucional. O novo sindicalismo

[...] assinalava a existência de um descontentamento popular massivo e organizado com relação ao regime [...].89

87 KECK, M. PT – A lógica da diferença: 38. 88 Idem: 55. 89 Ibidem.

24

Segundo Isabel Ribeiro de Souza, os integrantes do novo sindicalismo

partilhavam entre si o desejo e a disposição de modificar a estrutura sindical

vigente e questionar a política salarial trabalhista.

A liderança do novo sindicalismo, composta de dirigentes sindicais, associados e trabalhadores atuantes, se distinguia no movimento operário por se posicionar publicamente frente a suas principais questões, no período considerado.90

Através da luta pela reposição salarial, o novo sindicalismo invadiu a cena

pública. Em 1973, houve um erro de cálculo referente ao reajuste salarial das

diversas categorias de trabalhadores, decorrendo daí uma perda salarial.

O Governo admitiu então que os salários estavam defasados em 3% durante o período de 1973-1974.91

Essa admissão deu início à luta pela reposição salarial.

Lula inicia a luta convocando uma Assembléia em São Bernardo, onde é proposto a efetivação de um dissídio coletivo, com vistas à obtenção de um acréscimo salarial de 31,4%.92

A reposição foi alcançada no ano seguinte, 1978, mas a luta prosseguiu. No

dia 12 de maio, iniciou-se a primeira grande greve do setor metalúrgico, em São

Paulo,

quando trabalhadores da Ford e da Scania, grandes indústrias automobilísticas de São Bernardo do Campo, entraram em greve de protesto contra o resultado do dissídio coletivo.93

A greve se alastrou para outras empresas de São Bernardo e para outras

cidades de São Paulo.

Em 1979, as greves pipocaram por todo Brasil.94

Segundo Margaret Keck, naquele ano, a questão dos direitos dos

trabalhadores foi colocada explicitamente na agenda do debate sobre a democracia,

através das ações e reivindicações dos próprios operários. Através das greves de

90 SOUZA, I. Trabalho e Política: As origens do Partido dos Trabalhadores: 45-46. 91 VEJA apud idem: 46. 92 SOUZA, I. Trabalho e Política: As origens do Partido dos Trabalhadores: 46. 93 Idem: 50. 94 KECK, M. PT – A lógica da diferença: 81.

25

1978 e 1979, os trabalhadores puderam perceber sua importância como agentes

políticos. Ao mesmo tempo, eles perceberam que só a greve era insuficiente,

especialmente para os metalúrgicos, que continuavam a representar o cerne do novo sindicalismo, a idéia de formar um partido próprio entrou na agenda das discussões.95

Assim, aproveitando a brecha legal aberta pela reforma partidária aprovada

pelo Congresso Nacional, em 1979, no ano seguinte foi fundado o Partido dos

trabalhadores.

A origem do PT é o primeiro elemento que o destaca no quadro histórico-

partidário brasileiro. O PT organizou-se em torno das mobilizações do novo

sindicalismo; de parte dos movimentos urbanos; de setores da intelectualidade e

da classe política de oposição envolvidos com o debate da reforma partidária; e de

alguns grupos de esquerda. Como a Igreja Católica teve um papel fundamental,

durante a década de 1970, na organização de movimentos populares urbanos, a

aproximação entre Igreja e partido deu-se desde o início. Vale informar que, no

âmbito dos movimentos populares urbanos, além das organizações ligadas à Igreja

terem se voltado para a órbita do PT, o partido recebeu também outros tipos de

movimentos, tais como grupos de negros, grupos feministas e movimentos

libertários.96

De acordo com Lourival de Carvalho, na primeira fase de sua formação, o

fator dinâmico principal do Partido dos Trabalhadores partia da ação de seus

militantes sindicalistas que estavam à frente do movimento grevista.97 Dessa

forma,

o predomínio do núcleo sindicalista no PT foi altamente positivo, pois garantiu a ligação do partido com o movimento de massas, evitando que o partido se isolasse em posições vanguardistas.98

95 Idem: 83. 96 MENEGUELLO, R. PT: a formação de um partido (1979-1982): 64. 97 CARVALHO, L. O PT na construção do futuro: 14. 98 Ibidem.

26

Contudo, ao ser lançado, o partido provocou reações imediatas entre os

sindicalistas, evidenciadas em três posições.

A primeira, dos dirigentes sindicais que formavam a Comissão Provisória, defendendo a criação já do partido. A Segunda [...] daqueles que preferiam antes organizar a Central Sindical [...]. A terceira foi a daqueles que eram absolutamente contrários à criação do PT, privilegiando a luta no interior dos partidos já existentes.99

O terceiro grupo era integrado pelo presidente do Sindicato dos Metalúrgicos

de São Paulo - Joaquim dos Santos Andrade - e pelo presidente do Sindicato dos

Metalúrgicos de Santos - Arnaldo Gonçalves.100 Este último argumentava que,

naquele momento, melhor seria reunir todas as forças de oposição no MDB, ou

outro partido que agrupasse todas as correntes, uma vez que, com a reforma

partidária, o governo estava querendo dividir as oposições.101

Além disso, aconteceu um debate generalizado sobre os tipos de novos

partidos políticos que melhor poderiam contribuir para a democratização no Brasil.

Sob esta perspectiva, Almino Afonso – antigo deputado pelo Partido Trabalhista

Brasileiro (PTB) e Ministro do Trabalho sob a presidência de João Goulart –

[...] defendia a necessidade de um partido popular, nacional e democrático, com uma visão do socialismo no horizonte e uma estrutura verdadeiramente democrática e participativa.102

Assim, além da proposta de Almino, as oposições também discutiam as

seguintes opções: uma revivescência do PTB, uma frente popular, a formação de

um Partido dos Trabalhadores e a manutenção do MDB.

No entanto, ressalta Keck, havia fortes motivos para se temer que o regime

e as elites tradicionais fossem manter o processo de reforma sob controle estrito.

O pacote de abril de 1977 destinava-se explicitamente a retardar o avanço aparentemente irrevogável do MDB.103

99 GADOTTI & PEREIRA. Pra que PT: origem, projeto e consolidação do Partido dos Trabalhadores: 30. 100 Idem: 30. 101 Ibidem. 102 KECK, M. PT – A lógica da diferença: 70. 103 Ibidem.

27

Com o artigo 152 do pacote da reforma, que tratava da formação de novos

partidos políticos, esperava-se que a Arena permanecesse igual e que o MDB fosse

se fracionar em diversos partidos.

No final de 1978, Fernando Henrique Cardoso passa a defender a proposta

de que o MDB era o partido popular sobre o qual as oposições vinham discutindo. A

não incorporação ao MDB, afirmava Cardoso, era facilitar as coisas para o Partido

da Ordem.104 Da mesma forma, destaca Keck, Fernando Henrique Cardoso fazia

objeção à criação de um partido dos trabalhadores pautado pela idéia de que não

se podia reduzir as relações sociais às relações no local de trabalho.105

Além disso, o PMDB lançava a acusação de que o PT era divisionista e que

estava fazendo o jogo do governo.106 Em resposta, o Partido dos Trabalhadores

qualificava o PMDB como uma frente muito ampla e como um partido burguês.

A campanha do voto útil do PMDB era essencialmente dirigida ao PT. Em

oposição a esta idéia, Lula argumentou, em um discurso de campanha em Ubatuba,

em 28 de agosto de 1982:

Porque não acredito, não acredito que um partido que tem um latifundiário vai resolver o problema da terra nesse país. Não acredito que um partido que tem um grande empresário vá resolver o problema da classe trabalhadora nesse país. Não acredito que um partido que tem um banqueiro vá resolver o problema da baixa de juro nesse país. Eu acredito que é preciso haver uma inversão de valores. É preciso que eles que sempre foram oprimidos entendam, de uma vez por todas, de que eles precisam deter o poder político em suas mãos.107

Apesar das expressivas votações alcançadas pelo MDB em um sistema

bipartidário, faltava ao partido

[...] um projeto que tivesse ressonância na vida e na experiência cotidiana do povo.108

104 Idem: 73. 105 Ibidem. 106 Idem: 169. 107 SILVA, L. (Gravação em fita) apud KECK, M. PT – A lógica da diferença: 172. 108 KECK, M. PT – A lógica da diferença: 71.

28

Os petistas afirmavam que os trabalhadores já estavam cansados de

partidos que os defendiam apenas em seus discursos.

Dessa forma, afirmam Gadotti e Pereira,

nascia assim, no Brasil, o primeiro partido político de massas e de baixo para cima, por vontade dos próprios trabalhadores.109

No entanto, o partido passou por formas distintas de organização, de acordo

com o grupo que assumia a responsabilidade de sua formação em cada estado.

Isso, por sua vez, dependeu principalmente dos contatos que o núcleo do grupo de organização de São Paulo mantinha com o resto do país.110

Segundo Margareth Keck, o estado do Rio de Janeiro é um bom exemplo

dessa variação.111 Tendo em vista a forte influência do Partido Comunista e de

outros grupos menores como o MR-8, que decidiram continuar trabalhando no

interior do PMDB, muitos líderes sindicais do Rio de Janeiro reagiram

negativamente à proposta de um novo partido.

Assim sendo,

os porta-vozes iniciais da proposta do PT no Rio não foram os sindicatos, mas um amálgama relativamente conflituoso de estudantes e intelectuais, grupos comunitários [...] e dois parlamentares[...].112

Dessa forma verifica-se, desde o início, um conflito em relação ao controle

do Partido dos Trabalhadores no Rio de Janeiro.

Em meados de 1983, teve início uma luta mais ativa e organizada, tendo em

vista a liderança estadual e nacional, através da criação da Articulação dos 113,

que foi proposta por membros da ala sindical (inclusive Lula), militantes católicos e

intelectuais.113 A Articulação

109 GADOTTI & PEREIRA. Pra que PT: origem, projeto e consolidação do Partido dos Trabalhadores: 31. 110 KECK, M. PT – A lógica da diferença: 117. 111 Idem: 118. 112 Ibidem. 113 Idem: 135.

29

representava um esforço para impor uma visão relativamente unificada da natureza e dos objetivos do PT, não ao ponto de eliminar as diferenças derivadas das tendências, mas pelo menos como expressão de uma clara maioria.114

O funcionamento do partido

De início, dois importantes mecanismos organizacionais foram criados para garantir

a democracia interna e estimular a participação dos membros do partido.

Um foi o estabelecimento de um processo de convenção em dois turnos, mediante o qual, antes da realização de um encontro oficial, [...] o PT realizaria pré-convenções de que participaria uma amostra mais ampla dos membros do partido.115

O segundo mecanismo foi a instituição dos núcleos. Segundo Kech, apesar da

aparente proximidade da unidade básica dos partidos tradicionais de esquerda, a

concepção adotada de núcleo tinha afinidade com a forma de organização das

comunidades de base da Igreja, seguindo o mesmo viés anticentralista.116 Desde o

início, pretendeu-se que o núcleo seria a estrutura organizacional básica do partido,

sendo todos os membros incentivados a participar.

No processo de formação do PT, o significativo papel das lideranças sindicais

levou a que o perfil interno do partido traduzisse sua influência.

Nesse sentido, os quadros petistas no período entre 1979 e 1982 traduzem a expressiva força política do novo sindicalismo dentro do partido.117

De acordo com Raquel Meneguello, entre 1979 e 1981, as comissões

nacionais provisórias eram compostas de não menos de 50 % de membros

pertencentes ao grupo dos sindicalistas.118 A partir de 1981, ocorre uma certa

diminuição do espaço ocupado por esse grupo.

114 Ibidem. 115 Idem: 123. 116 Ibidem. 117 MENEGUELLO, R. PT: a formação de um partido (1979-1982): 69. 118 De acordo com SOUZA, I. Trabalho e Política: As origens do Partido dos Trabalhadores: 46-47, a liderança do novo sindicalismo, era composta de dirigentes sindicais, associados e trabalhadores atuantes, que aglutinavam-se em subgrupos informais. Por serem numerosos os subgrupos, a autora cita quatro dos principais grupos de sindicalistas: [...] o primeiro deles o da unidade sindical, que tinha como principal porta-voz Joaquim de Santos Andrade

30

[...] Mesmo mantendo seus principais expoentes, o novo sindicalismo passou a dividir em maior grau a direção do partido com membros dos demais grupos internos [...].119

No momento inicial de organização do partido, o segundo dos blocos

internos compôs-se da maior parte dos

grupos de esquerda.120 Tais grupos, fundados em forte doutrinarismo mobilizavam-se em torno da transformação do PT em partido revolucionário marxista-leninista [...].121

Meneguello ressalta que, nesse primeiro momento, havia três orientações

políticas básicas que definiram a atuação dos grupos de esquerda dentro do PT.

Uma vez que, a discussão central era a institucionalização do partido, ou seja, o

registro partidário, a autora classifica os grupos segundo seu posicionamento frente

a esta questão.122

Inicialmente, havia uma orientação baseada na idéia de que o partido devia

agir como frente política de massas, defendida pelo Movimento de Emancipação do

Proletariado - MEP. Propunham que o PT fosse uma composição partidária ampla e

frentista. Uma Segunda orientação posicionava-se indiferente quanto à legalização

do partido, mas defendiam a construção de uma vanguarda marxista-leninista. Essa

orientação era representada principalmente pelos grupos de tendência trotskista: o

Secretariado Unificado, que se expressava pelo jornal Em Tempo, por parte do

grupo Libelu (Liberdade e Luta). Finalmente, uma terceira orientação configurou-se

(Joaquinzão), Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo [...] O segundo grupo, tal como o primeiro, tendo à época como principal porta-voz um Presidente de sindicato, Luís Inácio Lula da Silva, dele se diferenciava pelo aparato estatal e pelo intuito de mobilizar a categoria, enquanto principal recurso de poder. Afinados com os autênticos em termos de proposta de luta, estavam os líderes da oposição sindical [...] Tinham como porta-voz mais conhecido José Ibrahim, que exerceu a presidência do Sindicato de Osasco quando da greve de 1968. Finalmente, havia um grupo de pequena expressão numérica, mas extremamente aguerrido, que identificarei pelo rótulo de radicais. Este grupo questionava e rejeitava as regras do jogo existentes como limites legítimos ao espaço de luta, visando construir uma nova estrutura sindical baseada em comitês de fábricas, cabendo ao sindicato apenas a função representativa delegada. 119 MENEGUELLO, R. PT: a formação de um partido (1979-1982): 70. 120 Idem: 72. 121 Ibidem. 122 Idem: 72-73.

31

mais como uma tendência partidária. Essa orientação tinha concepções sectárias,

definia o grupo sindicalista como contra revolucionário e Lula como um líder que

paralisa o movimento de massas em função de acordos com o regime.123

Essa orientação era representada principalmente pela Convergência

Socialista e a tendência ligada à Organização Socialista Intenacionalista - OSI.

Desta maneira, uma das preocupações era a forma como se daria a

assimilação das organizações de esquerda no interior do partido, uma vez que

[...] quase todos consideravam o PT como uma formação tática contingente, que prefigurava o surgimento de um partido operário verdadeiramente revolucionário.124

Diante dessa preocupação foram realizadas várias reuniões entre

parlamentares e sindicalistas, com o objetivo de discutir a dupla militância, de

forma a garantir que o partido não se transformasse em uma frente.125 Além disso,

em meados de 1983, formou-se a Articulação dos 113, como

[...] uma tentativa de consolidar a liderança do partido.126

Naquele momento, apesar de muitos dos participantes da Articulação

preferir persuadir os demais de suas posições, a maioria entendia que excluir à

força as posições dissidentes poderia ser uma atitude tida como antidemocrática.

Segundo Keck, a discussão do problema dos partidos dentro do partido

refletia a necessidade de consolidação da organização interna.127

A necessidade revelou-se de modo dramático em abril de 1986 quando um grupo de antigos membros de PCBR que se declaravam membros do PT foi preso por assalto a um banco em Salvador para, segundo alegaram, recolher fundos para a revolução (ou, [...] para ajudar a revolução nicaragüense).128

123 SANTO & VIDAL apud MENEGUELLO, R. PT: a formação de um partido (1979-1982): 73. 124 KECK, M. PT – A lógica da diferença: 115. 125 Ibidem: 115. 126 Idem: 135. 127 Idem: 138. 128 Ibidem.

32

Apesar da reação do partido, expulsando as pessoas envolvidas no episódio,

a identificação dos responsáveis como petistas prejudicava o PT.129

O debate que se seguiu, após o incidente de Salvador, trouxe significativos

avanços sobre a questão das tendências.

A contribuição de Olívio Dutra a esse debate continha uma crítica dirigida em particular ao comportamento da Convergência Socialista e ao Partido Comunista Revolucionário.130

Dutra acusava ambas as organizações de encarar o PT somente como um

campo de recrutamento, apoiando suas posições apenas quando era de sua

conveniência e dando prioridade à manutenção das estruturas, lideranças,

formação de quadros e imprensa de sua própria organização.131

Entretanto, nenhum dos participantes do debate sobre tendências defendeu

a idéia de que não se deveria permitir a existência de correntes organizadas dentro

do partido. A controvérsia estava voltada para a forma como elas deveriam se

organizar. A resolução aprovada no 5º Encontro Nacional (1987) reconhecia a

existência das tendências e estabelecia normas para sua atuação. Dessa forma,

declara a resolução:

[...] é rigorosamente incompatível com o caráter do PT a existência velada ou ostensiva, de partidos em seu interior concorrentes do próprio PT. Quer dizer, o PT não admite em seu interior organizações com políticas particulares em relação à política geral do PT; com direção própria, implicando inevitavelmente uma dupla fidelidade; com estrutura paralela e fechada; com finanças próprias, de forma orgânica permanente; com jornais públicos e de periodicidade regular.

O reconhecimento de agrupamento desse tipo – partidos dentro do partido – seria a aceitação do Partido enquanto frente política, vale dizer, a própria negação do projeto histórico do PT. E colocaria irremediavelmente em risco a perspectiva de consolidá-lo como um forte partido da classe trabalhadora, alternativa real de poder popular para o País.

Entretanto, levando em consideração que existem no PT agrupamentos com estrutura de partido, o PT travará com eles debate político visando a sua dissolução e completa integração de

129 Idem: 138-139. 130 Idem: 139. 131 Ibidem.

33

seus militantes na vida orgânica petista, podendo vir a se transformar em legítimas tendências do Partido.132

Em 1990, em artigo da revista Teoria e Debate, Apolônio de Carvalho propõe

explicitamente a expulsão da Convergência, da Causa Operária e do PCBR,

alegando que

há correntes políticas que por si mesmas se revelaram corpos estranhos no interior de nossa organização.133

No entanto, em julho de 1990, o Diretório Nacional concluiu que a

Convergência havia cumprido os requisitos que a qualificavam como tendência do

partido. Naquela ocasião, dos grupos que solicitaram o reconhecimento, somente a

Causa Operária teve seu pedido negado.134

132 5º Encontro Nacional apud KECK, M. PT – A lógica da diferença: 141. 133 CARVALHO, A. de. Correntes internas do PT – momento de reflexão. 134 KECK, M. PT – A lógica da diferença: 142.

Capítulo 3

Perfil e identidade

O Partido dos Trabalhadores foi criado em meio a uma súbita e generalizada onda

de protesto operário do final da década de 70. Surgiu a partir da idéia de

construção de uma organização própria da classe trabalhadora. Desde sua

formação, a visão classista moldou basicamente a proposta do PT.135 No entanto,

tratava-se de um classismo ambíguo, ora definido pelo recorte estreito do

operariado industrial, ora definido pelos amplos segmentos assalariados do

Brasil.136 Através das palavras de Lula, essa ambigüidade vem à tona:

[...] Eu acho que o PT [...] é um partido que está muito próximo de ser um partido de classe do que qualquer outra coisa. Agora tem outra coisa também; as pessoas que acham que nós somos de classe não deveriam ficar horrorizadas com isso, porque os partidos que existem por aí são da classe dominante. Portanto, é correto que o PT tenha essa aproximação de partido de classe, porque ele surgiu da organização dos trabalhadores.

[...] E não estamos criando um partido de operários, de metalúrgicos, mas um partido de trabalhadores brasileiros, porque o nosso conceito de trabalhadores é muito amplo. Nós englobamos profissionais liberais, professores e vários outros segmentos da sociedade que, direta ou indiretamente, vivem subordinados ao regime de salário. Então nós estamos descaracterizando esse negócio de partido operário de que tanto o governo tem medo.137

Naquele momento, a proposta era fundar um partido sem patrões, partindo

do pressuposto de que os trabalhadores deveriam ser instrumentos de

transformação, uma vez que as elites políticas, que sempre governaram o país,

defenderam apenas seus próprios interesses.

Assim, além de partido classista, como partido socialista, o PT tinha

propostas de mudança das políticas econômicas e sociais, como o objetivo de

beneficiar os menos favorecidos; como partido democrático e participativo,

135 MENEGUELLO, R. PT: a formação de um partido (1979-1982): 106. 136 Ibidem. 137 LULA apud MENEGUELLO, R. PT: a formação de um partido (1979-1982): 106.

35

suscitava uma concepção política na qual os excluídos passassem a falar por si

próprios.138 Sua proposta de fundação era :

[...] um partido que lutasse pela ruptura da ordem econômica, social e política capitalista, e pela construção de um sistema social que deve gerar as condições para o fim da exploração do ser humano pelo ser humano. Um partido que se dispõe a superar o capitalismo.139

Partido socialista

Uma das primeiras discussões entre os membros do partido foi sobre o caráter

socialista do PT. Muitos, levando em conta a heterogeneidade dos seus membros,

preferiam não definir claramente o tipo de socialismo a ser implantado. Outros,

com idéias mais ortodoxas, viam no marxismo a alternativa a ser seguida.

Meneguello ressalta que alguns grupos de esquerda, ao aproximarem-se do

movimento sindical, criaram divisões quanto à forma do partido a ser criado.140

Sobretudo, este foi o caso da Convergência Socialista, provavelmente o grupo que

publicamente mais procurou levar para sua órbita parte dos líderes sindicais. Desde

1978, ano de sua fundação, a Convergência Socialista entra no debate com a

proposta de criar um partido socialista de trabalhadores. Da mesma forma, outros

grupos, que se autodenominaram trotskistas, entraram no debate partidário.

Em fevereiro de 1980, o PT estava a caminho de sua legalização com a

aprovação do Manifesto e do Programa do Partido. Os denominados radicais da

esquerda oficial pressionavam para que prevalecessem suas linhas políticas de

ação.

Lula destacou-se, desde esse momento, pela defesa da democracia interna e rejeitou uma concepção pronta da ideologia do partido, preferindo caminhar lenta, mas seguramente, na construção do projeto do partido com a sua própria luta e organização.141

138 KECK, M. PT – A lógica da diferença: 13-14. 139 PT – SECRETARIA NACIONAL DE FORMAÇÃO POLÍTICA. Cadernos de Formação nº 3 - O que é o PT: 13. 140 MENEGUELLO, R. PT: a formação de um partido (1979-1982): 62. 141 GADOTTI & PEREIRA. Pra que PT: origem, projeto e consolidação do Partido dos Trabalhadores: 21-22.

36

Em declaração à revista Isto É, Lula afirma que

a grandeza da classe trabalhadora não permitirá que grupos radicais estreitem a proposta de um partido de massas como é o PT [...].142

Desde então, a subordinação da linha do PT aos interesses da classe

trabalhadora fará parte da atuação de Lula dentro do partido.143 Para ele, os

trabalhadores deveriam construir o seu próprio caminho.

No livro Pra que PT, foi transcrito o seguinte discurso, proferido por Luís

Inácio Lula da Silva, na Primeira Convenção Nacional do Partido, em Brasília, no dia

27 de setembro de 1981:

Os trabalhadores são os maiores explorados da sociedade atual.

Por isso sentimos na própria carne e queremos, com todas as forças, uma sociedade que, como diz nosso programa, terá que ser uma sociedade sem explorados e sem exploradores. Que sociedade é esta senão uma sociedade socialista?

Mas o problema não é apenas este. Não basta a alguém dizer que quer o socialismo. A grande pergunta é: qual socialismo? [...]

Sabemos que caminhamos para o socialismo, para o tipo de socialismo que nos convém [...] O socialismo que nós queremos se definirá por todo o povo, como exigência concreta das lutas populares [...].144

Também no caderno de formação do partido, é colocada a seguinte

proposição sobre a questão:

o PT tem uma visão própria de socialismo, sustentando uma visão em que ele é inseparável da democracia e do exercício do poder pelos próprios trabalhadores.145

De acordo com Lourival de Carvalho, o 5º Encontro Nacional do PT146

(Brasília, dez. de 1987) teve um significado especial porque nele foi aprovado o

142 Isto É apud GADOTTI & PEREIRA. Pra que PT: origem, projeto e consolidação do Partido dos Trabalhadores: 22. 143 GADOTTI & PEREIRA. Pra que PT: origem, projeto e consolidação do Partido dos Trabalhadores: 22. 144 Idem: 72. 145 PT – SECRETARIA NACIONAL DE FORMAÇÃO POLÍTICA. Cadernos de Formação nº 3 - O que é o PT: 19. 146 Como as resoluções do 5º Encontro compõe um texto amplo, de 243 parágrafos e nove capítulos, para melhor entendimento sobre a proposta socialista do PT, apenas o item que trata sobre o socialismo foi reproduzido nos anexos.

37

projeto político do partido.147 Segundo Carvalho, o entendimento das resoluções do

5º Encontro pressupõe uma clara compreensão entre os conceitos políticos de

tática e estratégia.148

A tática é a parte da política que visa obter resultados a curto e médio prazos.149

Sob esta perspectiva, podemos entender que ela está ligada às ações

necessárias em um determinado momento e a partir da realidade tal como ela é,

independentemente da vontade do partido.

Já a estratégia é essencialmente uma política de longo prazo, com a qual o partido prepara a força social, política e ideológica que vai tomar o poder e construir o socialismo.150

Assim sendo, através da tática, busca-se viabilizar no dia-a-dia a estratégia

revolucionária.

Partindo do 5º Encontro, surgem duas possibilidades: a construção de um

partido socialista de massas ou a construção de um partido democrático e popular

de massas.151 De acordo com L. Carvalho, a proposta do PT seria mobilizar os

trabalhadores a partir da conjuntura em que vivem.

Trata-se portanto, de um programa mínimo de transformação social, proposto pelo PT como ponto de união da frente democrática e popular que conquistará o governo.152

Assim sendo, esse programa ainda não seria suficiente para a implantação

do socialismo.

A função estratégica do PT, ressalta L. Carvalho, é a conquista da

hegemonia do proletariado para, nessa posição, dar perspectiva socialista ao

147 CARVALHO, L. O PT na construção do futuro: 17. 148 Idem: 18. 149 Ibidem. 150 Ibidem. 151 Idem: 47. 152 Ibidem.

38

programa.153 Dessa forma, virá a desempenhar seu principal papel, que é atingir

seu programa máximo, ou seja, a construção da sociedade socialista no Brasil.

No entanto, surgiram certas distorções quanto ao entendimento do

programa democrático e popular.

Temos, por exemplo, a interpretação de uma ampla e heterogênea tendência de pensamento do PT, que restringe a atuação do partido aos limites democráticos e populares do programa mínimo.154

Sob essa ótica, perde-se de vista a proposta socialista.

Reagindo a essa tendência, existem os grupos essencialmente ligados à

defesa do socialismo. Contudo, quanto a isso, há dois tipos de reações. Uma parte

de petistas defende a estratégia socialista a partir das resoluções do 5º Encontro,

enquanto uma outra parte entende como incompatível um governo democrático

popular e o socialismo.155

Segundo Francisco Weffort,156 alguns membros tinham uma idéia

despropositada de definir o PT como um partido marxista-leninista, atropelando a

originalidade da experiência petista, com a intenção de implantar uma ideologia por

decreto.157 Diante disso, Weffort faz o seguinte questionamento:

Supondo que cometêssemos esta lamentável confusão e que adotássemos a teoria (e a filosofia) marxista como pensamento oficial do partido, o que faríamos a seguir com os socialistas não marxistas que se encontram no PT? O que faríamos por exemplo com os católicos do PT? Expulsaríamos todos ou passaríamos a dizer que o nosso marxismo acredita em Deus? O que faríamos com muitos de nossos militantes de base operária, que nem mesmo chegaram a uma convicção ideológica do tipo socialista? E os líderes operários, magníficos lutadores que ocupam posições de direção no partido sem que jamais tenha ocorrido a ninguém pedir-lhes certificados de marxismo? Demitiríamos todos de suas funções de direção até que estudassem teoria marxista, ou passaríamos a mentir, dizendo que eles são marxistas sem terem lido Marx? Substituiríamos todos eles pelos quadros que se

153 Ibidem. 154 Idem: 48. 155 Ibidem. 156 Francisco Weffort – então membro da Executiva Nacional do PT 157 WEFFORT, F. Consolidar o partido, construir a democracia.

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acreditam intelectuais orgânicos do proletariado apenas porque leram meia dúzia de livros e manejam um jargão arrevezado e pretensamente científico? Felizmente, o PT conta em suas fileiras com muitos marxistas verdadeiros, que sabem distinguir entre teoria e ideologia e, portanto, sabem que é insensato pedir ao PT que se defina no sentido teórico. Como bons marxistas, aprendem com a experiência histórica e sabem que o mais difícil de tudo na política é que os partidos se encaminhem, de modo correto, no sentido prático. Como bons marxistas, sabem que o PT não nasceu de uma definição teórica, mas de uma intuição prática que se revelou teoricamente correta, a respeito da condição dos trabalhadores na sociedade capitalista e a respeito da afirmação política independente dos trabalhadores como classe.158

Assim, destaca Weffort,

o PT é um partido de perfil ideológico definido, mas laico do ponto de vista teórico e filosófico, cabendo nele socialistas dos mais diversos matizes, sejam marxistas, católicos, protestantes, umbandistas ou agnósticos.

Também Wladimir Pomar afirmava que apontar uma definição socialista para

o partido não era uma aspiração dos trabalhadores e populares, uma vez que esta

questão estava longe de seu horizonte de compreensão.159

E a vida já demonstrou que tais definições de nada valem se a esmagadora maioria dos trabalhadores não se mobiliza para lutar por proposta que entenda.160

Contudo, várias tendências tinham resistência quanto à idéia de que um

partido com as características do PT tivesse condições de dirigir o processo de

transformação socialista no Brasil. Afirmavam

[...] que todo partido socialista que adotou o lema democrático e institucionalizou-se como partido de massas resvalou para a social-democracia ou para o socialismo legalista.161

Sob este aspecto, Tarso Genro162 destaca a crise expressa na contradição

entre as propostas teóricas e o socialismo real.163 Genro afirma que

[...] o partido socialista a ser construído não o será apenas na esteira de todas as experiências anteriores, mas deverá ser uma ruptura que conserva e supera todas essas experiências. [...] O

158 Idem. 159 POMAR, W. Atos de hoje constroem o amanhã. 160 Idem. 161 Idem. 162 GENRO, T. – então vice-presidente do PT/RS. 163 GENRO, T. Um novo partido socialista de massas.

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partido de novo tipo deve responder a esta nova situação histórica.164

Nessa linha de reflexão, Tarso Genro parte do pressuposto de que o Partido

dos trabalhadores já é uma vanguarda na luta contra a transição conservadora e

nas lutas anticapitalistas.165 Diante disso, precisa de uma maior homogeneidade

ideológica, uma definição programática e uma estrutura organizativa que,

mantendo a democracia, incida de forma mais abrangente sobre o cotidiano político

de sua militância organizada, a fim de não se limitar aos enfrentamentos na esfera

política das instituições da ordem, pois correria o risco de ser sugado por ela. No

entanto, afirma Genro:

[...] É preciso entender que a definição do PT como partido marxista-leninista seria hoje meramente formal e inadequada, tendo em vista, de uma parte, o significado histórico adquirido por esta expressão perante os olhos das massas e, de outra parte, porque o conteúdo filosófico da mesma foi objetivamente preenchido pela vulgaridade doutrinária do stalinismo.166

Mais recentemente, ao ser indagado sobre em que medida o programa do

Partido dos Trabalhadores se articula com a luta pelo socialismo, Antonio Palocci

respondeu:167

A tradução de um projeto socialista hoje se dá na necessidade de desenvolver política de inclusão e proteção dos segmentos sociais fragilizados. Quando se faz um sistema de ajuste com metas estritamente macroeconômicas, se fragiliza o pequeno produtor, o pequeno empresário, o trabalhador sem-terra, o com pouca terra ou com pouco recurso. Todos esses setores ficam desprotegidos. A grande resposta que um partido socialista pode dar é construir um projeto de inclusão que tenha como base o desenvolvimento da nação: a questão nacional, a questão democrática e a questão social. Esses três eixos é que dão conteúdo para um partido de esquerda governar o país em direção a uma sociedade mais justa.

164 Idem. 165 Idem. 166 Idem. 167 Antonio Palocci – então prefeito de Ribeirão Preto (SP) e coordenador do Programa Nacional de Governo do PT. Apesar de sua resposta, na mesma entrevista, Palocci deixa bem claro que o PT não pretende uma ruptura com os critérios e instrumentos de ajuste econômico, a proposta petista é uma ruptura apenas com o modelo de desenvolvimento. Segundo Palocci, o partido não tem [...] problema em conviver com instrumentos atualmente utilizados para o equilíbrio econômico do país. O problema é conseguir gerar uma mudança em que o crescimento econômico esteja casado com a inclusão social. PALOCCI, A. Crescimento, emprego e inclusão.

41

Essa é a tradução do compromisso socialista do PT. Não imaginamos a possibilidade de uma transformação radical da sociedade num período curto de tempo, mas imaginamos a possibilidade de alcançarmos os pressupostos de uma sociedade mais justa.168

Partido de massas

Para melhor entendimento sobre o que se pretendia com a idéia de fundar um

partido de massas, Francisco Werffort se reporta ao período de constituição do PT:

Como dizíamos em 1980 e 1982, queremos um partido de massas não apenas para as eleições, para o parlamento, para a administração do Executivo. Um partido de massas deve ter existência permanente nas lutas sociais dos trabalhadores, nos movimentos populares, nos debates culturais, nas sociedades de amigos de bairro, nos movimentos culturais, etc.169

Segundo Weffort, para além dos mecanismos clássicos da democracia

representativa (parlamentar), a sociedade moderna cria outras demandas de

participação e almeja a formação de novas instituições, inspiradas nos princípios da

democracia direta. Dessa forma, afirma que foi por isso que o partido surgiu com a

proposta de organização

[...] de baixo para cima, contra as concepções elitistas prevalecentes na sociedade brasileira, e que o PT deveria ser constituído a partir dos núcleos de base, entendidos não como aparelhos de militantes, mas organismos abertos para a participação da sociedade.170

Além disso, destaca Weffort, as definições do 5º Encontro Nacional, de modo

mais claro que as dos Encontros anteriores, mostra a concepção do PT como

partido de massas. De acordo com L. Carvalho, revolucionar a organização do PT

pressupunha, antes de tudo, a assimilação teórica da política de massas aprovada

no 5º Encontro e sua aplicação criativa na prática social.171

Segundo o Cadernos de Formação Política,

o PT se propõe a ser um partido amplo, unificando os explorados e oprimidos pelo capitalismo. Em suas fileiras, eles assumem o

168 Idem. 169 WEFFORT, F. Consolidar o partido, construir a democracia. 170 Idem. 171 CARVALHO, L. O PT na construção do futuro: 35.

42

compromisso de tomar em suas próprias mãos a luta pela emancipação.172

Para Wladimir Pomar, a ampliação do caráter de massas do PT não será

alcançada apenas com a adoção de políticas mobilizadoras, é necesssário que se

criem canais mais amplos de participação massiva nas instâncias partidárias e que

se forme um conjunto de quadros capazes de relacionar-se com as bases e as

massas, que consigam captar seus sentimentos e os transformem em propostas

mobilizadoras, contribuindo para elevar seu grau de organização.173 Contudo,

Pomar adverte:

E ao formar quadros, corremos o risco de formar uma parcela de militantes que se considere acima das bases e capaz de substituí-las[...] Por isso, entre outras coisas, é essencial discutir e repisar uma e mil vezes o significado do caráter de massas do PT [...].174

Dessa forma, destaca Pomar, a afirmação desse elemento dependerá do

nível de enraizamento do PT nas grandes massas de trabalhadores urbanos e rurais

e da participação crescente dessas camadas no próprio partido.175 Nesse sentido,

o núcleo de base representa o elo de ligação do PT com as massas. Isso significa que a militância petista, organizada em núcleos, tem de levar o programa do PT para o movimento de massas [...].176

Nesse sentido, cada núcleo deverá ser a vanguarda política do local onde

atua.

Além disso,

o 5º Encontro clarificou a questão de se o partido deve ser de vanguarda ou de massas .177

De acordo com L. Carvalho, na realidade esta é uma falsa polêmica, uma

vez que o partido necessita dos dois pólos.178 Os quadros são necessários para o

172 PT – SECRETARIA NACIONAL DE FORMAÇÃO POLÍTICA. Cadernos de Formação nº 3 - O que é o PT: 15. 173 POMAR, W. Atos de hoje constroem o amanhã. 174 Idem. 175 Idem. 176 CARVALHO, L. O PT na construção do futuro: 35. 177 Idem: 38. 178 Ibidem.

43

encaminhamento do projeto do PT. No entanto, isso só poderá ser realizado se o

partido organizar milhares e até milhões de trabalhadores.

Nesse sentido, afirma Tarso Genro, o que havia era uma discussão sobre a

necessidade de uma vanguarda, pois nenhuma corrente expressiva saiu na defesa

de um partido de vanguarda segundo a acepção leninista anterior a 1905, que

concretamente se referia a um partido de quadros.179

De acordo com Genro,

a polaridade entre partido de massas e partido de vanguarda do ponto de vista do leninismo é falsa.180

Afinal, não existe uma teoria integral de Lenin com relação ao partido

revolucionário socialista. Somente existem alguns princípios teóricos que podem ser

extraídos da sua praxis político-organizativa. Segundo Tarso Genro, Lenin salientou

muitas vezes que as teses do Que fazer? eram apenas para responder a uma

situação concreta.

O partido de quadros só se justifica de maneira pura em épocas de rigorosa clandestinidade e violenta repressão do Estado burguês. Um partido de massas pode ser de vanguarda e para sê-lo precisa contar com milhares de quadros.181

Também Raul Pont182 ressalta que, desde o surgimento do PT, havia a

dicotomia entre um setor majoritário do partido, que o queria de massas; e grupos

que queriam estreitá-lo.183 O PT necessita ser um partido de massas, destaca Pont,

contudo é também um partido de vanguarda, uma vez que

não é contraditório sermos um partido de massas, mas disciplinado, militante e baseado em uma estrutura de nucleação.184

179 GENRO, T. Um novo partido socialista de massas. 180 Idem. 181 Idem. 182 Raul Pont – então presidente do PT/RS e deputado estadual 183 PONT, R. Que PT é este? 184 Idem.

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Partido democrático

No 5º Encontro Nacional, deu-se ênfase à concepção do PT como partido de

massas, ligado às tarefas democráticas e populares. No capítulo II, ao discorrer

sobre socialismo e democracia, o documento ressalta que a democracia é uma

parte indispensável do combate à burocratização. Uma vez que

o PT rejeita a concepção burocrática do socialismo, a visão do partido único [...].185

Na apresentação do livro Lula, o filho do Brasil, João Cândido transcreve a

seguinte entrevista de Lula:

A verdade é que nós tínhamos duras críticas ao socialismo real existente. [...] Nós fazíamos crítica porque não admitíamos uma sociedade socialista sem liberdade de expressão, sem direito de greve, sem partidos políticos de oposição.186

Além disso, afirmam Gadotti e Pereira, para o Partido dos Trabalhadores a

emancipação da classe trabalhadora deveria ser obra dos próprios trabalhadores.187

Ou seja, somente os trabalhadores

[...] de todos os níveis e origens, comprometidos com a democracia e as classes dominadas, podem propor um projeto político de mudanças efetivas.188

Em artigo publicado pela revista Teoria e Debate, Wladimir Pomar também

destaca a importância da democracia para o PT, afirmando:

O caráter democrático do PT impregna suas lutas atuais pela ampliação dos espaços de participação popular e pelo socialismo, resgatando a idéia de que o socialismo não pode nem deve restringir-se à socialização da propriedade dos meios de produção e da riqueza. Também a política deve ser socializada: as grandes maiorias devem ter o direito real de participação no poder. E isso admitindo que essa participação se dê por meio de diferentes expressões políticas ou partidos. Em qualquer sociedade socialista onde subsistam segmentos sociais diferenciados, é necessário que tais segmentos possuam representações políticas próprias e que tais representações tenham espaço de participação no poder, sem o que a democracia não passará de palavra vazia.

185 5º Encontro Nacional apud GADOTTI & PEREIRA. Pra que PT: origem, projeto e consolidação do Partido dos Trabalhadores: 137. 186 PARANÁ, D. Lula, o filho do Brasil: 15. 187 GADOTTI & PEREIRA. Pra que PT: origem, projeto e consolidação do Partido dos Trabalhadores: 84. 188 Ibidem.

45

Mas o democratismo petista não é somente uma atitude para efeito externo, embora seja da maior importância sua clareza de propósito ante a democracia agora e no socialismo. O espírito democrático do PT rebate sobre sua própria vida interna, valorizando a participação e a crítica das bases partidárias e das massas, como forma não só de demonstrar a coerência de suas propostas democráticas para a sociedade, mas também de criar condições para tornar o PT verdadeiramente um partido de massas.189

Além da discussão sobre a democracia interna do partido, a questão

democrática foi abordada de uma forma mais ampla, associada à sua contribuição

para a organização das sociedades. A partir de 1990, inicia-se um grande debate

sobre o posicionamento do partido frente à aceitação da democracia formal. Sob

este aspecto, cabe informar que, na explanação da questão, não será levada em

conta a complexidade do debate teórico sobre democracia, mas a forma como o

assunto é abordado pelos petistas e como interfere na constituição do partido.

Diferentemente do caminho da insurreição, adotado por forças

revolucionárias de diversos países, o PT afirma sua

[...] opção resoluta pela disputa democrática, sem tomar a iniciativa da violência.190

Essa proposta, chamada por Vannuchi191 de modernização da estratégia,

parte do pressuposto de que, aos poucos já estão sendo realizadas rupturas

revolucionárias como

[...] o surgimento do PT, a construção da CUT, a teologia da Libertação, a irrupção dos movimentos populares e dos sem terra, a explosão ecológica, as vitórias eleitorais de 1988, a memorável campanha presidencial de Lula e da Frente Brasil Popular e muitas outras.192

Nesse sentido, afirma Vannuchi, a revolução vai acontecendo dia-a-dia, no

desafio da vida cotidiana. Nessa linha, ele propõe:

Crescendo no campo institucional, amadurecendo nosso projeto nas experiências concretas de administração municipal e estadual, conquistando aperfeiçoamentos gigantescos nas estruturas

189 POMAR, W. Atos de hoje constroem o amanhã. 190 VANNUCHI, P. Caminhos estratégicos. 191 Paulo Vannuchi – então militante do PT, assessor político e sindical. 192 VANNUCHI, P. Caminhos estratégicos.

46

democráticas e estruturando uma ampla rede nacional de organismos de poder popular a partir das bases (sindicatos, associações de bairro e movimentos), podemos perfeitamente reunir condições para vencer uma eleição presidencial.

Poderão abrir-se, dessa forma, condições inéditas para imprimir uma profunda estratégia na correlação de forças entre as classes sociais no Brasil.

Nessa hipótese, ao invés de cair por terra tudo o que vem sendo sistematizado sobre a estratégia, estaremos chamados a reunir energias, recursos e mobilização social suficiente para desarmar a resistência dos exploradores.193

Ronaldo Rocha194 destaca que a questão democrática passou a ser assunto

de grande interesse da esquerda brasileira.195 Nesse sentido, a democracia

institucional vem sendo vista como valor universal, conduto privilegiado, fim

manifesto e núcleo conceitual da política socialista.196 Seguindo esta linha de

entendimento, Percival Maricato197 defende a seguinte posição:

A democracia que queremos é a clássica e universal, decorrente das lutas sociais por direitos e liberdades que levaram à Revolução Francesa. O voto é direito de cada cidadão, seja ele operário, pequeno ou grande burguês, camponês, etc. Ou seja, queremos a democracia sem adjetivos, sem subterfúgios, desacompanhada dos epítetos burguesa, proletária, socialista. Ao contrário, queremos que ela seja radical e intocável. É a democracia, discursos e prática, para uso interno e nas relações com outros partidos e a sociedade, que deve servir de condição sine qua non para admitir ou manter alguém filiado ao partido. Na defesa da democracia justifica-se muito mais um acordo com forças de centro e direita democrática e modernas do que com outras de esquerda autoritárias.

As sucessivas derrotas em eleições majoritárias refletem as desconfianças e restrições da sociedade a um projeto de socialismo ultrapassado ou no mínimo mal-definido. A expressiva votação na legenda e nos candidatos a deputado expressam a confiança parcial desta mesma sociedade, para que continuemos ajustando nossos projetos até torná-los aceitáveis.198

Rocha também destaca a importância estratégica da luta pelos direitos

democráticos no interior do capitalismo. Sob este aspecto, afirma:

193 Idem. 194 Ronaldo Rocha – então membro do Diretório Nacional do PT e do Conselho Editorial de Teoria e Debate. 195 ROCHA, R. Democracia profana. 196 Idem. 197 Persival Maricato – fundador do PT e então militante do Diretório Zonal de Pinheiros (São Paulo). 198 MARICATO, P. Começar de novo.

47

[...] a democracia burguesa se torna uma escola da luta socialista, onde os trabalhadores realizam o aprendizado político. É o regime político burguês que melhores oportunidades oferece ao desenvolvimento da guerra de posição. Representa, nas condições da sociedade capitalista, um exercício de cidadania e dignidade humana do qual os trabalhadores não podem se omitir, sob pena de se abandonarem às formas mais alienantes e ultrajantes de exploração e opressão.199

No entanto, afirma Rocha, há uma tentativa de despir a democracia formal

de sua particularidade de classe, apresentando-a como uma invenção e conquista

dos trabalhadores. Contudo,

a democracia deve ser vista como totalidade. [...] Reduzir a democracia ao momento universal, transformá-la em universalidade abstrata, sem particularidade de classe, é uma postura que potencializa ilusões.200

Sob este aspecto, ressalta Ronald Rocha, a visão da democracia como

terreno incolor das disputas civilizadas leva a democracia burguesa a ser vista

como um valor supraclassista, como se fosse o habitat da igualdade política.

199 ROCHA, R. Democracia profana. 200 Idem.

Capítulo 4

Embates eleitorais e a vitória de lula em 2002

Inicialmente, tendo em vista a estratégia de construção do socialismo, o PT

considerava o Parlamento como algo circunstancial. Em documento escrito por

Augusto Oler do Nascimento, é levantada a seguinte preocupação: A prioridade

fundamental do partido não é a luta parlamentar, e sim a organização dos

trabalhadores, a partir de suas lutas nas fábricas, fazendas, bairros, ruas e

empresas.201 Sob este aspecto, Raul Pont afirma:

Outro sério problema que enfrentamos, e que se aguçará com os resultados eleitorais de novembro, é o peso parlamentar dentro do partido. Elegeremos milhares de vereadores, em breve teremos bancadas estaduais e federal com maior peso do que atualmente. Para o PT, isto não pode ser apenas um indicador otimista de crescimento, mas tem de ser também um dado de preocupação.

O parlamento burguês amortece, corrompe e mina partidos que se coloquem no campo anticapitalista. Sabemos que essa é uma frente de luta que precisa ser respondida, mas a tensão e os riscos que um desvio eleitoral-parlamentarista carrega são enormes para um partido como o PT. Se não endurecermos o controle político, financeiro e material sobre nossos parlamentares, o PT sofrerá deserções, abandonos e indisciplinas.

O controle do partido deve se estender também sobre os aparelhos vinculados à ação parlamentar. São funcionários, assessores, cargos de confiança, etc., com grandes desníveis salariais. Isto, sem uma administração firme do partido, pode transformar-se em vantagens, privilégios, diferenças materiais que tendem a se consolidar. São os germes da burocratização, que liquidou o caráter revolucionário dos partidos social-democratas de base operária e sindical na Europa, no início do século.202

Também Vladimir Palmeira203 e Carlos Vainer204 alertam para o perigo da

institucionalidade.205 Para eles, há o risco de o sistema institucional domesticar o

partido, que estará envolvido pela institucionalidade e pelos compromissos que ela

201 PT apud GADOTTI & PEREIRA. Pra que PT: origem, projeto e consolidação do Partido dos Trabalhadores: 228. 202 PONT, R. Que PT é este? 203 Vladimir Palmeira – então deputado federal pelo PT-RJ. 204 Carlos Vainer – então professor da UFRJ e militante do núcleo de educação do PT-RJ. 205 PALMEIRA & VAINER. Partido dos Trabalhadores – Ameaçador ou ameaçado?.

49

cobra de seus participantes. À medida que o PT começa a participar da

institucionalidade, aceita e passa

[...] a praticar certas regras de um jogo, cuja regra principal é a aceitação das regras. [...] Enquanto partido de massas, olhamos para as instituições com o olhar de quem está de fora; enquanto partido institucional, olhamos para as massas com o olhar contaminado pelo espaço institucional.206

De acordo com o Cadernos de Formação, uma forma para minimizar esse

problema, seria a mobilização e as lutas sociais.207 O partido teria mais força para

cumprir seu programa à frente dos governos se contasse

[...] com um grande apoio popular organizado. Por isso, a questão da participação popular e do apoio às lutas é central para os governos do PT.208

A disputa político-partidária (1982-1988)

a) Eleições de 1982

Em 1982, foram realizadas eleições para governos de estados, senadores,

deputados, prefeitos (à exceção das capitais e áreas consideradas de segurança

nacional) e vereadores. Nessa eleição, houve dois pontos de destaque. O primeiro

foi a eleição de governadores de Estado, que não acontecia desde 1965, e o

segundo foi a existência de novos partidos políticos.

Com o slogan trabalhador vota em trabalhador, o PT queria ressaltar que

pela primeira vez os trabalhadores brasileiros iriam poder votar em um partido

formado por trabalhadores. Contudo, a adesão significativa de intelectuais à

proposta petista ampliou o perfil com o qual o partido se apresentou nas eleições

de 1982, levando-o a ser considerado como partido de estudantes, uma vez que

atraía o voto e a militância dos meios universitários.209

206 Idem. 207 PT – SECRETARIA NACIONAL DE FORMAÇÃO POLÍTICA. Cadernos de Formação nº 3 - O que é o PT: 16. 208 Ibidem. 209 MENEGUELLO, R. PT: a formação de um partido (1979-1982): 71.

50

Além disso, para a efetivação de uma candidatura em 1982, estipularam-se

dois requisitos fundamentais:

ter sido escolhido pelas bases e, portanto, estar atuando politicamente.210

Assim sendo, pretendia-se que os candidatos fossem pessoas engajadas na

militância.

Nessa campanha, o PT se recusou a fazer alianças com o que chamava

partidos da burguesia. Luís Inácio Lula da Silva, ao apresentar o Programa Estadual

de Governo do PT do Rio de Janeiro, discursou:

Há uma divisão na sociedade e não fomos nós que a inventamos. A casa-grande do latifundiário não é o barraco do lavrador. A refeição do industrial não é o grude do peão. O lucro do banqueiro não é o salário do bancário. O bairro onde mora o grande comerciante não é a vida da periferia onde mora o comerciário. Se somos separados socialmente e economicamente, como poderíamos estar unidos politicamente?211

Para as eleições de 1982, foi elaborada uma Carta Eleitoral, que expressava

os objetivos do PT na campanha. Essa carta, afirma Keck, esboçava um certo

equívoco quanto ao posicionamento do partido. De um lado, o documento afirmava

que o PT sairia às ruas para ganhar, de outro colocava as eleições como um

episódio, um momento da

atividade política permanente, em busca do objetivo final que é construir uma sociedade socialista [...].212

O medo de que os objetivos de longo prazo fossem desviados devido à

campanha, dava a perceber que as eleições eram vistas com suspeita –

não só como um aspecto particular da atividade partidária, mas também como algo potencialmente perigoso.213

210 GADOTTI & PEREIRA. Pra que PT: origem, projeto e consolidação do Partido dos Trabalhadores: 26. 211 Idem: 247. 212 PT apud KECK, M. PT – A lógica da diferença: 55. 213 KECK, M. PT – A lógica da diferença: 55.

51

Dessa forma, podemos constatar que não estava definida a relação entre os

objetivos eleitorais - uma representação partidária forte em cargos eletivos - e os

objetivos finais – a construção do socialismo.

Em julho, foi convocada uma reunião, em Brasília, para a organização da

campanha de 1982. Dentre as diversas discussões, concluiu-se que o PT tinha que

fazer campanha para ganhar.214 Além disso, ao debater sobre a postura a ser

adotada com relação ao PMDB, decidiu-se que seria de combate.

[...] Não se deveria tratá-lo como uma vaca sagrada, mas criticá-lo enquanto partido liberal-burguês[...].215

No fim das contas, os resultados das eleições de 82 revelaram que a

proposta petista tinha um alcance limitado. Segundo Raquel Meneguello, a

decepção com o resultado eleitoral levou o partido a repensar sua estratégia.

As diretrizes políticas lançadas em 1983 apontavam para a necessidade de elaborar propostas capazes de atrair setores sociais de base que até então haviam se mostrado desconfiados em relação à atuação do PT [...].216

De acordo com os dados eleitorais de 1982, organizados por Jairo Nicolau, o

PT, e os demais partidos, obtiveram o seguinte desempenho:

Eleições de 1982: Número e Percentual de Senadores Eleitos por Partido

1982

N %

PDS/PPR/PPB 15 60,0

PMDB 9 36,0

PDT 1 4,0

PFL

PMB

214 KECK, M. PT – A lógica da diferença: 159. 215 Idem: 160. 216 MENEGUELLO, R. PT: a formação de um partido (1979-1982): 198.

52

PSDB

PTB

PT

PDC

PMN

PRN

PST

PP

PSB

PL

PPS

PSD

TOTAL 25 100,0

Fonte: NICOLAU, Jairo. Iuperj, http//www.iuperj.br/pesquisas/deb

Eleições de 1982 – Câmara de Deputados: Número de Cadeiras Obtidas pelos Partidos

ESTADOS PDS PMDB PDT PTB PT TOTAL

Rondônia 5 3 8

Acre 4 4 8

Amazonas 4 4 8

Roraima 4 4

Pará 7 8 15

Amapá 4 4

NORTE 28 19 47

Maranhão 14 3 17

Piauí 6 3 9

Ceará 17 5 22

R. G. do Norte 5 3 8

53

Paraíba 7 5 12

Pernambuco 14 12 26

Alagoas 5 3 8

Sergipe 6 2 8

Bahia 25 14 39

NORDESTE 99 50 149

Minas Gerais 26 27 1 54

Espírito Santo 4 5 9

Rio de Janeiro 14 10 16 5 1 46

São Paulo 16 30 8 6 60

SUDESTE 60 72 16 13 8 169

Paraná 14 20 34

Santa Catarina 8 8 16

R. G. do Sul 13 12 7 32

SUL 35 40 7 82

M. G. do Sul 4 4 8

Mato Grosso 4 4 8

Goiás 5 11 16

C. OESTE 13 19 32

BRASIL 235 200 23 13 8 479

Fonte: NICOLAU, Jairo. Iuperj, http//www.iuperj.br/pesquisas/deb

Eleições de 1982: Número de Cadeiras Obtidas pelos Partidos na Assembléia Legislativa

ESTADO PDS PMDB PDT PTB PT TOTAL

Rondônia 15 9 24

Acre 11 12 1 24

Amazonas 11 13 24

Pará 19 20 39

54

NORTE 56 54 1 111

Maranhão 33 8 41

Piauí 17 10 27

Ceará 34 12 46

R. G. do Norte 15 9 24

Paraíba 22 14 36

Pernambuco 28 22 50

Alagoas 15 9 24

Sergipe 19 5 24

Bahia 40 23 63

NORDESTE 223 112 335

Minas Gerais 37 40 1 78

Espírito Santo 11 16 27

Rio de Janeiro 21 16 24 7 2 70

São Paulo 22 42 11 9 84

SUDESTE 91 114 24 18 12 259

Paraná 24 34 58

Santa Catarina 21 19 40

R. G. do Sul 23 21 12 56

SUL 68 74 12 154

M. G. do Sul 12 12 24

Mato Grosso 13 11 24

Goiás 13 27 40

C. OESTE 38 50 88

BRASIL 476 404 36 18 13 947

Fonte: NICOLAU, Jairo. Iuperj, http//www.iuperj.br/pesquisas/deb

55

Eleições de 1982: Total e Percentual do Número de Governadores Eleitos por Partido

1982

N %

PDS/PPR/PPB 12 54,5

PMDB 9 40,9

PDT 1 4,5

PFL

PSDB

PT

PSB

PTB

PTR/PP

PRS

PSC

PPS

PSL

TOTAL 22 100,0

Fonte: NICOLAU, Jairo. Iuperj, http//www.iuperj.br/pesquisas/deb

Eleições de 1982 - Número de Prefeitos Eleitos por Partido

PARTIDO 1982

N %

PMDB 1.377 34,9

PFL

PDS/PPR/PPB 2.533 64,3

PDT 22 0,6

PTB 7 0,2

PSDB 0,0

56

PT 2 0,1

PL

PDC

PSB

PJ/PRN

PSC

PTR

PCB/PPS

PSD

PMB

PST

PRP

PMN

PV

PSL

PT do B

PSDC

PRTB

PSN

PRONA

PTN

PHS

PAN

PC do B

TOTAL 3.941 100,0

Fonte: NICOLAU, Jairo. Iuperj, http//www.iuperj.br/pesquisas/deb

57

Como se pode depreender da leitura dessas tabelas, em 1982, no Legislativo

federal, o PT não conseguiu eleger nenhum senador e apenas 8 deputados na

região Sudeste. Para a Assembléia Legislativa o partido também não obteve um

grande êxito, contando com apenas um deputado eleito pela região Norte e, mais

uma vez, um número maior na região Sudeste (12 deputados). No Executivo, não

elegeu governadores de estado e, em todo o Brasil, contou com a eleição de apenas

2 prefeitos.

Apesar do quadro eleitoral não lhe ter sido muito favorável em 1982, o

Partido dos Trabalhadores teve que enfrentar a nova situação de, entre seus

membros, contar com seus próprios políticos recém-eleitos.

A eleição de membros do Congresso e de prefeitos pela chapa do PT forçou o partido a encarar, pela primeira vez, a forma da sua participação nas instituições de poder político.217

No entanto, afirma Keck, o partido havia pensado pouco nessa tarefa. Desde

a sua formação, o foco do PT era social.218 Mesmo com as expectativas exageradas

do final da campanha de 1982, o partido não tinha ainda uma clara posição sobre

sua ação em relação às instituições políticas

concentrando-se, em vez disso, em afirmações genéricas sobre a obrigação de os políticos prestarem contas de seus atos ao partido e à sua base social, e sobre a necessidade de governar juntamente com a população organizada.219

Além disso, havia a preocupação em manter a coerência com a proposta

inicial de incentivar a participação popular na vida política, uma vez que, naquele

momento, existia um espaço institucional disponível, adquirido através da

participação na política eleitoral.

Isso implicava aprender a conviver com as tensões entre concepções muitas vezes conflitantes de democracia direta e representativa.220

217 KECK, M. PT – A lógica da diferença: 226. 218 Ibidem. 219 Ibidem. 220 Ibidem.

58

A visão de uma democracia vinda de baixo levou o PT a uma convocação

para formação de conselhos populares. Contudo, havia divergências internas sobre

seu funcionamento. O ideal seria que os conselhos fossem formados por membros

de movimentos locais; na ausência de organizações locais significativas, alguns

argumentavam que os órgãos participatórios deveriam ser criados pela própria

administração petista, já outros entendiam que esta proposta reproduzia os

conhecidos padrões de relações corporativistas.221

Para alguns petistas, os conselhos deveriam acabar substituindo os órgãos mais tradicionais; para outros, deveriam desempenhar um papel suplementar.222

Em ambos os casos, os órgãos parlamentares eram considerados

insuficientes para o tipo de política democrática proposta pelo PT.

b) Eleições de 1985

Da mesma forma que na eleição de 1982, a eleição de 1985 trazia algo de peculiar.

Ela marcava o fim da restrição à eleição direta para prefeitos das capitais estaduais

e das áreas designadas como “zonas de segurança nacional”.

De acordo com os dados eleitorais de 1985, organizados por Jairo Nicolau, o

PT e os demais partidos obtiveram o seguinte desempenho:

Eleições de 1985: Número de Prefeitos de Capital Eleitos por Partido

1985

PARTIDOS N %

PFL

PDT 2 8,0

PT 1 4,0

PTB 1 4,0

PSB 1 4,0

221 Idem: 227. 222 Ibidem.

59

PMDB 20 80,0

PSDB

PDS/PPR/PPB

PDC

PPS

PL

TOTAL 25 100,0

Fonte: NICOLAU, Jairo. Iuperj, http//www.iuperj.br/pesquisas/deb

Como podemos observar, pelo quadro acima, o PMDB é o grande destaque dessas

eleições. O PT conseguiu eleger um prefeito de capital, feito também obtido pelo

PTB e pelo PSB, e não se distanciou muito do PDT, que obteve duas cadeiras.

Nas eleições para prefeitos das capitais, em 1985, o partido aplicou uma

nova estratégia.

O PT veiculou sua imagem... através de uma campanha eleitoral aberta, dirigida a amplos setores sociais, inclusive os setores de classe média anteriormente distantes do partido.223

Dessa forma, afirma Meneguello, o PT aumentou sua capacidade eleitoral.

Em São Paulo, sua votação foi aumentada em todas as áreas sócio-econômicas e

distritos eleitorais em relação às eleições de 1982. Também a vitória do partido em

Fortaleza foi considerada um importante fenômeno eleitoral.

Se para as bases partidárias tais resultados indicavam que era acertada a

estratégia da ampliação da imagem e proposta do partido, internamente esta

questão foi permeada pela divisão de grupos em torno de duas principais

estratégias de poder. De um lado, destaca Meneguello, estavam os setores

considerados mais à esquerda, que se posicionavam contra a democracia

representativa como via para alcançar o socialismo. Eram os chamados xiitas,

conforme denominação na gíria interna do partido. De outro lado, estavam os

223 MENEGUELLO, R. PT: a formação de um partido (1979-1982): 199.

60

setores mais moderados, agrupados na tendência Articulação, cuja maioria de seus

membros era proveniente do grupo sindicalista e de políticos independentes,

[...] que colocavam a democracia como valor inquestionável, eram os chamados ligths, denominados dessa forma por traduzirem sua posição numa linguagem mais suave de campanha.224

c) Eleições de 1986

Em 1986, ocorreram eleições para Assembléia Nacional Constituinte, Senadores,

Assembléia Legislativa e governadores de estados. Nessa eleição o PT reafirmou a

adoção da imagem partidária ampliada.

Os resultados eleitorais de 1986 acusavam certo incremento eleitoral do partido [...] apontando, portanto, que o alcance da proposta petista extrapolava os limites da performance anterior.225

De acordo com os dados eleitorais de 1986, organizados por Jairo Nicolau, o

PT, e os demais partidos, obtiveram o seguinte desempenho:

Eleições de 1986 – Câmara de Deputados: Número de Cadeiras Obtidas pelos Partidos

ESTADOS PMDB PFL PDS PDT PTB PT PL PDC PCB PC do B PSB PSC TOTAL

Rondônia 5 3 8

Acre 5 1 2 8

Amazonas 3 3 1 1 8

Roraima 2 2 4

Pará 13 2 2 17

Amapá 1 3 4

NORTE 27 14 4 1 2 1 49

Maranhão 8 8 2 18

Piauí 2 5 3 10

Ceará 12 6 3 1 22

R. G. do Norte

4 3 1 8

224 Idem: 200. 225 Idem: 201.

61

Paraíba 7 4 1 12

Pernambuco 13 11 1 25

Alagoas 4 4 1 9

Sergipe 3 4 1 8

Bahia 22 14 1 2 39

NORDESTE 75 59 11 1 1 2 2 151

Minas Gerais 35 10 3 1 1 3 53

Espírito Santo

7 2 1 10

Rio de Janeiro

13 7 1 13 3 2 5 1 1 46

São Paulo 28 6 4 2 9 8 1 1 1 60

SUDESTE 83 25 8 16 13 14 6 2 1 1 169

Paraná 24 5 1 30

Santa Catarina

9 3 4 16

R. G. do Sul 17 2 5 5 2 31

SUL 50 10 9 6 2 77

M. G. do Sul 4 3 1 8

Mato Grosso 5 2 1 8

Goiás 12 2 3 17

Distrito Federal

4 3 1 8

C. OESTE 25 10 1 1 3 1 41

BRASIL 260 118 33 24 17 16 6 5 3 3 1 1 487

Fonte: NICOLAU, Jairo. Iuperj, http//www.iuperj.br/pesquisas/deb

Eleições de 1986 – Assembléia Legislativa: Número de Cadeiras Obtidas pelos Partidos

ESTADO PMDB PFL PDS PDT PTB PT PDC PL PSB PMB PCdoB Pasart PTR PMN PTN TOTAL

Rondônia 13 6 1 1 2 1 24

Acre 14 10 24

62

Amazonas 11 7 4 2 24

Pará 25 5 6 1 1 2 1 41

NORTE 63 18 17 6 1 4 1 2 1 113

Maranhão 11 20 5 2 3 1 42

Piauí 8 16 6 0 30

Ceará 24 14 4 2 2 46

R. G. do Norte

10 9 5 24

Paraíba 17 11 8 36

Pernambuco 19 18 1 6 2 3 49

Alagoas 7 10 3 6 1 27

Sergipe 8 11 3 2 24

Bahia 34 22 2 3 1 1 63

NORDESTE 138 131 32 15 12 5 2 1 4 1 341

Minas Gerais

41 17 4 5 3 5 2 77

Espírito Santo

15 9 1 1 3 1 30

Rio de Janeiro

18 10 1 17 5 4 2 4 2 1 2 2 1 1 70

São Paulo 37 9 11 3 13 10 1 84

SUDESTE 111 45 17 26 21 22 2 7 2 2 2 2 1 1 261

Paraná 37 8 1 5 2 1 54

Santa Catarina

19 6 12 1 1 1 40

R. G. do Sul 27 5 10 9 4 55

SUL 83 19 23 15 2 6 1 149

M. G. do Sul

12 5 1 0 6 0 24

Mato Grosso

13 8 1 1 0 1 24

63

Goiás 27 5 1 0 2 6 41

C. OESTE 52 18 3 1 6 2 6 1 89

Fonte: NICOLAU, Jairo. Iuperj, http//www.iuperj.br/pesquisas/deb

De acordo com as tabelas acima, pode-se perceber que, em 1986, o PT

alcançou resultados mais satisfatórios do que nas eleições anteriores. No Legislativo

Federal conseguiu obter 14 cadeiras na região Sudeste e 2 cadeiras na região Sul.

No Legislativo Estadual, o partido conseguiu alargar sua área de influência: obteve

4 cadeiras na região Norte, 5 cadeiras na região nordeste, 22 cadeiras na região

Sudeste, 6 cadeiras na região Sul e 2 cadeiras na região Centro-Oeste.

Nessa campanha, o Partido dos Trabalhadores se recusava a aceitar o

acúmulo dos dois pleitos em um só, mas a legislação permitia tal fato. A orientação

do partido é que se deveria ter dado ao processo constituinte um tratamento

específico e não

o emparelhamento da campanha à constituinte a uma outra campanha eleitoral, via de regra de baixo nível, dos executivos dos estados, em geral personalistas e demagógicos.226

Apesar disso, o PT levou extremamente a sério o processo de elaboração da

Constituição. Foi o único partido que formulou um projeto constitucional

completo.227 Além disso, o Partido dos Trabalhadores teve importante atuação na

abertura das regras internas da Assembléia Constituinte à aceitação de emendas

populares. Assim, houve uma grande mobilização popular, gerando 122 emendas,

com um total de 12.265.854 assinaturas, envolvendo uma ampla participação de

movimentos sociais e outras organizações da sociedade civil.228

226 GADOTTI & PEREIRA. Pra que PT: origem, projeto e consolidação do Partido dos Trabalhadores: 254. 227 KECK, M. PT – A lógica da diferença: 256. 228 Ibidem.

64

d) Eleições de 1988

Em 1988, o Partido dos Trabalhadores despontou como o grande vitorioso no

quadro dos municípios do país, vencendo as disputas para prefeito em três capitais

- São Paulo, Porto Alegre e Vitória – e em várias outras cidades brasileiras.229

Segundo Meneguello,

Ignorar o significado do crescimento do PT no campo, a vitória de Erundina em São Paulo [...] ou mesmo o crescimento do Partido dos Trabalhadores [...] onde ele tinha dificuldade de implementação, é não querer ver por dentro o significado político da existência já inquestionável do partido.230

De acordo com os dados eleitorais de 1986, organizados por Jairo Nicolau, o

PT e os demais partidos obtiveram o seguinte desempenho:

Eleições de 1988: Número de Prefeitos Eleitos por Partido

PARTIDO 1988

N %

PMDB 1.606 37,5

PFL 1.058 24,7

PDS/PPR/PPB 446 10,4

PDT 192 4,5

PTB 332 7,7

PSDB 18 0,4

PT 38 0,9

PL 239 5,6

PDC 232 5,4

PSB 37 0,9

PJ/PRN 3 0,1

PSC 26 0,6

229 Idem: 269. 230 MENEGUELLO, R. PT: a formação de um partido (1979-1982): 267.

65

PTR 8 0,2

PCB/PPS 1 0,0

PSD 2 0,0

PMB 49 1,1

PST

PRP

PMN

PV

PSL

PT do B

PSDC

PRTB

PSN

PRONA

PTN

PHS

PAN

PC do B

TOTAL 4.287 100,0

Fonte: NICOLAU, Jairo. Iuperj, http//www.iuperj.br/pesquisas/deb

Se comparada à sua primeira participação (1982) em eleições municipais,

onde foram eleitos apenas dois de seus candidatos, em 1988, o PT conseguiu uma

boa ampliação de sua influência eleitoral, tendo obtido 38 cadeiras nos Executivo

municipal.

66

Em 1988, uma questão bastante discutida foi a forma como se daria a

realização de alianças. José Dirceu231 afirmou, em artigo publicado pela revista

Teoria e Debate,

com relação às eleições de 1988 entendemos que o PT deve procurar [...] estabelecer alianças, sempre mantendo sua independência e sua proposta socialista.232

Para Dirceu, o PT deveria atrair novos setores, frações, camadas sociais e

agrupamentos políticos em contradição com o bloco no poder. Mesmo que estes

setores estivessem dispostos a acompanhar a classe trabalhadora apenas numa

parte da caminhada. Concretamente, Dirceu estava referindo-se aos setores médios

e à pequena burguesia.

Segundo José Dirceu, todas as revoluções se realizaram com o uso de

alianças, mesmo que por tempo limitado. Para ele, o Partido dos Trabalhadores

deveria assumir a liderança de outros setores ou classes sociais, oferecendo-lhes

um programa de mudanças que contemplasse seus interesses, mesmo que parcial

ou temporariamente. Com relação às eleições de 1988, afirma que

[...] o PT deve procurar, com base em seu programa democrático e popular, [...] estabelecer alianças, sempre mantendo sua independência e sua proposta socialista.233

Refletindo sobre o mesmo tema, Eduardo Jorge234 afirmou:

[...] o princípio maior que deve nortear a realização de alianças estratégicas e táticas pelo PT é o do respeito à sua independência política, ao seu programa voltado para a construção de um Brasil socialista e, finalmente, respeito ao compromisso prático de avançarmos na superação de debilidades que comprometem o potencial de luta da classe trabalhadora brasileira.235

Segundo Eduardo Jorge, o Partido dos Trabalhadores deveria buscar alianças

com todos os partidos que se posicionassem como socialistas e representantes da

231 José Dirceu – então deputado estadual do PT em São Paulo. 232 DIRCEU, J. As alianças e o Partido dos Trabalhadores. 233 Idem. 234 Eduardo Jorge – então deputado federal do PT. 235 JORGE, E. As alianças e o partido dos trabalhadores.

67

classe trabalhadora.236 Contudo, destaca que para o PT, não há alianças

estratégicas com a burguesia, muito embora ressaltasse a importância de trazer a

pequena burguesia para a órbita do partido.

Também no 5º Encontro Nacional, esta questão foi tema de debate.237

Naquele Encontro ficou determinado que em nenhuma aliança tática ou estratégica

o PT deixaria de defender a independência política da classe trabalhadora.238

Entretanto, destaca L. Carvalho, alguns membros do partido, temendo a perda da

independência de classes, defendiam a posição sectária de nenhuma aliança por

acreditarem que a pureza do partido se revelava no seu isolamento político das

demais forças. Para L. Carvalho,

esta é uma concepção absolutamente falsa, que contribui apenas para debilitar a organização e a independência real da classe trabalhadora.239

Assim sendo, diante da crítica de que o PT seria um partido isolacionista e

divisionista das forças de esquerda, a Fundação Perseu Abramo, no livro Partido

dos Trabalhadores – Trajetórias: das origens à vitória de Lula, destaca que, em

1988, o partido

[...] mostrou que também faz alianças, sim, desde que sejam em torno de programas bem definidos: em dez capitais, pelo menos, o PT fez coligação com outros partidos de esquerda [...] além dos apoios táticos recebidos do PDT [...].240

Eleições presidenciais (1989-1998)

a) Eleições presidenciais de 1989

A grande novidade na campanha de 1989 foi o fato de haver, após 21 anos de

ditadura militar, eleições diretas para presidência da república. O movimento pelas

236 Idem. 237 5º Encontro Nacional apud GADOTTI & PEREIRA. Pra que PT: origem, projeto e consolidação do Partido dos Trabalhadores: 137. 238 CARVALHO, L. O PT na construção do futuro: 32. 239 Ibidem. 240 FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO. Partido dos Trabalhadores – Trajetórias: das origens à vitória de Lula: 53.

68

diretas teve início em 1983, quando o primeiro grande esforço coordenado foi um

comício na praça em frente ao Estádio do Pacaembu, em São Paulo. Mais tarde,

uma segunda manifestação, no mesmo estado, contou com a participação de

250.000 pessoas e no Rio de Janeiro mais de um milhão de pessoas invadiram as

ruas pedindo diretas-já.241 Aos poucos, a mobilização foi crescendo por todo país.

As pesquisas mostravam que mais de 80% dos brasileiros eram a favor das eleições diretas (incluindo 75% dos membros do PDS).242

A mobilização por eleições diretas teve grande repercussão dentro do Partido

dos Trabalhadores, gerando efeitos contraditórios e estimulando debates por muito

tempo.

Ao ser derrotada a emenda Dante de Oliveira, que propunha eleições

diretas, líderes do PMDB resolveram construir a Aliança Democrática, uma coalizão

entre o PMDB e a Frente Liberal, formada por dissidentes do PDS que não apoiavam

Paulo Maluf.

O PT considerou o comportamento do PMDB como uma traição. E tentou

levar sozinho a campanha, mas a empolgação do momento havia esfriado. Apesar

do sentimento do público não ter mudado, já não se acreditava mais na

possibilidade de mudanças.

Diante da desaprovação da emenda Dante de Oliveira, o PT recusou a idéia

de que havia apenas duas opções. Enquanto as lideranças do partido opuseram-se

à participação dos deputados petistas no Colégio Eleitoral, os que eram a favor

alegavam que a não participação excluiria os trabalhadores da política.243

Após a ratificação, nas pré-convenções do partido, da posição inicial de não

comparecer ao Colégio Eleitoral, passou-se a discutir sobre o que fazer com os

deputados que pretendiam ir à votação de qualquer forma.

241 KECK, M. PT – A lógica da diferença: 251. 242 Ibidem1. 243 Idem: 252.

69

Naquela altura, os deputados decididos a votar no Colégio eram Bete Mendes, José Eudes e Aírton Soares.244

Surgiu, então, uma controvérsia acalorada para decidir se os três seriam

expulsos. Porém, os deputados em questão renunciaram e saíram do partido.245

Contudo, quando houve a possibilidade de eleições presidenciais diretas, o

PT não alcançou a vitória. De acordo com dados da Fundação Perseu Abramo, no

primeiro turno o candidato petista obteve 16,1% dos votos e Collor obteve

28,5%.246 Apesar da expressiva votação de Lula no 2º turno (37,86%), é Fernando

Collor de Melo, com 42,75% dos votos válidos, quem venceu o pleito.247

Fernando Collor concorreu sob a sigla do minúsculo Partido da Reconstrução

Nacional (PRN) e Lula concorreu sob a coligação denominada Frente Brasil Popular,

formada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), pelo Partido Socialista Brasileiro

(PSB) e pelo Partido Comunista do Brasil (PC do B), tendo como candidato a vice-

presidente José Paulo Bisol (PSB).248

Em sua campanha, Collor enfatizou que acabaria com a corrupção dos

cargos públicos, passando a ser chamado de O caçador de marajás.

Com o apoio da maior rede de televisão brasileira, a Rede Globo, Collor transformou sua juventude, boa aparência e obscuridade política em trunfos de sua campanha [...].249

Naquele momento, Collor era tido como o político que introduziria o Brasil no

contexto internacional, enquanto que os outros candidatos, principalmente Lula,

foram desqualificados pela mídia.250

244 Idem: 253. 245 Ibidem. 246 FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO apud CHAIA, V. Eleições no Brasil: o medo como estratégia política: 48. 247 KECK, M. PT – A lógica da diferença: 187. 248 Os dados sobre a coligação de 1989 foram obtidos no site http://www.ufrnet.br/~mbolshaw/projeto.htm. 249 KECK, M. PT – A lógica da diferença: 185. 250 CHAIA, V. Eleições no Brasil: o medo como estratégia política: 32.

70

A divulgação de um suposto perigo que representaria um governo petista

levou a criação do slogan Sem medo de ser feliz, que era complementado com a

estrofe: Lula-lá, brilha uma estrela. Lula-lá, cresce a esperança [...].

As campanhas do PT sempre trabalhavam com a idéia do medo e da esperança.251

Em 1989, embora o PT continuasse com uma proposta de inspiração

socialista, também reconhecia que o socialismo não poderia ser imposto por

decreto.

Assim, a campanha salientava a necessidade da reconciliação nacional e da formação de um governo nacional e popular.252

Um dos debates, quando das eleições de 1989, foi sobre a atuação e caráter

do PT no Governo Federal. Carlos Eduardo de Carvalho253, então coordenador do

Plano de Ação do Governo - PAG, tinha a preocupação sobre como se daria a

realização desse plano, caso Lula vencesse as eleições. Segundo C. Carvalho,

o governo Lula só poderia ser um passo em direção ao socialismo se demonstrasse sua capacidade de oferecer respostas para os grandes problemas de curto e médio prazos do país, invertendo progressivamente a lógica perversa do capitalismo brasileiro.254 No entanto, afirma C. Carvalho, corria-se o risco da tentação reformista, ou seja, [...] o namoro ou a acomodação com a idéia de que teríamos que, afinal, administrar o capitalismo.255

Sob este aspecto, ele fez a seguinte afirmação:

Porém, a medida que a campanha cresceu e empolgou, em especial após a primeira semana do segundo turno, a necessidade de ampliação da base social acabou empurrando o consenso dos companheiros para a necessidade de políticas amplas e factíveis, capazes de não apenas ganhar nas urnas, ou seja, de ganhar os votos das grandes massas, mas também de articular mais firmemente o espectro de alianças que se desenhava em torno do PT. [...] Diante do significado histórico estupendo que teria a vitória nas urnas, a questão do programa foi mais uma vez obscurecida. Este, que já era um programa de reformas, passou a ser visto essencialmente como um programa capaz de articular a frente. Mais uma vez perdia importância a necessidade de pensar

251 Ibidem. 252 KECK, M. PT – A lógica da diferença: 186. 253 Carlos Eduardo de Carvalho – então membro do grupo de assessoria econômica do Diretório Nacional e coordenador do PAG da candidatura Lula. 254 CARVALHO, C. Tentação reformista – Medo (e gosto) de pecar. 255 Idem.

71

em profundidade a relação deste programa de reformas com nossos objetivos de fundo.

Um exemplo simples: como faríamos para derrubar a inflação e, ao mesmo tempo, defender os salários? Como iríamos encaminhar a reforma agrária e, ao mesmo tempo, viabilizar o aumento imediato da oferta agrícola para atender os mercados urbanos? Como iríamos sanear financeiramente o Estado e, ao mesmo tempo, deslanchar programas sociais de emergência? Questões deste tipo foram pouco discutidas com a direção na reta final da campanha, quando todos os esforços estavam dominados pelo objetivo de ganhar.256

De acordo com Plínio de Arruda Sampaio257, a tarefa do partido consistia

[...] na realização – dentro ainda dos parâmetros do modo de produção capitalista – de reformas estruturais.258

Essas reformas deveriam apontar na direção do socialismo, mas não seriam

ainda transformações propriamente socialistas.

Por outro lado, havia expectativas de um governo mais contundente em

suas realizações. Segundo José Américo Dias259, caso o partido ocupasse a

presidência, seria necessária a adoção de uma tática, a ser desenvolvida em três

níveis fundamentais.

No primeiro, o cumprimento dos pontos mais importantes do Plano Econômico Alternativo de Emergência, em particular a suspensão do pagamento da dívida externa e a renegociação da dívida pública interna. Os recursos daí provenientes possibilitariam a criação em curto prazo do Fundo de Desenvolvimento Social, proposto naquele plano, dirigido ao atendimento de necessidades básicas da população, com habitação, saúde, programas contra a fome, etc. [...] No segundo nível estariam as iniciativas dirigidas à democratização do Estado, com a criação de mecanismos de participação em vários órgãos públicos e nas empresas estatais; [...] medidas destinadas à democratização das decisões do governo, envolvendo consulta a entidades de trabalhadores, sociedade civil, Igreja, partidos e, quando necessário, também consultas diretas à população. [...] O terceiro nível da tática do governo petista envolveria o apoio decidido à luta institucional, que deverá ser travada sob a liderança do PT, voltada para a regulamentação dos direitos constitucionais ainda não disciplinados em lei e o início de uma ampla campanha de massa visando reformar a Constituição. [...] Esta campanha levantaria entre outras, a bandeira da reforma agrária sob o controle dos

256 Idem. 257 Plinio de Arruda Sampaio – então deputado federal do PT. 258 SAMPAIO, P. Sucessão Presidencial – depende da gente. 259 José Américo Dias – então secretário geral do diretório regional do PT-SP.

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trabalhadores, rompimento com a tutela das Forças Armadas, restrição aos monopólios e ao capital estrangeiro e ampliação ao máximo dos direitos sociais e democráticos da Carta em vigor.260

Partindo do pressuposto de que, em 1989, a proposta petista era encarada

por alguns como radical e como uma ameaça, Vladimir Palmeira e Carlos Vainer

afirmavam:

O PT é uma ameaça aos poderosos porque encarna [...] uma proposta de ruptura radical com os acordos e compromissos que impedem os partidos burgueses de alterarem a natureza política e o programa econômico da transição neorepublicana.261

b) Eleições presidenciais de 1994

Em 1994, a grande discussão girou em cima da política de alianças. Segundo José

Dirceu262, em artigo publicado pela revista Teoria e Debate, duas questões

deveriam estar presentes durante o ano de 1993: a elaboração de um programa de

governo para 94 e a política de alianças.263 De acordo com Dirceu,

a questão das alianças é vital para o PT. Sabemos que não podemos e não devemos abrir mão delas.264

Também José Genoino265 defendia a política de alianças como forma de concretizar

as reformas. De acordo com Genuíno,

o PT não fará sozinho as reformas políticas e econômicas necessárias ao nosso país. [...] Esta questão constitui o cerne da necessidade do PT construir uma política ampla de alianças que envolva a esquerda e a centro-esquerda.266

Por fim, em 1994, foi formada a coligação267 Frente Brasil Popular pela

Cidadania, composta pelo Partido dos Trabalhadores (PT), pelo Partido Socialista

Brasileiro (PSB), pelo Partido Comunista do Brasil (PC do B), pelo Partido Popular

260 DIAS, J. Governo democrático popular – o passo para frente. 261 PALMEIRA & VAINER. Partido dos Trabalhadores – Ameaçador ou ameaçado?. 262 José Dirceu – então deputado federal do PT. 263 DIRCEU, J. As alianças e o Partido dos Trabalhadores. 264 Idem. 265 José Genoino, então deputado federal do PT. 266 GENOINO, J. Afirmação nacional. 267 Os dados sobre a coligação de 1994 foram obtidos no site http://www.ufrnet.br/~mbolshaw/projeto.htm.

73

Socialista (PPS), pelo Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) e pelo

Partido Verde (PV), tendo como candidato a vice-presidente Aloizio Mercadante

(PT).

No entanto, destaca Rui Falcão268, construir alianças é um dos objetivos do

partido, mas não o único.269 Além disso, Falcão lançou uma outra expectativa sobre

as eleições de 1994. Para ele, se Lula fosse eleito, deveria ter uma relação

transparente com o empresariado, deixando claro que

[...] para que a maioria dos brasileiros possa viver dignamente, os grandes empresários devem perder riqueza e poder.270

Contudo, Ozeas Duarte271 chama a atenção para as dificuldades de um

possível governo do PT, em 1994. Segundo Duarte, diante do debate ideologizado e

das fantasias doutrinárias, faz-se necessária a seguinte pergunta:

Um governo Lula teria condições para realizar mudanças profundas no país nos limites de um mandato de cinco anos, considerando-se a gravidade da crise nacional e a correlação de forças nos planos interno e internacional?.272

Diante disso, Duarte afirma que dificilmente um governo Lula teria condições

de realizar prontamente as reformas estruturais preconizadas pelo PT. Nesse

sentido, a reforma agrária, que era um dos pontos importantes da campanha, é

colocada sob o seguinte ponto de vista:

A reforma agrária, por exemplo, terá de ser abordada já a partir da posse, evidentemente, mas de modo limitado, quem sabe através de medidas tópicas, em áreas de conflito e do desencadeamento lento de um programa de mais longo prazo. Encampá-la plenamente e com radicalidade seria arranjar inimigos demais ao mesmo tempo, expondo-nos perigosamente à derrota. Até mesmo porque uma reforma agrária ampla, associada a uma política agrícola, demandará recursos políticos de monta, inexistentes sem uma prévia recuperação do Estado .273

268 Rui Falcão - então deputado estadual do PT-SP. 269 FALCÃO, R. Debate. 270 Idem. 271 Ozeas Duarte – então membro do Diretório Nacional do PT e integrante da Comissão de Programa de Governo para 1994. 272 DUARTE, O. Sem fantasias doutrinárias. 273 Idem.

74

Sob este aspecto, afirma Duarte, uma campanha politizada, no sentido de

despertar na sociedade uma expectativa de reformas menos contaminadas por

apelos irracionais, deveria fazer parte das preocupações do partido.274

No entanto, após a derrota em 1994, José Dirceu,275 ainda afirmava:

Não adianta o PT e a esquerda chegarem ao governo para fazer a mesma política que a direita, como tem acontecido nos países da Europa. [...] O juro brasileiro não pode continuar sendo dez vezes maior que o juro internacional, pois isso inviabiliza qualquer política de desenvolvimento. A rigor, a medida a ser tomada em relação ao sistema financeiro bancário deveria ser a estatização, mesmo que o privatizasse depois de dois ou quatro anos. Em vez de investir 10, 20, 30 bilhões de reais para salvar alguns bancos, seria melhor comprá-los e operá-los como bancos públicos. [...] É preciso fazer o desmascaramento político-ideológico do modelo neoliberal, manter a luta social, a mobilização e apresentar um processo alternativo ao neoliberalismo.276

Diante da derrota na disputa presidencial, em 1994, Luiz Gushiken,277 em

entrevista à revista Teoria e Debate, aponta para o fato de que, naquelas eleições,

o grande trunfo era o Plano Real, sendo que o principal oponente era o autor desse

plano de estabilização monetária.278

Além disso, em 94 havia uma coalizão da elite brasileira que não existia em 89 e também um quadro político distinto. Não era Collor, era FHC, que é muito mais hábil.279

Diante do plano de estabilidade criado pelo candidato situacionista, assim

como em 1989, um clima de medo foi novamente criado através da divulgação de

que uma possível vitoria do PT representaria a volta da inflação.

Naquele processo eleitoral a mídia trabalhou [...] a favor de FHC e comprou o slogan de campanha do candidato situacionista: defenda o Plano Real.280

A questão internacional e a crise econômica também foram exploradas pela

mídia. Sob este aspecto, o medo trabalhado seria a resistência dos setores

274 Idem. 275 José Dirceu – então presidente nacional do PT. 276 DIRCEU, J. As alianças e o Partido dos Trabalhadores. 277 Luiz Gushiken – então coordenador da campanha de 1998. 278 GUSHIKEN, L. Entrevista – por Rose Spina. 279 Idem. 280 CHAIA, V. Eleições no Brasil: o medo como estratégia política: 35.

75

internacionais com relação ao candidato petista. Ricardo Pelúdio, presidente da

empresa multinacional Continental Grain, expressava sua preocupação da seguinte

forma:

O Lula é um candidato da esquerda radical que não tem uma postura de respeito ao mercado. [...] As bolsas vão entrar em um buraco enorme, despencando no vazio. Vai haver uma corrida contra o dólar e êxodo grande de capitais [...] É isto que me mete medo.281

Além disso, também foi utilizada a estratégia de desqualificar o candidato do

PT, por não possuir experiência para administrar o país.

Aqui o medo é do desconhecido, da liderança sem preparo formal, sem experiência administrativa.282

A estratégia da desqualificação era muito utilizada por Fernando Henrique

Cardoso, candidato da situação. Diante desse entendimento, Lula afirmava que era

um torneiro mecânico capaz de consertar o Brasil.283

A partir da derrota eleitoral de 1994, foi se operando uma mudança nas

posições do PT. Progressivamente, o tema do ajuste fiscal como aspecto central da

política brasileira vai se impondo, tema este percebido como responsável pela

derrota para FHC, apresentado como o grande artífice da estabilização monetária

no país. O êxito do Plano Real representaria um ponto de inflexão na trajetória da

sociedade brasileira e o resultado das eleições expressaria essa ruptura com a

irresponsabilidade fiscal e a inflação ascendente.

c) Eleições presidenciais de 1998

Em 1997, Raul Pont284 retoma a preocupação quanto à realização de alianças. Para

ele, apesar de algumas teses estarem defendendo alianças com o PSDB e com o

281 FOLHA DE SÃO PAULO apud CHAIA, V. Eleições no Brasil: o medo como estratégia política: 35. 282 CHAIA, V. Eleições no Brasil: o medo como estratégia política: 35. 283 Ibidem. 284 Raul Pont – então prefeito de Porto Alegre e membro dos diretórios nacional e estadual do PT-RS.

76

PMDB, esta posição seria um equívoco; expressaria uma submissão, uma derrota

político-ideológica frente à conjuntura. Sob este aspecto, afirma Pont:

A vitória eleitoral para nós tem que ser obtida de outra forma, ou deixará de ser vitória, passará a ser abandono de projeto. [...] É este o enfrentamento que temos que fazer, sem cairmos na ilusão de que a solução é a ampliação do leque de alianças ao ponto de incorporarmos nossos inimigos. Isso descaracterizaria o partido e nosso projeto político-programático; e não conquistaríamos vitórias sólidas. Estaríamos abdicando de fazer aquilo que pode nos dar uma posição realmente segura: a conquista do movimento popular e sindical. [...] Se deixarmos de ser referência de luta, de conquistas parciais, de contraponto político-ideológico, e nos afundarmos na institucionalidade com práticas idênticas às dos nossos inimigos, por que as pessoas confiarão em nós?285

Em 1998, foi formada a coligação286 União do Povo Muda Brasil, composta

pelo PT (Partido dos Trabalhadores), PDT (Partido Democrático Trabalhista), PSB

(Partido Socialista Brasileiro), PC do B (Partido Comunista do Brasil) e PCB (Partido

Comunista Brasileiro), tendo como candidato a vice-presidente Leonel Brizola

(PDT).

No entanto, naquelas eleições, o panorama político estava ainda mais

desfavorável a uma vitória petista. Ao analisar os motivos da derrota em 98, Tarso

Genro287 destacou que os últimos dias do processo eleitoral ocorreram no bojo de

uma aguda crise econômico-financeira mundial. Diante disso, o governo

[...] prometeu medidas duras – evidentemente sem precisar contra quem – [...] em nome da sua capacidade para resolver a crise.288

Sob este aspecto, afirma Genro, a mídia teve um papel de destaque,

induzindo a população a pensar que a crise tinha sua origem devido a problemas

externos e que o Brasil era bem conduzido e estava estabilizado pelo Real. Dessa

forma, amplas camadas da população

285 PONT, R. E agora PT?. 286 Os dados sobre a coligação de 1998 foram obtidos no site http//www.ufrnet.br/~mbolshaw/projeto.htm. 287 Tarso Genro – então membro do Diretório Nacional do PT e coordenador da campanha de Lula 98. 288 GENRO, T. Um confronto “desigual e combinado”.

77

[...] foram colocadas neste processo, entre a mediocridade estável do presente – com um timoneiro capacitado – e a indeterminação do futuro, comandado por um líder político superado e sem experiência.289

Além disso, segundo Tarso Genro, os meios de comunicação afirmavam que

Fernando Henrique Cardoso representava o moderno, o contemporâneo, o

progressista; já Lula representava o atraso, o arcaico, o conservador. Portanto:

[...] uma alternativa [...] de esquerda que oferecia a intervenção estatal, a valorização do mercado interno, um projeto nacional com políticas distributivas e reforma agrária, medidas que, por chocarem-se diretamente com as recomendações do FMI e do Banco Mundial, eram consideradas francamente subversivas em relação aos interesses que o governo FHC representava.290

De acordo com Tarso Genro, quando o modelo FHC mostrou sua impotência

e sua dependência do capital puramente especulativo, a mídia convenceu a

população que o Brasil estava sendo vítima de um ataque externo e que FHC era o

defensor do país.

No interior de uma tormentosa fuga de centenas de milhões de dólares aqui investidos, eles mantiveram o cinismo subliminar de que Lula poderia significar fuga de capitais do país, enquanto FHC significava a estabilidade e o respeito internacional.291

Em 1998, o medo foi novamente utilizado para justificar a necessidade de

manter a política como estava, pois se o governo mudasse poderia provocar um

caos político e, principalmente um caos econômico no Brasil.292

Além disso, com a aprovação da reeleição, a candidatura de Fernando

Henrique Cardoso foi favorecida, uma vez que o candidato situacionista não

precisaria se desincompatibilizar de seu cargo, realizando a campanha eleitoral

sendo ainda o presidente da República.

289 Idem. 290 Idem. 291 Idem. 292 CHAIA, V. Eleições no Brasil: o medo como estratégia política: 37.

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A vitória petista

Ao contrário da eleição presidencial de 1998, que vem sendo insistentemente

analisada como uma eleição que não existiu, como um pleito silenciado pela

mídia,293 um dos aspectos que diferencia a eleição de 2002 é o seu papel de

destaque nos meios de comunicação. Em 2002, mais do que nunca, o Brasil esteve

mergulhado em uma campanha eleitoral midiática.294

Em 2002, campanha em que Luiz Inácio Lula da Silva sempre esteve em

primeiro lugar nas pesquisas eleitorais, foram realizados vários debates com os

candidatos à presidência, nas diversas emissoras de televisão.

[...] Aspecto impensável nos anos de 1994 e 1998 – período em que o candidato da situação Fernando Henrique Cardoso (PSDB), se posicionava em primeiro lugar nas pesquisas eleitorais.295

De acordo com Antonio Rubim, a superexposição das eleições de 2002

repercutiu sobre o interesse dos eleitores, levando o horário eleitoral a subir de

47%, em 1998, para 60%, em 2002.296 Apesar da maior cobertura, a questão da

competência ainda era colocada à candidatura petista, como fator de viabilidade

sobre a sua efetiva chegada à presidência do Brasil.

O desafio de demonstrar capacidade para governar o país implicou no enfrentamento estratégico de, pelo menos, dois atributos, problemáticos em termos eleitorais, ambos associados à anterior imagem pública de Lula: a sua radicalidade e seu despreparo para governar, sendo este último aspecto sobredeterminado pelo preconceito social com relação à falta de diploma universitário de Lula.297

Naquelas eleições, um outro aspecto a ser destacado foi a posição de

instituições financeiras internacionais, que exigiam garantias de pagamento da

293 RUBIM, A. Visibilidades e estratégias nas eleições de 2002: política, mídia e cultura: 9. 294 Ibidem. 295 CHAIA, V. Eleições no Brasil: o medo como estratégia política: 39. 296 RUBIM, A. Visibilidades e estratégias nas eleições de 2002: política, mídia e cultura: 15-16. 297 Idem: 24.

79

dívida e a honra de compromissos financeiros.298 A divulgação do risco Brasil, das

oscilações da Bolsa de Valores e da subida do dólar eram preocupações freqüentes

na mídia.

Dessa forma, rapidamente foi realizada a associação entre a instabilidade

econômica com a candidatura de Lula. Na capa da revista Veja foi estampado o

medo de uma possível vitória petista através da seguinte indicação: Por que Lula

assusta o mercado?299 – ele está olhando para cima e acompanhando o gráfico que

mostra o crescimento da intenção de voto em Lula associado ao crescimento do

risco Brasil.

Após vários acordos e a divulgação de uma carta para esclarecer seus posicionamentos na área econômico-financeira, o PT consegue acalmar o mercado e esta nova situação aparece na capa da revista Isto É: Lula não assusta mais – com a proposta de um capitalismo humanizado, o candidato petista ganha elogios da imprensa conservadora estrangeira, é aprovado no debate da rede Bandeirantes e é aplaudido na Fiesp e na Bovespa, onde antes era um sapo difícil de engolir.300 Lula aparece sorrindo na foto e aparentando tranqüilidade.301

Em 2002, após as seguidas derrotas eleitorais, podemos constatar que o

discurso do PT diferenciou-se de outras épocas. De acordo com a coluna do Jornal

do Brasil, escrita por Dora Kramer, o publicitário Duda Mendonça anunciou a

intenção do PT de despolitizar as próximas eleições.

Duda quer tudo muito leve, muito solto, muito coloquial, muito simpático. [...] É óbvia a idéia de repetir a fórmula aplicada no pleito presidencial, onde uma imagem, uma emoção, uma lágrima, um sorriso valeram muito mais que todas as palavras [...].302

Em entrevista à revista Teoria e Debate, ao ser perguntado sobre o papel de

um possível governo do PT para a história do Brasil, Lula respondeu:

Tenho consciência de que se tratará de uma mudança histórica [...], com grande influência na América Latina e mesmo na geopolítica mundial. [...] Eleger um governo petista significa

298 CHAIA, V. Eleições no Brasil: o medo como estratégia política: 40. 299 VEJA apud CHAIA, V. Eleições no Brasil: o medo como estratégia política: 14. 300 Isto É CHAIA, V. Eleições no Brasil: o medo como estratégia política: 14. 301 CHAIA, V. Eleições no Brasil: o medo como estratégia política: 14. 302 KRAMER, D. A política do papel trocado.

80

acabar com a miséria e com a fome que ainda castigam quase 50 milhões de pessoas em nosso país. Significa possibilitar que a grande maioria do povo brasileiro obtenha cidadania, que os jovens não tenham que enfrentar as incríveis dificuldades que eu e tantas outras pessoas passamos na vida. Melhorar o Brasil significa mudar o rumo, afastando o nosso país da situação de vulnerabilidade a que foi levado pela atual política econômica.303

Em 2002, foi formada a coligação Lula Presidente, composta pelo Partido dos

Trabalhadores - PT, pelo Partido Liberal - PL, pelo Partido Comunista do Brasil - PC

do B, pelo Partido da Mobilização Nacional - PMN e pelo Partido Comunista

Brasileiro - PCB.304 Uma das principais mudanças de orientação do PT, naquelas

eleições, foi a coligação com o PL e a colocação do empresário José Alencar como

vice em sua chapa. Ao ser indagado sobre esta questão Lula afirmou:

Queremos a união de todas as forças políticas que desejam mudar de fato o Brasil. E isso inclui os partidos de centro, que são oposição ao governo. O centro quando não se une à esquerda, não fica no centro – vai para a direita.

Além disso, de um ponto de vista pragmático, o PT ou qualquer outro partido, da oposição ou da situação, praticamente não tem chances de vencer sozinho as eleições presidenciais. Somente com uma ampla aliança que permita concorrer com grande chance de ganhar e, depois, de governar bem, podemos cumprir de fato as promessas de mudança, que não são poucas.305

O programa de governo do PT foi elaborado e apresentado no XII Encontro

Nacional, em dezembro de 2001, em Recife. Em Concepções e diretrizes do

programa de governo do PT para o Brasil foi proposta [...] uma ruptura com o atual

modelo econômico [...]306 através da criação de um novo modelo de

desenvolvimento para o Brasil. Assim sendo, afirmava-se:

Será preciso ousar, rompendo com o conformismo fatalista pretensamente pragmático que sonega os direitos básicos da população [... ].307

De acordo com o documento aprovado em Recife, o neoliberalismo, com sua

indução ao Estado mínimo, não levou à restrição do Estado brasileiro na economia,

303 SILVA, L. Um novo contrato social – Entrevista. 304 Os dados sobre a coligação de 2002 foram obtidos no site http//www.ufrnet.br/~mbolshaw/projeto.htm. 305 SILVA, L. Um novo contrato social – Entrevista. 306 PT. Concepções e diretrizes do programa de governo do PT para o Brasil. 307 Idem.

81

mas fez com que sua atuação fosse concentrada em dois pontos: na criação de

espaços de expansão e lucratividade para as atividades privadas e na preservação

das condições de reprodução do capital financeiro globalizado. Assim sendo,

ocorreram as seguintes implicações:

[...] deslocou para o plano privado decisões e funções de natureza pública, transformou serviços públicos de caráter universal em mercadorias, levou à desregulamentação de atividades essenciais de infra-estrutura, reduziu o horizonte das preocupações econômicas aos aspectos fiscais e monetários de curto-prazo, ignorando os problemas estruturais da economia e deixando apenas para o mercado (como se este fosse capaz de fazê-lo) os investimentos necessários ao desenvolvimento econômico. Em particular, o ideário neoliberal produziu um enorme descaso pelo social, agravando o nível de concentração de renda e ampliando a exclusão social.308

Segundo Concepções e diretrizes do programa de governo do PT para o

Brasil, outro grande problema foi a realização das privatizações. O programa de

privatizações levou à fragilização e a conseqüente desestruturação do Estado

brasileiro. Da mesma forma, a dependência de capitais externos e a manutenção da

elevada taxa de juros tiveram impactos destrutivos sobre as finanças públicas.

Assim sendo, diante desse quadro, o programa petista propôs:

[...] uma verdadeira transformação inspirada nos ideais éticos da radicalização da democracia e da justiça social, não pode restar dúvida de que um governo democrático e popular precisará operar uma efetiva ruptura global com o modelo existente, estabelecendo as bases para implementação de um modelo de desenvolvimento altenativo.309

Desse modo, o novo modelo de desenvolvimento, proposto pelo PT, deveria

articular três eixos: o social, o democrático e o nacional. A transformação do social

no eixo de desenvolvimento significaria mais do que a revalorização dos aspectos

sociais, pois seria necessário incidir também sobre fatores estruturais que

determinam os padrões de apropriação e distribuição da renda e da riqueza. Da

mesma forma, o modelo de desenvolvimento de caráter democrático seria baseado:

[...] num novo contrato social, fundado num compromisso estratégico com os direitos humanos, na defesa de uma revolução

308 Idem. 309 Idem.

82

democrática no país. A alternativa proposta representará uma ruptura com nossa herança de dependência externa, de exclusão social, de autoritarismo e de clientelismo e, simultaneamente, com o neoliberalismo mais recente.310

Já a proposta de desenvolvimento pautada no nacionalismo deveria

[...] amparar-se num Estado forte, dotado de autonomia para a formulação e a gestão da política econômica nacional.311

Assim sendo, foi proposto:

[...] denunciar o acordo atual com o FMI, para liberar a política econômica das restrições impostas ao crescimento [...].312

Posteriormente, na Carta ao Povo Brasileiro, Lula deixa claro que será

necessária um lúcida e criteriosa transição. Na campanha eleitoral de 2002, de

acordo com a Carta, Lula assegura que um possível governo petista respeitará os

contratos e obrigações do país, uma vez que

[...] a margem de manobra da política econômica no curto prazo é pequena [...].313

Assim sendo, a Carta revela uma mudança de postura em relação ao capital

financeiro. Nela, o PT mostra a sua disposição de honrar os compromissos

assumidos pelo país.

Na Carta, como forma de realizar uma possível mudança, o Partido dos

Trabalhadores sugere alternativas econômicas, tais como: fortalecer a política

externa, com o objetivo de promover os interesses comerciais brasileiros; superar a

vulnerabilidade financeira e reduzir a taxa de juros. Assim sendo, Lula afirma: Há

outro caminho possível. É o caminho do crescimento econômico com estabilidade e

responsabilidade social. As mudanças que forem necessárias serão feitas

democraticamente, dentro dos marcos institucionais.314

310 Idem. 311 Idem. 312 Idem. 313 PT. Carta ao Povo Brasileiro. 314 Idem.

83

Em matéria publicada pela revista Veja, passa-se tranqüilidade para os que

temiam mudanças significativas em um possível governo Lula, através das

seguintes afirmações:

É cada vez menor o número de pessoas que duvidam dos compromissos democráticos do Partido dos Trabalhadores e de seu candidato à Presidência. A maneira inequívoca com que Lula se comprometeu durante a campanha a manter intocados os fundamentos da estabilidade econômica também convenceu boa parte do eleitorado, conforme mostram as pesquisas de intenção de voto. Lula é aplaudido nos encontros com banqueiros, empresários e pecuaristas [...].

Durante os últimos meses, Luís Inácio Lula da Silva foi muito firme na definição de suas posições. Ex-operário, ex-líder sindical, a principal figura de um partido fundado com orientação socialista. Lula não hesitou em rever, ponto por ponto, vários itens essenciais de sua cartilha ideológica. Prometeu pagar a dívida externa, cumprir metas do FMI, manter as privatizações.315

Dessa forma, podemos perceber que a imagem de um partido político

dogmático, radical, intransigente foi sendo desconstruída pela imagem de um

partido moderno, negociador, confiável e conciliador.

O lado radical dá lugar ao Lula paz e amor, ao PT light.316

Afirmar que era absolutamente necessária a mudança de orientação adotada

pelo PT, parece ser uma suposição fatalista. Seja como for, o fato é que, dessa vez,

o Partido dos Trabalhadores alcançou seu objetivo de conquistar a presidência da

República, obtendo no primeiro e no segundo turno das eleições presidenciais, o

seguinte resultado:

Presidente da República - Eleições de 2002: Votação Total por Candidato/Partido 1o Turno (%)

ESTADOS

Luiz Inácio Lula da Silva PT (PCB-PL-PMN-PC do

B)

José Serra PSDB

(PMDB)

Anthony Garotinho PSB (PGT-

PTC)

Ciro Gomes

PPS (PDT-PTB)

Zé Maria PSTU

Rui Costa

Pimenta PCO

TOTAL

Rondônia 45,0 20,4 24,5 9,6 0,4 0,0 100,0

Acre 46,8 19,0 17,5 16,6 0,1 0,0 100,0

315 VEJA. Cristãos novos do capitalismo: 38-41. 316 CHAIA, V. Eleições no Brasil: o medo como estratégia política: 44.

84

Amazonas 47,7 15,0 22,4 14,4 0,5 0,0 100,0

Roraima 45,0 12,0 25,0 17,5 0,4 0,1 100,0

Pará 42,3 26,6 20,2 10,7 0,3 0,0 100,0

Amapá 49,9 8,8 26,2 14,6 0,5 0,0 100,0

Tocantins 43,1 34,0 13,8 8,9 0,2 0,0 100,0

NORTE 44,4 22,7 20,8 11,8 0,3 0,0 100,0

Maranhão 40,9 12,1 24,6 22,1 0,3 0,0 100,0

Piauí 46,8 27,3 10,8 14,9 0,1 0,0 100,0

Ceará 39,4 8,5 7,5 44,5 0,1 0,0 100,0

R. G. do Norte

43,7 22,3 17,3 16,4 0,3 0,0 100,0

Paraíba 47,8 29,5 13,6 8,8 0,2 0,0 100,0

Pernambuco 46,4 28,5 18,3 6,6 0,2 0,0 100,0

Alagoas 28,6 29,2 26,1 15,7 0,3 0,0 100,0

Sergipe 44,3 19,9 18,7 16,6 0,5 0,0 100,0

Bahia 55,3 16,9 13,4 14,1 0,3 0,1 100,0

NORDESTE 45,9 19,8 15,4 18,7 0,3 0,0 100,0

Minas Gerais

53,0 22,9 14,4 9,2 0,5 0,1 100,0

Espírito Santo

44,5 20,8 27,0 7,1 0,5 0,1 100,0

Rio de Janeiro

40,2 8,8 42,2 8,0 0,7 0,1 100,0

São Paulo 46,1 28,5 14,1 10,6 0,7 0,0 100,0

SUDESTE 46,5 22,7 20,6 9,6 0,6 0,1 100,0

Paraná 50,1 27,0 14,3 8,1 0,5 0,0 100,0

Santa Catarina

56,6 23,3 12,3 7,2 0,6 0,0 100,0

R. G. do Sul 45,2 32,4 12,0 10,0 0,4 0,0 100,0

SUL 49,4 28,5 12,9 8,7 0,5 0,0 100,0

85

M. G. do Sul

41,5 28,7 15,9 13,5 0,4 0,0 100,0

Mato Grosso

40,6 29,7 15,0 14,4 0,2 0,0 100,0

Goiás 42,1 27,9 19,4 10,2 0,4 0,0 100,0

Distrito Federal

49,1 16,8 18,3 15,3 0,6 0,1 100,0

C. OESTE 43,1 26,2 17,6 12,7 0,4 0,0 100,0

BRASIL 46,4 23,2 17,9 12,0 0,5 0,0 100,0

Fonte: NICOLAU, Jairo. IUPERJ, http//www.iuperj.br/pesquisas/deb

Presidente da República - Eleições de 2002: Votação Total por Candidato/Partido 2o Turno (%)

ESTADOS Luiz Inácio Lula da Silva PT(PCB-

PL-PMN-PC do B) José Serra PSDB

(PMDB) TOTAL

Rondônia 55,6 44,4 100,0

Acre 60,3 39,7 100,0

Amazonas 69,9 30,1 100,0

Roraima 65,6 34,4 100,0

Pará 52,7 47,3 100,0

Amapá 75,5 24,5 100,0

Tocantins 54,0 46,0 100,0

NORTE 58,2 41,8 100,0

Maranhão 58,5 41,5 100,0

Piauí 60,7 39,3 100,0

Ceará 71,8 28,2 100,0

R. G. do Norte 58,6 41,4 100,0

Paraíba 57,0 43,0 100,0

Pernambuco 57,1 42,9 100,0

Alagoas 43,6 56,4 100,0

Sergipe 57,5 42,5 100,0

86

Bahia 65,7 34,3 100,0

NORDESTE 61,5 38,5 100,0

Minas Gerais 66,4 33,6 100,0

Espirito Santo 59,4 40,6 100,0

Rio de Janeiro 79,0 21,0 100,0

São Paulo 55,4 44,6 100,0

SUDESTE 63,0 37,0 100,0

Paraná 59,2 40,8 100,0

Santa Catarina 64,1 35,9 100,0

R. G. do Sul 55,8 44,2 100,0

SUL 58,8 41,2 100,0

M. G. do Sul 55,1 44,9 100,0

Mato Grosso 54,5 45,5 100,0

Goiás 57,1 42,9 100,0

Distrito Federal 62,3 37,7 100,0

C. OESTE 57,3 42,7 100,0

BRASIL 61,3 38,7 100,0

Fonte: NICOLAU, Jairo. IUPERJ, http//www.iuperj.br/pesquisas/deb

No primeiro turno, como se pode observar pelos dados dos quadros

apresentados, o candidato petista obteve a expressiva votação de 46,4% dos votos

e José Serra, o segundo colocado, obteve 23,2% dos votos. No segundo turno,

também foi grande a margem de vantagem entre o candidato petista e seu

opositor.

Lula foi eleito por uma ampla maioria, obtendo 61% dos votos (53 milhões de eleitores), contra os 38% de votos de seu principal competidor, José Serra, o candidato do governo [...].317

317 DINIZ, E. Democracia, governo Lula e desafios atuais.

87

Após as eleições de 2002, o quadro político318 no Congresso Nacional foi

constituído da seguinte forma:

Câmara de Deputados Senado Federal Partidos

N % N %

PT 91 17,7 14 17,3

PDT 21 4,1 5 6,2

PSB 22 4,3 4 4,9

PPS 15 2,9 1 1,2

PC do B 12 2,3 - -

PV 5 1,0 - -

Esquerda 166 32,4 24 29,6

PMDB 74 14,4 19 23,5

PSDB 71 13,8 11 13,5

Centro 145 28,2 30 37,0

PFL 84 16,4 19 23,5

PPB 49 9,6 1 1,2

PTB 26 5,1 3 3,7

PL 26 5,1 3 3,7

Prona 6 1,2 - -

Microlegendas 11 2,1 1 1,2

Direita 202 39,4 27 33,3

Bancada de apoio a Lula 218 42,5 30 37,0

Bancada de oposição 204 39,8 31 38,3

Bancadas indefinidas 91 17,7 20 24,7

Fonte: Melo & Anastasia, 2002, pág. 13. Foram classificados como micro legendas os partidos com menos de 5 representantes. Na Câmara PSD (4), PST (3), PMN (1), PSC (1), PSL (1), PSDC (1). No Senado, o PSD com um representante. Foram computadas como indefinidas as bancadas do PMDB, do Prona e dos micropartidos.

318 Quadro consultado através de artigo de BOSCHI, R. Instituições políticas, reformas estruturais e cidadania: dilemas da democracia no Brasil. Via site http://observatorio.iuperj.br/artigos.htm, consultado em 12/12/2004.

88

Através da análise do quadro acima, pode-se perceber o fortalecimento do

PT, despontando como o partido que obteve a maior quantidade de representantes

na Câmara de Deputados (91 cadeiras). De acordo com o quadro, a bancada de

apoio ao governo Lula na Câmara é maior do que a da oposição, contando com 218

aliados contra 204 opositores. Também para o Senado Federal, o PT obteve um

bom número de representantes (14), conseguindo um relativo equilíbrio de 30

senadores aliados contra 31 de oposição.

Na presidência, fará parte da estratégia petista a negociação, objetivando

alcançar o maior número possível de aliados. Ao término das eleições, Lula já

apontava para sua posterior atuação, propondo a realização de um pacto entre as

diversas forças sociais. Em seu pronunciamento, realizado em 28 de outubro de

2002, fica clara a abrangência de sua proposta, que procura agradar a

trabalhadores, classes médias e empresários.

Ontem o Brasil votou para mudar. A esperança venceu o medo e o eleitorado decidiu por um novo caminho para o país. Foi um belo espetáculo democrático que demos ao mundo. Um dos maiores povos do planeta resolveu, de modo pacífico e tranqüilo, traçar um rumo diferente para si. [...]

Mas essa vitória é, sobretudo, de milhares, quem sabe milhões, de pessoas sem filiação partidária que se engajaram nessa causa. É conquista das classes populares, das classes médias, de parcelas importantes do empresariado, dos movimentos sociais e das entidades sindicais que compreenderam a necessidade de combater a pobreza e defender o interesse nacional. [...]

Continuaremos a ter atuação decidida no sentido de unir as diversas forças políticas e sociais para construir uma nação que beneficie o conjunto do povo. Vamos promover um Pacto Nacional pelo Brasil, formalizar o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, e escolher os melhores quadros do Brasil para fazer parte de um governo amplo, que permita iniciar o resgate das dívidas sociais seculares. Isso não se fará sem a ativa participação de todas as foças vivas do Brasil, trabalhadores e empresários, homens e mulheres de bem [...].319

319 FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO. Partido dos Trabalhadores – Trajetórias – das origens à vitória de Lula: 135-138.

89

A vitória petista suscitou muitas indagações em relação às causas e

condições que levaram o PT, após três derrotas eleitorais, a ascender ao Governo

Federal.320 Tais

[...] indagações dizem respeito principalmente ao deslocamento da agremiação rumo ao centro do espectro político-partidário nacional, à adoção de um discurso amplo e agregador [...] e à realização de uma campanha altamente moderna e dispendiosa.321

Ribeiro denomina de variável de deslocamento a migração do PT de uma

posição clara e ideologicamente de esquerda em direção ao centro do espectro

político-partidário nacional. Segundo Ribeiro, o deslocamento do partido pode ser

observado já no primeiro turno das eleições de 2002, quando da aliança com um

partido centrista – o Partido Liberal – o que atraiu o apoio de uma significativa

parcela do empresariado e das classes médias que relutavam em aderir a Lula.

O deslocamento ao centro, torna-se ainda mais patente, no momento em

que Lula recebe apoio de significativas parcelas do PFL e do PMDB, embora este

último apoiasse oficialmente o candidato situacionista. Este ponto é também

ressaltado por Ribeiro:

Assim, é diáfana a migração do PT rumo ao centro do espectro partidário nacional: primeiro, para conquistar apoios necessários à vitória eleitoral; ulteriormente, para adquirir maioria sólida nas duas casas do Congresso.322

Para entender como foi possível alcançar a presidência em 2002, Ribeiro

analisa a passagem do PT da condição de partido anti-sistema a de legitimador do

sistema. Dessa forma, é fundamental a compreensão de como o PT passou de um

lado para o outro quando da análise de sua chegada ao poder.323 Nesse sentido, o

autor cita Sartori para quem

320 RIBEIRO, P. O PT sob uma perspectiva sartoriana: de um partido anti-sistema a legitimador do sistema. Revista Política e Sociedade: 45. 321 Idem: 45. 322 Idem: 46. 323 Idem: 45.

90

um partido pode ser definido como sendo anti-sistema sempre que enfraquece a legitimidade do regime a que se opõe.324

Segundo Sartori, a oposição não ocorre apenas contra o governo em

exercício, mas ela é apriorística, feita em princípio contra o próprio sistema de

governo através de

[...] um sistema de convicções que não partilha dos valores da ordem dentro da qual opera.325

A negação do partido anti-sistema ocorre de várias formas, podendo ir da

alienação e rejeição total ao simples protesto inconseqüente. No entanto, não se

deve confundir um partido anti-sistema com um partido fora do sistema. Sua

atuação pode acontecer tanto fora como dentro dele,

[...] pela infiltração discreta ou pela obstrução conspícua.326

De acordo com Sartori, os partidos anti-sistema exercem tipicamente uma

oposição irresponsável, isto é, uma oposição em que rejeitam a identificação com o

sistema político e em que não têm preocupação com as promessas e projetos

apresentados, uma vez que as chances de compor o governo e ter que honrar os

compromissos é muito pequena.327

Aos poucos, vai diminuindo a intensidade da atitude anti-sistema e o partido

anti-sistema acaba sendo absorvido pelo sistema político e abandonando seus

projetos de derrubada do sistema e regime vigentes. Quando isto ocorre acontece a

passagem da tendência de deslegitimação do sistema para a tendência de

relegitimação do sistema.

Na análise da trajetória do PT, Pedro Ribeiro utiliza a teoria da mudança

institucional proposta por Panebianco (1990), segundo a qual qualquer mudança

324 SARTORI, G. apud RIBEIRO, P. O PT sob uma perspectiva sartoriana: de um partido anti-sistema a legitimador do sistema: 47. 325 Idem: 48. 326 Ibidem. 327 Idem: 48-49.

91

importante se processa na forma de reações partidárias a fatores ambientais que

incidem sobre a instituição e seus agentes.328

Segundo Panebianco, ao longo do processo de transformação, o partido

passa por três fases: 1) ocorre uma crise interna devido às pressões ambientais; 2)

há uma mudança na composição de forças do grupo dirigente do partido; 3) o novo

grupo hegemônico realiza uma reestruturação organizacional.329

Partindo-se desse pressuposto, podemos observar que, em sua formação, a

concepção antiestatista impregnou fortemente o PT. O novo sindicalismo,

contrapondo-se ao modelo corporativista-estatal criado por Vargas, possuía uma

forte lógica antiestatista. As CEBs – Comunidades Eclesiais de Base – também

privilegiavam uma postura autônoma com relação ao Estado e aos políticos. Os

grupos de esquerda, muitos dos quais atuando na clandestinidade, não poderiam

ter uma atitude amigável com um Estado militarizado. Até mesmo os

parlamentares emedebistas, que ajudaram a fundar o PT, contribuíram para a

concepção antiestatista, na medida em que exerciam oposição ao governo militar.

Segundo Pedro Ribeiro, mesmo tendo dado início à sua participação como

ator institucional-eleitoral, o Partido dos Trabalhadores ainda permaneceu por

muito tempo na condição de maior partido anti-sistema da arena política

nacional.330 Em 1982, com a decepção com as eleições, as tendências mais à

esquerda do partido, provenientes principalmente dos grupos marxista-leninistas,

ganharam força com seu discurso anti-institucional, uma vez que a primeira

tentativa eleitoral petista fracassara.331

328 RIBEIRO, P. O PT sob uma perspectiva sartoriana: de um partido anti-sistema a legitimador do sistema: 49. 329 PANEBIANCO apud RIBEIRO, P. O PT sob uma perspectiva sartoriana: de um partido anti-sistema a legitimador do sistema: 49. 330 RIBEIRO, P. O PT sob uma perspectiva sartoriana: de um partido anti-sistema a legitimador do sistema: 52. 331 Idem: 58.

92

Em resposta a esse avanço, líderes moderados – encabeçados por Lula –

formaram a Articulação dos 113 em 1983, tendo como objetivo estabelecer o seu

domínio sobre a legenda e articular um consenso que expressasse a maioria dos

filiados. Após o 5º Encontro Nacional (1987), o PT passou por mudanças na

correlação de forças entre suas correntes. Até então, o partido poderia ser dividido,

grosso modo:

Entre moderados e radicais, ou entre direita – representada pela Articulação – e esquerda – englobando todos os grupos à esquerda da corrente hegemônica, agora surgia uma força à direita da Articulação, colocando-a pela primeira vez em uma posição verdadeiramente centrista: a Democracia Radical, originada de defecções na esquerda partidária e tendo como maiores líderes Marina Silva, José Genoíno, Eduardo Jorge e Tarso Genro.332

No 7º Encontro Nacional (1990), mesmo sofrendo pressões tanto da direita

como da esquerda, a Articulação obteve a maioria dos delegados. No entanto, no

8º Encontro Nacional (1993), ela viria a sofrer uma derrota inédita. Nesta ocasião,

observa-se a defecção de importantes figuras da Articulação, o que acabou

resultando na criação de um novo grupo, a Articulação de Esquerda, que,

compondo com outros grupos, foi a principal responsável pela guinada do PT à

esquerda em 1993.333 A guinada à esquerda traria amplas conseqüências sobre a

campanha presidencial do ano seguinte.

As novas orientações partidárias impediram o avanço de negociações no sentido da formação de uma coalizão de centro-esquerda para concorrer à Presidência, que poderia envolver principalmente o PT e o PSDB. As novas determinações, de que o partido se unisse somente a forças políticas tradicionais aliadas do PT, como PC do B, PPS e PSB, chegando no máximo às bases do PDT, restringiram sobremaneira o campo de atuação de Lula para a formação das alianças que ele julgava necessárias à vitória.334

Neste contexto, destaca Ribeiro, os erros na condução da campanha e a

posterior derrota no primeiro turno, em 1994, apresentaram-se como formidáveis

332 Ibidem. 333 Tais aspectos são também enfatizados por RIBEIRO, P. O PT sob uma perspectiva sartoriana: de um partido anti-sistema a legitimador do sistema: 58-60. 334 Idem: 61.

93

pressões ambientais que levam à eclosão de uma crise partidária interna, de acordo

com a primeira fase analítica proposta pelo modelo de Panebianco.335

No 10º Encontro Nacional (1995), com o partido em crise, ocorreu a

retomada do poder pela Articulação e demais forças centristas.

Esta união de centro-direita constituiu-se na nova força hegemônica do partido, passando a ser conhecida a partir de então como campo majoritário, em oposição ao campo minoritário esquerdista.336

Segundo Pedro Ribeiro, essa formação do campo majoritário, dentro do PT,

correspondeu à Segunda fase analítica elaborada por Panebianco (1990), típica de

uma partido em transformação, ou seja, a alteração na composição de forças do

seu grupo dirigente.337

A partir de 1995, afirma Ribeiro, o PT

[...] abandonou sua postura de partido anti-sistema ao deixar de ter atitudes que visavam causar impactos simbólicos e deslegitimadores do regime,338

chegando, em 2002, a um partido que consolidava sua postura pró-sistema.

Além disso, houve uma mudança consubstancial na própria composição

social da base petista nos últimos anos:

O crescimento eleitoral do partido em todos os níveis do Executivo e do Legislativo acabou por incrementar a participação interna de servidores públicos nomeados por senadores, deputados federais, governadores, deputados estaduais, prefeitos e edis da sigla, o que ao fim e ao cabo contribuiu sobremaneira para consolidar uma posição pró-sistema em substituição à antiga visão anti-sistema. No 2º Congresso do partido, em 1999, os servidores somavam 49% dos 941 delegados presentes, contra 23% de assalariados do setor privado.339

Apesar de não ter sido proposta do presente trabalho analisar o primeiro

governo petista na presidência do Brasil, alguns questionamentos não podem

deixar de ser levantados.

335 Idem: 62. 336 Idem: 63. 337 Ibidem. 338 Idem: 66. 339 Idem: 68.

94

Um episódio recente, mas que causou repercussão nacional e internacional,

foi a expulsão dos chamados radicais do PT. Por criticarem e votarem contra

algumas propostas defendidas pelo partido, foram expulsos. Diante disso, afirma

Virgínia Fontes:

[...] o PT não está funcionando como partido de esquerda, e sim como qualquer outro partido. [...] Em função disso, ele está pensando em providenciar a expulsão dos radicais.340

Em declaração ao Jornal do Brasil, a deputada federal Luciana Genro afirmou

que a ação dos radicais é coerente com o programa do partido. Luciana afirma:

Quem se submete ao FMI não pode ser considerado praticante da política de esquerda. O que fazemos hoje não é nada mais do que defender bandeiras que até ontem eram de todo partido.341

Após a instalação do PT no governo, o partido vem passando por várias

críticas. O jornalista José Arbex Júnior demonstra sua insatisfação, através das

seguintes afirmações:

O Partido dos Trabalhadores de 2004 é apenas isto: a versão taxidérmica ou mumificada do PT de 1979. Nada há nele que lembre o vibrante espírito do partido criado no calor das manifestações sindicais do ABC, responsáveis pelo aceleramento da queda da ditadura. O PT é hoje uma carcaça ressequida, controlada por burocratas engravatados. Milhares de militantes honrados, que ainda permanecem no partido, por se recusarem a admitir o que está posto diante dos olhos de todos, contribuem para ainda manter um pouco a fábula. Pois é só o que restou: fábula.

Ao contrário do que diz a música de Cazuza, os meus amigos estão no poder – e é isso que causa o maior espanto. Participei, nos anos 70 e 80, de muitas passeatas e manifestações com alguns dos ministros e assessores que agora andam de braços dados com os neocompanheiros Meirelles, Sarney etc., como se fosse a coisa mais natural do planeta.

Alguns daqueles que acreditam nisso há não tanto tempo assim explicam da seguinte forma, hoje, o seu distraído convívio com a elite: os tempos mudaram. Sim: o muro caiu, o socialismo real fracassou, o neoliberalismo triunfou. Nesse quadro, que não fomos nós que escolhemos, é preciso assegurar a governabilidade. [...] É preciso lembrar que Lula conquistou o governo, não o poder. E, além do mais – e agora vem o argumento supremo -, Lula anunciou o que faria o seu governo, na carta aos brasileiros. Nunca escondeu nada.

340 DEMIER, F. As transformações do PT e os rumos da esquerda no Brasil: 123. 341 JB. O País/Política: A4.

95

Bem, se é verdade que o mundo mudou, foi para pior. Não é preciso ser nenhum especialista em política externa para saber o que significa a presença da atual gangue de malfeitores da Casa Branca, nem para entender as dimensões da tragédia africana, e menos ainda para saber que a formação de megablocos significa o aprofundamento da miséria na periferia.

Agora vem a sacrossanta questão da governabilidade, em cujo altar todos os princípios devem ser sacrificados. Pergunta básica: governabilidade para quem? Em nome de que interesses? É incrível ser necessário lembrar que os neocompanheiros representam uma elite que há cinco séculos escraviza o país, e que o PT foi formado para combater essa mesma elite.342

Também César Benjamin343 mostra seu descontentamento, relembrando sua

carta de desfiliação do PT em 1995.344 Naquela época, Benjamin alegava que iria

sair do partido porque havia descoberto que a campanha presidencial de Lula, no

ano anterior, fora financiada por grandes bancos e empreiteiras. Ao comentar sobre

o ocorrido, ele afirma:

Saí do partido. Compreendi que ele jamais seria o mesmo. Lula e seus companheiros íntimos haviam [...] aceito as regras do jogo. O tempo do idealismo ficara para trás.345

No entanto, a partir de um prisma diferenciado, as afirmações de Carlos

Nelson Coutinho346 também nos ajudam na reflexão sobre o PT na presidência da

República.

[...] o governo Lula terá de se equilibrar num estreitíssimo fio da navalha. Por um lado, deve evitar a cooptação pelo atual status quo, à qual já me referi; por outro, não pode sucumbir às tentações voluntaristas (contra as quais Lula parece estar suficientemente vacinado!) de ir muito além do que nos permite a atual correlação de forças. Uma inteligente e razoável pressão à esquerda, vinda dos movimentos sociais e da “esquerda do PT”, será importante para impedir a possibilidade de cooptação; mas um radicalismo insensato, um voluntarismo principista e alheio às exigências das condições objetivas (radicalismo e principismo que, infelizmente, já foram manifestados, publicamente por alguns de nossos companheiros) devem ser enfaticamente evitados. Não hesitaria em dizer que, diante da atual correlação de forças, este redicalismo esquerdista seria um gravíssimo erro político, talvez o maior de todos os que possam ser cometidos.347

342 ARBEX JÚNIOR, J. À sombra de Stalin. 343 César Benjamin – então autor de A Opção Brasileira. 344 BENJAMIN, C. Não esqueçam o que eu escrevi. 345 Idem. 346 Carlos Nelson Coutinho – então professor titular de Teoria Política da UFRJ. 347 COUTINHO, N. Teoria e Debate: 12-13.

96

Segundo José Genuíno,348 o projeto de governo

[...] está sendo executado dentro da idéia de que a eleição não foi uma ruptura, trabalhamos com a idéia de um novo projeto num processo de mudança processual, que combina a eleição com a pressão da sociedade, dentro das regras do jogo.349

Assim sendo, ao ser perguntado sobre o projeto do PT, o atual ministro

Antonio Palocci fala sobre uma possível estratégia de transição para o novo modelo,

baseada em duas premissas:

A primeira é a de que se o povo colocou o PT na presidência do Brasil é porque quer e espera mudanças de rumos. A segunda é que a mudança para um novo modelo não será produto de meia dúzia de decretos presidenciais. É preciso operar uma transição e articular amplas forças sociais que sustentem o novo modelo.350

Seja como for, não é possível realizar um balanço final de um governo que

ainda está em andamento. Daqui a alguns anos, o próprio distanciamento deverá

ajudar a compreender melhor os aspectos positivos e negativos do esperado

governo do operário-presidente.

348 José Genuíno – então presidente nacional do PT. 349 GENUÍNO, J. Debate – por Marina Amaral. 350 PALOCCI, A. Entrevista.

Conclusão

Ao ser criado, o Partido dos Trabalhadores se deparava com um determinado

cenário nacional e internacional. No Brasil, os militares davam a tônica do poder de

Estado e, internacionalmente, ainda havia o embate entre o socialismo soviético e o

capitalismo americano.

Aos poucos, esse quadro foi se modificando. Da mesma forma, também a

proposta petista vai passando por acréscimos e revisões. Além disso, não podemos

deixar de levar em conta as pretensões eleitorais do partido, que levaram seus

integrantes a fazer propostas mais abrangentes, capazes de atrair diversas

camadas sociais, além dos trabalhadores e eleitores de esquerda.

A análise do embate entre as diferentes correntes formadoras do PT, bem

como o acompanhamento da trajetória eleitoral do partido, mostram o gradual

processo de mudança entre 1982 e 2002.

Nesse sentido, para um maior acompanhamento de seu processo histórico,

tentou-se recuperar a origem, o funcionamento e a organização do Partido dos

Trabalhadores.

Além disso, o estudo do perfil e da identidade pestista contribuiu para o

entendimento das convergências e divergências internas do partido, assim como

também para o entendimento dos encaminhamentos adotados posteriormente.

Desde o período de sua formação, havia duas visões em relação à identidade

partidária do PT. Alguns grupos propunham formar um partido socialista aos

moldes marxistas, outros acreditavam que não se deveria definir o tipo de

socialismo a ser implantado, uma vez que o projeto petista seria construído através

da sua própria luta e organização.

Quando de sua participação eleitoral, um primeiro questionamento foi sobre

o risco do envolvimento do partido com a institucionalidade e com os compromissos

98

advindos desse envolvimento. Apesar dessa preocupação, por outro lado, também

havia o desejo de ocupação do espaço institucional.

Sob este aspecto, buscando-se verificar a atuação petista nas eleições, foi

feito um apanhado geral de sua participação, desde 1982 até 1988, destacando-se

os principais embates, estratégias e o crescimento eleitoral do partido. A partir de

1989, o estudo foi dirigido para as eleições presidenciais, realizando-se análises

sobre a forma de organização adotada pelo PT, tendo em vista o seu desempenho

eleitoral.

Portanto, através do exame das diversas disputas eleitorais, a pesquisa

caminhou para o entendimento de que não ocorreu uma mudança brusca nas

orientações do partido. Ao contrário, essa mudança foi resultado de um longo

processo marcado pelo embate entre as diversas correntes existentes no interior do

PT, bem como pelas táticas e estratégias eleitorais do partido, tendo em vista a

conquista do poder político, dentro das regras do jogo democrático.

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Anexos

5º Encontro Nacional do PT – Resoluções sobre o Socialismo

Objetivo estratégico do PT: O Socialismo1

A conquista do socialismo e a construção de uma sociedade socialista no Brasil são

os principais objetivos estratégicos do PT. Isso parece ser consenso tanto em vista

das resoluções aprovadas nas convenções nacionais, quanto da crescente pressão

da militância para que definamos o tipo de socialismo que queremos e

estabeleçamos as relações correspondentes entre nossa luta do dia-a-dia e a luta

mais geral pelo socialismo.

Na luta pelo socialismo é preciso distinguir dois momentos estratégicos que,

apesar de sua estreita relação de continuidade, são de natureza diferente. O

primeiro diz respeito à tomada do poder político. O segundo refere-se à construção

da sociedade socialista sobre as condições materiais, políticas etc., deixadas pelo

capitalismo.

A conquista do socialismo

Para extinguir o capitalismo e iniciar a construção da sociedade socialista é

necessário, em primeiro lugar, realizar uma mudança política radical; os

trabalhadores precisam transformar-se em classe hegemônica e dominante no

poder de Estado, acabando com o domínio político exercido pela burguesia. Não há

qualquer exemplo histórico de uma classe que tenha transformado a sociedade sem

colocar o poder político, o Estado, a seu serviço.

Evidentemente, a construção da sociedade socialista não é algo totalmente

novo e diferente em relação às formas de luta e de organização dos trabalhadores

no seu dia-a-dia atual. Quando falamos que o socialismo e o poder se constróem na

luta cotidiana, estamos nos referindo ao fato de que muitas das formas

econômicas, sociais e políticas da construção socialista surgirão, sem dúvida, da

experiência da luta de classe contra o capitalismo. Muitas dessas formas que hoje

não conseguem desenvolver-se em virtude da opressão capitalista, como as

pequenas cooperativas, as compras comunitárias, as comunidades locais, os

conselhos populares etc., provavelmente encontrarão um campo fértil para crescer

nas novas condições socialistas. Mas as formas de organização fundamentais que

surgem na luta cotidiana no interior da sociedade burguesa e que têm maior

importância para a luta socialista são as que nascem da auto-organização dos

trabalhadores, as formas de luta pelo controle operário nas fábricas (a partir da

1 Apud GADOTTI & PEREIRA. Pra que PT: origem, projeto e consolidação do Partido dos Trabalhadores: 132-138.

104

generalização das comissões de fábrica e empresa) e de controle popular nos

bairros.

Essas formas embrionárias de poder proletário são escolas de auto-

organização e participação política dos trabalhadores, que apontam no sentido da

construção de um socialismo efetivamente democrático, em que o poder seja

exercido pelos próprios trabalhadores e não em seu nome.

Entretanto, essas experiências em si não resolvem a contradição do

socialismo com o capitalismo. Mesmo porque, quanto mais amplas elas se tornam,

maior é a resistência da burguesia dominante à sua existência. Repressão e

concessões em geral se combinam para a burguesia continuar mantendo sob sua

influência ideológica e política as grandes massas de trabalhadores e evitar o

desenvolvimento das experiências populares e as mudanças. Para resolver as

contradições sociais e políticas do sistema capitalista é fundamental que todas

essas experiências de luta e de organização operárias, populares e democráticas

sirvam como eixo de preparação e organização das classes trabalhadoras para a

conquista do poder e a construção da nova sociedade.

Por isso, no enfrentamento cotidiano contra as táticas repressivas e/ou de

concessões da burguesia, os trabalhadores terão que empregar táticas que retirem

as massas da influência da burguesia e as levem a conquistar o poder. Nesse

sentido é preciso distinguir as atividades que partem da situação existente em cada

momento e procuram fazer com que os trabalhadores tomem consciência da

necessidade de conquista do poder, das atividades que destinam à conquista

imediata do próprio poder.

Muitos companheiros não fazem essa distinção, não compreendem o

processo de mediação que deve existir entre o momento atual, por exemplo, em

que as grandes massas da população ainda não se convenceram que é preciso

acabar com o domínio político da burguesia, e o momento em que a situação se

inverte e se torna possível colocar na ordem do dia a conquista imediata do poder.

Dessa forma, seu discurso pretensamente revolucionário não é entendido pela

população e pelos trabalhadores e, em vez de contribuir para a organização e a luta

no sentido da conquista do poder e da construção socialista, a desorganizam e a

transformam na luta de pequenos grupos conscientes e vanguardistas.

Por outro lado, companheiros que consideram inevitável a adoção de uma

via revolucionária para a conquista do poder contrapõem essa escolha à tática dos

movimentos sociais que lutam por reformas. Reforma e revolução são consideradas

por eles como termos e práticas antagônicas. Entretanto, nenhum país que tenha

feito revolução deixou de combinar essas lutas, dando maior ênfase a uma ou

105

outra, de acordo com a situação política concreta. A luta por reformas só se torna

um erro quando ela acaba em si mesma. No entanto, quando ela serve para

educação das massas, através da própria experiência de luta, quando ela serve

para demonstrar às grandes massas do povo de que a consolidação, mesmo das

reformas conquistadas, só é possível quando os trabalhadores estabelecem seu

próprio poder, então ela serve à luta pelas transformações sociais e deve ser

combinada com esta.

Nesse sentido, para definir uma estratégia de luta pelo socialismo não basta

definir a via principal de luta, nem as táticas para conquistar o poder. É preciso, em

especial, ter clareza sobre o inimigo ou inimigos principais contra quem nessa luta

se dirige, as alianças de classes (estratégicas) para derrotar tais inimigos e o

programa de transformação a ser implantado (que serve de base à mobilização

popular e às alianças).

Esclarecer tais problemas na realidade não é algo que possa ser decidido

arbitrariamente. Depende do conhecimento da estrutura social brasileira, das

contradições que existem nessa estrutura e do grau que tais contradições

alcançaram como resultado de todo um processo histórico de lutas. Isso inclui o

conhecimento do papel e da força do Estado burguês e do grau de desenvolvimento

da cultura política dos trabalhadores e, em particular, o conhecimento das

tendências do movimento de cada um desses aspectos e de sua resultante.

Existe um certo consenso ente os militantes e filiados do PT de que a

burguesia é a inimiga principal das mudanças sociais e dos trabalhadores. É uma

certeza intuitiva que resulta da experiência concreta de enfrentamento com a

burguesia. O problema, porém, não é esse. O problema reside no fato de que, por

uma insuficiente análise das classes existentes na sociedade brasileira, muitos

companheiros colocam no campo da burguesia parcelas significativas de pequenos

e microempresários urbanos e rurais e mesmo as camadas assalariadas que não

trabalham diretamente na produção fabril ou agrícola. Com isso, nem levam em

conta que tais camadas possuem profundas contradições com o capital e, por isso,

podem se incorporar à luta por transformações sociais no sentido socialista.

Por outro lado, ao tomar a classe burguesa como inimiga principal,

estratégica, muitos militantes são levados a oporem-se a que se aproveitem as

contradições momentâneas entre os diversos setores da burguesia. Colocam-se

contra qualquer aliança política, tática ou pontual, com alguns desses setores. Mas

o que importa aqui é que tais posturas são reflexos também de um conhecimento

insuficiente ou mesmo de desconhecimento das contradições internas que movem

as classes em sua luta, que muitas vezes podem colocar em oposição diferentes

106

setores da própria burguesia. Esse conhecimento insuficiente é uma das razões

principais que explicam por que o PT, como um todo, ainda não avançou

suficientemente nas definições estratégicas.

Para que o processo de definições estratégicas do PT conte com a

participação democrática dos militantes e filiados é imprescindível que o partido

organize o estudo e o debate sobre as classes e as contradições de classe da

sociedade brasileira; o papel da pequena burguesia rural e urbana; a definição dos

pontos programáticos que garantam a atração dos setores sociais que têm

contradições com a burguesia; a via principal de transformação social e as táticas a

serem empregadas para realizá-la; e a relação entre a estratégia do partido e as

diversas táticas para implementá-la. Estes são problemas colocados pelo atual

avanço da luta de classes do Brasil, que devem ser tratados adequadamente.

Tratá-los não é uma tarefa de alguns intelectuais e dirigentes, ou mesmo de uma

corrente política dentro do partido. Essa é uma tarefa que deve envolver o conjunto

da militância petista.

A construção do socialismo

O desenvolvimento desigual e desequilibrado do capitalismo no Brasil coloca diante

dos trabalhadores uma série de questões relacionadas com a construção socialista

após a conquista do poder. Questões que aparecem desde já em função das

propostas programáticas do PT e das alianças estratégicas que devem ser

realizadas para obter a hegemonia contra a burguesia. Evidentemente, o

desenvolvimento intenso do capitalismo nos últimos trinta anos colocou bases

firmes para o estabelecimento de um sólido setor socialista na economia. As

grandes cooperativas agroindustriais capitalistas, as grandes empresas comerciais e

de serviços e os bancos onde a socialização, com a apropriação privada dos

resultados da produção, permitem sua transformação imediata em empresas

socialistas, estatais ou coletivas.

Por outro lado, subsiste no Brasil um vasto setor que, embora seja em

ampla medida subordinado ao grande capital, procura desenvolver-se com

absorção de mão-de-obra e com atendimento a uma série enorme de bens de

serviços considerados secundários e de baixa rentabilidade. Constituído por milhões

de pequenas empresas, pequenos negócios, serviços e autônomos, desempenha

um papel econômico de grande sistema no atual sistema capitalista brasileiro, o

que obriga a um processo permanente de destruição e recriação desse setor –

papel que deve continuar desempenhando mesmo depois de iniciarmos a

construção socialista no Brasil. Desse modo, um dos aspectos-chave do processo de

construção socialista, mesmo tendo como a parte essencial da economia o seu

107

setor socialista estatal ou coletivo, consiste em conhecer a capacidade de o Estado

atender às reais necessidades sociais e adaptar uma política econômica que

complemente de forma integral aquela capacidade para isso. O único caminho, até

hoje, consiste em permitir que a pequena economia mercantil ainda se desenvolva

em uma certa escala, e que seu próprio desenvolvimento natural e contraditório

conduza à concentração e centralização econômica e sua transformação socialista

por meios administrativos.

A pequena produção serve para que a sociedade desenvolva suas forças

produtivas, contribua para que não haja escassez de bens e serviços e permita

incorporar ao trabalho o conjunto da população economicamente ativa sem

prejudicar a eficiência das empresas socialistas nem a constante redução da

jornada de trabalho. Essa política de desenvolvimento da capacidade produtiva da

sociedade, utilizando todas as forças econômicas, é a base da aliança dos

trabalhadores assalariados com a pequena burguesia urbana e rural. Essa aliança é,

pois, uma questão estratégica referente tanto à destruição do capitalismo quanto à

construção do socialismo.

Evidentemente, essa é uma contradição própria do desenvolvimento das

classes no Brasil, do mesmo modo que é impossível, dadas as atuais condições, que

o socialismo possa extinguir as classes de imediato. O processo de construção

socialista, para alcançar a almejada sociedade igualitária, sem classes, sem

opressão e dominação, vai enfrentar, durante certo tempo, a exigência de

diferentes desigualdades, como herança do capitalismo. E vai obrigar a agir, não no

sentido de extinguir administrativamente as desigualdades, mas de evitar que elas

se polarizem e se tornem antagônicas em relação ao socialismo. Tais contradições

no terreno econômico e social da construção socialista geram diferentes

contradições no terreno da política. Isso nos remete, basicamente, para a relação

do socialismo com a democracia.

Socialismo e democracia

A permanência de diferentes classes e camadas sociais no processo de construção

socialista, por um tempo difícil de prever de antemão, coloca para nós a

necessidade de reconhecer a existência de diferentes expressões políticas na

sociedade socialista. É fundamental compreender que, mesmo que não se

concretizem ingerências externas à coexistência de diferentes partidos e

associações políticas, assim como de diferentes propostas para a construção

socialista, torna extremamente aguçada a disputa política, disputa que pode

polarizar-se e ter conseqüências graves se não forem tratadas como merecem, ou

108

seja, disputas que, na sua maior parte, estão dentro de um mesmo campo

socialista, e não disputas entre inimigos.

O fato de que na Nicarágua, a partir do programa da Frente Sandinista de

Libertação Nacional - FSLN, apesar do cerco imperialista e da oposição militar dos

contras existia liberdade sindical, de organização partidária, de comissões de

empresas, das militâncias, dos comitês populares e que, inclusive, foram realizadas

eleições democráticas, indica a atualidade da relação entre a luta pelo socialismo e

a democracia. Longe de a democracia ser uma concessão, ela é parte componente

de uma revolução viva e fator de combate contra a burocratização.

A ausência de democracia, do direito à livre organização dos trabalhadores,

é contraditória com o socialismo pelo qual lutamos. Ainda mais quando sabemos, a

partir de várias experiências históricas, que essa ausência foi alçada quase que a

um princípio permanente, cujas conseqüências podem ser vistas hoje num certo

impasse que vivem vários países que fizeram a revolução e que está na base, por

exemplo, da luta dos trabalhadores poloneses em torno do Solidariedade, que o PT

tem apoiado. Solidário com as lutas dos povos por sua libertação, o PT defende o

rompimento de relação com o regime racista da África do Sul e com a ditadura de

Pinochet, do Chile.

Além disso é preciso levar em conta que a sociedade brasileira já foi capaz

de desenvolver razoavelmente algumas organizações da sociedade civil que jogam

determinado peso na determinação das políticas do Estado. E de que o Estado

brasileiro, embora tenha se reforçado muito, contando com modernos aparelhos

coercitivos (Forças Armadas, Serviços de Informação etc.) e de concessões e

participação (Legislativos, assistência social, centros comunitários etc.), não tem

condições de se fechar completamente à participação das classes subalternas em

seu interior. Ao contrário, a própria magnitude do Estado moderno brasileiro só é

viável se a burguesia for buscar, na massa das outras classes, os funcionários do

Estado. E se, para conseguir consenso e legitimidade para esse mesmo Estado, for

obrigada a abri, pelo menos formalmente, o Estado à disputa das diversas classes.

Na sociedade civil ocorre algo idêntico. A burguesia construiu organizações

sólidas (Fiesp, ONA, ONI etc) que atuam tanto para manter a hegemonia de sua

classe sobre as outras, quanto para manter o domínio do aparelho do Estado. Em

contraposição a isso, tanto os assalariados quanto as camadas médias da

população também criaram organizações de sociedade civil que participam daquela

disputa pela hegemonia e pelo poder. Em grande medida o movimento

contraditório dessas diversas organizações da sociedade civil (e também dentro

109

delas) em relação ao Estado e à disputa no interior do próprio Estado causa os

avanços e recuos da democracia, sua ampliação e retração.

O PT rejeita a concepção burocrática do socialismo, a visão do partido único,

por considerar incorreta a idéia de que cada classe social é representada por um

único partido, e que outros partidos existentes na sociedade que emergirem de

uma revolução serão necessariamente partidos que representarão interesses de

classes diferentes dos da classe trabalhadora.

Seria ingenuidade supor que, conquistado o poder pelos trabalhadores, essa

situação estaria resolvida. Embora a liquidação da burguesia como classe

compreende também a liquidação de suas organizações civis e de seu Estado,

grande parte das organizações da sociedade civil hoje existentes continuarão

presentes na nova sociedade e não podem (nem devem) ser abolidas por decreto.

Isso significa que no processo de construção do socialismo deverão existir não só

diversos partidos e diversas organizações com o poder socialista serão não só de

colaboração e participação, mas também de oposição.

Nessas condições, o Estado socialista terá que desenvolver esforços tanto

para estabelecer uma legalidade nova, democraticamente construída e válida para

todos, como manter e/ou criar mecanismos de participação e consulta popular nos

mais diferentes níveis e nas relações entre tais níveis. A participação operária e

popular na gestão das fábricas, das granjas e fazendas, dos bairros e conjuntos

residenciais, das comunidades, vilas e distritos, é de suma importância para o

funcionamento de uma extensa democracia de base. Entretanto, talvez essa não

seja a questão-chave da democracia no socialismo. Os problemas mais sérios vão

aparecer nas relações entre os mecanismos democráticos de participação e

consulta na base com os mecanismos de participação e consulta nos níveis

intermediários e superiores do poder.

O projeto socialista pelo qual lutamos, de outro lado, deve incorporar as

perspectivas colocadas pelos diferentes movimentos sociais que combatem

opressões específicas, como os das mulheres, dos negros, dos jovens e dos

homossexuais, e suas expressões ideológicas, em particular o feminismo,

indispensáveis para golpear importantes pilares da dominação exercida pela

burguesia e engajar, em profundidade, a maioria da população brasileira num

processo de transformação revolucionária. Deve, também, integrar movimentos de

âmbitos culturais nacionais ou ambientais que procuram responder às agressões

que o capitalismo realiza contra a população e o meio ambiente, movimentos

anticapitalistas e progressistas que sensibilizam parcelas crescentes do povo. Deve

ainda, incorporar o questionamento de outros mecanismos vitais para a reprodução

110

da dominação de classe. A incorporação dessas lutas no projeto político proletário,

desde hoje, permite barrar o avanço da burguesia, que procura esvaziá-las do seu

conteúdo crítico e questionador de instituições e valores da ordem burguesa.

Sem um tratamento correto dessas questões, no sentido de manter abertos

os canais de participação das massas trabalhadoras no poder de Estado e a

observância dos direitos individuais dos membros da sociedade e, ao mesmo

tempo, garantir a existência do Estado socialista como instrumento fundamental

para a construção socialista, será impossível transformar as liberdades políticas e a

democracia formal, próprias do capitalismo, nas liberdades e na democracia real

que deve ser própria do socialismo.

111

Concepção e diretrizes do programa

de governo do PT para o Brasil2

A ruptura necessária

1. A implementação de nosso programa de governo para o Brasil, de caráter

democrático e popular, representará uma ruptura com o atual modelo econômico,

fundado na abertura e na desregulação radicais da economia nacional e na

conseqüente subordinação de sua dinâmica aos interesses e humores do capital

financeiro globalizado. Trata-se, pois, de propor um novo modelo de

desenvolvimento para o Brasil. Será preciso ousar, rompendo com o conformismo

fatalista pretensamente pragmático que sonega direitos básicos da população e

resgatando os valores éticos que inspiraram e inspiram as lutas históricas pela

justiça social e pela liberdade. Será necessário, de igual modo, avaliar com

objetividade as restrições e potencialidades do atual quadro sócio-político e

econômico do país, para evitar um voluntarismo que poderia frustrar a proposta de

transformação da economia e da sociedade brasileiras.

2. As profundas desigualdades econômicas, sociais e políticas, a situação periférica

de nosso país no contexto internacional deitam raízes no passado escravista e

colonial. Mais recentemente, o período desenvolvimentista, iniciado nos anos 1930,

colocou na agenda o tema de um projeto nacional. Na prática, o modelo nacional

desenvolvimentista propiciou altas taxas de crescimento econômico, a montagem

de uma relevante estrutura industrial e a integração de um mercado interno de

porte considerável. Simultaneamente, tal modelo acarretou o aumento da

concentração de renda, da terra e da riqueza em geral, a consolidação, sob novas

modalidades, da posição estratégica do capital estrangeiro na economia brasileira,

o aprofundamento das disparidades regionais e longos períodos autoritários,

entremeadas por várias tentativas de golpes.

3. Ocorreram, por outro lado, recomposições nas relações de poder e dinheiro, mas

nunca rupturas efetivas, com a acomodação e a permanência de todos os setores

dominantes, fossem atrasados ou modernos. Nesse sentido, o Estado brasileiro, a

despeito de uma presença marcante na vida econômica e social, ousou arbitrar

perdas para ao menos uma parte dos interesses dominantes. Diante de impasses

econômicos, o Estado, aproveitando conjunturas internacionais favoráveis,

comandava processos de fuga para a frente, reiterando ou aprofundando a

2 PT. Concepção e diretrizes do programa de governo do PT para o Brasil. http://www.mercadante.com.br/noticias/noticia_42.html, acesso em 30 nov. 2003.

112

dependência externa (tecnológica e, sobretudo, financeira). Com a emergência da

crise da dívida externa, no quadro da globalização financeira e da nova revolução

tecnológica, selou-se o esgotamento do modelo nacional desenvolvimentista,

caracterizado pelo binômio dependência e desenvolvimento.

4. Após a primeira década perdida (os anos 1980), e frente aos avanços das lutas

sociais no contexto da redemocratização, a década de 1990 se inicia com uma

reação conservadora de inspiração neoliberal. O ideal do mercado auto-regulador,

que tende a submeter a natureza e a vida das pessoas à lógica do mercado, induz à

proposta do Estado mínimo. Mas isto não levou à restrição da ação do Estado na

economia, e sim à mudança substancial de seu caráter, concentrando-se

fundamentalmente em dois aspectos: a criação de espaços de expansão e

lucratividade para as atividades privadas e a preservação das condições de

reprodução do capital financeiro globalizado.

5. Tal concepção teve diversas implicações: deslocou para o plano privado decisões

e funções de natureza pública, transformou serviços públicos de caráter universal

em mercadorias, levou à desregulamentação de atividades essenciais de infra-

estrutura, reduziu o horizonte das preocupações econômicas aos aspectos fiscais e

monetários de curto-prazo, ignorando os problemas estruturais da economia e

deixando apenas para o mercado (como se este fosse capaz de fazê-lo) os

investimentos necessários ao desenvolvimento econômico. Em particular, o ideário

neoliberal produziu um enorme descaso pelo social, agravando o nível de

concentração de renda e ampliando a exclusão social.

6. O programa de privatizações, concebido à margem de uma visão estratégica de

desenvolvimento nacional, sem um marco regulatório adequado, e ante a

fragilização do Estado, debilitou a infra-estrutura, comprometendo a

competitividade sistêmica e o potencial de crescimento da economia. Provocou,

também, uma elevação nos preços relativos de bens públicos importantes, como

energia elétrica, telefonia e transporte. Em razão do encarecimento, esses bens

passaram a pesar mais na renda de amplas camadas da população, especialmente

a mais pobre. De mais a mais, se o problema alegado pelo governo era o de

escassez de recursos, foi incoerente privatizar os ativos existentes, ao invés dos

novos investimentos. Em suma, as privatizações foram um grande negócio,

patrocinado pelo governo federal, de transferência de um patrimônio público

acumulado pelo Brasil durante décadas para grupos privados nacionais e

estrangeiros: na ausência de uma visão estratégica, perdemos o controle sobre

insumos básicos da economia e, com isso, perdemos também competitividade.

113

7. Uma das principais conseqüências dessas políticas foi a desestruturação do

Estado brasileiro e a limitação de sua autonomia na formulação e gestão da política

econômica. Isso se deu através de dois vetores: a deterioração de sua base

financeira e de sua capacidade operacional e de investimento, resultante dos efeitos

das políticas de abertura e desregulamentação radicais da economia; e o

esvaziamento de suas funções de apoio e orientação do desenvolvimento,

decorrente da super-valorização do papel do mercado na direção e regulação da

economia.

8. A dependência de capitais externos e a manutenção de uma taxa de juros

extremamente elevada, resultantes daquelas políticas, tiveram impactos

destrutivos sobre as finanças públicas, produzindo um volumoso endividamento do

Estado e transformando os juros no principal vetor do déficit público (embora a

carga tributária tenha-se expandido bastante no período). As políticas de ajuste

adotadas em função dos acordos com o FMI, ao invés de eliminarem a propensão

ao endividamento, levaram a priorizar o pagamento dos encargos financeiros da

dívida pública, com o sacrifício dos investimentos em infra-estrutura, em ciência e

tecnologia, e dos gastos sociais do Estado.

9. Uma característica central do modelo implantado nos anos 1990 diz respeito à

dependência e à vulnerabilidade externas da economia brasileira. As políticas de

abertura comercial e financeira sem reciprocidades, iniciadas pela administração

Collor e radicalizadas pelo governo FHC, cujos efeitos foram amplificados pela

sobrevalorização da taxa de câmbio no período de 1994/1998, agravaram

extraordinariamente a crônica dependência da economia brasileira ao capital

estrangeiro. Por um lado, destruíram o saldo comercial, elevaram o coeficiente de

importações da economia e expandiram gastos com serviços não financeiros,

principalmente turismo e fretes; por outro, aumentaram o passivo externo - devido

à expansão do endividamento externo privado e do crescimento do estoque de

capital estrangeiro - e seus encargos financeiros, sem gerarem, em contrapartida,

efeitos relevantes em termos de aumento da capacidade produtiva e de exportação

do país.

10. Nesse contexto, a estabilidade de preços - única prioridade do atual modelo

econômico - foi alcançada com o sacrifício de outros objetivos relevantes, como o

crescimento econômico, o nível de emprego, a solidez das finanças públicas e das

contas externas. Optou-se, uma vez mais, por uma fuga para a frente,

aproveitando-se de uma conjuntura internacional vinculada a abundante oferta de

capital financeiro, sobretudo especulativo. Em contraste (desvantajoso) com o

período desenvolvimentista, o país experimentou uma segunda década perdida,

114

caracterizada pela dependência externa sem desenvolvimento. No século XX,

somente os governos de Venceslau Brás na Primeira Guerra Mundial, Washington

Luiz na crise de 1929 e governo Collor fizeram o país crescer menos que o período

de FHC, o qual apresenta uma taxa média de 2,3% do PIB ao ano.

11. Ao elevar as necessidades de financiamento externo a níveis críticos e abolir as

restrições ao movimento de capitais, as políticas aplicadas transformaram a

dependência do capital estrangeiro em um mecanismo de internalização da

instabilidade do mercado financeiro globalizado e de subordinação do

funcionamento da economia nacional às prioridades e interesses dos credores e

investidores externos. Portanto, tais políticas, sobretudo durante os governos FHC,

reforçaram, sob novas modalidades, o caráter passivo e subordinado da inserção do

país na economia mundial. Nessas condições, as mudanças no cenário internacional

e as debilidades estruturais internas convergem no sentido de transformar a

recessão no instrumento privilegiado de ajuste da economia.

12. No plano internacional, diante dos debilidades do Mercosul - agravados pela

profunda crise argentina - uma questão essencial diz respeito à proposta dos

Estados Unidos de conformação da Área de Livre Comércio das Américas - Alca. No

âmbito comercial, a assimetria de recursos, de capacidade tecnológica, de escalas

de produção e de sistemas de proteção anulariam as eventuais vantagens da

expansão do intercâmbio com os Estados Unidos, inclusive porque, no melhor dos

casos, esta tenderia a reforçar nossa especialização em atividades tradicionais de

baixo conteúdo tecnológico. A Alca, porém, é muito mais que uma proposta de

acordo comercial, abrangendo todos os aspectos chaves da economia - tais como a

desregulamentação dos fluxos de capital, a proteção a investimentos estrangeiros,

a abertura dos serviços - inclusive nas áreas de cultura e comunicação - e das

compras governamentais ao capital estrangeiro, além da regulamentação da

propriedade intelectual.

13. Ficariam de fora, apenas, o mercado de trabalho e o acesso às tecnologias

monopolizadas pelas corporações e pelo Estado norte-americano. Nesse sentido,

uma adesão a esse acordo, tal como está sendo proposto, representaria, de fato, o

aprofundamento do movimento de abertura e desregulamentação econômica e

financeira em curso, que conduziu ao debilitamento político do Estado nacional

brasileiro, à desnacionalização e à fragilização de sua economia, bem como ao

agravamento da questão social. A recente aprovação, pela Câmara dos Deputados

dos Estados Unidos, dá autorização para que o Executivo negocie acordos

comerciais que o Congresso só pode aprovar ou rejeitar em bloco (o chamado fast

track), confirma com clareza tal visão. A inclusão de cláusulas restritivas a

115

transferência de tecnologia e a flexibilização sobre patentes, e outras que retiram

de governos nacionais (como o Brasil) poder para regular investimentos, ao lado da

retirada do campo de atuação do Executivo de itens relevantes de negociação,

como os subsídios à agricultura e as regras anti-dumping, são exemplos destacados

disso.

14. No plano político interno, destaque-se, de início, a preocupante situação do

federalismo brasileiro. Num país como o Brasil, de grandes dimensões territoriais,

marcado por uma importante diversidade cultural e por profundas desigualdades

regionais, a origem histórica do federalismo - na República Velha - esteve ligada a

um pacto das oligarquias regionais. O coronelismo, longe de se restringir ao poder

local, era na verdade um sistema político que integrava, através das trocas de

favores, os chefes políticos locais, as oligarquias regionais e o governo federal, sob

o comando das segundas. Hoje em dia, o sistema político é outro. Ele guarda,

porém, relevantes características herdadas de sua origem.

15. O presidencialismo brasileiro possui um viés centralizador e autoritário.

Ademais, o governo precisa recontratar, a cada momento, os termos de apoio de

sua base parlamentar. Os governantes de estados mantém importante peso político

- inclusive porque costumam comandar os parlamentares federais aliados em seus

estados. Cruzando tais relações, boa parte dos deputados federais se sustenta a

partir de apoios de lideranças locais, em especial prefeitos. A tônica das relações

políticas continua a se basear no clientelismo, daí derivando uma forte tendência

governista. Trata-se, pois, de um sistema político no qual a troca de favores opera

de cima em baixo, do âmbito federal ao local, passando pelo estadual. A coalizão

conservadora montada pelo governo FHC comanda tal sistema a partir do centro.

16. Nos anos 1990, ademais, o governo federal levou a efeito um processo de

reconcentração de recursos e de desconcentração de atribuições, em reação à

constituição de 1988. Assistiu, em geral de forma passiva, a generalização da

guerra fiscal de cunho predatório entre estados e municípios. E submeter todas as

instâncias federativas aos critérios e prioridades da política macroeconômica

através da Lei de Responsabilidade Fiscal que, apesar dos aspectos necessários ao

controle fiscal, tolhe elementos importantes de autonomia dos entes federados,

engessando, em alguns casos, os investimentos em políticas sociais. Enquanto isso,

observa-se uma solene omissão no que diz respeito a políticas macro-regionais e a

políticas micro-regionais (em particular, nas áreas metropolitanas). O produto

dessa perversa combinação entre sistema político centralizador e clientelista e

individualismo da guerra fiscal (que negam a cidadania e a cooperação federativa)

tem sido o aprofundamento das disparidades regionais e dos problemas urbanos.

116

17. Do ângulo de nossa cultura política, a presença, no âmbito privado, da força da

intimidade, das relações familiares e de amizade, do calor das relações pessoais -

uma das marcas da cultura nacional - tem sido historicamente metamorfoseada, no

âmbito público, em relações patrimonialistas, clientelistas, na tendência à

conciliação. Tratam-se de elementos de privatização do público, de formas de

compensação social privadas que contribuem para legitimar as inaceitáveis

desigualdades do país, produzindo uma atrofia da esfera pública democrática,

espaço por excelência de luta por direitos de cidadania. Tais características de

nossa cultura política - convém lembrar - são alimentadas pela presença de

relações formalmente democráticas. Daí, pois, o ressurgimento com vigor do

clientelismo no momento da redemocratização, isto é, em simultâneo ao avanço

das lutas e conquistas sociais na década de 1980.

18. Não é casual, portanto, que nos anos 1990 a reiteração do patrimonialismo

(apropriação privada de recursos públicos), sob o olhar mais vigilante de meios de

comunicação, venha produzindo uma coleção de casos de corrupção e problemas de

ética política. Nem tampouco que a persistência do clientelismo, aliada à limitação

de recursos para o social, apresente-se como forte obstáculo à implementação de

políticas públicas de caráter universal.

19. Há, porém, um agravante: a coalizão conservadora no poder (sobretudo

durante os governos FHC), ao assumir as teses do consenso neoliberal, atuou no

sentido de tornar mais graves os processos de privatização do público. De um lado,

em sua face mais visível, implementou amplo programa de privatização do setor

produtivo estatal. De outro, ao combater direitos sociais e trabalhistas, taxando-os

de custo Brasil, procurou desqualificar as próprias reivindicações por direito na cena

pública, com o sentido de despublicizá-los - haja vista os ataques aos movimentos

sindicais e sociais, a desativação das câmaras setoriais, etc.

20. No nível da ação estatal, iniciativas isoladas de instituir novos procedimentos de

gestão pública caíram no vazio, em face das investidas de desvalorização do serviço

público (e dos servidores públicos em geral), da desestruturação dos mecanismos

de planejamento e das decisões de cunho clientelista (próprios da ampla coalizão

de poder). Por exemplo, em programas que supõem a integração entre diferentes

ministérios, as decisões são tomadas por estes de modo isolado e, em muitos

casos, com base em critérios de trocas de favor.

21. Esta é, em suma, a difícil herança - do passado histórico e sobretudo do

período mais recente - com a qual nos defrontamos. Para quem defende, não uma

mera continuidade sem continuísmo, pela adoção de uma política

desenvolvimentista que agrega o social como acessório, mas sim uma verdadeira

117

transformação inspirada nos ideais éticos da radicalização da democracia e da

justiça social, não pode restar dúvida de que um governo democrático e popular

precisará operar uma efetiva ruptura global com o modelo existente, estabelecendo

as bases para a implementação de um modelo de desenvolvimento alternativo.

22. Tal projeto deverá incorporar o combate à dependência externa e a defesa da

autonomia nacional; terá o social como referência central do desenvolvimento - ou

seja, o desenvolvimento sustentável (inclusive ambientalmente) incorporará em

sua própria dinâmica interna a distribuição de renda e de riqueza, a geração de

emprego e a inclusão social; e buscará criar condições, de modo permanente, para

a democratização do Estado e da política. Sua implementação só será possível a

partir da constituição de uma nova coalizão de forças que rompa com os sucessivos

pactos conservadores que vêm dominando o país há décadas. É hora de ousar, pois

é em momentos de grandes mudanças mundiais, como este, que se abrem novas

possibilidades para os países da periferia do sistema, como o Brasil, conquistarem

uma posição de inserção soberana no mundo.

As bases de um programa democrático e popular para o Brasil

23. O novo modelo de desenvolvimento brasileiro deverá articular três eixos

estruturantes: o social, o democrático e o nacional. Por um lado, sendo a

democracia concebida como meio e como fim, como procedimento e como

conteúdo - e portanto muito mais que um regime político - o democrático é

inseparável do social. Por outro lado, historicamente, as coalizões políticas que têm

governado o país fizeram-no sustentadas na dependência externa e, internamente,

fechando-se sobre si mesmas, de modo autocrático; daí que o democrático seja

indissociável do nacional. Por fim, se o processo de globalização em curso não

estabelece fronteiras para as mercadorias e para o capital (que se concentram em

poucos países), os povos, em particular os mais pobres, continuam obrigados a

viver no território do seus próprios países; por isso, a questão social é inseparável

da questão nacional.

I. O social

24. Os modelos de desenvolvimento anteriores sempre relegaram o social a um

plano secundário e residual, o que se expressa na permanência de índices

inaceitáveis de pobreza e desigualdade na distribuição da renda e da riqueza. A

reversão desse quadro é o ponto de partida para o estabelecimento de uma nova

dinâmica de desenvolvimento. No entanto, ela não depende apenas da retomada do

ritmo de crescimento da economia ou da manutenção de certo grau de estabilidade

dos preços internos. Embora a estagnação econômica e o descontrole da inflação

tendam a penalizar os segmentos com menor capacidade econômica da sociedade,

118

a miséria e a desigualdade, na nossa experiência histórica, têm aumentado

também em períodos de crescimento ou de relativa estabilidade de preços.

25. A transformação do social no eixo do desenvolvimento significará, também,

mais do que a revalorização dos aspectos sociais - como a fome, a educação, a

saúde, o saneamento, a habitação e a cultura. Por um lado, será necessário incidir

sobre fatores estruturais que determinam os padrões de apropriação e distribuição

da renda e da riqueza, como as relações da propriedade da terra e do capital, as

relações de trabalho, as modalidades de organização e de integração dinâmica do

sistema produtivo, o caráter do Estado e suas conseqüências na tributação e no uso

dos recursos públicos.

26. Por outro lado, a materialização de mudanças na estrutura de distribuição de

renda e riqueza só será possível se as medidas redistributivas adotadas forem

acompanhadas por transformações na produção e no investimento que as orientem

para um amplo mercado de consumo de massas. Por isso, os programas de

investimento nos setores sociais devem ser concebidos como verdadeiros vetores

de crescimento e transformação da economia.

27. O novo modelo de desenvolvimento subordinará, pois, a dinâmica econômica

aos objetivos e às prioridades macro-sociais que, no atual estágio do país, são

fundamentalmente três: a) a inclusão de 53 milhões de brasileiros, sub-cidadãos

que sobrevivem em condições de extrema precariedade, sem acesso aos bens e

serviços essenciais a uma vida minimamente digna; b) a preservação do direito ao

trabalho e à proteção social de milhões de assalariados, pequenos e médios

produtores rurais e urbanos, inativos de baixa remuneração e jovens que buscam

ingressar no mercado de trabalho (todos ameaçados pelas tendências excludentes

do atual modelo econômico); e c) a universalização dos serviços e direitos sociais

básicos, com a elevação progressiva da qualidade dos serviços prestados e o

crescente envolvimento da população na sua gestão. Em paralelo, o novo modelo

deverá incorporar, também, um caráter ambientalmente sustentável, levando a

uma ocupação mais racional do espaço, sobretudo dos recursos naturais e das

fontes de água e energia.

28. Avançar em direção a esses objetivos implicará um persistente esforço de

crescimento econômico e de ampliação da capacidade de geração de emprego, de

expansão e redirecionamento do gasto público e de democratização dos direitos de

propriedade e utilização da terra e do capital, no campo e nas cidades, inclusive

através do fomento da economia solidária. Implicará também elevar

progressivamente o piso de remuneração da força de trabalho, para transformar o

119

salário-mínimo em um salário básico compatível com a satisfação das necessidades

essenciais de cada família.

29. Os movimentos de expansão de consumo e da produção devem ser

sincronizados e implementados de forma progressiva e sustentável, para limitar a

geração de pressões sobre os preços e as importações e para favorecer a

internalização dos efeitos retroalimentadores da expansão da demanda sobre o

emprego, a produção e os investimentos. A adequação da capacidade produtiva

existente ao aumento do potencial de consumo de amplos setores da população

envolverá, ao lado dos citados programas de investimentos nas áreas sociais (como

habitação, saneamento e serviços públicos), dois aspectos centrais.

30. Em primeiro lugar, será ampliada a produção de bens de consumo popular -

bens tradicionais, como calçados, têxteis, móveis - e, em particular, os alimentos,

cuja elasticidade da demanda frente a políticas redistributivas (isto é, para baixos

níveis de renda) costuma ser bastante elevada; a organização do abastecimento

desses bens, fator crítico no caso dos alimentos, será fundamental para assegurar a

eficácia no esforço de aumento de produção, o qual requer, por sua vez, a

expansão e a integração da infra-estrutura de serviços básicos. Em segundo lugar,

será necessária a expansão seletiva da oferta de bens produzidos pelos setores

mais modernos e dinâmicos da economia, dado que parte do movimento da

demanda incidirá sobre bens finais manufaturados mais complexos e componentes

de suas cadeias produtivas (com desdobramentos sobre outros segmentos da

economia).

31. Esse padrão de crescimento tenderá a afetar relativamente menos as restrições

externas existentes, uma vez que o coeficiente de importações implícito na

expansão da oferta de bens de consumo populares e serviços de consumo coletivo

é inferior ao coeficiente correspondente ao atual padrão médio de consumo.

Adicionalmente, um aumento na escala de produção de bens de uso generalizado

criará, também, melhoria das condições de competitividade externa dessas

indústrias - algo relevante no quadro de restrição cambial que o país terá de

enfrentar no futuro imediato.

32. Colocar o social como eixo do novo modelo significará, ademais, valorizar de

forma efetiva políticas públicas voltadas a garantir direitos sociais e, mais

geralmente, os direitos humanos. Em primeiro lugar, a reforma agrária é

fundamental para o enfrentamento da crise social e para o fomento da agricultura

familiar. Sua aceleração permitirá, no curto-prazo, elevar o emprego na agricultura

com investimento relativamente baixo e com reduzidos gastos de divisas,

proporcionando segurança alimentar a trabalhadores sem terra e suas famílias. A

120

posterior expansão e integração da produção de alimentos, em paralelo à

consolidação das diversas formas de organização produtiva dos beneficiários,

desempenhará papel relevante na regulação dos fluxos de abastecimento nas

esferas local e regional. A maior eficácia da reforma será alcançada pela ampliação

da participação dos beneficiários em todas as suas fases e pela implantação de

esquemas de financiamento e comercialização que contribuam para a viabilização

econômica das unidades produtivas criadas. É importante registrar, por fim, que o

fim da violência e da impunidade no campo é um compromisso de governo.

33. A habitação popular, além de aspiração legítima, gera muitos empregos,

assegura estabilidade familiar, não tem impacto negativo no balanço de

pagamentos e desencadeia grande impulso na economia. Assumirá, por isso,

condição de prioridade. Um grande desafio será construir uma parceria eficaz com a

iniciativa privada e equacionar a questão do financiamento. Por outro lado, uma

reforma urbana que agilize o acesso à propriedade imobiliária da população de

baixa renda será decisiva: a segurança da propriedade do terreno na periferia das

grandes cidades será fundamental para viabilizar o financiamento imobiliário e

fomentar a construção civil popular.

34. No campo do direito à educação, não é possível tolerar o analfabetismo, num

contexto de tantas exigências no mundo do trabalho e, sobretudo, no próprio

exercício da cidadania. A educação não é mera forma de adestramento da força-de-

trabalho, mas condição para a cidadania. É preciso universalizar o ensino básico e

reduzir a evasão escolar, tendo como preocupação central a qualidade do ensino.

Nesse contexto, é decisiva a elevação substancial da escolaridade média da

população, bem como o fomento ao ensino profissionalizante. As universidades e os

institutos de pesquisa - na qualidade de instituições complexas, que detêm a

síntese da capacidade intelectual, científica e cultural - serão valorizadas e

integradas ao processo de desenvolvimento nacional, haja vista seu papel na

recuperação da capacidade de produção endógena de tecnologia e seu papel crítico

diante da sociedade.

35. A valorização da cultura nacional é um elemento fundamental no resgate da

identidade do país. É preciso, pois, abrir espaço para a expressão de nossas

peculiaridades culturais (inclusive as de corte regional), sem que isso se confunda

com um nacionalismo estreito, mas sim articulado e aberto às culturas de todo o

mundo. Trata-se, na linha de nossa melhor tradição cultural, de resgatar os traços

peculiares de nossa identidade em formas de expressão de cunho universal, isto é,

em diálogo aberto com todo o mundo. É essencial, nessas condições, realizar um

amplo processo de inclusão cultural, garantindo, de forma progressiva, o acesso de

121

toda a cidadania à produção e fruição cultural, bem como a livre circulação de

idéias e de formas de expressão artística. De modo análogo, é importante fomentar

a formação e a prática de esportes e de atividades de lazer, como contribuição à

melhoria da qualidade de vida no país.

36. O sistema único de saúde pública é uma grande conquista da sociedade

brasileira e precisa ser implantado em sua plenitude, incorporando inclusive

modelos de gestão que levem à melhoria da qualidade e à otimização dos recursos

a serem disponibilizados. O acesso da população aos medicamentos essenciais e de

uso continuado, o fomento à produção de medicamentos genéricos e o impulso às

políticas de saúde preventiva, ao lado do fortalecimento de programas como o de

saúde da família, são componentes de um compromisso básico de defesa da vida.

Igualmente relevante será construir um sistema previdenciário universal, até certo

limite de renda - sem qualquer tipo de distinção ou privilégio - abranja toda a

sociedade. À partir desse patamar, serão oferecidos sistemas previdenciários

complementares, públicos ou privado. A melhoria no sistema de arrecadação

tributária e a gestão transparente e tripartite do sistema previdenciário serão

essenciais para reduzir desperdícios e melhorar a qualidade dos serviços prestados.

37. Diante do crescimento assustador da violência, que tem levado à consolidação,

no cotidiano da população, da banalização da vida e da arquitetura do medo, o país

necessita, mais do que nunca, de uma política nacional de segurança pública,

priorizando a segurança da cidadania na qualidade de direito. Um amplo programa

de combate à violência, ao narcotráfico e ao crime organizado supõe uma nova

concepção de segurança pública, envolvendo planejamento, definição de metas e

estratégias, investimentos em qualificação técnica e profissional e incluindo a

integração do sistema policial e uma completa revisão do código penal e do sistema

prisional (inspirado por penas alternativas). Deve ganhar destaque não apenas a

repressão, mas a prevenção da violência. Dada, afinal, a divisão de atribuições, tal

política não poderá prescindir da parceria com estados e municípios.

38. A afirmação dos direitos contra a discriminação, relacionados com raça, gênero,

orientação sexual, condição física ou mental é parte integrante da defesa dos

direitos humanos. Em particular, é preciso implementar políticas de combate à

violência que atinge as mulheres, no lar ou fora dele, bem como as crianças e

adolescentes. Negros e negras são especialmente atingidos por inúmeras formas de

discriminação econômica, social e pela violência. Em complemento às grandes

reformas de combate à discriminação, deve-se romper o silêncio das instituições e

constituir mecanismos de ação afirmativa. Caberá ao Estado, na perspectiva de

resgate da dignidade e da igualdade de direitos, criar condições para a conquista da

122

igualdade de condições e de tratamento que beneficiem os grupos sociais mais

atingidos pela discriminação, como mulheres, a população negra e índia,

homossexuais, pessoas portadoras de deficiência, etc. O estímulo à organização

autônoma e à participação política desses segmentos é parte decisiva de nosso

compromisso estratégico com os direitos de cidadania.

39. A aceleração do crescimento econômico, acompanhada de distribuição de renda

e riqueza, permitirá integrar expressivos contingentes da população brasileira ao

mercado. Uma parcela da população, contudo, que se encontra excluída do acesso,

mesmo que precário, à economia e aos direitos básicos, só seria atingida em

décadas, o que é eticamente inaceitável. A exclusão social é, na verdade,

multidimensional: ela se expressa de modo particular no nível econômico, mas

incorpora também, em geral, as dimensões urbana e rural, cultural, social, política,

manifestando-se tanto em termos objetivos quanto subjetivos. É preciso, pois, criar

condições, proporcionar recursos, para que a população excluída possa transitar

para uma situação de inclusão social. Propõe-se, nesse sentido, um amplo

programa integrado de inclusão social que, superando as abordagens setoriais ou

compensatórias, trate o acesso à inclusão social plena como um direito de

cidadania, em suas várias dimensões. Para tanto, será necessário levar a efeito

uma efetiva integração de políticas, tendo o fortalecimento da família como centro,

e dotado de acompanhamento de resultados e participação direta da população

beneficiária.

40. Ganha relevo, nesse quadro, a instituição de uma renda mínima, associada à

educação (como nos programas bolsa-escola), abrangendo todo o território

nacional, como ingrediente de um programa de complementação de renda familiar.

O programa bolsa-escola nacional do governo FHC - apesar do aumento de

recursos previstos inicialmente, em que a bancada do PT teve papel destacado - é

ainda muito tímido quanto aos benefícios e se sustenta numa visão estanque,

insuficiente do problema da exclusão social. A renda mínima que propomos,

articulada ao programa de inclusão social, deve ser vista como um passo na direção

da implementação - quando houver condições fiscais - de uma renda básica de

cidadania enquanto direito de toda a população brasileira.

41. A instituição de políticas e mecanismos de apoio à economia solidária é

igualmente decisiva. No campo, isso significa distribuir terra e propiciar acesso a

recursos financeiros para a aquisição de ferramentas, sementes, crédito e extensão

agrícola, incorporando ao mesmo tempo a consciência de que a cooperação e a

ajuda mútua são imprescindíveis para o êxito econômico. Nas cidades não é

diferente, sendo preciso estimular a mobilização das comunidades excluídas,

123

capacitando-as a se organizar, cooperar e interagir de modo solidário, além de

fornecer recursos materiais e intelectuais (tecnologias de produção, financeira, de

marketing, gerencial) para poderem competir no mercado. É necessário

proporcionar à economia solidária em construção condições objetivas do se

financiar e criar mercados para a sua produção. Para tanto, o Banco Central, em

colaboração com o BNDES e a Caixa Econômica Federal, deve apoiar ativamente a

constituição de uma rede de crédito solidário, incluindo a formação de cooperativas

populares de crédito.

42. O programa de inclusão social deve incorporar, também, o combate à fome no

país, com a perspectiva de sua erradicação. É preciso, pois, estabelecer uma

política de segurança alimentar, baseada em iniciativas diversificadas, que permita

o acesso a uma cesta básica de produtos que melhore progressivamente com o

aumento da produção e da distribuição de alimentos (especialmente para as

crianças). Fica clara, pois, a complementaridade entre a política de combate à fome

e a mudança estrutural de modelo proposta.

43. O caráter multidimensional da exclusão e da inclusão social conduz, ainda, à

necessidade de integrar ao programa de inclusão social políticas educacionais (em

particular, de alfabetização e de formação profissional), de saúde (como a saúde da

família) e culturais e de lazer, voltadas à criança e ao adolescente. No caso das

cidades, a exclusão urbana tende a se concentrar em favelas e loteamentos

irregulares, razão pela qual são essenciais, também, políticas de habitação popular,

de urbanização de favelas e de regularização fundiária, além de combate à violência

urbana.

44. O financiamento desse conjunto de políticas públicas vinculadas à garantia de

direitos sociais supõe, evidentemente, uma profunda alteração no perfil do gasto

público. Tal alteração, que deve criar um espaço considerável para o gasto social

(assim como para os investimentos em infra-estrutura, ciência e tecnologia),

resultará da implementação global do novo modelo de desenvolvimento - o que

envolve a redução da vulnerabilidade externa e a recomposição das finanças

públicas. De qualquer modo, os recursos à disposição, particularmente no período

inicial, imporão limites à abrangência do conjunto das políticas sociais. Isso exigirá

uma ampla revisão dos programas atualmente existentes para erradicar os

mecanismos de corrupção e desperdício, além de um processo de priorização, para

o qual será fundamental a participação da sociedade.

II. O nacional

45. Um verdadeiro projeto de nação para o Brasil deve incorporar,

simultaneamente, e de modo articulado, um conjunto de atributos: inclusão social -

124

isto é, erigir o social como eixo do desenvolvimento; homogeneização social e

econômica do território do país - ou seja, equacionar a questão federativa,

preservando e valorizando a diversidade das culturas regionais; aprofundamento da

democracia, sustentando uma efetiva cidadania política ativa, abrindo-se para a

sociedade sem recear os conflitos sociais; amparar-se num Estado forte, dotado de

autonomia para a formulação e a gestão da política econômica nacional e da

regulação social dos mercado; enfim, inserir-se da maneira soberana no mundo.

46. A inserção soberana no mundo e a recuperação dos espaços de autonomia na

gestão da economia nacional implica desenvolver políticas dirigidas a reduzir de

modo significativo a dependência e a vulnerabilidade externas, que constituem, na

atualidade, a restrição fundamental para a retomada e sustentação do crescimento

econômico. Isso transcende o alcance das políticas tradicionais de ajuste

macroeconômico e de suporte ao funcionamento espontâneo do mercado,

inserindo-se necessariamente numa estratégia de desenvolvimento agrícola e

industrial que possibilite a articulação das ações do Estado e do setor privado

voltadas à expansão da capacidade e à integração e diversificação do sistema

produtivo, bem como à construção das bases tecnológicas de sustentação do

desenvolvimento e ao aumento da produtividade sistêmica da economia brasileira.

Requer, ainda, a simultânea reconstrução do sistema de financiamento de longo-

prazo que viabilize o novo ciclo de investimentos, tanto em infra-estrutura quanto

na produção interna de bens de capital.

47. Nesse contexto macro-estrutural, as políticas específicas orientadas à redução

da vulnerabilidade e da dependência externas se projetam em seis dimensões. Em

primeiro lugar, a recuperação do saldo comercial e a redução do déficit na conta de

serviços do balanço de pagamentos, com vistas à diminuição acentuada do déficit

em transações correntes, hoje na casa dos 5% do PIB. Particularmente relevantes

nesse âmbito são o estímulo à expansão e a melhoria na pauta de exportações -

enfatizando nos diversos setores a agregação interna de valor e a elevação do

conteúdo tecnológico dos bens exportados - o aperfeiçoamento e a racionalização

das estruturas de transporte, armazenamento e comercialização, que oneram a

competitividade da produção exportável, a re-substituição de importações,

especialmente no segmento de bens de consumo, eletro-eletrônicos, bens de

capital, petróleo e química, e o aproveitamento de nossas potencialidades nas áreas

de turismo e indústria naval.

48. Em segundo lugar, a correção dos desequilíbrios oriundos da abertura

comercial, através da revisão da estrutura tarifária e da criação de proteção não

tarifária, amparada pelos mecanismos de salvaguarda da OMC, para atividades

125

consideradas estratégicas. Nessa mesma linha se insere uma política de defesa

comercial ativa, destinada a proteger o país contra práticas desleais de

concorrência e agressões econômicas e a preservar os interesses nacionais nas

transações bilaterais e nas relações com os organismos multilaterais. As alterações

na proteção à produção nacional não implicam, contudo, o fechamento da

economia, nem tampouco devem promover a ampliação do grau de monopólio e

das margens unitárias de lucro das empresas instaladas no país.

49. Em terceiro lugar, a adequação da política relativa ao capital estrangeiro às

diretrizes e às prioridades do novo modelo econômico. Isso significa implantar

mecanismos de regulação da entrada de capital especulativo e reorientar o

investimento direto externo com critérios de seletividade que favoreçam o aumento

das exportações, a substituição de importações, a expansão e a integração da

indústria de bens de capital e o fortalecimento de nossa capacidade endógena de

desenvolvimento tecnológico. É essencial que o capital estrangeiro se vincule à

criação de capacidade produtiva adicional e compense o aumento da remessa de

lucros, dividendos e royalties com seu impacto positivo sobre o saldo comercial.

50. Em quarto lugar, a regulamentação do processo de abertura do setor

financeiro. A redução da fragilidade externa da economia brasileira envolve também

a eliminação de brechas legais que facilitam a realização de operações financeiras

não transparentes com o exterior, a revisão dos esquemas de captação de recursos

utilizados pelo sistema bancário para operações de arbitragem com títulos públicos

e a regulamentação do ingresso de novos bancos estrangeiros no sistema financeiro

nacional.

51. Em quinto lugar, com relação à dívida externa, hoje predominantemente

privada, será necessário denunciar o acordo atual com o FMI, para liberar a política

econômica das restrições impostas ao crescimento e à defesa comercial do país e

bloquear as tentativas de re-estatização da dívida externa, reduzindo a emissão de

títulos da dívida interna indexados ao dólar. O Brasil deve assumir uma posição

internacional ativa sobre as questões da dívida externa, articulando aliados no

processo de auditoria e renegociação da dívida externa pública.

52. Em sexto lugar, a consolidação da vocação de multilateralidade do comércio

exterior brasileiro mediante políticas direcionadas à diversificação de mercados, ao

fortalecimento e ampliação do Mercosul e à retomada do projeto de integração

latino-americana, ao estabelecimento de programas de cooperação econômica e

tecnológica com potências emergentes como a Índia, a China, a África do Sul e a

Rússia, à desconcentração e diversificação do setor exportador e, finalmente, ao

126

estabelecimento de alianças específicas com empresas estrangeiras para uma

política qualificada de re-substituição de importações.

53. Quanto à Alca, tendo em conta a avaliação já efetivada, não se trata de uma

questão de prazos ou de eventuais vantagens nesse ou naquele setor. Tal como

está proposta, a Alca é um projeto de anexação política e econômica da América

Latina, cujo alvo principal, pela potencialidade de seus recursos e do seu mercado

interno, é o Brasil. O que está em jogo, então, são os interesses estratégicos

nacionais, é a preservação de nossa capacidade e autonomia para construir nosso

próprio futuro como nação. Em outras palavras, rechaçar essa proposta, tal como

está sendo apresentada, é um requisito essencial para viabilizar o objetivo de

redução de nossa dependência e vulnerabilidade externas. Por outro lado, a

inserção soberana do Brasil no mundo exigirá esforços no sentido de aprofundar e

aperfeiçoar as relações comerciais bilaterais de nosso país com os Estado Unidos -

o mais importante parceiro individual do Brasil no comércio mundial - e com a

União Européia - o melhor exemplo de integração supra-nacional exitosa e calcada

em regras democráticas.

54. Do ângulo da política externa, é preciso se opor à blindagem internacional que

sustenta o neoliberalismo globalizado e recuperar valores como a cooperação nas

relações internacionais. Nesse sentido, será decisivo utilizar o peso internacional do

Brasil para mobilizar e articular partidos, governos e forças políticas que lutam por

sua identidade e autonomia. A construção dessa política deve valorizar o Fórum

Social Mundial e, ainda, fortalecer o movimento de defesa da taxa Tobin e pela

constituição de um fundo internacional de combate à pobreza, pelo fim dos paraísos

fiscais, pela criação de novos mecanismos de controle do fluxo internacional de

capitais e pelo estabelecimento d e mecanismos de autodefesa contra o capital

externo especulativo. A campanha internacional pelo cancelamento das dívidas

externas dos países pobres, na qual o Brasil não está incluído, deve ser

acompanhada pela perspectiva de auditoria e renegociação das dívidas públicas

externas dos demais países do terceiro mundo, e devem ter destaque na política

internacional do novo governo democrático e popular.

55. Um outro modelo de desenvolvimento demandará, necessariamente, um Estado

forte, com um novo padrão de ação na economia que, sendo distinto daquele do

período nacional desenvolvimentista, permita superar o quadro de desestruturação

institucional e de subordinação da ação estatal às esferas de decisão financeira,

herança da ideologia do Estado mínimo na década de 1990. Esse novo padrão de

ação estatal se projetará em dois planos interligados. Em primeiro lugar, a

127

reconstrução da capacidade estatal de regulação e de suporte ao desenvolvimento

e, em segundo lugar, a reversão da fragilidade fiscal.

56. A reconstrução da capacidade estatal de regulação e de suporte ao

desenvolvimento envolverá a recriação de formas de coordenação público-privadas

atuando em vários campos relevantes. O ponto inicial diz respeito à ação sobre

uma questão que o mercado é reconhecidamente incapaz de equacionar: o ataque

à concentração de renda e riqueza, à exclusão social e ao desemprego. O Estado

deverá também desempenhar um papel estratégico nas atividades de infra-

estrutura, financiamento e ciência e tecnologia, todas centrais para a criação de

externalidades positivas e para o aumento da eficiência sistêmica.

57. Em segmentos como petróleo, energia, saneamento, bancos, onde a presença

das empresas estatais ainda é relevante, ela deverá ser preservada e consolidada.

O programa de privatizações será suspenso e reavaliado, sendo auditadas as

operações já realizadas, sobretudo onde existem notícias de má utilização de

recursos públicos ou negligência no que toca aos interesses estratégicos nacionais.

No setor energético, em particular, poderá ocorrer a revisão de privatização, para

que sejam resgatados o planejamento estratégico e a gestão integrada do sistema.

No conjunto dos setores privatizados, o novo governo terá que assegurar

investimentos que ampliem de forma sustentável a infra-estrutura do país, exigindo

metas dos novos concessionários, além de recuperar o planejamento e realizar

investimentos públicos nos setores onde eles se fizerem necessários. Com essa

perspectiva, será preciso alterar o marco regulatório das agências reguladoras

nacionais, além de recuperar o poder de fiscalização e de controle público.

58. O Estado não pode limitar as suas ações à administração do curto-prazo e das

questões emergenciais, mas deve-se pautar por uma visão estratégica de longo-

prazo, que dê conta do papel fundamental do dinamismo do investimento,

articulando interesses e coordenando investimentos públicos e privados que

desemboquem no crescimento sustentado. Isso implica reativar o planejamento

econômico, para assegurar um horizonte mais longo para os investimentos e

implantar políticas ativas setoriais e regionais. Ao investimento público estatal

caberá a tarefa de ampliar a oferta de bens públicos, remover os obstáculos ao

investimento privado e induzi-lo quando for necessário.

59. A reconstrução de um sistema de financiamento do desenvolvimento se apoiará

em três princípios: a) o fortalecimento e a reorientação das instituições especiais de

crédito (BNDES, CEF, Banco do Brasil, etc.), essenciais para o financiamento de

atividades de maior risco ou prazos de retorno mais longos; b) a ampliação do

crédito dirigido de instituições privadas (por meio de instrumentos como

128

exigibilidades ou redesconto seletivo); c) a ampliação da poupança doméstica de

longo-prazo, seja pela constituição de uma previdência pública complementar (sob

regime de capitalização), seja através de uma nova gestão mais eficaz, com novas

prioridades, dos fundos de poupança compulsória (FGTS, PIS-Pasep, FAT). A maior

formalização do emprego, neste caso, ampliaria os recursos desses fundos e

permitiria alavancar o financiamento de longo-prazo.

60. A reversão da fragilidade fiscal, para garantir a consistência da política fiscal é

uma pedra angular de sustentação do novo modelo de desenvolvimento. Isso

significa, antes de tudo, a preservação da solvência do Estado, traduzida na

redução substantiva e progressiva do comprometimento das receitas com o

pagamento de juros da dívida pública e em sua capacidade de realizar políticas

ativas e coordenadas de gato público (inclusive o gasto social). A perspectiva de

colocar o social como eixo do desenvolvimento exigirá uma revisão completa das

atuais políticas que colocam a dívida financeira e seus credores como a prioridade

número um do Estado brasileiro. Nesses termos, a redução da fragilidade externa

deverá promover uma redução das taxas de juros cobradas nos financiamentos

externos, com efeitos positivos sobre a taxa de juros doméstica de curto-prazo, a

qual influencia o custo do financiamento da dívida pública, diminuindo a carga de

juros e a imprevisibilidade de sua trajetória.

61. Dado o objetivo de manter a solvência do Estado, cabe preservar um aspecto

essencial do gasto público, qual seja, o seu papel anti-cíclico e estimulador do

crescimento econômico. Do ponto de vista cíclico, a evolução do déficit público não

pode estar sujeita a metas de longo-prazo ou a concepções anacrônicas e

marcadamente ortodoxas e monetaristas que postulam o orçamento equilibrado

como um valor absoluto e permanente. Tal equilíbrio pode ser alcançado através da

maximização do crescimento econômico e da estabilidade macroeconômica (que

induzem ao pleno emprego e à maximização das receitas fiscais).

62. Do lado das receitas, coloca-se a necessidade de realizar uma reforma

tributária ampla, baseada nos critérios de eficácia da arrecadação e de justiça-

fiscal. É preciso desonerar a produção, reduzir os tributos sobre os assalariados e

as classes médias (através da cobrança progressiva), taxar grandes fortunas e

grandes heranças e ampliar a base de arrecadação, ao reduzir as brechas para a

evasão e a sonegação fiscais (por exemplo, através do acesso aos dados da CPMF).

63. A consolidação da estabilidade inflacionária, num contexto em que as

prioridades são o crescimento com distribuição de renda e a redução dos

desequilíbrios externos, será uma tarefa bastante complexa, que irá requerer uma

articulação governamental com o setor privado e com a sociedade civil - por

129

exemplo, para a remoção de gargalos em termos de capacidade produtiva, ou para

evitar aumentos de preços em função do grau de monopólio. Neste caso, serão de

utilidade câmaras setoriais e instrumentos de regulação do Estado e de defesa dos

consumidores. Isto não implicará, no entanto, o retorno a formas diretas ou

indiretas de indexação de preços ou contratos. Por oposição ao monitoramento de

caráter monetarista e ortodoxo do FMI, o novo governo buscará assumir

publicamente um conjunto de compromissos sociais e econômicos em sintonia com

os objetivos e prioridades do novo modelo de desenvolvimento. Nesse quadro,

caberá estabelecer metas de crescimento econômico, geração de emprego, de

investimento social e da inflação que concretizem e que confiram consistência

àquelas prioridades, viabilizando, ao mesmo tempo, seu amplo controle público.

III. O democrático

64. O modelo de desenvolvimento comandado pelo governo democrático e popular

estará sustentado num novo contrato social, fundado num compromisso estratégico

com os direitos humanos, na defesa de uma revolução democrática no país. A

alternativa proposta representará uma ruptura com nossa herança de dependência

externa, de exclusão social, de autoritarismo e de clientelismo e, simultaneamente,

com o neoliberalismo mais recente. Isso envolverá, portanto, uma disputa de

hegemonia, em que a afirmação de valores radicalmente democráticos estará

contraposta, por um lado, à cultura política e às práticas do clientelismo, da

conciliação, da privatização do público e, por outro, à cultura de mercantilização

que articula valores e determina atitudes individualistas e consumistas, inclusive

entre os próprios segmentos excluídos e oprimidos.

65. é inaceitável continuar convivendo numa sociedade em que a força das relações

e das lealdades pessoais se transforma, com tanta freqüência, na predação de

recursos públicos e na corrupção. De igual modo, as bolsas de valores e os

mercados financeiros não podem regular a sociedade. O mercado não produz

justiça e não tem qualquer compromisso com a ética democrática e a justiça social.

Os acordos clientelistas e a mão invisível do mercado não podem substituir o

debate público e democrático e as decisões daí emanadas - as únicas capazes de

assegurar a proteção ao meio ambiente e a justiça social. Estamos propondo uma

radical defesa dos direitos humanos e das liberdades. Isso exige a desprivatização

do Estado, a constituição de novas esferas públicas de controle social do Estado e o

controle social e democrático do mercado.

66. A construção do novo modelo de desenvolvimento se dará nos marcos do

Estado de direito. Nossas propostas de mudanças profundas nos rumos do país

serão transparentes e previsíveis, marcadas pela disposição permanente ao diálogo,

130

respeitando sempre os princípios de nosso projeto: desenvolvimento autônomo,

justiça social, participação democrática. Por outro lado, a implementação desse

novo modelo terá que equacionar limitações legais e institucionais importantes.

Isso significa que as reformas políticas e institucionais tenderão a assumir um papel

decisivo, exigindo intensa mobilização e pressão popular e base de sustentação

parlamentar.

67. Os principais pontos de uma reforma política democratizadora são: a adoção do

financiamento público exclusivo das campanhas eleitorais; a fidelidade partidária; a

redefinição da representação dos Estados na Câmara Federal (respeitados os

princípios federativos); a democratização dos meios de comunicação, com a

implementação imediata do Conselho de Comunicação Social previsto na

Constituição; a completa reformulação nas agências de regulação, integrando-se a

participação dos consumidores (exigências que visam universalizar serviços e

garantir sua acessibilidade e qualidade); reforma e controle externo do poder

judiciário. A Lei de Responsabilidade Fiscal - preservados os mecanismos

democráticos de controle fiscal dos governos - precisa ser reformulada de tal modo

que a responsabilidade fiscal seja informada pela responsabilidade social (e não

pelos interesses exclusivos do sistema financeiro).

68. Um novo contrato social, em defesa das mudanças estruturais para o país,

exige o apoio de ampliar forças sociais que dêem suporte ao Estado-Nação

brasileiro. As mudanças estruturais estão todas dirigidas a promover uma ampla

inclusão social - portanto distribuir renda, riqueza, poder e cultura. Os grandes

rentistas e especulares serão atingidos diretamente pelas políticas distributivistas e,

nessas condições, não se beneficiarão do novo contrato social. Já os empresários

produtivos de qualquer porte estarão contemplados com a ampliação do mercado

de consumo de massas e com a desarticulação da lógica financeira e especulativa

que caracteriza o atual modelo econômico. Crescer a partir do mercado interno

significa dar previsibilidade para o capital produtivo.

69. Os trabalhadores já incorporados e aqueles a serem incluídos pelas políticas de

crescimento e de proteção social são a principal base de sustentação do novo

contrato social. Os pequenos empresários e os setores médios irão se beneficiar

diretamente do crescimento econômico e das novas oportunidades a serem

abertas, e indiretamente através da redução da violência social que está por toda a

parte. É evidente que um dos objetivos básicos das mudanças propostas consiste

na inclusão dos excluídos - uma multidão não organizada que não chega a ser

cidadã, e que quase não é produtora e consumidora. A perspectiva da inclusão

social cria condições para sua auto-organização (sob diferentes formas), e portanto

131

sua conversão em uma relevante força política cidadã. A criação de uma sociedade

mais homogênea do ponto de vista social trará benefícios para a grande maioria,

conferindo consistência ao processo de democratização do país.

70. Ao lado da sustentação social e política no país - ancorada em alianças sociais e

políticas em torno de nosso programa e no estímulo ao avanço das lutas populares

e de uma participação ativa da sociedade - será também necessário construir

alianças e um amplo leque de apoio internacional. Não estamos sozinhos na defesa

de alternativas democráticas e populares ao modelo neoliberal, e nem poderíamos

optar pelo isolamento econômico, político e cultural. Nossa perspectiva é

universalista em seus objetivos, e reivindica uma inserção ativa e soberana do

Brasil no mundo. Assim, uma política alternativa de regionalização, que passa pelo

resgate do Mercosul e da integração latino-americana, pode vir a ser relevante

instrumento de articulação de forças na região. De modo análogo, devem-se buscar

alianças com potências emergentes (a exemplo da Índia, da China, da África do Sul

ou da Rússia).

71. Um novo contrato social deve incorporar, ainda, uma reconfiguração da

federação brasileira. Por oposição ao quadro de profundas disparidades territoriais -

alicerçadas num sistema intransparente (privado) de acordos clientelistas de elites

de diversos níveis e no individualismo da guerra fiscal predatória, de todos contra

todos - é essencial caminhar para a homogeneização econômica e social de nosso

território, tão rico em diversidades culturais - através do primado da cooperação

entre os diferentes entes federados, construída em esferas públicas transparentes e

democráticas.

72. Por isso, uma reforma tributária adequada a tais princípios deve incorporar,

necessariamente, as questões postas pela nossa condição de país federativo. Nessa

perspectiva, a valorização das esferas local e regional passa não só pelo seu

fortalecimento em termos de volume de recursos disponíveis (o que é decisivo, em

face da reação centralizadora da década de 1990), mas também e sobretudo pela

divisão mais eqüitativa do bolo tributário do ângulo territorial. É preciso, por outro

lado, em substituição à guerra fiscal, adotar políticas nacionais de fomento ao

desenvolvimento regional e local, voltadas a combater as disparidades territoriais, a

serem sustentadas financeiramente pela reorientação do uso de fundos públicos

existentes, (inclusive com relação a subsídios). Nessa perspectiva, faz todo sentido

combinar a definição de prioridades nacionais, com regras claras e impessoais

(regiões atrasadas, regiões em processo de reconversão industrial, políticas

horizontais relativas a emprego, meio-ambiente, gênero, raça, etc.) com

operacionalização local, vinculada à participação cidadã. Nesse quadro, a

132

descentralização da prestação dos serviços públicos (como educação, saúde,

saneamento, habitação, transportes e segurança) deve ser vista como uma

necessidade cuja implementação precisa contar com a garantia de recursos

correspondentes e estar associada a padrões de qualidade, equidade e controle

público.

73. Além disso, é fundamental levar a efeito a refundação de dois importantes

níveis territoriais de gestão pública compartilhada: as macro-regiões, envolvendo

estados com realidades semelhantes e problemas cuja solução exija ações

conjuntas, na base da cooperação, e as micro-regiões - sobretudo as áreas

metropolitanas - envolvendo municípios com desafios comuns, que não podem ser

equacionados de modo isolado. Em ambos os casos, gestão pública compartilhada

significa a participação simultaneamente horizontal e vertical, de representantes da

união, de estados e de municípios das regiões constituídas, aberta também à

sociedade civil organizada.

74. Por fim, a redefinição do papel do Estado, no quadro do novo padrão de

desenvolvimento, requer um novo modelo de gestão estatal, que se desdobra em

duas grandes vertentes: a gestão participativa e a gestão estratégica. A gestão

pública participativa - uma das referências centrais de nossos governos estaduais e

municipais - deve ser uma dimensão básica da reformulação da relação entre o

Estado brasileiro e a sociedade, também no nível central. A constituição de novas

esferas públicas democráticas, voltadas à co-gestão pública, à partilha de poder

público, à articulação entre democracia representativa e democracia participativa

será fator chave para, ao mesmo tempo, combater as práticas clientelistas,

valorizando a fala dos direitos, e propiciar a participação de novos protagonistas

sociais, representando a maioria da população, hoje excluída das decisões (salvo

raras exceções). Serão, portanto, não apenas espaços de debate e deliberação

envolvendo Estado e sociedade, mas igualmente de disputa de hegemonia com a

cultura clientelista e com os valores neoliberais.

75. Sem a pretensão de conclusividade - até porque a conformação dos inúmeros

canais de participação dependerá não só do governo, mas também da interação

com a sociedade - convém destacar desde logo algumas iniciativas relevantes

nesse campo: a implementação do orçamento participativo no nível central será

desafio de peso, na medida em que não se trata de efetuar uma mera transposição

mecânica de políticas em curso nos níveis local e estadual para o central, que é

muito mais complexo (será necessário, por exemplo, tomar na devida conta a

estrutura federativa brasileira); os variados conselhos temáticos ou setoriais -

inclusive para o controle público das empresas estatais e das concessionárias de

133

serviços públicos; a reformulação de fundo das agências nacionais de regulação,

integrando representantes dos consumidores; instituições como as câmaras

setoriais, voltadas à elaboração, negociação e implementação de políticas

industriais ou setoriais; gestão participativa dos fundos públicos, etc.

76. Em segundo lugar, um novo modelo de gestão pública, no contexto de um

Estado forte - em contraposição ao Estado mínimo e a correspondente fé cega nos

mecanismos de mercado - deve ser um Estado que, além de democrático e

participativo, desempenhe as funções que lhe caberão de maneira adequada. Isto

significa, por um lado, a recuperação do planejamento estratégico de governo,

como instrumento para a remontagem da capacidade estratégica de ação do Estado

(prever, planejar, agir, investindo ou coordenando iniciativas com o setor privado e

a sociedade), tendo em conta a necessidade de integração de ações setoriais em

muitas das iniciativas prioritárias e o interesse de acompanhar resultados das

ações. Por outro lado, significa a reorganização da forma de prestar serviços

públicos, conferindo-lhes qualidade com economia de recursos. Outro grande

desafio, que - presidido pela noção de avaliação de resultados - deve incorporar o

uso de tecnologias modernas, a reformulação de rotinas e procedimentos, a

melhoria dos ambientes de trabalho e, como é óbvio, a valorização dos servidores

públicos e de suas condições salariais e de trabalho (sempre tendo em conta que,

dadas as defasagens de salários frente a limitações de recursos, a melhor maneira

de realizar negociações democráticas é tratá-las em espaços de debate público

mais amplos, como o orçamento participativo).

77. as diretrizes de programa de governo anteriormente estabelecidas não têm a

pretensão, nem de detalhar propostas de ação, nem de abarcar todos os assuntos e

aspectos que estarão sob a responsabilidade do governo democrático e popular.

Elas pretendem apenas, por um lado, avançar linhas gerais de ação e de políticas

que, com o devido detalhamento, pretenderão se concretizar como prática de

governo; por outro lado, elas se propõem a tornar clara uma concepção de governo

para o Brasil, um projeto que, articulando as dimensões social, nacional e

democrática, seja capaz de contribuir para a construção de uma nação soberana,

inclusiva socialmente e democrática. Porque, para nós, programa de governo é

para valer.

134

Carta ao povo brasileiro3

O Brasil quer mudar. Mudar para crescer, incluir, pacificar. Mudar para conquistar o

desenvolvimento econômico que hoje não temos e a justiça social que tanto

almejamos. Há em nosso país uma poderosa vontade popular de encerrar o atual

ciclo econômico e político.

Se em algum momento, ao longo dos anos 90, o atual modelo conseguiu

despertar esperanças de progresso econômico e social, hoje a decepção com os

seus resultados é enorme. Oito anos depois, o povo brasileiro faz o balanço e

verifica que as promessas fundamentais foram descumpridas e as esperanças

frustradas.

Nosso povo constata com pesar e indignação que a economia não cresceu e

está muito mais vulnerável, a soberania do país ficou em grande parte

comprometida, a corrupção continua alta e, principalmente, a crise social e a

insegurança tornaram-se assustadoras.

O sentimento predominante em todas as classes e em todas as regiões é o

de que o atual modelo esgotou-se. Por isso, o país não pode insistir nesse caminho,

sob pena de ficar numa estagnação crônica ou até mesmo de sofrer, mais cedo ou

mais tarde, um colapso econômico, social e moral.

O mais importante, no entanto, é que essa percepção aguda do fracasso do

atual modelo não está conduzindo ao desânimo, ao negativismo, nem ao protesto

destrutivo.

Ao contrário: apesar de todo o sofrimento injusto e desnecessário que é

obrigada a suportar, a população está esperançosa, acredita nas possibilidades do

país, mostra-se disposta a apoiar e a sustentar um projeto nacional alternativo, que

faça o Brasil voltar a crescer, a gerar empregos, a reduzir a criminalidade, a

resgatar nossa presença soberana e respeitada no mundo.

A sociedade está convencida de que o Brasil continua vulnerável e de que a

verdadeira estabilidade precisa ser construída por meio de corajosas e cuidadosas

mudanças que os responsáveis pelo atual modelo não querem absolutamente fazer.

A nítida preferência popular pelos candidatos de oposição que têm esse

conteúdo de superação do impasse histórico nacional em que caímos, de correção

dos rumos do país.

3 SILVA, L. I. L. da. Carta ao povo brasileiro. Disponível em http//www.sindicato.com.br/carta_lula.htm, acesso em 30 nov. 2003.

135

A crescente adesão à nossa candidatura assume cada vez mais o caráter de

um movimento em defesa do Brasil, de nossos direitos e anseios fundamentais

enquanto nação independente.

Lideranças populares, intelectuais, artistas e religiosos dos mais variados

matizes ideológicos declaram espontaneamente seu apoio a um projeto de

mudança do Brasil.

Prefeitos e parlamentares de partidos não coligados com o PT anunciam seu

apoio. Parcelas significativas do empresariado vêm somar-se ao nosso projeto.

Trata-se de uma vasta coalizão, em muitos aspectos suprapartidária, que busca

abrir novos horizontes para o país.

O povo brasileiro quer mudar para valer. Recusa qualquer forma de

continuísmo, seja ele assumido ou mascarado. Quer trilhar o caminho da redução

de nossa vulnerabilidade externa pelo esforço conjugado de exportar mais e de

criar um amplo mercado interno de consumo de massas.

Quer abrir o caminho de combinar o incremento da atividade econômica com

políticas sociais consistentes e criativas. O caminho das reformas estruturais que de

fato democratizem e modernizem o país, tornando-o mais justo, eficiente e, ao

mesmo tempo, mais competitivo no mercado internacional.

O caminho da reforma tributária, que desonere a produção. Da reforma

agrária que assegure a paz no campo. Da redução de nossas carências energéticas

e de nosso déficit habitacional. Da reforma previdenciária, da reforma trabalhista e

de programas prioritários contra a fome e a insegurança pública.

O PT e seus parceiros têm plena consciência de que a superação do atual

modelo, reclamada enfaticamente pela sociedade, não se fará num passe de

mágica, de um dia par ao outro. Não há milagres na vida de um povo e de um país.

Será necessária uma lúcida e criteriosa transição entre o que temos hoje e

aquilo que a sociedade reivindica. O que se desfez ou se deixou de fazer em oito

anos não será compensado em oito dias.

O novo modelo não poderá ser produto de decisões unilaterais do governo,

tal como ocorre hoje, nem será implementado por decreto, de modo voluntarista.

Será fruto de uma ampla negociação nacional, que deve conduzir a uma autêntica

aliança pelo país, a um novo contrato social, capaz de assegurar o crescimento com

estabilidade.

Premissa dessa transição será naturalmente o respeito aos contratos e

obrigações do país. As recentes turbulências do mercado financeiro devem ser

136

compreendidas nesse contexto de fragilidade do atual modelo e de clamor popular

pela sua superação.

À parte manobras puramente especulativas, que sem dúvida existem, o que

há é uma forte preocupação do mercado financeiro com o mau desempenho da

economia e com sua fragilidade atual, gerando temores relativos à capacidade de o

país administrar sua dívida interna e externa. É o enorme endividamento público

acumulado no governo Fernando Henrique Cardoso que preocupa os investidores.

Trata-se de uma crise de confiança na situação econômica do país, cuja

responsabilidade primeira é do atual governo. Por mais que o governo insista, o

nervosismo dos mercados e a especulação dos últimos dias não nascem das

eleições.

Nascem, sim, da graves vulnerabilidades estruturais da economia

apresentadas pelo governo, de modo totalitário, como o único caminho possível

para o Brasil. Na verdade, há diversos países estáveis e competitivos no mundo que

adotaram outras alternativas.

Não importa a quem a crise beneficia ou prejudica eleitoralmente, pois ela

prejudica o Brasil. O que importa é que ela precisa ser evitada, pois causará

sofrimento irreparável para a maioria da população. Para evitá-la, é preciso

compreender que a margem de manobra da política econômica no curto prazo é

pequena.

O Banco Central acumulou um conjunto de equívocos que trouxeram perdas

às aplicações financeiras de inúmeras famílias. Investidores não especulativos, que

precisam de horizontes claros, ficaram intranqüilos. E os especuladores saíram à luz

do dia, para pescar em águas turvas.

Que segurança o governo tem oferecido à sociedade brasileira? Tentou

aproveitar-se da crise para ganhar alguns votos e, mais uma vez, desqualificar as

oposições, num momento em que é necessário tranqüilidade e compromisso com o

Brasil.

Como todos os brasileiros, quero a verdade completa. Acredito que o atual

governo colocou o país novamente em um impasse. Lembrem-se todos: em 1998,

o governo, para não admitir o fracasso do seu populismo cambial, escondeu uma

informação decisiva. A de que o real estava artificialmente valorizado e de que o

país estava sujeito a um ataque especulativo de proporções inéditas. Estamos de

novo atravessando um cenário semelhante. Substituímos o populismo cambial pela

vulnerabilidade da âncora fiscal. O caminho para superar a fragilidade das finanças

137

públicas é aumentar e melhorar a qualidade das exportações e promover uma

substituição competitiva de importações no curto prazo.

Aqui ganha toda a sua dimensão de uma política dirigida a valorizar o

agronegócio e a agricultura familiar. A reforma tributária, a política alfandegária, os

investimentos em infra-estrutura e as fontes de financiamento públicas devem ser

canalizadas com absoluta prioridade para gerar divisas.

Nossa política externa deve ser reorientada para esse imenso desafio de

promover nossos interesses comerciais e remover graves obstáculos impostos pelos

países mais ricos às nações em desenvolvimento.

Estamos conscientes da gravidade da crise econômica. Para resolvê-la, o PT

está disposto a dialogar com todos os segmentos da sociedade e com o próprio

governo, de modo a evitar que a crise se agrave e traga mais aflição ao povo

brasileiro.

Superando a nossa vulnerabilidade externa, poderemos reduzir de forma

sustentada a taxa de juros. Poderemos recuperar a capacidade de investimento

público tão importante para alavancar o crescimento econômico.

Esse é o melhor caminho para que os contratos sejam honrados e o país

recupere a liberdade de sua política econômica orientada para o desenvolvimento

sustentável.

Ninguém precisa me ensinar a importância do controle da inflação. Iniciei

minha vida sindical indignado com o processo de corrosão do poder de comprar dos

salários dos trabalhadores.

Quero agora reafirmar esse compromisso histórico com o combate à

inflação, mas acompanhado do crescimento, da geração de empregos e da

distribuição de renda, construindo um Brasil mais solidário e fraterno, um Brasil de

todos.

A volta do crescimento é o único remédio para impedir que se perpetue um

círculo vicioso entre metas de inflação baixas, juro alto, oscilação cambial brusca e

aumento da dívida pública.

O atual governo estabeleceu um equilíbrio fiscal precário no país, criando

dificuldades para a retomada do crescimento. Com a política de sobrevalorização

artificial de nossa moeda no primeiro mandato e com a ausência de políticas

industriais de estímulo à capacidade produtiva, o governo não trabalhou como

podia para aumentar a competitividade da economia.

138

Exemplo maior foi o fracasso na construção e aprovação de uma reforma

tributária que banisse o caráter regressivo e cumulativo dos impostos, fardo

insuportável para o setor produtivo e para a exportação brasileira. A questão de

fundo é que, para nós, o equilíbrio fiscal não é um fim, mas um meio. Queremos

equilíbrio fiscal para crescer e não apenas para prestar contas aos nossos credores.

Vamos preservar o superávit primário o quanto for necessário para impedir

que a dívida interna aumente e destrua a confiança na capacidade do governo de

honrar os seus compromissos. Mas é preciso insistir: só a volta do crescimento

pode levar o país a contar com um equilíbrio fiscal consistente e duradouro. A

estabilidade, o controle das contas públicas e da inflação são hoje um patrimônio de

todos os brasileiros. Não são um bem exclusivo do atual governo, pois foram

obtidos com uma grande carga de sacrifícios, especialmente dos mais necessitados.

O desenvolvimento de nosso imenso mercado pode revitalizar e impulsionar o

conjunto da economia, ampliando de forma decisiva o espaço da pequena e da

microempresa, oferecendo ainda bases sólidas par ampliar as exportações.

Para esse fim, é fundamentar a criação de uma Secretaria Extraordinária de

Comércio Exterior, diretamente vinculada à Presidência da República.

Há outro caminho possível. É o caminho do crescimento econômico com

estabilidade e responsabilidade social. As mudanças que forem necessárias serão

feitas democraticamente, dentro dos marcos institucionais.

Vamos ordenar as contas públicas e mantê-las sob controle. Mas, acima de

tudo, vamos fazer um compromisso pela produção, pelo emprego e por justiça

social.

O que nos move é a certeza de que o Brasil é bem maior que todas as

crises. O país não suporta mais conviver com a idéia de uma terceira década

perdidas.

O Brasil precisa navegar no mar aberto do desenvolvimento econômico e

social. É com essa convicção que chamo todos os que querem o bem do Brasil a se

unirem em torno de um programa de mudanças corajosas e responsáveis.

Luiz Inácio Lula da Silva

São Paulo, 22 de junho de 2002.

139

PT - ANO A ANO4

1978 – 23 de maio – Em entrevista publicada no Diário do Grande ABC, Lula afirma a necessidade da classe trabalhadora lutar pela criação de um partido político que possa representá-la. Conferência dos Petroleiros, realizada na Bahia. Lançamento da idéia de construção de um partido político dos trabalhadores.

11 de dezembro – Em reunião realizada na sede do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, Lula apresenta a 12 dirigentes sindicais a idéia da fundação de uma partido dos trabalhadores.

1979 – 19 de janeiro - Em reunião intersindical realizada em Porto Alegre (RS), a idéia de criação de um partido dos trabalhadores é novamente anunciada.

24 de janeiro – IX Congresso dos Metalúrgicos do Estado de São Paulo, em Lins. Aprovação da tese elaborada pelos metalúrgicos de Santo André, “chamando todos os trabalhadores brasileiros a se unificarem na construção de seu partido, o Partido dos Trabalhadores”.

1º de maio – Lançamento público da Carta de Princípios do PT.

13 de outubro – Reunião de lançamento do Movimento pelo Partido dos Trabalhadores, com a presença de 130 participantes, representando mais de seis estados do País. Aprovação da Declaração Política e das Sugestões para normas transitórias de funcionamento (salão de festas do restaurante São Judas Tadeu, São Bernardo do Campo-SP).

1980 – 10 de fevereiro – Fundação do PT e lançamento do seu Manifesto.

1º de junho – Reunião de aprovação do Programa e dos Estatutos, eleição da Comissão Diretora Nacional Provisória.

1981 – 8 e 9 de agosto – 1º Encontro Nacional do PT.

27 de setembro – 1ª Convenção Nacional do PT. No discurso de encerramento de Lula (aprovado como documento oficial do Partido), pela primeira vez se coloca a defesa do socialismo.

1982 – 27 e 28 de março – 2º Encontro Nacional do PT, no qual é lançada a plataforma Terra, Trabalho e Liberdade.

15 de novembro – Eleições gerais (exceto para presidente da República, para prefeitos de capitais e áreas de segurança nacional).

1983 – O PT impulsiona a luta pelas Diretas-Já (articulando o comício do Pacaembu) e a fundação da CUT.

1984 – Janeiro a abril: o PT se envolve nas atividades das Diretas.

6, 7 e 8 de abril – 3º Encontro Nacional do PT.

1985 – 12 e 13 de janeiro – Encontro Nacional Extraordinário do PT.

15 de novembro – Eleições para prefeitos de capitais e áreas de segurança nacional.

1986 – 30 e 31 de maio e 1º de junho – 4º Encontro Nacional do PT.

15 de novembro – Eleições para governadores, senadores e deputados.

1987 – 4, 5 e 6 de dezembro – 5º Encontro Nacional do PT (Senado Federal, Brasília-DF)

4 De 1978 a 1997 as informações foram recolhidas de: PT – SECRETARIA NACIONAL DE FORMAÇÃO POLÍTICA. Cadernos de Formação nº 3 - O que é o PT.

140

1988 – 5 de outubro – Proclamação da atual Constituição do País. O PT vota contra o projeto global, mas assina a nova Carta.

15 de novembro – Eleições para prefeitos e vereadores.

1989 – 16, 17 e 18 – 6º Encontro Nacional do PT.

15 de novembro – 1º turno das eleições presidenciais. Lula vai ao 2º turno com mais de 16% dos votos.

17 de dezembro – 2º turno das eleições presidenciais. Lula obtém 31 milhões de votos, aproximadamente.

1990 – 14 e15 de abril – Reunião do Diretório Nacional no Colégio Pio XI, em São Paulo (SP), aprova a regulamentação do direito de tendências e encaminha o processo de registro das tendências existentes.

31 de maio, 1, 2 e 3 de junho – 7º Encontro Nacional do PT.

15 de julho – Lançamento do Governo Paralelo (Brasília-DF).

3 de outubro – 1º turno das eleições para governadores, senadores, deputados federais e estaduais.

15 de novembro – 2º turno das eleições para governadores. Em São Paulo, o PT decide chamar o voto nulo para escolha entre Fleury e Maluf ao governo do Estado.

1991 – 22 de fevereiro – Lançamento público do manifesto de convocação do 1º Congresso do PT.

Abril – Lançamento do Plano de Reforma Agrária pelo Governo Paralelo.

O PT participa e ajuda a organizar as primeiras manifestações pela Ética na Política.

27 de novembro a 1º de dezembro – 1º Congresso do PT.

1992 – Após aprovar resoluções sobre o impeachment, o PT passa a impulsionar as manifestações que pedem a derrubada de Collor de Mello.

Março – o Governo Paralelo apresenta o Programa de Segurança Alimentar.

Outubro – o PT aprova oposição ao Governo Itamar.

15 d novembro – Eleições municipais.

1993 – Fevereiro – o PT entrega o Programa de Segurança Alimentar ao presidente Itamar Franco.

14 de março – Após decidir em plebiscito interno nacional sobre forma e sistema de governo, o PT votou pela República e pelo Presidencialismo, como a maioria do povo brasileiro.

25 de abril – Tem início a 1ª Caravana da Cidadania. A caravana saiu de Garanhuns com destino a Santos, durou 25 dias e passou por seis estados. Com ela o PT mostra o Brasil Real a todos os brasileiros.

11 a 13 de junho – 8º Encontro Nacional do PT

1994 – 29 e 30 de abril e 1º de maio – 9º Encontro Nacional do PT.

3 de outubro – Eleições gerais – 1º turno: Fernando Henrique Cardoso é eleito presidente da República no 1º turno, com 54% dos votos válidos; Lula obtém 27%.

15 de novembro – Eleições – 2º turno: o PT elege seus dois primeiros governadores, Critóvam Buarque (DF) e Vítor Buaiz (ES).

1995 – 18 a 20 de agosto – 10º Encontro Nacional do PT.

1996 – 3 de outubro – Eleições municipais – 1º turno.

141

15 de novembro – Eleições municipais – 2º turno: o PT disputa em 11 cidades e vence em 2. No total, o PT elegeu 115 prefeituras.

1997 – 29 a 31 de agosto – 11º Encontro Nacional do PT.

6 de dezembro – Encontro Popular contra o Neoliberalismo – por Trabalho, Terra e Cidadania.

11 de dezembro – Lançamento da candidatura Lula à Presidência da República no Centro de Convenções de Brasília.

1998 – 04 de outrubro - Eleições gerais - 1º turno: Fernando Henrique Cardoso é eleito presidente da República no 1º turno.

1999 – 26 de agosto – Por meio do Fórum Nacional de Lutas, o PT organizou a Marcha dos 100 mil, em Brasília, que representou a força das oposições brasileiras.

2000 – Eleições Municipais.

2001 – 25 a 31 de janeiro – O Fórum Social Mundial, realizado em Porto Alegre, reuniu organizações do movimento social e de partidos políticos de vários países, constituindo um contraponto ao Fórum Econômico Mundial de Davos.

12 a 14 de dezembro – XII Encontro Nacional do PT, em Recife, onde foi aprovado o documento Concepções e Diretrizes do Programa de Governo do PT para o Brasil.

2002 – 22 de junho – Lula expõe sua proposta de governo na Carta ao povo brasileiro.

06 de outubro – Eleições gerais - 1º turno: José Serra e Luis Inácio Lula da Silva irão disputar o 2º turno das eleições presidenciais.

27 de outubro – 2º turno das eleições – Lula é eleito presidente do Brasil.

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