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A ROSA DO POVO (Carlos Drummond de Andrade - 1945)

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A ROSA DO POVO

(Carlos Drummond de Andrade -1945)

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TEMÁTICAS:

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1.“O choque social”

Poesia de participação, lirismo social

Reformulação do conceito de poesia, situando-a frente aos acontecimentos sócio-políticos brasileiros e mundiais

Oscilação entre a tentativa de resistência e a percepção da impotência

“Líricas de guerra” de inspiração socialista

“Líricas do cotidiano” com postura anticapitalista e antiburguesa

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Nosso Tempo

Este é tempo de partido,

tempo de homens partidos.

Em vão percorremos volumes,

viajamos e nos colorimos.

A hora pressentida esmigalha-se em pó na rua.

Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos.

As leis não bastam. Os lírios não nascem

da lei. Meu nome é tumulto, e escreve-se na pedra.

(...)

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É tempo de meio silêncio,

de boca gelada e murmúrio,

palavra indireta, aviso

na esquina. Tempo de cinco sentidos

num só. O espião janta conosco.

(...)

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O poeta

declina de toda responsabilidade

na marcha do mundo capitalista

e com suas palavras, intuições, símbolos e outras armas

promete ajudar

a destruí-lo

como uma pedreira, uma floresta,

um verme.

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Com o Russo em Berlim

(...)

Muitos de mim saíram pelo mar.

Em mim o que é melhor está lutando.

Possa também chegar, recompensado,

Com o russo em Berlim.

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2.”A poesia contemplada”

Metalinguagem

Reflexões sobre o trabalho poético e seus significados

Busca da palavra como matéria-prima do fazer poético

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Procura da poesia

Não faças versos sobre acontecimentos.  Não há criação nem morte perante a poesia.  Diante dela, a vida é um sol estático,  não aquece nem ilumina.  As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.  Não faças poesia com o corpo, esse excelente,  completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica. 

Tua gota de bile,  tua careta de gozo ou dor no escuro são indiferentes.  Não me reveles teus sentimentos,  que se prevalecem de equívoco e tentam a longa viagem. 

O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia. 

(...)

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Penetra surdamente no reino das palavras.  Lá estão os poemas que esperam ser escritos.  Estão paralisados, mas não há desespero,  há calma e frescura na superfície intata.  Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.  Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.  Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.  Espera que cada um se realize e consume  com seu poder de palavra  e seu poder de silêncio.  Não forces o poema a desprender-se do limbo.  Não colhas no chão o poema que se perdeu.  Não adules o poema. Aceita-o  como ele aceitará sua forma  definitiva e concentrada no espaço. 

Chega mais perto e contempla as palavras.  Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra  e te pergunta, sem interesse pela resposta,  pobre ou terrível que lhe deres:  Trouxeste a chave? 

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Consideração do poema

Não rimarei a palavra sonocom a incorrespondente palavra outono.Rimarei com a palavra carneou qualquer outra, que todas me convêm.As palavras não nascem amarradas,elas saltam, se beijam, se dissolvem,no céu livre por vezes um desenho,são puras, largas, autênticas, indevassáveis.

Uma pedra no meio do caminhoou apenas um rastro, não importa.Estes poetas são meus. De todo o orgulho,de toda a precisão se incorporamao fatal meu lado esquerdo. Furto a Viniciussua mais límpida elegia. Bebo em Murilo.Que Neruda me dê sua gravatachamejante. Me perco em Apollinaire. Adeus, Maiakovski.São todos meus irmãos, não são jornaisnem deslizar de lancha entre camélias:é toda a minha vida que joguei.

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Estes poemas são meus. É minha terrae é ainda mais do que ela. É qualquer homemao meio-dia em qualquer praça. É a lanternaem qualquer estalagem, se ainda as há.– Há mortos? há mercados? há doenças?É tudo meu. Ser explosivo, sem fronteiras,por que falsa mesquinhez me rasgaria?Que se depositem os beijos na face branca, nas principiantes rugas.O beijo ainda é um sinal, perdido embora,da ausência de comércio,boiando em tempos sujos.

(...)

Já agora te sigo a toda parte,e te desejo e te perco, estou completo,me destino, me faço tão sublime,tão natural e cheio de segredos,tão firme, tão fiel... Tal uma lâmina,o povo, meu poema, te atravessa.

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3.”O indivíduo”

Manifestações do “desconcerto do mundo”

Inquietações, angústia, tédio, revolta

Impotência do indivíduo frente ao mundo e à vida

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A Flor e a Náusea

Preso à minha classe e a algumas roupas,Vou de branco pela rua cinzenta.Melancolias, mercadorias espreitam-me.Devo seguir até o enjôo? Posso, sem armas, revoltar-me'?

Olhos sujos no relógio da torre:Não, o tempo não chegou de completa justiça.O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.O tempo pobre, o poeta pobrefundem-se no mesmo impasse.

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Em vão me tento explicar, os muros são surdos. Sob a pele das palavras há cifras e códigos.O sol consola os doentes e não os renova.As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.

Vomitar esse tédio sobre a cidade. Quarenta anos e nenhum problema resolvido, sequer colocado. Nenhuma carta escrita nem recebida. Todos os homens voltam para casa. Estão menos livres mas levam jornaise soletram o mundo, sabendo que o perdem.

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Crimes da terra, como perdoá-los? Tomei parte em muitos, outros escondi. Alguns achei belos, foram publicados. Crimes suaves, que ajudam a viver. Ração diária de erro, distribuída em casa. Os ferozes padeiros do mal.Os ferozes leiteiros do mal.

Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.Ao menino de 1918 chamavam anarquista.Porém meu ódio é o melhor de mim.Com ele me salvoe dou a poucos uma esperança mínima.

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Uma flor nasceu na rua!Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego. Uma flor ainda desbotadailude a polícia, rompe o asfalto.Façam completo silêncio, paralisem os negócios,garanto que uma flor nasceu.

Sua cor não se percebe.Suas pétalas não se abrem.Seu nome não está nos livros.É feia. Mas é realmente uma flor.

Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tardee lentamente passo a mão nessa forma insegura.Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.

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4.”A memória: família e terra natal”

Relações com a terra de origem e os antepassados

Identificação X Estranhamento

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Este retrato de famíliaEstá um tanto empoeirado.Já não se vê no rosto do paiQuanto dinheiro ele ganhou.

Nas mãos dos tios não se percebemAs viagens que ambos fizeram.A avô ficou lisa, amarela,Sem memórias da monarquia.

Os meninos, como estão mudados.O rosto de Pedro é tranqüilo,Usou os melhores sonhos.E João não é mais mentiroso.(...)

Esses estranhos assentados,Meus parentes? Não acredito.São visitas se divertindoNuma sala que se abre pouco.

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Ficaram traços de famíliaPerdidos no jeito dos corpos.Bastante para sugerirQue um corpo é cheio de surpresas.(...)O retrato não me responde,Ele me fita e se contemplaNos meus olhos empoeirados.E no cristal se multiplicam

Os parentes mortos e vivos.Já não distingo os que se foramDos que restaram. Percebo apenasA estranha idéia de família

viajando através da carne.

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5. “O amor: amar-amaro”

Anti romantismo

Anti sentimentalismo

Negação da idealização amorosa tradicional

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Caso do vestido

Nossa mãe, o que é aquelevestido, naquele prego?

Minhas filhas, é o vestidode uma dona que passou.

Passou quando, nossa mãe?Era nossa conhecida?

Minhas filhas, boca presa.Vosso pai evém chegando.

Nossa mãe, esse vestidotanta renda, esse segredo!

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Minhas filhas, escutaipalavras de minha boca.

Era uma dona de longe,vosso pai enamorou-se.

E ficou tão transtornado,se perdeu tanto de nós,

se afastou de toda vida,se fechou, se devorou.

Chorou no prato de carne,bebeu, gritou, me bateu,

me deixou com vosso berço,foi para a dona de longe,

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mas a dona não ligou.Em vão o pai implorou,

dava apólice, fazenda,dava carro, dava ouro,

beberia seu sobejo,lamberia seu sapato.

Mas a dona nem ligou.Então vosso pai, irado,

me pediu que lhe pedisse,a essa dona tão perversa,

que tivesse paciênciae fosse dormir com ele...

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Nossa mãe, por que chorais?Nosso lenço vos cedemos.

Minhas filhas, vosso paichega ao pátio. Disfarcemos.

Nossa mãe, não escutamospisar de pé no degrau.

Minhas filhas, procureiaquela mulher do demo.

E lhe roguei que aplacassede meu marido a vontade.

Eu não amo teu marido,me falou ela se rindo.

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Mas posso ficar com elese a senhora fizer gosto,

só para lhe satisfazer,não por mim, não quero homem.

Olhei para vosso pai,os olhos dele pediam.

Olhei para a dona ruim,os olhos dela gozavam.

O seu vestido de renda,de colo mui devassado,

mais mostrava que escondiaas partes da pecadora.

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Eu fiz meu pelo-sinal,me curvei... disse que sim.

Saí pensando na morte,mas a morte não chegava.

Andei pelas cinco ruas,passei ponte, passei rio,

visitei vossos parentes,não comia, não falava,

tive uma febre terçã,mas a morte não chegava.

Fiquei fora de perigo,fiquei de cabeça branca,

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perdi meus dentes, meus olhos,costurei, lavei, fiz doce,

minhas mãos se escalavraram,meus anéis se dispersaram,

minha corrente de ouropagou conta de farmácia.

Vosso pai sumiu no mundo.O mundo é grande e pequeno.

Um dia a dona soberbame aparece já sem nada,

pobre, desfeita, mofina,com sua trouxa na mão.

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Dona, me disse baixinho,não te dou vosso marido,

que não sei onde ele anda.Mas te dou este vestido,

última peça de luxoque guardei como lembrança

daquele dia de cobra,da maior humilhação.

Eu não tinha amor por ele,ao depois amor pegou.

Mas então ele enjoadoconfessou que só gostava

de mim como eu era dantes.Me joguei a suas plantas,

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fiz toda sorte de dengo,no chão rocei minha cara,

me puxei pelos cabelos,me lancei na correnteza,

me cortei de canivete,me atirei no sumidouro,

bebi fel e gasolina,rezei duzentas novenas,

dona, de nada valeu:vosso marido sumiu.

Aqui trago minha roupaque recorda meu malfeito

de ofender dona casadapisando no seu orgulho.

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Recebei esse vestidoe me dai vosso perdão.

Olhei para a cara dela,quede os olhos cintilantes?

quede graça de sorriso,quede colo de camélia?

quede aquela cinturinhadelgada como jeitosa?

quede pezinhos calçadoscom sandálias de cetim?

Olhei muito para ela,boca não disse palavra.

Peguei o vestido, pusnesse prego da parede.

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Ela se foi de mansinhoe já na ponta da estrada

vosso pai aparecia.Olhou para mim em silêncio,

mal reparou no vestidoe disse apenas: Mulher,

põe mais um prato na mesa.Eu fiz, ele se assentou,

comeu, limpou o suor,era sempre o mesmo homem,

comia meio de ladoe nem estava mais velho.

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O barulho da comidana boca, me acalentava,

me dava uma grande paz,um sentimento esquisito

de que tudo foi um sonho,vestido não há... nem nada.

Minhas filhas, eis que ouçovosso pai subindo a escada.

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6.”O fechamento do discurso”

Experimentação com a linguagem

Conflito entre som e sentido

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áporo (do grego a+poros, sem passagem, sem saída):

1. problema insolúvel; situação sem saída;

2. uma espécie de inseto que cava a terra;

3. uma orquídea verde.

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Áporo

Um inseto cavacava sem alarmeperfurando a terrasem achar escape.

Que fazer, exausto,em país bloqueado,enlace de noiteraiz e minério?

Eis que o labirinto(oh razão, mistério)presto se desata:

em verde, sozinha,antieuclidiana,uma orquídea forma-se.

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7.”Cantar de amigos”

Odes de celebração

Homenagem a amigos e figuras admiradas

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ESTILO:

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• Poesia prosaica

• Ruptura com os procedimentos formais tradicionais

• Busca de novas explorações dos sons e das relações entre palavras