A Roupa Dos Santos Sobre Os Signos de Omolu

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    SOBREOSSIGNOSDEOMOLU

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    SAMUEL ABRANTES

    SOBRE OS SIGNOSDE OMOLU

    RIO DE JANEIRO

    1999

    A ROUPA DO SANTO - OMOLU

    EDITORA GORADA ILHA

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    SAMUELABRANTES

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    COPYRIGHT: SAMUEL ABRANTES

    RIODE JANEIRO - RJ. TEL.: (21) 242 5808

    DIREITOSDESTAEDIORESERVADOSAOAUTOR. PROIBIDAAREPRODUOTO-TAL OU PARCIAL DESTA OBRA SEM AUTORIZAO EXPRESSA DO MESMO.

    CAPA: Confeco do detalhe artesanal por Edir Gutierrez.

    RIODE JANEIRO, AGOSTODE 1999

    EDITOR: PAULO FRANA

    EDITORA GORADA ILHA - TEL.FAX: 21 - 393 4212E-mail [email protected]

    ABRANTES, Samuel

    SOBRE OS SIGNOS DE OMOLU /SAMUELABRANTES

    Rio de Janeiro, agosto de 1999130 pginas

    Editora gora da Ilha - ISBN 86854

    Sociologia da religio CDD - 306.6Religies da frica negra 299.6

    Ficha catalogrfica

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    SOBREOSSIGNOSDEOMOLU

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    Este livro resultado da dissertao apresentada Escolade Belas Artes da UFRJ para obteno do ttulo de mestre.

    Muitas pessoas foram importantes neste processo.O desenvolvimento deste trabalho no seria possvel sem oestmulo e a orientao do Prof. Dr. Frederico Augusto L.de Ges; o exemplo e a iniciao do olhar antropolgicosobre o assunto da Prof. Liana Silveira e a viso singular ecapacidade da Prof. Dr. Tereza Virgnia de Almeida emvislumbrar a temporalidade do tema.

    Agradeo tambm Prof. Sandra Moreira Portugal, Prof.Lcia Maria Martins e ao Prof. Flvio Bragana, que meestimularam publicao com o entusiasmo com que lerame me fizeram repensar o texto.

    Ao sr. Amrico, por sua trajetria de luz.

    Aos amigos, pela credibilidade e alegria do encontroseguinte.

    Edir Gutierrez, sempre solcita e indispensvel nosbordados.

    Aos informantes, pela participao ativa e cooperao du-

    rante as entrevistas, em especial a Joaquim Motta, que mecolocou diante dos mistrios e da possibilidade de trans-cendncia desses cultos. Sem ele seria impossvel dar sen-tido a esta escrita.

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    O leitor que abre Sobre os signos de Omoludeve esperarmuito mais do que promete o ttulo. O livro de Samuel Abrantes

    (reflexo sobre a dissertao de mestrado apresentada Escola de Belas Artes da UFRJ em julho de 1996) cumpre, fato, aquilo que promete. Trata-se da apresentao sria, cuida-dosa e reflexiva de pesquisa em torno dos cdigos inscritos naindumentria e nos aparatos, nos materiais ritualsticos utilizadosna presentificao de Omolu, o orix filho da terra, nos rituaisde Candombl no Brasil.

    Samuel Abrantes rastrea as origens e os usos de cores, tecidose objetos, propondo-se explicitamente a preencher uma lacunanos estudos afro-brasileiros. Ao tratar de indumentria do Can-dombl, Samuel Abrantes aceita o desafio da instabilidade doobjeto estudado. Distintas tradies de casas de santo, variaona disponibilidade de materiais, processos de aculturao e ointercmbio entre a tradio do Candombl e a esttica doCarnaval so variveis que o autor maneja com serena obje-tividade, atravs de aportes tericos bem direcionados, entre-vistas e anlise perpicaz dos dados.

    Na verdade, Sobre os signos de Omolufaz muito mais do quepreencher uma lacuna prvia. O livro constri mltiplas pontesa partir de um entrelugar capaz de cativar os mais diversosleitores ao unir elementos tantas vezes em oposio: seriedadede pesquisa e linguagem popular, cientificidade e f religiosa,conhecimento esttico e prtica de arteso.

    Estilista teatral e professor universitrio com carreira acadmica

    Apresentao

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    iniciada na rea de Literatura Grega, Samuel Abrantes hojegrande conhecedor de mitologia africana, estilista teatral pre-miado e consagrado pela crtica e autor deste trabalho, j

    aclamado com louvor no espao acadmico.Sobre os signos de Omoluocupa um lugar singular no cenriocontemporneo e , acima de tudo, um texto que se inscrevesob o signo do ps-moderno. Se arte, cincia e religio seconfiguraram e institucionalizaram como esferas autnomasao longo da modernidade, o leitor est diante de uma obra quetestemunha a contempornea desconfiana na legitimidade

    de discursos totalizantes, principalmente os promovidos pelosaber cientfico.

    Sob o signo do orix da doena e da cura, Sobre os signos deOmolumultiplica olhares ao reunir sem fronteiras o rigor docientista, a crena do religioso e a sensibilidade do artista.Ax.

    TEREZA VIRGINIADEALMEIDA, doutora pela PUC/RJ e ProfessoraAdjunta de Literatura Brasileira e Teoria Literaria da Universi-dade Federal de Santa Catarina, Florianopolis. autora do li-vro A ausncia lils da Semana de Arte Moderna: o olharps-moderno, publicado em 1998 pela Editora Letras Contem-porneas, e atualmente desenvolve pesquisa de ps-doutorado

    no Departamento de Literatura Comparada da StanfordUniversity, nos Estados Unidos.

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    SumrioI - Introduo ................................................................9

    II - Consideraes sobre a arte de vestir o santo.............25

    III - Atot Obaluay - A dana dos signos - Anlise

    semiolgica...........................................................................51IV - Cantando para Obaluay........................................79

    IV - A - O uso da palavra: O silncio - A hierarquia ...........79

    IV - B - O uso do canto: A evocao...............................87

    V - Concluso.............................................................105

    VI - Lxico..................................................................111

    VII - Referncias bibliogrficas.....................................125

    IlustraesRoupa de Omolu - Bahia................................................11

    Cuscuzeiro.............................................................................17

    Possibilidades de uso do pano da Costa........................31

    Maneiras de usar o Oj e o pano da Costa.....................35Diferentes usos do Oj e do pano da Costa.....................39

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    Omolu - Joaquim Motta - RJ..........................................43

    Roupa de Omolu - Joaquim Motta..................................47

    Cabaas......................................................................58

    Roupa de Omolu - Joaquim Motta - RJ...........................59

    Xaxars...................................................................................63

    Mscara africana - culto secreto de Obaluay.................69

    Roupa de Omolu - Joaquim Motta..................................83

    Proposta de roupa de Omolu - Mercado de Madureira -RJ...........................................................................................91

    Indumentria de Omolu - Joaquim Motta - RJ..................95

    Roupa de Omolu - Joaquim Motta - RJ...........................99

    Pintura e bordado - Joaquim Motta - RJ........................115

    Aplicao e bordado - Joaquim Motta - RJ....................119

    Roupa de Omolu - Joaquim Motta - RJ.........................123

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    I - Introduo

    Sua cor,

    marco inicial

    de rejeio.

    Mas o tronco

    logo se espalha... 1

    Este trabalho o resultado da pesquisa/anlise relacionadacom as maneiras e modos de vestir os orixs, que me foramapresentadas pela Prof Liana Silveira, da Escola de BelasArtes da UFRJ. Para tanto, mantive contatos com uma sriede pessoas ligadas aos cultos de candombl e, maisespecificamente, ao Il Ax Op Afonj2. Dos encontros,foram registrados vrios questionamentos pertinentes indumentria no Candombl de Ketu.

    Pretendi analisar, em especial, a vestimenta do orix

    Obaluay nos rituais de Candombl de tradio Nag ouCandombl de Ketu, atravs do olhar semiolgico sobre suaindumentria e a leitura dos signos e smbolos presentes eveiculados por esta divindade.

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    Entrevistei Joaquim Motta (Joaquim DOmolu)3, Ogum Jobi4,Ildsio Tavares5, me Stella (Maria Stella de Azevedo Santos)6

    e Carlos Moraes7.

    Visitei, na Bahia, duas das maiores Casas de Santo detradio Nag ou Candombl de Ketu: o Il Ax Op Afonje o Gantois. A essas experincias somou-se a intensificaodos contatos e visitas ao Il Fi Or Sakapata, que teve nafigura de seu Babalorix Joaquim DOmolu (Joaquim Motta)o principal informante deste trabalho, devido a sua especialateno ao universo do orix enfocado.

    Recorro aos ensinamentos de Jean Baudrillard emO sistemados objetos, no qual o filsofo trabalha o imenso campo deobjetos em que o homem contemporneo vive mergulhado. Oestudo semiolgico v os objetos como um conjunto deunidades, de funes e de foras. Baudrillard amplia o sentidoque os objetos sintetizam e que permite manipular conceitosorganizados culturalmente e ainda apresenta a diferena queexiste entre o sistema dos objetos e o da lngua. Ele se utilizado instrumental lingstico para a abordagem do tema.

    certo que a dialtica estabelecida entre lngua e fala, entre

    denotao e conotao, extradas das questes levantadaspelos semilogos, demonstraram que a minha ateno teriade ser redobrada ao querer, mesmo de forma precria,fechar conceitos que poderiam comprometer as questesrelacionadas aos objetos presentes no Candombl.

    Ao apontar para uma rede complexa de especulaes, de

    prticas e de processos, os problemas relacionados expresso em lngua portuguesa objetivada e a lngua faladanos terreiros, que se expressa atravs de instrumentos e

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    Roupa de Omolu - Bahia

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    dialetos, foi preciso observar o Candombl como uma prticaem que o princpio a tradio oral.

    Em cada terreiro os membros formam associaes eestabelecem a hierarquia que funciona em consonncia comas necessidades do grupo. O objetivo manter viva a tradiodo culto aos orixs, encadeado, pelos mecanismosautomatizados de condicionamento social, com os cdigosdesenvolvidos pela sociedade moderna. H umatransparncia em sentido de ambivalncia simblica entreafricanismos e brasilidade, decodificvel a partir dacompreenso dos sistemas e das organizaes reveladosno processo cultural.

    Os tempos modernos operaram significativas transformaesna veiculao desses ritos que, me parece, escapam

    observao das pessoas que esto envolvidas com as coisasdo santo. Uma profuso de tecidos, materiais, objetosmodernos fazem parte dos cultos, atualmente. Acomercializao cada vez maior da cultura material das casasde santo evidencia essas transformaes, impostas por umanova maneira de ver o mundo, o progresso e a evoluotecnolgica.

    As ferramentas do santo informam sobre os padres dedesenvolvimento/comportamento dos participantes eintegrantes de uma determinada comunidade religiosa. Almdo que, caracterizam a sua maneira de adaptao aos temposatuais, a sua subsistncia, bem como a qualidade de sua leituravisual (o que os outros vo dizer/ver). A propagao de

    conceitos tradicionais, de foras, de energias e a adaptaoaos novos padres impostos pela sociedade moderna,favorecem novas leituras e influncias recprocas dos meios

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    que a produzem. Vale lembrar a observao de Ildsio Tavaressobre a visita feita a um candombl no Rio de Janeiro, terreirotodo de azulejos e com um telefone ao lado da cadeira dobabala. A cultura material um indicador seguro dodesenvolvimento tecnolgico do grupo ou da comunidade. E perfeitamente observvel nas casas de santos a existncia deformas e de conceitos tradicionais convivendo pacificamentecom materiais mais elaborados, o que reflete a complexidadedeste universo. A evoluo de materiais de usos diversos paraa configurao dos rituais de Candombl pode ser observadapelo prisma do desenvolvimento tecno-econmico social.

    O contedo cognitivo e simblico dos objetos empregadosproduz leituras que reafirmam a complexidade do estudodessas categorias religiosas, apontando para as especi-ficidades de sua estrutura scio-econmica, para a vida ritual

    e para a cosmologia dos ritos. bem recente a preocupaode observar esses objetos como sistema de comunicao ede produo de significados.

    As formas de comunicao visual veiculam mensagens denaturezas diversas e contribuem para a definio do orix,do rito, da dana ou do jogo. A combinao de materiais

    diferenciados em cor, textura, tamanho e forma constitui asingularidade de cada casa, grupo ou pessoa. Torna-se ocdigo de ligao entre os componentes de uma determinadacomunidade e dos conceitos veiculados pelos rituais,identificando as razes, as famlias, os cls.

    O que no verbalizado no ritual de Candombl aflora na anlise

    e no estudo dos aspectos envolvidos nos seus preparativos.Atravs do discurso possvel ir alm do que a simples aparnciaindica. A simbologia contida implica em anlise de outras

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    instncias. Favorece a criao de uma teia de significados. Apermanncia de cones confere uma eficcia simbolizaodessas energias/foras veculadas no Candombl.

    Muitas questes podem ser levantadas ou respondidasquando um culto de orixs enfocado. Preocupado com oestabelecimento de uma metodologia, passvel de respondera indagaes primrias como: onde?, o qu?, por qu?,poderei elaborar uma etnografia dos cultos e uma anlise deseu desempenho junto aos grupos que manipulam, bem comodos contextos sociais em que esto inseridos.

    Charlotte Otten enfatiza a natureza da memria de um grupoao afirmar:Nas culturas pr-letradas ou protoletradas, o smbolo artsticose torna o fato, isto , ele representa, define e manifesta,

    simultaneamente, seus referentes. Nessas culturas, os objetosde arte e os eventos so os meios de resgatar a informao,em lugar dos livros.(1971, Otten, XIV)

    Atravs da anlise dos objetos rituais, possvel projetarpossibilidades e introduzir a ordem religiosa que se oferecepara a decodificao. nos objetos que se encontram os

    elementos passveis de anlise. Eles se referem a dadosespecficos da indumentria e dos demais signos que cercam oorix.

    Apesar da aparente arbitrariedade dos rituais e dos cdigos, vivel dotar as vestimentas e os paramentos de sentido.Resgatar a significao implcita do que no dito, mas se

    faz referente. necessrio ver os objetos com os olhos del, com os olhos de dentro.

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    Foi preciso mergulhar no universo mtico-religioso paraconstruir, em meu discurso, os seus objetos. Dot-los dosvalores que estes objetos detm no sentido real. Foi umprocesso semiolgico por natureza, que se desenvolveu namedida em que busquei o tempo prprio dos sistemas, ahistria das formas, dos objetos, das coisas.

    Roland Barthes, em Elementos de semiologia, prope oprocesso aqui adotado quando articula a possibilidade deproduo de um pensamento ou discurso que d conta dessasprojees, desses significados. A anlise da indumentria, porexemplo, permite uma leitura interessada nos elementos quecompem o vesturio no terreiro e que gera as opes pordeterminadas formas cores ou texturas, que leva utilizaodeste ou daquele objeto ou paramento, cada qual com suapertinncia, sua sabedoria implcita. Neste sentido, procurei

    observar na indumentria e nos demais cdigos que cercam oObaluay, a continuidade do sistema, para registrar suacincia e a arte de sua execuo e buscar a histria dasformas como prope o estudo semiolgico.

    OrigensNa frica, os orixs somavam cerca de seiscentos. Ao

    serem transportados para o culto brasileiro, este nmero foireduzido a uns cinqenta. No Candombl atual, passaram aser cultuados os 16 principais, pois estes se desdobram emvrios outros nomes, qualidades e particularidades.

    Alguns orixs tm sua origem associada a lendas de reis erainhas de um perodo muito remoto, que foram divinizados e,

    em sntese, representam as vibraes das foras elementaresda Natureza - raios, troves, ventos, tempestades, chuva, fogoou at mesmo atividades desenvolvidas pelos homens,

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    principalmente a agricultura, com plantio, colheita e semeadura,

    a caa e tambm os elementos naturais, como ferro, guadoce, gua salgada, folhas etc..

    Dentro deste raciocnio, associamos e representamos osdomnios e as vibraes dos raios e troves a Xang; ventose tempestades a Ians; guas doces a Oxum, Ob e Eu;guas salgadas a Iemanj. O orix caador Oxssi. Ogum

    protetor da agricultura, representante do ferro e coman-dante nas guerras. A varola e as doenas so associadasa Omolu/ Obaluay. As folhas medicinais e litrgicas a Ossin,a caa, a gua e os navegantes a Loguned, o arco-ris aOxumar, o princpio da dualidade associado a Ibji,representado por um par de gmeos.

    SincretismoH no Brasil, em Cuba e no Haiti, uma tendncia de associaodos orixs com os santos da Igreja Catlica. Este sincretismo,

    Cuscuzeiro

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    estabelecido pela mistura de pensamentos e conceitos deduas manifestaes religiosas distintas, foi uma estratgiapoltica adotada por muitos adoradores a fim de escapar dasperseguies movidas pelos senhores de fazendas, gover-nantes etc.. No caso dos cultos afro-brasileiros, houve umaassimilao ou integrao de um orix ou divindade a um santocatlico, como Oxal = Senhor do Bonfim (Bahia), Ogum =So Jorge (Rio), Omolu = So Lzaro (Rio).

    Muitas caractersticas ou situaes especficas facilitaram oencontro de smiles para os orixs entre os santos catlicos,que j faziam parte do imaginrio popular. Em linha geral,repetiam o modelo cristo, desde que, na realidade, oscultuadores no pronunciassem em vo os nomes de seusorixs. A estratgia de sincretizao foi um expediente de queo negro lanou mo em todo o territrio brasileiro onde

    houvesse represso aos cultos africanos.Algumas questes podem ser observadas no que se refere,por exemplo, s semelhanas que existem entre Ogum, que uma divindade do ferro e dos metais, e So Jorge (Rio) ou San-to Antnio de Lisboa, na Bahia. Quais seriam elas? No obstante,essas semelhanas formais, ideolgicas, mticas ou at mesmo

    arbitrrias, acabaram por convencer os cristos e, mais queisso, foram responsveis pela permanncia no Candombl,manifestao religiosa existente muitos sculos antes de JesusCristo e dos santos da Igreja Catlica.

    Os orixs se desdobram em qualidades que reforam deter-minadas caractersticas ou particularidades de sua mani-

    festao. Nesses casos, a divindade receber um nome espe-cfico ou acrescentar ao seu nome original um outro. Daouvirmos falar de Oxum Apar; Xang Alafin; Oxum Pand;

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    Ogum Naru; Ibualama (Oxssi); Otin (Oxssi); Obaluay;Intotu (qualidade de Omolu).

    AssentamentosOs orixs so assentados em objetos ritualsticos. Dependendode cada um, so colocados em uma vasilha de loua leos,azeite, mel e ervas com uma pedra - o Ot. Obaluay temseus assentamentos colocados no Cuscuzeiro.

    No culto a Obaluay, h uma dicotomia intimamente ligadaaos smbolos veiculados idia de vida e de morte. Ao analis-los, procurei relacionar as ordens da cultura, destacar os valoresexpressos nos objetos, nos adereos e nos paramentos dasua indumentria. Atravs do levantamento das idiossincrasiasdo orix, de suas caractersticas expressas atravs do processoartstico/religioso, busquei compreender a ordem religiosa

    expressa nas coisas do santo, de domnio deste orix.

    Estou ciente da dificuldade de se elaborar uma epistemologiadas coisas do santo que permita ultrapassar o nvel doemprico e que atinja as questes e relaes sociais implcitas.Este estudo possibilitou-me perceber a realidade pluriculturaldo Candombl, as diferenas de classes, de culturas e con-

    ceitos existentes neste universo. A difcil tarefa de documentaro ritual em sua alteridade prpria se apresentou como omaior desafio a ser vencido.

    Entendo que Religio e Arte tm cumprido uma mesmafuno, so formas que do sentido ao vazio que freqen-temente o universo parece ser. Alm disso, os cultos afro-

    brasileiros, num sentido pragmtico, tm transformado suaprpria essncia para responder s questes temporais,evolutivas, modernas etc.. Os elementos constitudos

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    passam por uma relao dinmica, conforme expressaMaurice Houis:Antes de serem formas de Arte, so formas que tm oencargo de significar as mltiplas relaes do homem comseu meio tcnico e tico (...). O conceito esttico utilitrioe dinmico. As msicas, as cantigas, as danas litrgicas,os objetos sagrados quer sejam os que fazem parte dosaltares - Peji - quer sejam os que paramentam os orixs,comportam aspectos artsticos que integram o complexoritual (...). A manifestao do sagrado se expressa por umasimbologia formal de contedo esttico. Mas objetos, textose mitos, possuem uma finalidade e uma funo. a expres-so esttica que empresta sua matria a fim de que omito seja revelado (...). O belo no concebido unicamentecomo prazer esttico: faz parte de todo um sistema.8

    Com relao Arte/Religio, o Prof. Ildsio acrescenta:A arte no tem nenhum compromisso com o real. Contudo,uma religio no existe nem se nutre do real. Est estruturadaem uma teia simblica que s os seus iniciados sabeminterpretar. A um leigo a quem se explicasse a comunho namissa, a depender da linguagem, poderia parecer que oCristianismo uma religio de antropfagos que devora o

    corpo de um judeu num sacrifcio litrgico...9

    Todo e qualquer olhar atento pressupe um recorte no campode viso, um foco capaz de delinear umcorpusque, segundoRoland Barthes, deve ser o mais homogneo possvel10. Porisso, embora seja do conhecimento de todos que os rituaisde Candombl englobam vrias naes como Angola, Ketu,

    Congo, Jej, Ijex, meu campo de abordagem se restringe aoCandombl de Ketu, originrio da Nigria. Fao, no entanto,algumas referncias ao Jej, cuja identificao geogrfica o

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    Daom, j que foram mencionadas nos depoimentos dosinformantes consultados.

    Consciente da complexidade que envolve o estudo de um orix,procurei articular os dados coletados de depoimentos de infor-mantes e conveno-me, a cada passo, da imensido de signos edo mundo mgico que envolve o Obaluay: uma trilha repleta demistrios a que se refere o Prof. Agenor ao interpretar o trajecoberto de palhas usado por Omolu: Na verdade, ele se cobreporque desvendar sua mscara seria o mesmo que desvendar omistrio da morte.

    Falta-me o olhar do iniciado, mas resta-me o olhar do simpati-zante, do pesquisador. Sei da responsabilidade e da contribui-o que este estudo pode prestar perpetuao da riqueza, dacomplexidade e polivalncia que envolve a indumentria nos cultos

    africanos. H, ainda, muitas distores e preconceitos. Muitoses-tudiosos e participantes dos cultos folclorizam e reforam traosacidentais, tornando-os essenciais. E, com isso, muito falta a serregistrado, para que se possa estabelecer critrios de repre-sentao dos orixs, atravs da sua vestimenta. Ildsio Tavaresorienta para a questo primordialmente necessria aos inte-ressados em estudar tal manifestao religiosa:

    ...tenham uma verdadeira humildade intelectual e no searroguem a grandes entendedores de Candombl e de Bahia,para no fazer como na minissrie da Rede Manchete de TV,Me de Santo, que distorceu, confundiu e profanou a religionegra da Bahia com a linguagem do carto postal, do cliche de uma breguice intolervel (...) que bota os orixs parafalar pomposamente, com empostao de atores (...).

    O desenvolvimento do espao do terreiro - Casa do Santo -na Bahia e depois no Rio de Janeiro serviu de suporte para

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    a afirmao do negro que saiu parcialmente daclandestinidade, fugindo da represso poltica e policial. Onegro se associou em rituais litrgicos e se firmou nos espaossociais j institucionalizados pelo elemento europeu, fazendovaler sua ideologia, suas crenas, seus orixs.

    No Rio de Janeiro, essas associaes coincidiram com omovimento de modernizao da metrpole, a reforma de ensino,da arquitetura, das concepes importadas da Europa. Perodode grande ebulio, ponto alto de culturalizao da sociedadedo sculo XX, momento em que se estabeleceram as basesdo Candombl de Ketu vindo da Bahia.

    A cultura do Candombl engloba uma complexidade de valores,smbolos e associaes, revelando todo o seu pluriculturalismo.Esse dado foi decisivo em minha opo por uma metodologia

    tambm plural, interdisciplinar, em que ecoam elementos dasemiologia, da antropologia, da sociologia e da crtica dacultura. Essa perspectiva polissmica me pareceu funda-mental, indispensvel para a compreenso da singularidadedos ritos e da relao do negro com o social e suas divindades.Outro fato importante foi o desenvolvimento da pesquisa decampo, que se processou com participao assdua s festas,

    encontros e rituais do Il Fi Oro Sakapata.

    Notas(1) TAVARES, Ildsio. Tapete do tempo, p.26(2) Il Ax Op Afonj - Nome nag de um terreiro de candomblda Bahia, situado em So Gonalo do Retiro, fundado por EugniaAna Santos, Me Aninha.(3) MOTTA, Joaquim - Tambm conhecido como Joaquim

    DOmolu, babalorix do Rio de Janeiro, proprietrio do terreiro decandombl Il Fi Or Sakapata, em Nova Iguau.(4) Ogum Jobi - Babalorix do terreiro Ax Ogiboju Fire EmoOgun Oy, em Coelho da Rocha, RJ. Foi iniciado por Joaquim

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    Motta nos cultos aos orixs.(5) TAVARES, Ildsio - Prof. Dr. em Literatura Portuguesa, iniciadoe atuante no Ax Op Afonj da Bahia, onde ocupa o cargo de

    Ob de Xang.(6) Me Stella (Maria Stella de Azevedo Santos) - Ialorix, atuallder do Ax Op Afonj da Bahia.(7) MORAES, Carlos - Professor de Yorub, pesquisador ecoregrafo do Bal do Teatro Castro Alves, Bahia.(8) Citado por Juana Elbein, 1993, p.49.(9) TAVARES, Ildsio - Jornal Tribuna da Bahia. 16 de outubro de1990; p.5; cad. Cultura.(10) BARTHES, Roland - Elementos de semiologia. p. 105.

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    II - Consideraes sobre

    a arte de vestir o santoAs tradies de um terreiro fazem a sua histria. Essas tradies,entre as quais a da maneira de vestir os orixs, devem serseguidas risca. Muitos critrios so respeitados no tocante indumentria e maneira de usar os paramentos. Existem

    regras e preceitos que regem o ato de vestir e especial cuidadocom os trajes dos integrantes nos rituais sagrados. O nvel deconhecimento religioso, de iniciao, tambm pode ser medidoatravs da maneira de vestir.

    As transformaes ocorridas na maneira de vestir os santosesto relacionadas a questes estabelecidas pela cultura. A

    existncia de uma produo industrial e a comercializao dascoisas do santo incita os cultuadores a paramentar a entidadecom novos tecidos ou materiais estranhos tradio do orix.

    A tradio do Candombl atravessou alguns sculos e tem emsuas razes africanas um elo de afirmao de sua identidade,ainda que j tenha sofrido vrias influncias e algumas

    transformaes. Com relao indumentria, nosso objeto deestudo, muitos dados foram observados. Ogum Jobi diz::...o Candombl sofreu inmeras alteraes, teve que se

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    adaptar a questes climticas, sociais, culturais. Essas coisasfizeram com que algumas coisas mudassem. Ento, eu achoque os prprios orixs entendem e no nos exigem que a coisaseja to autntica como deveria ser (...).Essas roupas que voc v numa roda de Candombl, v asbaianas engomadas. Ns sabemos que na frica no eraassim to armada. Isto uma influncia europia, j que nssomos frutos da mistura com os europeus. Os negros africanostinham uma tendncia vaidade, acolheram as anguas queno usavam na terra de origem.

    Ildsio Tavares mais categrico e afirma que o negro passoupor uma srie de presses e absorveu valores, abandonououtros e muitos traos foram apagados, distorcidos oudeturpados. Ele diz que o africano passou por uma lavagemcultural em que:

    ...sucessivas culturas hegemnicas o foram desenraizandoat que sua religio e sua viso de mundo autctone tornaram-se minoritrias. Veja-se o Candombl. das religiesbrasileiras que mais crescem. Na frica, ela tende adesaparecer. H pouco passei uma temporada em Lisboa econstatei que o africano de Lngua Portuguesa buscaavidamente o modelo europeu, aceitou plenamente os

    conceitos europeus do que seja civilizao, ou seja, olha-seafinal como inferior: a partir dos preconceitos europeizantes.

    Ildsio est muito preocupado com a questo do colonialismoque ainda impera na relao da cultura negra em confrontocom as culturas europias, que leva o primeiro a desprezarsua tradio e abraar as culturas aliengenas, mas que

    desconhece o movimento negro no Brasil, que busca comonica alternativa para a perpetuao de sua identidade culturaluma canonizao indiscriminada de tudo quanto africano.

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    Ele acrescenta:...A religio muulmana a capa abenoadamente protetorada expanso do povo rabe no mundo, principalmente nafrica, para onde logo se espalharam e controlam as rotascomerciais, inclusive de escravos (...). Islo uma religioto colonialista quanto o Cristianismo. Desfigura o africanoculturalmente, desvinculando-o de seus seculares ritosreligiosos que o ligam to fortemente a sua terra. Desprovidosdesta ligao com a terra, pior que isso, ensinados a desprezarsua ligao com a terra, seus rios, seus ares, seus mares, opovo africano tornou-se presa mais fcil do invasor rabe eeuropeu. Tinham o culto dos orixs, seu universo rico e pulsanteem grande grau de complexidade. E que lhe deram de volta?Nada. Tristeza e desolao (...). Arrasaram o povo africano,submetendo-o a ferro e fogo ou por uma converso que osfazia menos africanos pela f, porm mais poderosos

    politicamente porque aliados de um povo mais forte, cujareligio, obviamente, era mais eficiente.11

    preciso muita reflexo, esta a lio dos tempos. Deixaros registros dessa cultura que no Brasil ainda sobrevive. Opovo mestio do Brasil ainda pode dar uma lio, umacontribuio aos africanos, j que a cultura da Me frica

    preserva seus mistrios, suas crenas, convivendo com ritos,smbolos, signos, sons de atabaques, comidas, orixs,inquices, voduns, encantamentos etc. em solo brasileiro.

    Me Stella, consciente do poder de expanso e desenvol-vimento da cultura, defende a idia de que Religio culturae no poder permanecer esttica ou confinada no terreiro,

    mas faz-se necessrio o registro, a participao em debates,conferncias e qualquer tipo de movimentos que sacudamos filhos de santos, o povo de Candombl.

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    Ela tem conscincia de que a tradio oral tem se reveladoinsuficiente para manter a tradio viva. Faz-se necessrio oregistro e a difuso desses estudos. O Olrix tem que sealfabetizar, precisa estudar, para que no passe pelo dissaborde descerrar o manto de sua prpria sentena, ver sucumbirsua cultura e identidade.

    Abordado sobre a maneira de vestir e questionado por que osfilhos de santo no se cobriam como os africanos, enrolando-se em panos vivamente coloridos, Jobi respondeu que sevivssemos como na frica, teramos que formar aldeias, irpara a beira de um lago e fazer uma infinidade de outrascoisas.

    A indumentria do Candombl no est associada, ou pelomenos no deveria estar, ao poder econmico do filho de

    santo, mas ao seu trabalho minucioso, laborioso de cons-truo a partir dos materiais, dos elementos da Natureza,mais simples, bonita e criativa. Muitos associam o ato devestir o santo como uma demonstrao da vaidade de seusfilhos, mas aqui a vaidade no deve ser entendida como acompra de um tecido caro e sim com a arte de bordar,sobrepor materiais. Deve-se perceber que o filho sentou

    dias e dias em dedicao ao orix. A arte de confeco daindumentria passa a ser uma forma de estmulo de energiapositiva e de integrao com a fora do ax.

    Alguns afirmam que a indumentria do Candombl est seaproximando das fantasias das escolas de samba. Jobi eJoaquim Motta so completamente avessos a essa idia, pois

    foi o Carnaval que se apropriou da indumentria do Candombl.Jobi esclarece que:A escola de samba surgiu depois, mas as coisas se inverteram.

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    H no Candombl uma influncia europia tambm em umaespcie de bordado, o Rechilyer, muito tradicional nos rituais,e s nestes se usam atualmente. difcil voc encontrar umapessoa usando na rua. S que no Candombl muito con-servado, valorizado dentro da Casa de Santo...

    O bordado Rechilyer, de origem francesa, feito a mo, um trabalho detalhista, delicado e leve. H uma influnciaeuropia no uso desta tcnica, mas ele j se tornou tradicionalno Candombl. Atualmente, a sua utilizao, a arte de criaoe a execuo vm sendo desenvolvidas, mas antigamente jera difundida entre as escravas, na Casa Grande.

    Ildsio Tavares ressalta que tal atividade era a principal geradorade renda das mes antigas, pois, aps a Abolio, essas senhorasdetinham o conhecimento e a prtica de tal bordado e a valo-

    rizao doRechilyerlevava as escravas de ganho ao trabalhode bordado e costura para as senhoras da sociedade. Elastrabalhavam na casa de suas patroas, aonde levavam seusfilhos, que se alimentavam no local, e no oneravam o salrio, oganho delas. Da terem se tornado muito poderosas.

    Elas juntavam capital e algumas comearam a comprar terras,

    arrendar stios e terrenos. Ildsio cita como exemplo Mariazinhada Conceio, que arrendou o terreno do Gantois, e uma ou-tra senhora (citada em Meu tempo agora, de Me Stella,como Don Runh) que amealhou recursos e comprou toda aregio do Bogun, que deu o nome ao Candombl e ao terreiro.Ildsio esclarece ainda que o termo bogun uma corruptelade vodun no Jej, quer dizer, orix. Me Aninha tambm

    arrendou o terreno onde fundou o Ax Op Afonj, aps sairda Casa Branca por causa de uma dissenso religiosa.

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    Algumas casas antigas classificam a sua ordem hierrquicapelo acrscimo de um elemento na barra das saias, umaespcie de aviamento - cianinha, fita em ziguezague estreita.Esse elemento colocado em relao quantidade de anosque a filha de santo possui dentro do terreiro. Quanto a essehbito, diz Jobi:Havia uma tradio, por exemplo, nos Candombls antigos,que era o uso da cianinha para representar os anos de iniciadaque a Iyaw possua. Quando voc chegava em uma Roda deCandombl, quantos anos de santo tinham as pessoas, tantasvoltas de cianinha havia na saia. Ento, pessoas com 30 ou 40anos de santo possuam 30 ou 40 voltas de cianinhas na saia.Quando voc via uma volta de cianinha, era um ano de santo.Isto era muito bonito, porque a hierarquia um fato importantedentro do Candombl.

    Regras para o uso da indumentriaJoaquim Motta defendia a tese de que a bata e o vestido dasbaianas sofreram a influncia de um estilo europeu do finaldo sculo passado. As grandes batas da indumentria fran-cesa foram adaptadas para as batas fnebres, batas de ga-la, que traziam diferenas e caractersticas especficas. Havia,por exemplo, uma bata em xadrez preto e branco e a bata de

    missa, que possua um comprimento maior, com mangasque tambm variavam de comprimento.

    Me Stella faz uma lista de preceitos relacionados ao compor-tamento do filho de Santo e das tradies ligadas indu-mentria. Relaciono algumas:

    - Os homens, quando participam em rituais ou nas depen-dncias do Ax..., usam roupa de rao, uma cala amarradacom cordo, espcie do modelo pijama e camisa de mangas

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    Possibilidades de uso

    do pano da Costa

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    curtas. O tecido o morim;

    - No devem vestir bermudas ou short, especialmente setransitam em ambiente sagrado;

    - A camisa de rao sempre a mais indicada para Iyawou Abiyan. Caso use bata, esta tem que ser curta. Somenteo Egbn pode us-la mais longa, nos moldes africanos;

    - Os filhos de santo podem usar roupas coloridas, depen-dendo da ocasio e da correspondncia com o orix;

    - Aps trs anos de obrigao, os filhos de santo podemusar chinelos;

    - Uma Abiyan usa poucas anguas. Suas saias e pano de

    Costa tambm devem ser de tecido simples, como morim oualgodozinho. O Camisu deve ser simples, segundo modelotradicional, com rendinhas na barra e mangas (opcional);

    - O Oj deve ser amarrado de maneira uniforme, tanto paraAyaba como para o Abrix Okunrin. O lao do peito pode

    ser mais aberto para a Ayaba, mais gracioso. Ser maisdiscreto, em forma de gravata, para o Okunrin;

    - As Abiyans andam descalas, de cabea baixa, que designaa condio de pr-iniciadas;

    - As Ayabas usam angua com mais roda que as Olrix

    Okurin. Os Camisus devem ser engomados;

    - Somente s Olrixs Okurin, em qualquer hiptese, indepen-

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    dentemente de tempo de iniciao e hierarquia, permitidoo uso de fios de conta atravessados;

    - As Ayabas podem usar brincos, argolas, como smbolo defeminilidade. Isto no permitido s demais, exceto s filhasde Oxal, Xang, Loguned e Oxumar. Os brincos destapodem conter bzios. No entanto, os brincos devem serdiscretos, em harmonia com a ocasio e os trajes rituais. Apreferncia por modelo de argola, tradicional ao longo demuitas geraes, chamado de argolas de saia;

    - As Ayabas filhas de Oxal e Loguned usam pulseiras eanis. As de Oxumar usam braceletes de bzios;

    - O torso da Olrix Obinrin arrumado com as pontas parafora, mostra, que denota um certo charme;

    - As Egbns tm direito ao uso da bata sobre o Camisu,substituindo, assim, o lao no pano da Costa. Elas se des-tacam das demais pela bata, smbolo da maioridade religiosa.A determinao do uso das batas no trmino de suas obriga-es foi feita por Me Aninha. As Adosus maiores devemrespeitar e manter as tradies do Ax... . Algumas senhoras

    ainda desrespeitam, talvez por ignorarem, a ordem da funda-dora do Ax..., e circulam pelo terreiro de Camisu, sem panoda Costa. Este fato foi comprovado por Me Stella quandode minha visita ao Ax...

    - Alguns terreiros so mais rigorosos e o uso da bata reser-vado s altas autoridades do Egb. As filhas de santos

    comuns vo ao barraco descalas em dia de festa, vestindoCamisu, pano da Costa, laos e saia sem anguas, de morimou de tecido simples, como o algodo ou chitinha;

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    Maneiras deusar o Oj e opano da Costa

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    - No caso das Egbns, o pano da Costa deve ser colocadona cintura elegantemente ou sobre o peito, jamais deve serenrolado ou torcido, feito uma faixa ou Oj, na cintura. O usoda bata dispensa o lao.

    - Uma iniciada deve saber usar o pano da Costa, pois este uma pea do vesturio muito importante. Outro fato relevante quanto estampa e cor do tecido. So adequadas asestampas em listras e quadros que lembram as formaspresentes na indumentria nigeriana. Quando feitos de tecidoliso, devem ser de cores claras: branca, bege, rosa ou azul-claro. Nunca devem ser de cores quentes, berrantes, deseda ou estampados vivos, o que causaria risos entre asiniciadas mais antigas.

    - Pano da Costa na cintura ou no peito demonstrao de

    trabalho, assim usados no barraco, quando em funo reli-giosa. Caso contrrio, no dia-a-dia do terreiro pode serjogado sobre o ombro direito e se mantm esticado ao lon-go do tronco. No se dana sem esta pea da indumentria.Mesmo fora do trabalho, para visita ou passeio o seu uso indispensvel. Em casas tradicionais, quando uma iniciadachega sem o pano da Costa comum a proprietria do terreiro

    emprestar um visitante, que, em sinal de educao ou res-peito, coloca-o sobre o ombro direito ou, se entrar na roda,usa-o de maneira adequada sua posio dentro da hierarquiado Candombl;

    - O pano da Costa a pea de maior significado histricodentro do vesturio africano, em conjunto com o torso. O uso

    de saia, Camisu ou bata e pano da Costa so indispensveisdentro do Ax... A maneira de amarrar, colocar ou enrolaro pano varia de acordo com a situao, o ritual desenvolvido

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    ou a posio hierrquica;

    - A saia, o Camisu e as anguas so heranas europias dosculo passado, e ao longo dos anos sofreram algumasvariaes;

    - Iyw no usa o pano na cintura, mas sim enrolado no peito.O lao reservado para o barraco e para as que esto deobrigao. Especialmente nesta situao, o lao sobre o panoda Costa indispensvel;

    - Entre as Egbns indispensvel o uso do Camisu sob abata. Esta nunca deve estar em cima da pele, diretamente;

    - A Olrix tem de usar uma angua mole, sem goma, sob asaia, para compor o traje tradicional. intolervel que as

    Egbn gba omitam o uso desse ornamento;- Me Aninha determinou o uso do torso, denominado Oj decabea, como complemento das vestes religiosas, que deveser usado no barraco e em rituais, especialmente no Axex;

    - Existem pesquisas sobre o uso do Oj de cabea e a

    Oloris no deve usar da maneira que achar melhor. H umatradio de se cobrir o cabelo, seja ele crespo, liso ou encara-colado. H muitas maneiras elaboradas ou rebuscadas dearrumao do Oj, mas estas devem estar restritas situa-es internas do terreiro.

    - Oj de Iyw deve ser mais discreto. Nas Ayabas o torso

    pode ter as pontas para cima, formando uma espcie deorelha ou borboletas laterais. As Egbns podem amarr-los com maior elegncia e realce, sendo-lhes permitido, inclu-

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    Diferentes usosdo Oj e dopano da Costa

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    sive, deixar aparecer parte do cabelo ou coque na partesuperior da cabea;

    - Oj de cabea no cobre a testa, nunca;

    - As saias de todo o grupo devem ter um comprimento quecubra os tornozelos. deselegante o uso de saias curtas ouno meio da perna, principalmente se deixarem aparecer asanguas engomadas.

    H uma passagem da entrevista de Joaquim Motta em queele diz que Me Aninha tinha um cuidado especial com asvestimentas das filhas do Ax... As roupas eram conferidaspelas mais velhas. Quem estivesse com as anguas malpassadas, sem roda ou deselegantes, no podia participardas festas. A vestimenta poderia ser de chita ou de morim,

    mas deveria estar bem passada, engomada e limpa. MeAninha acrescentava que pelo jeito do barraco se via o jeitodo terreiro.

    Fibras e tecidos das vestes dos orixsQuanto s fibras e os tecidos utilizados nos paramentos, nostrajes dos orixs, Jobi destacou as fibras naturais e os tecidos

    mais rsticos, que eram trabalhados, tingidos ou bordadosartesanalmente e eram de uso geral e obrigatrio nos rituaisantigos. Ele fala:Voc sabia que nos candombls s se vestiam de ani-nhagem, chito, chitinha, morim, pano de saco... e essascoisas mais simples? Voc no faz idia de como era bonito.Eu tive a oportunidade de conhecer esse tipo de Candombl.

    Existem coisas mais bonitas que os nossos estampados,que caracterizam o nosso clima tropical?Eu estou preocupadssimo com essa questo da roupa. Por

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    exemplo, eu ainda uso alguma coisa de lam para Oxum,Ians, Iemanj, mas de uma forma muito discreta, de umaforma muito amena. Agora, voc chega em outro terreiro ev um orix todo vestido de dourado.

    O trabalho de Jobi e dos adeptos do Candombl do AxOp Afonj de resgate e valorizao dos materiais maissimples, de utilizao das cores naturais, tropicais porexcelncia. Essas cores caracterizam a cultura negra e,alm disso, mantm a tradio de elaborao minuciosa deseus adornos e vestimentas.

    Presenciei o uso de lams ou tecidos sintticos muito restritoaos detalhes das vestimentas. O prprio Jobi faz referncia necessidade de se representar o elemento ouro atravsdesses materiais sintticos, sendo que deve haver equilbrio

    e economia em seu uso. Ele acrescenta:As africanas trabalhavam em troca do ouro, at mesmo asdo campo vendiam seus produtos em troca do ouro. As antigasIyalorixs usavam muitos dos Ids em ouro. Hoje a gente usade ferro ou lato. Minha av Me Aninha, inclusive, tinhamuito ouro... claro que o Candombl se misturou e hoje uma outra

    coisa. Ns, inclusive, no s na minha casa, mas na casa demeu pai Joaquim e em muitas outras casas que antes estavamse perdendo em determinado tipo de roupa, mais rebuscadocom paets etc.. Voc v muitas roupas parecidas com roupade carnaval, mas ver tambm muitas roupas trabalhadas embzios, palhas. As pessoas esto voltando s origens,preocupadas em colocar madeira trabalhada, cortia etc..

    Eu nunca vesti Obaluay, Oxssi, Ogum com coisas bri-lhantes dentro de minha casa, porque so santos ligados terra, s folhas, so santos ligados s foras mais ex-

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    Omolu -Joaquim Motta - RJ

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    pressivas da Natureza. A beleza do Candombl est emvoc elaborar as coisas.

    As preocupaes de Jobi transcendem preocupao emmanter as tradies da indumentria dos orixs. Ele desen-volveu um trabalho de criao de roupas com caractersticasafricanas, em uma confeco de sua propriedade, que sechamaBy african Rio. Jobi desenvolveu uma coleo de roupaspara filhos e filhas de santo. Seu objetivo manter um padroem relao indumentria dos freqentadores de cultosafricanos. Com cortes e desenhos que demonstram umainfluncia africana das vestimentas mais tradicionais doCandombl, busca despertar uma conscincia de se vestirbem nos cultos, inclusive em quem assiste.

    Jobi fica indignado, por exemplo, quando uma pessoa chega

    em sua casa usando jeans ou mini-saia para assistir a umculto ou festa. importante que o traje sirva no s parachegar ao terreiro ou para participar do culto, por umaeventualidade qualquer. Suas roupas so compostas deCamisus, tnicas e batas sobrepostas.

    Quanto cultura material, chamou-me a ateno a variedade

    de tecidos e fibras que serviam confeco dos trajes eparamentos. Este um campo de atuao em que se temum contato dirio, o que facilitou a decodificao de elementose permitiu uma relao e classificao das matriasempregadas. possvel separar vrios tipos de tecidos:algodo, cetim, musseline, organdi, shantung, adamascadoetc. a partir de suas definies e caractersticas.

    O algodo o mais importante filamento natural, provenienteda fibra vegetal que envolve a semente da planta algodo. A

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    facilidade de seu cultivo e os mtodos mais tradicionais detecer reportam seu uso em larga escala h mais de dois milanos. Simplicidade, humildade e harmonia so conceitosligados utilizao do algodo. Muitas roupas de hoje souma ilustrao do homem primitivo e antigo de vrias partesdo mundo. Quanto mais alto o estgio de desenvolvimento,maior a tentativa de desenvolver fibras com caractersticas efunes das fibras naturais.

    Os trajes mais usados so em algodo branco, comaplicaes em redes ou bordados. Em alguns ritos, encontra-se o algodo estampado com motivos florais ou comcercaduras e formas geomtricas, ou, ainda, com aplicaode bzios, madeira, couro, palha e ferramentas de metais.As propriedades do algodo esto associadas fciltinturao, no absoro de calor e ao baixo custo de

    fabricao. As roupas do dia-a-dia dos filhos dentro do terreiroremetem a essas caractersticas. Entretanto, no que dizrespeito ao traje dos orixs, esta fibra vegetal no comum.

    A indumentria do orix e seus paramentos so mais sofisti-cados. A indumentria do Candombl configura-se como for-ma de proteo mgica. Uma srie de objetos e paramentos

    servem para intensificar os poderes mgicos do ritual. Aomesmo tempo que funciona como adorno, representa a natu-reza, um grupo de mitos, crenas e smbolos que influenciama criao de uma identidade atravs da expresso de manei-ras pessoais de pensar, agir e vestir.

    O luxo no modo de vestir exibido pelas mulheres negras foi

    descrito por Debret em Viagens pitorescas ao Brasil:... As negras da Bahia encontram-se misturadas com asvendedoras das ruas. Elas distinguem-se pela sua toilettee

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    Roupa de Omolu- Joaquim Motta

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    a sua inteligncia; umas vendem tecidos de musselina e xales,outras menos comerciantes oferecem como novidadedoarias da Bahia, que tm grande xito... As negras daBahia reconhecem-se facilmente pelos seus turbantes e pelalargura dos seus lenos de seda; quanto ao demais vesturio,ele composto por uma blusa de musselina bordada, sobrea qual elas colocam uma bata... O valor da blusa e aquantidade das jias em ouro so os principais objetos desua coqueteria.(Debret, pg. 22)

    Pierre Verger alinha uma srie de depoimentos que teste-munham a elegncia do vesturio das mulheres negras nolivro Artigos, Tomo 1. So relatos colhidos de crnicas dapoca do Imprio. A riqueza dos ornamentos, do vesturio,vem do perodo em que elas eram escravas das grandesfamlias que tinham acesso s publicaes europias. As

    senhoras da sociedade importavam um modo de vestir queinfluenciava as negras escravas ou libertas.

    Gilberto Freire12 assinala: A variedade de colares feitos devolumosas contas debaixo das rendas da blusa, no cimo dobrao esquerdo, um bracelete de ouro, nos pulsos braceletesde bolas de ouro e conchas da costa da frica; nas orelhas,

    brincos de ouro e pingentes de coral. (Terres du Sucre,Paris, 1956 p. 265)

    Notas(11) TAVARES, Ildsio. Tribuna da Bahia, 11/12/1990; p.5(12) citado por Verger, Tomo I, p. 108.

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    III - ATOT OBALUAY:

    A dana dos signos - Anlise semiolgica O objetivo da pesquisa semiolgica

    reconstituir o funcionamento dos sistemasde significao diversos da lngua.

    (R. Barthes)13

    O interesse central do presente estudo a anlise daindumentria de Obaluay, numa perspectiva semiolgica. Ostraos que me interessam como ponto de vista para empre-ender a pesquisa so a predominncia das cores preta, ver-melha e branca; a presena do instrumento Xaxar; a constnciado uso da palha da costa; do Az de palha; dos bzios naornamentao e das cabaas. So esses elementos da indu-mentria que sero analisados no decorrer deste captulo.So os signos, usando a terminologia empregada por Peirce,capazes de dar origem a outros signos que, sob certos as-pectos, representam alguma coisa para aqueles que usam,cultuam ou participam do culto a esta divindade.

    Ampliar o sentido desses aspectos permitir a ampliaodo prprio conceito de signo, que em Peirce tem uma relaocom o carter descritivo (e no explicativo) do fenmeno

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    estudado. Desse modo, chegarei a uma leitura especulativamais abrangente, pois ampliarei o conceito de signo, admitindoa definio saussuriana de que o signo a reunio da dicotomiasignificante (substncia material, forma, regras, expresso) esignificado (o contedo, a palavra transmite a imagem da coisae no a coisa). Estarei com este procedimento, reconstituindoo funcionamento do mito - orix Abaluay, na medida em quelevantarei os sentidos imanentes em sua vestimenta e em seuculto. Para Roland Barthes, o processo que une o significantee o significado produz o signo.

    Farei o caminho inverso, partindo dos signos presentes noculto a Obaluay e reeditando um movimento de representaesanlogas, me utilizando de recortes, correlaes, contrastes econtigidades, poderei compor e apreender o mito Obaluaye, com este procedimento, contribuir para a permanncia dos

    cultos e o entendimento de suas funes.Um primeiro problema se estabelece: estou diante dos termosOmolu, Obaluai ou Abaluay ou Obaluaiy. Fui buscarresposta em depoimentos. Em Agenor Miranda Rochaencontrei que geralmente se diz que Obaluay o moo eOmolu o velho, mas so apenas dois nomes para uma

    mesma entidade. (Rocha, A.M. p.73)

    Joaquim Motta foi alm dessa dicotomia velho/novo e dizque, por ser um orix de muito respeito, no se pronunciadiretamente o seu nome, pois, na realidade, no Omolu,no Obaluay. Em uma regio o nome do orix Zakapatae em outra parte da frica Xapan.

    Na entrevista de Ildsio Tavares encontrei uma explicaomais detalhada para a questo da denominao do orix.

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    Ele esclarece que, devido ao mistrio que envolve estaentidade, algumas restries so mantidas em segredo. Overdadeiro nome voc no pode saber, est dentro doprincpio esotrico do som, onde o verdadeiro som presentifica,no pode ser dito.

    Essas denominaes encontradas nos livros seriam manifes-taes diferenciadas de um mesmo orix, aspectos diferentesque apontam para qualidades distintas. Ildsio explica:So 13 as qualidades... , mas por essa diviso entende-seos aspectos diferentes do orix. Um orix mais velho, maisagressivo, menos agressivo, mais ligado doena, menosligado. So aspectos diferenciados de um mesmo santo, orix.Por exemplo, Ogum tem sete qualidades. Ians tem nove,acho que Oxssi tambm tem sete. Oxum tem dezesseis qua-lidades, Oxal, logicamente, tem duas: Oxaluf e Oxagui (ou

    Oxalagui), a forma jovem e a forma velha, a forma esttica ea forma dinmica. Nem Obaluay, nem Omolu, so nomes,todos so Oriki do mesmo santo, que uma forma de sau-dao, de reverncia. Omolu (ou Omulu) quer dizer filho daterra, e Obaluay Rei dos espritos da terra. Em Cuba sechama Babaluai, pai dos espritos da terra. O nome voc nopode saber, est dentro daquele sentido esotrico do som,

    que ao ser emitido, presentifica, no pode ser dito, o inefvel.Se voc, por exemplo, quiser pronunciar o verdadeiro nomede Xang, voc tem que ter seis obi na mo direita e seis namo esquerda e seis orob na boca, a voc pode mencionaro verdadeiro nome de Xang. Orob a noz de cola, tambmcaracterstico do culto de Xang, s entra no culto desse orix.O obi j geral.

    Ildsio Tavares acrescenta que, com relao a Omolu, so 13as qualidades: O meu Jagum, que um Omolu guerreiro,

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    jovem, menino, por exemplo... da esse meu temperamento.H o Zoani ou Azani, esse bem Jeje, este veste palha azul.H o Arau, o Xapon e o Intotu.

    Consciente da complexidade que envolve o estudo de umorix, fiz o cruzamento das informaes coletadas pelosinformantes e cada vez mais fui me convencendo da imen-sido de signos e do mundo mgico que envolve o orix.Inicio com uma citao do Prof. Agenor, que diz respeito aotraje coberto de palhas do Omolu: Na verdade, ele secobre porque desvendar sua mscara seria o mesmo quedesvendar o mistrio da morte (Rocha, A.M.p.73).

    Longe de querer desvendar os seus mistrios, fiz olevantamento das questes relacionadas aos paramentos eindumentria de Obaluay, a partir do que me falou Joaquim

    Motta:Eu j lhe disse que ele carrega todos os ids, todos os micr-bios, vamos colocar assim, todas as coisas que trazem adoena... H inclusive uma cantiga em que mostra os dois la-dos, o verso e o reverso do orix... O corpo dele terra e tam-bm formado disso da terra, alm de trazer as coisas que eulhe disse... a varola, a febre. Ele tinha deformaes... um

    orix que quando era convidado para uma festividade, ou erapara servir de chacota ou ento as pessoas se assustavam eno iam para as festas por causa dele. Mas, ele tinha vontadede participar, ele fazia parte do panteo. Foi quando, realmente,Ogum preparou para ele um az, que o nome do fil depalhas que ele usa...

    O Prof. Agenor M. R. observa: Omolu venceu a morte, tornou-se o mdico dos orixs, chamado Onixegun. Omolu considerado o dono da morte e, por conseqncia, tambm

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    da vida.(Rocha, A.M.p.73)

    Roger Bastide alude confuso que se estabelece ao seafirmar que cada orix mltiplo. Isto estaria ligado multiplicidade de naes. Em cada uma coexiste um nmerovariado de tribos, que estabeleceu denominaes e cate-gorias diferenciadas para a manifestao dessas foras. Acomplexidade de determinada denominao e a invalidadede muitas outras est na questo dos dialetos existentes ena transmisso oral desses conhecimentos, ao princpio eso-trico do som mencionado por Ildsio Tavares e que seranalisado em outro captulo.

    Ele associou as qualidades dos orixs ao princpio dinmicoque rege cada fora, que se concentra no espectro, comoforma de energia. semelhante ao princpio de Yang e Yin

    (terra e cu). Nan, por exemplo, seria o orix mais Yin. Elapersonifica a prpria morte, e por isto saudada. Adenominao de Nan no Axex est associada Iku, que a morte em Yorub. E Oxal o princpio masculino, afora mais concentrada, mais poderosa - Yang. Dentro desteraciocnio, Ildsio conclui dizendo que Omolu na realidadeum super Egun e que ele o somatrio dos ancestrais.

    Ogum Jobi, ao se referir a Obaluay, salientou que todos tmum carinho especial e muito respeito por Omolu, porque noCandombl, o Orix se expressa de uma maneira energtica,associado a uma funo da Natureza ou a uma funo social.No caso de Obaluay, todos os rituais da Casa de Santopassam obrigatoriamente pela Casa de Obaluay, j que ele

    o dono de nossa sade, de nossa vida. o orix que detma capacidade de encaminhar os espritos, por isso a traduode seu nome seria Rei da terra, da vida. Oba Rei e a

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    terra, a vida a nossa passagem. Obaluay detentordesse direito...

    Joaquim Motta dizia que, quando mencionava Omolu, referia-se a filho da terra e Oba-Olu-Ay Rei da terra da vida ea vida implica em prosseguimento aps a morte. Obaluayseria encarregado de trazer, de conduzir os espritos para oventre que os gerou e encaminh-los dali para o que Joaquimdenominou de nirvana, para uma outra terra. Nos princpiosque os orixs encerram, estariam contidas as sabedorias,que sero motivos de anlise neste trabalho. Conta-se,inclusive, que o nome deste orix no deve ser pronunciado noite, em sinal de respeito. H muita coisa passvel de serestudada e decodificada, desvendando mistrios, abrindoportas, deixando mais clara a relao dos homens com essasdivindades.

    Com relao indumentria de Obaluay, o relato de PierreVerger me parece o mais prximo dos cultos africanos, queno so praticados da mesma forma aqui no Brasil. O autorrelata uma cerimnia para Obaluay em Ifanhim e descreveque um elgun, possudo pelo deus, tem o corpo todosalpicado; dos ps cabea, com p vermelho, Osn

    (Ossum). Ele est envolto num grande pano vermelho,bordado de bzios, que cobre sua cabea e esconde a metadede seu corpo (...) ao lado da panela de barro, duas lanas demadeira esculpida e colorida, os Oko de Obaluay.

    No captulo que trata do Candombl no Novo Mundo, PierreVerger descreve a indumentria de Obaluay, no Candombl

    da Bahia, dizendo que as pessoas ligadas a este orix usamdois tipos de colares: um chamado lagidib, ou laguidiba,que composto de pequenos discos pretos de chifre de

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    bfalo fiados, ou um colar de contas marrons com listraspretas. Os seus Iyaws vestem-se de palha da costa. Acabea coberta por um fil de palha, que recobre o rosto eparte do corpo, em cuja parte inferior aparece uma roupa derenda, e nas mos um xaxar, espcie de ferramentacomposta de nervuras de folhas de palmeira, de mariu oudend, decorada com bzios, contas e pequenas cabaasque supe-se contm remdios. Os atabaques tocam umritmo particular chamado Opanij, que em yorub quer dizerele mata qualquer um e o come. (Verger, p.216)

    Pierre Verger prossegue falando da festa anual de oferendasOlubaj, quando so apresentados os pratos de Aberem,milho cozido enrolado em folhas de bananeiras, carne debode, galos e pipocas. E acrescenta que s pessoas ligadasa este orix so proibidos alimentos como: carne de carneiro,

    peixe de gua doce de pele lisa, caranguejos, banana-prata, jacas, meles, abboras e frutos de plantas trepadeiras.(Verger, p. 216)

    A vestimenta do Senhor dos MistriosA presena desses elementos descritos por Verger motivouas minhas perguntas durante a entrevista com Joaquim Motta.

    Ele permitiu que fossem fotografadas as roupas de Obaluayfora dos rituais ou cerimnias, mas no fez muitos comentriossobre a variao das cores na indumentria, nos bordados eapliques dos trajes apresentados. Respeitei tal procedimentoe insisti nas perguntas relacionadas palha da costa, aosbzios e s cores j mencionadas por Verger e por outrosautores consultados. Particularmente, as roupas mostradas

    por Joaquim (em desenhos anexos ao longo deste livro) faziamuso em abundncia de estopa e tecidos crus: popelineestampada ou tingida de azul, vermelho, branco, preto e, em

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    sua maioria, palha ou estopa - aninhagem desfiada. Parti,ento para decifrar os cdigos apresentados.

    Em primeiro lugar, Joaquim falou-me da importncia da cabaana indumentria de Obaluay, em especial nos cultos afro-brasileiros. Na poca, ele desen-volvia um estudo da cabaa nes-tes rituais para comprovar que elatem vrias finalidades e funes,como representar o Aye e oOrum, ou seja, a Terra e o Cu.

    Obaluay considerado o Se-nhor das cabaas, j que estascontm os grandes Axs, osgrandes mistrios, as grandes

    poes mgicas. Assim, por silogismo, chego ao ttulo deSenhor dos mistrios, com o qual alguns autores denominamaquele orix. Em sua indumentria, a presena da cabaapode ser lida como a existncia de poes possveis paraaplacar as doenas, combater as epidemias.

    NoDicionrio de smbolos, a cabaa est associada noo

    de espao, de extenso. Ela a imagem que simboliza ocorpo do homem e do mundo em seu conjunto. Esta definiorefora a idia defendida pelos entrevistados, no que diz respeitoaos princpios da cabaa de encerrar mistrios, mas quecomporta um todo nico, universal, no sentido de totalidadeabsoluta e permanente de vida. Outra leitura aponta para arelao feminina e de reproduo que a cabaa tambm

    referencia. Ela vista como smbolo de tero, do princpiofeminino de vida. Creio, portanto, que pertinente agruparestes conceitos em um mesmo campo simblico: universo,

    Cabaas

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    Roupa de Omolu -Joaquim Motta - RJ

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    mistrio, vida, tero, corpo do homem etc.: signos que apontampara um mesmo campo semntico, relacionado vida.

    O visitante que chega casa de Joaquim Motta encontra umgrande painel pintado direita da entrada do terreiro com umaorao, um Oriki de Obaluay que, traduzido, diz: Vs quesois o que detm os mistrios das grandes poes. Estesversos so retirados da leitura de If e esto relacionados aopoder que Obaluay detm, que o Awo, no sentido de magia,mistrio. As cabaas presentes em sua indumentriaapontariam para essa significao. Seriam a materializaosimblica desta sabedoria, deste poder. A forma da cabaa j em si testemunho de sua semelhana com a terra, com otero, com o modelo de circularidade que estes encerram.

    Outro aspecto interessante est no seu vazio interior: um campo

    aberto para a dissimulao de idias, conceitos. Sabemosque a criao do mundo teve lugar a partir de um centro. Afundao de qualquer coisa pressupe a existncia de umcentro, esta leitura reproduz o ato cosmognico, a criao dosentido de circularidade das coisas e da prpria vida. O ritualde Candombl tambm repete esse princpio na medida emque suas festas encerram em sua estrutura e significado a

    criao do mundo, que se d atravs da repetio continua-mente efetuada, ano aps ano, de seus gestos, danas,ensinamentos etc.. De um modo geral, a histria mtica dosorixs e da criao so repassadas oralmente de gerao emgerao. Isto tem importncia extrema para a compreensodo sentido de circularidade contido nos cultos afro-brasileiros.

    Outra presena marcante da indumentria de Obaluay ofil de palha da costa que est associado imagem deproteo, ao princpio de que o orix teria o corpo coberto de

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    chagas. Ao se apresentar, no decurso das cerimnias, Omolutraz sempre na cabea o fil, que lhe cobre o rosto e protegeseu corpo. Joaquim foi buscar justificativa na seguinte lenda:Ele era um orix que servia de chacota aos outros, ou entoas pessoas se assustavam quando iam para alguma festa.Para que ele pudesse participar destas, Ogum preparou paraele um Az, que o nome do fil, com muito mariu, e cobriurealmente o corpo dele.

    H uma cantiga de Obaluay que diz: Owo la bamba, Oji sowo la bamba.A transliterao destes dois versos mostraa funo do cauri, que, ao mesmo tempo que representavaa moeda corrente na frica, o dinheiro, na veste de Obaluayser metfora de olhos que vem alm da matria. atravsdo cauri que os adivinhos percebem, enxergam os mistriosdo mundo. Joaquim Motta faz uma analogia entre o cauri e

    os seres humanos. O cauri seria uma representao daindividualizao de um ser humano.

    Outro elemento da indumentria de Omolu que merececonsideraes o xaxar, uma espcie de basto que oorix traz nas mos feito de vrios feixes de palha, enfeitadocom bzios, contas e anis de couro pintado de preto ou

    vermelho. Este instrumento pode ser interpretado como umavassoura que varre o mundo dos vivos, que varre asepidemias. O seu interior oco e, segundo Joaquim Motta,o babalorix, ao construir o xaxar, introduz em seu interior oAx. As varetas que compem o xaxar seriam referncia humanidade, aos indivduos que esto sob o domnio,comando e proteo de Obaluay. A palavra xaxar

    composta do elemento xax, que significa pintas de varola,e da slaba ar, que quer dizer esfregar, tirar.

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    Xaxars

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    Sobre as cores de OmoluCom relao s cores presentes na indumentria do Obaluay,

    mais uma srie de leituras pode ser relacionada, levando-seem considerao as conotaes e simbologia que exercemem nossa cultura e, em especial, associao das cores coma transmisso da energia veculada por elas. No caso deObaluay, as cores mais freqentes so o branco, o preto eo vermelho. H uma pequena variao em funo das diversasqualidades de Omolu, inclusive o aparecimento do azul em

    uma delas. Essas qualidades no foram apresentadas emsuas particularidades.

    Segundo Joaquim Motta, h uma lenda que justifica a adoodo preto com o sentido de luto. Obaluay, como j visto, eraobjeto de pilhria dos outros, e, em uma passagem, conta-seque disseram a ele que sua me Nan havia morrido e que ele

    deveria retornar cidade para os funerais. Resolve, ento,vestir negro, mas, ao chegar, encontra sua me viva. Abatido,ele decide, como forma de protesto, assumir o luto e manterem sua indumentria um detalhe vermelho - uma faixa ouestampa em sinal de represlia s brincadeiras maldosas quesofria.

    No cabe aqui investigar a veracidade dessa lenda, masanalisar algumas questes relacionadas com o preto. Par-tindo do princpio cientfico de que cor luz, o preto seriaa ausncia de luz ou, como o Dicionrio de smbolosapresenta, seria, ao mesmo tempo, a ausncia e a somade todas as cores. No livro Da cor cor inexistente, Is-rael Pedrosa afirma que o preto no se configura como

    cor. Seu aparecimento seria a privao, a ausncia deluz. O preto, dentro da teoria dos pigmentos, seria a so-ma das cores pigmentos. Sua relao com a luz de

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    absoro dos raios luminosos. Por conseguinte, o pretono chega a produzir cor na medida em que reflete omnimo de raios.

    Essas definies ajudam a compreender a relao de negaoou sntese de luz que o preto e o branco abarcam. E esta-belecem o princpio existente entre as cores e a sua sim-bologia. Preto e branco servem de suporte para as cor-relaes simblicas de morte x vida, que so representaesanlogas s dicotomias j levantadas sobre Obaluay. Ascorrespondncias antitticas fazem parte da natureza pri-mordial dos orixs e dos mitos. Essa dubiedade refora suascaractersticas.

    Chevalier ressalta que o preto, ao mesmo tempo em que smbolo de luto no Ocidente, representa a vida no Egito e na

    frica do Norte. Seria a cor de uma terra onde a fertilidadeprospera. Essa associao remete a cor ao princpio da vida.O preto seria a expresso das guas fecundas, profundas,que abrigariam o sopro de vida, onde ela pulsa, latente, interna.Outra imagem o preto como a grande escurido da noite edos mistrios que esta nos reserva: O preto reveste o ventredo mundo, onde opera o vermelho do fogo e do sangue, smbolo

    da fora vital.14

    Mais uma vez estou diante do estabelecimento de uma relaoque aponta diretamente para as cores presentes na indumen-tria de Obaluay e que condicionam automaticamente as lei-turas especulativas dos smbolos veiculados. O preto e o brancopermitem muitas outras consideraes.

    Alm da escurido, o preto seria o espao do silncio, donada, da morte. O que diretamente se liga idia de renovao

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    e ressurreio. Por outro lado, o despojamento do preto, suaneutralidade, pode ser vista como renncia s vaidades domundo. Isto quando se consideram os pressu-postos dadoutrina catlica ou do Isl em que os mantos, que proclamama f, tm que ser pretos.

    Outro fato distante da cultura africana, mas que refora aidia contida no uso do preto e similar funo desempenhadapor Obaluay, a representao na cultura etrusca de umguardio das almas com uma tnica negra e com asasavermelhadas.

    No Gabo, h a representao de um guardio dos santuriosonde so depositados os crnios dos ancestrais, com umapalheta de cor que vai do preto aos reflexos de vermelho.Isto refora os conceitos elaborados na figura de Omolu

    como condutor das almas, protetor dos mortos etc.. Soincidncias de um mesmo conceito veiculadas por culturasdiame-tralmente opostas.

    O preto est sempre associado ao princpio, obscuridadeda origem em todas as religies. Este caos, que evoca omomento da criao e os instintos primitivos do ser humano,

    do movimento que passa da ignorncia ao conhecimento,desse percurso de esclarecimento que a trajetria da vida.Sair do escuro em direo clareza de idias, do saber. Oupenetrar no mistrio, no obscuro das idias. So imagensque evocam o sentido do branco e do preto.

    A outra cor presente na indumentria de Obaluay o

    vermelho terracota. Essa tonalidade de vermelho remetediretamente ao princpio j visto, de terra e vida. Para asimbologia, o vermelho representaria essencialmente o

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    elemento luz, de fora, de vitalidade.

    Joaquim Motta relacionou o branco e o preto ligao entreo Aye e o Orun. Seria a intermediao entre a realidade e afantasia, o sopro de vida que o vermelho-sangue presentifica:o princpio dessa fora que o vermelho assimila, que energia,que alerta, que detm. Vermelho, branco e preto estariam in-terligados no s pela presena na indumentria de Obaluaymas porque participam simultaneamente de um mesmouniverso semntico, de representaes anlogas, de sig-nificaes mltiplas, sempre relacionadas vida e morte.

    O vermelho retirado do barro da terra eminentementesagrado e tambm condensa a idia de secreto, de mistriovital, do corao e da interdio aos no-iniciados. Remete imagem do ventre, onde morte e vida se transmutam, am-

    bivalncia de sentidos, de representaes ambguas queapontam para o interno, interligam conceitos e invertempolaridades. O sangue derramado, sentido de morte, de perdada vida, e o sangue que corre nas veias, que impulsiona, queest vivo, que circula. Essas correspondncias antecedem osentido que determinadas cores assumem na indumentriade quem as usa. Assim, ao usar o vermelho, as expresses

    essenciais so expostas e indica a passagem, a extensode um mundo (do real, dos objetos) aos sentidos imanentesexpressos que servem para compor o mito.

    As qualidades de OmoluOs mitos atuam na memria coletiva e funcionam em simbiosecom os anseios e aspiraes dessa coletividade. Transmitidos

    ou herdados da cultura africana, transformados ou decodi-ficados pela cultura contempornea, eles subsistem no imagi-nrio daqueles que os veiculam e cultuam ou neles acreditam.

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    Mscara africana -culto secreto de Obaluay

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    Os mitos cumprem a funo primordial de afirmao da iden-tidade cultural de um grupo ou sociedade.

    O Candombl essencialmente energia, transposio,transmutao e culto. Dessa forma, os elementos veiculadosreforam a materializao dessas energias. Eles reiteram osmbolo, atualizam o seu sentido na medida em que estimulama apreenso de vrios significados - o seu deciframento.Permitem, assim, a elaborao de um jogo de correspon-dncias anlogas que denotam a multiplicidade de funesveiculadas pelo mito ou smbolo, e, por extenso, pelos orixs.

    J foi dito que os orixs se desdobram em qualidades quereforam determinadas caractersticas ou particularidadesde sua manifestao. Nesses casos, o orix receber umnome especfico ou acrescentar ao seu nome original um

    outro. Da ouvirmos falar em Oxum Apar; Xang Alafin;Oxum Pand; Ogun Naru; Ibualama (Oxssi); Otin (Oxssi);Obaluay; Intoto (qualidades de Omolu).

    As qualidades dos orixs no foram muito bem explicadaspelas fontes deste livro. H muita contradio e informaoerrada quanto aos nomes e funes ou at mesmo asso-

    ciao com outros orixs.

    No livro Os orixs e a personalidade humana, o babalorixMrio Csar Barcellos faz um relato das qualidades dos orixs.Sobre Omolu, so as seguintes:Omolu - Ajunsun - Fundamento com Oxal e Ogum.Obaluay - Jagun - Fundamento com Lebara, Ogum e

    Oxagui.Xapan - Fundamento com Nan, Oxal e Oxssi.Azoani - Fundamento com Oxssi, predomnio da cor azul.

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    Obaluay - Akerejbe - Fundamento com Oxumar.Omolu - Intot - Fundamento com Lebara e Oxumar, estaqualidade teria a sua indumentria na cor branca.

    A Profa. Elena Andrei, em dissertao de mestrado em Histriada Arte apresentada na UFRJ, destaca algumas qualidadesde Obaluay, ressaltando que a diferenciao se d emfuno dos lugares a que o orix estivesse pousado. Obaluayseria um viajante velho, rei da terra e vingativo. Ela enumerouas seguintes qualidades:Xapan - a divindade da varola, seu nome tabu.Bab Ibon - ligado febre.Omolu Wari - associado peste.Savalu e Azoani -So qualidades do Daom, so mais velhose se apresentam curvados e silenciosos.Agor, Itetu e Ajansu - So Omolus jovens. A sua dana

    quase acrobtica.Jagum - uma qualidade de Omolu ligado guerra. Ele brutale usa um Laguidib vermelho. Sua palha seria rosada.

    No livro O banquete do rei ... Olubaj, o prof. Jos FlvioP. de Barros adverte que as qualidades totalizam 16 eque, quando Sapat evocado no terreiro, so mencio-

    nados os nomes de todos, saudando-os: Ajinsun, Omolu,Omil, Obaluai, Jagun, Azuane e outros.

    Joaquim Motta atentou para a desordem que se estabelecequando tentam denominar as qualidades de Omolu. Aconfuso advm das regies diferenciadas, da origem e doscultos que foram se ramificando. O prprio Yoruba, pela sua

    tradio oral permite que se criem corruptelas e variaes.Joaquim destacou algumas qualidades:Azoani - De origem no Daom, seria uma qualidade das

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    mais antigas, do perodo correspondente Idade do Barro.Baba-Igbon - Omolu com Ians.Itetu Fom - qualidade guerreira, chamam-no de Afom.Jagun - Ligado a Oxal, veste branco. Tambm chamado OGuerreiro Branco de Oxal.Ajunsu - Qualidade de Omolu na nao Jeje. Aparecemnomes que so variaes, como Azunsu, Azonce, Azono ouAgono.

    Antnio Alves Teixeira, no livro Obalua e Omulu, faz umalista de possveis nomes, qualidades ou denominaesdiferenciadas que ele colheu na Enciclopdia Delta-Larousse,pg. 4929, edio de 1970. Transcrevo os nomes conformea obra citada, sabendo que muitos desses termos socorruptelas de outros e no se referem s qualidades deOmolu:

    Jagun, Azbagba, Omulu, Obaluai, Zapon ou Zapata, Afom,Savalu, Dasa, Arinyarum, Azonzu ou Ajansun, Azoani, Posunou Posuru, Agoro, Tlu ou Etetua ou Itetua, Topodun, Paru,Arawe, Abalau, Baru, Odogum, Omonol, Sapon ou Xapone Wariwaru.

    Pierre Verger, em Notas sobre o culto aos orixs e voduns,

    colheu de vrios informantes uma lista de 21 nomes, quecoincidem com a relao acima acrescida de Ajoji, Avimaje,Ahoje e Arwaje. Ele informa ainda que as qualidades devemser 14 e que muitos nomes referem-se regio de origem doorix (ou qualidade).

    Na medida em que se expressa como um feixe significativo,

    uma confluncia de signos, cada orix tem seu espaodemarcado a partir de cdigos especficos, referentes asimbologias determinadas. No livro Os orixs e a persona-

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    lidade humana, o babalorix Mrio Csar Barcellos faz umrelato das qualidades destas divindades, associando-as aosaspectos da personalidade de seus filhos e relacionando-asa dias da semana, flores, frutas, animais e quizilas (o mesmoque interdio, proibio).

    Omolu tem regncia na segunda-feira. Flor: quaresma. Fruta:banana da terra. Animal: cachorro. Quizilas: claridade e amn-doa. Desta forma, interessante observar que o campo sig-nificativo do orix se demarca no s atravs do estabe-lecimento de conexes e interrelaes com elementos domundo circundante, como atravs da configurao de um cam-po de interdies, articulado com elementos de distintas esferase diferenciados apelos aos sentidos.

    Cada orix tem, ainda, suas ervas prprias, aquelas que

    cultivaram em seus reinos e que no podem faltar noCandombl, para qualquer tipo de obrigao. Em geral, elasso misturadas em determinados banhos, mas tambmsozinhas podem perfeitamente agir como descarrego ou nacaptao de energia positiva. Para Obaluay, a erva aCostela de Ado, macerada, que traz fortes poderes decura e atrai energia positiva.

    Um deus perigosoPierre Verger, em seu Dieux dAfrique, apresenta uma sriede fotos e estudos acerca dos orixs. Ele confere o poderpe-rigoso ao ser pronunciado o nome verdadeiro de Obaluayou Omolu, nomes dados a Snpnn, deus da varola, aqueleque envia a doena como forma de punio aos insolentes e

    malfeitores. Seu culto antecede ao sistema religioso de Oddu,quando de sua chegada a If. Entretanto, algumas lendas deIf dizem que Obaluay j estava instalado em k Itase

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    antes da chegada de Orunmil, que fazia parte do grupo deOddu. Um fato que comprova a antigidade dos cultos deObaluay a ausncia de instrumentos de ferro em suascerimnias, permitindo que se conclua que esta entidade anterior Idade do Ferro, sendo, por isso, ligado terra, aobarro. O lugar de origem de Obaluay incerto, diz PierreVerger, recorrendo ao estudo de Frobenius sobre o que lhefora dito em Ibadan, que Xapan tinha sido antigamente Reido Tap.15

    Em uma lenda de If, conta-se que Obaluay originrio doEmp (Tap) e que fazia expedies com seu exrcito,chegando, assim, ao territrio Mahi, no norte do Daom, e,como de costume, guerreando, matando e ferindo seus ini-migos. Entretanto, os mahis, aps consultarem um babala,aprenderam a dominar Obaluay oferecendo-lhe pipocas. Este

    fato fez com que fixasse residncia entre os mahis, no voltandomais ao pas Emp. O que confirma essa lenda o fato deXapan ser saudado como Kbiysi Oltp Lemp (Rei deNup em pas Emp).

    Outro reforo antigidade do culto de Zakapata que, duranteo culto de iniciao das pessoas dedicadas a esse orix, a

    lngua usada no ritual e nas oraes o Yorub primitivo, aindafalado diariamente pelos An.

    Os orixs envolvem algumas proibies. Em relao aZakapata, h o peixe chamado Sossogulo, que tem espinhasatravessadas, e o carneiro. Quanto s oferendas, so indica-das pipocas, cabritos, galos, feijo, inhame, porco e galinha

    dangola (coquem).Verger ainda distingue a existncia de dois Xapan: o quetem a origem em Tap, chamado de Snpnna-Airo, e a um

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    outro que teria ido a Oy vindo do Daom, chamado deSanponn-Boku (Tiopnan).

    Em outra passagem, ele descreve uma festa do culto deObaluay, onde os participantes esto sentados em esteirase os iniciados deitados no cho. Segundo Verger, os iniciadosse vestem com um pano bordado de bzios e amarrado noombro esquerdo, tm a cabea raspada e usam inmeraspulseiras, feitas de bzios de maneira a imitar escamas decobra (chamados braj no Brasil) e tm as mos, os ps e orosto salpicados de p vegetal vermelho, (osn). Estaindumentria faz referncia s vestes sarcedotais, no aoorix em si.

    Conta a lenda que, em uma festa, Omolu despertou a atenode uma mulher, Ew. Ela tenta revelar o ser que est escondido

    sob as palhas e, ao descobri-lo, atingida por umaluminosidade to forte quanto a luz irradiada pelo Sol. Estarepresentao mitolgica pode ser interpretada de diversasmaneiras: uma est ligada ao poder que Obaluay representa,de luz, de energia, de vida. Costuma-se dizer que os filhosde Obaluay so iluminados. Outro ponto que pode serespeculado com o sentido de graa concedida por Olorum,

    senhor do infinito.

    A tradio Yorub encerra muitas filosofias. Joaquim Mottacita como exemplo: Nem sempre a pessoa aquilo queaparenta ser. Neste sentido, um corpo deformado, cobertode chagas, de pruridos, na realidade detm uma beleza muitoresplandescente, uma pujana muito grande.

    Roger Bastide, no estudo Religies africanas no Brasil,apresenta uma leitura de Omolu como o fetiche da terra,

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    que se refere a uma divindade daomeana que pune os queno lhe rendem culto. Para estes, Obaluay mandaria avarola, despertando o medo e o respeito dos iorubanos, quepas-saram a reverenci-lo como o deus das epidemias, eseu nome tornou-se tabu. Muitas lendas falam da ira desteorix com os outros porque dele caoaram, resultando emum temperamento irascvel, terrfico, temido e sinistro, quesuscita medo, evidencia tabu.

    Bastide cita W. Valente, que verificou nas seitas iorubas deRecife ser esta divindade objeto de grande simpatia. A inversose d pelo fato de que esses praticantes, ao cultuarem omito de Obaluay, vem-no como uma puri-ficao. Seutranse tem o efeito simblico de abluo litrgica e, comisso, conjura todas as epidemias. Essa aparente contradioaponta para a principal caracterstica do mito, que guarda

    uma riqueza de funes. Ao mesmo tempo que justifica, tendea cristalizar os aspectos que ratificam a multiplicidade decada orix.

    Notas(13) citado por NETO, Onofre. P. 60.(14) Chevalier. Dicionrio de smbolos. P. 741.(15) VERGER, Pierre. P. 212.

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    IV - Cantando para Obaluay

    IV-A - O uso da palavra: O silncio - A hierarquia

    A palavra interao dinmica no nvelindividual porque expressa e exterioriza

    um processo de sntese no qual intervmtodos os elementos que constituem o

    indivduo.16

    O silncio tem um valor especial para a msica, para a poesiae para o exerccio prtico da meditao. Torna-se claro queesse silncio tem valor substantivo, faz parte da estruturadas expresses artsticas e, quando bem empregado, adquireexpresso nica em contraste com construes rtmicas esonoras. Em estudo de E. M. de Mello e Castro, so citadasuma srie de amostras do uso do silncio como mediador defugas. Exemplos retirados de Rimbaud, Duchamp ou SusanSontag so relatos que colaboram para o debate acerca do

    silncio e levam a uma busca desenfreada por pensar osilncio como preparao ou como mediador das foras quese entrecruzam no transe.

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    Como bem observa Susan Sontag, ao escolher o silncio,s raramente chega ao ponto de simplificao final... maistipicamente continua a falar, mas de um modo que a audinciano pode ouvir. exatamente sobre esse estgio em quese continua a falar sem poder ser ouvido que me proponhodiscutir e pensar.

    Neste momento, se colocam questes a serem respondidas.O primeiro problema que o uso da linguagem tem a intenode decodificar um sistema de normas, pensamentos eemoes. O segundo apresenta uma relao intrnseca como pensamento e se refere ao no dito. Nem sempre aspalavras ou frases efetivamente tm um referente. Essaineficcia da comunicao ou da sensao de que no sedisse remete a uma questo de ordem fundamentalmenteepistemolgica. O terceiro problema que se coloca o da

    veiculao, manipulao de verdades. H muita falta deinformao ou variantes de informaes no que diz respeitoaos cultos afro-brasileiros.

    Juana Elbein aponta com preciso o carter singular do objetoque aqui estudo: O conhecimento e a tradio no soarmazenados, congelados nas escritas e nos arquivos, mas

    revividos e realimentados permanentemente. Os arquivos sovivos, so cadeias cujos elos so os indivduos mais sbios decada gerao. Trata-se de uma sabedoria inicitica. Atransmisso escrita vai ao encontro da prpria essncia doverdadeiro conhecimento adquirido numa relao interpessoalconcreta.(Os nag e a mortep. 51)

    Em minhas investi