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A SÍNDROME DE DOWN RELATO DE UM PAI-EDUCADOR Guga Dorea REVENDO CONCEPÇÕES E PRÁTICAS EDUCACIONAIS

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A S Í N D R O M E D E D O W N

R E L AT O D E U M PA I - E D U C A D O RG u g a D o r e a

R E V E N D O C O N C E P Ç Õ E S E P R Á T I C A S E D U C A C I O N A I S

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A Vida em Sua Multiplicidade

Nesse dia Internacional da Síndrome de Down

comemorar o Que, Para Que e Por Que?

Síndrome de Down e a Genética

Deficiência e Não Doença

Genérica Familiar

Determinismo Genético

Determinismo Biológico

O Mito da Eterna Criança

Padrões Históricos da Normalidade

A Modernidade e a Exclusão

A Sociedade Disciplinar

A Genética e a Política

Ódio ao Estrangeiro

O Nazismo e a Eutanásia

A Vitória dos Aliados e Outra Exclusão

A Exclusão na Modernidade

Os “Deficiente Mentais”

A Educação Especial e o Modelo Clínico

A Descoberta do Cromossomo 21

No Brasil

Exclusão Invisível

O Estigma do Diferente

Discriminações

Exemplo Histórico

O Determinismo Geográfico

O Que É Ser Igual e Diferente?

Todos Somos Iguais

Somos Todos Diferentes

Educação Inclusiva - Tensão entre Exclusão e Inclusão Social

Nascimento da Escola

Inclusão e a Necessidade de Mudarmos a Escola (Para Todos)

sumário

parte ii

parte i

Possíveis Adequações na Sala de Aula

Considerações Finais

O Educador

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A vida em sua

Meu fi lho tem a Síndrome de Down

E daí? Não é problema dele

Quem continuar a enxergar o Outro, isolado em guetos identitários

Em identidades corpóreas fechadas em si mesmas

Corpos enlatados

Não conseguirá enxergar a ninguém

Continuarão jorrando galhos que não se tocam

Dormindo em prateleiras fechadas

Sequer tentarão olhar as diferenças pela fechadura

Eu, de minha par te

Prefiro olhar através do vidro

Enxergar o outro lado do espelho

O não -Eu em mim

Consigo, assim, olhar para meu fi lho

E a todos que, como o Thiago

Clamam por serem Eles em sua Multiplicidade

PARTE I

Multiplicidade

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Caro leitor, você deve estar imaginando porque iniciei esse e-book com

essa poesia intimista e pessoal.

É apenas para dizer que ele não é apenas o resultado, jamais definitivo,

de anos de prática educacional e reflexões teóricas como jornalista e

sociólogo. Ele é muito mais do que isso.

É reflexo de minha experiência como pai e pessoa. Toda minha trajetória,

profissional e pessoal, veio ao encontro de um dos momentos mais

marcantes de minha vida: o nascimento do meu filho Thiago.

OLÁ

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Ele nasceu no dia 22 de fevereiro de 1997, com a Síndrome de Down, o

que me direcionou não só para o dilema inclusão-exclusão, mas também

e, sobretudo, para a tênue fronteira, histórica e cultural, entre a chamada

normalidade e o seu contraponto, a anormalidade.

Estou lançando esse e-book também para dizer que minha meta é tornar

visíveis aquelas pessoas que a história e a nossa cultura ocidental tentaram

e ainda tentam tornar invisíveis.

Será então que grande parte da inclusão que estamos vivenciando não está recheada de vícios ou mitos do passado?

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Não há dúvidas que não foram poucas as conquistas, sobretudo a partir

da luta de movimentos de pais e educadores nos anos 90, em relação à

luta contra o preconceito e pelo direito de todos estudarem no sistema

regular de ensino.

Ninguém questiona ainda que o Dia Internacional da Síndrome de Down,

21 de março, colocou na agenda de debates, não só a inclusão da pessoa

com deficiência, mas também o problema histórico

e cultural da exclusão social.

No entanto, muita há que se fazer. Você não concorda?

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O QUE,PARA QUEE POR QUE?

NESSE D IA INTERNACIONAL DA S ÍNDROME DE DOWNCOMEMORAR

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Quem conhece, sabe o quanto são atuais as narrativas contadas oralmente

pelos gregos, conhecidas como mitos, lá na Grécia Antiga. Os também

conhecidos como mitos eram uma forma não científica que os povos

gregos buscavam explicar a realidade.

Segundo a mitologia grega, Procustro obrigava a todos os viajantes,

aprisionados entre Mégara e Atenas, a deitarem sobre um leito com

tamanho padronizado. Aqueles que ultrapassavam a medida estabelecida

tinham parte de seu corpo decepado e os que não atingiam eram

violentamente esticados.

Será que, mesmo em nome da inclusão, ainda estejamos reproduzindo o mito de Procustro?

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Isso porque, além da não compreensão e mesmo resistência de parte da

sociedade e do próprio poder público, há os que confundem inclusão com

a necessidade de adequação, daquele que é visto negativamente como

diferente, a um suposto modelo de normalidade. Ou seja, a busca para

muitos é ainda o de enquadrar a pessoa na cama do Procrustro.

É nesse sentido que o e-book tem como objetivo resgatar o passado para

refletir sobre o presente, pensando sempre no futuro.

Mas vamos com calma. Antes disso, é importante conhecer melhor o que

é criação histórica e cultural e o que é realidade quando estamos falando

da Síndrome de Down.

Vamos juntos?

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SÍNDROME DE DOWN E A GENÉTICA TENDÊNCIASCLÍNICAS

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Não existe no Brasil uma estatística de quantos brasileiros tem a Síndrome

de Down. No entanto, há uma estimativa de que uma pessoa a cada 700

nascimentos nasce com a síndrome. E quem procurar conhecer melhor

as características físicas que podem ser comuns nas pessoas com essa

síndrome vai encontrar que elas costumam ter olhos amendoados, prega

única na palma das mãos, dedos mais curtos e a língua protusa.

Vai descobrir ainda que, a maioria das vezes, os bebês nascem com

hipotonia e maior flacidez muscular, o que praticamente exige estimulação

precoce desde cedo, entre elas a fisioterapia e a terapia ocupacional.

Muitas ainda apresentam quadros de hipotonias nas vias respiratórias e

digestivas, exigindo também cuidados especializados.

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Descobrirá ainda que aproximadamente 50% das crianças com síndrome

de Down têm cardiopatia congênita, o que exige intervenção cirúrgica na

maioria dos casos, além de apresentarem o que a ciência chama de redução

do tônus dos órgãos fonoarticulatórios, responsável pela dificuldade para

articular a fala.

E que, por esse motivo, é fundamental a procura por atendimento

fonoaudiológico desde cedo. Além disso, de 60% a 80% têm incidências

na visão, como miopia e astigmatismo.

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DEFICIêNCIA e NÃO DOENÇAMas o importante a frisar é que não estamos falando de uma doença.

Dizer que uma pessoa é vítima ou padece da Síndrome de Down apenas

alimenta o estigma da incapacidade motora e cognitiva da pessoa.

Na prática, até o conceito da palavra deficiência deveria ser debatido com

maior cuidado.

É possível aqui resgatar a especialista em Educação Inclusiva Rosita Edler

Carvalho quando ela afirma que o conceito de deficiência, no âmbito da

História, foi criado a partir do concebido como sua oposição, ou seja, um

fictício modelo de normalidade, separando os seres em iguais, de um lado,

e negativamente diferentes de outro.

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GENÉTICA FAMILIARE apesar desses e de outros sinais aparentemente comuns, o fundamental

é lembrar que cada pessoa com a síndrome tem a sua carga genética

familiar, apresentando também traços de seus pais e irmãos.

O grande equívoco é considerar que todas as pessoas com síndrome de

Down são iguais e tem as mesmas patologias.

São apenas tendências e não uma carteira de identidade que as iguala.

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DETERMINISMO GENÉTICO No campo da Sociologia, o que temos de combater aqui são os chamados

determinismos. O próprio significado da palavra DETERMINISMO tem de

ser debatido. O que determina o que cada ser humano é em sua essência?

DETERMINISMO BIOLÓGICO No caso da Síndrome de Down, o determinismo biológico apontaria o

cromossomo 21 a mais como ponto de partida e, sobretudo, de chegada.

Tal definição alimenta a ideia de que todas as pessoas com a síndrome

têm limites pré-definidos, jamais viverão os elementos constitutivos da

adolescência e, portanto, não chegarão ao mundo adulto.

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O MITO DA ETERNA CRIANÇA Muitos ainda pensam que todas elas serão “eternas crianças”.

Esse é talvez o principal mito que precisa ser rompido nos dias de hoje.

Isso pode explicar porque, segundo evidências apontadas pela história

da medicina, a descrição dessa síndrome apareceu pela primeira vez em

1862. Foi quando o médico britânico, John Langdon Down, apresentou

cientificamente o que ele denominou como doença degenerativa.

Fortemente influenciado pelas teorias racistas da época, Langdon Down

apontou para a possibilidade de algumas pessoas estarem retornando a

uma condição racial concebida como primitiva, muito próxima à fisionomia

dos Mongóis que, segundo o cientista, viviam em um “estado regressivo

da evolução”.

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Langdon Down era médico de crianças com atraso neuropsicomotor em

uma clínica de tratamento em Surrey, na Inglaterra. Ao descobrir algumas

características semelhantes aos mongóis, passou a chamá-los também de

“idiotas mongólicas”.

Segundo ele, os “mongoloides” só conseguiriam sair de sua condição de

“inacabados” com um treinamento especializado.

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PADRÕES HISTÓRICOS DE NORMALIDADEEsse exemplo serve para nos mostrar que em todos os períodos da História

desenvolveram-se padrões e modelos dominantes de vida.

Desde pelo menos o século XVI, um modelo de vida burguês vai se

delineando no que se habituou a chamar de processo civilizatório.

Nesse contexto, aqueles que não se adequassem a esse novo leito de

Procustro foram classificados como degenerados de um sistema, que

sempre se pautou pelas idéias de racionalidade e homogeneização.

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Foi no período conhecido como modernidade que esse processo

excludente se institucionalizou.

Para que o ideal de produção em série pudesse se concretizar, com a

rapidez esperada pelos novos detentores do poder, era preciso estabelecer

o lugar de cada um nesse vertiginoso crescimento do capitalismo.

A MODERNIDADE E A EXCLUSÃO

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A SOCIEDADE DISCIPLINARPensando no filósofo Michel Foucault, foi nesse período, sobretudo entre

o século XVIII e meados do XX, que práticas constantes de disciplinalização

foram sendo colocadas em prática contra todos que eram rotulados de

“degenerados” e “desgarrados” da “boa e coesa” sociedade capitalista.

Em seu livro Vigiar e Punir, o autor descreve que instituições fechadas,

entre elas a prisão, o manicômio e mesmo a escola, tinham como objetivo

confinar e disciplinar pessoas consideradas inadequadas, buscando tornar

seus corpos “dóceis e úteis” para o bom andamento da sociedade

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No âmbito da política, quem utilizou essa definição, para criar hierarquias

entre os seres humanos e justificar a xenofobia, foi a denominada extrema

direita.

Essa linha de pensamento tentou provar que a genética é o que define

quem é quem em nossa sociedade.

A GENÉTICA E A POLÍTICA

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Vale aqui lembrar que, no âmbito da História Moderna, esse ódio ao

estrangeiro surgiu como resposta da extrema direita ao lema Liberdade,

Igualdade e Fraternidade, preconizada pela Revolução Francesa de 1789.

A partir do pressuposto de que as pessoas são biologicamente diferentes,

defendem eles, as pessoas não poderiam e não podem ter direitos iguais.

O alvo da xenofobia, nesse contexto, é sempre o Outro visto como diferente

em relação a uma evidência primeira e inaugural: um ser fundador: Igual x

Diferente; Branco x Negro; Civilizado x Selvagem; Normal x Anormal, entre

muitas outras dicotomias excludentes.

Concebe “o diferente” como algo menor e inferior, o que justifica o

tratamento desigual, ou seja, a xenofobia.

ÓDIO AO ESTRANGEIRO

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Essa divisão dos seres humanos entre “normais” e “anormais” chegou a seu

ponto mais trágico e catastrófico no período do nazismo. Em um programa

de eutanásia chamado Aktion T4, os nazistas passaram a exterminar todas

as pessoas concebidas na época como “perigosas”.

O NAZISMO E A EUTANÁSIA

Com a derrocada do Nazismo e a vitória dos aliados, tanto na Europa,

como nos EUA, começou-se a pensar na inclusão social e escolar.

No entanto, ainda tendo como pano de fundo o modelo da homogeneidade

e não o da heterogeneidade.

A VITÓRIA DOS ALIADOSE OUTRA EXCLUSÃO

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Até pelo menos a segunda metade do século XX, não havia sequer a

distinção entre a hoje categorizada como deficiência e a doença mental.

Com poucas exceções, entre elas os surdos e cegos da elite burguesa e os

oriundos da nobreza, que tinham certo acesso à educação especial, todos

os outros eram jogados nos chamados asilos correcionais ou em hospícios

e prisões.

A EXCLUSÃO NA MODERNIDADE

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Os posteriormente rotulados como “deficientes mentais”

foram concebidos, na maioria das vezes,

como incapazes de aprender e de se adaptarem

às exigências do desenvolvimento industrial

e do mercado de trabalho, além de serem vistos

muitas vezes como perturbadores da ordem social.

OS “DEFICIENTES MENTAIS”

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Esse total desprezo só começa a mudar em meados do século XIX quando

a educação especial se estende à hoje chamada pessoa com deficiência

intelectual.

No Brasil, só no início do século XX que essa instituição começou de fato

a sair do âmbito filantrópico-assistencial.

Por outro lado, o modelo estabelecido passou a ser o clínico, ampliandose

o estigma de que deficiência é doença, passível ou não de cura.

A EDUCAÇÃO ESPECIALE O MODELO CLÍNICO

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Apenas em 1959, o cientista Jerome Lejeune descobriu que a Síndrome de

Down é causada pela trissomia do cromossomo 21. Daí a comemoração

nesse dia.

Uma nova página da História estava prestes a se iniciar, porém não menos

recheado de preconceitos, inclusive na conceituação da própria palavra

“down”.

É importante enfatizar, só para começar, que a idéia de inclusão, na história

da humanidade, é bastante recente. Na Europa e nos EUA essa discussão

se remete ao fim da Segunda Guerra Mundial.

A DESCOBERTA DO CROMOSSOMO 21

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No Brasil, a inclusão ganha peso com a Constituição Federal de 1988 e a

assinatura de declarações internacionais, como a de Salamanca (Espanha),

que prevê a inclusão escolar.

Temos sim de comemorar os inquestionáveis avanços dos últimos tempos.

Por outro lado, deixo aqui essa provocação, é importante enfatizar:

continuaremos a exercer uma forma – muitas vezes sutil e imperceptível,

de preconceito – enquanto não for quebrado o paradigma de que “eles”

são diferentes de “nós” – os supostos “iguais”.

Aqui podemos af irmar que essas leis iniciam um processo teórico de quebra de paradigma, mas será que quebramos mesmo o paradigma igual x diferença na prática?

NO BRASIL

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Para que a justa homenagem, que habitualmente ocorre nesse 21 de março,

não se transforme em mais um enfeite no calendário das infinitas outras

comemorações espalhadas pelo planeta, é necessário o rompimento

do paradigma que separa as pessoas “iguais” de um lado e de outro os

“diferentes”.

Se não quebrarmos esse paradigma excludente, continuaremos a colocar

a prática, de uma forma talvez mais branda e até invisível, o mito de

Procustro.

Para estarem aptos a viverem no seleto mundo da normalidade, ainda

terão que se adequar a um protótipo excludente da igualdade.

Nunca é demais lembrar que ainda vivemos em uma sociedade

extremamente excludente e seletiva.

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Nesse contexto, mesmo que positivemos o “diferente”, a tarefa dos que

não se adequam continuará a de ser uma cópia, a mais perfeita possível,

desse modo de ser e de se comportar padronizado e único.

E só dessa forma se candidatar a entrar para o seleto clube dos “iguais”,

podendo significar a reprodução, mesmo que de forma sutil, de um

passado de exclusões.

EXCLUSÃO INVISÍVEL

Nesse caso, o estigma do “diferente” continuará a ser um obstáculo para

que cada pessoa com a Síndrome de Down tenha sua própria singularidade,

como se não houvesse diferenças entre eles.

O ESTIGMA DO “DIFERENTE”

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É o mesmo que dizer: todos os indígenas são igualmente “diferentes” do

modelo ideal de sociedade, representado aqui pelo homem branco e

“civilizado”.

Essas e muitas outras formas de discriminação continuarão a existir se

não derrubarmos mais esse muro, o que separa os seres humanos em

dicotomias excludentes, como:

NORMAL x ANORMAL

IGUAL x DIFERENTE

CIVILIZADO x SELVAGEM

DISCRIMINAÇÕES

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A Síndrome de Down, nessa perspectiva, é apenas um exemplo histórico

dos riscos e das armadilhas do determinismo genético.

O estigma de que eles são geneticamente inferiores, eternamente

dependentes e incapazes, não passa de uma criação histórica justificada

por esse modo fragmentado de separar rigidamente o ser humano em

binômios excludentes, tais quais normal X anormal; igual X diferente;

Civilizado X Selvagem, entre muitos outros.

EXEMPLO HISTÓRICO

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No outro lado desse complexo e polêmico quebra-cabeças, temos o

determinismo geográfico, que define o ser humano e a diversidade

humana a partir do ambiente físico em que ele vive.

Caímos nesse caso na criação de outros estereótipos dos mais perigosos

como, por exemplo, acreditar que o nordestino é mais preguiçoso, pelo

simples fato de viver em uma região mais quente.

O DETERMINISMO GEOGRÁFICO

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Com toda essa complexidade, fica então a pergunta: o que é ser igual e

diferente na sociedade contemporânea?

Como fica a frase, tão difundida pela esquerda no âmbito da Política:

todos somos iguais SERÁ QUE SOMOS MESMO? A frase solta também gerou outra distorção

no que muitos chamam de inclusão.

Quando alguém fala “aquela pessoa é diferente” o que ele está querendo

dizer? Essa pessoa é diferente em relação a quem ou a que?

O QUE É SER IGUAL E DIFERENTE?

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Afinal, somos todos diferentes, cada qual com seus limites e potencialidades,

além de iguais em direitos, mesmo que essa lei ainda esteja apenas no

papel.

Pensando de outra maneira, portanto, para que todos possam se

desenvolver e a aprender de forma significativa, cada um no seu tempo,

temos que tratar as pessoas de uma forma diferente.

E isso independe da pessoa ter ou não a Síndrome de Down, ou outra das

rotuladas como deficiência.

SOMOS TODOS DIFERENTES

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Encerro a primeira parte desse e-book,

defendendo a ideia de que para sermos

realmente inclusivos temos que romper

com o dualismo excludente IGUAL x DIFERENTE.

A EDUCAÇÃO INCLUSIVA E A S ÍNDROME DE DOWN:INCLUIR AONDE?

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EDUCAÇÃO INCLUSIVA

“Somente na medida em que a história serve à vida queremos servi - la”

Friedrich Nietzsche

PARTE II

TENSÃO ENTRE EXCLUSÃO E INCLUSÃO SOCIAL

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Agora convido vocês a embarcarem no universo da Síndrome de Down

e da chamada Educação Inclusiva.

Sempre quando alguém coloca essa questão em pauta,

a primeira pergunta que me vem à mente é a seguinte:

DE QUE ESCOLA ESTAMOS FALANDO?

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QUAL É O FORMATO DE ESCOLA QUE ESTAMOS TENTANDO INCLUIR?QUAL É REALIDADE DENOSSA ESCOLA HOJE? A meu ver, o debate em relação a essa questão impõe que voltemos um

pouco no tempo. Segundo o ainda atual pedagogo brasileiro, Paulo Freire,

falar sobre o passado é importante para podermos refletir no aqui e agora

reiterando sempre que podemos mudar os rumos do futuro próximo.

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Com raras e instigantes exceções, a escola, do jeito que ela ainda existe

hoje, foi criada entre os séculos XVIII e XIX. Não querendo me estender

muito sobre esse tema, vem logo outra indagação:

Porque esse sistema de ensino foi criado? A resposta não é simples, mas o objetivo foi o de produzir pessoas em

série para se tornarem produtoras e consumidoras no sistema que estava

emergindo na época: o capitalismo.

Daí, caro leitor, as pessoas catalogadas como incapazes e improdutivas

foram alijadas dessa escola que tinha como intenção, já nos revelou

Foucault, criar “corpos dóceis e úteis”.

E o que é pior. No início, não havia opção nenhuma para elas.

Só depois, nasceu a chamada Escola Especial.

NASCIMENTO DA ESCOLA

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Pensemos um pouco no Brasil, sobretudo na escola pública.

Histórica e sociologicamente falando, até a década de 60, já estamos no

século XX, a grande maioria das pessoas vivia no campo.

Entre esse período e a década de 80, houve uma surpreendente inversão

desse número com o intitulado êxodo rural, ou seja, as grandes cidades

passaram a ser moradia, a maioria precária, da maior parte da população.

Mas qual é a ligação desse fenômeno, que ocorreu durante a ditadura

militar no Brasil, com nosso tema?

Antes, quem estudava na escola pública era uma elite que passava as

férias na Europa.

Da década de 80 em diante, a escola pública foi tendo que crescer para

receber as pessoas que estavam chegando do campo até que, nos anos

90, começou-se o discurso de que o ensino deveria ser para todos.

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Pois bem, não muito tempo depois (lá pelo meio dos anos 90), veio o debate

sobre a inclusão da Pessoa com Deficiência nessa mesma rede de ensino.

Na prática então foram duas inclusões praticamente simultâneas: a dos

moradores do campo e a das também chamadas hoje como pessoas com

necessidades educacionais especiais.

Até a década de 90, no Brasil, o debate e certa prática de inserção das

pessoas com deficiência e/ou dificuldade de aprendizagem no sistema

regular de ensino girou em torno do que pode ser chamado hoje de inclusão

adequativa.

A meta foi a de focar o processo de inclusão única e exclusivamente no

intitulado “aluno de inclusão”, dando destaque ao diagnóstico.

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Sobretudo desde o final dos anos 90, o discurso inclusivo passou a cobrar

da escola a tarefa de criar as condições necessárias para que a inclusão

realmente se efetive.

O que observamos, no entanto, na grande maioria das escolas, foi a

tentativa de realmente colocar em prática a adequação a um modelo de

escola pronto e acabado.

Mesmo considerando que houve avanços significativos durante todos esses

anos, é importante destacar que ainda enfrentamos limites substanciais e

graves em relação à constituição de uma escola verdadeiramente inclusiva

e democrática, que venha a responder de fato todas as singularidades e

necessidades básicas inerentes a cada ser humano, independente dele ser

rotulado como pessoa com deficiência.

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Enquanto isso, pensemos juntos leitor, a maioria das escolas continuam

a tentar ensinar do mesmo jeito que fazia para a elite dos anos 60,

desconsiderando por completo o novo público que estava batendo em

sua porta.

No campo da educação, a escola continuou sendo dividida em séries e

compartimentos fechados, além das intituladas disciplinas, no qual todos

os estudantes devem se adequar de uma forma regiamente homogênea,

restando a exclusão e a cultura do fracasso para os que não acompanham.

A maioria das escolas, habilmente escondidas no manto obscuro de um

discurso inclusivo, acaba promovendo, na melhor das hipóteses, o que

pode ser denominado como inclusão seletiva.

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Na maioria das vezes, o formato da sala de aula continua o mesmo.

Alunos enfileirados, cada um olhando a nuca do outro, se resumindo a

ouvir e anotar todo um conteúdo imposto de cima para baixo, sem levar

em consideração a história de vida, a realidade social e econômica e as

particularidades de cada um de seus educandos.

A própria palavra aluno, que significa “sem luz”, sequer foi discutida.

Uma nova pergunta vem necessariamente à tona: como universalizar o

ensino em uma escola que não foi criada para todos?

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O resultado parece estar claro para todos: a exclusão de todos aqueles que,

seja por qual motivo for, não conseguem acompanhar o ritmo frenético das

informações transmitidas pelo professor, em que a quantidade continua a

ser mais importante do que a qualidade.

É o que o Paulo Freire chamou de Educação Bancária.

O especialista em alfabetização e mentor na Escola da Ponte em Portugal,

José Pacheco, não se cansa de falar: provas como a do ENEM servem

apenas para medir a memória de curto prazo dos alunos e não o que eles

realmente aprenderam, o que ficou de verdadeiramente significativo.

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Prezado leitor, espero que você tenha acompanhado meu raciocínio. O

que está em jogo aqui são duas concepções de inclusão. Aquela que eu

gosto de chamar de adequativa, pressupondo que o equivocadamente

chamado “aluno de inclusão” tem que se adaptar a um modelo de ensino

visto como pronto e acabado.

É que a escola tradicional foi criada, pelo modelo dominante, para lidar

com uma fictícia homogeneidade e não com a heterogeneidade, com as

singularidades inerentes a cada ser humano. O capitalismo, por sua vez,

tende a classificar cada pessoa para dizer qual é seu papel hierárquico em

seus tentáculos, selecionando quem pode ou não ser integrado a ele.

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Nesse caso, podemos evocar a letra do músico Nando Reis, cantada

magistralmente por ele e pelo Arnaldo Antunes:

“EU NÃO CAIBO MAIS NAS ROUPAS QUE EU CABIA... EU NÃO VOU ME ADAPTAR, NÃO VOU ME ADAPTAR”

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Historicamente falando, a grande preocupação do sistema regular de

ensino sempre foi com o ensino e não com o aprendizado propriamente

dito, significando dizer que o papel do professor era, e ainda é em muitos

sentidos, o de apenas transmitir informações contidas em um currículo

imposto de cima para baixo e aplicado de forma homogênea a todos os

seus alunos indiscriminadamente.

Pensando na Filosofia da Diferença, significa dizer que o Outro, nesse

contexto, é obrigado a se adequar a um modelo ideal de ensino, ou seja, a

um currículo predeterminado e imposto de fora para dentro.

Trata-se aqui tão somente de mudar o lugar da exclusão, em nome de um

discurso inclusivo que não pressupõe a necessidade de transformar esse

modelo de escola ainda hegemônico e dominante.

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I N C L U S Ã O E A N E C E S S I D A D E D E M U D A R M O S A E S C O L A ( P A R A T O D O S )O que seria então uma legítima inclusão

para aqueles que não conseguem acompanhar

a denominada escola tradicional.

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A outra concepção de inclusão é a que a intitulada aula não seja mais

tecnicista, conteudista e muito menos exaustivamente expositiva, sem a

participação efetiva do aluno na construção de seu próprio processo de

aprendizagem.

As chamadas disciplinas, que deveriam ser na verdade áreas do

conhecimento, não podem mais ser expostas mecanicamente, sem a

preocupação com significado delas para a realidade do aluno.

Com isso, cada educando, com sua especificidade e condição, vai traçando

seu roteiro de estudo específico, levando em conta interesses, desejos,

necessidades e mesmo dificuldades.

E isso, caro leitor, vale para todos, incluindo os que têm Síndrome de

Down ou outra das rotuladas como deficiências.

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Segundo Paulo Freire, incluir não é colocar alguém, que está supostamente

“à margem de”, para dentro de uma sociedade aparentemente estática e

que não necessita de transformação.

Temos, ao contrário, que aprender a olhar as diferenças, transformando

nossos próprios preconceitos e desconstruindo uma cultura histórica

recheada de estigmatizações.

Trata-se de elaborar novas e diferenciadas estratégias de ensino-

aprendizado, capazes de atingir e fortalecer o potencial de cada estudante

em sua singularidade sem, no entanto, nos afastarmos do coletivo.

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A inclusão social e escolar, sob essa ótica, significa um profundo

reordenamento do que é viver em sociedade, além de desconstruir a ideia

de que inclusão não é destinada apenas às diagnosticadas como pessoas

com deficiência e sim reestruturar as práticas educativas homogeneizantes

de um modelo de escola que não foi criada para ser inclusiva.

Dito tudo isso, podemos sim criar estratégias de ensino que vão nos ajudar

a pensar e a ampliar ao máximo a aprendizagem dos que apenas nasceram

com o Cromossomo 21 a mais e nada mais.

Como ampliar ao máximo o aprendizado das pessoas com Síndrome de Down ou mesmo das chamadas pes-soas com def iciência?

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É preciso, antes de tudo, exercitar o princípio da escuta, do que dizem

e pensam os alunos, além de respeitar a diversidade humana e a

multiplicidade de interesses, desejos e necessidades.

Em linhas gerais, é importante que o professor observe e registre, com

o apoio de especialistas caso necessário, a evolução do processo de

aprendizado do “aluno com dificuldade de aprendizagem” ou “com

deficiência”, enfatizando que o educador deve ter um olhar capaz de

apreender e descrever os seus avanços e as dificuldades, traçando

caminhos alternativos em seu planejamento pedagógico, considerando

sempre as especificidades do estudante ou grupo de estudantes.

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• Elaborar propostas pedagógicas baseadas na interação com e entre os alunos,

adotando metodologias motivadoras e avaliando os educandos numa abordagem

processual e emancipadora.

• Detectar diferentes ritmos de aprendizagem e singulares formas de comunicação,

desenvolvendo ações inclusivas para toda a escola. É importante aqui não

subestimar o aluno, desencorajando-o e alimentando o estigma da incapacidade.

• Buscar criar comunidades mais acolhedoras e participativas, investindo na

possibilidade de todos perceberem o valor da diversidade e a importância do

respeito às diferenças, sejam elas quais forem.

Após essa explanação inicial, segue agora alguns tópicos que podem

ser inseridos inclusive nos Projetos Políticos Pedagógicos (PPPs) das escolas:

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• Detectar quais as necessidades de modificações da organização

espacial da sala de aula para auxiliar o desenvolvimento cognitivo e

pessoal do estudantes: Adequar as características físicas e espaciais

da classe.

• Mudanças na disposição das carteiras como, por exemplo, agrupá-las

em círculo e diminuindo o número de estudantes por classe.

• Modificar o agrupamento dos estudantes e as condições gerais da sala

para favorecer o aprendizado do aluno e sua interatividade com os

demais estudantes.

POSSÍVEIS ADEQUAÇÕESnA SALA DE AULA

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• Procurar estabelecer uma pedagogia mais colaborativa e menos

competitiva, criando grupos de aprendizagem e de pesquisas

heterogêneos.

• Conectar-se efetivamente com os pais ou responsáveis.

• Não pensar que para ser incluído e aprender, o aluno tem que superar

a sua deficiência.

• Colocar-se no lugar do estudante, não só buscando afetá-lo, mas

também sendo afetado por ele.

POSSÍVEIS ADEQUAÇÕESnA SALA DE AULA

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É importante, nessa perspectiva, desconstruir a histórica fragmentação

linear e extremamente imobilista que subdividiu o ensino em séries

estanques e intransponíveis, como se fossem condomínios fechados e

isolados entre si.

Se estivermos realmente interessados em pensar a inclusão escolar,

é preciso resistir ao que é exigido habitualmente como expectativa de

aprendizado pelas escolas, como sendo um único possível a ser alcançado

para todos os seus alunos.

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Para aqueles que não chegaram a um mesmo possível almejado,

consideram os que defendem a inclusão adequativa, basta utilizar o

conhecido reforço, tendo como objetivo a aproximação cada vez maior

entre o pejorativamente estigmatizado como aluno de inclusão e o que

é esperado não só para ele, mas para todos, de uma forma homogênea e

regiamente evolucionista.

É nesse contexto que se torna urgente começarmos a desconstruir certo

conceito de inclusão.

Não se trata de pensarmos em uma sociedade estática e parada, na qual

os que estão ou estavam supostamente fora devem se ajustar.

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O foco então não deve ser mais as chamadas pessoas com deficiência ou

com alguma dificuldade de aprendizagem e sim nós, os seres humanos,

cada um com sua diferenciação, seus limites e potencialidades.

O educador, nesse sentido, deve sempre estar aberto a reinventar a si

mesmo permitindo sempre ser afetado pela diferença, não preconizando

mais o seu aluno como uma página em branco pronta ou não a armazenar

envelopes conteudistas, prontos e acabados, sem nenhum vínculo com o

contexto social no qual ele está inserido.

Incluir verdadeiramente, ao contrário, não é destruir as diferenças em

nome de uma eventual igualdade/normalidade.

É se manter na diferença trocando com outras diferenças.

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É i n ve s t i r n a p o ss i b i l i d a d e

d e q u e o a l u n o p o d e c h e g a r

a s e u m á x i m o

n a q u e l e m o m e n t o .

E Q U E E S S E M Á X I M O

N U N C A É O D E F I N I T I V O !

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Guga Dorea é graduado em Comunicação Social pelas Faculdades

Integradas Alcantara Machado (FIAM-SP) e em ciências Sociais pela PUC-SP,

além de Mestrado e Doutorado em Sociologia e Ciências Políticas também

pela PUC. Atualmente é professor dos cursos de pós-graduação da UNISED,

além articulista e educador nas áreas de Inclusão Social e Educação. Coloca

em prática também o projeto, de sua autoria, Conectando Diferenças -

oficina de escrita para Pessoas com Deficiência no Instituto Casa do Todos

e no Morungaba, além de editar o Jornal Todos na Diferença, com textos

elaborados pelos próprios participantes da oficina. Frequenta ainda o

Grupo de Estudo sobre Filosofia da Diferença, pela Universidade Federal

de São Paulo - UNIFESP.

O EDUCADOR

O EDUCADOR

Guga Dorea é graduado em Comunicação Social pelas

Faculdades Integradas Alcantara Machado (FIAM-SP) e em ciências Sociais pela PUC-SP, além de Mestrado e Doutorado em Sociologia e Ciências Políticas também pela PUC. Atualmente é

professor dos cursos de pós-graduação da UNISED, além articulista e educador nas áreas de Inclusão Social e Educação. Coloca em prática também o projeto, de sua autoria, Conectando Diferenças - oficina de escrita para Pessoas com Deficiência no Instituto Casa do Todos e no Morungaba, além de editar o Jornal Todos na

Diferença, com textos elaborados pelos próprios participantes da oficina. Frequenta ainda o Grupo de Estudo sobre Filosofia da Diferença, pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)