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Universidad Nacional de La Plata. Da estrutura às formas de dominação: uma discussão teórica sobre a sociologia de Pierre Bourdieu. Larissa Dulce Antunes

A Sociologia de Pierre Bourdieu

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Sociologia de Pierre Bourdieu

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Universidad Nacional de La Plata.

Da estrutura s formas de dominao: uma discusso terica sobre a sociologia de Pierre Bourdieu.

Larissa Dulce Antunes

Introduo

Analisar e discutir os conceitos de Pierre Bourdieu no uma tarefa fcil, um filho de agricultores de uma pequena provncia da Frana que com uma trajetria improvvel chegou ao pice da pirmide intelectual francesa e se tornou um dos mais influentes cientistas sociais do mundo. Iniciou sua trajetria pela filosofia e ps-segunda guerra abraou a sociologia, sendo um dos responsveis pela renovao da sociologia enquanto cincia.

Nesse sentido, parece-nos significativo, como ponto de partida, maior compreenso de construtos elaborados por Bourdieu, tais como as noes de habitus, campo e capital (econmico, cultural, social e simblico) e a partir disso discutir suas consideraes sob temas como a dominao masculina, violncia simblica, distino e o inconsciente androcntrico.

Comearei discutindo um conceito central na sociologia de Pierre Bourdieu, o habitus. O habitus est presente na base da reproduo da ordem social e um mediador entre o individual e o coletivo. Segundo Bourdieu (2004:21):

Trata-se de disposies adquiridas pela experincia, logo, variveis segundo o lugar e o momento

O habitus um velho conceito repensado por Bourdieu que evolui dentro de suas prprias obras passando de um conceito determinista a um mais aberto que leva em conta a autonomia da ao do agente (BOURDIEU, 2004).

A gnese do habitus

Bourdieu (2009:87) define habitus como:

Os condicionamentos associados a uma classe particular de condies de existncia produzem habitus, sistemas de disposies durveis e transponveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionar como estruturas estruturantes, ou seja, como princpios geradores e organizadores de prticas e de representaes que podem ser objetivamente adaptadas ao seu objetivo sem supor inteno consciente de fins e o domnio expresso das operaes necessrias para alcan-los, objetivamente reguladas e regulares sem em nada ser o produto da obedincia a algumas regras e, sendo tudo isso, coletivamente orquestradas sem ser o produto da ao organizadora de um maestro

Assim, o habitus um sistema de disposies que os indivduos adquirem no processo de socializao, ou seja, so modos de agir, fazer, perceber, sentir e pensar que so interiorizadas pelos indivduos como resultado das condies de existncia. Contudo, no uma imposio, ele na verdade uma disposio de sentido, isto , fornece ao agente um sentido de comportamento e consiste na relao entre o agente e a sociedade, a estrutura e a ao. Ainda permite a produo de todos os tipos de pensamento, percepes e todas as aes nas condies particulares de sua produo, ou seja, uma liberdade controlada. (BOURDIEU, 2009; WACQUANT, 2002).

Um sistema de classificao que limita as escolhas dos indivduos, um sistema de classificao anterior a ao, que na forma interiorizada permite o agente agir sem precisar lembrar necessariamente das regras que so observadas para agir. Alm de sistema de classificao, o habitus com efeito, princpio gerador de prticas de sistema classificveis e sistemas de classificao (BOURDIEU, 2008).

O habitus composto de duas partes, primeiro pelo princpio de valores morais que de forma interiorizada passa a regular a conduta, e segundo pela postura, ou forma de disposio do corpo e as relaes ao corpo, sendo as duas partes indissociveis. O habitus compe a raiz daquilo que define a personalidade dos indivduos, at mesmo as preferncias e gosto so produto do habitus. (BONNEWITZ, 2003)

Bourdieu ainda trata o habitus como fator de distino, produto da posio e da trajetria social dos indivduos, assim, cada classe corresponde a um habitus diferente que produz prticas diferentes e se organizam por meio de capitais diferentes. (BOURDIEU, 2008:164).

Estrutura estruturante que organiza as prticas e a percepo das prticas, o habitus tambm estrutura estruturada: o princpio de diviso em classes lgicas que organiza a percepo do mundo social , por sua vez, o produto da incorporao da diviso em classes sociais. Cada condio definida, inseparavelmente, por suas propriedades intrnsecas e pelas propriedades relacionais inerentes sua posio no sistema das condies que , tambm, um sistema de diferenas, de posies diferenciais, ou seja, por tudo o que a distingue de tudo o que ela no e, em particular, de tudo o que lhe oposto: a identidade social define-se e afirma-se na diferena.

Cada indivduo uma variante de um habitus de classe e o princpio da diferena entre os habitus individuais se deve a trajetrias sociais distintas. Ou seja, existe um habitus de classe e dentro deste existe algumas variaes que se tratam das individualidades, que so produto da trajetria individual. (BOURDIEU, 2009:100)

O princpio das diferenas entre o habitus individuais reside na singularidade das trajetrias sociais, s quais correspondem sries de determinaes cronologicamente ordenadas e irredutveis umas s outras: o habitus que, a todo momento, estrutura em funo das estruturas produzidas pela experincias anteriores as experincias novas que afetam essas estruturas nos limites definidos pelo seu poder de seleo, realiza uma integrao nica, dominada pelas primeiras experincias, das experincias estatisticamente comuns aos membros de uma mesma classe. Com efeito, o peso particular das experincias primitivas resulta, no essencial, do fato de que o habitus tente a garantir sua prpria constncia e sua prpria defesa contra a mudana mediante a seleo que ele opera entre as informaes novas, rejeitando, em caso de exposio fortuita ou forada, as informaes capazes de questionar a informao acumulada e, principalmente, desfavorecendo a exposio a tais informaes.

Alm disso, o habitus um forte fator de reproduo social. Os agentes, quando dotados de mesmo habitus no precisam entrar em acordo para agir da mesma maneira, cada um acreditando obedecer a um gosto individual concorda de forma inconsciente com outros milhares. A prtica coletiva deve sua unidade ao habitus coletivo, ele cria a iluso da escolha quando os agente esto apenas mobilizando o habitus que os modelaram. (BONNEWITZ, 2003).

Dessa forma, o habitus est diretamente relacionado prtica, ou melhor, ela resultado dele, mas no somente. Bourdieu chega a propor uma frmula para sua compreenso: [(Habitus) (Capital)] + Campo = Prtica. (BOURDIEU, 2008).

Partindo dessa frmula, o habitus se traduz em estilos de vida, julgamentos morais, polticos e estticos que tambm permite criar estratgias individuais e coletivas. (VASCONCELOS, 2002).

Em adio, ele lembra que para compreender a constituio do habitus preciso conhecer a sua histria, gnese e as estruturas vigentes na sociedade e naquele campo em especial. As funes sociais so fices, pois forja-se uma imagem social, por meio da representao, e institui-se as funes sociais que, para serem cumpridas, necessitam de adeso do agente ao jogo social. O habitus um fator explicativo da lgica de funcionamento da sociedade. (GONALVES, 2010).

Bourdieu enfatiza que o habitus possui caractersticas de incorporao no agente de uma forma que ele se torna o prprio agente e passa a reproduzir internamente as estruturas externas do mundo. Contribui ainda significativamente para reproduo da ordem social de forma sutil, em geral inconsciente por partes dos agentes. (BOURDIEU, 2010).

Ainda a forma pela qual as instituies encontram sua plena realizao, a propriedade se apropria do proprietrio sob a forma de estruturas geradoras de prticas conformes sua lgica e s suas exigncias. (BOURDIEU, 2009)

Contudo, o habitus no um destino, sendo um produto da histria, ele est sujeito a novas experincias e a ser afetado por elas, ele duradouro, porm no imutvel. Bourdieu quando props o conceito de habitus, pretendia mostrar que o ser humano um ser social, que os seus comportamentos e aes, at as que julgamos mais naturais so produtos da organizao social. Tambm trata as lgicas das prticas nos diferentes campos e os mecanismos de reproduo social. (BONNEWITZ, 2003).

Depois de discutirmos o habitus, retornemos as noes de espao social, espao simblico e reproduo escolar.

Estruturas dos campos sociais

Segundo Bourdieu, em Razes Prticas, o espao social:

construdo de tal modo que os agentes ou os grupos so ai distribudos em funo de sua posio na distribuies estatsticas de acordo com dois princpios de diferenciao que, em sociedades mais desenvolvidas, como os Estados Unidos, o Japo ou a Frana, so, sem dvida, os mais eficientes o capital econmico e o cultural Cada campo marcado por agentes sociais providos de mesmos habitus, e essa relao entre o habitus e o campo um a relao de condicionamento, o campo estrutura o habitus. (BONNEWITZ, 2003).

Em O poder simblico, Bourdieu (2010:135) trata do campo social como:

Pode-se descrever o campo social como um espao multidimensional de posies tal que qualquer posio atual pode ser definida em funo de um sistema multidimensional de coordenadas cujos valores correspondem aos valores das diferentes variveis pertinentes: os agentes distruibuem-se assim nele, na primeira dimenso, segundo o volume global do capital que possuem e, na segunda dimenso, segundo a composio do seu capital quer dizer, segundo o peso relativo das diferentes espcies no conjunto das duas posses.

Ou seja, cada elemento do campo um agente, e esses agentes comungam dos mesmos interesses e capitais. Cada campo possui suas prprias caractersticas, com suas regras e capitais especficos. Por possuir uma parte que domina e outra que dominada de acordo com o acumulo de capital que detm o campo marcado por conflitos constantes. O campo pode ser considerado como um mercado, onde os agentes se comportam como jogadores. (BONNEWITZ, 2003).

No se trata de espaos com fronteiras minimamente delimitadas, os campos interagem entre si, eles no so totalmente autnomos. O limite de um campo o limite dos seus efeitos, participam desse campo todos o que so afetados por esse efeito ou nele os produz.

Bourdieu chama essas caractersticas dos campos de Leis gerais dos campos, que podemos resumir: (apud BONNEWITZ, 2003: 60).

Em termos analticos, um campo pode ser definido como uma rede ou uma configurao de relaes objetivas entre posies. Essas posies so definidas objetivamente em sua existncia e nas determinaes que elas impem aos seus ocupantes, agentes ou instituies, por sua situao (situs) atual e potencial na estrutura da distribuio das diferentes espcies de poder (ou de capital) cuja posse comanda o acesso aos lucros especficos que esto em jogo no campo e, ao mesmo tempo, por suas relaes objetivas com as outras posies (dominao, subornao, homologia, etc.). Nas sociedades altamente diferenciadas, o cosmos social constitudo do conjunto destes microcosmos sociais relativamente autnomos, espaos de relaes objetivas que so o lugar de uma lgica e de uma necessidade especficas e irredutveis s que regem os outros campos. Por exemplo, o campo artstico, o campo religioso ou o campo econmico obedecem as lgicas diferentes.

Patrice Bonnewitz (2003) compara o campo com o mercado, com produtores e consumidores. Os produtores, que so os indivduos que detm algum capital especfico, lutam entre si a fim de conquistarem capital suficiente para dominarem o campo. Nesse sentido, o campo um espao de foras opostas, sendo o capital um meio e um fim.

Bourdieu (apud BONNEWITZ, 2003: 61) compara o campo a um jogo:

Efetivamente, podemos comparar o campo a um jogo (embora, ao contrrio de um jogo, ele no seja o produto de uma criao deliberada e obedea a regras, ou melhor, a regularidade que no so explicadas e codificadas). Temos assim mveis de disputa que so, no essencial, produto da competio entre os jogadores; um investimento no jogo, illusio (de ludus, jogo): os jogadores se deixam levar pelo jogo, eles se opem apenas, s vezes ferozmente, porque tm em comum dedicar ao jogo, a ao que est em jogo, uma crena (doxa), um reconhecimento que escapa ao questionamento [...] e essa coluso est no princpio de sua competio e de seus conflitos. Eles dispem de trunfos, isto , de cartas mestra cuja fora varia segundo o jogo: assim como a fora relativa das cartas muda conforme os jogos, assim tambm a hierarquia das diferentes espcies de capital (econmico, cultural, social, simblico) varia nos diferentes campos.

O objetivo do jogo acumular o mximo de capital, desde que sejam respeitadas as regras do jogo. As formas de jogar so relativas quantidade de capital dos jogadores, ou seja, jogadores em posies dominantes tendem a serem conservadores e os jogadores em posies dominadas tendem a serem subversivos. (BONNEWITZ, 2003)

Cada campo dotado de lgica e histria prpria, que permite compreender a relativa autonomia em relao aos outros campos. Os campos mais diferentes s podem funcionar na medida em que existam agentes que invistam nele, ou seja, que lhes proporcionem recursos para que persigam seus objetivos contribuindo para manter suas estruturas, ou de forma condicionada, transform-los. (BOURDIEU, 2010).

A posio dos agentes no campo social depende de sua posio no espao social, a estrutura dos agentes no campo social reflexo da estrutura social, portanto apesar de possurem lgicas prprias os campos so atravessados por clivagens idnticas as que opem as classes sociais.

Bourdieu(2010:69) ainda afirma que:

Compreender a gnese social de um campo, e apreender tudo aquilo que faz a necessidade especfica da crena que o sustenta, do jogo de linguagem que nele se joga, das coisas materiais e simblicas em jogo que nele se geram, explicar, tornar necessrio, subtrair ao absurdo do arbitrrio e do no-motivado os atos dos produtores e as obras pro eles produzidas e no como geralmente se julga, reduzir ou destruir.

Conforme j enunciado, segundo Bourdieu, os campos organizam-se hierarquicamente no interior do campo de poder a partir do capital (GONALVES, 2010). Em outros termos, as diferentes formas de capitais que permitem estruturar o espao social, assim, para compreender como se organiza o espao social necessrio discutir sobre os diferentes capitais.

Segundo Bourdieu, o capital cultural existe sob trs formas, o estgio incorporado, o estgio objetivado e o estgio institucionalizado e so o conjunto de qualidades intelectuais adquiridas pelo sistema escolar ou transmitida pela famlia (GONALVES, 2010:57).

No primeiro caso, pressupe um trabalho de inculcao e assimilao (habitus), no pode ser transmitido instantaneamente necessitando de investimento de tempo pelo agente, e no pode ser acumulado, morre com o agente. No segundo, tratando-se de suportes materiais, estes podem ser transmitidos como propriedade, porm requerem uma condio especfica para serem desfrutados: as disposies incorporadas que permitem apreci-los. No terceiro caso, remete-se ao certificado escolar, documento jurdico que comprove a competncia cultural do agente, mas que tem relativa autonomia em relao a este, por exemplo, com o reconhecimento social deste documento pode variar conforme o perodo histrico, ou quando em comparao com outros, concedidos por diferentes instituies.

O capital social, por sua vez, envolve a manuteno das relaes sociais que englobam tanto os indivduos quanto o coletivo, acumulando-se pelo processo de socializao, isto , rede de relaes mais ou menos institucionalizadas de interconhecimento e interreconhecimento, ou a um conjunto de agentes que no somente so dotados de propriedades comuns [...], mas tambm so unidos por ligaes de permanentes de teis (NOGUEIRA e CATANI, 2005: 67).

J o capital econmico constitudo pelos diferentes fatores de produo e pelos conjuntos dos bens econmicos, como bens materiais, renda, patrimnio. (BONNEWITZ, 2003). importante frisar que a riqueza no necessariamente fator do capital econmico. Para que se comporte como capital necessrio levar em conta sua relao com o campo (BOURDIEU, 2009).

Por ltimo, o capital simblico, que faz referncia aos outros capitais, ou seja, ele no existe sozinho nem independente dos demais, associa-se ao capital e agrega valor.

O autor ainda enfatiza a relao entre capital social e capital econmico, ou seja, o capital econmico no age seno sob a forma eufemizada do capital simblico (BOURDIEU, 2009). Contudo, essa reconverso no acontece de forma automtica, ela necessita, obrigatoriamente, de um conhecimento da lgica econmica (BOURDIEU, 2009:198):

[...] o capital simblico traz tudo o que pode ser colocado sob o nome de nesba, isto , a rede de aliados rede relaes que se tem (e que se mantm) por meio do conjunto dos engajamentos e das dvidas de honra, dos direitos e dos deveres acumulados ao longo das geraes sucessivas e que pode ser mobilizado nas circunstncias extraordinrias. Capital econmico e capital simblico esto to inextricavelmente mesclados que a exibio da fora mental e simblica representada pelo aliados prestigiosos de natureza e trazer por si benefcios materiais, em uma economia da boa-f na qual uma boa reputao constitui a melhor e talvez a nica garantia econmica.

Outra caracterstica importante do capital simblico a forma de legitimar o poder simblico que relacionado posio do agente proporciona a dominao do campo:

O capital simblico confere poder e legitimidade poder simblico ao agente ou grupo que o possui, a partir de seu reconhecimento dentro de determinado campo. Essa posse tambm esta relacionada posio do agente dentro do campo, e se d em relao aos demais agentes, pressupondo o desconhecimento da violncia que se exerce atravs dele..A lgica da Distino

Essa posio dos agentes depende do volume e da estrutura do capital que detm, e dentre todos os capitais, o capital cultural e o capital econmico que estabelecem os critrios mais significativos de distino entre os agentes.

A posio em relao ao volume de capital contrasta os agentes fortemente dotados de capital e os agentes fracamente dotados, ou seja, hierarquiza os agentes em alta e baixa escala social tomando como referncia a quantidade de capital acumulada. J em relao estrutura do capital o importante a constituio do volume total de capital, ou seja, os a gentes que o capital econmico se sobrepe ao capital cultural se opem aos agentes com propriedades contrrias. essa forma de distino que permite diferenciar os agentes que ocupam o mesmo espao na dimenso social (BONNEWITZ, 2003).

O espao social s pode funcionar por meio dessa lgica de distino, onde os agentes, tanto individuais quando coletivos interiorizam a vontade de criar identidades sociais prprias que permitam coexistir socialmente.Bourdieu tambm refora a cultura como outro importante fator de distino. Essa definio de cultura trata apenas o sentido sociolgico, sendo um conjunto de valores e prticas adquiridas e compartilhadas por uma pluralidade de pessoas. (BONNEWITZ, 2003:95).

O emprego do termo no plural, culturas, remete noo de pluralismo cultural. Assim, no seio de uma mesma cultura, podem existir grupos que no compartilham as prticas e as representaes dominantes. (BONNEWITZ, 2003).

Todavia, segundo Bourdieu os membros das diferentes classes socias se distinguem no tanto pelo grau segundo o qual eles reconhecem a cultura, mais sim pelo grau segundo o qual a conhecem.

Essa relao com a cultura diferente de classe para classe, ela depende dessa posio do agente no espao social. As classes dominantes tendem a criar um poder distintivo que tem por funo assegurar suas posies por meio de uma estratgia de distino.

Para entender essa lgica de manipulao e aplicao da lgica de distino precisamos retomar a questo do poder simblico, nos resta tratar de outro importante conceito na teoria sociologia de Bourdieu, a dominao.

As formas de Dominao

Retomemos a metfora que Bourdieu cria para explicar os campos scias, dentro do jogo, os jogadores esto em conflito constante visando acumular capital para que tenham meios para dominar o jogo. (BOURDIEU, 2010:12).

A classe dominante o lugar de uma luta pela hierarquia dos princpios de hierarquizao: as fraes dominantes, cujo poder assenta no capital econmico, tm em vista impor a legitimidade da sua dominao quer por meio da prpria produo simblica, quer por intermdio dos idelogos conservadores os quais verdadeiramente servem os interesses dos dominantes por acrscimo, ameaando sempre desviar em seu proveito o poder de definio do mundo social que detm por delegao; a frao dominada (letrados ou intelectuais e artistas, segundo a poca) tende sempre a colocar o capital especfico a que ela deve a sua posio, no topo da hierarquia dos princpios de hierarquizao.

Os agentes dominantes devem criar e construir sua reputao, fazendo com que os dominados acreditem em seus mritos, assim que surge o poder simblico, que permite com que essa classe dominante estabelea uma cultura dominante. (BOURDIEU, 2010:10).

A cultura dominante contribui para a integrao real da classe dominante (assegurando uma comunicao imediata entre todos os seus membros e distinguindo-os das outras classes); para a integrao fictcia da sociedade no seu conjunto, portanto, desmobilizao (falsa conscincia) das classes dominadas; para a legitimao da ordem estabelecida por meio do estabelecimento das distines (hierarquias) e para a legitimao dessas distines.

Assim, a cultura que une (intermedirio de comunicao) a classe dominante a mesma que os separa (instrumento de distino) dos dominados e que legitima as distines de todas as culturas (designadas como subculturas) e definem sua distncia da cultura dominante. Que por estruturarem os habitus, acabam sendo reproduzidas pela educao por meio do sistema escolar.

Essa ordem estabelecida ou para Bourdieu (2011a) o paradoxo da dxa, adquire um carter quase natural e se reproduz facilmente, o que nos impede de perceber a violncia simblica que permeia as relaes de dominao, principalmente no que tange a noo bourdiesiana de biologizao do social e socializao do biolgico que fundaria o gnero como habitus sexuado (BOURDIEU, 2011a:9).

A dominao masculina

A dificuldade, portanto est em considerar o carter arbitrrio o qual (des)conhecemos da diferena entre masculino e feminino e ao mesmo tempo sua dimenso simblica e sua necessidade socio-lgica. (BOURDIEU: 2011a) Assim, como pretendia Levi-Strauss ao propor uma anlise simblica do social, criticando a anlise social do simblico empreendida por Mauss, preciso considerar a funo simblica da dominao masculina e a lgica simblica da diferena entre masculino e feminino.

Para Bourdieu, os esquemas compartilhados que engendram os pensamentos contidos na objetividade das diferenciaes ajudam a confirmar a ordem natural do mundo.

Arbitrria em um estado isolado, a diviso das coisas e das atividades (sociais e outras) segundo a oposio entre o masculino e o feminino recebe sua necessidade objetiva e subjetiva de sua insero em um sistema de oposies homlogas, alto/baixo, em cima/embaixo, na frente/atrs, direita/esquerda, reto/curvo (e falso), seco/ mido, duro/mole, temperado/insosso, claro/escuro, fora (pblico)/dentro (privado) etc., que, para alguns correspondem a movimentos do corpo (alto/baixo//subir/descer, fora/dentro// sair/entrar). (BOURDIEU, 2011a:16).

A diviso socialmente imposta entre os sexos (que no se refere s diferenas biolgicas) que s vezes parece ser inevitvel est presente na ordem das coisas (diviso sexual do espao e do trabalho), em um estado objetivado nas relaes sociais e em estado incorporados nos agentes.

O mundo social constri o corpo como realidade sexuada e como depositrio de princpios de viso e de diviso sexualizantes. Esse programa social de percepo incorporada aplica-se a todas as coisas do mundo e, antes de tudo, ao prprio corpo, em sua realidade biolgica: ele que constri a diferena entre os sexos biolgicos, conformando-a aos princpios de uma viso mtica do mundo, enraizada na relao arbitrria de dominao dos homens sobre as mulheres, ela mesma inscrita, com a diviso do trabalho, na realidade da ordem social. A diferena biolgica entre os sexos, isto , entre o corpo masculino e o corpo feminino, e, especificamente, a diferena anatmica entre os rgos sexuais, pode assim ser vista como justificativa natural da diferena socialmente construda entre os gneros e, principalmente, da diviso social do trabalho (BOURDIEU, 2011a:18-20).

Portanto, as definies sociais para as diferenas anatmicas entre os rgos sexuais, no remetem a as descries dos atributos naturais visivelmente perceptveis, mas so produto de uma construo que ao mesmo tempo produto de uma tentativa de reforar a as diferenas ou ocultar as semelhanas. (BOURDIEU, 2011a) Segundo essa lgica, alm de uma construo social, os corpos seriam construdos a partir de uma viso androcntrica do mundo e essa viso que faz com que exista uma hierarquia da diferena entre o masculino e o feminino.

O inconsciente androcntrico legitima uma forma de dominao e cria uma natureza biolgica, que por sua vez, uma construo social, possvel apenas em uma existncia relacional, cada um dos dois gneros produto do trabalho de construo diacrtica, ao mesmo tempo terica e prtica que necessrio sua produo como corpo socialmente diferenciado do gnero oposto (sob todos os pontos de vista culturalmente pertinentes) isto , como habitus viril, e portanto no feminino, ou feminino, e portanto no masculino. (BOURDIEU, 2011a:34).

O Inconciente androcntrico

Em A dominao masculina, Pierre Bourdieu (2011a: 13) empreendeu uma anlise das estruturas objetivas e das formas cognitivas de uma sociedade histrica especfica, ao mesmo tempo extica e ntima, estranha e familiar, a dos berberes da Cablia. Inicialmente nos parece confuso que seja possvel que a sociedade Cablia nos parea extica e intima ou estranha e familiar, contudo, esses adjetivos constituem sentido quando compreendemos a noo de inconsciente androcntrico que por sua vez, opera a objetivao das categorias do prprio inconsciente.

A violncia simblica que perpassa essa constituio androcntrica do mundo se legitima e naturaliza por meio de prticas que essa prpria viso determina, essa hierarquizao que predispem um dominador masculino e um dominado feminino e as prprias maneiras de agir conforme socialmente se espera. Os princpios antagnicos da identidade masculina e da identidade feminina se inscrevem, assim, sob forma de maneiras permanentes de servir do corpo, ou de manter a postura, que so como que a realizao, ou melhor, a naturalizao de uma tica que so construdas e naturalizadas partir dessa viso androcntrica, que partindo da sociedade Cablia me parece categorias de um inconsciente universal (intima, familiar) e traduzidas de forma singular (extica, estranha) nas diferentes culturas. (BOURDIEU, 2011a: 38).

Seriam essas estruturas objetivas que legitimam a violncia simblica e fazem dos dominados e dos dominantes produtos da dominao. Os dominados aplicam e reproduzem as categorias criadas a partir dos dominantes, e esse processo incessante de reproduo que cria essa lgica quase inquestionvel. uma violncia invisvel, quase imperceptvel que estando objetivado e incorporado na ordem do mundo que o dominado e o dominante aderem por meio dessas classificaes historicamente naturais das quais so produto. (BOURDIEU 2011a).

importante frisar que tanto Hritier quanto Bourdieu acreditam na ao dos agentes eno acreditam na invariabilidade da dominao, muito pelo contrrio. Bourdieu (2011a) respondeu a possveis mal entendidos nas interpretaes simplistas e reducionistas a respeito da violncia simblica e da estrutura da dominao masculina, a qual tentou incessantemente mostrar que nada tem de a-histrico, e ao contrrio, justamente pertencem a construes sociais histricas e, portanto esto sujeitas a mudanas.

Assim, para Bourdieu, o inconsciente androcntrico o que estaria no cerne das construes das diferenas que nos so observveis entre o corpo feminino e o corpo masculino.

Concluso

Portanto, apesar de Levi-Strauss ter problematizado a posio da mulher em uma relao de aliana e comunicao entre os homens, colocando-a no apenas como um sinal, mas tambm como valor, que consideraria seu valor particular (tanto antes quando depois do casamento) e no apenas como uma palavra determinada direcionada a um tipo especfico de comunicao. Mesmo assim, essa forma de conceber as transaes matrimoniais impediu que se observasse a relao de fora simblica que visa conservar ou aumentar a fora simblica (BOURDIEU, 2011a).

O carter da troca de mulheres (ou troca de relaes de parentesco), como troca de mercadorias no considera uma ambiguidade dualstica extremamente importante para uma economia de bens simblicos: a qual, direcionada pelo acumulo de capital simblico transforma todos os objetos passiveis de serem trocados, em dons (e no em produto), ou seja, em signos que so inseparavelmente instrumentos de dominao (BOURDIEU, 2011a; 2011b) .

Portanto, Bourdieu (2011a) propem uma teoria que no considera somente a estrutura da troca, mas fundamentalmente o trabalho social que ela predispe dos que a realizam e, sobretudo, o que necessrio para dele produzir e reproduzir, so s os agentes como tambm a prpria lgica da troca. Dessa forma, reafirma que o capital simblico no se reproduz por sua prpria fora e fora das aes agentes. Para Bourdieu (2011a:57-58)

(Re)produzir os agentes (re)produzir as categorias (no duplo sentido de esquemas de percepo e de avaliao e de grupos sociais) que organizam o mundo social, categorias no s de parentesco, evidentemente, mas tambm categorias mtico-rituais; (re)produzir o jogo e seus lances (re)produzir as condies de acesso reproduo social (e no apenas a sexualidade), garantida por uma troca agonstica que visa a acumular estatutos genealgicos, nomes de linhagem ou de ancestrais, isto , capital simblico, e portanto poderes e direitos duradouros sobre pessoas: os homens produzem signos e os trocam ativamente, como parceiros-adversrios unidos por uma relao de igualdade de honra, condio mesma de uma troca que pode produzir a desigualdade na honra, isto , a dominao.

Segundo Bourdieu, o esforo masculino em superar a capacidade feminina de possuir os meios de reproduo da espcie est intrinsecamente ligado e fundamentado na economia de bens simblicos que impe a subordinao da reproduo biolgica s necessidades da reproduo do capital simblico (BOURDIEU, 2011a:59).

As (re)produes que estariam no cerne da economia de bens simblicos e nessa lgica ligadas ao trabalho social de se produzirem e reproduzirem os esquemas de organizao do mundo com os quais e sob os quais o inconsciente androcentrico adquiri sentido, os signos femininos adquirem valor e a dominao masculina adquiri legitimidade. (BOURDIEU, 2011a; 2011b).

REFERNCIAS

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