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141 Educação, Batatais, v. 5, n. 2, p. 141-166, 2015 A surdocegueira no contexto escolar Aline Ferreira Rodrigues PACCO 1 Érika Rímoli Mota da SILVA 2 Resumo: A Educação Especial é uma área abrangente e, no Brasil, tem como público-alvo pessoas com deficiências, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação. De acordo com dados do Censo, o número de matrículas desse público em escolas comuns vem crescendo e, com isso, faz-se necessário maior conhecimento acerca desse alunado. O presente artigo tem como objetivo discorrer sobre a definição, o histórico, a legislação, as causas, as formas de comunicação, as práticas pedagógicas em sala de aula regular e na sala de recursos multifuncional bem como a relação da família diante do sujeito com surdocegueira. Foi possível notar a escassez de publicações referentes a esse público, sendo estas, em sua maioria, relacionadas à comunicação do indivíduo surdocego. Palavras-chave: Educação Especial. Surdocegueira. Atendimento Educacional Especializado. 1 Érika Rímoli Mota da Silva. Mestranda em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Licenciada em Educação Especial pela mesma instituição. E-mail: <rimolierika@ hotmail.com>. 2 Aline Ferreira Rodrigues Pacco. Mestranda em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Licenciada em Educação Especial pela mesma instituição. E-mail: <aline_pacco@ yahoo.com.br>.

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A surdocegueira no contexto escolar

Aline Ferreira Rodrigues PACCO1

Érika Rímoli Mota da SILVA2

Resumo: A Educação Especial é uma área abrangente e, no Brasil, tem como público-alvo pessoas com deficiências, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação. De acordo com dados do Censo, o número de matrículas desse público em escolas comuns vem crescendo e, com isso, faz-se necessário maior conhecimento acerca desse alunado. O presente artigo tem como objetivo discorrer sobre a definição, o histórico, a legislação, as causas, as formas de comunicação, as práticas pedagógicas em sala de aula regular e na sala de recursos multifuncional bem como a relação da família diante do sujeito com surdocegueira. Foi possível notar a escassez de publicações referentes a esse público, sendo estas, em sua maioria, relacionadas à comunicação do indivíduo surdocego.

Palavras-chave: Educação Especial. Surdocegueira. Atendimento Educacional Especializado.

1 Érika Rímoli Mota da Silva. Mestranda em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Licenciada em Educação Especial pela mesma instituição. E-mail: <[email protected]>.2 Aline Ferreira Rodrigues Pacco. Mestranda em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Licenciada em Educação Especial pela mesma instituição. E-mail: <[email protected]>.

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The deaf blindness in the school context

Aline Ferreira Rodrigues PACCOÉrika Rímoli Mota da SILVA

Abstract: The Special education is a broad area, and in Brazil, has as target audience people with disabilities, pervasive developmental disorders and high ability or giftedness. According to Censo data, the registrations numbers which public ordinary schools is growing, therewith, it is necessary more knowledge of these students. This article aims to discuss the definition, the history, the law, the causes, the forms of communication, the pedagogical practices in regular classroom and multifunctional resource room and the family’s relationship with the deaf blind. We observed the shortage of publications relating to this public, these being mostly focused on the individual communication with deaf blindness.

Keywords: Special Education. Deaf Blindness. Educational Service Specialist.

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1. INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como objetivo discorrer sobre a definição, as causas, as formas de comunicação, as práticas pedagógicas em sala de aula regular e na sala de recursos multifuncional e a relação da família diante do sujeito com surdocegueira, considerando a importância de abordar essa deficiência tão singular.

As políticas públicas são fundamentais na garantia dos direitos de todos os cidadãos. No que se refere ao público-alvo da educação especial, isso não é diferente. Autores como Galvão e Miranda (2013) apontam que a surdocegueira está contemplada no âmbito das pessoas com deficiência. O Decreto n. 6949/2009 (BRASIL, 2009), que promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, define as pessoas com deficiência como aquelas:

[...] que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas (BRASIL, 2009, n.p.).

A partir de tal definição, pode-se inferir que as pessoas surdocegas se encaixam no âmbito das deficiências sensoriais. Nota-se que, nas principais políticas brasileiras (BRASIL, 1996; BRASIL, 2008; BRASIL, 2009; BRASIL, 2011), em nenhum momento, a surdocegueira é mencionada de forma clara e direta, encontrando-se sempre justaposta às demais deficiências.

Em relação aos documentos voltados aos professores, que devem ser orientadores de práticas voltadas a determinado público--alvo, verifica-se a existência de documento desse tipo que se refere à surdocegueira ao se abordar a Educação Infantil (BRASIL, 2006). Tais documentos que abordam o Ensino Fundamental possuem exemplares que tratam apenas das deficiências auditiva, física e vi-sual, além de altas habilidades ou superdotação. O mesmo ocorre quando se trata desses documentos voltados para o Atendimento Educacional Especializado (AEE), em que existem apenas cartilhas específicas para as deficiências auditiva, física, visual e intelectual.

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A ausência de documentos, norteadores das práticas dos professores, ainda que cada aluno seja único, estimula a execução por parte dos educadores de conceituações e práticas equivocadas, o que pode acabar por prejudicar o desenvolvimento do indivíduo com surdocegueira, visto que a formação para o trabalho com esse público é bastante escassa (GODOY; VITALIANO; FABRI, 2012).

Dessa forma, ainda que a surdocegueira não consista na somatória das deficiências auditiva e visual, alguns direitos podem ser assegurados a partir de aspectos legais, como o Decreto 5626/2005, que regulamenta a Lei Libras (Lei 10.436/2002) e a Lei 4.169/1962, que oficializa as convenções Braille para uso na escrita e leitura, além da Lei 10.098/2000, que estabelece normas e critérios para a promoção da acessibilidade das pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida.

2. PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO: PESQUISAS CIEN-TÍFICAS

Assim como ocorre nas publicações de documentos oficiais, as pesquisas científicas relacionadas às pessoas com surdocegueira também são escassas. Ao pesquisar nas bases de dados Portal de Periódicos da Capes, Lilacs e Scielo com o descritor “surdocegueira”, encontrou-se, respectivamente, a quantidade de 16, 10 e 4 resultados, sendo quatro em comum em todas ou em duas bases, resultando numa somatória de 23 artigos relativos à surdocegueira.

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Figura 1. Quantidade de resultados encontrados nas bases de dados.

Fonte: elaborado pelas autoras.

Ao se tratar de surdocegueira, nota-se a escassez de pesquisas com esse público nas principais bases de dados. Contudo, dentre as existentes, predominam aquelas com a temática relacionada à comunicação desses indivíduos, assim como aquelas que abordam a surdocegueira de maneira geral, conforme ilustrado pelo Gráfico 1.

Gráfi co 1. Temas das pesquisas sobre surdocegueira.

Fonte: elaborado pelas autoras.

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Nota-se, portanto, a necessidade de produzir mais conhecimentos sobre esse público por meio de pesquisas, de forma a compartilhar e disseminar o conhecimento, visando à melhor qualidade quanto ao desenvolvimento e à escolarização das pessoas com surdocegueira.

3. DEFININDO A SURDOCEGUEIRA

Quanto à definição, nota-se a preocupação entre os estudos em se tornar evidente a questão de que a surdocegueira é considerada uma deficiência única e singular, sendo causada pela perda dos sentidos da visão e da audição de tal forma que se impossibilita utilizá-los a distância (AGOSTINO; COSTA, 2006; GALVÃO; MIRANDA, 2013).

Maia e Aráoz (2001) apontam que o termo “surdocegueira”, escrito de forma “junta”, sem uso de hífen (surdo-cegueira), como era comumente utilizado, é o mais apropriado, visto que esta é uma deficiência específica, não sendo apenas, conforme já mencionado, a somatória de duas deficiências (auditiva e visual).

No que concerne à classificação, a surdocegueira pode ser subdividida de diferentes formas, sendo uma delas: 1) surdocegueira total, 2) surdez profunda e baixa visão, 3) surdez moderada e baixa visão e 4) surdez moderada e cegueira. Outra forma de classificação da surdocegueira pode se dar em relação ao acometimento, podendo dividir-se em surdocegueira congênita ou adquirida, assim como em pré-linguística – em que a surdocegueira se manifestou antes de o sujeito adquirir uma forma de comunicação – e a pós-linguística – em que a surdocegueira ocorreu após o indivíduo possuir um meio de se comunicar, dependendo do período em que a surdocegueira se estabeleceu relacionada à apropriação da linguagem (BOAS et al, 2012).

Indivíduos com surdocegueira apresentam, devido às limitações auditivas e visuais, prejuízos no que se refere às áreas de comunicação, informação e mobilidade (AGOSTINO; COSTA, 2006), o que dificulta a interação desses indivíduos com o mundo, comprometendo seu desenvolvimento de forma geral.

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O comprometimento das perdas, total ou parcial, é que definirá a extensão dos comprometimentos em comunicação, mobilidade, interação e o acesso às informações, valendo-se de parâmetro para o planejamento e escolha de serviços e recursos mais adequados ao surdocego (GALVÃO; MIRANDA, 2013).

4. CAUSAS DA SURDOCEGUEIRA

Agostino e Costa (2006) apontam que as causas da surdocegueira podem ser variadas, sendo elas anomalias de desenvolvimento, infecção transplacentária, infecções neonatais, erros inatos do metabolismo, traumatismos e diversas síndromes, como Síndrome da Rubéola congênita e Síndrome de Usher.

Segundo o Instituto Benjamin Constant (IBC) (2005), as principais causas da surdocegueira são a rubéola congênita e a Síndrome de Usher. Cader-Nascimento e Costa (2010) apontam que a rubéola congênita é uma infecção, provinda do vírus Rubivírus, podendo ser evitada com a vacinação da gestante, sendo esta uma prevenção primária. Essa patologia pode trazer diversos acarretamentos para o feto, podendo ocorrer de modo simultâneo ou isoladamente, como problemas visuais (como cataratas, microftalmia, retinopatia pigmentada e glaucoma) e auditivos (variando de perdas leves até profundas e podendo afetar apenas um ouvido ou ambos), além de o feto poder desenvolver problemas cardíacos e alterações no crescimento (CADER-NASCIMENTO; COSTA, 2010).

Ainda segundo Cader-Nascimento e Costa (2010), a Síndrome de Usher é uma doença de cunho hereditário, progressiva e degenerativa, em que geralmente a criança nasce com deficiência auditiva e posteriormente apresenta alterações visuais por conta da retinose pigmentar.

A partir do conhecimento das causas e dos acarretamentos que a surdocegueira pode manifestar, podem ser realizados planejamentos de intervenções educacionais.

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5. ROGRAMAS DE INTERVENÇÃO: LOCAIS COM ATEN-DIMENTO ESPECIALIZADO

Com o passar dos anos, a população com surdocegueira foi se revelando na sociedade e, assim, foram criados centros de atendimentos ao redor do mundo, visando principalmente ao ensino das possíveis formas de comunicação, além da escolarização (IBC, 2005).

Os centros mais famosos estão na Espanha (Unidad Educativa para Niños Sordociegos), em Portugal (Instituto Jacob R. Pereira), na França (Centre d’Éducation Specialisée pour Sourds-Aveugles), na Itália (Lega del Filo d’Oro), na Dinamarca (Nordic Staff Training Center for the Deaf-Blind Services), na Rússia (Lar “Zagorsk” para a Criança Surdocega), na Alemanha (Deutsches Taubblindenwerk), na Inglaterra (Carnbooth School), na Finlândia (Associação Finlandesa de Surdocegos) e nos Estados Unidos (Helen Keller National Center for Deaf-Blind Youths and Adults). No Brasil, os principais locais de atendimento são a Fundação Municipal Anne Sullivan, a Associação para Deficientes da Audiovisão (ADefAV) e a Ahimsa, situadas na cidade de São Paulo, e, na cidade do Rio de Janeiro, o Instituto Benjamin Constant oferece atendimento por meio do Programa de Atendimento e Apoio ao Surdocego – PAS (IBC, 2005).

O principal objetivo desses centros de atendimento, de forma geral, é proporcionar subsídios para que os sujeitos com surdocegueira possam estabelecer uma forma de comunicação e, assim, conseguir vivenciar experiências da forma mais autônoma e independente possível.

Para que se estabeleça uma forma de comunicação, faz-se necessário levar em consideração o período em que a deficiência foi instalada, ou seja, se o sujeito é um surdocego pré ou pós-linguístico, além das preferências do sujeito, bem como aproveitar ao máximo a existência dos resquícios auditivos e/ou visuais (CADER-NASCIMENTO; COSTA, 2010).

O estabelecimento de uma comunicação para sujeitos surdocegos é um processo complexo devido às especificidades de cada sujeito; porém, devem-se aproveitar todas as potencialidades,

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além de envolver a família como parte essencial desse processo, sempre respeitando as escolhas do indivíduo com surdocegueira (ALMEIDA, 2008).

Segundo Boas et al. (2012), a comunicação pode se dar por diversos meios, como o tato, o olfato, o paladar, a propriocepção e o cinestésico, além da utilização dos resquícios auditivos e visuais do sujeito.

Os métodos de comunicação mais comuns são a linguagem oral, a Libras-Tátil, o Tadoma, a escrita na palma da mão, a fala ampliada, a escrita ampliada e o sistema Braille (TATEISHI; SANTOS; JINHUI, 2010).

A linguagem oral geralmente é utilizada para sujeitos surdocegos pós-linguísticos, sendo aqueles que adquiriram a deficiência após possuírem a aquisição da uma língua. No entanto, há possibilidades de uma criança surdocega desenvolver uma linguagem oral, dependendo de suas especificidades e também de como o ensino da comunicação será desenvolvido (ALMEIDA, 2008).

A Libras-Tátil é um meio de comunicação em que a Libras-Língua Brasileira de Sinais é adaptada, sendo realizada na mão da outra pessoa; assim, utiliza-se o tato para compreender e expressar o que se quer dizer (IBC, 2005), como pode ser visualizado na figura a seguir.

Figura 2. Uso da Libras Tátil.

Fonte: IBC (2005, n.p.).

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A escrita na palma da mão é uma das formas mais básicas de comunicação; porém, é um modo demorado de se comunicar, visto que o sujeito escreve letra por letra do alfabeto de modo maiúsculo na palma da mão (TATEISHI; SANTOS; JINHUI, 2010), como pode ser ilustrado a seguir.

Figura 3. Exemplo de uso da escrita na palma da mão.

Fonte: Taeishi, Santos e Jlnhui (2010).

A fala ampliada é utilizada com aqueles sujeitos que têm resquícios auditivos; assim, deve-se falar perto do sujeito com surdocegueira, de forma clara e objetiva, respeitando o seu ritmo (TATEISHI; SANTOS; JINHUI, 2010).

A escrita ampliada é utilizada com aqueles sujeitos que têm resquícios visuais, de forma que se deve ampliar o tamanho da fonte para que o sujeito consiga ler o que está escrito (TATEISHI; SANTOS; JINHUI, 2010). Além disso, é importante levar em consideração outros fatores, como o tamanho e o tipo da fonte mais adequado para cada sujeito, aspectos relacionados à luminosidade e ao posicionamento do sujeito para que se faça o melhor uso dos resquícios.

O Tadoma é uma forma de comunicação que se dá através da vibração do ensino da fala, em que, inicialmente, o sujeito coloca

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as duas mãos na face da pessoa que está falando, especificamente na área da boca e do queixo, e, posteriormente, quando o sujeito já tomou maior apropriação da técnica, usa-se apenas uma das mãos (GARCIA, 2000), como pode ser visto na figura a seguir.

Figura 4. Forma de execução do Tadoma.

Fonte: Dias (2011).

O sistema Braille é uma técnica de escrita e leitura, que, com a combinação de pontos em relevo, se formam as letras do alfabeto. Para escrita do Braille, utiliza-se uma reglete e a punção ou a máquina Perkins; a leitura acontece quando o sujeito tateia os pontos e, assim, consegue ler o que está escrito (GARCIA, 2000), como se pode verificar nas figuras a seguir.

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Figura 5. O alfabeto no Sistema Braille.

Fonte: IBC (2005, n.p.).

Figura 6. Instrumentos utilizados para escrita em Braille: prancheta, reglete e punções.

Fonte: IBC (2005, n.p.).

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Figura 7. Máquina Perkins.

Fonte: Dias (2011).

Um profissional muito importante no processo de

implementação de uma forma de comunicação para o surdocego é o guia-intérprete, que deve ter formação e conhecimentos para atender os serviços de interpretação, descrição visual e guia (TATEISHI; SANTOS; JINHUI, 2010). Esse profissional deve conhecer o sujeito com quem está trabalhando, levando em consideração suas especificidades e preferências.

6. COMUNICAÇÃO: APRENDIZAGEM E ENSINO

A comunicação não é apenas importante para o indivíduo surdocego, mas para todo o ser vivo, para o desenvolvimento global, o que é ressaltado por Vygotsky (1991), visto que é por meio da interação com o outro que construímos novos conhecimentos. Nuernberg (2011) afirma que, ao contrário de outros teóricos, Vygotsky acreditava na educabilidade do surdocego, chegando a propor que a intervenção educacional para esses indivíduos se concentrasse no ensino de linguagens táteis. Tais ideias, segundo o autor, vêm sendo aplicadas em diferentes centros voltados para

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o atendimento dessas pessoas desde os anos 1990, obtendo-se resultados de sucesso na aprendizagem desses indivíduos.

O mundo na percepção das pessoas surdocegas é restrito, visto que esse conhecimento é mediado pelo outro, que não consegue, frequentemente, comunicar-se com a pessoa com surdocegueira. Quanto menores os resquícios desses sentidos (audição e visão), maior a dificuldade de estabelecer essa comunicação e, a partir disso, a significação do externo e do interno (SMITH, 2008).

Para se iniciar qualquer programa de intervenção educacional com esses alunos, é necessário que eles estejam familiarizados com uma forma de comunicação, assim como o profissional que os ensinará e sua família, com a qual passarão grande parte do tempo (ARAÓZ; COSTA, 2008).

Cader-Nascimento e Costa (2010) afirmam que, de acordo com a abordagem coativa de Van Dyjk, a criança deve criar uma ligação com o ambiente para que se sinta segura para explorá-lo e movimentar-se por todo o espaço, desenvolvendo, assim, a comu-nicação do indivíduo.

Para isso, faz-se necessário estimular os surdocegos por meio de atividades que requeiram movimentação, ação, manipulação e exploração ambientais. Entretanto, ressalta-se a importância de que o mediador deve ter um vínculo com a criança e que esta se sinta segura para realizar tais atividades.

Para Van Dyjk, a abordagem coativa é voltada principalmente para surdocegos pré-linguísticos (CADER-NASCIMENTO; COSTA, 2003), e um dos fundamentos é que as atividades devem ser realizadas em conjunto (mediador e criança), fazendo movimentos e explorações de forma simultânea. Outras características são que as atividades devem ser do interesse da criança e que se estimulem todos os sentidos, incluindo aqueles que possuam apenas alguns resquícios (CADER-NASCIMENTO; COSTA, 2010).

A abordagem tem como principal objetivo desenvolver con-dições para que o surdocego aprenda uma forma de comunicar-se e, também, que possa antecipar acontecimentos, não sendo sempre surpresa para ele os acontecimentos ocorridos no ambiente, visto

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que os sentidos prejudicados são os relativos à noção de distância (CADER-NASCIMENTO; COSTA, 2010).

Em relação aos aspectos comunicacionais, os profissionais específicos são o guia-intérprete e o instrutor mediador. Farias e Maia (2007) definem as funções do guia-intérprete como interpretar na forma dominante do surdocego e guiá-lo. Já o instrutor mediador tem como função interpretar e intermediar as informações entre o meio e o surdocego, sendo esta a forma para a aprendizagem efetiva. Outra diferenciação feita pelas autoras é que o guia-intérprete é necessário para a inclusão de surdocegos pós-linguísticos, e o instrutor mediador para a inclusão de surdocegos pré-linguísticos.

Quanto à educação desses indivíduos, Agostino e Costa (2006) afirmam que esta comumente está pautada no ensino do currículo funcional natural, enfocando as atividades de vida diária, e que não é comum a abordagem de conceitos de disciplinas curriculares com esses alunos.

Maia, Araóz e Ikonomidis (2010) afirmam que, para a educação de surdocego, é necessário que haja uma interação comunicativa, trocas de experiências entre aluno e professor e, principalmente, uma relação de confiança entre ambos.

As estratégias de ensino abordadas pelas autoras abarcam estes itens:

• uso de uma abordagem de colaboração/Participação colaborativa;

• estabelecer de vínculo com a criança;

• estabelecer uma rotina previsível com uma comunica-ção consistente e atividades claras de transição (mos-trar para a criança quando uma atividade se encerra e quando se inicia);

• aprender sistematicamente sobre o Estilo de Aprendizagem individual de cada criança;

• ser paciente quanto ao tempo de aprendizagem do aluno, assim como quanto à aceitação dele a uma nova pessoa;

• evitar guiar as mãos do aluno, principalmente sem avisá-lo;

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• implementar um meio ambiente consistente, para que o aluno possa locomover-se e explorá-lo autônoma e independentemente;

• usar objetos sensoriais estimulantes, visando a esti-mulação dos sentidos pessoas (BRASIL, 2006).

Em relação à avaliação, o documento aponta alguns aspectos que devem ser avaliados nos alunos com surdocegueira:

• a criança durante a realização das atividades propostas pela escola;

• a criança em atividades específicas solicitadas pelo professor, com anotações do nível de desempenho;

• a habilidade da criança na comunicação receptiva e expressiva;

• AS experiências sociais e dos comportamentos que apresentam quando não conseguem se fazer entender pelas pessoas (BRASIL, 2006).

Além disso, o documento acima mencionado aponta que, para uma boa avaliação, devem-se considerar aspectos do desenvolvimento emocional e social, o nível de comunicação do aluno, seu estilo de aprendizagem e o contexto da sala de aula (BRASIL, 2006).

7. ORIENTAÇÃO E MOBILIDADE: INDEPENDÊNCIA AO SE LOCOMOVER

“Orientação” e “mobilidade” são dois termos de extrema importância para sujeitos com surdocegueira, visto que a “orientação” é entendida como o sentido, a direção – de onde e para onde o sujeito vai; “mobilidade”, por sua vez, significa movimento. Assim, orientação e mobilidade é mover-se de forma orientada, com segurança, independência e autonomia (ANCCILOTTO, GIACOMINI, PETERSEN, 2010).

É de extrema importância que o sujeito com surdocegueira receba estimulação e preparo para que desenvolva uma boa orientação e mobilidade. Anccilotto, Giacomini e Petersen (2010)

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apontam uma gama de dicas que os professores, familiares e profissionais que atuam com programas de orientação e mobilidade podem seguir objetivando diminuir o isolamento desses indivíduos, aumentando seu contato e experiências com o mundo, como:

• Na infância, uso de brincadeiras que envolvam o uso das mãos e dos pés.

• Ajudar o sujeito a reconhecer direções: frente, trás, acima, embaixo, à esquerda, à direita, dentro, fora.

• Quando o sujeito estiver em um ambiente novo para ele, ajudá-lo a explorar o ambiente, tocar objetos, sentir diferentes cheiros e texturas e associar o lugar e os objetos.

• Sempre antecipar o que vai acontecer no ambiente e quais são os obstáculos que ela vai encontrar em seu descolamento, como mudanças de um espaço para o outro, rampas, escadas, entre outros.

• Respeitar a vontade e o ritmo de cada indivíduo, pois cada passo é um aspecto novo para ele e vai constituir sua formação como ser humano integrante da sociedade.

• Motivar e reforçar as ações do indivíduo, com o intuito de ele realizá-las de forma mais motivada e com maiores chances de repetir as ações com pequenas ajudas.

• Adequar o ambiente para o indivíduo, proporcionando pistas de onde se localizam os objetos, além de deixar o espaço livre para que ele possa se locomover sem maiores dificuldades e com segurança.

• Posteriormente, de acordo com a vontade do sujeito, o emprego de técnicas de autoproteção, de desenvolvimento da orientação, do guia-intérprete ou instrutor mediador e as técnicas de bengala longa ou pré-bengala podem ser inseridos.

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8. O ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO

Como já mencionado anteriormente, o planejamento educacional para o aluno surdocego será construído a partir das características de funcionalidade remanescente dos sentidos auditivo e visual.

No que se refere ao AEE, o Ministério da Educação não dispõe um documento orientador para práticas com o aluno surdocego. Entretanto, existe uma publicação, voltada para a Educação Infantil3 (BRASIL, 2006), que enfoca práticas e conhecimentos que o professor que possui um aluno surdocego deve ter.

Ao referir-se às modalidades educacionais, aborda-se que, ao se pensar sobre a escolarização desses alunos, deve-se considerar o espaço mais apropriado para eles, sendo necessária a investigação caso a caso (BRASIL, 2006).

Para que a inclusão realmente ocorra e se faça com qualidade, são apontados cinco fatores fundamentais:

1) a formação de profissionais para o atendimento das pessoas deficientes, bem como para assessorar os professores das classes comuns;

2) o exame das condições quanto a possibilidades e limites que as escolas oferecem, adequando-as, quando houver necessidade;

3) a luta pela inclusão, fundamentada na análise das formas possíveis para que isso se realize em benefício da criança deficiente;

4) o conhecimento, da pessoa envolvida na inclusão da criança deficiente na escola, de seus próprios limites pessoais e de formação e daquilo em que pode contribuir para esse processo;

3 A cartilha divide-se em sete partes: definição, abordagens teóricas, princípios orientadores, modalidades educacionais, necessidades da criança surdocega, avaliação e bibliografia utilizada; ela pode ser acessada por meio do seguinte endereço eletrônico: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/surdosegueira.pdf>.

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5) a exigência de que os projetos educacionais se façam numa dialética teoria-prática, numa constante avaliação do que está ocorrendo com a criança deficiente (BRASIL, 2006).

Nota-se que tais aspectos são realmente importantes, mas são necessárias maiores ações, principalmente em relação à formação adequada e de qualidade para professores e gestores.

Em relação à inclusão dos alunos surdocegos, Brasil (2006) aponta aspectos importantes para sua efetivação:

• Apoio individualizado.• Currículo complementar com objetivos funcionais.• Ambientes estruturados e seguros.• Equipamentos e materiais específicos.• Existência de problemas de saúde graves que dificultam

uma participação mais ativa.Assim, arranjos devem ser feitos em sala de aula, como

a inserção da criança, participando de todas as atividades desenvolvidas em sala de aula, como as demais crianças; localização das salas de recursos em lugares estratégicos dentro da escola, para que o aluno possa locomover-se entre a sala comum e a SRM de forma fácil e autônoma; incentivo à participação das crianças em atividades conjuntas, sendo elas em sala de aula, ou fora dela, assim como comemorações feitas pela escola (BRASIL, 2006).

Como exemplo do funcionamento do AEE para surdocegos, o estudo de Galvão e Miranda (2013), que ocorreu na cidade de Salvador, na Bahia, teve por objetivo analisar e discutir as diferentes formas de AEE para alunos surdocegos no município. A pesquisa ocorreu em quatro escolas, sendo três delas públicas e uma particular, e os dados foram obtidos por meio de entrevistas com os profissionais que atuavam com esses alunos no atendimento especializado.

As três escolas públicas (A, B e C) tinham intérpretes de Li-bras e duas dessas (A e B) um instrutor de Libras e professor de sala de recursos multifuncional (SRM), e uma das escolas (B) contava

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com o apoio de uma professora especializada em deficiência visual (DV). A escola particular (D) não possuía um profissional espe-cializado, existindo apenas um acompanhamento em sala de aula feito por uma estagiária do curso de psicologia sem conhecimento específico em surdocegueira.

Quanto ao atendimento aos alunos, na escola A, o aluno surdocego frequentava uma sala de surdos, e a presença da intérprete não era constante em sala de aula. O AEE ocorria em turno oposto, e o atendimento era voltado para a deficiência auditiva (DA).

Na escola B, o apoio pedagógico era feito pelo intérprete, que não possuía formação pedagógica, assim como não tinha experiência com interpretação em ambiente escolar. Ainda, o AEE ocorria em horário de aula, visto que o aluno frequentava um Centro de apoio ao DV no contraturno. Nota-se que o atendimento na escola era voltado para a DA e o aluno não possuía conhecimento da Libras. A aluna apresentava sua necessidade de aprender o Braille na sem; entretanto, a professora dessa sala não possuía conhecimento sobre esse código.

Já na escola C, o atendimento era direcionado para a DA e toda a comunicação era feita pelo intérprete, único profissional especializado do quadro da escola. Assim como o profissional da escola B, esse intérprete não possuía experiência com interpretação no ambiente escolar.

O atendimento na escola D ocorria com foco na DV, pois os profissionais da escola entendiam que o implante coclear resolvia o déficit auditivo do aluno. A escola não dispunha de profissionais especializados e, para acompanhar o aluno surdocego, como já mencionado, havia uma estagiária de psicologia sem conhecimentos específicos sobre a deficiência do aluno. A estagiária tinha por função ler textos para o aluno tanto da lousa quanto de livros e xerox, auxiliá-lo na compreensão do que era dito quando ele apresentava dificuldades e guiá-lo pela escola.

As autoras afirmam, ainda, que os alunos surdocegos que participaram da pesquisa não tinham fluência em Libras e que os intérpretes não apresentavam conhecimento sobre as adaptações

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necessárias para a comunicação com os surdocegos por meio da Libras; o mesmo ocorria em relação aos instrutores surdos.

Constatou-se a necessidade de formação específica e situações de invisibilidade do aluno surdocego, em que professores relatam que esquecem que o aluno está na sala de aula. Além disso, notou-se uma situação de improviso no atendimento a esses alunos. Em nenhuma das escolas, observou-se o trabalho com as duas perdas sensoriais de forma conjunta, o que contraria a questão primordial de se compreender a surdocegueira como deficiência única.

Um fator observado que se apresentou como um obstáculo para o trabalho educacional foi a falta de definição de papéis e a ausência de uma comunicação eficaz entre professores da sala comum e especialistas, o que prejudica que a intervenção educacional tenha resultados positivos, ainda que seja adequada.

Ao final, Galvão e Miranda (2013) propõem que os profissionais envolvidos na educação do aluno surdocego criem redes de apoio, visando que todos adquiram conhecimento acerca dos sistemas de comunicação adotados pelos alunos surdocegos e das possibilidades de intervenção pedagógica com esse público.

9. ENSINO COLABORATIVO: TRABALHO CONJUNTO EM PROL DO ALUNO

As leis e regulamentos brasileiros da Educação Especial estão constituídos de acordo com a visão da educação inclusiva menos radical, mas que prevê e garante a escolarização em escola comum, com apoio do o AEE, preferencialmente em salas de recursos multifuncionais para os alunos PAEE que necessitarem desse serviço. A partir da criação desse espaço nas escolas, surgiu a necessidade de um profissional especialista: o professor de educação especial.

Com a presença desse professor especialista na educação dos alunos PAEE e a possível frequência destes também nas salas de aula do ensino comum, surgiu a possibilidade de um trabalho

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colaborativo entre professor especialista e professor de sala comum (MAZZOTTA, 1982; BRASIL, 2009).

Os autores Weiss e Lloyd (2003) apresentam dois modelos possíveis de colaboração para favorecer a prática de inclusão escolar: consultoria colaborativa e o coensino ou ensino colaborativo. Na consultoria colaborativa, profissionais de educação especial dão assistência ao professor do ensino comum fora da sala de aula. No ensino colaborativo, os professores de sala comum e o professor de educação especial atuam de forma conjunta na elaboração e execução das práticas educativas dentro da sala de aula.

Brasil (2006) ressalta a importância de que as decisões relativas a intervenções educacionais de alunos surdocegos sejam feitas com a participação de toda a equipe envolvida na educação desses alunos, inclusive a família.

Ainda segundo esse documento (BRASIL, 2006), há aspectos que devem ser trabalhados de forma conjunta entre professores da sala comum e especialista:

• definir quais são os meios simbólicos utilizados pela criança surdocega para se comunicar (pistas, objetos de referência etc.);

• garantir que o ambiente esteja organizado e adaptado para reais necessidades da criança surdocega;

• auxiliar e encorajar a criança surdocega a manipular os objetos e explorar novos ambientes;

• verificar se os materiais estão adaptados, com con-trastes, cores e texturas para que a criança consiga identificá-los;

• construir com o professor da sala de aula o calendário de atividades e o livro de comunicação;

• verificar se a iluminação da sala de aula é adequada ou se é necessária uma adaptação (BRASIL, 2006, p. 54).

Dessa forma, nota-se a importância de que todos os envol-vidos na educação do aluno surdocego participem da tomada de decisões referentes à educação desse aluno, principalmente para

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a obtenção de resultados positivos para o desenvolvimento dele a partir da intervenção planejada.

10. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pode-se apontar, com o presente trabalho, a importância de se desenvolver e aprofundar estudos sobre os aspectos que circundam essa deficiência tão singular que é a surdocegueira, devido à escassez de estudos na área.

Notou-se que há uma teoria-base, frequentemente abordada por autores da área, para se trabalhar com esse público, sendo ela a teoria coativa de Van Dyjk. Conhecimentos como esses devem ser disseminados, visto que há dificuldades de se trabalhar com alunos surdocegos quando estes estão numa instituição escolar comum, como foi possível notar no estudo de Galvão e Miranda (2013).

É necessária maior atenção a aspectos como formação e orientação aos docentes e formação de formadores, assim como mais estudos e divulgação sobre a temática, para que se possam ter maiores informações acercada realidade enfrentada pelos surdocegos, das experiências de sucesso e das que não tiveram sucesso, para que o professor tenha meios de buscar e adquirir conhecimentos sobre o assunto.

Espera-se que este trabalho possa contribuir com os conhecimentos que circundam o sujeito surdocego, as práticas e os programas a serem empregados pelos profissionais que desejam trabalhar com esse público, bem como a importância de se considerar a individualidade e as especificidades de cada indivíduo.

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