A Teoria da Avaliatividade Breve Apresentação-p.135

Embed Size (px)

Citation preview

  • Ttulo:

    Representaes e Codificaes Lingusticas de Portugal no Sculo XIXVolume II

    Organizao:

    Lusa Azuaga

    Edio:

    Centro de Estudos Anglsticos da Universidade de Lisboa

    Paginao e Arte Final:

    [email protected]

    Capa de Ins Mateus sobre pintura Las edades de la vida de Caspar David Friedrich, 1835

    Impresso e Acabamento:

    Vrzea da Rainha Impressores

    ISBN: 978-972-8886-14-1

    Depsito Legal: 190 580/03

    Publicao apoiada pela

    FUNDAO PARA A CINCIA E A TECNOLOGIA

  • Relatos de Viagens Representaes e Codificaes Lingusticas

    de Portugal no Sculo XIXVolume II

    Organizao de

    Lusa Azuaga

    Projecto do Grupo de InvestigaoLinguagem, Cultura e Sociedade:

    Dimenses Internacionais Sincrnicas e Diacrnicas

    Centro de Estudos Anglsticos da Universidade de Lisboa

  • ndice

    Lista de Autores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

    IntroduoLusa Azuaga . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

    Textos

    A Teoria da Avaliatividade: Breve ApresentaoAntnio Avelar e Lusa Azuaga . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

    Prefcio de um Dilogo Continuado com o LeitorAntnio Avelar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55

    As I found the Portuguese, so I have characterised them: O Contributo da Adjectivao na Construo do Real

    Isabel Mealha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77

    Some Functions of Epithet Little in the Representations of Portugal in the 1840s through the Eyes of English Travellers

    Maria Ceclia F. G. Lopes da Costa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111

    Identidades Discursivas em Dilogo: Os Papis de Quem Escreve e de Quem L no Journal de Dorothy Wordsworth

    Marlene Viegas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133

    Behind a Punctuation Mark. A Case Study in Dorothy Wordsworths Journal of a Few Months Residence in Portugal and Glimpses of the South of Spain

    Olesya Lazaretnaya . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153

  • Lista de Autores

    Antnio Avelar, Professor Auxiliar, docente do Departamento de Lngua eCultura Portuguesa da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e investi -gador do Centro de Estudos Anglsticos. Doutorou-se em Lingustica Aplicada elecciona, ao nvel da licenciatura, as cadeiras de Gramtica e Comunicao,Avaliao e Certificao do Portugus PLE, Recursos e Materiais do Portugus LE;ao nvel da ps-graduao, Gramtica e Comunicao. As reas de investigao einteresses especiais incluem o Ensino, Aprendizagem e Avaliao das Lnguas, aLiteracia, os Estudos Genolgicos, Multimodalidade e a Gramtica Sistmico--Funcional.

    Isabel Mealha, Mestre em Lingustica Inglesa e Leitora no Departamento deEstudos Anglsticos, encontra-se presentemente a elaborar a sua tese de douto -ra mento na rea de Traduo. Investigadora do Centro de Estudos Anglsticos, assuas reas de interesse centram-se na Lingustica Inglesa e na Traduo Tcnica,particularmente na rea de medicina.

    Lusa Azuaga, Professora Auxiliar e Doutora em Lingustica Inglesa, docente do Departamento de Estudos Anglsticos da Faculdade de Letras da Universidadede Lisboa e investigadora do Centro de Estudos Anglsticos. Tem leccionado adisciplina de Histria da Lngua Inglesa na licenciatura e, na ps-graduao,orientou seminrios de Histria da Lngua Inglesa na Amrica e Histria daLngua Inglesa Aplicada ao Ensino. No campo da investigao, os seus interessesincluem a Gramtica Sistmico-Funcional e a Lingustica Histrica, alm deLingustica Inglesa e Histria da Lngua Inglesa.

    Maria Ceclia F. G. Lopes da Costa, Mestre em Lingustica Inglesa e Leitora deLngua Inglesa no Departamento de Estudos Anglsticos da Faculdade de Letras da

  • Universidade de Lisboa, exerce a sua actividade de investigao no Centro deEstudos Anglsticos. Entre os seus interesses e investigaes recentes contam-setemas de Lingustica Inglesa, Sociolingustica e Gramtica Sistmico-Funcional.

    Marlene Viegas, Mestre em Lingustica Inglesa. Embora a sua actividade profis -sional no esteja ligada ao meio acadmico universitrio, nutre especial interessepelas reas de Lingustica Aplicada, Histria da Lngua Inglesa e GramticaSistmico-Funcional.

    Olesyia Lazaretnaya, Mestre em Lingustica Inglesa, encontra-se presentementea elaborar a sua tese de doutoramento na rea de Lingustica Inglesa, tendo comotemas o ingls e a globalizao. Investigadora do Centro de Estudos Anglsticos,as suas reas de investigao e os seus interesses centram-se na LingusticaAplicada, na Sociolingustica e no Ingls como Lngua Franca.

    8 R E P R E S E N T A E S E C O D I F I C A E S L I N G U S T I C A S D E P O R T U G A L

  • Introduo

    O projecto e o corpus

    Esta colectnea de artigos surge na continuao de Representaes e Codificaes Lingusticas de Portugal no Sculo XIX, sendo, tambm comoeste livro, resultado de trabalhos desenvolvidos por alguns membros deuma equipa do Centro de Estudos Anglsticos da Faculdade de Letras daUniver sidade de Lisboa, no mbito do grupo de investigao intituladoLinguagem, Cultura e Sociedade: Dimenses Internacionais, Sincrnicas eDiacrnicas

    Trata-se de uma rea de estudo onde as relaes constitutivas entrea linguagem, a cultura e a sociedade so o centro da investigao, partindo--se, porm, sempre da perspectiva da linguagem como objecto de concep -tua lizao e anlise.

    O projecto a que estes artigos aqui coligidos se encontram ligadosdiz respeito a relatos de viagens, e inclui, no seu corpus, narrativas deautores portugueses e de autores em lngua inglesa; todavia, nesta fase, foi selec cionado para anlise apenas um conjunto de textos em ingls,publica dos na primeira metade do sculo XIX, em Inglaterra. Nestesegundo volume de Representaes e Codificaes Lingusticas de Portugal no Sculo XIX, os artigos includos, na sua maioria, centram-se na obra deum nico autor ingls, que, alis, no foi considerado no primeiro: Journalof a few Months Residence in Portugal and Glimpses of the South of Spain, de Dorothy Wordsworth, publicado em 1847, e referido nos trabalhosapenas por Journal.

  • As quatro narrativas de viagem, que foram consideradas na colect -nea anterior, a saber,

    The Tourist in Portugal, de W. H. Harrison, publicado em 1839, e designado apenas por Tourist;

    Narrative of a Voyage to Madeira, Teneriffe, and along the Shores of theMediterranean, obra em dois volumes de William Robert Willis Wilde,publicada em 1840, da qual foram analisados os captulos dois e trs, osnicos dedicados a Portugal, que, no artigo aqui apresentado, foi referidapor Narrative;

    Lusitanian Sketches of the Pen and Pencil, dois volumes da autoria deWilliam Henry Giles Kingston, publicados em 1845 e 1847, designados porSketches, e

    An Overland to Lisbon to the Close of 1846, with a Picture of the ActualState of Spain and Portugal, de Terence McMahon Hughes, publicado em1847, designado por Overland,

    foram tambm ainda objecto de estudo, mas exclusivamente numdos artigos aqui includos.

    Os viajantes e o pas visitado: o caso particular de Dorothy Wordsworth

    Os autores dos relatos de viagem analisados revelam, nas descriesda sua visita a Portugal, tanto aspectos da sua vida pessoal e questes ligadass suas experincias profissionais e concepes polticas, como mani fes -tam opinies sobre o pas e as suas gentes, expondo o grau de conheci -mento da herana cultural e da lngua portuguesas, enquanto divulgamfactos relacionados com a prpria altura e durao da viagem levada a cabo.

    Dado que houve j oportunidade de falar quer dos quatro primeirosviajantes britnicos acima referidos, quer da poca em que se realizou asua viagem a Portugal,1 no sentido de proporcionar um enquadramentohistrico-cultural aos seus relatos, pareceu-nos de interesse tecer umasbreves consideraes apenas acerca de Dorothy Wordsworth, autora dotexto objecto de estudo da maior parte destes artigos, e da situao entovivida no nosso pas.

    10 R E P R E S E N T A E S E C O D I F I C A E S L I N G U S T I C A S D E P O R T U G A L

    1 Pedro, E., L. Azuaga e V. Hartnack, 2002: 11-14.

  • Dorothy Wordsworth, ou Dorothy Quillinan, depois do casamento, uma escritora inglesa nascida no incio do sculo dezanove, em 1804, umdos cinco filhos, a segunda, do conhecido poeta romntico ingls, WilliamWordsworth.

    At aos trinta e sete anos, Dorothy, Dora, como era chamada naintimidade, manteve a sua vida quase sempre no esperado silncio de filhaobediente e dedicada; no entanto, em 1841, casa-se, alis contra a vontadedo pai, com o poeta romntico Edward Quillinan, um amigo da famlia trezeanos mais velho do que ela, vivo e, aparentemente, de parcos recursoseconmicos.

    Anos depois, entre Maio de 1845 e Maio de 1846, de novo contra avontade de Wordsworth, viaja at Portugal acompanhada do marido; ento que escreve um dirio, Journal of a few Months Residence in Portugaland Glimpses of the South of Spain, onde traa um quadro da realidadenacional, transmitindo uma viso de indisfarvel fascnio por variadosaspectos, desde o paisagstico, artstico, ou histrico, at ao etnogrfico elingustico.

    aos pais, William Wordsworth e Mary Hutchinson, que dedica o seu Journal, expressando-se nos seguintes termos: These notes arededicated, in all reverence and love, to my father and mother, for whom theywere written.

    Quando Dorothy Wordsworth chegou a Portugal, em 1845, o pastentava sair de uma situao de crise resultante de um longo perodo deconflitos. No incio do sculo dezanove, sofrera por trs vezes a invasodas tropas francesas e, embora em 1820 se tenha iniciado um movimentorevolucionrio liberal, foram vrias as manifestaes contra revolucio n -rias que se verificaram entretanto, acabando a nao por se envolver numaguerra civil. Em 1834, porm, o liberalismo instalara-se definitivamente,apesar de ainda se verificar uma certa instabilidade poltica at 1851.

    Os problemas da sociedade civil manifestavam-se abertamente e osgovernos sucediam-se, sem resolverem as questes fundamentais. Algu -mas medidas chegaram at a gerar revoltas populares como a da Maria daFonte e a da Patuleia, que se verificaram, exactamente, durante o decursoda sua viagem, ou seja, em 1846. Alis, h no texto algumas referncias sinvases napolenicas, guerra civil e instabilidade poltica como, porexemplo, na altura em que comenta a situao no pas por meio da seguinte

    11I N T R O D U O

  • 12 R E P R E S E N T A E S E C O D I F I C A E S L I N G U S T I C A S D E P O R T U G A L

    afirmao, onde exprime o seu desprezo pelas guerrazinhas, little wars,que nunca parecem ter um fim:

    But the little wars of retaliation are never ended in Portugal.Miguelites and Pedroites, Hump-backs and Thumped-backs,Chartists and Septembrists, etc., etc., for ever re-appear undersome new nickname or other, and fight their little spites, and neverfight them out.

    (Journal, vol. I: 66-67)

    Curiosamente, embora tal ambiente de guerrilha contnua nosurgisse aos olhos de qualquer um como minimamente favorvel para sedeambular pelos campos, em passeio, Dorothy no deixa de acalmar osreceios do seu eventual leitor, afirmando que nada h a temer, quando seviaja por Portugal:

    You may () travel in Portugal as securely, if not so smoothly, asyou can navigate the Thames from Vauxghall to Richmond.

    (Journal, vol. I: x)

    Para alm da instabilidade poltica, no final da primeira metade do sculo XIX, Portugal sofria tambm de uma profunda crise econmica.A poca era de recesso, a produo agrcola era fraca e o to desejadodesenvolvimento industrial ainda no se tinha processado, ao contrriodo que vinha acontecendo noutros pases da Europa, particularmente emInglaterra que, sendo o bero da Revoluo Industrial, apresentava umavano tal, relativamente a outros pases ocidentais, que se tornara a maiorpotncia econmica e o centro abastecedor do mundo de ento.

    Os artigos

    Os artigos includos nesta colectnea procuram, no seu todo, lanarum olhar global, a partir de uma anlise lingustica particular, sobre asrepresentaes sociais e culturais dos viajantes relativamente ao pasvisitado, continuando os objectivos do volume anterior.

    De facto, os relatos de viagens so obras que se apresentam comotema de anlise de extremo interesse para verificao do modo como soarticuladas e codificadas linguisticamente as dimenses sociais e culturais,pois, embora de um ponto de vista individual, certo, expressam directa -mente vises que transcendem cada um dos produtores textuais e nos

  • remetem para percepes mais vastas sobre aspectos diversos e poliss -micos relativos cultura e sociedade de que do testemunho.2

    No s os objectivos deste segundo volume so, afinal, os mesmos doprimeiro, mas tambm o quadro terico-metodolgico em que encontraminscritos os artigos, ou seja, a Gramtica Sistmico-Funcional.

    Recentemente tem vindo a ver desenvolvida uma nova teoria nestequadro, a teoria da Avaliatividade; dado que o estudo do sistema lingusticoda Avaliatividade pode ser usado com proveito na anlise deste corpus,alguns dos artigos tentaram explorar a sua aplicao. De facto, esta teoriafornece um conjunto de recursos aptos, designadamente, para fins como:

    compreenso dos sistemas de valores includos nos textos, frequente -mente disseminados nos enunciados de quem fala ou escreve,

    compreenso de aspectos particulares da semntica da intensi ficao,

    identificao dos participantes, ultrapassando o nvel inicial desuperficialidade interpretativa,

    identificao de quando um participante se constri textualmentecomo deferente, dominante, cauteloso, conciliador, empenhado,emocional, impessoal, etc.,

    compreenso de como diferentes gneros ou textos tipos empregamconvencionalmente diferentes estratgias avaliativas e retricas.

    Para uma melhor apreciao dos textos, considerou-se, ento, que seria de interesse delinear um esboo do sistema da Avaliatividade.No primeiro volume de Representaes e Codificaes Lingusticas de Portugalno Sculo XIX, foi includo, na introduo,3 um resumo dos princpios e organizao da Gramtica Sistmico-Funcional; neste segundo volume,os apontamentos relativos ao quadro terico-metodolgico seleccionadoforam antes apresentados autonomamente, como primeiro artigo, procu -rando-se sistematizar as ideias bsicas da teoria e listar aspectos que,seguidamente, foram reflectidos, de modo parcial, obviamente, mas,tambm, de modo mais particularizado, em cada um dos temas abordadosem artigos que do corpo a esta colectnea.

    13I N T R O D U O

    2 Pedro, E., L. Azuaga e V. Hartnack, 2002: 9.3 Pedro, E., L. Azuaga e V. Hartnack, 2002: 15-19.

  • Assim, no primeiro artigo, Antnio Avelar e Lusa Azuaga exami -nam, precisamente, a teoria da Avaliatividade, expondo-a sumariamentecomo quadro terico-metodolgico, e exemplificando os seus conceitospor meio de excertos de Journal e de frases em portugus, demonstrandocomo este instrumento analtico pode ser testado no corpus do projecto,objectivo que concretizado com mais pormenor no segundo, ondeAntnio Avelar aplica o subsistema ao Prefcio do Journal.

    Este segundo artigo, Prefcio de um dilogo continuado com o leitor,reflectindo sobre o contedo e significado interpessoais, procura, entreoutros elementos, por um lado, as atitudes em presena no texto (i.e.afecto/emoes, julgamentos, apreciaes), o posicionamento dialgicoda autora e a relao do texto com outros textos, contemporneos ou no,e por outro, investiga at que ponto a expresso dos sentimentos e valoresde Dorothy Wordsworth constroem, ou no, um estatuto de autoridade,averiguando tambm de que modo essa expresso estabelece, retorica -mente, relaes com e entre os presumveis leitores.

    O terceiro artigo, As I found the Portuguese, so I have characterisedthem: o contributo da adjectivao na construo do real, analisa a utilizaode adjectivos no Journal, adoptando a teoria da Avaliatividade como quadroterico-metodolgico, considerando as subcategorias de Atitude; temcomo objectivo revelar que tipo de avaliao realizada por meio daspalavras desta classe que Dorothy Wordsworth empregou, no sentido dedescreve diferentes aspectos da realidade portuguesa.

    Some functions of epithet little in the representations of Portugal in the1840s through the eyes of English travellers, texto de Maria Ceclia F. G. Lopesda Costa, o nico, nesta colectnea, que considera todos os cinco autoresingleses seleccionados, quer os quatro j tratados no primeiro volume,quer Dorothy Wordsworth, a quem este volume particularmente dedi -cado. Analisando algumas funes do epteto little nos cinco relatos deviagens, procura-se investigar as caracterizaes e avaliaes feitas pelosviajantes, em relao a quem encontram e ao que encontram em Portugal.A escolha deste epteto foi influenciada pelas caractersticas semnticasdo mesmo, pois o seu significado, embora, partida, negativo, permitetransmitir implicaes emocionais, com um vasto leque, que vo daternura ao desprezo, da empatia total desvalorizao.

    14 R E P R E S E N T A E S E C O D I F I C A E S L I N G U S T I C A S D E P O R T U G A L

  • No penltimo artigo, Marlene Viegas prope-se abordar a narrativade Dorothy Wordsworth enquanto manifestao discursiva interpessoal,reconhecendo, desde logo, a sua natureza dialgica e, portanto, mediadorade relaes sociais entre locutor e alocutrio(s). Neste sentido, centra-seessencialmente na anlise da estrutura do Modo verbal, elemento inter -pessoal mais importante na definio da orao como evento interaccional,no quadro da Gramtica Sistmico-Funcional, procurando delinear de quemodo, na configurao lingustica da jornada fsica da autora, se inscreveo percurso das identidades discursivas de quem escreve e de quem l, numdilogo diferido pela distncia geogrfica e cronolgica.

    Olesya Lazaretnaya, no ltimo artigo desta colectnea, Behind aPunctuation Mark. A Case Study in D. Wordsworths Journal of a Few MonthsResidence in Portugal and Glimpses of the South of Spain, embora focando a narrativa de viagens que foi analisada em todos os outros textos, no seintegra no quadro terico dos mesmos; centra-se, sim, exclusivamente,no sistema de pontuao, procurando defender o facto de este apresentaruma organizao semelhante a outros sistemas lingusticos, merecendo,por isso, o direito de ser igualmente estudado. So tambm salientados a importncia e o potencial estilstico da pontuao, em particular o dedeterminados sinais, que, no relato de Dorothy Wordsworth, so indica -dores do grau de espontaneidade da voz do narrador, ou concretizamfunes expressivas e emotivas orientadas para o destinatrio.

    A concluir, podemos dizer que, em todos os artigos, perpassa umarepresentao e uma codificao lingustica de Portugal condicionadaspelo olhar, mais ou menos preconceituoso, destes viajantes ingleses; esseolhar acentuava crescentes padres burgueses de comportamento e reflec -tia o progresso e a dinmica cultural em vigor no seu pas, a Inglater ra. De facto, estes escritores claramente consideram a sua prpria cultura e o seu grau civilizacional superiores, aparecendo o pas visitado como umespao habitado por gentes que mal escapam barbrie, como um lugarlonge de atingir o sonhado escalo de uma nao moderna. Neste aspecto,os relatos de viagem estudados retratam, de forma ntida, o modo como osingleses viam o mundo sua volta, na primeira metade do sculo XIX.

    Dorothy Wordsworth no escapa a esta mentalidade britnica, eexerce, em diversos passos do seu texto, uma auto e hetero-avaliao dacultura do eu, face ao outro, assumindo-se como portadora de uma

    15I N T R O D U O

  • cultura excelente. No entanto, e ao contrrio dos seus outros quatroconterrneos, esta autora sente-se na obrigao de lutar contra precon -ceitos existentes sobre Portugal e os portugueses:

    My main inducement, indeed, to the publication of this desultoryJournal is the wish to assist in removing prejudices which makePortugal an avoided land by so many of my roving countrymen andcountrywomen, who might there find much to gratify them if theycould be persuaded that it does not deserve the reproach of beingmerely a land of unwashed fiery barbarians and over-brandiedport-wine

    (Journal, vol. I: xi-xii)

    Na organizao estrutural do seu discurso, quando consciente menteprocura a conexo entre o mundo ingls, europeu, dito civilizado, e asregies marginais do Portugal que a acolheu, na construo de uma ordemburguesa em que estes viajantes participaram, envolve-se, no poucasvezes, num duplo processo de confronto e negociao entre valores econcepes de universos culturais profundamente distintos; procede,ento, a juzos avaliativos, geralmente, partida, negativos, que acabampor constituir avaliao de sentido inverso:

    we often heard of Portuguese meanness as to householdarrangements and other matters () to which we apply thereproach of sordidness, because they differ from us. This is surelyinconsiderate.

    (Journal, vol. I: xiv)

    Este processo retrico revela uma vontade de compreenso dooutro, uma necessidade de lanar mo de sentimentos que apelida debom senso e justeza, good sense and right feeling to give in toPortuguese hours and habits (Journal, vol. II: 233).

    Many of our usages are open to similar censure from them, if theychoose to make their particular notions the arbitrary rule of rightor wrong. (Journal, vol. II: 233)

    Os relatos dos viajantes estudados quer no primeiro, quer nosegundo volume, mostram esse espao de constante renegociao desentimentos e de percepes sobre si prprios e o pas visitado. Porm,

    16 R E P R E S E N T A E S E C O D I F I C A E S L I N G U S T I C A S D E P O R T U G A L

  • em Journal, particularmente, deparamos com a realizao de um indivduosolitrio, que refora, no seu relato, a auto-reflexo psicolgica, nummovimento sem fim do sujeito procura da sua prpria verdade, reafir -mando um movimento infindvel de auto-descoberta, mas tambm umclaro posicionamento intercultural.

    Lusa Azuaga

    17I N T R O D U O

  • A Teoria da Avaliatividade: Breve Apresentao

    Antnio Avelar e Lusa Azuaga

  • A Teoria da Avaliatividade: Breve Apresentao

    Abstract: The purpose of this paper is to offer a brief outline of Appraisal Theory, arelatively recent development within the framework of Systemic FunctionalLinguistics.Amongst other things, the travelers who wrote these travelogues expressedtheir views on Portugal, choosing words to describe their views as well as theirfeelings. As Appraisal Theory is concerned with the language of evaluation,attitude and emotion, and with the linguistic resources through whichspeakers/writers pass value judgments, or modalise their texts, it seemed agood analytic instrument to be used in the study of our corpus. This overview of the theory, which is somehow a kind of introduction, startswith its origins in the model of Tenor and the interpersonal studies in thesystemic literature and then focus on the theory itself, its three sub-systems,attitude, commitment and gradation, and its co-articulations with the systemsof negotiation, and engagement.

    A Avaliao no Quadro da Lingustica Sistmico-Funcional: de INTER-pessoal a Inter-PESSOAL

    Os artigos deste volume enquadram-se, na sua maioria, no mbitoda Lingustica Sistmico-Funcional (LSF), em particular na explorao domodelo de valorizao do significado interpessoal e da descrio gramaticaldas suas manifestaes.

    Os usos lingusticos, no adulto, neste quadro terico, so enten di -dos como expresso de trs macro- ou meta-funes: a funo ideacional,a funo interpessoal e a funo textual. A funo ideacional expressa todasas nossas concepes do mundo em que vivemos, o modo como concep tua -lizamos esse mundo, quer exterior, quer interior, em termos experienciais

  • e em termos lgicos. A funo interpessoal diz respeito s relaes com osoutros, o modo como regulamos o nosso prprio comportamento e o com -portamento dos outros, o modo como agimos em termos interac cionais.A funo textual remete-nos para o modo como organizamos os nossostextos, falados e/ou escritos, e os tornamos coerentes e coesos.1

    Ora, esta perspectiva tripartida da lngua, incluindo os nveis deabstraco em que esta se organiza (fonologia, lexicogramtica e semnticado discurso) e as funes que serve (ideacional, interpessoal e textual) temcomo consequncia, entre outras, conceder uma ateno particular aosignificado interpessoal.

    Se outros modelos, nomeadamente os cognitivo/conceptuais,menosprezaram as categorias relacionadas com as manifestaes do signi -ficado interpessoal, disciplinas como a sociolingustica, a pragmtica, aanlise do discurso, ou a anlise conversacional, para citar algumas,fornecem excelentes contributos para a sua compreenso; por sua vez, ateorizao da LSF permite considerar o que de melhor tem vindo a serproduzido, estando em condies de propor, no um mero somatrio decontributos dispersos, mas um sistema integrado de anlise e explicao.

    Sublinhe-se, porm, que a longnqua discusso do significadointerpessoal proposta por Halliday (1976) no convocaria, de imediato,interesse idntico ao verificado, por exemplo, quanto ao estudo datransitividade, expresso da meta-funo ideacional, ou da estruturatemtica, expresso da meta-funo textual.

    Considerando a evoluo histrica de todo o quadro terico da LSF,reconheceremos que a etapa determinante do aprofundamento do signi -ficado interpessoal surge relativamente tarde,2 tendo-se realizado umacorreco de sentido na investigao, que pode ser simbolizada peladiferena no grafismo INTER-pessoal, caracterizando a investigao dos

    22 R E P R E S E N T A E S E C O D I F I C A E S L I N G U S T I C A S D E P O R T U G A L

    1 evidente que, s de um ponto de vista analtico, podemos separar e analisar estas trsmacro-funes, j que elas esto presentes em cada texto, oral ou escrito, que produzimos.

    2 Se tomarmos como princpio de anlise as referncias que vieram a constituir-se no modeloAppraisal, com algumas excepes (Iedema, Feez, e White, 1994; Coffin, 1997; Poynton,1993; Ventola, 1987, 1996; Thibault, 1991; Lemke, 1998; White, 1997; Christie & Martin,1997 e o prprio Martin, 1997), notaremos que parte significativa da investigao divul -gada j na ltima dcada do sculo passado e no presente sculo.

  • anos oitenta, por oposio a inter-PESSOAL, caracterizando a investigao dadcada de noventa.

    Inicialmente, o significado interpessoal estava concentrado nasemntica interpessoal, semntica do Modo e funes discursivas (Halliday,1984, 1994, 2004) e nas metforas interpessoais de modo oracional, MOOD declaraes, perguntas, pedidos, ofertas, etc. e Modalidade proba -bilidade, obrigao, capacidade, etc., sendo, portanto, analisado enquantoescolhas em sistemas de modo e modalidade e como lxico atitudinal, aonvel da lexicogramtica.

    O sistema de modo realiza linguisticamente a metafuno inter -pessoal, e a orao (unidade fundamental de anlise gramatical nestemodelo terico, porque nela se exprime o significado) est tambmorgani zada como um evento interactivo entre o falante e o seu interlocutor.Quando falamos, adoptamos um papel discursivo particular e, conse quen -temente, atribumos ao nosso interlocutor determinado papel comple -mentar que esperamos que ele preencha. E o significado interpessoal entreo falante e o seu interlocutor expresso por escolhas a partir de diferentesreas da linguagem, como a modalidade, a entoao ou os itens lexicais.

    Os conceitos de clave, key, e tom, tone, permitiram alguns avanos nateorizao, uma vez que introduziram aspectos como a atitude e empe nha -mento no sistema e inauguraram a considerao dos estatutos (posies)e intervenes dos interlocutores no dilogo. Recorde-se, a propsito, omodo como, numa primeira caracterizao, Halliday se referia varivelRelaes, considerando-a como um campo de estudo relativamente refe -rncia aos participantes, sua natureza, estatutos e funes, mas tambmao tipo de relacionamento que estabelecem:

    Tenor refers to who is taking part, to the nature of the participants,their statuses and roles: what kinds of role relationship obtain,including permanent and temporary relationships of one kind oranother, both the types of speech roles they are taking on in thedialogue and the whole cluster of socially significant relationshipsin which they are involved.

    Halliday, 1985b:12

    Nos anos oitenta, adoptando esta caracterizao da varivel comoinstrumento-guia, surgiram contributos importantes para o aprofun da -mento da dimenso interpessoal do significado (Ventola, 1987; Eggins e

    23A T E O R I A D A A V A L I A T I V I D A D E : B R E V E A P R E S E N T A O

  • Slade, 1987), seguindo globalmente a mesma perspectiva, embora aplicadaa realidades discursivas diferentes.

    Assim, as ideias de Halliday foram sendo retomadas e desen volvidasao longo da dcada por vrios autores que, de uma forma geral, na sendadas propostas de Poynton,3 convergem em determinar dois plos essen -ciais da varivel Relaes: os conceitos de poder e solidariedade.

    Nessas obras dos anos oitenta, h ainda a realar alguns trabalhoscom incidncia nos estudos do Gnero e do texto narrativo em particular,que apresentam a vantagem de perspectivarem, desde logo, a avaliatividadeatravs dos diferentes estgios da narrativa (Plum, 1998; Martin & Rothery,1980, 1981; Rothery, 1990).

    A explorao do modelo tornava cada vez mais evidente que oesforo de valorizao do significado interpessoal e da descrio gramaticaldas suas manifestaes era ainda insuficiente para dar conta de todas asdimenses nele implicadas. Martin deixa bem claro que estes trabalhostendem a evitar o enfoque claro na semntica da avaliao, sendoimportante a centragem no papel dos interlocutores, nos seus sentimentose valoraes:

    how the interlocutors are feeling, the judgements they make, andthe value they place in the various phenomena of their experience

    Martin, 2000: 144

    A dinmica da investigao apontou, ento, para a necessidade deir mais longe na caracterizao dos aspectos pessoais, especialmente doAfecto, pelo que a investigao dos anos oitenta, centrada nos aspectosINTER-pessoais (modo, modalidade, funo discursiva, etc.) evolui parauma pesquisa das incidncias inter-PESSOAIS (atitude, epteto, adjunto

    24 R E P R E S E N T A E S E C O D I F I C A E S L I N G U S T I C A S D E P O R T U G A L

    3 Poynton (1985, 1996) sublinha as dimenses horizontais e verticais (estatuto e contactona terminologia da autora) das relaes interpessoais. A reciprocidade da escolha considerada, no contexto das propostas de Poynton, elemento-chave do conceito de poderj que sujeitos sociais de estatuto idntico recorrem ao mesmo tipo de escolhas discursivas,enquanto que falantes de estatuto desigual procedem a seleces distintas. No que dizrespeito ao conceito solidariedade, Poynton prope a realizao dos princpios de prolife -rao (a disponibilidade de comunicar com algum varia na razo directa do grau deproximidade que se tem com essa pessoa) e de contraco (a necessidade de se ser expl -cito numa interaco varia na razo inversa da proximidade que se tem com essa pessoa).

  • de comentrio, etc.), que caracteriza a mudana de rumo da investigao,como j referimos acima.

    Um primeiro e decisivo estudo segundo esta nova orientao, tendocomo ponto de partida a anlise de gneros narrativos, ter sido Martin(1992a), a que se seguiram outras descries sistemticas ensaiadas poroutros autores discurso dos media (Idema R., S. Feez, & P. R. R. White,1994), estudos dos gneros do local de trabalho e escola (Christie e Martin,1997; Martin e Veel, 1998).

    A investigao produzida, na justa medida em que vai aban do nandoo seu enfoque original (troca de bens e servios e/ou informao) e o com -plementa com a pesquisa das marcas pessoais, do registo dos sentimen -tos e da sua negociao ao nvel do discurso, converge no estabelecimentode um novo sistema cuja pretenso dar conta das novas dimenses emanlise.

    Ao longo dos anos noventa, a investigao percorreu um largoespectro de discursos, nas escolas e locais de trabalho, tanto sobre osdiscursos da cincia (Veel, 1988) e da histria, (Coffin, 2000), como daadministrao, (Iedema, 2003) ou dos media (Iedema, Feez & White, 1994e White, 2003a).

    O sistema foi denominado APPRAISAL4 (Martin, 2000a e b; Macken-Horarik & Martin, 2003; Martin & Rose, 2003 e Martin & White, 2005) e ,porventura, um dos domnios de evoluo terica mais recente no quadroda LSF.

    O termo APPRAISAL,5 Avaliatividade, em portugus, surge para designartoda a gama de recursos avaliativos da lngua, incluindo os que soempregados pelos falantes para exprimir posturas, atitudes mentais e

    25A T E O R I A D A A V A L I A T I V I D A D E : B R E V E A P R E S E N T A O

    4 Este sistema do APPRAISAL tem, entre outras referncias principais, as que a seguir desta -camos: Iedema, Feez, e White, 1994; Martin, 1995a e b; Christie and Martin, 1997; Martin,1997; Coffin, 1997; Eggins and Slade, 1997; White, 1998; Martin, 2000; Coffin, 2000;White, 2000; Krner, 2001.

    5 No quadro do grupo de discusso terminolgica da Gramtica Sistmico-Funcional(Portugal/Brasil), no tem havido consenso geral para a traduo do termo appraisal emportugus. Consideramos que Avaliatividade, e no tanto Valorao o termo que melhorse aproxima do real valor do sistema em referncia, apresentando a vantagem de noconflituar terminologicamente com outras unidades da LSF; esta opinio , alis,partilhada pela maioria dos participantes no grupo de discusso.

  • valores ou at para negoci-los com os seus interlocutores. Inclui, ainda,a considerao das atitudes, julgamentos e respostas emotivas dos falantese o modo explcito, ou implcito, pressuposto ou assumido, como estopatentes nos enunciados.

    Actualmente, as aplicaes da teoria da Avaliatividade incluem jtrabalhos sobre a avaliao em interaces casuais (Eggins & Slade, 1997),em narrativas e textos de ndole literria (Rothery & Stenglin, 2000 eMacken-Horarik, 2003) e em cincia popular (Fuller, 1998). Cada traba -lho, em particular, foi contribuindo para a sedimentao da teoria, tra zen -do contributos que J. R. Martin e White, sobretudo, integram com eficcia.A ttulo de exemplo, o contributo de Fuller (1998) foi determi nante para odesenvolvimento posterior da dimenso do Comprometi mento na teoriada Avaliatividade (White, 2003a e b; Martin and White, 2005).

    O Sistema da Avaliatividade

    A Avaliatividade , como vimos, uma das ferramentas para a anliseda lngua, disponibilizada pela LSF; trata-se de um dos trs recursos maisimportantes na construo do significado interpessoal, em conjunto comEnvolvimento, involvement, e Negociao. Incluindo trs domnios, Atitude,Comprometimento e Gradao, um sistema cuja abordagem implica adescrio e explicao do modo como a lngua usada para avaliar, adoptarposturas e valores, construindo identidades e gerir posicionamentos inter -pessoais e relaes:

    Appraisal is one of three major discourse semantic resourcesconstruing interpersonal meaning (alongside involve ment andnegotiation). Appraisal itself is regionalised as three interactingdomains attitude, engagement, and graduation.

    Martin & White, 2005: 34-35

    Consideremos, ento, este aspecto multidimensional do sistema,bem como as suas correlaes; todavia, vejamos, primeiramente, como severifica a aplicao do sistema a um qualquer discurso, isto , o seuprocesso de instanciao.6

    26 R E P R E S E N T A E S E C O D I F I C A E S L I N G U S T I C A S D E P O R T U G A L

    6 Como sntese do processo de instantiao da avaliatividade, seguimos de perto Martin que,em primeira anlise, na aplicao do sistema ao discurso jornalstico, prope represen -taes paralelas s dos eixos sistema/instncia.

  • Hierarquia de instanciao

    De acordo com a teorizao da LSF, (Figura 1.), toda a hierarquiaque preside ao processo de instanciao do sistema desenvolve-se numaescala descendente que inclui, em primeiro lugar, o sistema (potencialglobal para a significao). Seguem-se, na escala, registo (concentrando ainformao que vem do contexto), o gnero/tipo de texto (grupos textuaisde configuraes idnticas), a instncia (individualizao do sistema) e,por ltimo, participando no processo dialgico, o acto da apropriao dossignificados produzidos, que se pode designar por leitura.

    1 sistemaO potencial global para a significao fornecido pela lngua.

    2 registoVariantes contextuais do potencial global para a significao.

    3 tipo de texto Grupos de textos que partilham configuraes informadas pelasopes tomadas a nvel do registo, envolvendo configuraesmenos institucionalizadas do que as realizadas a nvel do registo.

    4 instnciaTextos individuais enquanto actualizao do potencial global para a significao, em conformidade com as restries de umdeterminado registo.

    5 leituraCaptao dos significados num texto, de acordo com a subjecti -vidade do ouvinte/leitor.

    Figura 1. Eixo sistema/instncia, adaptado de Martin.7

    Assim, descendo a escala paralela (Figura 2.), o potencial global dalngua para produzir significado avaliativo reconfigurado segundo asprobabilidades disponibilizadas pela clave (variantes contextuais doregisto). Ao nvel do texto-tipo, realizam-se operaes de sub-seleco de

    27A T E O R I A D A A V A L I A T I V I D A D E : B R E V E A P R E S E N T A O

    7 S possvel apresentar a representao dos eixos sistema/instncia e avaliativi dade/ /instncia que resultam nas Figuras 1. e 2., graas disponibilidade e simpatia de J. R.Martin, seu autor, pelo que lhe expressamos aqui a nossa gratido.

  • opes avaliativas, de acordo com uma determinada clave (nvel imedia -tamente superior), associadas a objectivos retricos e a operaes deconstruo da personae autorial.

    1 avaliatividade (sistema)O potencial global da lngua para realizar significado avaliativo(para apresentar pontos de vista positivos/negativos, gradao(fora e foco) e negociar o posicionamento intersubjectivo.

    2 clave (registo)Variantes situacionais ou sub-seleces do potencial global para arealizao do significado avaliativo.

    3 postura (texto-tipo)Sub-seleces das opes avaliativas no interior de um texto padres de uso das opes avaliativas, tendo em conta uma deter -minada chave, associados a objectivos retricos particu lares e construo das identidades.

    4 avaliao (instncia)Instanciao das opes avaliativas em texto.

    5 reaco (leitura)Captao dos significados avaliativos num texto, de acordo com asubjectividade do ouvinte/leitor, sendo que as posies atitudinaisactivadas pelo ouvinte/leitor so activadas por este em resultadoda sua interaco com o texto.

    Figura 2. Eixo avaliatividade/instncia, adaptado de Martin.

    Multi-dimensionalidade e co-articulaes

    O enunciado com relevncia na atitude avaliativa resulta, no quadroproposto, de um conjunto de operaes complexas, e envolve aspectos todiversos como os distintos posicionamentos possveis do falante, aconstruo da sua identidade dialgica e a forte interveno de factores(inter) culturais.

    Os primeiros trabalhos centraram-se no modo como a atitudeavaliativa dos falantes est presente nas suas trocas lingusticas, desde apequena conversa transaccional ao texto escrito mais elaborado. Foram,ento, identificados dois modos primrios do posicionamento avaliativodos falantes: um que releva da atitude, outro que se prende com a postura

    28 R E P R E S E N T A E S E C O D I F I C A E S L I N G U S T I C A S D E P O R T U G A L

  • dialgica; foi ainda introduzida uma terceira dimenso para considerar apossibilidade de ajustar a fora, ou o foco, do significado produzido. Assim,o sistema da Avaliatividade torna-se multi-dimensional, incorporando aexpresso de valores como categorias da Atitude, a introduo e gesto dasvozes a quem os valores so atribudos, como opes do Comprome ti -mento, e a manipulao dos graus dos valores, como possibilidades daGradao, podendo todo o sistema ser esquematizado como propomos naFigura 3.

    ComprometimentoMonoglossia ProjecoHeteroglossia Modalidade

    Concesso

    AfectoAtitude Julgamento

    Apreciao

    Gradao

    Fora IntensificaoAtenuao

    Foco Acentuao Suavizao

    Figura 3. Sistema da Avaliatividade em esquema.8

    A Atitude diz respeito aos sentimentos, incluindo as reacesemocionais, julgamentos de comportamento e avaliao de entidades,coisas e factos. O Comprometimento tem a ver com a especificao daorigem das atitudes em texto, designadamente da presena e desempenhodas vozes, em torno das opinies, no discurso. A Gradao manifesta-se

    29A T E O R I A D A A V A L I A T I V I D A D E : B R E V E A P R E S E N T A O

    8 Esta representao do modelo uma adaptao de Martin & Rose, 2003.

    { {{ {{

    {

    {AVALIATIVIDADE

  • pela possibilidade de amplificar, ou reduzir, o valor das categorias usadaspara a expresso dos sentimentos.

    Recorde-se, entretanto, que todo o sistema que concentra osrecursos avaliativos da lngua envolve uma construo de hierarquias e complementaridades, encontrando-se o sistema da Avaliatividade co-articulado, como vimos, com outros dois sistemas, o da Negociao e odo Envolvimento.

    30 R E P R E S E N T A E S E C O D I F I C A E S L I N G U S T I C A S D E P O R T U G A L

    9 Martin, 1992b procede a uma apresentao circunstanciada da funo de comple men -taridade da negociao, e Eggins & Slade, 1997 fornecem uma perspectiva sistmico--funcional do conceito, a partir da anlise das incidncias da interaco casual.

    Figura 4. Sistema da Avaliatividade: co-articulaes.

    A Negociao diz respeito aos aspectos interactivos do discurso, funo discursiva e estrutura de troca (Martin, 1992b; Eggins & Slade,1997).9 O Envolvimento tem a ver com os recursos no passveis de grada -o para a negociao das Relaes (categoria do Registo), particularmente,a solidariedade. So includas nesta categoria as formas de tratamento, asinterjeies, as funes expletivas e todo o tipo de recursos lexicais quesinalizam a pertena a um grupo social ou scio profissional. Tambm se

  • consideram enquadrados em Envolvimento tanto algum lxico fortementeespecializado, como vrios marcadores de sociolectos (falares e pronnciasparticulares, desvios morfolgicos, etc.).

    Consideremos, agora, mais pormenorizadamente, os subsistemasdo sistema da Avaliatividade, comeando pelo subsistema da Atitude.

    Os subsistemas da teoria da AvaliatividadeAtitude (Afecto, Julgamento e Apreciao)

    A Atitude revelada por enunciados cuja interpretao maisimediata deixa perceber que, na enunciao, algum, alguma coisa, situa -o, aco, evento ou estado de coisas est a ser considerada, positiva ounegativamente. Por arrastamento, so tambm considerados enunciadosatitudinais aqueles em que o alocutrio convidado a aduzir o seu prpriojulgamento.

    Um aspecto comum a todos os enunciados atitudinais o facto de o seu significado, se bem que representado por palavras isolveis docontexto, no ocorrer, normalmente, em isolamento textual. Pelo contr -rio, o destinatrio de uma mensagem, para aceder ao significado atitudinalcompleto, tem de identificar diversas partes do texto representantes de instncias, explcitas ou implcitas, da Atitude e de interpret-lasglobalmente.

    A Atitude pode ser realizada por um grupo alargado de diferentescategorias gramaticais, das quais se destacam adjectivos, verbos e advr -bios, como podemos verificar nos exemplos a seguir:

    Adjectivo (Atributo): the air out of the Sun was cooler than I had expectedto find it in Portugal (Journal, vol. II: 209)

    Adjectivo (Epteto): The mule, who is a lady of capricious disposition, andsometimes a downright termagant, shocking our ears with herhorrible bray, and laying about with her heels in a most unladylikefashion, took one of her wicked fits as soon as she came to a badplace (Journal, vol. II: 163)

    Verbo (Processo): shaming the De la Bordes and all preceding pioneers(Journal, vol. I: vii-viii)

    Advrbio (Adjunto de comentro): A nightingale in some copse on the

    31A T E O R I A D A A V A L I A T I V I D A D E : B R E V E A P R E S E N T A O

  • bank was singing gallantly, as if he took the quavering of the water-wheel for a challenge (Journal, vol. II: 189)

    A metfora gramatical tambm apontada como um recursoprofcuo na realizao da Atitude, nominalizando-a, frequentemente,como podemos observar no exemplo a seguir:

    Metfora gramatical: The prolongation of Maximins reign is impeded bythe commencement of the third Gordians, the number of whoseyears of empire, and the data of which (the termination at least)appear to be sufficiently fixed by the historians (Journal, vol. I: 139)

    O uso avaliativo da lngua envolve trs possibilidades de posicio -namento do falante, a saber:

    a) posicionamento relativo (prpria) atitude;b) posicionamento relativo ao outro, em dilogo;c) posicionamento relativo ao (inter) texto.

    No que respeita ao posicionamento relativo (prpria) atitude, oque est em causa a possibilidade de o falante indicar a sua opinio,positiva ou negativa, relativamente a coisas, lugares, pessoas, aconteci -mentos e estados de coisas.

    Quanto ao posicionamento relativo ao outro, em dilogo, ele dizrespeito funo que permite ao falante agir sobre o seu enunciado,estabelecendo pontes com os anteriores e antecipando os que se seguem,mesmo quando a configurao seja marcadamente monolgica, comoacontece quando a comunicao verbal toma a forma de texto escrito.Partindo do princpio de que, mesmo quando os textos assumem umandole monolgica, h sempre um dar e receber verbal subjacente,necessitamos de elementos que realizem esta aco reaco que caracterizao dialogismo. Trata-se, pois, da possibilidade de introduzir elementos noenunciado que criam ligaes com enunciados anteriores, ou que tm umpapel de antecipao relativamente ao(s) que se segue(m). Com efeito, ofalante, designadamente em texto escrito, tem a possibilidade de intro -duzir itens que, explicitamente, representam uma reaco/resposta aenunciados precedentes, ou uma antecipao de possveis desenvol -vimentos. Note-se, entretanto que, apesar de realizada de forma explcita,esta funo envolve, normalmente, alguma subtileza e complexidade.

    32 R E P R E S E N T A E S E C O D I F I C A E S L I N G U S T I C A S D E P O R T U G A L

  • Por fim, quanto ao posicionamento relativo ao (inter) texto, ele activado quando o falante usa citao ou referncia de outrem, trazendopensamentos e palavras alheias para o seio da interaco. Este registoassumido de fontes externas ou internas interaco (a pessoa citada podeestar presente na interaco) pode ser considerado um subtipo do posicio -namento dialgico, na medida em que partilha os principais atributos dafuno anterior.

    Quando a pessoa citada no participa na interaco, acaba por serarrastada (o sujeito ou a sua posio scio-semitica) para aquela ocor -rncia dialogstica, j que o seu texto est diludo no corrente texto global.Neste caso, a posio dialogstica retrospectiva; porm, de conceber ouso prospectivo deste tipo de intertextualidade se so antecipadas respos -tas dos interlocutores, estejam eles presentes, ou sejam apenas potenciais.Neste sentido, considerem-se as interaces em grupos de discusso naInternet (chats) que propiciam, com frequncia, a ocorrncia deste tipode funo.

    Vejamos, agora, com mais pormenor, as trs sub-componentes de Atitude, ou seja, Afecto, Julgamento e Apreciao, comeando pelaprimeira.

    Afecto

    O Afecto tem a ver com a manifestao das emoes, a reaco a umcomportamento, a um fenmeno natural, a um estado-de-coisas, ou a umtexto/processo. A manifestao das emoes reside na subjectividadeindividual do falante/escrevente que, por deciso ou necessidade prpria,inscreve a sua presena no processo comunicativo. At certo ponto, o falante/escrevente perscruta a possibilidade de um elo com o seudestina trio, na medida em que, expondo-se por meio das suas revelaesemocionais, prope uma reaco que pode ser de compreenso, simpatia,partilha, ou at de recusa.

    O falante/escrevente pode orientar a sua avaliao para uma qual -quer entidade externa interaco, ou pode dirigi-la para si prprio, numatentativa de evocar a simpatia do destinatrio. Os dois processos esto, noentanto, geralmente associados, o que significa que possvel encontrar,em enunciados simples, alvos multi-avaliativos. No exemplo a seguir, amanifestao das emoes orienta-se para uma entidade exterior

    33A T E O R I A D A A V A L I A T I V I D A D E : B R E V E A P R E S E N T A O

  • situao comunicativa, embora intimamente relacionada com aquela, namedida em que so convocados valores atitudinais que incidem sobre osingleses, ao invs do que era suposto acontecer, na medida em que, naconstruo textual, o alvo da avaliao so os portugueses.

    In sickness nothing can surpass their tender and watchful careand attentions: of this I can speak from my own experience, andall the English with whom I talked about the subject () confirmedmy impression, though too ready, as we English are, to findgrievous faults with any person and thing out of our own country

    (Journal, vol. I: 27)

    O Afecto pode ser realizado por meio de vrios recursos gramaticais.Comecemos por considerar o Afecto, enquanto qualidade. Neste caso,como modo de processo, realizado por uma circunstncia, como em:

    Thus the attentions of our host and hostess were minutelythoughtful to the last (Journal, vol. I: 64)

    Para descrever participantes, o Afecto realizado por um epteto,como em:

    the good qualities of the Portuguese people (Journal, vol. I: xi)

    e, para conferir qualidades, realizado por meio de um Atributo: the wages are very low (Journal, vol. I: 31). O Afecto, enquanto processo, pode manifestar uma percepo

    afectiva:

    Houve diferenas que uniram e tornaram especial a relao entre ogrande poeta romntico e a sua filha Dorothy

    O Afecto, enquanto processo, pode manifestar tambm um compor -ta mento afectivo:

    Dorothy Wordsworth no deixa de mostrar a sua cumplicidadeafectiva com os Portugueses.

    Enquanto comentrio, o Afecto pode realizar-se por meio de umAdjunto modal: Felizmente o livro teve sucesso.

    Outros aspectos a ter em conta prendem-se com a polaridade, agradao, a predicao e o contedo emocional envolvido.

    A polaridade, positiva ou negativa, pode manifestar-se atravs de

    34 R E P R E S E N T A E S E C O D I F I C A E S L I N G U S T I C A S D E P O R T U G A L

  • atributos e eptetos e, sendo negativa, pode ainda recorrer a itens de negaoadequados:Afecto positivo: A sensvel escrita de Dorothy teve influncia em muitos dos

    seus leitores.Afecto negativo: A autora no deixa de apontar o dedo desonesta ambio

    das classes dominantes portuguesas.

    Relativamente gradao, ela pode manifestar-se como se segue:Gradao baixa: A autora sugeriu editora uma pausa nos seus projectos de

    publicao.Gradao mdia: A autora pediu editora uma pausa nos seus projectos de

    publicao.Gradao alta: A autora implorou editora uma pausa nos seus projectos de

    publicao.

    A predicao e o contedo emocional envolvido so outros aspectosa ter em conta na manifestao do Afecto, como reaco directa vs.indirecta, ou mpeto emocional vs. estado mentalReaco (a outro): o pblico gostou do que leuEstado mental: eles estavam radiantesImpeto comportamental: ela sorriuDisposio mental: triste por se aperceber daquilo a que chama um sintoma

    do carcter contemporneo dos portugueses.

    Resumidamente, podemos afirmar que os recursos gramaticais maisrecorrentes na manifestao do Afecto so:

    Verbos (processos mentais) de emoo: gostar de, amar/odiar, agradar,detestar, amedrontar, irritar/acalmar, interessar/aborrecer.

    Advrbios (circunstncias de modo): (in)felizmente.Adjectivos: feliz/triste, (in)seguro, agradado, irritado, (des)motivado.Nomes (por vezes, resultantes de nominalizaes): confiana/insegurana,

    medo, terror, etc.

    Sublinhe-se, entretanto, que o funcionamento retrico da manifes -tao das emoes , frequentemente, bastante mais complexo do que osexemplos isolados, que aqui utilizamos, sugerem.

    Consideremos, agora, outra sub-componente de Atitude, ou seja, oJulgamento.

    35A T E O R I A D A A V A L I A T I V I D A D E : B R E V E A P R E S E N T A O

  • Julgamento

    As manifestaes do Julgamento dizem respeito avaliao daAtitude em que, de forma positiva ou negativa, o comportamento humano,individual ou grupal, relacionado com um qualquer conjunto de normassociais, expresso (Iedema, Feez & White, 1994; Martin, 1995; Martin,2000). Tratando-se de opinies normativas sobre o comportamentohumano, as avaliaes negativas, classificveis como Julgamento, implicamum certo sentido de disfuncionalidade, ou de culpa.

    Enquadram-se no mbito do Julgamento grande parte das manifes -taes lingusticas, mais ou menos cristalizadas no sistema, que socomummente postas ao servio da crtica (negativa), ou da aprovao, taiscomo provrbios, ditados, expresses idiomticas e outra fraseologia dendole idntica. Neste quadro, o Julgamento lida profundamente com aexteriorizao da cultura, quer manifesta nos seus sistemas maiselaborados (e.g. legalidade, moralidade, delicadeza), quer em expressesmenos perenes de sistemas semiticos (e.g. moda, costumes).

    Trata-se, portanto, de um sistema de posicionamento atitudinal,em que as asseres resultam de enquadramento cultural e ideolgicomuito profundo, em que a conformidade , naturalmente, mais bemcompreendida do que a dissidncia. O modo como as pessoas exprimemjulgamentos acerca da (i)legalidade, (a)moralidade, (a)normalidade,(in)capacidade, etc. , por inerncia, determinado pela cultura em queesto inseridas e pelas suas experincias individuais. Em consequncia,as organizaes e as culturas organizacionais determinam o espao deliberdade individual para a expresso de comportamentos avaliativos sobrea moral, legalidade ou religio. O posicionamento ideolgico dos parti -cipan tes determina, normalmente, que o mesmo evento seja alvo dejulgamentos diferentes, ou at opostos.

    A atitude do julgador pode ser expressa de forma explcita, oumanifestar-se implicitamente, estando diluda, no caso da segundahiptese, em elementos experienciais.

    Alis, os enunciados que no contm nenhum elemento avaliativoexplcito, no deixam de envolver uma atitude avaliativa, pelo que sochamados julgamentos implcitos. Existem duas modalidades deste tipode julgamentos cuja distino, por vezes, implica alguma subtileza ana l -tica. No primeiro tipo destes enunciados, julgamentos sinalizados, a

    36 R E P R E S E N T A E S E C O D I F I C A E S L I N G U S T I C A S D E P O R T U G A L

  • inexistncia de elementos avaliativos por excelncia no obsta a queincluam material lingustico de pendor atitudinal; no segundo tipo deJulgamentos implcitos, os induzidos, no se torna explcita qualquerinscrio do valor do Julgamento, seja ele positivo ou negativo, no entanto,a conjuno discursiva e/ou contextual favorece uma interpretaoavaliativa.

    O Julgamento pode manifestar-se textualmente sob formas mais oumenos claras ou subtis. Deste ponto de vista, so, ento, considerados trsmodos de Julgamento: Explcito, Sinalizado e Implcito.

    Consideremos, finalmente, a Apreciao, a terceira sub-compo -nente de Atitude.

    Apreciao

    A Apreciao tem a ver com avaliaes que recaem prioritariamentesobre objectos, artefactos, processos e estados-de-coisas. O que est emcausa o valor das coisas, por regra, o valor semitico (e.g. textos e acti -vidades artsticas e para-artsticas e fenmenos naturais). As pessoaspodem tambm ser sujeitas a enunciados apreciativos, designadamenteem instn cias em que no so directamente ponderadas a adequao,propriedade, correco do comportamento. Os valores associados Apre -cia o so de ordem esttica e manifestam-se, tipicamente, por meio declassificaes acerca da forma, aparncia, construo, apresentao ouimpacto esttico de objectos e identidades.

    Distines e Co-relaes

    Quer a Apreciao, quer o Julgamento tendem a ser orientados paraa identidade avaliada, e no para um sujeito subjectivo avaliador, comoacontece no caso dos enunciados que exprimem Afecto. Trata-se de umprocedimento em que o contedo avaliativo, individual e subjectivo, doavaliador assumido discursivamente como propriedade da entidadeavaliada, captando, por este efeito, um certo grau de objectividade.

    Frequentemente, as atitudes sociais esto associados a valores doAfecto, j que muitas das respostas emocionais podem ser entendidas(julgadas) como adequadas ou desadequadas, boas ou ms, dentro de umacomunidade. Culturalmente, inegvel que a avaliao moral est profun -damente associada esfera afectiva pelo que, mesmo em reas da produo

    37A T E O R I A D A A V A L I A T I V I D A D E : B R E V E A P R E S E N T A O

  • discursiva menos impregnadas deste comportamento (i.e. discurso acad -mico, jurdico, etc.), so encontrados muitos enunciados de valoraomista.

    Os valores do Afecto tm, pois, um grande potencial para induzirjulgamentos, como o caso de, em determinados contextos, enunciadosque traduzem a vitimizao de um ou mais participantes, provocarem umjulgamento positivo.

    O Afecto manifesta-se atravs de enunciados claramente explcitose sob uma forma subjectiva. Envolve um enunciado muito personalizado,baseado no papel individual do autor, pelo qual aquele assume respon -sabilidade total. O Julgamento, pelo contrrio, um comporta mentoavaliativo menos explcito, j que menos apoiado na subjectividade doparticipante, resultando dessa caracterstica um enunciado onde os valoresdo Julgamento so apresentados mais enquanto qualidades do fenmenoque est a ser avaliado do que propriedades dependentes do avaliador.

    O mesmo tipo de dificuldade de distino pode ocorrer entre osdomnios do Afecto e da Apreciao. Tome-se como ponto de partida oseguinte exemplo:

    Trata-se de uma referncia feita para destacar a frescura dos camposportugueses

    Aqui, frescura susceptvel de ser classificado enquanto categoriade Apreciao, apesar de, tambm a, estar presente a valorao afectiva.De facto, como atributo, confere uma certa propriedade afectiva a umadescrio objectiva, o que leva a consider-lo uma manifestao de Afecto.

    Em certo sentido, a emoo pode ser vista como combinando todosos valores da atitude. Martin (2000, 2003) d conta desta problemtica,reflectindo a partir de dados de investigao sobre discursos particulares,designadamente o discurso cientfico e o dos media (Idema, R., S. Feez, &P. R. R. White, 1994; Hyland, 1998). Sustenta Martin (2003: 174) que oJulgamento e a Apreciao podem ser encarados como formas que osfalantes possuem de institucionalizar o Afecto.

    JUDGEMENT and APPRECIATION might be interpreted as institu tion -alizations of which have evolved to socialize individuals intovarious uncommon sense communities of feeling JUDGEMENT asAFFECT recontextualized to control behavior (what we should and

    38 R E P R E S E N T A E S E C O D I F I C A E S L I N G U S T I C A S D E P O R T U G A L

  • should not do). APPRECIATION as AFFECT recontextualized to managetaste (what things are worth).

    Assim, conforme podemos verificar, de acordo com a Figura 12., osentimento pode ser institucionalizado, por um lado, enquanto valoresticos e morais, por outro, enquanto valores estticos.

    O sentimento institucionalizado enquantovalores ticos e morais

    JULGAMENTO

    AFECTO

    APRECIAO

    O sentimento institucionalizado enquantovalor esttico

    Figura 12. O domnio do Afecto institucionalizado em Julgamento e Apreciao(adaptado de Martin 2000a: 147)

    Usando os conceitos de institucionalizao e recontextualizao(Fairclough, 2003) para designar o modo como as comunidades gerem osprprios afectos na expresso do pensamento tico e esttico, Martin deixaentrever a questo adicional que reside no facto de as culturas, as distintascomunidades de sentimentos, se diferenciarem tambm pelo modocomo constroem os seus enunciados que exprimem valorao tica eesttica, cabea dos quais podemos eleger as expresses idiomticas,provrbios e outra fraseologia, mas onde o comentrio ao pequeno aconte -cimento, a expresso de um desejo ou expectativa, expressos num simplesdilogo do dia-a-dia, so igualmente relevantes.

    Depois de termos apresentado um subsistema da Avaliatividade, a saber, Atitude, vamos agora considerar um outro, o subsistema doCompro metimento.

    39A T E O R I A D A A V A L I A T I V I D A D E : B R E V E A P R E S E N T A O

  • Comprometimento

    O subsistema Comprometimento, tal como perspectivada na teori -zao sobre a Avaliatividade, inclui valores e recursos que habitualmenteesto associados a domnios como a atribuio, a modalidade, a concesso,a polaridade, a indireco, a atenuao/intensificao, entre outros. Trata--se de um largo e poderoso conjunto de recursos que esto ao servio daaceitabilidade dos enunciados, permitindo aos falantes ajustar, na perma -nente negociao que a interaco, o contedo do enunciado s incidn -cias comunicativas. Por aceitabilidade no se pretende significar, aqui,qualquer validao do ponto de vista lexicogramatical, mas designar acapacidade que tem o falante de intervir na enunciao dos seus prop -sitos, ou propostas, de forma a torn-los sustentados por argumentos,junto dos seus alocutrios.

    Alm dos ajustamentos acima referidos, so considerados, nacategoria de Comprometimento, os recursos que situam o enunciadofuncio nalmente com referncia aos processos passados, presentes oufuturos.

    Uma noo essencial para se entender a categoria Compro me ti -mento a de dialogismo, j que o que tambm est em causa a possi -bilidade de o falante, oralmente ou por escrito, poder intervir, ajustandoo estatuto do seu enunciado.

    Esta noo remonta a Bakhtin (1981) e Voloshinov (1995); amboscoincidem em evidenciar a natureza social da interaco verbal, conferindoa esta caracterstica do comportamento verbal um plano superior ao dasformas do sistema abstracto que o compem e tambm ao acto psicolgicoque o explica.

    Bakhtin usa o termo heteroglossia para se referir ao dialogismonos textos escritos. Este conceito corresponde, sensivelmente, ao deintertextualidade em Kristeva (1986), sendo retomado por Fairclough(1992:10) como manifestao da presena de outros textos num textoparticular: the explicit presence of other texts in a text. Martin & Rose(2003) e White (2003a, 2003c) usam o conceito de heteroglossia para sereferirem a Comprometimento, como opes de sistema para a abertura efechamento do espao hetereoglssico.

    O conceito de dilogo, na acepo restrita, refere toda a mani -festao essencial do comportamento verbal entre pessoas directo,

    40 R E P R E S E N T A E S E C O D I F I C A E S L I N G U S T I C A S D E P O R T U G A L

  • face-a-face e oral; num sentido mais lato, engloba ainda todo o tipo decomunicao, mesmo a de cariz monologal, na medida em que, no limite,o monlogo mais intimista no deixa de exigir o(s) seu(s) alocutrio(s). A comunicao assim entendida dialgica na sua essncia, pelo que osenunciados, mesmo os de formulao mais monologal, recorrem a expe -dientes para a apresentao/representao do falante e defesa das posiesdeste, tendo em conta eventos e informaes anteriores e antecipandofuturas reaces.

    My point then, is that the resources included within ENGAGEMENTare all `dialogistic in this sense they are all means by whichspeakers/writers represent themselves as engaging in a ` dialogueto the extent that they present themselves as taking up, acknowl -edging, responding to, challenging or rejecting actual or imaginedprior utterances from other speakers/writers or as anticipatinglikely or possible responses from other speakers/writers.

    White, 2000: 16

    O Comprometimento envolve, nesta perspectiva, recursos eminen -temente dialgicos, na medida em que permitem ao falante intervir noenunciado, para referir, ou invocar, representaes, ou pontos de vista, eproject-los em funo do passado ou futuro da interaco, texto ouenunciado em curso. O falante, oralmente, ou por escrito, entendidoenquanto entidade comprometida dialogicamente. Nessa medida, oComprometimento diz respeito s formas pelas quais recursos como aprojeco, modalidade, polaridade, concesso e vrios advrbios decomentrio posicionam um enunciado avaliativo em relao a outro(White, 2000; Martin, 2003).

    Naturalmente que, sendo afirmada a possibilidade da presena, no texto, de outra(s) palavras, outras vozes, para alm das do prprioescrevente, o conceito de voicing capital na teorizao sobre o Compro -metimento. Em conformidade com as explicitaes j feitas, Bakhtin(1981) afirma que todo o texto intrinsecamente dialgico e Kristeva(1986) sustentar a mesma ideia; note-se, porm, que Bakhtin distingueentre discurso autoral, associado a textos unvocos, em que o significadoest como que congelado, incapaz de interagir com outras vozes, e odiscurso internamente persuasivo, dialgico, na sua essncia.

    41A T E O R I A D A A V A L I A T I V I D A D E : B R E V E A P R E S E N T A O

  • A realizao do Comprometimento envolve um nmero conside -rvel de categorias que esto esquematizadas na Figura 13.

    Comecemos por considerar processos de Contraco, assim deno -mi nados por se realizarem por meio da reduo do espao dialgico dodestinatrio.

    Contraco: Contraposio

    De um ponto de vista dialgico, a negativa no uma simplesoposio lgica positiva, uma vez que a assero negativa s se realiza secomportar os valores da positiva. No se verifica, porm, reciprocidade a positiva no contm, obrigatoriamente, a negativa. Quando se analisa oComprometimento da perspectiva da Negao, o que est em jogo apossibilidade de introduzir, no dilogo, uma alternativa a uma posiopositiva, aceitando-a ou rejeitando-a (Fairclough, 1992: 121.)

    NegaoContraposio Contra-expectativa

    ContracoExpectativa confirmada

    Pro-posio

    Compromisso Pronunciamento

    Endosso

    ProbabilidadeEvidnciasPonderaoDiz-que

    Expanso

    Atribuio Reconhecimento

    Distanciamento

    Figura 13. Categorias do Comprometimento.

    42 R E P R E S E N T A E S E C O D I F I C A E S L I N G U S T I C A S D E P O R T U G A L

    {

    {{

    {{

    {

    {COMPROMETI

    MENTO

    {

  • No exemplo a seguir, a Negao, tal como realizada, invoca concep -es e convices, consensuais ou no, sobre a generalizao do fenmenodo holiganismo, anteriormente formuladas, e apresenta-se como umaresposta discordante.

    () No tem mal nenhum participar intensamente numespectculo desportivo, podendo, at, por vezes ultrapassar algunslimites. O futebol tambm desempenha essa funo. As notciasque se ouvem sobre o holiganismo no representam tudo o que lse passa.

    TSF, participao de ouvinte no programa Bancada Central,21.02.04

    Uma situao tpica de Contra-expectativa realiza-se atravs do usode Adjuntos de comentrio tais como surpreendentemente, estranhamente,bizarramente, inesperadamente, paradoxalmente, etc. O uso destes adjuntospromove a sugesto de uma posio alternativa que rejeitada, ou nopassa de uma expectativa no realizada, como em:

    Paradoxalmente, quando o mais difcil estava feito e parecia que ocessar-fogo era uma realidade, voltou tudo estaca zero.

    Depois de tanto ter lutado para que a justia fosse feita, surpreen -dentemente, desistiu do processo.

    Outra situao tipificada de Contra-expectativa resulta do uso deconcessivas. Os recursos da expresso da concesso, como embora,todavia, porm, contudo, so os mais salientes na sub-categoria de Contra--expectativa; porm, para alm destes, muitas formulaes com um valorprximo ou relacionado so de incluir, como o caso de alguns usos de s,apenas, mesmo, j e ainda.

    Os mdicos, o pessoal auxiliar, e o servio de limpeza so excelentes,j a comida o pior que se pode imaginar.

    tudo muito fcil, tudo muito bonito, s facilidades ao telefone.Mas, quando sabem que o estudante que lhes quer alugar o quarto temum animal de estimao, tudo muda de figura.

    43A T E O R I A D A A V A L I A T I V I D A D E : B R E V E A P R E S E N T A O

  • Contraco: Pro-posio

    A Pro-posio uma forma de intervir na interaco pelo aumentodo valor afectivo, ou outro, conferido a uma determinada proposio/ /proposta. Este processo, realizado, numa primeira anlise, com a intenode atenuar a eventual discordncia com o interlocutor, tem o efeito detornar mais problemtico, para este ltimo, a manifestao de qualquercontradio futura.

    Provavelmente, a obra de Dorothy no convenceu todos os seus leitoresmas, com certeza, teve eco nos de mentalidade mais aberta.

    Os falantes, oralmente ou por escrito, podem intervir directamenteno seu texto, de forma a aumentar o custo de qualquer possvel rejeio oucontestao do seu contedo. Trata-se de um processo designado porPronunciamento que consiste, sempre, numa interveno deliberada anvel do enunciado, podendo realizar-se de formas distintas que resultamem formulaes dialogicamente prospectivas. Um processo de Pronuncia -mento muito frequente, quer na oralidade, quer na escrita, o da inclusode um Adjunto de Comentrio com funo de intensificador:

    O custo da obra foi, realmente, muito inflaccionado.Realmente, o custo da obra foi muito inflaccionado.

    O Pronunciamento pode realizar-se por uma espcie de inter pola -o directa e explcita no enunciado: Eu disse que a ideia de reconstruir oedifcio era absurda

    O falante pode, ainda, manifestar concordncia tcita com o desti -natrio, ao apresentar um ponto de vista que j ter sido defendido poreste, ou que assume ser consensual. A inteno aumentar o custo dequalquer desacordo subsequente. Uma rejeio da proposio torna-semais difcil de realizar, na troca dialgica em curso. Formulaes comoCom certeza que est de acordo, Certamente que concorda comigo, Todos nssabemos que, etc. so muito frequentes em interaces orais com certo graude formalidade, como, por exemplo, nos debates televisivos.

    Tambm so consideradas formulaes dentro do mbito da Pro--posio aquelas em que o falante, oralmente ou por escrito, evoca aconformidade da sua alegao com o pensamento da comunidade em queest inserido: Toda a gente sabe que, O povo costuma dizer que. Aqui, noh o efeito de preveno de um desacordo com o interlocutor, como no

    44 R E P R E S E N T A E S E C O D I F I C A E S L I N G U S T I C A S D E P O R T U G A L

  • exemplo precedente (Expectativa confirmada), mas, por efeito retrico, odestinatrio v-se inserido na concrdia estabelecida pelo seu parceirodialgico (Endosso). Qualquer desacordo , doravante, mais difcil derealizar na mesma interaco, ou na mesma sequncia interactiva. Os tiposde enunciados acima referidos, configurando processos de Expectativaconfirmada, ou de Endosso, constituem um desafio ao potencial dialgicodo destinatrio, pelo aumento do custo interpessoal de qualquer desa -cordo, quando, retoricamente, o acordo referendado pelo senso comum.

    At agora foram passados em vista processos de Contraco, assimdenominados por se realizarem atravs da reduo do espao dialgico dodestinatrio. A teorizao considera tambm processos de Expanso.

    Expanso: Ponderao

    Se atentarmos nas frmulas Parece que, provavelmente, ouvi dizer que,reconheceremos expedientes muito comuns que permitem ao falanteintervir a nvel do enunciado, alterando, significativamente, o seu valore/ou fora interlocutria. Tais processos no tm, no entanto, uma nicae inequvoca interpretao. Da perspectiva interactivista, abordagem queparece mais concilivel com a perspectiva dialgica aqui a ser apresentada,eles so globalmente classificados enquanto protectoresdo acto de fala.Tambm comum a interpretao, influenciada por uma perspectiva delgica formal, com referncia s noes de verdadeiro/falso, de que esta -mos perante formulaes em que o falante no pretende comprometer-setotalmente com o contedo do seu enunciado. O enunciado est a serconsiderado apenas como uma manifestao de uma determinado estadointerior do sujeito enunciador, que este pretende comunicar, o que seriaevidente na assero de algum que, aps vrias horas de difcil trabalho,dissesse: Parece que este dia nunca mais acaba!...

    De um ponto de vista dialgico, as formulaes at agora exempli -ficadas resultam de uma escolha, a partir de um conjunto de possibilidadesinerentes ao falante, que lhe permitem abrir um espao de alternnciadialgica e devem ser encaradas enquanto tal, ou seja, enquanto recursospara a criao de um ambiente favorvel ao contraditrio, por antecipaode hipotticas intervenes. Note-se que estamos perante asseres comas quais o enunciador est verdadeiramente comprometido, ao contrriodo que a superfcie da formulao pode sugerir, e que, portanto, o seu

    45A T E O R I A D A A V A L I A T I V I D A D E : B R E V E A P R E S E N T A O

  • significado s pode ser acedido, se se tiver em considerao a sua funcio -nalidade dialgica.

    Consideram-se ao servio do processo de Ponderao,a) expresses que sugerem a representao da evidncia assertiva,

    no jogo que a interaco, tais como parece que, a evidncia sugere que,tudo leva a crer que, aparentemente, etc. (Evidncias)

    b) modais de probabilidade, frmulas de contedo prximo (eupenso/eu suponho, eu julgo) e certos usos retricos da pergunta. (Proba -bilidade)

    c) frmulas que remetem a responsabilidade para um emissorexterior interaco que , em todo o caso, tido como credvel: diz-se, sabido, ouvi dizer, algum afirmou que, etc. (DIZ-QUE)

    Expanso: Atribuio

    Considerando a possibilidade de interveno do falante, a este nvel,no enunciado, so equacionadas duas categorias de recursos ao servio danegociao do espao dialgico e do posicionamento inter-subjectivo. Umaprimeira categoria diz respeito aos recursos do tipo dos que tm sidoanalisados at agora, que tm em comum o facto de a voz presente ser a doprprio falante, oralmente ou por escrito, podendo, consequentemente,ser considerada uma voz interna, inerente prpria autoria do texto. Toda -via, bastante comum o mesmo falante fazer intervir voz(es) externa(s), deforma a relanar convenientemente o seu discurso. Neste caso, estamosperante o que se costuma designar por Atribuio, processo que, natural -mente, considerado heteroglssico, e cujo funcionamento retricomerece alguma ateno. Interessa analisar a relao entre as vozes queintervm na sua relao com o autor, mas interessa, sobretudo, entendera forma como o mesmo autor usa as vozes exteriores para se posicionardialogicamente face aos participantes, sejam eles j conhecidos, ou apenaspotenciais interlocutores. Pode-se considerar que h uma escala deatribuio de discurso, em cujo grau mais baixo estar a probabilidade(personalizada) e, no grau mais elevado de atribuio externa, estar o quese pode chamar de atribuio inserida.

    Uma exemplificao dos diferentes nveis desta escala poderealizar-se do seguinte modo:

    46 R E P R E S E N T A E S E C O D I F I C A E S L I N G U S T I C A S D E P O R T U G A L

  • Atribuio inserida de discurso externo: A autora sustenta que Mr. Fordproduziu um livro de bolso metdico, abrangente e muito inteligente.

    Atribuio assimilada de discurso externo: As publicaes mais influentesda poca geralmente apresentam uma viso etnocntrica da realidadeobservada.

    Citativos: Diz-se que os tios de Dorothy tinham uma relao muito ntima.

    Atribuio testemunhal: Ouvimos dizer que alguns britnicos ainda noabandonaram preconceitos denunciados pela autora.

    Probabilidade no-personalizada: possvel que Dorothy tenha lido Camesaquando da sua passagem por Portugal

    Probabilidade personalizada: Acredito que o pai de Dorothy tenha tido grandeinfluncia no gosto literrio da autora. (julgo, suponho, creio, etc.)

    O que se torna mais interessante explorar so as formas recorrentesque o falante usa em texto, quer para assumir o contedo proposicional de um enunciado, quer, simplesmente, para se distanciar daquele, noacei tando responsabilizar-se pela proposio abrangida. Estes movi men -tos, endosso/desendosso, fazem-se por meio de processos que o falantemani pula em funo dos seus intentos, de acordo com a sua competnciadiscursiva, hbitos comunicativos, conhecimento do alocutrio, cultura,etc., muitas vezes criando uma ambiguidade comunicativa de difcil anlisee classificao. Exemplos de uma proposio endossada so os que serealizam atravs de verbos como mostrar, demonstrar, admitir, como em:

    Dorothy revelou que tinha preparado as suas notas para as apresentarapenas na intimidade, aos seus amigos.

    A autora demonstrou que Portugal era, poca, um destino evitado,devido ao desconhecimento e aos preconceitos prevalecentes.

    O editor, alguns anos depois, admitiu que a autora no tinha motivaopara publicar as suas notas e que foi necessrio exercer algumainfluncia para que ela alterasse a sua posio.

    Para alm dos subsistemas da Atitude e Comprometimento, quetemos vindo a sumariar, a teoria da Avaliatividade contempla tambm osubsistema da Gradao, apresentada seguidamente.

    47A T E O R I A D A A V A L I A T I V I D A D E : B R E V E A P R E S E N T A O

  • GradaoA Gradao tem a ver com a possibilidade de moldar o grau de uma

    ou mais avaliaes contidas num enunciado, conferindo-lhe maior oumenor vigor, ou seja, nas palavras de Martin (2000: 148), a faculdade demudar o grau de intensidade da Atitude, aumentando-lhe o volume.

    ForaA Fora realiza-se, designadamente, atravs do lxico da intensi -

    ficao, da morfologia comparativa e superlativa, da repetio, e de vriosrecursos fonolgicos e grafolgicos, estando intimamente ligada aoselementos paralingusticos da comunicao e atingindo os significadosgraduveis:

    Mais forte: O pas parecia to longnquoIntensificao: A escritora infinitamente mais agradvel com os portuguesesMais fraco: O trabalho parece bastante razovelAtenuao: As metforas brotam com um pouco menos de naturalidade

    O seu julgamento pareceu-me um tudo nada afectado pela experincia

    Em nveis mais delicados de anlise, so de considerar as sub--categorias de Intensidade, Quantidade e Valorizao.

    Alguns aspectos gerais relacionados com a intensi ficao/dimi -nuio do valor do enunciado merecem ser brevemente destacados:

    a) A escala de intensificao/diminuio do valor aplica-se quer aquali dades (um pouco montono, bastante quadrado), quer a pro -cessos (o cido corroeu um pouco a via).

    b) A generalidade da intensificao de qualidades atitudinal, enquan -to, de um modo geral, a intensificao de processos o no (A actrizapresentou-se ridiculamente vestida, O comboio partiu suavemente).

    c) A escala de intensificao/diminuio pode ser realizada atravs deum lexema isolado (e.g. pouco, muito, enormemente apoiado), atravsde um processo de infuso semntica (O atleta reagiu profissional -mente/ profissional) ou atravs de repeties (No vi nada, nada queme interessasse, O fogo alastrou rpido, destruidor, aterrador, funesto).

    d) A realizao, sendo mais ou menos figurativa, pode relacionar-sefortemente com a metfora gramatical (os preos treparam imenso,

    48 R E P R E S E N T A E S E C O D I F I C A E S L I N G U S T I C A S D E P O R T U G A L

  • usou palavras de uma transparncia cristalina/ subiram imenso, muitotransparente).

    FocoH, tambm, a possibilidade de ajustar as fronteiras entre categorias

    que, no sendo graduveis de um ponto de vista ideacional, so-no pormeio do subsistema desig na do Foco:

    Acentuao: uma palavra do tipo bomba, pode provocar uma investigao atoda a conversa telefnicaum verdadeiro amigo

    Suavizao: cheguei eram nove e tal,uma espcie de magazine

    O Foco, atingindo os significados graduveis e no-graduveis, estrelacionado, tal como foi descrito em Martin & Rose (2003), com a possi -bilidade de tornar o significado ideacional mais ou menos suave. Enquantosub-categoria relacionada com o significado ideacional, ela realiza-se emtermos no atitudinais, ou melhor, constitui uma codificao indirecta daAtitude, por isso, uma emoo sentida, e.g. felicidade, codificada e perce -bida, no como emoo, mas como caracterstica psicolgica.

    Relativamente realizao da Gradao, cabe sublinhar que ela podeser feita de diversos modos. Assim, a Gradao pode realizar-se por meiode comparativos e superlativos:

    To subtil quanto um elefante;Isso o mais provvel.

    A Gradao pode tambm realizar-se atravs da pr-modificao deum adjectivo:

    Ele pareceu-me um pouco acanhado; O pblico de alguma maneira influencivel;Acabmos o trabalho num perodo relativamente curto.

    Pode ainda realizar-se por meio de um grupo verbal adverbialmentemodificado:

    As suas palavras atingiram-no ligeiramente;Em certa medida, essa deciso de Bruxelas atingiu-nos; A regio desenvolveu-se enormemente na ltima dcada.

    49A T E O R I A D A A V A L I A T I V I D A D E : B R E V E A P R E S E N T A O

  • Dados os objectivos desta introduo Teoria da Avaliatividade,neste sumrio, apenas destacmos os aspectos do sistema da Gradao queso mais significativos, na semntica da intensificao. Todavia, aGradao um sistema que oferece maior complexidade, tendo as suascomponentes, Fora e Foco, sido j desenvolvidas e pormenorizadas,designadamente por Martin & Hood, 2006, em particular na sua aplicaoao texto acadmico.

    Consideraes Finais

    pertinente destacar a diferena entre, por um lado, os muitosestudos j existentes ao nvel do discurso avaliativo, que oferecem, semdvida, contributos vlidos para a sua compreenso e, por outro, o modelogeral da avaliao em lngua, o estudo da Avaliatividade, alicerado noconhecimento lingustico, em ordem compreenso das escolhas queenformam as funes semnticas. De facto, o sistema da Avaliatividade,tal como foi desenvolvido na Lingustica Sistmico-Funcional (Martin,1977, 2000; Martin & Rose, 2003, sobretudo) permite, mais do que asabordagens anteriores, estudar de forma integrada as opes em redes decategorias semnticas para exprimir a Atitude, acertar a intensidade dosvalores envolvidos, por meio da Gradao e entender o papel de outrasvozes e posicionamentos em texto, na anlise do Comprometimento. Osistema da Avaliatividade permite ainda tambm dar conta do conjuntopreciso dos sistemas gramaticais que realiza estas categorias semnticas,descrevendo-os de forma teoricamente motivada, e no os deixando aoarbtrio da intuio. Nesta conformidade, a questo que se coloca, tendoem considerao uma teoria como a da Avaliatividade, no tanto quefuno realiza uma dada estrutura, ou um cmulo de escolhas gramaticais,mas como so construdos e realizados determinados significados, por usode escolhas, ou padres de escolha, lexicogramaticais.

    Em muitos textos, relevante procurar respostas que esto para l daprimeira perspectiva que habitualmente se tem das categorias avaliativaspresentes. Nesses casos, a construo da anlise encontra no sistema daAvaliatividade um conjunto de recursos aptos a responder, designada -mente, a:

    a) Que tipo de identidade, persona textual, o autor constri para/de siprprio?

    50 R E P R E S E N T A E S E C O D I F I C A E S L I N G U S T I C A S D E P O R T U G A L

  • b) Que perspectiva axiolgica ou ideolgica est por detrs das formu -laes do autor (aquelas que ele entendeu serem naturais)?

    c) Que leitor/ouvinte ideal construdo no texto? Que conjunto deassun es, valores, crenas, expectativas so assumidas pelo falante/ /escrevente no texto para os seus ouvintes/leitores?

    O entendimento mais geral do sistema, da importncia que ele tem,por exemplo, para a formao, descrio e conhecimento das culturas, ou at para a aprendizagem das lnguas, est longe de ser conseguido.J. Martin, um dos seus principais criadores, tem disso conscincia e,apontando vias de explorao do mesmo, rejeita formas mais concentradasem descrever a locao de uma determinada distribuio ao nvel daorao, apontando claramente para a unidade e para a sua forma:

    we will never understand the function of evaluation in a culture ifour studies are based, however quantitatively, on the analysis ofdeco-textualized. It is texts that mean, through their sentencesand the complex of logogenetic contingencies among them theydo not mean as a selection from, or a sum of, or worse, an averageof, the meanings within the clause.

    Martin, 2003: 177.

    Referncias

    Bakhtin, M. M. (1935) [1981] Discourse in the Novel. In Holquist, M. ed., The Dialogic Imagination: Four Essays by M. M. Bakhtin, trad. ingl. C. Emerson & M. Holquist. Austin Texas, University of Texas Press: 259-422.

    Christie, F. & J. R. Martin eds. (1997) Genres and Institutions: Social Processes in theWorkplace and School. London, Cassell.

    Coffin, C. (1997) Constructing and Giving Value to the Past: An investigation intoSecondary School History. In Christie, F. & J. R. Martin eds. Genres andInstitutions: Social Processes in the Workplace and School. London, Pinter: 196-230.

    Coffin, C. (2000) History as Discourse: Construals of Time, Cause and Appraisal. Tese deDoutoramento Department of English, University of New South Wales.

    Eggins, S. & D. Slade (1997) Analysing Casual Conversation. London, Cassell.

    Fairclough, N. (1992) Discourse and Social Change. Cambridge, Polity Press.

    Fairclough, N. (2003) Analysing Discourse: Text Analysis for Social Research. London,Routledge.

    Fuller, G. (1998) Cultivating Science: Negotiating Discourse in the Popular Texts of

    51A T E O R I A D A A V A L I A T I V I D A D E : B R E V E A P R E S E N T A O

  • Stephen Jay Gould, in Reading Science. In Martin, J. R. & R. Veel eds. Critical andFunctional Perspectives on Discourses of Science. London, Routledge: 35-62.

    Halliday, M. A. K. (1976) The Form of a Functional Grammar. In Kress, G. ed.Halliday: System and Function in Language. Oxford, Oxford University Press.

    Halliday, M. A. K. (1978) Language as Social Semiotic: The Social Interpretation ofLanguage and Meaning. London, Edward Arnold.

    Halliday, M. A. K. (1979) Modes of Meaning and Modes of Expression: Types ofGrammatical Structure, and their Determination by Different SemanticFunctions. In Allerton, D., E. Cartney & D. Holdcroft eds. Functions and Contextin Linguistic Analysis: Essays Offered to William Haas. Cambridge, CambridgeUniversity Press: 57-79.

    Halliday, M. A. K. (1985) [1994/2004] An Introduction to Functional Grammar. 3 Ed.revista por C. M. I. M. Matthiessen. London, Edward Arnold.

    Halliday, M. A. K. (1985b) Systemic Background. In Benson, J. D. & W. S. Greaveseds. Systemic Perspectives on Discourse. Norwood, NJ, Ablex: 1-15.

    Hyland, K. (1998) Hedging in Scientific Research Articles. Amsterdam, John Benjamins.

    Iedema, R. (2003) Discourses of Post-bureaucratic Organization. Amsterdam, JohnBenjamins.

    Iedema, R., S. Feez & P. R. R. White (1994) Media literacy. Write it Right Literacy.In Industry Research Project Stage 3. Sydney Metropolitan East DisadvantagedSchools Program, NSW Department of School Education.

    Kristeva, J. (1986) Word, Dialogue and Novel. In Moi, T. ed. The Kristeva Reader.Oxford, Balckwell: 34-61.

    Lemke, J. L. (1998) Resources for Attitudinal Meaning; Evaluative Orientations inText Semantics. In Functions of Language, 5 (1): 33-56.

    Macken-Horarik, M. (2003) Appraisal and the Special Instructiveness of Narrative.In Text, Vol. 32 (2): 285-312.

    Macken-Horarik, M. & J. R. Martin eds. (2003) Text, Special Issue Negotiating

    Heteroglossia: Social Perspectives on Evaluation. Vol. 23, 2.

    Martin, J. R. (1992a) English Text: System and Structure. Amsterdam, John Benjamins.

    Martin, J. R. (1992b) Macro-Proposals: Meaning by Degree. In Mann, W. C. & S.A.Thompson eds. Discourse Description: Diverse Linguistic Analyses of a Fund RaisingText. Amsterdam, John Benjamins: 359-396.

    Martin, J. R. (1995) Reading Positions/Positioning Readers: Judgement in English.In Prospect, Vol. 10. No 2: 27-37.

    Martin, J. R. (1997) Analysing Genre: Functional Parameters. In Christie, F. & J. R.Martin eds. Genre and Institutions; Social Processes in the Workplace and School.London, Cassell: 3-39.

    52 R E P R E S E N T A E S E C O D I F I C A E S L I N G U S T I C A S D E P O R T U G A L

  • Martin, J. R.(2000) Beyond Exchange: Appraisal Systems in English. In Hunston, S.& G. Thompson eds. Evaluation in Text: Authorial Stance and the Construction of Discourse. Oxfo