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A terapia celular no reparo de lesões osteocondrais Cellular therapy on osteochondral injuries repair Richard da Rocha Filgueiras – Médico Veterinário, PhD, DCBCAV. Professor Adjunto de Cirurgia de Pequenos Animais, Instituto de Ciências da Saúde - UFMT – Sinop, richardfi[email protected] Ricardo Junqueira Del Carlo – Médico Veterinário, PhD, DCBCAV. Professor Titular de Clínica Cirúrgica Veterinária, Departamento de Veterinária - Uni- versidade Federal de Viçosa Nivaldo Pereira Alves – Médico, PhD, Diretor do laboratório Tecnogene Diagnósticos Moleculares, Brasília – DF Fernanda de Paula Firmino Filgueiras – Médica Veterinária, MSc. Professora Assistente de Clínica Médica da Faculdade da Terra de Brasília – DF Filgueiras RR, Del Carlo RJ, Alves NP, Filgueiras FPF. Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2009; 7(23); 487-492. Resumo A cartilagem hialina articular é um tecido conjuntivo responsivo a cargas que apresenta baixa celu- laridade e elevada concentração de água em sua matriz. Como não possui vascularização, a nutrição desse tecido é feita a partir de substâncias encontradas no líquido sinovial. As lesões da cartilagem articular apresentam baixa capacidade regenerativa devido à ausência de vascularização e à incapa- cidade dos condrócitos em migrar para as áreas centrais da lesão. O uso de implante de condrócitos expandidos em laboratório e, mais recentemente, o uso de células tronco mesenquimais, constituem técnicas de terapia celular que permitem a formação de um tecido com características morfológicas e biomecânicas semelhantes à cartilagem hialina articular capaz de conduzir à melhora clínica do paciente. O objetivo deste trabalho é revisar a fisiopatologia da reparação da cartilagem hialina e fa- miliarizar o cirurgião veterinário com as recentes técnicas de terapia celular utilizadas no tratamento das lesões osteocondrais. Palavras-chave: Cartilagem, células tronco, condrócitos, osteoartrose, terapia celular Abstract The hyaline articular cartilage is a load-bearing connective tissue with low quantity of cells and an elevated concentration of water inside the matrix. Due to absence of vascularization, the nutrition in this tissue is made by substances from synovial liquid. The articular cartilage injuries possess a low regenerative capacity due to the absence of vascularization and the incapacity of chondrocytes to migrate until the middle of lesion. The use of chondrocytes implantation expanded in laboratory, and more recently, the use of mesenchymal stem cells, constitutes cellular therapy techniques that allow tissue formation with morphological and biomechanical characteristics similar to hyaline cartilage capable to lead the clinical improvement of the patient. The aim of this review is to describe the phy- siopathology of hyaline cartilage repair and give information to veterinary surgeon about the early techniques of cell therapy used in the treatment of osteochondral injury. Keywords: Cartilage, cell therapy, chondrocytes, osteoarthrosis, stem cells Revisão de literatura 487 Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2009;7(23);487-492.

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A terapia celular no reparo de lesões osteocondrais

Cellular therapy on osteochondral injuries repairRichard da Rocha Filgueiras – Médico Veterinário, PhD, DCBCAV. Professor Adjunto de Cirurgia de Pequenos Animais, Instituto de Ciências da Saúde - UFMT – Sinop, [email protected]

Ricardo Junqueira Del Carlo – Médico Veterinário, PhD, DCBCAV. Professor Titular de Clínica Cirúrgica Veterinária, Departamento de Veterinária - Uni-versidade Federal de Viçosa

Nivaldo Pereira Alves – Médico, PhD, Diretor do laboratório Tecnogene Diagnósticos Moleculares, Brasília – DF

Fernanda de Paula Firmino Filgueiras – Médica Veterinária, MSc. Professora Assistente de Clínica Médica da Faculdade da Terra de Brasília – DF

Filgueiras RR, Del Carlo RJ, Alves NP, Filgueiras FPF. Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2009; 7(23); 487-492.

ResumoA cartilagem hialina articular é um tecido conjuntivo responsivo a cargas que apresenta baixa celu-laridade e elevada concentração de água em sua matriz. Como não possui vascularização, a nutrição desse tecido é feita a partir de substâncias encontradas no líquido sinovial. As lesões da cartilagem articular apresentam baixa capacidade regenerativa devido à ausência de vascularização e à incapa-cidade dos condrócitos em migrar para as áreas centrais da lesão. O uso de implante de condrócitos expandidos em laboratório e, mais recentemente, o uso de células tronco mesenquimais, constituem técnicas de terapia celular que permitem a formação de um tecido com características morfológicas e biomecânicas semelhantes à cartilagem hialina articular capaz de conduzir à melhora clínica do paciente. O objetivo deste trabalho é revisar a fisiopatologia da reparação da cartilagem hialina e fa-miliarizar o cirurgião veterinário com as recentes técnicas de terapia celular utilizadas no tratamento das lesões osteocondrais.

Palavras-chave: Cartilagem, células tronco, condrócitos, osteoartrose, terapia celular

AbstractThe hyaline articular cartilage is a load-bearing connective tissue with low quantity of cells and an elevated concentration of water inside the matrix. Due to absence of vascularization, the nutrition in this tissue is made by substances from synovial liquid. The articular cartilage injuries possess a low regenerative capacity due to the absence of vascularization and the incapacity of chondrocytes to migrate until the middle of lesion. The use of chondrocytes implantation expanded in laboratory, and more recently, the use of mesenchymal stem cells, constitutes cellular therapy techniques that allow tissue formation with morphological and biomechanical characteristics similar to hyaline cartilage capable to lead the clinical improvement of the patient. The aim of this review is to describe the phy-siopathology of hyaline cartilage repair and give information to veterinary surgeon about the early techniques of cell therapy used in the treatment of osteochondral injury.

Keywords: Cartilage, cell therapy, chondrocytes, osteoarthrosis, stem cells

Revisão de literatura

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IntroduçãoAs articulações sinoviais permitem movimento e flexibi-

lidade ao corpo. Devido à presença da cartilagem articular hialina, esse tipo de articulação absorve a energia cinética e fornece estabilidade durante o movimento. Em pequenos animais, a maioria das doenças articulares provoca lesões à cartilagem hialina e estima-se que essas lesões acometam cer-ca de 20% da população canina. Diversos tratamentos foram descritos na literatura para reparação da cartilagem articular de humanos e animais. Entretanto, estudos em longo prazo têm demonstrado a inabilidade desses tratamentos em repa-rar as lesões com tecido funcionalmente semelhante à cartila-gem hialina (1).

Atualmente, técnicas de terapia celular têm sido utiliza-das em conjunto com procedimentos operatórios no intuito de regenerar a área lesionada e fazer com que o tecido neo-formado integre-se ao sítio de implantação (1). Os primeiros estudos desenvolveram a expansão de condrócitos autólogos em laboratório e posteriormente permitiram o desenvolvi-mento de técnicas operatórias para implantação dessas célu-las. Devido aos bons resultados obtidos, o implante autólogo de condrócitos constitui hoje o único tratamento por meio de terapia celular aprovado pelo Food and Drug Administration (FDA – USA) (2)..

O objetivo deste trabalho é revisar a fisiopatologia da re-paração da cartilagem hialina e familiarizar o cirurgião vete-rinário com as recentes técnicas de terapia celular utilizadas no tratamento das lesões osteocondrais.

Revisão de literaturaCaracterísticas da reparação articular

A cartilagem articular é um tecido conjuntivo responsi-vo a cargas, e sua função mecânica envolve não somente a transmissão da carga compressiva da articulação para o osso subcondral, mas também fornece uma interface de baixo atrito entre as superfícies articulares (3). A matriz apresenta baixa celularidade e elevada concentração de água que se liga às moléculas de proteoglicanos sintetizadas pelos con-drócitos, e juntamente com o colágeno tipo II mantêm a ri-gidez e elasticidade do tecido (4,5). Como não possui vas-cularização, a nutrição do tecido cartilaginoso da superfície articular é feita por difusão de substâncias encontradas no líquido sinovial como glicose, aminoácidos, colágeno tipo IV e hialuronato (6,7).

Situações adversas ao ambiente articular como infecção, inflamação, imobilização articular prolongada e trauma podem causar lesões que evoluem para a doença articular degenerativa (DAD). As lesões limitadas à superfície carti-laginosa não atingem o osso subcondral e iniciam-se com a condromalácia, caracterizada pela depleção dos proteogli-canos que conduz ao colapso da estrutura de sustentação de colágeno, seguida da fibrilação cartilaginosa vista como separação da cartilagem articular ao longo das fibras colá-genas (8).

Devido à perda de resistência do tecido, o quadro evo-lui para a formação de erosões, que surgem nas áreas de maior pressão, e expõem o osso subcondral. Esse, por sua vez, responde à lesão por elevação de sua densidade e esti-mula a formação de osteófitos a partir do periósteo periarti-cular. Na tentativa de reduzir o atrito gerado com as lesões, a membrana sinovial responde de forma a elevar a produ-ção de líquido. A elevação do derrame articular gera um grau de instabilidade que é compensada pela hipertrofia da cápsula articular e formação de calcificações ao longo das inserções dos tecidos moles periarticulares denominadas entesófitos (8).

Nas lesões superficiais da cartilagem articular o processo de reparação não segue uma resposta inflamatória padrão, já que os vasos sanguíneos e as células inflamatórias não atin-gem a área lesionada (9). Dessa forma, condrócitos próximos a lesão multiplicam-se e sintetizam nova matriz para preen-cher a falha com tecido semelhante à cartilagem hialina. En-tretanto, essa resposta é cessada a partir de uma semana após a lesão porque os condrócitos que margeiam a área lesionada entram em apoptose e o tecido neoformado se desprende do tecido sadio (8).

Por outro lado, as lesões que atingem o osso subcondral formam um hematoma que lança na superfície articular di-versos leucócitos, células mesenquimais e constituintes do plasma ricos em fatores condrogênicos como o fator de cres-cimento derivado de plaquetas (PDGF) e o fator de cresci-mento semelhante à insulina (IGF) (10). Após a formação do hematoma, segue-se o modelamento da malha de fibrina que constitui um arcabouço para fibroblastos que ocupam a área lesionada. Cerca de 15 dias após a lesão, o tecido fibroso so-fre hialinização devido a diferenciação das células mesenqui-mais em condroblastos, e assim o tecido passa a apresentar aspecto fibrocartilaginoso (11).

A presença de glicosaminoglicanos carregados negativa-mente, fibras de colágeno tipo II e moléculas de elastina faz com que a matriz cartilaginosa aprisione grande quantida-de de água (7). Devido a isso, a cartilagem hialina apresen-ta características biomecânicas que permitem a deformação do tecido após aplicação de carga e consequente restauração morfológica quando essa é suprimida. Tal característica, de-nominada resiliência, não é observada no tecido fibrocartila-ginoso porque ocorrem alterações na composição da matriz que modificam o arranjo estrutural e consequentemente re-duzem a capacidade de absorção de energia cinética que é transferida diretamente ao osso subcondral (4).

Tratamentos clínicos e cirúrgicos para reparo de lesões articulares

Ao longo dos anos diversos tratamentos cirúrgicos e clí-nicos foram propostos para acelerar o reparo das lesões arti-culares. A excisão cirúrgica do tecido lesionado seguida de curetagem subcondral (12) imprime um modelo de reparação com invasão de células mesenquimais oriundas da medula óssea e consequente formação de coágulo que induz a fibro-cartilagem (figura 1).

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A terapia celular no reparo de lesões osteocondrais

por tempo prolongado até que nova matriz seja formada e o tecido se integre ao osso subcondral (16).

Figura 1: Curetagem subcondral para tratamento de osteocondite dissecante (OCD) da cabeça umeral em cão da raça Dog Alemão de um ano de idade.

A mosaicoplastia é uma técnica muita utilizada em huma-nos que se baseia no transplante de múltiplos fragmentos os-teocondrais de pequeno tamanho, com um formato cilíndrico, fixados por compressão contra as paredes da área receptora. A técnica permite a recuperação clínica dos pacientes por forne-cer a substituição do osso subcondral lesionado e por permi-tir a formação de tecido semelhante à cartilagem hialina (13). Entretanto, em áreas de constante atrito, como a articulação fêmuropatelar, pode ocorrer o desprendimento dos implantes e morte dos condrócitos adjacentes à área receptora (14).

A eletroterapia é utilizada na reparação de lesões articula-res por promover uma aceleração na síntese de matriz e na ci-catrização tecidual. Os resultados demonstram que as ondas eletromagnéticas auxiliam na integração do osso subcondral ao tecido de reparação, porém impedem a diferenciação teci-dual em cartilagem hialina (11).

O uso dos sulfatos de glicosamino e condroitina auxilia na inibição de interleucina-1 e PGE2 que induzem apoptose em condrócitos, entretanto, nenhum benefício é observado no sentido de se evitar a formação de fibrocartilagem após erosão articular (15).

Cultura primária de condrócitos para reparo de lesões articulares

É consenso entre muitos autores que a alternativa para regeneração articular é prolongar a permanência do maior número possível de condrócitos ativos na área de lesão para que haja formação e integração de matriz morfológica e fun-cionalmente compatível com a cartilagem hialina. Nesse con-texto, a terapia celular constitui uma recente tentativa de se obter melhores resultados no reparo de lesões da cartilagem articular. Após expansão celular em laboratório (figuras 2 e 3), os condrócitos podem ser implantados na área de lesão em uma concentração elevada e assim permanecerem ativos

Figura 2: Condrócitos mantidos em meio de crescimento Dulbeco Modified Eagle Medium (DMEM) + Ham’s F12 e 20% de soro autólogo em estufa de CO2 a 5%. As células são mantidas em estufa por 15 dias quando então são transferidas para seringas e enviadas ao centro cirúrgico.

Figura 3 - Morfologia dos condrócitos in vitro. (A) aspecto arredondado das células em processo de adsorção ao plástico 1h após terem sido liberadas da matriz por digestão enzimática. (B) Após três dias de cultura, as células apresentam aspecto fusiforme devido a adesão e ao espalhamento no material plástico.

489Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2009;7(23); 489-492.

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A terapia celular no reparo de lesões osteocondrais

A técnica mais empregada para a terapia de condrócitos en-volve o uso da cultura primária de células autólogas obtidas a partir de fragmentos de cartilagem coletados da mesma arti-culação afetada, porém de uma área distante da lesão. Nesse momento, é possível realizar o debridamento da área afetada até que se aguarde o implante celular. Os fragmentos de car-tilagem são enviados ao laboratório e então submetidos a tra-tamento enzimático para liberação das células que ficam em meio de cultura até que haja suficiente multiplicação in vitro (16,17,18,19,20).

A presença de diversas proteínas séricas como hormô-nios e fatores de crescimento no meio de cultura possui papel importante para a multiplicação celular, para isso, colhe-se 40 ml de sangue do paciente para extração de soro após a centrifugação. Esse soro é encaminhado ao la-boratório juntamente com os fragmentos de cartilagem e utilizado para compor o meio de cultura na concentração de 10-20%. Todo o processo leva em torno de 15-20 dias quando então as células são transferidas das garrafas de cultura para seringas e transportadas em meio de cultura

sob resfriamento ao centro cirúrgico para implante no pa-ciente (17).

Os primeiros relatos de uso clínico de condrócitos autó-logos cultivados para reparo de lesões da cartilagem hialina datam da década de 80 (21) e, desde então, a técnica se expan-diu rapidamente. A técnica possui a vantagem de oferecer à área lesionada uma maior quantidade de condrócitos ativos que sintetizam a matriz cartilaginosa composta de coláge-no tipo II e proteoglicanos. Diversos trabalhos demonstram resultados diferentes em relação ao tecido formado após o implante de condrócitos cultivados, porém, todos enfatizam que o tecido formado possui características biomecânicas e morfológicas próximas ao tecido original (16,17,18,19,20,22).

Um inconveniente para o uso de condrócitos autólogos é a necessidade de dois procedimentos operatórios, já que a coleta dos fragmentos de cartilagem para realizar a cultura deve ser feita no momento do debridamento da lesão (21,22). O número mínimo de células para o implante ainda perma-nece incerto, entretanto, estabelece-se uma concentração mí-nima de 5 x 106 céls/ml (21) (figura 4).

Figura 4: Esquema demonstrando a coleta de cartilagem, o cultivo celular e o implante dos condrócitos associados ao plasma rico em plaquetas (PRP).

Devido ao fato dos condrócitos serem células imuno-competentes, novos estudos conduzem ao uso de culturas heterólogas de condrócitos armazenadas em banco celular, com a tentativa de evitar dois procedimentos operatórios ao paciente, e os resultados preliminares dessa técnica não de-

monstram reações inflamatórias ou de rejeição em períodos de observação que variam de 3-8 meses (23,24).

A fixação das células na lesão possui importante papel nos resultados obtidos, para isso, diversos protocolos são descritos no intuito de manter as células no local durante o

490 Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2009;7(23); 490-492.

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A terapia celular no reparo de lesões osteocondrais

movimento articular. O uso de um pequeno enxerto de peri-ósteo sobre a lesão é a técnica de eleição utilizada em pacien-tes humanos e em equinos (16,20). Entretanto, em animais de pequeno porte, a reduzida área articular dificulta o emprego da técnica e por isso o uso de substratos aderentes como o plasma rico em plaquetas (PRP) pode contribuir não somen-te como agente de fixação, mas também como precursor de fatores de crescimento condrogênicos como o PDGF, IGF e TGF-β (fator de crescimento transformador beta) que estimu-lam a diferenciação e multiplicação dos condrócitos in situ (10) (figura 5).

Figura 5: Aspecto macroscópico do reparo articular em joelho de coelho 90 dias após a lesão. (A) Reparo da lesão sem nenhum tratamento. Observe a deposição de tecido irregular e aderência da membrana sinovial no sulco troclear (seta). (B) A lesão foi tratada com condrócitos autólogos cultivados associados ao PRP. Observe a formação de tecido hialino semelhante à cartilagem em toda a extensão da lesão (seta).

Células tronco para reparo de lesões articularesExperimentos realizados com uso de condrócitos autólo-

gos em artrite reumatoide demonstram que após 24 semanas ocorre perda das características morfológicas e biomecânicas do tecido formado. Acredita-se que a crônica presença de agentes inflamatórios e citocinas como IL-1 e IL-6 nessas arti-culações tenham papel importante para a falha do implante, fato não ocorrido quando se utilizam células tronco mesen-quimais (MSCs) (25).

MSCs apresentam grande capacidade de diferenciação em osso, cartilagem, tecida adiposo e músculo. São comu-mente obtidas da medula óssea (BMSCs) ou do tecido adipo-so (ADSCs). Entretanto, o uso das ADSCs apresenta maiores vantagens, já que essas possuem maior potencial angiogênico e proliferativo que as BMSCs. O tecido adiposo possui maior quantidade de MSCs que a medula óssea e os processos de colheita e separação celular são de simples execução. Após remoção de um fragmento de tecido adiposo do paciente, esse é levado ao laboratório para que as ADSCs sejam extraí-das por digestão enzimática e incubadas em meio de cultura por 15-20 dias para que ocorra a expansão celular (26).

Resultados preliminares demonstram que em lesões crô-nicas o emprego de MSCs favorece a formação de um tecido cartilaginoso sem fibrilação e com características biomecâni-cas semelhante à cartilagem hialina. Embora o emprego de condrócitos autólogos apresente resultados satisfatórios em lesões articulares de origem traumática, o uso das MSCs vem ditando novas perspectivas para o reparo de extensas lesões não-traumáticas de caráter crônico como a artrite reumatoide (25). Uma explicação para esses resultados reside na capaci-dade imunomoduladora das células tronco que inibem a ação de linfócitos na área lesionada (27).

ConclusãoAs técnicas de terapia celular, em especial o implante de

condrócitos autólogos, permitem a formação de um tecido com características morfológicas e biomecânicas semelhantes à cartilagem hialina articular capaz de conduzir à melhora clínica do paciente em longo prazo. O futuro da terapia celu-lar no tratamento de lesões articulares é promissor e constitui uma importante aliança com as técnicas de mínima invasão articular como a artroscopia.

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Recebido para publicação em: 27/11/2009.Enviado para análise em: 27/11/2009.Aceito para publicação em: 21/12/2009.

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