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A TERCEIRIZAÇÃO NO SETOR PÚBLICO BRASILEIRO: Um
estudo acerca da Terceirização na Universidade Federal de Uberlândia
e seus impactos na qualidade do ensino.
Ricardo Margonari da Silva1
Fabiane Santana Previtali2
INTRODUÇÃO
O trabalho é a fonte de toda a riqueza humana. Mais do que isso, segundo Marx
e Engels, o trabalho do homem aplicado à natureza, transformando-a e assim
transformando a si mesmo, pode ser considerado como uma condição ontológica do
próprio homem. É a capacidade humana de intervir na natureza, com um prévio
planejamento dos resultados que sua intervenção poderia resultar na forma de benefícios
e “utilidades” para si e para sua comunidade, que diferencia a intervenção humana na
natureza daquela executada pelos outros animais.
“É a condição básica e fundamental de toda a vida humana. E em tal
grau que, até certo ponto, podemos afirmar que o trabalho criou o
próprio homem”. (ENGELS, 1876 apud ANTUNES, 2004: p. 13).
Assim, é o trabalho planejado, aplicado à natureza, com vistas a determinado fim
que irá garantir ao homem o status de ser racional.
Mais que elemento ontológico da formação do homem, o trabalho também se faz
presente na formação do homem enquanto ser social. Engels em seu texto de 1876:
“Sobre o Papel do Trabalho na Transformação do Macaco em Homem” 3 faz um belo
trabalho de reconstrução do trabalho como agente formador do homem moderno desde
suas primeiras intervenções na natureza, como estas intervenções foram aos poucos
mudando o homem e garantindo seu domínio sobre o planeta, até seu papel como agente
socializador e formação de uma sociedade cooperativa e interdependente.
“Para Marx (1844), os homens, para existirem, devem ser capazes de
se reproduzirem enquanto seres humanos; forma específica desta
1 Aluno de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade federal de
Uberlândia. 2 Professora titular dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Pós-Graduação em Educação
da Universidade federal de Uberlândia. Pesquisadora CNPq/FAPEMIG 3 Escrito por Frederick Engels em 1876 e publicado pela primeira vez em Neue Zeit.
2
reprodução é dada por uma peculiar relação dos seres humanos com a
natureza através do trabalho. A categoria do trabalho emerge, desta
forma, como categoria central do ser social”. (CAMARGO, 2012: p.
02).
Ao longo da evolução do sistema capitalista as formas de organização da
produção foram se transformando de acordo com as necessidades do processo de
acumulação do capital. Assim o papel da força de trabalho foi tomando diversas formas
no interior do sistema de produção capitalistas. Desde os modos tayloristas/fordistas até
os conceitos da acumulação flexível trazidos pelo modelo toyotista desenvolvido no
Japão, e pela experiência do crescimento industrial da Terceira Itália, o papel do
trabalho dentro do processo produtivo mudou, mas não deixou de ser central, uma vez
que ele e só ele é capaz de gerar mais valor e assim garantir o processo de acumulação
do capital.
Dentre as principais mudanças que podemos destacar no mundo do trabalho, ao
longo desse processo de transformação das relações de produção, podemos destacar
“uma subproletarização intensificada, presente na expansão do trabalho parcial,
temporário, precário, subcontratado, ‘terceirizado’.” (ANTUNES, 2000: p. 49).
“Como diz Alain Bihr (1991:89), essas diversas categorias de
trabalhadores Têm em comum a precariedade do emprego e da
remuneração; a desregulamentação das condições de trabalho em
relação às normas legais vigentes ou acordadas e a consequente
regressão dos direitos sociais, bem como a ausência de proteção e
expressão sindicais, configurando uma tendência à individualização
extrema da relação salarial”. (ANTUNES, 2000: p. 52).
A presente pesquisa se propõe a estudar a terceirização como uma dessas formas
específicas de precarização do trabalho, cresceu de forma evidente nas últimas décadas,
principalmente na iniciativa privada, mas que tem ganhado força junto à administração
pública desde os governos Collor e Fernando Henrique, claramente orientados pelo
discurso neoliberal, e que se mantiveram em crescimento nos governos Lula e Dilma.
O tema a ser abordado pela pesquisa aqui proposta é a terceirização no setor
público, mais especificamente a terceirização nas Instituições federais de Ensino
3
Superior, e como este processo de terceirização afeta o trabalhador e qualidade do
ensino.
Para tal é proposto fazer um trabalho exploratório qualitativo que busque dar
conta dessas mudanças tomando como universo de pesquisa a Universidade Federal de
Uberlândia e seus servidores técnico-administrativos concursados e os trabalhadores
terceirizados que complementam o seu quadro de trabalhadores na qualidade de
prestadores de serviços.
OBJETIVOS
Segundo Lakatos (2010), “toda pesquisa deve ter um objetivo determinado para
saber o que se vai procurar e o que se pretende alcançar” e continua, “o objetivo torna
explícito o problema, aumentando os conhecimentos sobre determinado assunto”.
(LAKATOS, 2010: p. 140-141).
O objetivo geral deste trabalho é mapear as mudanças no trabalho e nos
trabalhadores que acompanham o processo de terceirização na Universidade Federal de
Uberlândia, bem como este processo, oriundo de relações de produção baseada em uma
lógica privada e que serve a acumulação de capital, ao ser transferida para a esfera
pública afeta a qualidade do serviços prestados à população. No caso aqui específico,
como afeta a qualidade da educação pública de nível superior.
REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO
A busca de uma posição competitiva no mercado leva o empresário capitalista a
uma busca constante pela redução dos valores de troca de suas mercadorias. Como o
fator que determina o valor dos bens que produz é a quantidade de trabalho humano
abstrato necessário para a produção desta mercadoria, o capitalista investe cada vez
mais em formas de reduzir a quantidade de trabalho abstrato presente nos bens que
produz, e assim garantir uma vantagem competitiva frente a seus concorrentes.
Essa redução de trabalho abstrato dentro do processo produtivo pode se dar via
redução de trabalho vivo, ou seja, na redução da intermediação direta do trabalhador no
4
processo de produção da mercadoria, ou via redução do trabalho morto, presente no
processo produtivo na forma de máquinas, equipamentos e instalações que servem de
meios-de-produção auxiliando a interação entre homem e matéria-prima.
Como os meios-de-produção representam uma estrutura dada de
desenvolvimento científico e tecnológico característico do próprio desenvolvimento do
processo produtivo de determinada mercadoria, e que vem se acumulando ao longo do
tempo, reduzir custos via meios-de-produção, ou trabalho morto, implica ao capitalista
de desfazer de parte de seu capital acumulado, ou ainda abrir mão de tecnologias
baseadas em conceitos de qualidade e modernidade já amplamente disseminados no
mercado dos quais não faz sentido ao capitalista se desfazer.
Além disso, a própria competição capitalista por nichos de mercado, obriga o
empresário a estar inserido dentro deste nível de tecnologia que reduzem a força de
trabalho e consequentemente o preço final da mercadoria.
Assim, resta ao empresário buscar soluções que busquem reduzir o trabalho vivo
dentro do processo produtivo, seja pela incorporação de maquinário e tecnologias que
substituam a força de trabalho humana, ou de processos gerenciais que levem a um
menor tempo de trabalho vivo empregado na produção de determinado bem.
Contraditoriamente, a taxa de lucro de uma empresa capitalista é determinada
pela Composição Orgânica do Capital, ou seja, pela relação que existe entre o capital
constante (maquinário, equipamentos e conhecimento) e o capital variável (mão-de-
obra). Assim, todo o investimento que o capitalista faz em equipamentos ou recursos
tecnológicos que restrinjam o uso da força de trabalho humana, ou trabalho vivo,
contribui para a redução da taxa de lucro pelo aumento da composição orgânica do
capital, ou ainda, pelo aumento da proporção das máquinas no total do capital
empregado. Como apenas o trabalho vivo é capaz de gerar mais-valia, quanto maior a
proporção de trabalho morto em relação ao montante de trabalho vivo empregado,
menor a taxa de lucro capitalista.
Dessa forma para evitar que o desenvolvimento da técnica e a consequente
redução de sua taxa de lucro, afete o processo de acumulação ou de reprodução do
capital dentro da esfera produtiva, o capitalista procura reduzir ainda mais o montante
5
da massa de salários pagos a seus trabalhadores, seja pela redução de seu valor absoluto,
seja pela busca de novas tecnologias que substituam trabalho vivo por trabalho morto, o
que por sua vez também vai refletir em um aumento da composição orgânica do capital,
num processo contraditório em que a lógica de acumulação capitalista coloca a si
mesma “em xeque”.
“O capital mesmo é a contradição em processo, que tende a reduzir a
um mínimo de tempo de trabalho, enquanto que, por outro lado,
converte o tempo de trabalho em única medida e fonte de riqueza”.
(MARX, 1985: p, 229)
A substituição de trabalho vivo por trabalho morto cresceu em proporções
inéditas a partir da década de 1980, seja por inovações em termo de maquinário e
automação da produção, seja por modelos gerenciais e organizativos que ampliam o
controle sobre o trabalhador e otimizam a força de trabalho empregada. Essa forma de
organização da produção fundada nos moldes toyotistas ou da Terceira Itália, baseados
em uma produção flexível4 e com os olhos voltados para a demanda do mercado, e que
de forma geral são conhecidos como reestruturação produtiva, gera no trabalhador
insegurança e medo frente à possibilidade iminente do desemprego, o que permite ao
capitalista precarizar as relações formais de trabalho, reduzir os direitos dos
trabalhadores, e de uma forma geral reduzir ainda mais a massa salarial.
“Através da pressão da pressão da concorrência, os capitais, portanto,
são impelidos a adotar novas técnicas e aumentar a produtividade do
trabalho. ‘A lei da determinação do valor pelo tempo de trabalho’ atua
assim ‘como lei coercitiva da concorrência’, escreve Marx”.
(CALLINICOS, 2004).
A redução do número de trabalhadores na esfera produtiva cria um “exército de
reserva” que possibilita ao capitalista a pagar um menor salário pela compra da força de
trabalho do trabalhador. Isso se dá porque a força de trabalho, assim como qualquer
outra mercadoria dentro do capitalismo, possui um valor e um preço. O valor da força
4Acumulação Flexível: Oriunda de experiências como o Toyotismo Japonês e as formas de organização
da produção na chamada “Terceira Itália”, a chamada Acumulação Flexível se caracteriza principalmente
pela substituição dos processos fundados na produção em série e no controle fundamentado no tempo de
produção, por “uma nova forma produtiva que articula, de um lado, um significativo desenvolvimento
tecnológico e, de outro, uma desconcentração produtiva baseada em empresas médias e pequenas
‘artesanais’”. (ANTUNES, 2000: p. 25).
6
de trabalho é determinado, segundo Marx, como todas as outras mercadorias, pela
quantidade de trabalho necessário para a sua criação, ou seja, pela quantidade de
trabalho necessário para produzir os bens que garantam a reprodução da força de
trabalho do trabalhador, como alimentos, educação, um lugar para habitar e criar seus
filhos.
Já o preço dessa força de trabalho é representado pelo salário, e como todo valor
de troca sofre as influências computadas a ele pelo mercado.
“O preço da força de trabalho é o salário, e como todos os preços de
mercado os salários flutuam em resposta aos aumentos e quedas na
oferta e na demanda de força de trabalho. A existência do exército
industrial de reserva mantém a oferta da força de trabalho o suficiente
para impedir que o preço da força de trabalho aumente acima do seu
valor. Escreve Marx: ‘Os movimentos gerais dos salários são
exclusivamente regulados pela expansão e contração do exército
industrial de reserva’". (CALLINICOS, 2004: Disponível em:
<http://www.espacoacademico.com.br/038/38tc_callinicos.htm>).
Assim, apesar do crescimento da produtividade do trabalho, a parcela do
resultado total desse trabalho destinada ao trabalhador não acompanha esse crescimento,
pois as pressões exercidas pelo mercado devido à existência do exército industrial de
reserva criado pela substituição de trabalho vivo por trabalho morto dentro do processo
produtivo. Em termos práticos isso representa um aumento da exploração da força de
trabalho mão-de-obra por parte do empresário capitalista, e isto acontece como forma de
equilibrar a redução de suas taxas de lucro pelo aumento da composição orgânica do
capital.
Em um movimento contrário, a fim de manter as garantias e o os valores dos
salários a níveis que garantam efetivamente as necessidades de reprodução da classe
trabalhadora, e como forma de reduzir a exploração da força de trabalho, está o
movimento sindical, que une os interesses de trabalhadores que se reconhecem
subjetivamente enquanto classe e buscam na unidade a força para garantir avanços junto
à classe capitalista e manter direitos adquiridos pelo trabalhador no decorrer da história.
7
Dentre as diversas formas encontradas pelo capitalista para reduzir a massa
salarial, sem ir de encontro com as pressões sindicais, estão em formas alternativas de
contratação de mão-de-obra, onde encontramos a terceirização, a contratação em
período parcial (part-time), e outros5, “cujos desdobramentos são também agudos, no
que diz respeito aos direitos do trabalho. Estes são desregulamentados, são
flexibilizados, de modo a dotar o capital do instrumental necessário para adequar-se a
sua nova fase” 6. (ANTUNES, 2000: p. 24).
Terceirização
Também conhecido como outsourcing, o conceito de terceirização baseia-se na
argumentação de que as empresas devem focar seus esforços naquilo que constitui sua
atividade-fim delegando a terceiros tudo aquilo que não seja fundamental às atividades e
processos que culminam na obtenção de seu produto final. Dessa forma o capitalista
conseguiria reduzir custos através de economias de escala, horizontalização da produção
e flexibilidade de ação em relação ao mercado.
O conceito de terceirização surge segundo Fernandes (2003) como uma
possibilidade concreta para se buscar uma vantagem competitiva frente ao mercado.
Pode-se dizer que é uma ferramenta estratégica, de uma inovação na categoria de
serviços, que vem como aliada à dinâmica do "core competence". Inhoff (2005) destaca
a característica da terceirização de buscar fora tudo aquilo que não é essencial e
estratégico para a atividade-fim das empresas, ou ainda segundo Martins (2011),
consiste a terceirização na possibilidade de contratar terceiro para a realização de
atividades que não constituem o objeto principal da empresa.
Na verdade a terceirização serve ao empresário capitalista como uma forma de
reduzir seus custos com relação ao capital variável, ou trabalho vivo, já que tudo aquilo
que entra no processo produtivo como insumos, matéria-prima ou meios de produção
para Marx significa capital fixo ou ainda trabalho morto.
O Crescimento da Terceirização do Processo de Produção Capitalista
5Segundo os autores Fergus Murray, em artigo publicado em 1983 em que analisa este processo na
Indústria Italiana, “tem um claro sentido de combater a autonomia e coesão de setores do operariado
italiano, a ponto de chegar mesmo a sugerir uma necessária reconsideração do trabalhador coletivo de
massa, tão forte na Itália dos anos 60/70". (Murray, Fergus apud ANTUNES, 2000: p. 28). 6 Fase da Acumulação Flexível.
8
As primeiras fases do capitalismo industrial já contaram com formas de
subcontratação de força de trabalho: “O capitalista distribuía os materiais na base de
empreitada aos trabalhadores, para manufatura em suas casas, por meio de
subcontratados e agentes em comissão” (BRAVERMAN, 1987, p.62 apud SANCHES,
2008: P. 06), mas foi a partir da década de 40 com o advento da Segunda Guerra
Mundial que a terceirização enquanto técnica de gestão empresarial ganhou respaldo
junto o modo de produção capitalista, se intensificando e ganhando força no período de
escassez de mão-de-obra no pós-guerra tanto nos EUA como na Europa, como forma de
garantir a reconstrução do continente europeu.
“Antes da II Guerra Mundial existiam atividades prestadas por
terceiros, porém não poderíamos conceituá-las como terceirização,
pois somente a partir deste marco histórico é que temos a terceirização
interferindo na sociedade e na economia.” (CASTRO. 2000: p. 75).
No entanto foi a partir das décadas de 1970 e 1980 com as crises de demanda
originadas no berço do sistema capitalista e o crescimento do toyotismo japonês e seus
princípios de flexibilização da produção com foco na demanda do mercado, que a
terceirização ganhou espaço junto ao modo de produção capitalista7. Associado a
conceitos como gestão flexível, just-in-time e qualidade total, voltava o foco da
produção capitalista de um sistema baseado na produção em massa, para um sistema
mais flexível e adaptável ás necessidades do mercado consumidor.
“O toyotismo, modelo originário do Japão, no pós-guerra constituiu-se
como um modelo eficiente para a superação da crise enfrentada. Pois
seus produtos eram mais competitivos, adaptando melhor as crises de
demanda em virtude do seu estoque mínimo, relações de trabalho
flexível, máquinas simples e trabalho em equipe”. (CAMARGO,
2012).
No Brasil a terceirização desembarcou no país na década de 1950, trazida pelas
empresas multinacionais, principalmente pela indústria automobilística. Segundo
Moraes (2003), a política nacionalista do então regime militar de manter a indústria
7“O Toyotismo estrutura-se a partir de um número mínimo de trabalhadores, ampliando-os, através de
horas extras, trabalhadores temporários ou subcontratação, dependendo das condições do mercado”.
(ANTUNES, 2000: p. 36).
9
brasileira protegida da concorrência internacional, levou a um tardio desenvolvimento
tanto econômico como tecnológico, político, cultural e social. O fim do regime militar e
a abertura do mercado brasileiro e o processo de privatização obrigou as empresas
brasileiras a se reinventarem a fim de garantirem uma posição competitiva frente à
indústria internacional. Era preciso em um curto espaço de tempo recuperar décadas de
atraso tecnológico frente à concorrência internacional.
“A reestruturação produtiva, que tinha como principal política a
qualidade total e a terceirização se apresentaram como uma excelente
alternativa à crise econômica e política, fazendo da descentralização
das atividades a prática mais difundida das organizações. Nesta época
observou-se um forte crescimento da terceirização da mão-de-obra,
como uma das formas utilizadas pelas empresas, justamente para
reduzir custos e aumentar a produtividade.” (LIMA NETO. 2008;
p.12).
A Terceirização no Setor Publico.
No setor público brasileiro, a terceirização teve sua gênese ainda na década de
1960 com as discussões provocadas pelo discurso acerca do tamanho da máquina
administrativa estatal e que culminaram na Reforma Administrativa do Estado. Já nesta
época correntes políticas de cunho neoliberal aconselhavam a delegação de certas
atividades que não eram consideradas atividades-fim do estado para empresas de
prestação de serviços, devendo o Estado se concentrar naquilo que seria o objeto de suas
funções.
Na verdade buscava-se trazer para o interior da esfera pública conceitos
gestacionais típicos da empresa capitalista, como se a lógica do capital de uma busca
incessante pelo lucro e a alto-acumulação devesse também ser incorporada pela esfera
pública direcionando suas ações em detrimento da qualidade do serviço prestado ao
usuário-cidadão. “Portanto, a possibilidade de transferir atividades secundárias a outras
pessoas mais competentes pareceu bem mais lucrativa ao Estado, que poderia reduzir o
déficit estatal através da diminuição de custos”. (ALVES, 2010: p.03)
10
“A terceirização no setor público nada mais é do que a importação e
transferência dos conceitos da terceirização do setor privado para o
setor público, com algumas adaptações”. (REIS. 2011; p.8-9).
É importante salientar aqui que os objetivos que norteiam as ações do Estado
não são os mesmos que orientam as ações de uma empresa capitalista. A atividade
capitalista está fundamentada na geração de mais-valia e da consequente reprodução
ampliada do Capital. O que interessa ao capitalista é a mercadoria enquanto valor de
troca, enquanto bem que pode ser vendido no mercado por um valor superior aquele
empregado em sua produção e que com isso gere uma ampliação do capital inicial
adiantado pelo capitalista no mercado.
Já as ações do Estado visam garantir a população bem estar social, qualidade de
vida, ou seja, podemos dizer que as ações do estado estão fundamentadas na produção
de valores de uso a serem utilizados pela população. Sejam esses bens materiais ou
imateriais, o que importa na lógica do estado, é a sua utilidade para o cidadão, não o
valor que gerará no mercado enquanto mercadoria. Em outras palavras, a intenção do
Estado não é gerar lucro, ou mais valor, mas sim gerar utilidades para a população, em
setores em que a lógica do capital não é possível de se realizar com qualidade e a preços
acessíveis á toda a população.
A transposição da lógica capitalista para estes setores institucionais significa
sacrificar em termos de qualidade do serviço prestado, a fim de obter custos menores.
“A forma encontrada até hoje para suprir as necessidades de serviços,
pela contratação de mão-de-obra terceirizada constitui uma ameaça à boa
gestão pública, tanto pela ausência de garantias de qualidade dos serviços
quanto pela baixa eficiência dos métodos de contratação dos empregados.
Hoje terceirização no setor público brasileiro é sinônimo de contratação
de “cabeças” e homens-hora, modalidades que não proporcionam ao
administrador público a melhor gestão dos serviços executados”
(RAMOS, 2009)
O processo de terceirização dentro do serviço público não poupa inclusive
setores que deveriam primar pela excelência de suas atividades, como as Universidades
Federais e Institutos Federais de Ensino. Locais onde a lógica da reprodução capitalista
e da redução de custos se choca, de forma evidente, com o objetivo destas instituições
11
que é o de oferecer para a sociedade brasileira um ensino de qualidade superior,
pesquisas que garantam o avanço tecnológico da nação, a formação continuada de seu
corpo acadêmico, e ações de extensão que ofereçam à população local qualidade de vida
e ponham os seus profissionais em contato com a realidade local e suas verdadeiras
necessidades. Tudo isso demanda investimento, e investimento de longo prazo, cujos
retornos não podem ser medidos em valores monetários, e cuja política de redução de
custos e precarização do trabalho interferem de forma decisiva na qualidade dos
serviços prestados à população.
“Nas universidades, esse processo [de terceirização] se verificou de
forma bastante profunda, levando ao aumento do número de
funcionários terceirizados em detrimento do funcionalismo contratado
via concurso público”. (AUGUSTO, 2010).
Outro ponto importante ser abordado e que age como mais um complicador
dentro do processo de queda da qualidade do serviço prestado pela administração
pública a medida que incorpora a força de trabalho terceirizada dentro de seus quadros
de trabalho, tange às relações entre os servidores públicos concursados e os
trabalhadores terceirizados, que representam de forma clara um processo de
precarização da força de trabalho dentro da gestão pública.
“A terceirização, como bem denomina Ricardo Antunes, é sinônima de trabalho
precarizado, já que as condições destes trabalhadores são deficientes, inferiores”.
(AMORIM, 2008: p.09). O processo de terceirização dentro da Instituições Federais de
Ensino cria um processo de segregação e discriminação social ao colocar lado a lado
trabalhadores que executam o mesmo tipo de trabalho, mas que vivenciam realidades
diferentes quanto a rendimentos, benefícios e demais garantias obtidas de acordo com a
forma de contrato que a ligam a suas atividades.
“[...] a terceirização age como objeto de exclusão social e
discriminação; uma vez que a contratação e remuneração diferenciada
para funções e cargos equivalentes desenvolvem comparações
inevitáveis entre temporários e efetivos, gerando supostos status
dentro da empresa”. (ALVES, 2010: p. 08).
Além da questão salarial que em si só já é suficiente enquanto objeto gerador de
conflitos e discriminação será discutido ainda questões que tangem os direitos
12
trabalhistas garantidos pelos servidores públicos e que nem sempre são estendidos aos
servidores terceirizados, como adicionais de insalubridade e periculosidade, o uso
obrigatório de equipamentos de segurança individual, acesso a instalações de convívio e
apoio social, como academias, restaurante universitário e cursos e formação e
aperfeiçoamento. Todos estes fatores de conflito resultantes de um processo crescente
de precarização da força de trabalho são fatores que influenciam diretamente na
qualidade do serviço prestado
Este é o objeto deste trabalho, analisar as formas como a terceirização vem
adentrando setores da administração pública ligados à educação, buscando incorporar a
este uma lógica capitalista de gestão que persegue, de modo sistemático, a redução de
custos em detrimento da qualidade do serviço prestado ao cidadão.
Para levar adiante esta análise, tomaremos como universo de trabalho a
Universidade Federal de Uberlândia (UFU), no período que parte dos anos 2000 até os
dias atuais, onde podemos identificar um processo de franca terceirização de diversos
setores operacionais e administrativos, apresentando um crescimento evidente do
número de trabalhadores terceirizados dentro de seus postos de trabalho.
Dados atualizados até o mês de março de 2012, apontam para um total de 1.153
trabalhadores terceirizados presentes na UFU, preenchendo mais de 34 cargos diferentes
em praticamente todos os setores da universidade, e oriundos de 15 empresas distintas
contratadas pela administração superior8.
No próximo tópico procuraremos apresentar uma radiografia do crescimento da
terceirização dentro da universidade Federal de Uberlândia, bem como apresentar
alguns índices que podem apontar para a confirmação da hipótese tratada por esta
pesquisa, de como a lógica gestacional neoliberal invade a administração pública
provocando uma consequente queda da qualidade do ensino prestado por estas
instituições.
ANÁLISE DE DADOS
8 Dados disponíveis no Portal da Transparência da UFU. Disponível em:
<http://www.transparencia.ufu.br/node/59>. Acesso em 05/10/2012.
13
Nesta seção trataremos de alguns dados levantados junto aos Relatórios de
Gestão da universidade federal de Uberlândia, referente aos anos 2000 a 2011, e que
estão disponibilizados no Portal Transparência da UFU9, e que possuem o intuito de
tentar mostrar de forma sistemática o crescimento da utilização da força de trabalho
terceirizada, principalmente após o ano de 2007 com a implantação do REUNI.
O REUNI, ou Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das
Universidades Federais, foi uma iniciativa do governo Lula no sentido de:
“ampliar o acesso e a permanência na educação superior. Com o
Reuni, o governo federal adotou uma série de medidas para retomar o
crescimento do ensino superior público, criando condições para que as universidades federais promovam a expansão física, acadêmica e
pedagógica da rede federal de educação superior. Os efeitos da
iniciativa podem ser percebidos pelos expressivos números da expansão, iniciada em 2003 e com previsão de conclusão até 2012.
As ações do programa contemplam o aumento de vagas nos cursos de
graduação, a ampliação da oferta de cursos noturnos, a promoção de inovações pedagógicas e o combate à evasão, entre outras metas que
têm o propósito de diminuir as desigualdades sociais no país.
O Reuni foi instituído pelo Decreto nº 6.096, de 24 de abril de 2007, e
é uma das ações que integram o Plano de Desenvolvimento da
Educação (PDE)”. (O QUE É O REUNI, 2010)
O principal foco do REUNI é a expansão do número de vagas nas Instituições
federais de Ensino, mas como o plano não previa uma proporcional ampliação do
número de servidores, principalmente de servidores técnicos, a solução criada por
diversas instituições, inclusive a UFU, foi de recorrer à terceirização como forma de
adequar o seu quadro às novas necessidades que a expansão proposta pelo REUNI
requeria.
No Gráfico 01 podemos visualizar o crescimento do número de alunos
regularmente matriculados nos cursos de graduação e pós-graduação da UFU, onde é
visível o crescimento acentuado a partir de 2007, ano de implantação do REUNI no
âmbito da UFU. Já no Gráfico 02 podemos visualizar o crescimento do número de
servidores no mesmo período, tanto docentes quanto técnico administrativos. É claro o
descompasso entre a evolução de ambos os números dentro do período analisado, sendo
que o crescimento do número de servidores não acompanhou na mesma proporção o
crescimento do número de alunos matriculados. Somando-se a isso o crescimento do
9 Disponível em: <http://www.transparencia.ufu.br/node/59>. Acesso em 05/10/2012.
14
número de cursos e de secretarias acadêmicas, temos a conclusão lógica que a demanda
de trabalho sobre os servidores cresceu na proporção direta do crescimento da diferença
entre os dois números.
Uma forma simples de se medir este crescimento marginal sobre a demanda de
trabalho excedente sobre ao servidores está na relação direta de número de alunos para
cada servidor ativo, e pode ser vista graficamente no Gráfico 03. Por este gráfico,
podemos visualizar o crescimento da relação entre o número de alunos matriculados e o
número de docentes e técnicos administrativos no mesmo período, e assim visualizar o
crescimento da demanda de trabalho sobre a média dos servidores, que quase dobrou
neste período.
Gráfico 01 – Alunos regularmente matriculados nos cursos de graduação e pós-graduação na UFU.
FONTE: Relatório de Gestão – UFU, (2000 a 2011). Disponível em:
<http://www.transparencia.ufu.br/node/59>. Acesso em 05/10/2012.
Gráfico 02 – Número de servidores docentes e técnicos da UFU.
FONTE: Relatório de Gestão – UFU, (2000 a 2011). Disponível em:
<http://www.transparencia.ufu.br/node/59>. Acesso em 05/10/2012.
15
Gráfico 03 – Número de alunos por servidores docentes e técnicos da UFU.
FONTE: Relatório de Gestão – UFU, (2000 a 2011). Disponível em:
<http://www.transparencia.ufu.br/node/59>. Acesso em 05/10/2012.
É claro pela análise dos gráficos que temos um acentuado crescimento da
relação entre o número de alunos regularmente matriculados e o número de servidores,
tanto docentes como técnicos administrativos, e uma forma de minimizar esta diferença
foi dada pela contratação de força de trabalho terceirizada. No Gráfico 04 vemos o
crescimento do número absoluto de servidores terceirizados na UFU desde o ano de
2007. Os dados dos anos anteriores não estão disponíveis no Portal Transparência da
UFU, mas foi solicitado via “Acesso à Informação” devendo estar disponíveis para a
continuidade da análise que este trabalho se dispõe a realizar dentro da série histórica
prevista, ou seja, a partir dos anos 2000.
Gráfico 04 – Número de trabalhadores terceirizados na UFU.
FONTE: Relatório de Gestão – UFU, (2000 a 2011). Disponível em:
<http://www.transparencia.ufu.br/node/59>. Acesso em 05/10/2012.
16
CONCLUSÃO
Os números apresentados na seção anterior por si só já demonstram que os
servidores terceirizados passam a substituir a força de trabalho concursada, na medida
em que o crescimento do número de servidores docentes e técnicos não acompanham,
na mesma proporção, o crescimento das vagas criadas pelo REUNI a partir de 2007.
A solução utilizada pela gestão para que minimizasse esta diferença foi a
contratação de força de trabalho terceirizada, como forma de viabilizar a implantação
dos novos cursos e de desafogar a demanda gerada sobre os servidores ativos.
A intenção desse trabalho, a partir deste ponto, é analisar como a introdução
desta força de trabalho precarizada, como forma de substituição de servidores
concursados, vai afetar a qualidade do ensino e dos serviços prestados pelas IFE´s e em
particular a Universidade Federal de Uberlândia. Para tal aprofundaremos no
mapeamento dessa força de trabalho dentro da UFU, buscando qualifica-la e compará-la
à força de trabalho dos servidores efetivos, para assim poder demonstrar como a
primeira não irá conseguir desempenhar, em iguais condições, as habilidades
necessárias para o pleno funcionamento da instituição como um todo.
Buscaremos ainda comparar as duas diferentes forças de trabalho em aspectos
como formação, comprometimento com os objetivos das IFE’s e nível de organização e
representatividade como formas de caracterização e qualificação do serviço prestado e
assim demonstrar que a transferência da lógica de produção da esfera privada impacta
de forma negativa na qualidade do serviço prestado na IFE’s, cuja lógica de existência
não se baseia na minimização de custos, mas sim na maximização da qualidade do
serviço prestado à população.
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