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sangue e lodo no surto da borracha (1876 - 1914) . ed. Revisada EAC

A Formação da Sociedade Econômica Acriana: sangue e lodo no surto da borracha (1876-1914)

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Eduardo de Araújo Carneiro

É licenciado em História (UFAC ) e bachare l e m

Economia (UFAC).

É mestre em Linguagem e Identidade (UFAC) e doutor em História Social (USP).

É aluno matriculado no curso de Letras/Francês

(UFAC) e no Doutorado em Estudos Linguísticos

(UNESP).

É professor da UFAC desde 2008.

"O meu objetivo nesse livro foi estudar a economia praticada pelo homem branco na região onde hoje figura o território de Acre e as implicações que ela teve para a formação histórica da sociedade acriana. A tese desenvolvida foi a de que as "raízes do Acre" foram fincadas em um solo adubado com "sangue" e "lodo", ou seja, violência e corrupção. A narrativa epopeica da origem do Acre é uma versão manipulada dos fatos que inventa um passado "glorioso" para dissimular a "patogenia" constitutiva que, ao nosso entender, teve a ver com o homo economicus acriano e com as contradições sociais encontradas em toda sociedade organizada para atender a reprodução ampliada do capital oriundo do centro da Economia-Mundo Capitalista. Uma história mais sincera daria conta de explicar as "patologias sociais" fundadoras do Acre(ano), e foi exatamente isso que tentei fazer. O "sangue" e o "lodo" no subtítulo desse livro representam algumas dessas patologias, a saber: fraudes no aviamento, conflitos armados, estupro de nativas, invasão de território, extermínio indígena, concentração fundiária, tráfico de borracha, escravidão por dívida, sonegação fiscal, tráfico de mulheres e mercantilização feminina, exploração predatória da natureza, culturicídio, mandonismo político, inconstitucionalidade, além de outros".

PENTALOGIA: 1. A formação da sociedade econômica acriana: sangue elodo no surto da borracha (1876-1914);2. A fundação do Acre: uma história revisada da anexação(fase invasiva, fase militar & fase diplomática);3. A epopeia do Acre: um estudo sobre comemoraçõescívicas e abusos da história (do Movimento Autonomistaao Governo da Floresta);4. O discurso fundador do Acre: a invenção do patriotismoe do heroísmo acriano; 5. O Acre é do Amazonas! Uma análise histórico-discursiva dos textos de Rui Barbosa.

sangue e lodo nosurto da borracha (1876 - 1914)

2ª. ed. Revisada

“Este livro é uma tentativa de explicar o processo histórico

que resultou na nacionalização do território que hoje

compreende o Estado do Acre. O caráter revisionista dele tem a ver com a crítica que faz ao

conteúdo epopeico da narrativa divulgada pela

história oficial, cuja missão é inventar um passado inaugural

glorioso capaz de despertar orgulho nos acrianos.

Portanto, essa obra não tem qualquer compromisso de preservar as tradições, os

abusos da história e as políticas simbólicas adotadas pelo status quo acriano para

sustentar a existência da ideologia do acrianismo e da

acrianidade”.EAC

DO MESMO AUTOR

EAC

2ª. EdiçãoISBN

978-85-8356-037-1

Todos os direitos dessa edição pertencem a Eduardo de Araújo Carneiro. Nenhuma parte deste livro

poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a autorização prévia do autor pelo e-mail

[email protected].

Edição & CapaEduardo de Araújo Carneiro

ISBN

978-85-8356-037-1

CARNEIRO, Eduardo de Araújo. A formação da sociedade econômica acriana: “sangue” e “lodo” no surto da borracha (1876 - 1914). 2ª Edição. Rio Branco: EAC, 2015, 116p. : il.

I. História Econômica. II. Amazônia. III. Acre. IV. Borracha; V. Capitalismo; VI. Imperialismo; I Título.

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ............................................................. 5

INTRODUÇÃO ................................................................. 6

CAP. 1 A FORMAÇÃO DO CAPITALISMOOCIDENTAL...................................................................... 9

1.1 “Sangue” e “lodo” na formação do capitalismo ........ 101.2 Imperialismo e exportação de capital ....................... 25

CAP. 2 O CAPITALISMO OCIDENTAL E A ECONOMIAGUMÍFERA AMAZÔNICA .............................................. 29

2.1 A incorporação da Amazônia Ocidental àEconomia-Mundo Capitalista ......................................... 302.2 O Sistema de Aviamento e aEconomia-Mundo Capitalista ......................................... 432.2.1 A concorrência asiática e o fim do surto daborracha da economia gumífera amazônica..................... 51

CAP. 3 “SANGUE” E “LODO” NA FORMAÇÃOHISTÓRICA DA SOCIEDADE ECONÔMICAACRIANA ......................................................................... 77

3.1 O “sangue” ............................................................ 793.2 O “lodo” ............................................................... 92

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................ 107

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................ 109

ESBOÇO DO LIVRO ......................................................... 116

APRESENTAÇÃO

Ser convidado para escrever uma breve apresentaçãodo primeiro livro de Eduardo Carneiro, ex-aluno que tive o prazerde orientar na graduação, para mim é um motivo de muitoorgulho. Principalmente porque o livro foi escrito para pessoasque querem fazer a diferença, pensando. Pessoas que queremassegurar mais coerência e consistência nas coisas que fazem.O livro, sem dúvidas, nos convida a refletir, e esse é seu maiormérito, pois o autor é um “criador de problemas”.

O jovem professor da Universidade Federal do Acre,Eduardo Carneiro, não veio ao mundo para resolver problemas,mas para criá-los. E criar problemas é algo muito precioso, poissignifica cunhar novos campos de reflexão. Por isso mesmo quetodos nós acreanos, a partir da publicação desse livro, estaremosem dívida com Eduardo Carneiro.

Criamos uma dívida na medida em que o livro, que sepropõe a problematizar a economia praticada pelo homem brancona região dos rios Purus e Juruá durante o “surto” da borracha(1876 a 1914) e as implicações que teve para a formaçãohistórica da sociedade acreana, busca quebrar toda uma tradiçãode interpretação historiográfica fincada em uma narrativa do tipoepopeica, como bem salienta o autor. Narrativa que poucocontribui para a formação crítica de nossa gente, de nosso povo.

A história do Acre não é simples e nem está completa.E sendo assim, cada ideia apresentada por Eduardo Carneironesse livro, bem como suas principais conclusões, merecem daparte de nós leitores uma avaliação crítica. Por isso mesmo, aoler essa obra a ideia básica é pensar sobre o Acre. Esse é meuconvite. Sem esquecer os que os criadores de problemas, comoEduardo Carneiro, “têm o domínio da palavra, fazem dapalavra seu modo de vida, amam a palavra”.

Carlos Estevão Ferreira CasteloProfessor da UFAC - CCJSA

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INTRODUÇÃO

Ah! Meus amigos, estão manchadas de lodo e sangue as páginas da história do Acre. (Plácido de Castro apud LIMA, 1998, p. 270, grifo nosso).

Esse livro é uma versão ligeiramente revisada de minha monografia defendida no Curso de Economia da UFAC sob a orientação do ilustríssimo professor Carlos Estevão Ferreira Castelo. Apesar de os professores da banca tê-la avaliado com a nota máxima, alerto que o texto tem suas limitações e não pretende alçar maiores voos. No entanto, mesmo assim, achei oportuno publicá-lo por conta da revisão historiográfica que faz sobre a origem da sociedade econômica acriana¹. O meu objetivo com ele foi estudar a economia praticada pelo homem branco na região dos rios Purus e Juruá durante o surto da borracha (1876 a 1914) e suas implicações para a formação histórica da sociedade acriana.

Esse estudo foi conduzido pela seguinte premissa: a Economia-Mundo Capitalista, por ser dominada pela lógica do lucro, produz sociedades marcadas por “patologias sociais” (KEPPE, 1987; FROMM, 1983), ou melhor, por “irracionalidades” (SINGER, 1987; HARNECKER, 1979), tratadas aqui pelas metáforas “sangue” e “lodo”. Tais fenômenos, segundo a nossa hipótese, também foram constituintes da sociedade econômica acriana, isso porque o surgimento dela teve a ver com a inserção da Amazônia sul ocidental na cadeia mercantil

1 O conceito de “sociedade econômica” foi tomado emprestado doeconomista Robert Heilbroner (1972). E para efeito de nossa análise, otermo “sociedade econômica acriana” significa aquela sociedade quesurgiu na Amazônia sul ocidental em função da produção da borrachademandada pelas economias do centro dinâmico do capitalismo mundialem fins do século XIX e início do XX.

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2 Conceito utilizado pelos economistas liberais e neoclássicos para privilegiar a dimensão econômica do comportamento humano. Segundo eles, tal dimensão é caracterizada pelo egoísmo, ou seja, o homem sempre busca maximizar o prazer e minimizar a dor, obtendo, com isso, o máximo de bem-estar com o mínimo de esforço.

dos países imperialistas. Sendo assim, o capital circula em suas “veias” desde a gestação, contaminando-a, congenitamente, com patologias.

Como a formação da sociedade acriana faz parte da história da reprodução ampliada do capital estrangeiro oriundo dos países desenvolvidos, resolvi fazer um breve estudo da "patogenia" da sociedade acriana. Isso não quer dizer que todos os migrantes da região estavam “contaminados” com uma ou mais patologias, apenas quero afirmar que tais patologias foram identificadas e que fazem parte da história da formação da sociedade acriana. Algumas delas são: o trafico de borracha, o massacre indígena, a invasão de terras, a servidão por dívida, acorrupção política e judiciária, a banalização da prostituição, asonegação fiscal, a exploração predatória da natureza, o estuprode nativas, a violência, os conflitos armados, etc.

Nessa perspectiva, a primeira geração de acrianos –aquela que a historiografia oficial chama de "heróis" – passa a ser compreendida como a responsável pela incorporação da região à Economia-Mundo Capitalista. Esse posicionamento muda toda uma tradição de interpretação historiográfica fincada em uma narrativa epopeica. Isso porque o patriotismo acriano passa a ser entendido como um discurso utilizado para disfarçar as marcas do homo economicus2 que moviam os primeiros acrianos. Os fundadores do Acre foram “as mãos e os pés” do “império do mal” (PERRAULT, 1999, p. 12). Foram eles e não outros que, na prática, inseriram a região acriana na “esfera de influência” do capital monopolista internacional. Portanto, não dá para pensar a “Revolução Acriana” como uma luta contra o imperialismo, na verdade, ela foi um subproduto do ingresso do grande capital naquele território.

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Acredito que a narrativa epopeica da origem do Acre é uma versão adulterada dos fatos. Ela inventa um passado “glorioso” que dissimula a barbárie constitutiva da sociedade acriana. Tal barbárie, ao nosso entender, foi uma consequência tanto do homo economicus acriano quanto das patologias congênitas a toda sociedade organizada para atender a reprodução ampliada do capital dos países desenvolvidos. É por isso que digo que as “raízes do Acre” foram fincadas em um solo adubado por “sangue” e “lodo” .

Da forma como a história do Acre vem sendo ensinada, em nada contribui para a formação crítica da consciência histórica do povo acriano. Pelo contrário, o mito fundador serve tão somente para induzi-lo a uma sensação megalomaníaca que o aliena e que o deixa vulnerável a manipulações. Quem de fato ganha com a perpetuação desse abuso da história é a elite política local, que canaliza todo o ufanismo para o tempo presente a fim de forjar consenso e otimismo coletivo.

Este livro foi dividido em três capítulos. No primeiro, serão analisadas a formação do sistema capitalista e algumas de suas consequências sociais, morais, ecológicas e econômicas. No segundo, será abordada a relação que o capital internacional manteve com a economia gumífera na Amazônia, desde a primeira metade do século XIX até a primeira década do século XX. No terceiro, serão estudadas as principais “marcas de nascença” do Acre enquanto comunidade de brasileiros inseridos na periferia do sistema econômico capitalista.

Para finalizar, é bom que se diga que os resultados dessa pesquisa não passam de “interpretação de interpretações” (REIS, 2006, p. 73). Portanto, não pretendem esgotar o assunto, muito menos apontar o caminho seguro da verdade. A minha intensão foi tão somente ressuscitar o debate acadêmico sobre as “raízes Acre”, retirando-lhes o manto glorioso do heroísmo e do patriotismo.

Boa leitura!

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CAP. 1 A FORMAÇÃO DO CAPITALISMOOCIDENTAL

O capital ao surgir escorrem-lhe sangue elodo por todos os poros, da cabeça aos pés.(MARX, 1968, p. 879, grifo nosso).

“Um espectro ronda a Europa”, essa é a frase inauguraldo Manifesto do Partido Comunista, publicado em 1848, pelosteóricos alemães Karl Marx e Friedrich Engels. O “espectro” aque se referiam era o comunismo. Segundo diziam, “todas asgrandes potências da velha Europa unem-se numa Santa Aliançapara conjurá-lo” (MARX; ENGELS, 1989, p. 29)3.

Um espectro com maior potencial de assombro semanifestou na Amazônia Ocidental em fins do século XIX, e nãohouve quem exorcizá-lo. Pelo contrário, muitos foram osprocuradores dele na região. Dentre eles, os “heróis acrianos”que a historiografia oficial tratou de “imortalizá-los”. O certo éque por onde o espectro do capitalismo se instalou, ele gerou“horrores econômicos” (FORRESTER, 1997), “políticos”(GENEREUX, 2000) e “sociais” para a maior parte da população.A formação da sociedade acriana não fugiu à regra.

O capital não sobrevive sem “desgraças”. Essa é umaafirmação do historiador francês Gilles Perrault (1999) e que podeser constatada por meio da própria história da expansão docapitalismo. A ocupação do Aquiry por brasileiros e a consequenteanexação dele pelo Brasil fazem parte desse processo. E, por maisque a história oficial vulgarize uma representação positiva, bela,heroica e patriótica da genealogia do Acre(ano); a história econômicada formação dessa região indica o lado oposto, ou seja, o do “horror”e o da “desventura” como marcas fundadoras dela.

3 Neste capítulo, fizemos uso de muitas das críticas que o marxismo produziu sobre o capitalismo, isso não quer dizer que concordamos com o comunismo.

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Dentre os muitos desserviços que a versão “romântica” da história Acre presta, uma delas é legitimar o ingresso da Amazônia sul ocidental na teia comercial capitalista. Ela dissimula as danosas consequências do desdobramento econômico, político e social que o capital internacional ocasionou na região por meio do chamado sistema de aviamento da borracha. Todo o jogo de interesse que as elites gumífera de Manaus, de Belém e do Purus tinham com a chamada “Questão do Acre” foi dissimulado, de modo que o patriotismo aparece como a causa motivacional dos primeiros acrianos.

Em síntese, nesse capítulo eu faço uma analise da formação do capitalismo ocidental e, especialmente, a da sua fase imperialista. É nessa fase que o capital internacional migra do centro dinâmico do sistema e chega até o atual território do Acre em busca de oportunidade de inversão lucrativa. O Acre, portanto, surge como parte integrante da periferia do capitalismo desenvolvido e, por conta disso, desde a origem, traz em suas “veias” certas patologias, algumas das quais estudaremos aqui.

1.1 “Sangue” e “lodo” na formação do capitalismoO sistema é muito racional do ponto de vista deseus donos estrangeiros e de nossa burguesia deintermediários, que vendeu a alma ao diabo por umpreço que teria envergonhado Fausto. Mas osistema é tão irracional para com todos os demaisque, quanto mais se desenvolve, mais se tornamagudos seus desequilíbrios e tensões, suas fortescontradições [...] o sistema vomita homens. (GALEANO, 1994, p. 16, grifo nosso).

A História Econômica é um campo de estudo que analisa as atividades econômicas do homem no tempo, que, por sua vez, têm a ver com a produção, circulação e consumo de bens e serviços. E “bens” e “serviços” têm em comum o fato de serem obras do trabalho humano destinado a satisfação de necessidades individuais e coletivas, quer sejam materiais ou imateriais.

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O homem, independente de sua genealogia fundadora –criacionista ou evolucionista – sempre precisou consumir. É umaquestão biológica de sobrevivência, pois sem a alimentação mínima,o homem tende a morrer em poucos dias. Para que isso nãoaconteça, o trabalho é imperativo. É através dele que o homemproduz "utilidades" para saciar as suas necessidades e vaidades.

As habilidades do homem em sustentar a si e a outros foram aprimoradas com o tempo. O aperfeiçoamento dos instrumentos de trabalho, possibilitou o fabril de “utilidades” com mais rapidez, maior qualidade e menor esforço físico. Atualmente, a capacidade produtiva humana se tornou praticamente ilimitada, ao ponto de poder suprir toda a miséria mundial. Mas a economia capitalista não se preocupa em produzir para aqueles que não têm poder de compra, se interessa apenas pela demanda solvível ou realizável,

Em consequência da evolução tecnológica, muitos passaram a ter suas necessidades e vaidades supridas por outros. Classes sociais, propriedade privada, divisão social do trabalho e desigualdade social são temas relacionados a esse fenômeno, mas que não serão priorizados aqui. Para o momento, basta afirmar que esses elementos fazem parte da história econômica do homem. As formas como esses fenômenos se manifestaram no tempo serviram para que muitos estudiosos caracterizassem ou classificassem as diversas sociedades por meio de tipologias econômicas.

Há quem advogue a hipótese da existência de uma genealogia universal do desenvolvimento econômico humano. Os marxistas, por exemplo, defendem que todas as nações passaram por uma experiência de comunismo primitivo, em que não existia propriedades privadas, classes sociais e Estado (ENGELS, 1986). Mas tal proposição não é compatível com as teorias sobre os instintos humanos, tais como o egoísmo, a agressividade e a pulsão à dominação. Isso porque tais instintos são inibidores da economia comunista à longo prazo.

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É sabido que a riqueza e a pobreza são milenares, e a prática da violência também. A riqueza parece não existir sem a pobreza e esse estado de coisas não se mantém sem o uso da violência. Sendo assim, a história das experiências humanas em sociedade aponta para algumas premissas: a de que o mais fraco sempre serve ao mais forte; a de que o mais forte sempre é o que detém um maior poder de destruição; e o maisfraco é frequentemente o mais pobre.

O historiador Perry Anderson (1992) afirma que nos países ocidentais a riqueza de uns sempre exigiu a miséria de muitos. Por mais que grandes estudiosos como Francis Fukuyama (1989) e Friedman (1974), insistam na defesa do capitalismo, é quase inquestionável o fato de a desigualdade social ser constitutiva ao sistema . Se a riqueza tem ligação com o trabalho, e se quem trabalha realmente não fica rico, então alguma coisa está errada , já que pessoas estão laborando em prol do enriquecimento e da satisfação dos desejos de outrem.

E como ninguém aceita uma situação de exploração pacificamente por muito tempo, o uso da violência física e simbólica se tornaram quase inevitáveis. A violência é um instrumento de dominação antigo, ela esteve presente em todo o processo “civilizador” do homem. O desenvolvimento econômico do mundo ocidental cristão, por exemplo, teve a exploração colonial e o tráfico de escravos como um dos seus fatores de “prosperidade”. Consequentemente, o assassinato e o roubo foram uma das práticas inaugurais da “modernidade”.

É por isso que a riqueza e a violência estão muito próximas para serem estudadas separadamente. “A guerra está indiscutivelmente ligada à economia”, já dizia Keegan (1996, p. 16), isso porque “se a essência do poder é a efetividade do domínio, não existe então nenhum poder maior do que aquele que provêm do cano de uma arma” (ARENDT, 1994, p. 23, grifo nosso). A dominação econômica de um continente por outro, de um país por outro, de uma classe social por outra, de uma etnia por outra, sempre terá como fundamento a hegemonia do poder de destruição. Vejamos abaixo o que dois autores pensam sobre o assunto:

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Ninguém que se dedique à meditação sobre ahistória e a política, consegue se manter ignorantedo enorme papel que a violência sempredesempenhou nas atividades humanas, e à primeiravista é bastante surpreendente que a violência tãoraramente tenha sido objeto de consideração.(ARENDT, 1994, p. 7, grifo nosso).Temos aí o pecado original da economia. Por causadele, a grande massa é pobre e, apesar de se esfalfar,só tem para vender a própria força de trabalho,enquanto cresce continuamente a riqueza depoucos, embora esses poucos tenham parado detrabalhar a muito tempo [...] É sabido o grandepapel desempenhado na verdadeira história pelaconquista, pela escravização, pela rapina e peloassassinato, em suma, pela violência. (MARX,1968, p. 829, grifo nosso)

O homem enquanto agente econômico parece não se preocupar tanto com as pessoas e com o meio ambiente. Para satisfazer, sem muito esforço, os seus infinitos desejos, o homo economicus é capaz de qualquer coisa. Quando objetivo é a maximização do prazer, o respeito e a observância de princípios morais e éticos ficam sempre em segundo plano. A “lei” do máximo conforto com o mínimo dispêndio de energia pode ser observada na história por meio das diversas formas de exploração do homem pelo homem.

O filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679) já dizia que o homem era um lobo do próprio homem. Não é em vão que a História Militar é quase sempre um subcapítulo da História Econômica, de tão próximas que estão as questões militares dos interesses econômicos, e vice-versa. Explorar a mão de obra em um regime de trabalho escravo, por exemplo, para os “arautos da modernidade”, parecia não ser tão desumano assim. Eles eram acostumados a dizimar nações inteiras como aconteceu nas Américas no século XV. Mas uma história bem romantizada é capaz de justificar todo o "sangue" e "lodo" afirmando que as intenções foram boas e honrosas.

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O homem é um animal político, disse Aristóteles.Clausewitz, herdeiro de Aristóteles, disse que umanimal político é um animal que guerreia.Nenhum dos dois ousou enfrentar o pensamentode que o homem é um animal que pensa, em quemo intelecto dirige o impulso de caçar e a capacidadede matar [...] a psicanálise busca persuadir-nos deque o selvagem que há em todos nós espreita nãomuito abaixo da pele. (KEEGAN, 1996, p. 19 e 20,grifo nosso).

A história do desenvolvimento econômico mundial coincide com a história do desenvolvimento da violência e da corrupção humana em escala planetária. A história econômica é uma narrativa “encharcada” de “sangue” e de “lodo”. Tais expressões foram empregadas pelo economista alemão Karl Marx quando estudou a acumulação primitiva de capital que financiou a dita “revolução industrial” europeia. Ele disse que “o capital ao surgir escorrem-lhe sangue e sujeira por todos os poros, da cabeça aos pés” (1968, p. 879).

O “sangue”, de modo geral, simboliza toda a exploração do homem pelo homem, a ação predatória dele sobre a natureza e as incontáveis mortes que o sistema exige para “sobreviver”. São óbitos oriundos da subnutrição de milhares de excluídos e dos conflitos armados ocasionados pela expansão do capital. O “lodo” representa toda estrutura corrupta criada para manter a ordem de exploração vigente que perpetua as gritantes desigualdades sociais e os privilégios da elite econômica.

E nem sempre é o “cano da espingarda” que legitima a exploração do mais forte pelo mais fraco. As leis, a cultura, as escolas, as tradições, os meios de comunicação, a história oficial,patriotismo e tantos outros também podem assumir esse papel, ou seja, o de manipular a coletividade a fim de fazê-la aceitar as “regras do jogo” de maneira pacífica. Essas “violências simbólicas” (BOURDIEU, 1975), colaboram para que o grupo dominante consiga manter a ordem.

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4 Disposição natural do homem para o aperfeiçoamento pessoal.5 Isso sem falar daqueles que nem se quer utilizam o conceito de“capitalismo” para estudar a economia pós-feudal, como o professor deHistória do Comércio da Universidade de Harvard, o Ph. D. N. Gras(1943).6 O período que vai do Séc. XV ao XVIII, do ponto de vista econômico,já foi qualificado das mais diversas formas, tais como: “feudalismourbanizado”, “capitalismo comercial”, “mercantilista”, “pré-capitalista”;“capitalismo primitivo”; feudoburguês, período de “transição”, etc.

A sociedade econômica contemporânea é um convite à violência. Isso porque os recursos estão cada vez mais escassos e o padrão de consumo está cada vez mais desigual. A “perfectibilidade4” defendida por Jacques Rousseau (1989) e a “razão” como condutora do “progresso” humano das teorias iluministas não foram capazes de livrar o mundo contemporâneo das guerras regionais e mundiais, cujas causas, quase sempre, são de natureza econômica. Para onde o capital é exportado, essas relações contraditórias o acompanham, e foi isso que aconteceu no caso do Acre.

É preciso, então, identificar a “genética” do capitalismo, já que ela foi exportada para a fronteira amazônica na segunda metade do século XIX junto com o capital internacional. Primeiro de tudo, o conceito “capitalismo” só foi plenamente utilizado no século XX (BRAUDEL, 1987, p. 42)5. Uns o aplicam às economias mercantis europeias dos séculos XV e XVII6, outros preferem utilizá-lo apenas para designar as economias industriais surgidas a partir do século XVIII.

É bom que se diga que os conceitos e os modelos são artifícios científicos para compreender melhor a realidade. Eles não espelham a realidade tal qual ela é, pelo contrário, são categorias de análise empregadas para simplificar e homogeneizar a dinâmica histórica e o turbilhão de realidades simultâneas. A própria “economia em si é coisa que não existe”, como afirmava Braudel (1987, p. 11), pois empiricamente ela é inseparável do social, do cultural e de outras dimensões.

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O capitalismo é um desses conceitos empregado para nomear realidades econômicas completamente distintas. A dificuldade com esse termo se tornou mais forte com o desenvolvimento das contradições entre as “sociedades industriais” (ARON, 1981) e as regiões fornecedoras de matérias-primas. É possível que a lógica do capitalismo em regiões periféricas ao sistema funcione de modo diferenciado, isso exige adjetivações ao capitalismo, que passou a vir acompanhado de vocábulos como “liberal”, “mercantil”, “imperialista”, “monopolista”, “dependente”, “tardio”, “central”, “desenvolvido”, “subdesenvolvido”, “atrasado”, “colonial”, “neoliberal”, “global”, etc.

A opção por adjetivar o “capitalismo” ao invés de criar uma nova tipologia foi devido ao pressuposto de que, apesar das diferenças superficiais, as economias do mundo ocidental têm em comum o fato de “a atividade produtiva ser controlada pelo capital” (BASTOS, 1996, p. 27). Ou seja, “o capitalismo apesar das transformações sofridas ao longo da sua história, mantém características básicas distintas” (ibidem, idem, p. 5).

A preferência por preservar o conceito “capitalismo” e, dependendo do tempo e do espaço, “adjetivá-lo”, nos sugere três coisas: a) existem fortes semelhanças econômicas entre as sociedades ocidentais pós-feudais e as contemporâneas, ao ponto de ambas serem estudadas hoje como a mesma tipologia econômica; b) o capitalismo enquanto fenômeno socioeconômico não é estático; e c) a dinamicidade dele não faz mudar a sua “essência”.

É preciso entendermos isso pois, segundo nossa hipótese, foi essa “essência” ou “natureza” do capitalismo (HEILBRONER, 1988) que se fez presente na fundação do Acre, produzindo ali uma sociedade marcada por patologias sociais. Quando o sistema de aviamento da borracha inseriu esse imenso território na teia de relações produtivas e comerciais dos países industrializados, a genética contraditória do capitalismo passou a circular no interior da sociedade nascente, ditando-lhe as regras.

Isso não quer dizer que a economia gumífera era necessariamente capitalista, mas que ela estava a serviço

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do capitalismo. Por conta disso, a sociedade que se constituiu em torno dessa economia, sofreu influências imediatas dela.

A hipótese que defendemos aqui é a de que a "irracionalidade" do sistema capitalista esteve presente no momento fundador do Acre. Como prova temos as Casas Exportadores, que nada mais era do que o “núcleo duro” do capitalismo na região amazônica. Ela figurava no topo da cadeia de aviamento da borracha, que tinha como base o seringal. O capital internacional exportado para a Amazônia se multiplicava e retornava ao centro dinâmico da Economia-Mundo Capitalista com excedente econômico. Acontece que durante esse processo, resíduos dessa "irracionalidade" eram deixados na sociedade gumífera, manchando-a de “lodo” e “sangue”.

Não entraremos no debate teórico sobre o que seja “essência” ou a “lógica” do capitalismo. Muita coisa já foi escrita a respeito, o que dispensa maiores comentários. Mas para efeitos desse estudo, basta dizermos que o capitalismo é um sistema econômico movido hegemonicamente pela necessidade de constante expansão ou valorização do capital, e que tal expansão leva, para onde quer que for, as “patologias sociais” identificatórias da irracionalidade do sistema.

A lógica de um sistema expressa a energia potencialcriada por sua natureza. Essa energia potencial édescarregada em inúmeros processos e pode serconsiderada em muitos níveis de complexidade [...]Efetivamente, alguma coisa está errada. O sistemacapitalista é ineficaz e destrutivo, irracional einjusto. É ineficaz e destrutivo porqueperiodicamente está em crise, em inflação ou emdeflação. E quando chega a crise já não é um quarto,mas, mais da metade da capacidade produtiva quefica paralisada [...] O sistema capitalista é ineficaze destrutivo porque é incapaz de dar trabalho útil atodos os homens e mulheres que desejam e aomesmo tempo permite que milhares de pessoasfísicas e mentalmente sãs vivam sem nunca teremtrabalhado. É incapaz de desenvolver os recursosdo país, de aproveitar a totalidade do potencial

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humano, é incapaz de resolver a contradição da existência de terras incultas ao lado de camponeses sem terra. [...] É ineficaz e destrutivo, porque ocupa muitos homens e equipamento na produção dos bens de luxo mais extravagantes, não produzindo os bens mais elementares para a vida do povo. É incapaz e destrutivo porque, no delírio de aumentar os preços e os lucros, em vez de satisfazer as necessidades humanas, destrói as colheitas e os bens em geral para aumentar a procura e assim subir os preços [...] a economia capitalista funciona com muita dificuldade em situação de paz [...] na guerra e somente na guerra, o capitalismo consegue dar trabalho aos seus milhões de desempregados. (HARNECKER, 1979, p. 9-10).

O economista brasileiro Paul Singer (1987, p. 11) chegou a afirmar que o capitalismo é um “sistema irracional” e “desumano”. Outra afirmação similar é a do famoso advogado e romancista carioca Eduardo Novais (2008, p. 4) quando diz: “o capitalismo é o lobo sob a pele do cordeiro da democracia [...] éo mais desumano, injusto, perverso e antidemocrático de todos ossistemas econômicos”. O “sangue” e o “lodo” são fenômenosque integram o “miolo” da chamada economia capitalista, oumelhor, fazem parte da “genética” dele.

As contradições internas do sistema capitalistaengendraram graves doenças econômicas e sociaisno meio da sociedade, que se intensificam cadavez mais. O desemprego, a inflação, a crescentecriminalidade, os acessos periódicos de febreseconômicas, as crises destruidoras, o medocrescente do futuro [...] o capitalismo é responsávelpelos sofrimentos de milhões de pessoas naEuropa, Ásia, África, América e Austrália.(BUZÚIEV, 1987, p. 4-5).

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7 No marxismo, o capitalismo é sinônimo de relações de trabalho assalariadas e de produção mecanizada, por isso, o surgimento dele está datado no século XVIII. No entanto, autores como Braudel (1902-85), Wallerstein (1930- ) e Arrighi (1937-2009) acreditam, assim como nós, que o capitalismo já vigorava na Europa desde o surgimento da "idade moderna".

Obviamente não há como negar o quanto a economia mundial se desenvolveu nos últimos trezentos anos sob a tutela do capitalismo. Mas esse inigualável avanço da capacidade produtiva humana teve um custo social e ecológico muito alto. Desde a formação do capitalismo ocidental, várias foram as vítimas oferecidas no altar do progresso. A expansão marítima comercial europeia, por exemplo, e toda a ação colonizadora iniciada nos idos do século XV, representaram um dos mais sanguinários processos de pilhagem econômica de que já se teve conhecimento.

O homem “civilizado” continuou tão rude e primata quanto o “bárbaro” da antiguidade. A chamada “idade moderna” foi marcada pelo homo brutalis. A própria origem do capital que desencadeou as “revoluções industriais” e o próprio capitalismo7 está relacionada com práticas desumanas e desonestas, senão vejamos:

Roubo dos bens da igreja, a alienação fraudulentados domínios do Estado, a ladroeira das terrascomuns e a transformação da propriedade feudal edo clã em propriedade privada moderna, levada acabo com terrorismo implacável, figuram entre osmétodos idílicos da acumulação primitiva [...] Asdescobertas de ouro e de prata na América, oextermínio, a escravidão das populações indígenas,forçadas a trabalhar no interior das minas, o inícioda conquista e pilhagem das Índias Orientais e atransformação da África num vasto campo decaçada lucrativa são os acontecimentos quemarcam a aurora da era da produção capitalista.Esses processos idí l icos são fa toresfundamentais da acumulação primitiva [...] O

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sistema colonial, a dívida pública, os impostospesados, o protecionismo, as guerras comerciais,etc., esses rebentos do período manufatureirodesenvolvem-se extraordinariamente noperíodo infantil da indústria moderna. (MARX,1968, p. 850, 868 e 875, destaque nosso).

Essas mesmas ideias foram defendidas pelo advogado e historiador francês Gilles Perrault (1931-) em sua famosa obra “O livro negro do capitalismo”. Ele diz que:

As devastações, no espaço de um século e meio,pelo colonialismo e o neocolonialismo, sãoimaculáveis, como impossível é calcular os milhõesde mortos que lhes são imputáveis [...] escravatura,repressões impiedosos, torturas, expropriação,roubo das terras e dos recursos naturais pelasgrandes companhias ocidentais, americanas outransnacionais ou por potentados locais a seu soldo,criação ou desmembramento artificial de países,imposição de ditaduras, destruição dos modos devida e das culturas ancestrais, desmatamento edesertificação, desastres ecológicos, fome, êxododas populações rumo às megalópoles, onde asesperam o desemprego e a miséria [...] Quais são osmeios de expansão e de acumulação do capitalismo?A guerra, a repressão, a espoliação, a exploração, ausura, a corrupção, a propaganda. (PERRAULT,1999, p. 19-20, grifo nosso).

A Europa foi como um útero para o capitalismo e os séculos XV a XVII foi uma espécie de período gestacional dele. As revoluções liberais e industriais do século XVIII ocasionaram o "parto", e o imperialismo do século XIX, a sua maioridade. Em todas essas fases, o “sangue” e o “lodo” estão presentes. O que se quer dizer com tudo isso é que o capitalismo é um sistema econômico provocador de violência social. Ou seja, que os conflitos armados, como no caso da chamada "Revolução Acriana" por exemplo, são consequências da expansão do capital. A sociedade moderna, como afirma

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Fromm (1967), carece de sanidade mental.

O regime capitalista é o causador da maior parte detodos os problemas das nações: desde a pobrezaavassaladora de alguns, a imigração forçada depovos, e principalmente as guerras e lutasarmadas entre grupos e países; ninguém está livrede ser repentinamente atacado verbalmente, ou atémesmo fisicamente, pelos que estão sendoprejudicados. (KEPPE, 1990, p. 19, grifo nosso).

A economia de mercado não é capaz de gerar uma situação de paz prolongada. A concorrência comercial e a disputa por áreas de influência provocam, mais cedo ou mais tarde, conflitos armados. Isso sem dizer da violência que é gerada no interior de cada nação, entre as classes sociais ou entre os grupos de interesses. É por isso que a ideia de identidade nacional ou de comunhão compatriota não se realiza na prática. A sociedade econômica capitalista é constitutivamente dividida. Abaixo, a opinião de dois autores sobre o assunto:

Dada a natureza anárquica e competitiva dasrivalidades entre as nações, a história das questõesinternacionais nos últimos cinco séculos tem, comdemasiada frequência, sido uma história deguerras ou pelo menos de preparação para a guerra[...] a maioria dos estudos históricos supõe que‘guerra’ e ‘sistema de grandes potências’ andamde mãos dadas. (KENNEDY, 1991, p. 510).

A guerra [...] é um instrumento quase incontornávelde solução dos conflitos da concorrência no controledos mercados, onde a diminuição constante dopoder de compra que a Lei do lucro origina reduzainda mais os canais de distribuição possíveis.(WEYL, Monique. In: PERRAULT, 1999, p. 534).

De modo geral, por trás de toda declaração de guerrahá sempre uma causa econômica não resolvida pacificamente. Às

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vezes, ela vem disfarçada de discurso religioso, nacionalista, patriótico ou racial. As mais nobres justificativas são empregadas para convencer a opinião pública da necessidade do conflito. É bom que se diga que no capitalismo, as guerras podem ser provocadas tão somente para “aquecer” a economia e “espantar” o perigo da recessão. O comércio de armas, além de gerar lucro e impostos, ainda oferece oportunidades de emprego.

Ficamos endurecidos para o que conhecemos eracionalizamos e até justificamos as crueldadespraticadas por nós e nossos semelhantes ao mesmotempo em que retemos a capacidade de nos chocardiante de práticas igualmente cruéis que, nas mãosde estranhos, assumem uma forma diferente.(KEEGAN, 1995, p. 25).

A indústria bélica foi uma das que mais recebeu investimentos nos últimos trezentos anos. Os Estados nacionais e suas respectivas elites sabem que não dá para manter a atual divisão internacional do trabalho, a propriedade privada, a imposição da ordem, sem o “poder de fogo”. Muitas economias nacionais já foram “salvas” por improvisarem conflitos armados. Isso porque em uma situação de guerra, o Poder Executivo tem “carta branca” para espantar a crise “queimando” dinheiro público e endividando o Estado em favor da iniciativa privada.

Somente no século XX, é provável que tenha morrido maisde 100 milhões de pessoas em consequência de conflitos armados.Caso fossem contabilizadas as vítimas oriundas de movimentospopulares contra governos e oligarquias regionais, a quantidadecertamente seria bem maior. Mesmo em tempos de paz, o sistemaeconômico se mostra tão sanguinário quanto em período de guerra.Segundo os dados da Federação Internacional da Cruz Vermelha8,

8 Cf. <http://www.folhape.com.br/index.php/caderno-planeta/666568-fome-atinge-1-bilhao-de-pessoas-por-dia-diz-ficv> (acessado emsetembro de 2011).

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9 Cf. <http://veja.abril.com.br/idade/exclusivo/crise-dos-alimentos/contexto2.html> (acessado em setembro de 2011).10 Invertendo a frase do militar alemão Carl von Clausewitz quando diz:“A guerra é a continuação da política por outros meios”. <http://pt.wikipedia.org/wiki/Carl_von_Clausewitz> (acessado em setembro de2011).

atualmente um bilhão de pessoas dormem sentindo fome. A RevistaVeja9 divulgou que a subnutrição infantil é a causa de mais de umterço das mortes de crianças menores de cinco anos ao redor doplaneta. Ao todo, a desnutrição é responsável por cerca de trêsmilhões e meio de mortes infantis ao ano. A fome acaba sendo“um meio civilizado e honesto do mundo capitalista”, como ironizouo anarquista italiano Carlos Cafiero (1990, p. 110).

A grande verdade é que a paz militar no capitalismo não significa ausência de violência. A política acaba sendo a continuação da guerra por outros meios10. Como afirma Hanson (2004, p. 43) “os ocidentais há muito tempo viram a guerra como um método para fazer o que a política não conseguia e, por isso, estão dispostos a destruir quem quer que esteja no seu caminho”.

Todo o “sangue” derramado nas páginas da história da sociedade moderna teve a conivência ativa dos políticos profissionais que se elegem para representar o “povo”. A corrupção política é uma ação mortal contra as vítimas da miséria. Os poderes executivos, legislativos e judiciários legitimam toda essa estrutura social desigual e brutal. Afinal, a corrupção faz parte da “essência” do capitalismo.

A corrupção é um mal necessário sem o qual o sistema capitalista não “roda” com segurança. O processo eleitoral e o sistema representativo democrático mais parecem um “teatro”.Pois tudo é controlado, desde as eleições até o planejamento eexecução orçamentária do Estado. E quando acontece algo quecoloca em risco o interesse dos grandes capitalistas ou apropriedade privada deles, a ditadura é sempre acionada. A história está cheia de exemplos disso, basta lembrar aexperiência latino américa nos anos 1960.

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O “estado democrático de direito”, a “igualdade, liberdade e fraternidade” ainda são uma das superstições mais imaculadas da modernidade. Se não fosse a “bandalheira”, os “senhores do capital” não conseguiriam fazer prevalecer suas opiniões e interesses. Licitações direcionadas, paraísos fiscais, “lavagem” de dinheiro, “caixa dois”, propinas, lobbies, tráfico de influência e manipulações contábeis, eis aí o “lodo” sem o qual o sistema democrático deixaria de ser “burguês”. A impunidade já é tão banalizada que ao final todos sabem que tudo acabará em “pizza”.

Diante de tudo que foi dito, acreditamos ter ficado claro o fato de o processo de geração de riqueza capitalista não tercompromisso moral, humanitário ou ecológico. Pouco importase há milhões de miseráveis passando fome ou doentes, se háguerras ou problemas ambientais.

Quanto mais desenvolvido se encontra um paíscapitalista, mais se acentuam os males assinalados.Esta ineficácia e destruição não é um simples desejoque se possa corrigir, mas sim uma característicada natureza do sistema capitalista [...] porque é quena sociedade capitalista existe um pequeno grupo depessoas que possui tantas riquezas e goza uma vidafácil, enquanto a grande maioria dos trabalhadoresvive numa situação muito difícil [...] de onde vem agrande riqueza deste grupo minoritário?(HARNECKER, 1979, p. 9-10, grifo nosso).

O objetivo dessa primeira parte foi apontar a existência das contradições inerentes ao sistema, pois, segundo a nossa hipótese, elas foram “exportadas” para as regiões do Purus e do Juruá em fins do século XIX quando a Economia-Mundo capitalista ampliou suas fronteiras e incorporou aquela parte da amazônia em sua cadeia produtiva. A manifestação das contradições do capital nessa região será alvo de análise nos próximos capítulos.

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11 “É o termo utilizado para descrever o nível de renda anual com o qualuma pessoa ou uma família não possui condições de obter todos osrecursos necessários para viver”. (<http://pt.wikipedia.org/wiki/Linha_de_pobreza> acessado em novembro de 2011).

1.2 Imperialismo e exportação de capital

A Europa, além de ser o centro original dodesenvolvimento capitalista que dominava etransformava o mundo, era, de longe, a peça maisimportante da econômica mundial e da sociedadeburguesa.(HOBSBAWM, 2003, p. 36).

Como já foi observado rapidamente no item anterior, o progresso tecnológico no capitalismo, embora sem precedentes na história humana, ainda não é plenamente vivenciado pelos que estão abaixo da chamada “linha de pobreza”11. E, de modo geral, todas as “grandes potências” atuais conquistaram suas invejáveis posições por meio de muito “sangue” e “lodo”. Como afirmou o historiador Perry Anderson (1992, p. 110): “o privilégio de uns poucos requer a miséria de muitos. Menos de ¼ da população do mundo detém atualmente 85% da renda mundial”.

O problema está no fato de o “motor” do sistema econômico se movimentar por meio da expansão do capital que, por sua vez, gera resíduos sociais e ambientais indesejáveis. O fato de o capital estar sempre a procura de uma situação em que ele possa se valorizar, provoca uma necessidade de expansão capitalista através da ampliação do mercado consumidor, da busca de fornecimento de matérias-primas e de mão de obra mais baratas, etc. Quando o mercado interno não se mostra mais vantajoso, quando o seu limite máximo de ganho é atingido, o capital tende a migrar para outro lugar. Ou seja, o capital será “exportado” para onde oferecer melhor oportunidade e taxa de retorno.

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12 É a recriação e ampliação dos mercados através do próprio mecanismo expansivo da acumulação.13 É a transferência sistemática do excedente produtivo da periferia para o “centro” dinâmico capitalista. Nessa situação há uma super-exploração, já que parte do excedente é transferida tanto para a elite local, quanto para os capitalistas do “centro”.

Tão logo os monopólios esgotaram a área deaplicação econômica do capital dentro do âmbitonacional, viram-se na contingência de emigrar oude se expandirem para outras nações menosdesenvolvidas. E essa expansão acrescentou novamodalidade de atividade à economia mundial: aexportação de capitais [...] essa nova situaçãotornou mais cruel a exploração daqueles povos.(MONTEIRO, 1963, p. 14).

E foi exatamente essa expansão do capital europeu para outras regiões que desencadeou a formação do que Wallerstein (1999) chama de “Economia-Mundo capitalista”. Com a reprodução ampliada do capital12, as contradições do sistema deixaram de ser percebidas pela ótica da luta de classes e passaram a ser analisadas por meio do conceito de trocas comerciais desiguais entre as nações. Os países que experimentaram o capitalismo histórico assumiram posições privilegiadas na divisão internacional do trabalho e, consequentemente, no intercâmbio comercial mundial. O resultado disso foi a distribuição desigual das vantagens econômicas13 entre as nações, uma vez que a acumulação de capital, na maioria das vezes, é realizada no centro da Economia-Mundo e não na periferia dela.

Com progresso dos países industrializados na segunda metade do século XIX, houve uma acelerada expansão do capitalismo, e países como a Inglaterra, a França, a Holanda, a Alemanha, o Japão, os Estados Unidos e a União Soviética, passaram a disputar mercados e territórios entre si. Esse fenômeno ficou conhecido como “imperialismo” e pode ser conceituado “como o processo histórico de expansão, conquista e dominação

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econômica de uma ou mais nações [...] sobre outras nações epovos” (LOPEZ, 2000, p. 7). Segundo Hobsbawm (2003), esseprocesso aconteceu entre os anos 1875-1914.

A luta pelos mercados e matérias-primas, colocandoem choque os grupos capitalistas mais fortes,provocou a divisão do mundo [...] obrigou-os a umaexploração desumana dos povos mais fracos, emque o capitalismo ainda não havia penetrado,transformando-os em colônias e semicolônias [...]Algumas mantiveram um simulacro deindependência política, sendo que outras perderam-na totalmente. (MONTEIRO, 1963, p. 16).

O motivo pelo qual essa breve apresentação foi feita tem a ver com o fato de o nosso objeto de pesquisa estar relacionado a essa conjuntura internacional. O período do chamado “imperialismo” é praticamente o mesmo, em âmbito local, do chamado surto da borracha na amazônia (1876-1914). A formação da sociedade acriana e o consequente “abrasileiramento” do espaço territorial conhecido hoje como Acre foram uma consequência da expansão econômica dos países desenvolvidos, que procuravam novas oportunidades de negócios lucrativos. Financiar a migração para o território que hoje compreendemos como Acre com o fim de produzir borracha foi uma dessas boas oportunidades.

Enfim, o capital oriundo do centro dinâmico da Economia-Mundo migrou para a Amazônia porque ali havia uma oportunidade econômica vantajosa, tendo em vista o aumento da importância da borracha no mercado internacional. Toda a estrutura do aviamento da borracha foi consolidada com capitais estrangeiros, uma vez que a participação do capital nacional foi quase nula.

Assim sendo, o Acre, terra habitável por homens da cor branca de nacionalidade brasileira, já nasceu sob a tutela do grande capital. A região fez parte da esfera de influência do imperialismo inglês e, em menor proporção, do imperialismo

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norte-americano. A “Revolução Acriana”, portanto, não pode ter sido uma disputa contra o imperialismo, uma vez que a região já estava dominada por ele, e assim continuou após o Tratado de Petrópolis (1903).

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CAP. 2 O CAPITALISMO OCIDENTAL E AECONOMIA GUMÍFERA AMAZÔNICA

Para compreensão do significado da borracha naeconomia brasileira da Primeira República é precisonão isolá-la de um contexto maior – o capitalismo –no qual o Brasil se inseria como país periférico,fornecedor de produtos primários. (FAUSTO, 1985, p. 287).

Veremos nesse capítulo o quanto a genealogia do Acre está firmada no ingresso de capitais estrangeiros na Amazônia ocidental brasileira e na consequente inclusão dessa imensa área florestal na cadeia econômica dos países capitalistas desenvolvidos. A chamada “Questão do Acre”, que desembocou na conhecida “Revolução Acriana”, somente será plenamente compreendida se levado em consideração a conjuntura internacional.

A disputa territorial só aconteceu por causa da valorização da borracha no mercado Internacional e porque era um estratégico reservatório natural de seringueiras. Dada a crescente demanda pela goma elástica, o capitalismo exigiu, para o bem da reprodução ampliada do capital, “migrações forçadas ou voluntárias em vista de satisfazer as necessidades de mão de obra” (WALLERSTEIN, 2001, p. 103).

O sistema de aviamento receberá atenção especial em nossas análises nesse tópico, isso porque ele foi quem ligou as bacias do Juruá e Purus ao centro da Economia-Mundo capitalista. Foi por meio dele que o capital estrangeiro chegou aos confins da amazônia sul ocidental e drenou toda a produção da borracha para o mercado externo. Além disso, também atrelou a elite gumífera regional aos interesses do capital internacional que, em troca, recebia alguns “pingos” do caudaloso rio de dinheiro que era encaminhado para fora do Brasil em forma de péla de borracha. O sistema seguiu a lógica da reprodução ampliada do capital, se mostrando irracional em diversos sentidos.

A primeira “irracionalidade” do aviamento foi a precarização do trabalho com a qual o seringueiro ficou

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16 Foi o primeiro a percorrer integralmente o curso do rio Amazonas,desde os Andes ao Oceano Atlântico. A expedição aconteceu nos anos1541/2 e teve como cronista Frei Gaspar de Carvajal.17 Foi graças aos registros e às demarcações e posses feitas pela expediçãode 1637/9, realizada por Pedro Teixeira que os portugueses puderamreivindicar o domínio da maior parte da região Amazônica.

Mapa 1- Habitat da Hevea Brasiliensis.

Fonte: DEAN, 1989, p. 22.

Na primeira metade do século XVII, a região amazônica mais parecia uma “terra de ninguém”, pois não havia tanto empenho militar por parte da Espanha na defesa das fronteiras de suas colônias latino-americanas. Elas ficavam à mercê de aventureiros que adentravam naquele “inferno verde” (RANGEL, 2001) a procura de riquezas. É bom que se diga que desde o século XV, a região já havia sido explorada: por Vicente Pinzón, Francisco de Orellana16, Pedro de Ursúa e Lope de Aguirre, além de Pedro Teixeira17 no século XVI.

Apesar de o império português proibir a entrada de visitantes de outros países em suas colônias, o cientista francês Charles-Marie de La Condamine (1701/1774) conseguiu descer

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e subir o rio Amazonas várias vezes nos anos de 1735 a 1745. Avinda do cientista para a América teria como objetivo a realizaçãode pesquisas sobre o exato grau do arco do meridiano localizadopróximo à linha equatorial. Mas desde o início, em Quito, no Peru,“a expedição era suspeita de procurar tesouros incas”(MINGUET, Hélène. In: LA CONDAMINE, 1992, p. 11).

Foi ele quem pela primeira vez se preocupou em redigirum relatório completo sobre “a coleta de látex de seringueira bemcomo os objetos que dele eram feitos [...] descrevendo não só osartefatos indígenas de borracha, como sugerindo sua aplicaçãonuma diversidade de outros artigos” (PINTO, 1984, p. 11). Quandoo francês retornou à Europa, levou consigo amostras de borracha.O relatório de suas pesquisas foi lido na Academia de Ciênciade Paris em assembleia pública ocorrida em 28 de abril de 1745.

A descrição detalhada e sistematizada daexploração e da utilização da borracha entre osindígenas da América do Sul fazia parte do mesmoprocesso mais geral, de expansão colonial dospaíses da Europa Ocidental, da busca de novasfontes supridoras de matérias-primas, bem comode novas oportunidades para a valorização eacumulação do capital europeu. (PINTO, 1984, p.11, grifo nosso).

Enquanto expedição científica, a viagem de La Condamine“revela o aspecto mais espetacular do fracasso humano” (HélèneMinguet, In: LA CONDAMINE, 1992, p. 17). Isso porque oscientistas que faziam parte da equipe “parecem ter desejadotrabalhar por conta própria, sem querer colaborar realmente para aobra comum” (idem, ibidem). Pode-se dizer que a expedição foi osímbolo do egoísmo e da ambição, em que todos queriam o desfruteexclusivo dos “louros” da pesquisa científica.

A história acabou por imortalizar o nome de La Condamine.Mas o relatório dele foi “muito menos rico que o de Bouguer”(idem, ibidem, p. 20), outro cientista que também fazia parte daexpedição e com quem La Condamine mantinha “encarniçada

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de 1912, a Malásia já figurava como a maior produtora de borracha do mundo, ocasionando a crise na economia amazônica.

Pelo “grande feito” do contrabando, Henry Wickham foi recebido pelo governo inglês com honras de herói, sendo agraciado com o título de nobreza das mãos da própria rainha Vitória. Afinal, ele havia realizado “um dos atos de maior repercussão e sucesso de pirataria biológica da história mundial [...] e ele se gabava de ter feito isso à vista de uma canhoneira brasileira” (JACKSON, 2011, p. 20).

Tudo isso mostra que quando o assunto era a expansão capitalista, não havia preocupações morais ou éticas. Se indústria automobilística inglesa precisava de borracha para se tornar autossuficiente dessa matéria-prima, a biopirataria era vista como um mal necessário. Quando os brasileiros invadiram as terras estrangeiras em busca de seringueiras, o assassinato de nativos que moravam na região também foi um mal necessário. E foi dessa forma que o capital imperialista se reproduzia.

Poucas fábulas modernas demonstram com tantaclareza como um indivíduo influencia o curso dahistória – e depois as consequências que fogemao controle. A borracha se tornou um fim em simesmo, e os horrores cometidos em seu nomeforam o efeito involuntário da busca por um bemmaior. Henry Wickham via seu roubo como um atotanto de patriotismo quanto de salvação pessoal[...] parábolas do uso e abuso da natureza na buscapelo poder. Hoje, as ruínas prevalecem [...] aborracha lhe trouxe honras e fama, mas seu afamadoroubo das sementes acarretou o apocalipseeconômico da Amazônia. (JACKSON, 2011, p. 24,grifo nosso).

Após exemplificarmos o oportunismo de muitos dos cientistas que realizavam pesquisas na Amazônia, retornemos a La Condamine, pois foi a divulgação de seu relatório de pesquisa despertou grande interesse nos investidores europeus. Houve

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Tabela 1 - Exportação da borracha na Amazônia brasileira (1825-1900).

Fonte: SANTOS, 1980, p. 52 e 217.

Tabela 2 – Borracha exportada pela Amazônia, em toneladas – anos selecionados.

Fonte: IBGE – Anuário estatístico 1939-40 (apud SANTOS, 1980).

Tabela 3 - Principais produtos de exportação do Brasil (1901-1910).

Fonte: Estatísticas do Século XX, IBGE (2003), p. 432.

ANO

182518301834 - 351839 - 401844 - 451849 - 501854 - 551859 - 601856

TONELADAS

93 t156 t175 t418 t367 t879 t

2.868 t2.531 t1.906 t

ANO

186118661871187618811886189118961900

TONELADAS

2.515 t5.434 t6.765 t7.909 t8.506 t

12.690 t16.550 t19.500 t23.650 t

Ano 1830 1850 1870 1880 1890 1900 1910 1912 1915 1920 1939

Ton. 156 879 5.602 8.679 15.355 23.650 34.248 37.178 29.772 23.586 11.861

Principais produtos de exportação (Em %) Período

Total Café (1) Borracha Algodão (2) Outros (3)

1901 / 1910 95,2 51,3 28,2 2,1 13,6

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esse indissoluvelmente articulado com a expansãoimperialista da segunda metade do século XIX.Além disso, as tendências à concentração ecentralização do capital, excepcionalmente nítidaneste período, e que iriam culminar com a formaçãodos grandes trustes e cartéis, vão permear toda aevolução da indústria de artefatos de borracha.(PINTO, 1984, p. 15, grifo nosso).

Alguns entraves precisavam ser superados para que a Amazônia conseguisse abastecer o mercado mundial de borracha. Não havia transporte fluvial adequado, não havia mão de obra abundante, não havia um sistema de crédito capaz de tornar o empreendimento realizável e, para piorar, a navegação pelo rio Amazonas era proibida para navios estrangeiros. Mas todos eles foram facilmente superados, afinal, vivia-se em tempos de a “era dos impérios” (HOBSBAWM, 2003) em que as “grandes potências des troçavam impiedosamente quaisquer barreiras que se opusessem aos seus interesses econômicos” (SANTOS, 1980, p. 54).

Em 1852, o governo imperial brasileiro autorizou o Barão de Mauá a explorar comercialmente o transporte fluvial no rio Amazonas. A primeira viagem ocorreu em janeiro de 1853, mas a pressão internacional não parou até que o governo brasileiro decretou a abertura do rio Amazonas aos navios mercantes de todas as nações, fato ocorrido em dezembro de 1866. No início dos anos 1870, os ingleses já dominavam o transporte fluvial no rio Amazonas. “Assim começou o reinado da Amazon Steam que, durante toda a borracha, permaneceu como a maior linha de navegação da região e tornou-se um símbolo importante da penetração estrangeira na economia da borracha!” (WEINSTEIN, 1993, p. 82).

Da mesma forma, o problema da escassez de mão de obra só foi resolvido por conta da ajuda externa recebida, já que o governo brasileiro, preocupado como estava com a cafeicultura, ficou indiferente à causa, não financiando e nem favorecendo a abertura para a migração. Os empreendedores

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24 Segundo Weinstein (1993, p. 18) “a inação do Estado em face donegócio da borracha reduziu o potencial de transformação da economiaamazônica”.

intermediação entre o seringueiro isolado na matae o capital industrial europeu ou norte-americano.(SILVA, 1982, p. 20).

(a região acriana) foi um Espaço Regional criado apartir das necessidades postas pela industrializaçãodos países centrais, o atual Estado do Acre, depoisde mais de um século de ocupação, tem naeconomia do extrativismo elemento representativoda base econômica da sua reprodução social.(LIMA, 1994, p. 21).

2.2 O Sistema de Aviamento e a Economia-MundoCapitalista

O capital mercantil, através das casas aviadoras,financiadas pelas exportadoras ligadas ao capitalmonopolista internacional, controlava o sistemade aviamento na medida em que financiavaefetivamente todo o processo.(PAVANI, 1982, 114).

Já foi visto que mesmo havendo uma crescente demanda internacional pela borracha em fins do século XIX, nem o governo brasileiro24 e nem os empresários nacionais quiseram investir no aumento efetivo da capacidade produtiva da goma amazônica, pois a atenção deles estava voltada para a economia cafeeira. Diante da situação, agentes econômicos estrangeiros, em sua maioria financistas e empresários ingleses, passaram a oferecer créditos na região a fim de dinamizarem a economia gumífera e, é claro, monopolizar a comercialização do produto. “É o capital monopolista, portanto, que vai pôr em marcha a economia da borracha na Amazônia” (SILVA, 1982, p. 15).

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Esquema 1 - Sistema de aviamento até meados dos anos 1880.

Fonte: elaboração do autor.

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As principais tomadoras desses créditos eram as CasasAviadoras sediadas em Belém e em Manaus. Seus donos, em suamaioria estrangeiros, ofereciam mercadorias a crédito e certaquantidade de dinheiro em espécie àqueles que se aventuravamna abertura de novos seringais. Ela “providenciava o transporte ea distribuição dos retirantes que fugiam da seca do nordeste [...]e atuavam como representante legal e financeiro de seus clientesmais ricos no interior” (WEINSTEIN, 1993, p. 34).

Aos poucos, as Casas Exportadoras foram deixando omercado da importação de bens, isso porque passaram a sofrer forteconcorrência das grandes Casas Aviadoras de Belém e de Manaus,que passaram a comprar os produtos diretamente dos fornecedoresnacionais (“sulistas”) e/ou estrangeiros. Com isso, houve um aumentoda importância das trocas cambiais, da participação dos bancos edos produtos nacionais. Tudo isso alterou a configuração inicial dosistema de aviamento, conforme o esquema a seguir:

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Em resumo, o sistema de aviamento da borracha estavaem função dos interesses dos países desenvolvidos e alimentou ocentro econômico do sistema mundial. O objetivo dele foi garantir ofornecimento da matéria-prima aos países industrializados a preçosmódicos. Para que isso ocorresse, operou-se a “imposição de umregime rígido, às vezes torturante, mas sempre um trabalhoalienante, realizado nos arredores da barraca do seringueiro”.(CALIXTO, 1985, p. 58, grifo nosso). E dessa forma foi queconstruíram “um verdadeiro sistema que só poderia contribuir paraa reprodução do capital [internacional]” (idem, ibidem).

2.2.1 A concorrência asiática e o fim do surto da borrachada economia gumífera amazônica

Iniciaremos esse tópico realizando um breve comentáriosobre alguns termos frequentemente associados à economiagumífera, tais como boom, ciclo, rush, surto, crise e depressão.O termo “boom” 27 é uma palavra inglesa que é traduzida emportuguês como “explosão”. Em economia ela é usada paradesignar um período em que ocorre uma rápida e elevada expansãode uma atividade econômica por conta da demanda de umdeterminado produto ou serviço.

O termo “ciclo” está associado à ideia de “cicloseconômicos” que, por sua vez, tem a ver com o fato de a economiacapitalista experimentar regularmente períodos alternados de picose declínios, durante os quais a produção de bens e serviços ora seexpande ora se retrai. A fase expansiva do ciclo é tambémchamada de recuperação e o seu ponto auge de surto. Já a fasedescendente é chamada de recessão e o seu ponto mais baixo dedepressão. Na maioria das vezes, a desaceleração econômica

27 Bárbara Weinstein (1993) não concorda com a utilização do termo.Segundo ela, “boom é um termo particularmente impreciso. Significauma súbita explosão de prosperidade, resultante de aumento dos preçosda produção, mas não implica qualquer transformação estrutural de maiorimportância”.

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tendo em vista o aumento de produção ocorrido na Malásia. Interessante dizer que a quantidade de borracha exportada pelo Brasil entre 1911 e 1920 (328.754 t)28 foi menor se comparado àquela ocorrida no período de 1901 e 1910 (345.079 t), e o que é pior, ainda foi exportada com preços mais baixos.

De acordo com os economistas “clássicos”29, a crise econômica está associada ao desequilíbrio entre a oferta e demanda de um dado bem. Havendo maior oferta do que demanda, o preço do bem tende a cair, gerando grandes prejuízos. Os prejuízos provocam um declínio da atividade econômica, chamada de recessão. Não havendo uma intervenção eficaz do Estado, a recessão pode se agravar, gerando uma “depressão”, na qual há a elevação da taxa de desemprego e o declínio acentuado da capacidade produtiva.

Acreditamos que o início da recessão econômica tenha acontecido em 1913, quando a queda da exportação da borracha se somou à queda dos preços, produzindo uma crescente diminuição da renda agregada e um desestímulo à produção. A partir de então, a recessão econômica perdurou até ao nível da depressão, quando a borracha deixou de figurar como o principal bem de produção da região.

Resolvemos escolher os anos de 1914 e 1915 para marcar oinício da depressão30. Isso porque o ano de 1913 assinalou o fim de

28 Cf. CARONE, 1978, p. 64.29 Adam Smith, David Ricardo, John Stuart Mill e outros.30 Roberto Santos (1980) se refere ao período que vai de 1911 a 1914como “a grande crise” ou “o grande colapso”. Antônio Loureiro (2008)também utiliza o termo “a grande crise”, mas o emprega ao período quevai de 1907 a 1916. Para esse autor, nos anos de 1907 e 1908, a regiãosofreu uma “sub crise” devido a “oferta de grandes tonelagens deborracha oriental de plantação” (idem, p. 12). De modo geral, o autortenta culpar o governo federal e os governos estaduais do Amazonas edo Pará. Segundo ele, ambos pegavam o dinheiro dos impostos e outrasdivisas oriundas da produção e comercialização da borracha e aplicavamem áreas e em setores alheios. Em outro livro publicado oito anos mais,Tempos de esperança – Amazonas (1917-1945), o autor refaz seuargumento e culpa o capital internacional pela crise amazônica.

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Esquema 3 – A Economia-Mundo e a anexação do Acre ao Brasil.

Fonte: elaboração do autor.

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32 Com a queda do preço, estimulou-se ainda mais o consumo.

na cotação do preço internacional do produto. O problema passou a existir quando a produção asiática aumentou ao ponto de influenciar os preços internacionais. Abaixo uma tabela para demonstrar o que aconteceu.

Tabela 6 – Comparação da produção de borracha na Ásia e no Brasil (1900-1937).

Fonte: MARTINELLO, 2004, p. 139.

Se compararmos a quantidade de borracha asiáticaproduzida em 1906 com a de 1913, verificamos que ela cresceuquase cinco vezes. Isso provocou o fim da hegemonia da borrachaamazônica no mercado mundial. O resultado foi a queda dospreços, que aconteceu não por insuficiência de demanda, pois aprocura pelo produto continuou crescendo (Cf. SANTOS, 1980,p. 234; PRADO e CAPELADO, 1989, p. 305).

Somente em 1915, como mostra a tabela abaixo, foi que aprodução excedeu a demanda mundial, motivo pelo qual até então,apesar da crise, a quantidade de borracha exportada não haviasofrido uma queda proporcional à baixa do preço32. Portanto, nãonos parece coerente afirmar que os preços a partir de 1910abaixaram porque “o mercado não conseguia absorver tudo queera produzido” como afirma Klein (2013, p. 116).

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O que de fato provocou a queda dos preços foi a chegada da borracha asiática ao mercado mundial. O preço de produção33 da goma asiática ficou abaixo dos custos de produção da borracha amazônica34. Isso significa que a borracha oriunda de seringais de cultivo chegava ao mercado internacional a um preço que, no Brasil, mal dava para cobrir as despesas com a produção.

A partir de 1908, as plantações e a produção doOriente cresceram avassaladoramente, dobrandode ano para ano, o mesmo ocorrendo com oconsumo. Contudo, os valores produzidos peloBrasil e outros locais do mundo permaneceriamestáveis, fato explicável pela falta de plantações, epela queda dos preços, a partir de 1910, a níveisque só o Oriente poderia suportar, pois o seu custoera muito inferior, não só pela produção racional,mas pela imensa massa trabalhadora semiescrava[...] O excesso de borracha, a instalar-se com aentrada em produção dos grandes seringais doOriente, fatalmente traria profundas modificaçõesna comercialização do produto, baixando o seupreço e fazendo sair do mercado aquela decondições desvantajosas, como o caso daproduzida na Amazônia. Daí o grande interessedespertado em se identificar os fenômenos quetornavam altos os custos da nossa produção, muitosuperiores aos asiáticos, e que levariam os nossosseringais à ruína (LOUREIRO, 2008, p. 22 e 56, grifonosso).

A diminuição dos preços internacionais provocou imediataredução da margem de lucro dos principais atores envolvidos no

33 Equivale ao preço de custo acrescido da taxa média de lucro.34 Só para exemplificar, em 1915, o custo da produção de um quilo deborracha em francos era de 3,4 na Ásia e 7,5 no Brasil. Ou seja, os produtoresasiáticos podiam vender a borracha por 7,0 francos, preço abaixo do cursode produção dos brasileiros. (Cf. SANTOS, 1980, p. 235).

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Durante a depressão, inúmeros bancos fecharam as portas e tantas outras Casas de Aviamento e seringais decretaram falência. Com a diminuição da exportação da borracha, houve uma proporcional queda na arrecadação alfandegária nos Estados do Pará, Amazonas e no Território do Acre. A importância econômica que a Amazônia alcançara durante o surto jamais fora alcançada nos anos seguintes.

Algumas firmas sobreviveram ao período da crise da economia gumífera, em geral, foram aquelas que conseguiram acumular reservas. Em consequência da concorrência asiática e do crescimento do custo de oportunidade37 que ela trouxe, tais firmas diversificaram suas atividades ou até mesmo mudaram de ramo. As poucas firmas38 que permaneceram no negócio da borracha, assim o fizeram porque acabaram monopolizando uma considerável fatia do mercado regional com a diminuição dos intermediários, concentrando, com isso, a remuneração do capital mercantil. Os ganhos oriundos do aviamento de mercadorias compensavam, em certa medida, os custos produtivos da borracha.

Acreditamos que o “sucesso” delas não pode servir como modelo de viabilidade econômica. Pelo contrário, seria mais lógico afirmar que a falência da maioria das firmas que operavam no mercado regional se constituiu em um fator explicativo condicionante da ascensão desses poucos empreendedores. Isso quer dizer que eles só conquistaram proeminência regional graças ao “espaço” deixado por aqueles que faliram. Em resumo: não

37 Custo de oportunidade se refere ao valor que se poderia estar ganhando investindo o capital em outras atividades alternativas disponíveis.38 Especificamente os seringais e as Casas Aviadoras. A firma que atuava na produção da borracha conservou o nome “seringal” por pura tradição. Pois, na prática, boa parte da renda dela já não era mais obtida diretamente da borracha. As Casas Aviadoras não faliram completamente. Isso porque muitos dos migrantes que não voltaram para suas regiões de origem, durante a crise, continuaram demandando os mesmos produtos consumidos durante o período do surto da borracha, mesmo que em uma quantidade bem menor. As mercadorias em circulação diminuíram e já não eram trocadas exclusivamente por borracha.

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isso porque os “inaptos” amazônicos já haviam falido. Caso contrário, a situação seria ainda mais delicada. Quanto maior for o desajuste entre a oferta e a demanda, maior será a consequência da depressão. Além do mais, o nível de otimização produtiva obtida nos seringais projetados na Ásia, com árvores plantadas em série, dificilmente seria batido pelos seringais naturais brasileiros, cujas árvores eram espalhadas.

Alguns “empreendedores” brasileiros de fato conseguiram manter uma certa margem de lucro, mesmo operando naquele ambiente de recessão da economia gumífera. Mas tais sucessos são exceções e não regra. O fato de alguns terem prosperado, não significa que todos conseguiriam o mesmo caso adotassem procedimentos gerenciais similares. Pelo contrário, foi a falência da maioria das firmas que possibilitou a prosperidade de algumas. A diminuição da concorrência interna elevou a possibilidade de maiores lucros. Tanto é que no Acre, como afirma o próprio Klein (2013, p. 150), a N & Maia foi “a única empresa que sustenta uma atividade ininterrupta de 1904 a 1945”.

Temos que levar em consideração também que as poucas firmas que prosperaram no período da crise não estavam mais dependentes exclusivamente da economia gumífera. Elas se voltaram para outras atividades. Portanto, a prosperidade que obtiveram não pode ser associada ao sucesso contra a concorrência asiática. Isso porque tais firmas, aquelas que tinham capital acumulado, secundarizaram a atividade gumífera em prol de outras mais rendosas. Sobre a opinião dos “ufanistas”, Santos (1980, p. 283) diz:

Trata-se de uma posição vulgar, de inspiraçãoparoquialista e ingênua, eu não conheço nenhumautor de responsabilidade, nortista ou não, quelhe tenha emprestado qualquer formulação própriaou ao menos que se mostre inclinado a assumi-la.[grifo nosso].

Para esclarecer melhor nosso raciocínio, lançamos mãode duas perguntas: 1) O que ocasionou a crise da economiagumífera amazônica? 2) Por que a economia gumífera amazônica

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por Maurice Dobb nos anos 1950 acerca das causas da crise do feudalismo. Em Evolução do Capitalismo, Dobb afirma que o comércio foi apenas mais um fator desencadeador da crise, já Klein (20013, p. 115) afirma que “a produtividade asiática foi mais um fator que contribuiu para o declínio da borracha na Amazônia” (KLEIN, 2013, p. 115).

E para mostrar que a crise do sistema de aviamento já estava em curso antes mesmo da “superprodução asiática”, Klein (2013, p. 115) afirma que “a cadeia de aviamento já vinha experimentando um declínio dos preços da borracha [...] a partir de 1909” (idem, ibidem, p. 116 e 121). Portanto, a diminuição dos preços foi considerada uma evidência histórica dessa “contradição interna”.

Em nossa opinião, essa explicação é muito frágil. Primeiro, porque a oscilação de preço que ocorreu nos meses de setembro a dezembro de 1909 cessou com a alta do início do ano seguinte40. Segundo, porque a queda ou as variações cíclicas do preço da borracha já havia acontecido em anos anteriores como: 1888 a 1889, 1900 a 1901 e 1906 e 1907. Isso nos leva a crer que a queda momentânea do preço não pode ser tomada como um fator caracterizador de uma crise. Durante o período em que a Amazônia monopolizava a produção da borracha, as oscilações nos preços nunca causaram um risco ao sistema de aviamento como um todo. Terceiro, a queda dos preços não pode servir como prova de ineficiência41 do sistema de aviamento. Quarto, como veremos adiante, o sistema não era “deficitário” como ele afirma. Quinto, “nem sempre uma alta lucratividade é expressão de grande eficiência” (SANDRONI, 1999, p. 357).

40 Apesar de algumas oscilações pelo caminho, o preço da borracha foiascendente desde 1876. Ou seja, o preço da borracha durante o períododo surto da borracha nunca foi menor que o preço vigente em 1876.41 A oscilação do preço da borracha de 1909 foi insignificante secomparada com a de 1908. Além do mais, é sabido que em muitos casoseram as Casas Exportadoras que manipulavam o preço da borracha nomercado internacional, já que elas detinham o monopólio da

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Gráfico 2 – Preços e exportações de borracha amazônica (1866-1929).

Fonte: SANTOS, 1980, p. 223.

comercialização do produto. Elas faziam isso para lucrar com aespeculação e, de certa forma, provocar a falência dos inúmerosintermediários que iam se formando na cadeia produtiva. Somado aisso, temos a ausência de uma política de câmbio nacional queprotegesse o preço da borracha ou um Plano de Defesa da Borracha,proposta que só surgiu em 13 de junho de 1912 e desapareceu em 31 dedezembro de 1913.

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42 Preço de desistência é aquele preço inibidor de compra, pois estáacima daquele que o consumidor está disposto a pagar em uma dadasituação. Como a situação era de insuficiência de oferta comparado àdemanda, os importadores estavam dispostos a comprar a borrachabrasileira mesmo que tivessem um preço um pouco acima do mercado.Tal preço não poderia ser muito alto, ao ponto do preço de desistência.Em 1915, o quilo da borracha brasileira estava cotado em 6, 38 francos.

desde que os aviadores não prat icassem o preço dedesistência42.

É bom que se diga também que inúmeras empresasestrangeiras se instalaram na Amazônia com o intuito produzirborracha nos moldes industriais, mas não tiveram sucesso.Segundo Garcia (2005, p. 177), isso começou a partir do final dadécada de 1890, quando “muitas firmas europeias e norte-americanas [...] começaram a comprar vastas propriedades naAmazônia” (WEINSTEIN, 1993, p. 198). O objetivo delas eraracionalizar a produção e, para isso, tentaram empreender váriasmudanças no sistema de aviamento. Abaixo, temos o exemplo deuma dessas empresas, como a Rubber States of Pará.

Os diretores [...] já na primeira reunião de acionistas,haviam anunciado seu plano de reformarinteiramente o sistema de extração e decomercialização da borracha nos seringais dacompanhia através da simplificação das relaçõesde produção. Em primeiro lugar, a administraçãoiria dIspersar a presença do intermediário quehabitualmente recolhia a borracha dos seringueirose a entregava no depósito central – visando a umaporcentagem nos lucros. Em segundo lugar, e maisimportante, pretendia transformar os seringueirosem trabalhadores assalariados, que deixariam deter qualquer direitos sobre a borracha que extraíam[...] a vantagem dessa inovação era irrefutável.(WEINSTEIN, 1993, p. 205).

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Conta-se que, em Belém ou Manaus, acendiam-secharutos com notas de quinhentos mil-réis, que setomavam champanhe como água, que qualquer dorde dente era curada na Europa. Fantasias ou não,o que se pode extrair dessas estórias é que,realmente, os lucros eram altos e fáceis, que aconfiança no futuro era ilimitada e que uma grandeeuforia dominava a região (PRADO e CAPELATO,1989, p. 300).

O sistema de aviamento procurava operar na fronteira desua possibilidade de produção, não havendo motivos, portanto,para considerá-lo ineficiente. Produzia-se o máximo, tendo emvista a tecnologia e a quantidade dos fatores produtivos disponíveis.Conforme a demanda, abriam-se novos seringais e estimulavam-se novas migrações por meio da oferta de crédito.

A mão de obra era alocada na extração gumífera comexclusividade. Para remunerar o capital investido, o seringueiroera explorado quase ao nível da escravidão. Não havia capacidadeociosa. A maioria das Casas Aviadoras ligadas à cadeia econômicasó passou a sofrer prejuízos com o sistema de aviamento quandoa borracha brasileira passou a ter que disputar o mercadoconsumidor mundial com os asiáticos.

A questão era que havia concentração de renda. Avolumosa riqueza gerada pela produção e comercialização daborracha ficou concentrada em poucas mãos. Mas esse fato nãosignifica que o sistema de aviamento fosse “deficitário”. Comoem qualquer economia não comunista, a concentração de rendaproduziu uma quantidade enorme de miseráveis (os “deficitários”).

Como afirma Weinstein (1993, p. 239), “apesar dasdiversas provações e adversidades dos últimos anos da expansão,o negócio da borracha e os empreendimentos a ele relacionadoscontinuavam sendo extremamente lucrativos”. Abaixo, uma tabelaque mostra a crescente renda de alguns Estados no período dochamado surto da economia da borracha.

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Tabela 9 – Receitas públicas segundo as Unidades daAmazônia: 1890-1920 (contos de réis).

Fonte: SANTOS, 1980, p. 193.

O fato de o sistema de aviamento da borracha gerar lucro, não significa que ele fosse imune aos riscos. Pelo contrário, havia uma alta possibilidade dos investidores perderem dinheiro. E isso era devido às constantes variações de preços que a borracha ganhava no mercado mundial. Além disso, outras eventualidades eram possíveis, tais como: “naufrágios, mortes na selva, insucessos de diversa ordem nas explorações, venda da borracha a um competidor, dificuldades de vigilância, eis alguns fatores que punham fora do controle do exportador a produção” (SANTOS, 1980, p. 125).

Por isso, também descordamos da ideia de que ele era um “desordenado arranjo de créditos” (KLEIN, 2013, p. 90), pois como diz o economista Paul Singer (1987, p. 11), “apesar de sua evidente irracionalidade enquanto sistema, o capitalismo tem sua lógica”. Parafraseando o autor, podemos dizer que apesar da “irracionalidade” do sistema de aviamento, existe uma certa lógica nele.

Unidade e governo 1890 1900 1905 1910

No ParáFederalEstadualMunicipal

No AmazonasFederalEstadualMunicipal

No AcreNa região

14.0359.7643.1961.075

3.710701

2.343666

–17.745

44.22020.45218.6295.139

33.0818.367

22.4932.201

–77.301

55.88130.68316.0639.155

29.75411.38915.2343.131

8.68894.323

72.77141.87620.25510.640

44.77423.05518.0693.650

19.868137.413

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A rede de crédito tinha uma lógica importante para ofuncionamento do sistema. A irracionalidade ou o “desordenadoarranjo” socializava os riscos e/ou os possíveis prejuízos que osagentes econômicos viessem a ter. Como afirma Weinstein (1993,p. 263), “a exagerada interdependência do sistema de aviamentopossibilitava ao setor comercial absorver com muita facilidade ospequenos choques, pois as perdas eram amplamente partilhadas”.

O fornecimento de bens a crédito era umempreendimento muito arriscado, sujeito a vários imprevistos.Por isso, não poucas foram as vezes que os representantes dasCasas Aviadoras recorreram aos créditos bancários, ora parasaldar suas dívidas, ora para fazer novos investimentos. Comogarantia, hipotecavam seus seringais ou suas firmas, pois osbancos não aceitavam pagamentos, nem garantias, em formade pélas de borracha. Toda engrenagem colaborava para deixar“os aviadores dependentes do financiamento dos bancosestrangeiros” (COÊLHO, 1982, p. 28).

Os grandes aviadores encarregavam-se deprovidenciar créditos adicionais, ou empréstimosa curto prazo, dos bancos locais, quer parasuplementar os adiantamentos feitos pelascompanhias importadoras, quer para financiarcompras mais vultosas, como barcos a vapor,instalações para embarcadouros, ou armazéns [...]A primeira preocupação de toda casa aviadora eraconseguir um empréstimo de curto prazo, paracobrir os pagamentos anuais devidos aosimportadores referentes às mercadorias vendidaspelo representante do aviador aos seringueiros nointerior. Muito simplesmente, sem crédito paraadquirir sua mercadoria, os negócios docomerciante de borracha seriam rapidamentesuspensos. (WEINSTEIN, 1993, p. 34 e 96).

Por tudo que já foi falado somos levados a crer que aexplicação endógena da crise não é convincente. Pois ela dá a

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CAP. 3 “SANGUE” E “LODO” NA FORMAÇÃO

HISTÓRICA DA SOCIEDADE ACRIANA

[...] um capítulo da história da borracha que emtodo o mundo apresentou notas semelhantes detragédia e desumanidade.(SANTOS, 1980, p. 165, grifo nosso).

[...] imenso potencial de fraude, trapaça e coerçãoinerente a uma economia em rápido crescimento,onde um pequeno grupo de negociantes poderosostenta extrair o máximo rendimento de um conjuntolimitado de produtores. Havia conflitos e tensõesem todos os níveis da rede de aviamento, variandode intensidade desde pequenas trapaças banais atéa violência declarada, sendo o seringueiro aprincipal vítima de tais fraudes e maus-tratos. (WEINSTEIN, 1993, p. 1993, grifo nosso).

Uma história de privações e de brutalidade [...] Abestialização das relações de trabalho [...] umaeconomia predatória e uma sociedadedesumanizada.(MARTINS, José. Prefácio. In: TEIXEIRA, 2009,p. 9, grifo nosso).

Pretendemos mostrar neste capítulo que a formação histórica do Acre longe esteve da representação “epopeica” defendida pela história oficial. Pelo contrário, foi um momento em que inúmeras “patologias sociais” (FROMM, 1983) se fizeram presentes, tais como o massacre de povos nativos, a corrupção, a mercantilização feminina, a exploração predatória da floresta, assassinatos, dentre outros. O “sangue” e o “lodo” constituintes da formação histórica do Acre não são compatíveis com a representação apoteótica dos primeiros acrianos divulgada em comemorações cívicas pelo Estado do Acre .

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44 Bárbara Weinstein (1993, p. 38) discorda dessa afirmação dizendo que a violência física não garantia a fixação do seringueiro. Pois casohouvesse, ele fugia. E, segundo ela, “os seringalistas rivais não hesitavam em oferecer proteção a seringueiros fugitivos”. Os “regulamentos dos seringais que determinavam que seringueiros fugitivos fossem devolvidos ao seu patrão anterior, constituíam virtualmente letra morta naquelas partes da Amazônia em que violentas inimizades dividiam a elite local” (idem, p. 46).

O seringal abrigava “a mais criminosa organização do trabalho que ainda engenhou o mais desaçamado [sic] egoísmo” (CUNHA, 2000, p. 127). Era uma unidade produtiva que apresentava uma “estrutura aberrante” (SOUZA, 1977, p. 100), uma verdadeira “prisão física” (SANTOS, 1980, p. 114), palco de “grandes monstruosidades” (idem, ibidem, p. 100) e de “uma das formas mais odiosas de exploração do trabalho” (TEIXEIRA, 2009, p. 40), onde “o regime de vida econômica era dolorosamente destrutivo” (BENCHIMOL, 1977, p. 197).

Ali não havia garantias mínimas de saúde e segurança. O seringueiro era coagido moralmente e fisicamente a permanecer no seringal a serviço do patrão. Moralmente porque era vítima de manobras contábeis que o deixavam na condição de “eternos devedores”; e fisicamente porque ele era submetido a um regime policial de vigilância e punição caso tentasse fugir sem quitar a dívida. Além do mais, segundo Euclides da Cunha (1922, p. 35), havia um acordo entre os seringalistas44 de não aceitar seringueiros fugidos de outro seringal por conta da dívida e ainda “havia pesadas multas aos patrões recalcitrantes”.

O trabalho livre aqui é péssimo, e é um verdadeiromonopólio dos donos de fábrica de seringa [...] umhomem livre vive em verdadeira escravidão, nãotendo liberdade de vender, e nem comprar senãoao patrão [...] são cousas sabidas e passadas à vista:há muito espancamento, e ferimentos e tentativasde morte, e não há punição [...] não há tratamentonas doenças, vivem e morrem ao acaso, como asbestas; a humanidade só tem a perder com este

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A partir de uma leitura semiótica da imagem acima, podemos chegar às seguintes conclusões: a) o personagem é apresentado como secundário para a formação histórica do Acre, pois levou mais de uma hora e meia para que estreasse na minissérie; b) mesmo se sabendo que culturalmente os nativos trafegam em bandos, ele aparece em uma ação solitária, transmitindo uma ideia de que eram poucos naquela região; c) a cena inaugural o coloca como agressor de seringueiro; d) o seringueiro aparece ferido por uma flecha, supostamente indefeso, com o nativo vindo em sua direção para o desfecho.

É possível que a cena tenha sido pensada a fim de induzir o telespectador a ter à seguinte conclusão: o fuzilamento dos “selvagens”, ali representados pelo índio solitário, fora uma ação defensiva diante da recepção agressiva dos nativos. A minissérie não explicou o motivo pelo qual o nativo atacou o seringueiro, isso porque a intenção foi, provavelmente, criar um efeito de sentido que enaltecesse a bravura dos acrianos por terem enfrentado os ataques dos “bárbaros”.

O próprio Estado do Acre, no governo da Frente Popular, tentou dissimular o confronto étnico e o consequente genocídio. Isso aconteceu durante a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (CNUDS), a Rio+20, ocorrida no Rio de janeiro em junho de 2012. Nela foram reproduzidos alguns vídeos sobre o Acre com a intenção de provaro pretenso sucesso do desenvolvimento sustentável acriano.

Os vídeos foram editados em inglês e com legendas em português. A imagem abaixo mostra exatamente o momento da tentativa de criar a ideia de harmonia social entre nativos e brancos. A legenda diz: “a interação de nativos e pioneiros remontam ao século 19” (grifo nosso). O conceito de interação está ligado ao de convivência, troca de influência, portanto, longe está da ideia de conflito.

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em meados do século XIX, começou a invasão dosterritórios dos povos indígenas pelos nordestinos,que vieram com o destino de extrair borracha [...]os invasores vinham à procura de seus interesses:a riqueza do caucho e da borracha [...] tudo eradestruído, até os roçados eram queimados para osíndios não terem o que comer [...] por esse motivo,as nações indígenas foram se acabando e seintegrando a esses invasores nordestinos.(KAXINAWÁ, 2002, p. 93, grifo nosso).

A população nativa na região acr iana baixou consideravelmente após a migração nordestina. Segundo Calixto (1984, p. 15): “o Acre foi um dos maiores redutos de povos indígenas da Amazônia”. Em menos de meio século estima-se que mais de 50 mil nativos tenham sido vítimas do “contato” como acriano. Durante o período de 1900 a 1957, nada menos que 36grupos étnicos foram extintos (CALIXTO, 1984, p. 12). Em 2000,a população estimada de indígena no Acre era de 8.009 (IBGE,2010), e em 2010 passou para 15.921 nativos. Mesmo com ocrescimento demográfico, a população indígena no Acre aindanão ultrapassa 2,2% da população total do Estado.

Na década de 1970, foram descobertos inúmerosgeoglifos no Acre. O Estado decidiu promover a pecuária parao posto de principal atividade econômica da região e, comoconsequência disso, florestas inteiras foram derrubadas para afeitura de pastos. Foi exatamente esse desmatamento quepossibilitou a observação dos geoglifos a partir de uma posiçãoaérea de longa distância. Eles podem servir como prova dapresença milenar do ser humano no território.

Os geoglifos (geo = terra + glifos = desenhos) sãodesenhos gigantescos feitos na superfície da terra. Eles tomamformas geométricas, zoomorfas e antropomorfas. Ainda não sesabe exatamente como foram feitos. As técnicas empregadasainda são desconhecidas. É possível que eles tenham sidoproduzidos pelo menos há dois mil anos.

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seringueiros, os quais tinham no indígena uminimigo permanente. (CALIXTO, 1984, p. 18, grifonosso).

Em muitos casos, a abertura de novos seringais significou também o extermínio étnico. O “arco e a flecha” não conseguiram parar a expansão territorial da economia gumífera, que contou com o poder de fogo dos rifles. Quando as aldeias foram invadidas para abertura de seringais, os nativos, para se salvarem, corriam “mata à dentro” ou às “cabeceiras dos rios”. Esse “corre-corre” de índios ficou conhecido como “correrias”.

As “correrias” foram consequências diretas da economia gumífera. O próprio surgimento do termo “está historicamente associado às regiões do extrativismo gumífero” (PICCOLI, 1993, p. 477). Eram “expedições de iniciativa privada, organizadas e financiadas pela empresa extrativa [...] tinham nos seringalistas os seus verdadeiros responsáveis; e nos seringueiros, os executores” (idem, ibidem, p. 478). Ou seja, eram “expedições fortemente armadas com o objetivo de aniquilar os caboclos brabos” (AQUINO, s/d, p. 8).

A fome da borracha levou os seringalistas, donosdos seringais, e os seringueiros a procurar asmaiores concentrações de seringueiras. Mais umavez esbarraram com os grupos indígenas [...] Osseringueiros adotaram a prática das correrias, quesignificava simplesmente botar os índios para correra tiros de espingarda. Os que não corriam bastanterápido eram massacrados. Foi mais um capítulo damorte das culturas indígenas da região. (LESSA,1991, p. 28).Em consequência da rapidez e da violência destainvasão, o que fora uma das áreas amazônicas demaior população indígena despovoou-se empoucos anos, na medida em que nasciam osnúcleos civilizados. Ali os coletores de drogas damata não tiveram predecessores, missionários ouquaisquer outros, foram eles próprios os

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que culminou com o genocídio de inúmeras nações indígenas. Comoafirmou Gomes (2008, p. 91) “essa população de seringueiros eravítima de opressões e explorações perante os seringalistas. Mas,foram, também, coadjuvantes na espoliação da populaçãoindígena da região” (grifo nosso). Sendo isso um fato, qualquerexplicação ufanista da origem do Acre, pautada no enaltecimentodos antepassados acrianos, deve ser tomada como uma afronta amemória das vítimas da colonização nordestina.

3.1.2 Conflitos armados

A borracha também servia a um propósito imperial. À medida que os seringueiros se espalhavam nas partes mais distantes do interior, levavam consigo as reivindicações territoriais do Brasil .(JACKSON, 2011, p. 135, grifo nosso).

Só importava o bem presente, como as perspectivas imediatas de lucro certo, do dinheiro e do crédito fácil. A miragem da riqueza célere e a volta à terra de origem compunham o binômio psicológico do seringueiro, a idéia-força que o animava ao sacrifício na floresta (TOCANTINS, 2001, p. 255, grifo nosso).

Já afirmamos em outro momento que a sociedade gumíferaacriana foi extremamente violenta. A economia da borracha foiuma “engrenagem de triturar gentes”. Os nativos foram apenasuma das vítimas da expansão econômica. Seringueiros eseringalistas também se expuseram a vários riscos. Centenas deseringueiros foram mortos por doenças, fome, inaptidão ao “infernoverde”, ataques de animais, exaustão de trabalho e assassinato.Muitos seringalistas também pagaram com a vida o desejo doenriquecimento, pois foram vítimas de seringueiros cansados daopressão, por seringalistas rivais e até mesmo por comerciantescredores de dívidas.

Os “primeiros acrianos” tiveram que guerrear contra osnativos, contra os bolivianos, contra os peruanos e contra si mesmos

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Oficialmente a região não pertencia ao Brasil. As terras banhadas pelos rios Purus e Juruá figuravam nos mapas bolivianos desde 1867, quando o governo imperial brasileiro assinou o Tratado de Ayacucho. No entanto, elas não foram ocupadas imediatamente pelos bolivianos. Na época, a região não despertou interesse econômico e, por conta disso, o governo não quis estimular o deslocamento de mão de obra das minas de prata para lá. Os brasileiros se aproveitaram disso e invadiram a região para produzir borracha. Em fins do século XIX, mas precisamente em 1894, o governo boliviano denuncia o caso ao Itamarati.

Apesar da tentativa inicial do governo brasileiro em garantir a soberania boliviana no território, o governo do Amazonas, juntamente com alguns dos principais seringalistas da região, organizavam resistências armadas, dificultando o governo andino. Em janeiro de 1902, a situação piorou, pois foi inaugurada uma alfândega boliviana em Puerto Alonso com o intuito de cobrar impostos dos seringalistas brasileiros. Como a maior parte dos seringais foi produto da invasão, a maioria dos títulos fundiários eram falsos ou ilegalmente emitidos por autoridades brasileiras. Havia um temor de que os bolivianos confiscassem as terras da elite gumífera brasileira. Por isso, promoveram o conflito armado contra os bolivianos.

O que estava em jogo na “Revolução Acriana” era a defesa da propriedade privada dos seringalistas e o monopólio da cobrança de impostos sobre a produção da borracha pelo governo do Amazonas. Mas a história oficial “beatificou” a causa com argumentos altruísticos e patrióticos, tornando os feitos algo memorável.

Não houve nada de revolucionário nessa “revolução”, os objetivos dela foram reacionários. Não se pretendia mudar nada, o alvo dela era justamente manter a ordem e impedir qualquer alteração das peças do tabuleiro socioeconômico naquela região por parte do governo boliviano. Nada foi resolvido, pois sequer um palmo de terra foi anexado ao Brasil oficialmente. O que houve foi muito derramamento de “sangue” no altar de mamom. A questão com a Bolívia sobre as terras do Acre só foi plenamente resolvida com a assinatura do Tratado de Petrópolis (1903).

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3.2 O “LODO”3.2.1 A corrupção econômica

Já foi visto que o sistema de aviamento da borracha realizado na Amazônia brasileira em fins do século XIX e início do XX se constituiu no elo de ligação entre o território acriano e o capital estrangeiro oriundo do centro da Economia-Mundo capitalista. E como a violência e a corrupção se fizeram presentes em todo o processo de expansão capitalista e, consequentemente, de formação da periferia, nos confins da Amazônia não poderia ser diferente. Inúmeras práticas econômicas fraudulentas e violentas ocorreram ali.

Para começar, a arregimentação de mão de obra para os seringais acontecia por meio de engodo. Os nordestinos foram induzidos a acreditar que obteriam riqueza fácil no Acre. Quando lá chegavam, eram mais uma vez enganados, pois os seringalistas valiam-se de “abusivos mecanismos de extorsão e manipulação de preços dos produtos de consumo” (TEIXEIRA, 2009, p. 55), além de “castigos corporais [...] e inusitada violência” (idem, ibidem, p. 110). Ou seja, fraudes contábeis e violência eram empregadas para aprisionar o seringueiro ao seringal até a sua completa invalidez (Cf. SILVA, 1982, p. 20). O seringal mais parecia “o embrião do calvário a que milhares de trabalhadores nordestinos se submetem, ludibriados com a propaganda do enriquecimento fácil e da liberdade na Amazônia do jugo do latifúndio nordestino” (COSTA, 2005b, p. 79, grifo nosso).

Em síntese, o sistema de aviamento funcionava da seguinte forma: os seringalistas vendiam fiado mercadorias e instrumentos de trabalho ao seringueiro, que se comprometia em pagar com borracha ao final do prazo estabelecido. Os seringalistas também faziam o mesmo com as Casas Aviadoras locais, que por sua vez faziam o mesmo com as Casas Aviadoras de Belém e Manaus, que por sua vez faziam o mesmo com as Casas Exportadoras (que também eram importadoras de bens manufaturadas). Ao final, se tinha uma extensa cadeia creditícia marcada por relações econômicas de endividamento compulsório quase sempre marcada pela desonestidade.

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negócio da borracha. Além disso, algunsobservadores acusavam o patrão de adulterar suascontas para trapacear ainda mais o seringueiroanalfabeto. (WEINSTEIN, 1993, p. 37).

O seringueiro era obrigado a encaminhar para o barracãoaquilo que ele produzia. Pois era lá que ele comprava “fiado” asmercadorias que consumia. Além dos muitos produtos alimentíciosvindos do sul do país, muitos “enlatados” eram importados daEuropa, continente onde ficavam as matrizes dos principais bancosque concediam créditos para o fomento da produção gumífera. Ésabido que boa parte desses “enlatados” já chegava vencida noseringal, e mesmo assim eram comercializados.

E a fraude vai a tal ponto que as casas de importaçãode conservas têm um empregado denominadocaixeiro da solda e cujo mister consiste em furar aslatas deformadas pelos gases da putrefação, a fimde dar saída a esses e soldar a abertura feita. Assimconseguem iludir os compradores que bemconhecem os perigos das conservas em caixasdeformadas pelos gases da fermentação, devidosao desenvolvimento sobretudo de bactériasprodutores das infecções e intoxicações alimentares.E o seringueiro das regiões afastadas tem que ingeriressas substâncias deterioradas se não quiser morrerà fome. (SANTOS, 1980, p. 168).

Em contrapartida, o seringueiro também enganava o patrão. Ele misturava o látex com outros produtos e inseria metais e outros objetos no interior das pélas de borracha a fim de torná-las mais pesadas. Ele também negociava a borracha clandestinamente com o regatão49, desviando parte da produção. Segundo Weinstein (1993, p. 47), “os seringueiros exerciam pressões, muitas vezes, com êxito, para limitar a exploração que sofriam”.49 Comerciante ambulante que viajava pelos rios a fim de negociar produtos com seringueiros.

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Essa “trapaça” é entendida por muitos como uma prática de resistência à opressão (WEINSTEIN, 1993, p. 36) e não exatamente como um ato de “ilegalidade” como afirma Francisco Costa (2005b, p. 83). Mas “a base da antijuridicidade entendida pelos seringalistas era a da violação ao regulamento vigente nos seringais” (idem, ibidem, p. 83). No entanto, pesa o fato de os regulamentos serem “arbitrários” (idem, ibidem, p. 89).

Em resumo, o sistema de aviamento formalizou a inserção da região acriana na Economia-Mundo capitalista. A extensa cadeia creditícia ligava seringueiro aos bancos estrangeiros sediados em Manaus e em Belém. A exploração compulsória da mão de obra foi a forma com a qual o capital internacional se reproduziu no Acre. Ela se tornava invisível aos olhos dos brasileiros, grandes seringalistas, que também lucravam com a exploração da mão de obra dos compatriotas seringueiros.

Sendo assim, tanto os grandes capitalistas, quanto os brasileiros comerciantes de borracha eram cúmplices da semiescravidão que era “encoberta pelo manto de sucessivas operações comerciais” (PINTO, 1984, p. 24). Essa semiescravidão teve um resultado desastroso, a saber: “para cada tonelada produzida representava uma vida humana perdida” (SANTOS, 1980, p. 307).

3.2.2 A corrupção política

Antes da guerra com a Bolívia [...] não havia cargos políticos a disputar-se. Depois da guerra, surgiram os crimes políticos, orientados pelos elementos adventícios, não ligados à massa dos exploradores e conquistadores do Acre, pelos próprios agentes do governo federal. (BASTOS, 1958, p. 45).

[...] em um processo de formação único, surge a Prefeitura (1913), com a missão de organizar, administrar, cuidar e planejar esta cidade tão peculiar.(Marcos Alexandre, Prefeito de Rio Branco, apud PREFEITURA MUNICIPAL DE RIO BRANCO, 2013, p. 7).

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3.2.3 A corrupção judiciária

Assim quis eu representar a justiça que por muitosanos dominou o Acre, protegendo os ladrões e osassassinos e perseguindo os justos. (CASTRO, 2002, p. 303).

O trato das questões judiciais no território do Acre seguiuo mesmo padrão de “qualidade” daquele dado às questõespolíticas. As coisas eram resolvidas, como afirma Craveiro Costa(2005, p. 309), na base do “rifle”. Nos seringais, o patrão era ojuiz de todos os pleitos, um “déspota [...] para decidir sobre a vidae a morte dos que vivem sob seu jugo” (LIMA, 1998, p. 88). Elejulgava “ao seu livre-arbítrio, o que era justo ou não” (TEIXEIRA,2009, p. 128). Fora dos seringais, “a magistratura acriana aboletou-se comodamente na vitalidade de seus empregos, para fazer apoliticagem da terra” (COSTA, 2005, p. 310). Não haviaindependência entre os Poderes Executivo e o Judiciário.

Quem perdia com tudo isso era o seringueiro, que aodisputar alguma causa contra o patrão, “judiciariamente, tudo ficavaparalisado durante meses e anos” (idem, ibidem, p. 310). Comoexemplo do caos que reinava no Poder Executivo e no Judiciário,basta lembrar que o Cel. Plácido de Castro foi assassinado pelosubdelegado de polícia do Departamento do Alto-Acre a mandodo então prefeito Gabino Besouro51.

Pelo critério de alguns prefeitos, os juízes lhes eraminteiramente subordinados. E se juntarmos a tudoisso as ausências constantes e prolongadas dosjuízes preparadores e promotores públicos, aincompetência dos substitutos leigos, a corrupção

51 O crime foi denunciado ao Presidente da República em 07 de agosto de1908 por Genesco Castro, irmão do Cel. Plácido de Castro. A impunidadenão poupou nem sequer o líder da chamada “Revolução Acriana”. Omilitar Gabino Besouro (1851-1930) antes de vir para o Acre havia sidogovernador de Alagoas (1892 - 1894).

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Uma outra “patologia” que se mostrou corrente na regiãoacriana foi a mercantilização da mulher. Os homens não traziamsuas esposas, porque eram iludidos com a ideia de riqueza fácil erápido, e isso a longo prazo afetou a vida sexual deles. Osseringueiros destinavam o tempo à extração do látex. Foi somentecom a decadência da economia gumífera que a constituição defamílias nos seringais passou a ser correntes. Antes de 1912, aindaeram frequentes a prática do homossexualismo (BENCHIMOL,1977, p. 189), o estupro de indígenas, a zooerastia (TOCANTINS,2001, Vol. I, p. 199) e a compra de meretrizes.

E a presença de mulher nos seringais, no sistemade exploração sem freios que envolvia todo onegócio da produção da borracha, passou aconstituir mais uma página do sistema. Osseringueiros, no seu infortúnio, encomendavamaos patrões e, estes às casas aviadoras, mulheres,como encomendavam gêneros alimentícios,utensílios, roupas, etc. Verdadeiras mercadorias,elas entravam nas contas, escrituradas pelosguarda-livros como quaisquer outros objetos deuso diário. (REIS, 1953, p. 123, grifo nosso).

Em Mulheres da Floresta uma história: Alto Juruá, Acre (1890-1945), Cristina Wolff diz que encontrou inúmeros pedidos de dispensa de “proclamas”, ou editais de casamento, nos processos judiciais que pesquisou. A hipótese levantada foi que o “noivo” havia adquirido a “noiva” por meio do rapto e, por isso, requeria urgência na oficialização da união. Lacerda (2006, p. 237) confirma isso dizendo que era comum a compra ou orapto de mulheres no nordeste brasileiro para serem revendidasnos seringais. Como o deslocamento de mulheres nos seringaisnão era proibido, a comercialização delas era facilitada.

Como era um “produto de luxo”, obviamente apenas alguns poucos seringueiros, aqueles com saldo no barracão, eram agraciados com a “mercadoria”. Em alguns casos, como afirma Nascimento (1998, p. 3): “o objetivo do seringalista era fazer com

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Imagem 4 – Desterro de mulheres para o Acre.

Fonte: jornal O Malho, do Rio de Janeiro, em 10 de dezembro de 1904, p. 18.

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3.2.5 Depredação da natureza

Um problema que sempre preocupava tanto os homens públicos como os observadores privados era a destruição ou exaustão prematura dos seringais, devido aos métodos de extração descuidados e à falta de atenção à conservação das árvores. (WEINSTEIN, 1993, p. 202).Os extratores atiravam-se à floresta em atividade predatória; como as zonas de coleta logo se empobreciam, não havia interesse em ter o domínio permanente sobre a terra, uma vez que a exploração era passageira. (PRADO e CAPELATO, 1989, p. 291).

A relação que os migrantes desenvolveram com a natureza amazônica foi tão brutal quanto àquela em que eles mantiveram entre si. A maioria não migrou para a região pensando em ficar. Queriam enriquecer e voltar para suas respectivas terras natais. E como não conseguiram, foram obrigados a ficar, portanto, a maioria são se tornaram acrianos por opção. O sentimento de pertencimento, se é que existiu, só poderia ter surgido a posteriori da anexação, fruto da "prisão do seringal".

Inicialmente, não houve preocupação alguma com a preservação do caucho ou da seringueira. A extração era tão predatória que a árvore ficava inutilizada após poucas incisões, obrigando o nordestino a abandonar a área em busca de outra com maior densidade de caucho ou seringueira explorável. Por isso que Bastos (1958, p. 14) afirma que o Acre era “um acampamento” naquela época.

A técnica de extração que prevaleceu nos primeiros anos de produção da borracha foi a do “arrocho”. O seringueiro tentava obter o máximo de “leite” gumífero possível em um menor prazo de tempo. Isso era motivado ora pela pressão do seringalista, ora pela própria vontade de saldar a dívida com o “barracão”. Como não possuíam instrumentos de trabalho adequados e nem tinham compromisso ou apego àquele território, eles feriam a árvore até que ela morresse.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não existe pecado do lado de baixo do equador e alguém emendaria que tudo pode abaixo da Linha Cunha Gomes.(MARTINELLO, 2004, p.25)

O processo de anexação do Acre ao Brasil e a formação da sociedade acriana são fenômenos que só podem ser plenamente compreendidos a partir da relação que eles mantiveram com a Economia-Mundo Capitalista. O Acre(ano) só se fez Acre(ano) porque o território que hoje a ele pertence virou alvo do interesse imperialista dos países desenvolvidos. Por conta dessa “genética”, inúmeras “patologias sociais” podem ser encontradas no período fundador do Acre.

A formação da sociedade econômica acriana foi marcada pelo “sangue” e pelo “lodo”. Por causa das brutalidades cometidas no período, se dizia que todos aqueles que se dirigiam para o Acre, passavam antes por uma tal de “ilha da consciência”, e nela deixavam suas melhores qualidades de civilidade. De ali por diante, tudo era permitido, não havendo mais limites morais entre o proibido e o permitido. E se é verdade que o momento inaugural de uma comunidade abriga a identidade constituinte dela, então, devemos repensar o fenômeno do "acrianismo".

A incorporação do Acre à cadeia mundial de comércio em uma situação periférica produziu uma elite local servil aos interesses externos que, de certa forma, colaborou para a consolidação do “destino” agroextrativista da economia do Acre. Se isso for verdade, os “heróis” podem ter sido os responsáveis por lançar as bases da economia dependente que conduziu o povo acriano à pobreza até os dias de hoje. Na verdade, o território acriano pouco se beneficiou com surto da economia da borracha. “Os maiores lucros sobre a produção gomífera eram auferidos pelo mercado externo”

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(COÊLHO, 1982, p. 31). Os seringalistas bem-sucedidos, em vez de investirem no Acre, o “fim do mundo” nomeado por Jackson (2011), preferiam desfrutar da “belle époque” amazonense e “acender charuto cubano com notas de quinhentos mil réis” (BENCHIMOL, 1999, p. 142) nos cabarés de Manaus.

Apesar de as patologias congênitas da formação da sociedade econômica acriana não estarem mais visíveis como antes, não necessariamente significa que elas deixaram de existir. Algumas delas de fato foram vencidas, outras controladas, outras ocultadas do grande público, outras se manifestam abertamente. O Acre ainda é uma contradição em processo. Apesar dos seus mais de cem anos de vivência, esse povo ainda não conseguiu vencer alguns dos seus problemas básicos como a concentração fundiária, o coronelismo político, a dependência econômica e as amarras ideológicas que fazem de sua própria história uma narrativa de consagração do status quo acriano.

Rio Branco, 13 de julho de 2014

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Capítulo 1

ECONOMIA-MUNDO CAPITALISTA

(A hegemonia do Capital)

ESBOÇO DO LIVRO

AUMENTO DA

DEMANDA

MUNDIAL POR

BORRACHA (de “droga-do-sertão”

à matéria-prima

industrial)

VULCANIZAÇÃO

(Goodyear - 1839)

PNEUMÁTICA

(Dunlop - 1888)

PERIFERIA DA ECONOMIA MUNDIAL

(inserção da Amazônia Sul Ocidental na cadeia

mercantil da economia-mundo capitalista)

Capítulo 3

“SANGUE E LODO”

NA FORMAÇÃO DO ACRE

Capítulo 2

SISTEMA DE AVIAMENTO

CAPITAL INDÚSTRIAL

(Indústria automobilística,

bélica e outros)

A AMAZÔNIA SUL OCIDENTAL SE

TORNA ALVO DO INGRESSO DE

CAPITAIS ESTRANGEIROS

CAPITAL BANCÁRIO

(sistema de créditos)

CENTRO DINÂMICO DA ECONOMIA MUNDIAL

(Expansão do capital nos países desenvolvidos)

CASAS

EXPORTADORAS

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-19

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Fraudes no aviamento, conflitos armados, estupro de nativas,

invasão de território, extermínio indígena, concentração fundiária,

tráfico de borracha, escravidão por dívida, sonegação fiscal e

tributária, tráfico de mulheres e mercantilização feminina,

exploração predatória da natureza, culturicídio, mandonismo

político, inconstitucionalidades, dentre outros.

PNEUMÁTICA

(Dunlop - 1888)

SU

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Eduardo de Araújo Carneiro

É licenciado em História (UFAC ) e bachare l e m

Economia (UFAC).

É mestre em Linguagem e Identidade (UFAC) e doutor em História Social (USP).

É aluno matriculado no curso de Letras/Francês

(UFAC) e no Doutorado em Estudos Linguísticos

(UNESP).

É professor da UFAC desde 2008.

"O meu objetivo nesse livro foi estudar a economia praticada pelo homem branco na região onde hoje figura o território de Acre e as implicações que ela teve para a formação histórica da sociedade acriana. A tese desenvolvida foi a de que as "raízes do Acre" foram fincadas em um solo adubado com "sangue" e "lodo", ou seja, violência e corrupção. A narrativa epopeica da origem do Acre é uma versão manipulada dos fatos que inventa um passado "glorioso" para dissimular a "patogenia" constitutiva que, ao nosso entender, teve a ver com o homo economicus acriano e com as contradições sociais encontradas em toda sociedade organizada para atender a reprodução ampliada do capital oriundo do centro da Economia-Mundo Capitalista. Uma história mais sincera daria conta de explicar as "patologias sociais" fundadoras do Acre(ano), e foi exatamente isso que tentei fazer. O "sangue" e o "lodo" no subtítulo desse livro representam algumas dessas patologias, a saber: fraudes no aviamento, conflitos armados, estupro de nativas, invasão de território, extermínio indígena, concentração fundiária, tráfico de borracha, escravidão por dívida, sonegação fiscal, tráfico de mulheres e mercantilização feminina, exploração predatória da natureza, culturicídio, mandonismo político, inconstitucionalidade, além de outros".

PENTALOGIA: 1. A formação da sociedade econômica acriana: sangue elodo no surto da borracha (1876-1914);2. A fundação do Acre: uma história revisada da anexação(fase invasiva, fase militar & fase diplomática);3. A epopeia do Acre: um estudo sobre comemoraçõescívicas e abusos da história (do Movimento Autonomistaao Governo da Floresta);4. O discurso fundador do Acre: a invenção do patriotismoe do heroísmo acriano; 5. O Acre é do Amazonas! Uma análise histórico-discursiva dos textos de Rui Barbosa.

sangue e lodo nosurto da borracha (1876 - 1914)

2ª. ed. Revisada

“Este livro é uma tentativa de explicar o processo histórico

que resultou na nacionalização do território que hoje

compreende o Estado do Acre. O caráter revisionista dele tem a ver com a crítica que faz ao

conteúdo epopeico da narrativa divulgada pela

história oficial, cuja missão é inventar um passado inaugural

glorioso capaz de despertar orgulho nos acrianos.

Portanto, essa obra não tem qualquer compromisso de preservar as tradições, os

abusos da história e as políticas simbólicas adotadas pelo status quo acriano para

sustentar a existência da ideologia do acrianismo e da

acrianidade”.EAC

DO MESMO AUTOR

EAC

2ª. EdiçãoISBN

978-85-8356-037-1