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Introdução
Certamente que conforme a racionalidade do homem se ia
desenvolvendo, começou a emergir, cada vez mais, na sua mente, o
desejo de viver em paz, logo, num mundo sem violência. Mas
transformar este sonho numa realidade tornou-se e torna-se difícil,
uma vez que o Homem é ao mesmo tempo bom e mau.
A violência definida como dano real (claro e inequívoco), tentado
ou ameaçado, a uma pessoa ou pessoas, é uma realidade que
necessita de ser encarada de forma científica.
Nas últimas décadas têm-se desenvolvido esforços para avaliar
o risco de violência a através de estudos empíricos que relacionam
determinados factores com o aumento da violência.
A doença mental é referenciada, na literatura, como um factor de
risco para a violência. Vários estudos desenvolvidos nas últimas
décadas referem que a os sujeitos com uma perturbação mental
(particularmente as perturbações psicóticas e do humor) têm uma
maior probabilidade de cometerem crimes violentos, relativamente à
população em geral, parecendo existir dois tipos de agressores
violentos com perturbações mentais graves. Um tipo apresenta um
padrão estável de comportamentos violentos ao longo da vida
enquanto um segundo grupo apresenta comportamentos violentos
mais tarde devido à sintomatologia da doença (Hodgins et al., 1998).
A esquizofrenia é um quadro psicótico com prevalência
relevante, sendo que, uma das suas características sintomáticas
nucleares, são as alterações graves do comportamento, que
aparecem, sobretudo na fase aguda desta perturbação (ICD-10.
1
WHO, 1992; DSM-IV-TR, APA, 2000). Deste modo, não é de
estranhar a frequente associação entre esta doença e
comportamentos violentos (British Crime Survey, 1996).
Nas últimas décadas vários estudos epidemiológicos referem
que a prevalência da violência na esquizofrenia é inequivocamente
superior à população geral, contudo essa diferença parece dever-se a
um pequeno grupo pertencente a esta população (Walsh et al., 2002).
Neste grupo de indivíduos também foram encontrados os dois tipos de
ofensores criminosos encontrados nas perturbações mentais em geral
(Tengström et al., 2001).
Devido a este facto têm-se realizado várias tentativas para
definir os preditores de violência na esquizofrenia, não existindo ainda
consensos sobre esta matéria. A comorbilidade com o abuso de
substâncias, com perturbações da personalidade e sintomas
específicos da doença, têm sido referenciados como factores de risco
de comportamentos violentos para a esquizofrenia (Stdeadman et al.,
1998).
Por outro lado, nos últimos anos, certos traços de personalidade,
défices cognitivos e neuropsicológicos, têm sido mencionados como
factores de risco importantes para a avaliação do risco de violência
nos esquizofrénicos (Nestor, 2003; Silverton,1988).
Posto isto, o objectivo deste estudo é tentar identificar entre
sujeitos esquizofrénicos que cometeram comportamentos violentos,
diferenças na personalidade e cognição com intuito de prever a
violência futura. Para além disto é nossa opinião a utilidade em
identificar os factores de risco que mais concorrem para o risco de
violência nos dois grupos (grupo de menor risco e grupo de maior
risco).2
Capítulo I
Esquizofrenia
1.1 Evolução do conceito da Esquizofrenia
1.1.1. Os precursores
A entidade diagnóstica referida por esquizofrenia foi delineada,
pela primeira vez, por Emil Kraeplin (1856-1926) em 1893 (Harms,
1971). Kraeplin usou o termo dementia preacox para esta doença,
sublinhando o início precoce e a deterioração contínua das funções
mentais que esta perturbação causava na maioria dos seus pacientes.
Kraeplin descreveu detalhadamente os sintomas ocorridos
normalmente, na esquizofrenia, frisando como as características
fundamentais aquelas que enfraqueciam a esfera emocional e volitiva,
e que causavam um declínio das actividades mentais e a perda da
unidade interna das actividades do intelecto, emoção e volição. Estas
alterações seriam as razões da incoerência do pensamento e
comportamentos e afectos inapropriados. Contudo, ele considerou
que não existiriam nenhuns sintomas patognomónicos da doença.
Originalmente, Kraeplin dividiu a dementia preacox em três
subtipos clínicos: hebefrénica, catatónica e paranóide.
Posteriormente, ele alterou esta tipologia para incluir várias outras
categorias, enquanto enfatizava que estes subgrupos de quadros
3
clínicos diferentes eram bastantes artificiais e com valor clínico
limitado. Segundo ele, as perturbações caracterizadas por delírios e
alucinações, onde as perturbações da emoção e volição não existiam
ou eram mínimas, eram referidas como parafrenias. Mesmo quando
muitas destas características sejam comuns com o subtipo paranóide
da dementia preacox, Kraeplin considerou que as actividades mentais
bem preservadas e a ausência de perturbação da volição, justificava a
classificação das parafrenias numa entidade nosológica diferente
(Kraeplin, 1919).
Ao contrário de Kraeplin, Eugen Bleuler (1857-1939) não
enfatizou o prognóstico reservado da esquizofrenia. Foi-se tornando
evidente, desde que Kraeplin introduziu o conceito de dementia
preacox, que a perturbação nem sempre teria um início na
adolescência ou na adultícia precoce. Deste modo, Bleuler sugeriu
que o nome da doença deveria mudar para “esquizofrenia”, referindo-
se à desintegração de várias funções mentais que o termo implicava
(Bleuler, 1911).
Bleuler dividiu os sintomas da esquizofrenia em sintomas
fundamentais e em sintomas acessórios. Os primeiros, que el
considerou característicos da esquizofrenia, estavam presentes em
todos os doentes e em todas os períodos da doença. Os segundos,
que podendo dominar o quadro clínico podiam estar completamente
ausentes. Os sintomas fundamentais eram as perturbações da
associação, afectividade e atenção, ambivalência e autismo. Bleuler
também considerou a ausência de perturbações primárias da
percepção, orientação e memória como pressupostos essenciais para
o diagnóstico da esquizofrenia.
4
Alguns outros sintomas da doença, tais como falta de motivação,
perturbação do comportamento e perturbação das capacidades
cognitivas, eram considerados como uma consequência dos sintomas
fundamentais.
Este autor afirmava que os delírios, as alucinações e a catatonia
eram sintomas acessórios, admitindo, no entanto, que seriam devido a
estes sintomas que os doentes apareciam para tratamento
psiquiátrico (Bleuler, 1911).
O diagnóstico da esquizofrenia baseava-se pela presença dos
sintomas fundamentais, contudo, não era necessário estarem todos
presentes. A duração e prognóstico da doença, como já foi referido,
não foi enfatizada por Bleuler para diagnosticar a esquizofrenia.
Bleuler dividiu a esquizofrenia em quatro subgrupos: paranóide,
catatónica, hebefrénica e simples. O tipo paranóide era caracterizado
pela presença de delírios proemientes e alucinações (incluindo as
parafrenias conceptualizadas por Kraeplin). O quadro clínico do tipo
catatónico era definido por vários sintomas catatónicos. O tipo
hebefrénico consistia em todos os pacientes que teriam exibido, a
certa altura da sua doença, sintomas psicóticos agudos, não
apresentando contudo características dos paranóides nem dos
catatónicos. A esquizofrenia simples era diagnosticada quando os
doentes apresentavam os afectos e as capacidades intelectuais
deterioradas, sem exibirem outros sintomas fundamentais (Bleuler,
1911).
Kurt Schneider (1887-1967) alvejou identificar os sinais e
sintomas a serem altamente discriminatórios da esquizofrenia e que
seriam facilmente perceptíveis pelos técnicos de saúde (Carpenter et.
al, 1973). Os sintomas por ele identificados como característicos da
5
esquizofrenia eram bastante diferentes dos sintomas fundamentais de
Bleuler. Este autor propôs que um grupo de sintomas constituído por
delírios e alucinações, sintomas de “1ª ordem”, seriam
patognomónicos da esquizofrenia. Os outros sintomas que ocorreriam
frequentemente na esquizofrenia, mas que não seriam
patognomónicos, identificava-os como sintomas de “2ª ordem”.
Esta conceptualização de diagnóstico adiantada por Schneider
teve uma influência considerável em quase todos os sistemas de
diagnóstico desenvolvidos posteriormente.
1.1.2. Classificação actual
Desde a construção de quadros sindromáticos elaborados pelas
três personalidades anteriormente referidas, foram surgindo novos
sistemas de diagnóstico da esquizofrenia. Dentro dessas destacam-se
as da World Health Organization (WHO) e da American Psichological
Association (APA), onde desde o começo da sua elaboração, o
conceito de esquizofrenia foi também evoluindo, como mais tarde
explicaremos.
Como neste estudo vamos usar os critérios de diagnóstico da
esquizofrenia definidos pelo DSM-IV-TR ( APA, 2000), descreveremos
somente este sistema de diagnóstico, não esquecendo a importância,
no entanto, de outros na evolução do conceito da esquizofrenia.
A quarta edição revista, do Manual de diagnostico e estatístico
para as Perturbações Mentais (DSM-IV-TR) foi publicado em 2000.
Nesta edição, o critério de duração para os sintomas da fase aguda é
6
de um mês, sendo que a proeminência das alucinações não é um
critério a preencher (vide quadro 1). O DSM-IV-TR usa o conceito de
discurso desorganizado para definir as perturbações do pensamento
na esquizofrenia. Para além dos sintomas catatónicos, o
comportamento bizarro é incluído como um critério de diagnóstico.
Segundo este sistema, existem cinco subtipos de esquizofrenia,
tendo em conta uma hierarquia. Classifica-se como esquizofrenia
catatónica quando os sintomas catatónicos estão presentes,
independentemente dos outros sintomas. Se os critérios de
diagnóstico para o tipo catatónico não são preenchidos, o tipo
desorganizado é o designado quando o discurso e comportamento
bizarro, assim como embotamento ou ambivalência afectiva estiverem
presentes.
Se os critérios não são preenchidos, nem para o tipo catatónico
nem para o tipo desorganizado, diagnostica-se o tipo paranóide,
sempre que estiverem presentes preocupações com delírios ou
existirem alucinações frequentes.
Se existir uma fase activa com sintomas proeminentes e os
critérios para o tipo catatónico, desorganizado, ou paranóide, não
estiverem preenchidos, deve-se diagnosticar o tipo indiferenciado. O
tipo residual é codificado quando os sintomas activos da fase aguda
da esquizofrenia já não estão presentes, mas existem sintomas a
evidenciarem a continuação da perturbação.
Quadro 1. Critérios de Diagnóstico do DSM-IV para a Esquizofrenia
A. Sintomas característicos: dois (ou mais) dos seguintes, cada
um presente por um período significativo de tempo durante
7
um mês (ou menos, se tratados com êxito):
1) Ideias delirantes;
2) Alucinações;
3) Discurso desorganizado;
4) Comportamento marcadamente desorganizado ou
catatónico;
5) Sintomas negativos, isto é, embotamento afectivo, alogia
ou avolição.
B. Disfunção social/ocupacional: desde o início da perturbação e
por um período significativo de tempo, uma ou mais áreas
principais de funcionamento, tais como o trabalho, o
relacionamento interpessoal ou o cuidado com o próprio,
estão marcadamente abaixo do nível atingido antes do início.
C. Duração: os sinais contínuos da perturbação persistem pelo
menos durante seis meses. Neste período de seis meses deve
estar incluído pelo menos um mês de sintomas (ou menos se
tratados com êxito) que preencham o critério A (isto é, sintomas
da fase activa) e podem estar incluídos períodos de sintomas
prodrómicos ou residuais. Durante estes períodos prodrómicos ou
residuais, os sinais da perturbação podem manifestar-se apenas
por sintomas negativos, ou se estiverem presentes de forma
atenuada dois ou mais sintomas enumerados no critério A.
D. Exclusão de Perturbação Esquizoafectiva ou do Humor: a
Perturbação Esquizoafectiva ou a Perturbação do Humor com
características Psicóticas foram excluídas devido a: (1) não terem
ocorrido simultaneamente com os sintomas da fase activa os
Episódios de Depressão Major, Maníacos ou Mistos; ou (2) caso
os episódios do humor tenham ocorrido durante os sintomas de
8
fase activa, mas a sua duração total tenha sido mais curta do que
a duração dos períodos activos e residuais.
E. Exclusão de perturbações relacionadas com
substancias/estados físicos gerais: a perturbação não é devida
aos efeitos fisiológicos directos de uma substância ou um estado
físico geral.
F. Relação com uma Perturbação Global do Desenvolvimento:
caso exista história de Perturbação Autística ou de outra
Perturbação Global do Desenvolvimento, o diagnóstico adicional
de esquizofrenia só é realizado se estiverem presentes ideias
delirantes ou alucinações proeminentes pelo período mínimo de
um mês.
1.1.3. Síntese da evolução do conceito da esquizofrenia
Durante o século XX, a nosologia psiquiátrica evoluiu do
“conceito de autor” para o princípio do “consenso dos especialistas”,
até uma nosologia psiquiátrica científica (Kendler, 1990).
Os conceitos de diagnóstico da esquizofrenia de Kraeplin,
Bleuler e Schneider, seguiram o princípio do grande professor.
Enquanto que as descrições detalhadas dos sintomas da
esquizofrenia fornecida por Kraeplin e Bleuler eram bastante
similares, cada um acabou por enfatizar aspectos totalmente
diferentes. Ambos descreveram as alucinações e os delírios,
posteriormente, referidos por Schneider como sintomas de 1ª ordem,
mas nenhum deles os considerou como sintomas patognomónicos da
9
esquizofrenia. Assim os três autores descreveram e enfatizaram
partes completamente diferentes da mesma doença.
As classificações DSM, anteriores à DSM-III, e as classificações
CID, anteriores ao CID-10, baseavam-se no princípio do consenso de
especialistas. Em 1960 este consenso era muito diferente na Europa e
nos Estados Unidos da América (EUA). O DSM-II (APA, 1968)
adoptou uma conceptualização mais “Bleuleriana” da esquizofrenia,
enquanto que o ICD-8 (WHO, 1967), baseou-se nos conceitos
“Schneiderianos”.
Quando foram comparados os conceitos de diagnóstico entre o
reino Unido e os EUA, nas décadas de 60 e 70, ficou evidente que os
psiquiatras americanos diagnosticavam a esquizofrenia com mais
frequência do que os seus colegas británicos que, por sua vez,
diagnosticavam com mais facilidade as perturbações do afecto (Leff,
1977).
Esta grande variabilidade nas práticas do diagnóstico da
esquizofrenia promoveu o desenvolvimento da nosologia cientifica na
psiquiatria (Kendler, 1990). Deste modo os conhecimentos científicos
disponíveis começaram a ser usados para desenvolver critérios de
diagnóstico, tendo sido desenvolvida a ICD-10 como a primeira
classificação europeia fornecedora de critérios de diagnóstico
operacionais. A nosologia científica pretende a máxima fidelidade e
validade dos critérios de diagnóstico e por isso, os critérios de
diagnóstico mais usados para a investigação e prática clínica são os
do DSM-IV (APA, 1994) ou DSM-IV-TR (2000) e do ICD-10 (WHO.
1992).
No entanto, mesmo que exista uma convergência entre os
critérios destes diferentes sistemas, em termos de diagnósticos
clínicos, existem diferenças. A duração dos sintomas e as fronteiras 10
com outras psicoses variam entre estes sistemas. Hill et al. (1996),
por exemplo, não encontraram concordância entre os vários sistema
de diagnóstico quanto à medida esquizofrenia. A existência
demasiado importante dos sintomas de 1º ordem de Schneider em
diversos sistemas de diagnóstico é particularmente problemático, visto
que vários estudos demonstraram que eles não são patognomónicos
da doença, e existem em muitas outras perturbações (Carpenter et al.,
1973; Cuesta & Peralta, 1996).
Contudo, alterações radicais nos critérios de diagnóstico
causarão sempre problemas na investigação, se os estudos a usarem
os novos critérios, não forem comparáveis com dados anteriores.
Deste modo, existe um “conservadorismo progressivo” no
desenvolvimento das actualizações dos sistemas de diagnóstico mais
usados (Andreasen, 1994).
1.2 Os sintomas da esquizofrenia
A esquizofrenia é uma perturbação heterogénea do ponto de
vista clínico. O curso e a sintomatologia são altamente variáveis,
sendo provavelmente uma das razões para a variabilidade encontrada
nos estudos sobre os resultados do tratamento, etiologia e a
patofisiologia.
Esta heterogeneidade conduziu a um aumento no interesse em
definir grupos específicos de sintomas ou domínios psicopatológicos a
poderem ser utilizados para identificar pacientes com um quadro
clínico mais homogéneo e com uma base etiológica mais homogénea
(Rotakonda et al., 1998).
11
A primeira classificação amplamente usada sobre os domínios
sintomatológicos foi a subdivisão em sintomas positivos e negativos.
Estes conceitos foram produzidos por Hughlings-Jackson, que
consideravam os sintomas positivos psicóticos como uma
exacerbação do funcionamento normal, isto é, um fenómeno de
libertação causado pela ausência de influências inibitórias ou
reguladoras, enquanto que os sintomas negativos eram considerados
como um simples perda de funcionamento.
As alucinações, os delírios, o discurso, o comportamento
desorganizado bem como os sintomas catatónicos, foram
considerados como sintomas positivos, enquanto que a anedonia, a
avolição, a pobreza do discurso e o embotamento afectivo foram
agrupados nos sintomas negativos (Andreasen, 1982; Andreasen,
1995). Esta dicotomia (sintomas positivos versus sintomas negativos)
foi amplamente usada na investigação e prática clínica, de tal maneira
que foram desenvolvidos várias escalas de avaliação destes sintomas
(Andreasen, 1982; Fenton & McGlashan, 1992).
Os sintomas negativos foram relacionados com um
funcionamento pré-morbido pobre, de início insidioso, com
incapacidade intelectual e mau prognóstico, enquanto que a relação
entre os sintomas positivos e o prognóstico foi menos esclarecedor.
(Crow, 1985). Os sintomas negativos também foram associados com
alterações cerebrais estruturais e défices neuropsicológicos
(Andreasen et al. 1990; Andreasen, 1995).
Foram sugeridas a partir desta dicotomia várias classificações.
Andreasen & Olsen (1982) subdividiram a esquizofrenia em três
subtipos: positiva, negativa e mista. Esta subtipificação era baseada,
respectivamente, na proeminência dos sintomas positivos, negativos
ou de ambos. Estes autores concluiram que ao serem comparados 12
com os outros dois, os pacientes com esquizofrenia negativa tinham
uma adaptação pré-mórbida e um funcionamento cognitivo mais pobre
(Andreasen et al., 1990).
Crow (1985), sugeriu que haviam dois sindromas na
esquizofrenia, reflectindo, cada um, diferentes psicopatologias: Tipo I
causado pelo aumento dos receptores de dopamina D2, sendo
caracterizado por sintomas positivos, boa resposta ao tratamento
neuroléptico, bom prognóstico e ausência de défices cognitivos; Tipo
II, causado pela perda celular nas estruturas do lobo temporal, e
caracterizado por sintomas negativos, aumento dos ventrículos
cerebrais, má resposta ao tratamento com neurolépticos, défices
cognitivos. Ainda, segundo Crow (1985), os subtipos assim definidos
partilhavam de uma etiologia comum, sendo que o tipo I reflectia o
componente neuroquímico, enquanto que o tipo II reflectia o
componente estrutural.
Carpenter et al. (1998), enfatizaram a distinção entre sintomas
negativos primários e secundários. Os sintomas negativos
secundários eram sintomas negativos causados, entre outros, pelo
efeito de abuso de substâncias, depressão, ou ausência de
estimulação social. Este tipo de sintomas, normalmente remitiriam
quando os factores a eles associados eram modificados. Por outro
lado, os sintomas primários reagiriam mal à mudança de estados e
raramente remitiriam na sua totalidade.
Os sintomas negativos deveriam ser somente usados com
intuitos descritivos sem implicações relativamente às causas ou
duração da doença, enquanto que os sintomas negativos primários,
sendo constantes no tempo, deveriam ser apelidados de “sintomas
deficitários” (Carpenter et al., 1998). O síndroma que apresenta os
sintomas deficitários, deveria, por sua vez ser apelidada de 13
“esquizofrenia deficitária”, sendo esta caracterizada pela existência de
sintomas negativos duradoiros, mau prognóstico e ser muito mais
prevalecente nos doentes do sexo masculino (Carpenter et al., 1998).
A classificação dos sintomas positivos e negativos não foi
sempre esclarecedora. Deste modo, para tentarem resolver os
problemas de classificação, alguns investigadores aplicaram técnicas
de análise factorial em amostras com esquizofrénicos e encontraram,
de forma consistente, que a inter-relação entre os sintomas da
esquizofrenia seria melhor explicada, usando três dimensões: positiva
ou psicótica, negativa e sintomas desorganizados (Andreasen et al.,
1995). Os sintomas desorganizados consistiriam no discurso
desorganizado, afecto inapropriado e comportamento bizarro. Estas
dimensões foram estudadas num estudo longitudinal, tendo-se
verificado que os sintomas dentro de cada dimensão tendiam a mudar
em uníssono e, por outro lado, os sintomas de cada dimensão
mudavam independentemente dos sintomas das outras dimensões
(Arndt et al., 1995).
Os sintomas desorganizados estavam associados com o
aumento de risco das perturbações psicóticas não afectivas em
familiares de primeiro grau (Cardno et al. 1999). Os sintomas
negativos continuavam a associar-se à má inserção social. Robinson
et al. (1999) demonstram, a partir de um estudo longitudinal, que a
gravidade dos sintomas primários se relacionava com a má resposta
ao tratamento, enquanto nenhuma das outras duas dimensões se
relacionava com a taxa de recaídas.
Estas três dimensões não são únicas da esquizofrenia, tendo
sido encontradas noutras perturbações psicóticas. A associação entre
estas dimensões sintomatológicas e variáveis clínicas é independente
do diagnóstico. Pode ser que estas dimensões ou domínios 14
psicopatológicos, reflictam condições patofisiológicas discretas, sendo
que a investigação sobre a etiologia desta doença poderá beneficiar
da inclusão destas dimensões na identificação dos grupos em estudo
(Serretti et al., 1996).
1.3 Epidemiologia
A prevalência da esquizofrenia é determinada a partir de um
número total de casos vivos, com sintomas psicóticos actuais ou
prévios, divididos pelo tamanho da população (Zanher et al. 1995).
A generalidade da comunidade científica aceita que a prevalência da
esquizofrenia é, aproximadamente, 1% no mundo inteiro (Schultz &
Andersson, 1999). Contudo, Torrey (1987), numa meta-análise,
reportou uma variação entre 0,3 por 1000 até 17 por 1000. Estudos
mais recentes, usando entrevistas estruturadas e os critérios do DSM-
III, referiam prevalências consideravelmente mais baixas do que 1%,
tendo o ponto de prevalência variado entre 0,3 a 0,48% (Jeffery et al.
2001).
A prevalência de uma doença é proporcional à frequência do
desenvolvimento de novos casos, caso o número de saídas e
entradas nessa população seja estável (Zahner et al., 1995). As
diferenças nas prevalências de países diferentes pode ser devida a
padrões migratórios específicos.
Deste modo, as taxas de incidência são epidemiológicamente
mais informativas do que a prevalência. O “Worl Health Organization
Ten Country Study” tem sido a tentativa melhor sistematizada, para
estudar epidemiologia da esquizofrenia, nos diferentes países. Neste
15
estudo, a incidência medida em dez países, em populações com
idades compreendidas entre os 15 e os 54 anos, variava entre 1,6 a
4,2 por 10000 pessoas por ano, sendo que as diferenças não foram
estatisticamente significativas. Este estudo sugeria ainda que a
incidência da esquizofrenia é similar em todo o mundo (Jablensky et
al., 1992).
Todavia, em estudos sobre a incidência entre emigrantes,
verificou-se que a incidência da esquizofrenia é bastante mais alta do
que os valores acima indicados. Um estudo que espelhava este facto
foi o desenvolvido por Seltan et al. (2003) na Holanda, visto que, o
risco de esquizofrenia é aproximadamente quatro vezes superior em
emigrantes Surinamenses em relação ao resto da população.
1.4 Curso, evolução e défices neuro-cognitivos
O curso da esquizofrenia pode ser divido em quatro fases. A
fase pré-mórbida que se refere ao nível de funcionamento
psicossocial anterior a qualquer evidência da doença. A fase
prodromica que é anterior ao início da sintomatologia psicótica,
existindo já alguns indícios de sintomas psiquiátricos. A fase do
primeiro surto psicótico que se refere ao início formal da doença, isto
os primeiros sinais e sintomas característicos da doença e a fase de
evolução, onde a deterioração clinica ocorre (este processo pode
começar na fase prodromica) (Jarskog et al., 1998).
Relativamente à fase pré-mórbida, foram identificados vários
antecedentes pré-mórbidos à esquizofrenia. Nos antecedentes mais
precoces estão incluídos as complicações obstétricas, baixo peso à
16
nascença, anomalias neurológicas e separação parental. Nos mais
tardios estão incluídas as variáveis comportamentais e da
personalidade. Os pacientes identificam retrospectivamente que eram
ansiosos, passivos, estranhos, e tímidos (Jarskog et al., 1998).
Também existem referências bibliográficas que afirmam, que
certas dimensões da personalidade podem moldar a expressão
sintomatológica da esquizofrenia, sendo que por exemplo, as
dimensões premórbidas da personalidade sociopáticas e passivo-
agressivas estão relacionadas estão relacionadas positivamente com
a expressão de comportamentos hostis e pensamentos suspiciosos, e
que as dimensões pré-mórbidas da personalidade esquizóides é um
factor de risco para um alto nível de sintomatologia negativa no início
da esquizofrenia (Cuesta et al., 2002). Os défices neuro-cognitivos
também são considerados como precursores da doença (Jarskog et
al., 1998). De notar, contudo que nenhuma destas variáveis é
considerada como sintoma patognomónico da doença.
Na fase prodromica existem sintomas que indiciam o inicio da
doença. Estes sintomas podem ser o humor depressivo, ansiedade,
irritabilidade, suspeição, ideias de referencia, embotamento afectivo,
retirada social, perturbação do sono entre outros. Também nenhum
destes sintomas é patognomónico da doença.
A seguir à fase prodromica surgem, normalmente a meio da
segunda década ou início da terceira década de vida os primeiros
sintomas formais da doença. Estes sintomas surgem abruptamente e
duram em média, nos homens, durante 52 semanas (Liberman et al.,
1993). Após a fase aguda a maioria dos pacientes recupera dos
sintomas positivos totalmente ou parcialmente.
Na fase progressa à remissão dos primeiros sintomas, a maioria
dos pacientes tem uma ou mais recaídas, sendo que, normalmente, o 17
nível de funcionamento anterior ao primeiro episódio psicótico nunca é
atingido. A partir deste processo de recaídas e remissões os
pacientes acumulam níveis mórbidos na forma de sintomas negativos
e atingem baixos níveis de funcionamento psicossocial. Contudo
parece que a fase de recaídas e remissões intermitentes dura cerca
de 5 a 10 anos, sendo que o nível de funcionamento psicossocial
estabiliza, mesmo com novas exacerbações da sintomatologia
(Liberman et al., 1993).
Um dos sinais (ou sintomas?) que surge após o início da doença
são os défices neuro-cognitivos (alguns autores afirmam que esses
défices já existem na fase prodromica ou mesmo pré-mórbida). Os
défices são de certa forma similares aos dos pacientes com lesões
cerebrais inespecíficas. O Q.I. avaliado pela Wechsler Adult
Intelligence Scale (W.A.I.S.) é em média dez valores inferior ao
normal (Nelson et al. 1993). Para além deste défice geral existem
evidências que existem défices específicos tais como a memória
(principalmente a memória imediata ou de trabalho), a aprendizagem
verbal, em tarefas cognitivas que envolvam formação de conceitos e
raciocínio social e moral e a atenção e concentração (Saykin et al,
1991; Bryson et al., 2002). Estes défices estão relacionados com o
mau prognóstico da doença (Dyckson & Coursey, 2003).
Na esquizofrenia pensa-se que a existe um viés no
processamento de informação que não permite uma adequada
cognição social. Partindo deste pressuposto surgiram modelos que
propõem a existência défices das competências sociais nos
esquizofrénicos. Estes modelos na sua generalidade, explicam que a
eficácia e o funcionamento social requer a integração harmoniosa de
um conjunto complexo de componentes comportamentais, sendo que
o desempenho eficaz destes comportamentos depende, por sua vez, 18
de uma percepção social e de um conjunto de competências
cognitivas adequadas. Deste modo a existência de défices cognitivos
na esquizofrenia poderão explicar os défices no funcionamento social
(ou competências sociais) que os esquizofrénicos apresentam durante
a sua doença. Esta associação poderá ser um preditor importante da
evolução da esquizofrenia . Para além deste facto, Norman & Mallan
(1993), encontraram uma relação estatisticamente significativa entre o
nível de stress e a gravidade de sintomatologia, sugerindo que os
esquizofrénicos reagiriam de forma mais aversiva aos acontecimentos
de vida comuns em comparação à população em geral.
19
Capítulo II
Violência
2.1 Os conceitos
A agressão e a violência são temas complexos de estudar.
Entendendo a agressão em sentido amplo, desde da simples
irascibilidade numa discussão entre dois automobilistas até um
confronto bélico, percebe-se que a compreensão e o controlo do
comportamento agressivo torna-se num dos problemas mais
importantes da sociedade. Devido à sua ubiquidade e consequências
sociais há uma necessidade de compreender melhor e controlar, se
possível, o comportamento agressivo.
É difícil distinguir conceitos como a agressão, comportamentos
agressivos e violência, visto que eles encontram-se interligados quer a
nível semântico quer em vários outros níveis.
Tal como acontece em todos os comportamentos emocionais ou
suscitados por emoções, esta depende de múltiplos factores: o tipo de
estímulo, o contexto em que ocorre, estado hormonal do organismo, a
experiência prévia e traços da personalidade do sujeito, entre muitos
outros factores.
Deste modo deve-se aludir, isso sim, a vários tipos de agressão
que diferem não só nos estímulos desencadeantes como também nas
formas comportamentais que os constituem, o objecto a que estão 20
dirigidos, aos processos cognitivos e provavelmente mecanismos
neuro-endócrinos adjacentes que os possibilitam, favorecem ou
inibem. Uma outra dificuldade surge na conceptualização da agressão
quando adicionamos o carácter intencional do comportamento
agressivo. Causar dano a outros ou objectos sem intenção não é
considerada agressão. Somente o é quando existe a intenção de
produzir prejuízo. No ser humano pode-se conjecturar que existe uma
intenção, pela conduta verbal, antecedentes, consequências, indícios
e contexto em que ocorre a situação. Nos animais ignora-se ou infere-
se tal intencionalidade.
Posto isto, podemos afirmar que a agressão, para os etólogos e
biólogos, é concebida como uma forma normal de comportamento
social que sendo partilhada também por outros animais (um instinto
fundamental do Ser Vivo), enquanto que para outros cientistas ela é
uma intenção de infligir “mal”, seja na forma de lesão física ou
psicológica, e está dependente de valores e contextos sociais e
pessoais, uma vez que se refere a uma perspectiva de um observador
em concreto (Vieira, 2000), sendo que não se deve confundir com
violência, dado esta disposição estar relacionada com uma forma
destrutiva do comportamento na relação interpessoal.
De uma forma geral pode-se definir a agressão humana como
qualquer comportamento direccionado a outro indivíduo com a
intenção imediata de causar dano, sendo que o agressor deve
acreditar que o comportamento vai causar dano ao alvo (agredido) e o
alvo está motivado em evitar o comportamento (Bushman &
Anderson, 2001).
No que diz respeito à violência ou (comportamento violento),
opina-se que ela se liga ao uso da força física contra outra pessoa,
impelida por motivação agressiva, sendo um meio directo e extremo 21
dessa força que, sendo descomedida, resultará em dano, destruição
ou abuso. Deste modo é a expressão manifesta, viva e principalmente
física, da agressão (Vieira, 2000).
Em suma e para operacionalizar o conceito, a violência será,
para efeitos deste estudo, o dano real (físico ou psicológico), tentado
ou ameaçado, a uma pessoa ou a pessoas. Neste contexto, também
será considerada como violência as ameaças de dano, desde que
claras e inequívocas, o que não acontece com vagas declarações de
hostilidade. Pelo contrário, actos como insultar, ameaças de danos
simples, tocar em outras pessoas, ou comportamentos dirigidos contra
animais, não constituem violência para efeitos operacionais de risco
num âmbito genérico, desde que não sejam cometidos
especificamente como actos preparatórios (deliberadamente
processados como meta prévia ou parcial) para induzir medo em
alguém (Webster et al., 1997).
2.2. Tipos de agressão
Como já pudemos constatar, devido à impossibilidade de medir
a intencionalidade da agressão nos animais, tem-se como princípio
dividir a agressão animal da humana.
Relativamente à agressão nos animais é habitual partir da
classificação de Moyer (1976), que se baseia nas circunstâncias que
desencadeiam o comportamento agressivo. Este autor identificou os
seguintes tipos de agressão:
22
1. Ataque predatório – é o comportamento que dirige o animal
contra a sua presa natural, pertencente a outra espécie. Trata-
se de um comportamento organizado em que concorre a fome e
a presença da presa. É a forma de agressão interespecífica
mais frequente;
2. Agressão entre os machos ou Competitiva – surge nos roedores
como o ataque de um macho a outro macho da mesma espécie,
sem nenhum tipo de provocação aparente;
3. Agressão defensiva – é suscitada pelo ataque de outro membro
da mesma espécie ou de outra, numa situação sem
possibilidade de fuga;
4. Defesa territorial – é semelhante à agressão entre os machos e
é desencadeada pela intrusão no território de outro macho
estranho;
5. Agressão irritável – é induzida pela frustração ou dor, exista ou
não possibilidade de escape. Trata-se de uma agressão directa
cujo objecto pode ser muito variado. Encontra-se acompanhada
de fortes reacções vegetativas, tais como a taquicardia,
dilatação das pupilas etc.;
6. Agressão parental ou maternal – dirige-se contra os intrusos que
atacam as crias e surge em defesa do ninho. É típica dos
mamíferos, não existindo nos répteis;
7. Agressão instrumental – deve-se à aprendizagem e resulta do
reforço do comportamento agressivo. Os comportamentos
agressivos podem ser recompensados, aumentando
consequentemente a sua probabilidade de ocorrência;
8. Agressão associada ao sexo – é provocada pelo mesmo
estímulo que suscita o comportamento sexual. Quanto maior é a
23
activação ou excitação sexual do animal, mais agressivo este se
torna.
Algumas destas formas de agressão sugeridas por Moyer (1976)
podem ser agrupadas em categorias básicas da agressão, sendo que
mais recentemente Carlson (1993) distingue-as por:
1. Comportamento ofensivo – considerados os ataques físicos de
um animal a outro;
2. Comportamento defensivo - definem-se como comportamentos
que o animal tem quando responde a um ataque;
3. Comportamentos predatórios – quando se dá um ataque a um
membro de outra espécie que serve de alimento ao que animal
que ataca.
Existem grandes semelhanças entre o comportamento ofensivo
do defensivo, visto que ambos são acompanhados por intensas
reacções do tipo simpático, pelo que alguns autores, nomeiam-nos
como comportamentos afectivos
No ser humano a agressão é constituída por muitos
comportamentos diferentes e variados: motores, verbais e escritos. O
critério de classificação não é muito claro e muitas das vezes os
ataques intencionais não se consideram socialmente agressivos, já
que a sua origem é de carácter defensivo.
Contudo, Zillman (1989) distingue dois tipos básicos de
agressão no ser humano:
24
1. Agressão instrumental – refere-se àquela que é motivada por
um incentivo. Há um baixo nível de activação vegetativa e
cortical e não existe agitação emocional. O sujeito espera obter
controlo sobre bens que outros não cedem voluntariamente. Por
vezes pode haver premeditação. Esta forma de agressão está
associada aos psicopatas primários (Gonçalves, 1999) e pode-
se comparar com o ataque predatório dos animais;
2. Agressão Hostil – é motivada pela raiva, não é planeada e é
impulsiva. Também pode ser chamada de agressão afectiva,
impulsiva ou reactiva. O indivíduo procura com o ataque reduzir
ou terminar a experiência nociva, atacando os agentes e
condições que ele considera responsáveis pela situação. É um
ataque espontâneo, acompanhado de uma grande agitação,
com mudanças vegetativas e esqueléticas intensas, podendo
ser comparado com o ataque afectivo dos animais.
Apesar das semelhanças entre agressão animal e humana
deve-se sublinhar o carácter variado e complexo do comportamento
agressivo no ser humano e o seu carácter multifactorial, dependendo
de contingências distintas que facilitam ou inibem o seu
desencadeamento.
2.3. Alguns modelos psico-biológicos da agressividade humana
Desde de Freud que existem teorias e modelos explicativos para
a agressividade humana. Durante os anos foram sendo formuladas 25
várias teorias que se baseiam no processo de aprendizagem, que em
nosso entender são mais úteis no sentido da compreensão,
tratamento e prevenção da violência.
A teoria cognitiva neo-associonista (TCNA), foi proposta por
Berkowitz (1981, 1990, 1993). Esta teoria afirma que os eventos
desagradáveis, tais como as frustrações, provocações, temperaturas
desconfortáveis e odores desagradáveis produzem afectos negativos.
Os afectos negativos estimulam automaticamente vários pensamentos
e memórias e respostas fisiológicas que conduzem ao comportamento
de fuga ou de luta. As associações dos afectos ao comportamento de
luta provocariam sentimentos rudimentares de raiva, enquanto que as
associações à fuga provocam sentimentos rudimentares de medo. A
TCNA afirma então, que os sentimentos provocados durante um
evento aversivo tornar-se-iam associadas a esse evento, através de
pensamentos agressivos, emoções e comportamentos que por sua
vez estão todos ligados à memória.
Os processos cognitivos superiores (avaliação e atribuição)
também são importantes para explicar a agressão. Se uma pessoas
está motivada para algo, ela pode pensar sobre o que sente, fazer
atribuições causais sobre a razão que a levou a sentir daquele modo
considerando posteriormente as consequências de agir. Estes
pensamentos deliberados podem diferenciar mais claramente os
sentimentos de raiva, medo ou de ambos, podendo desta forma
suprimir ou elevar as tendências à acção associados a esses
sentimentos. A TCNA assume a hipótese anterior da frustração-
agressão (Dollard et al., 1939), como também fornece uma explicação
para a relação dos eventos aversivos e o aumento de inclinações
agressivas (Berkowitz, 1989), sendo particularmente importante para
explicar a agressão hostil.26
De acordo com Teoria da Aprendizagem Social (Bandura, 1983,
2001), as pessoas adquirem respostas agressivas da mesma forma
que adquirem outras formas complexas do comportamento social, isto
é, por experiência directa ou observando os outros. Esta teoria explica
a aquisição de comportamentos agressivos através do processo de
aprendizagem observacional e fornece um número de conceitos úteis
tais como crenças e expectativas, que guiam o comportamento social.
A forma como desenvolvemos e mudamos as nossas crenças assim
como construímos o nosso mundo social são importantes para
compreendermos a aquisição de comportamentos agressivos e
explicar a agressão instrumental.
Uma teoria que tenta integrar todas as teorias mais recentes
sobre a agressão humana é Modelo Geral da Agressão (MGA)
(Anderson et al., 1995). Este modelo baseia-se nos novos conceitos
de estruturas do conhecimento (Bargh, 1996). As características das
estruturas do conhecimento podem ser descritas da seguinte forma:
desenvolvem-se a partir da experiência; influenciam a percepção a
vários níveis; podem-se tornar automáticas com o uso; podem conter,
ou estar ligadas, a estados afectivos, programas comportamentais e
crenças e; são usadas para fazer interpretações e respostas
comportamentais das pessoas no seu meio físico e social. Os três
subtipos mais relevantes de estruturas do conhecimento são:
esquemas perceptivos que são usados para identificar fenómenos
simples (e.g. cadeira) ou eventos sociais complexos (e.g. insultos);
esquemas pessoais, que incluem crenças acerca de uma pessoa em
particular ou grupo e; guiões (scripts) comportamentais que contêm
informações de como a pessoa se deve comportar nas mais variadas
circunstâncias.
27
O MGA foca a pessoa na situação ou no episódio. A figura 1
apresenta uma versão simplificada do modelo. Os três principais
temas do modelo são os inputs pessoais e situacionais; as vias
afectivas, cognitivas e de activação fisiológica que os inputs
influenciam e; os resultados comportamentais após a avaliação e
processo de decisão subjacentes aos passos anteriores.
Inputs
Vias
Resultados
Figura 1. Modelo geral da Agressão
Este modelo é bastante completo, sendo que para efeitos deste
estudo focaremos essencialmente os factores pessoais. Os factores
pessoais são todas as características que a uma pessoa transporta
para determinada situação, tais como os traços de personalidade,
atitudes e predisposições genéticas. As pessoas estáveis são aquelas
que apresentam consistência ao longo do tempo e/ou das situações.
A consistência resulta largamente do uso consistente que uma pessoa
faz dos esquemas, guiões e outras estruturas do conhecimento
(Mischel, 1999). Neste sentido a personalidade é a soma de
estruturas do conhecimento de uma dada pessoa. As estruturas do
conhecimento também influenciam as situações que a pessoa irá
seleccionar e evitar, contribuindo para a consistência dos traços da
28
Pessoais
Situacional
Estado Interno PresenteAfecto
CogniçãoActivação
Avaliação e Processo de
Comp. Reflectido
Comp. Impulsivo
Encontro
personalidade. Desta forma, os factores pessoais definem a
predisposição de um indivíduo para a agressão.
Existem vários estudos que evidenciam que certos traços da
personalidade predispõem os indivíduos a altos níveis de
agressividade. Por exemplo certos tipos de pessoas que agridem os
outros fazem-no em grande parte devido à susceptibilidade perante as
atribuições e percepções hostis e expectativas desajustadas (Dill et
al., 1997). Por outro lado, estudos recentes revelaram que um auto-
conceito grandioso é causador de altos níveis de agressividade,
principalmente em indivíduos com um auto-conceito instável
(narcísico). Estes indivíduos são extremamente agressivos quando o
seu auto-conceito grandioso é de ameaçado de qualquer forma
(Bushman & Baumeister, 1998).
Para além dos traços de personalidade as crenças também
propiciam a agressão. Aqueles que têm a crença de que podem
executar comportamentos agressivos com sucesso (auto-eficácia) e
que estes comportamentos produzem os resultados desejados, têm
uma maior probabilidade de terem comportamentos agressivos do que
os que não têm esses tipos de crenças. Os valores (morais e outros)
são crenças específicas acerca daquilo que devemos fazer ou não,
sendo que por exemplo em grupos de delinquentes (gangs) a
violência resulta a partir de códigos de honra e respeito pessoal
(Baumeister & Boden, 1998). Finalmente os guiões (o papel e
personagem) que uma pessoa utiliza numa situação social, estão
relacionados com a propensão agressiva dessa pessoa (Bushman &
Huesman, 2001).
Os factores sociais incluem as características mais importantes
de uma situação que propicia a agressão, tais como as provocações e
os indícios ou pistas agressivas. Quanto às pistas agressivas 29
podemos referir que a mera presença de armas (ao invés de raquetes
de badminton) aumenta a probabilidade de comportamentos violentos
em sujeitos irascíveis (Carlson et al., 1990). A provocação
interpessoal é provavelmente a causa individual mais importante para
explicar a agressão humana. As provocações incluem insultos (reais
ou imaginados) ou outras formas de agressão verbal, agressão física
e interferências na tentativa de obter um objectivo considerado pelo
indivíduo como importante (Baron, 1999). A frustração, a dor, o
desconforto, as drogas e os incentivos, também são factores
situacionais que podem propiciar comportamentos agresivos.
Como podemos ver na figura 1, os factores pessoais e
situacionais influenciam a agressão alterando o estado interno
(cognições, afectos e activação fisiológica). Por exemplo os traços de
personalidade que evidenciam hostilidade e a exposição a cenas
violentas influenciam interactivamente o acesso a pensamentos,
afectos e comportamentos agressivos (Bushman, 1995).
Os resultados comportamentais são gerados através de
processamento de informação, que vão desde os automáticos até aos
extremamente controlados/conscientes. Os inputs influenciam os
processos de avaliação e de decisão através dos seus efeitos nas
cognições, afectos e activação cortical (fig.1).
De uma forma muito simplista pode-se dizer que a história
pessoal de aprendizagem (personalidade) e as características da
situação vão definir o tipo de comportamento (agressivo ou não),
através do acesso às estruturas do conhecimento individuais (estado
interno actual) que influenciam por sua vez o tipo de processos de
avaliação e de decisão (automática e impulsiva ou reavaliação e
pensada). Por exemplo se uma pessoa com traços de personalidade
narcísicos numa situação social com determinadas características (eg. 30
consumo álcool), leva um “encontrão” de outra pessoa pode inferir
que esse facto foi agressivo (através de pensamentos automáticos e
uso de afectos primários) e por conseguinte ter um comportamento
impulsivo agressivo.
Este modelo ao focar o estado interno actual não descura a
importância que o passado e o presente na explicação da agressão
humana. O passado é representado através da aprendizagem que a
pessoa transporta ao episódio presente (i.e. estruturas de
conhecimento aprendidas – personalidade) e o futuro é representado
pelos planos, expectativas e objectos futuros que estão incluídos tanto
na personalidade como no estado interno actual).
Feldman (1977) propõe um modelo psico-social mais específico,
para explicar comportamentos delinquentes, que em nosso entender
encaixa no MGA. Este modelo inclui as disposições genéticas, a
aprendizagem e a rotulação social. Para além da predisposição
individual e aprendizagem, o processo social de rotulação teria
importância na manutenção da conduta delituosa. Segundo a Teoria
da Rotulação (Rubington et. Weinberg, 1987), o delinquente teria uma
progressiva identificação ao rótulo de desviante, desde os seus
primeiros insucessos escolares até eventuais problemas laborais e
sociais da vida adulta. Ainda segundo este autor as variáveis da
aprendizagem eram as que maior influência criminogénica
exerceriam, quer ao nível da aquisição quer da realização, quer
finalmente da manutenção do comportamento criminoso. No entanto
existiriam predisposições individuais (traços da personalidade) que
exerceriam um impacto sobre a etapa de aquisição de
comportamentos enquanto que as variáveis relacionadas com a
rotulação afectam predominantemente a manutenção da conduta.31
A aprendizagem, segundo Feldam, pode influenciar o sujeito de
dois modos: por um lado, podemos aprender a não delinquir devido ao
efeito de socialização, cujo poder restritivo é mantido à custa das
consequências positivas derivadas do cumprimento das normas e às
punições ocorridas quando transgredimos e, por outro, a
aprendizagem da delinquência pode surgir por via da modelagem e do
reforço vicariante e, naturalmente, por recompensas provenientes das
próprias actividades delituosas, a ajudarem à manutenção do
comportamento desviante.
Para além destas variáveis, Feldman inclui a variável cognitiva,
afirmando que as estratégias de dissonância cognitiva permitem a
redução ou eliminação das discrepâncias internas entre
comportamentos anteriores e actuais, nomeadamente, as
consequências aversivas que os comportamentos violentos têm sobre
as vítimas (e.g. ela era doente ainda bem que eu a matei). Este tipo
de estratégia poderá conduzir o indivíduo a um sistema de auto-
legitimação dos seus comportamentos violentos.
2.4. Outros modelos da agressão
Para além dos modelos teóricos psicológicos que tentam
explicar a agressão, existem outros modelos que se baseiam
sobretudo em correlatos neurofisiológicos e modelos experimentais.
A ubuquidade do comportamento agressivo produz numerosos
exemplos susceptíveis de serem estudados em laboratório, com o
intuito de melhor compreender os mecanismos biológicos da
agressão, sendo desta feita elaborados modelos experimentais do
32
estudo da agressão. A complexidade do comportamento agressivo
exige a selecção de modelos simples, bem conhecidos e fáceis de
estudar em condições experimentais controladas.
Frequentemente o investigador utiliza técnicas etológicas de
observação e categorização para melhor estudar o comportamento
agressivo. A utilização de técnicas etológicas requer que o animal se
encontre em situações o mais similares possível com o seu meio
natural. Benton (1981) sublinhava que as vantagens dos estudos
naturalistas são a melhor compreensão e interpretação do
comportamento resultante já que o comportamento depende, de forma
determinante, de estímulos específicos ligados à sobrevivência da
espécie.
Assim pudemos referir que normalmente são aplicados quatro tipos de
modelos experimentais:
1. Agressão provocada por estímulos dolorosos – quando numa
jaula dois animais recebem uma descarga eléctrica forte,
atacando-se violentamente entre sí. Contudo este facto não
acontece em todas as situações, sendo somente induzida a
partir de uma posição particular do animal agredido;
2. Agressão por retirada de reforço – quando um animal realiza
uma tarefa com elevadas taxas de reforço, a sua retirada
provoca um disparo do comportamento agressivo;
3. Agressão entre machos devido a isolamento – o animal criado
em isolamento, durante umas semanas, por exemplo, ataca
outros animais machos desconhecidos da sua própria espécie.
Este facto parece estar relacionado com a testosterona e
endorfinas cerebrais e é conduzida pela via olfactiva. Após a
lesão da via olfactiva, o animal passa de agressor a agredido.
33
4. Conflito de dominância – dois animais são introduzidos frente a
frente num tubo de plástico cujo diâmetro somente permite a
passagem de um deles. Um animal terá de retroceder, perante a
agressividade do outro.
A investigação de modelos experimentais em humanos não
abunda, principalmente por razões éticas. Muitos autores investigam o
comportamento em participantes de desportos violentos e
competições desportivas, onde abundam as manifestações
agressivas. Outra forma de estudar a agressividade no ser humano é
através de provas psicológicas e questionários (Selva, 1995).
Os sistemas cerebrais implicados no desencadeamento dos
comportamentos agressivos estão organizados de forma hierárquica:
as actividades são reguladas ao nível mesencefálico, contudo existe
um controlo por parte do hipotálamo, que por sua vez é regido pelo
sistema límbico, e fundamentalmente pela amígdala (Carlson, 1993).
No ser humano existem regiões do sistema límbico implicadas no
comportamento agressivo. Os estudos que procederam de lesões
cirúrgicas, implantação de eléctrodos e observação de pacientes
(principalmente os epilépticos ou com síndromes orgânico-cerebrais).
Os tumores, lesões e crises epilépticas límbicas foram associados à
irritabilidade e comportamento violento. Os tumores que provocam
estes comportamentos são os que se localizam nos lóbulos temporal
e frontal, circunvalação cingular, região septal e hipotálamo anterior e
ventromedial.
Os doentes infectados com o vírus da raiva (que provoca lesões
no sistema límbico, especialmente nos lóbulos anteriores) denunciam
comportamentos violentos caracterizados por hiperagressividade,
34
hipersexualidade e ataques irracionais (Moyer, 1986). A lesão
bilateral, no ser humano, do córtex órbito-frontal , provoca o
aparecimento de comportamentos impulsivos e comportamentos de
violência, sendo estes factos uma porção de um síndrome, mais geral,
o da desinibição do comportamento (Damásio & Van Hoesen, 1983).
Não se encontrou nenhum neurotransmissor especificamente
associado à agressão. Dadas as características complexas e a
diversidade do comportamento agressivo é de supor que sistemas de
neurotransmissores diferentes intervêm no surgimento do
comportamento agressivo. Este comportamento correlaciona-se
positivamente com os metabolitos das catecolaminas e negativamente
com os metabolitos da serotonina (Valzelli, 1983). No ser humano, os
dados clínicos indiciam que um nível baixo de serotonina no líquido
cefalo-raquidiano é próprio de pacientes depressivos com
comportamentos suicidas, e altos níveis de impulsividade e psicopatia.
O álcool e outras substâncias psicoactivas também, potenciam a
agressão. Um dos efeitos destas substâncias, é a supressão de
mecanismos inibidores, situação que poderia diminuir o umbral do
comportamento agressivo. Valzelli (1983) por exemplo, relaciona este
facto com a deficiência da metabolização do trifosfato, e por
conseguinte com a carência da serotonina, no alcoólico crónico.
Por outro lado existem evidências de que o sistema neuro-
endócrino também se relaciona com os comportamentos violentos. A
administração de testosterona induz impulsos de raiva em pessoas
com historial agressivo e existem correlações entre os níveis de
testosterona e consumo de álcool por um lado e comportamentos
agressivos e personalidade anti-social, por outro (Valzelli, 1983). A
castração química provoca o desaparecimento ou diminuição dos
35
ataques agressivos, sendo que a administração de testosterona em
homens castrados conduz a uma reaparição do comportamento
violento.
A hereditariedade também desempenha um papel no fenómeno
da agressividade, principalmente se associados a factores ambientais.
Estudos entre gémeos mostram que a combinação dos efeitos da
hereditariedade e ambiente é maior em presos por delitos violentos do
que presos por delitos contra a propriedade. No que respeita às
anomalias cromossómicas associados a comportamentos agressivos,
a maior parte aparece em mosaicos cromossómicos que apresentam
também alterações ao nível dos órgãos sexuais e estruturas cerebrais
relacionadas com o comportamento sexual.
Em forma de síntese devemos dizer que a violência humana é
um tipo de agressão extremo e complexo. Os modelos da agressão
mais recentes poderão suprir alguns caminhos para a compreensão
deste comportamento e futura prevenção e tratamento de indivíduos
agressivos, tendo em conta que a violência surge devido a um
conjunto complexo de factores genéticos, psicológicos e ambientais
de difícil separação.
36
Capítulo III
Perturbações mentais e avaliação do risco de violência
3.1 Perturbações mentais e violência
Em estudos histórico-antropológicos, Monahan (1992), conclui
que a crença de que as doenças mentais estão associadas à violência
é historicamente constante e culturalmente universal. Essa percepção
pública tem consequências na prática social (estigma) contra
indivíduos portadores de doenças mentais, sendo que a
estigmatização do doente mental é o maior obstáculo para sua
reintegração social. Portanto, antes de aceitá-la devemos analisar
criticamente, em primeiro lugar se a associação existe de facto e, em
segundo, qual é a magnitude de seu efeito nos crimes violentos em
geral.
O conceito de Perturbação Mental deve antes do mais ser
esclarecido. A expressão doença mental, como tem sido usada nos
media, inclui todo e qualquer desvio do comportamento, desde abuso
de álcool e drogas até quadros psicóticos. Em senso estrito (e
correcto), devemos falar de doença mental quando nos referimos a
quadros definidos de alterações psíquicas qualitativas como, por
exemplo, a esquizofrenia, as doenças afectivas (antes chamadas de
psicose maníaco-depressiva) e outras psicoses. Por outro lado,
existem alterações quantitativas, como a deficiência mental e os
transtornos de personalidade, que representam "desvios extremos do
37
modo como o indivíduo médio, em uma dada cultura, percebe, pensa,
sente e, particularmente, se relaciona com os outros". Portanto, não
são doenças, mas extremos de um contínuo. Estes termos serão
usados neste sentido.
Num estudo epidemiológico na Alemanha, Haefner & Boeker
(1982) encontraram que não havia um excesso de doentes mentais
entre os criminosos violentos da década 1955-1964, quando
comparados com a população geral. Encontraram também que a
idade média do doente mental criminoso por ocasião do crime era 10
anos maior do que a do criminoso da população geral, sugerindo que
a doença mental, ao contrário, retardaria a expressão do
comportamento violento.
Seguiram-se inúmeros estudos sobre a associação entre as
perturbações mentais e a violência, incluindo a ampla investigação
coordenada pelo National Institute of Mental Health nos EUA
(Epidemiological Catchment Area – ECA, Swanson et al. 1997). Esses
estudos não encontraram uma associação, ou apenas uma
associação discreta, entre doença mental e o risco de cometer crimes
violentos. Entretanto, todos eles apontam para além do género,
estatuto sócio-económico e idade, dois outros factores
invariavelmente associados à violência: o abuso de substâncias
tóxicas (álcool e drogas) e a presença perturbações da personalidade
(principalmente a anti-social ou a psicopatia) assim. Os efeitos de
álcool e drogas não surpreendem, visto que, como já foi referido
anteriormente, ambos enfraquecem o auto-controle e propiciam o
comportamento violento. As características da perturbação da
personalidade anti-social já são, em si, predisponentes para
comportamentos contra a sociedade (DSM-IV-TR, 2000) e a
psicopatia também visto que implica características de personalidade 38
(e.g. ausência de remorsos ou sentimentos de culpa, ausência de
empatia) e comportamentais (impulsividde, delinquência juvenil).
(Hare, 1997).
Monahan e Appllebaum (2000), a partir do MacArthur Study fo
Risk Assessement, estimaram a prevalência de violência por
diagnóstico na comunidade de pacientes com alta hospitalar. Neste
estudo comparativo, a violência foi medida com intervalos de dez
semanas durante um ano, resultando as seguintes prevalências: 9%
para a esquizofrenia; 19% para a depressão; 15%, para a perturbação
bipolar; 17,2% para outras perturbações psicóticas, 29% para
perturbações relacionadas com abuso de substâncias e 25% para as
perturbações de personalidade. Neste momento é consensual que
entre todas as doenças mentais são os quadros psicóticos que mais
concorrem para o risco de violência (Vieira, 2000). No grupo das
perturbações mentais, para além dos quadros psicóticos, o abuso de
substâncias e as perturbações da personalidade são igualmente
importantes para o risco de violência.
Outros estudos indicam que a doença mental não está ligada ao
risco de violência, excepto quando em comorbilidade com o abuso de
substâncias ou perturbação de personalidade. O grupo de pesquisa
liderado por H. Steadman (1998), não encontrou diferenças na
prevalência da violência em doentes mentais sem abuso de
substâncias, comparados com a população geral. O risco de violência
em indivíduos da população geral com abuso de álcool ou drogas foi
duas vezes maior do que em pacientes psicóticos sem comorbilidade
com abuso de substâncias. Segundo J. W. Swanson et al. (1997),
coordenadores do ECA-Project, o risco de violência é potencializado
quando álcool e drogas coexistem num indivíduo portador de
perturbação mental, sendo que o maior risco para expressão de 39
violência ocorre na combinação de abuso de álcool/drogas com a
perturbação de personalidade anti-social. Um estudo mais recente
elaborado por Moran et. al. (2003) sugere que a comorbilidade de
quadros psicóticos com a perturbação da personalidade
(principalmente a anti-social) aumenta significativamente o risco de
violência.
Estes achados sugerem que a doença mental em senso estrito
contribui muito pouco para a ocorrência de crimes de violência. A
magnitude desta contribuição pode ser avaliada pelo estudo de maior
impacto sobre doença mental e crime, realizado na Dinamarca e
publicado por Hodgins et al. (1996). Os autores identificaram todos os
indivíduos nascidos entre 1944 e 1947 (360.000 indivíduos). Quando
esses indivíduos tinham 43 anos de idade, identificou-se através dos
registros centrais quais tinham um registro de internamentos em
hospitais psiquiátricos e quais tinham sido condenados por infracções
ao código penal. Comparou-se, então, a frequência e o tipo de crimes
cometidos entre os indivíduos com e sem internamento psiquiátrico,
assim como entre os diferentes diagnósticos psiquiátricos. Encontrou-
se uma frequência de crimes maior de violência em pacientes que
haviam sido hospitalizados do que em indivíduos sem internamentos
psiquiátricos. Os resultados para os homens, no período de 1978-
1990, foram os seguintes: Sem internamento psiquiátrico (1,5%);
Quadros psicóticos (6,7%); Deficiência mental (11,4%); Personalidade
anti-social (10,8%); Abuso de álcool (10%) e; Abuso de drogas (13%).
Assim, na Dinamarca, indivíduos que foram internados em
hospitais psiquiátricos por doença mental têm um risco 4,5 vezes
maior de praticar um crime violentos do que indivíduos sem
internamento. Os riscos para outras perturbações aumentam até 8,5
40
vezes em pessoas com abuso de drogas. Fica claro que álcool e
drogas, contribuem mais para a violência que as doenças mentais.
Entretanto, estes dados são superestimados, visto que na
Dinamarca, existe uma assistência psiquiátrica exemplar. Todo
cidadão tem acesso gratuito a medicamentos e a tratamento
psiquiátrico numa rede de serviços complementares abertos, como
ambulatórios, centros de reabilitação, trabalho protegido e residências
comunitários. Isso possibilita que a maioria dos pacientes passe a
maior parte de suas vidas fora do hospital. O internamento fica
reservado apenas para os casos mais graves, difíceis de serem
tratados nos serviços complementares. J. Monahan e H.J. Steadman
(1983) mostraram que os pacientes com um comportamento
agressivo terão uma probabilidade maior de serem hospitalizados do
que os pacientes não-agressivos, com sintomas semelhantes.
Portanto, o critério de selecção para o estudo na Dinamarca,
baseado em registos de internamento hospitalar, já seleccionou, à
priori, uma amostra de pacientes mais agressivos do que a média dos
doentes mentais, resultando numa estatística inflacionada do número
de crimes de violência. Mesmo com essas reservas metodológicas, os
resultados deste estudo demonstram que a grande maioria dos
doentes mentais na Dinamarca (no mínimo 93%) não é violenta
(Hodgins e tal. 1996).
Como podemos constar, estudar a relação entre doença mental
e violência não é um objectivo simples e toda a investigação nesta
área sofre de problemas metodológicos que resultam em conclusões
apenas hipotéticas (Viera, 2000). Monahan e Steadman (1998),
relativamente ao problema de representatividade, falam da distinção
epidemiológica entre prevalência “verdadeira” e “tratada”. Estes
autores referem a diferença da prevalência “tratada” que seria taxa de 41
prevalência dos pacientes que recebem os cuidados de saúde nos
serviços, e a taxa verdadeira dos doentes mentais na comunidade.
Por exemplo existem evidências que o risco de violência é maior
antes e durante o internamento quando os sintomas são mais activos.
Mas passado um ano após o internamento o risco diminui ao ponto de
um doente mental ter a mesma probabilidade de cometer actos
violentos do que um comum cidadão (Bruce et. al., 1998).
Enquanto a relação entre a prevalência verdadeira de doença
mental grave e violência permanece em suspenso, a evidência de
vários estudos sugere que algumas perturbações podem aumentar o
risco, embora não tanto como dantes se acreditava.
O interesse na relação entre doença mental e violência reflecte
interacções variáveis, entre a justiça criminal e os sistemas de saúde
mental (Vieira, 2000). Webster et al. (1997) observam que a definição
de doença mental no DSM-IV (APA, 1994) inclui por vezes o desvio
antisocial, particularmente no que se refere às perturbações da
infância e adolescência.
Os aspectos acerca desta “psiquiatrização” do crime têm sido,
no entanto, paralelos a aspectos sobre a “criminalização” da doença
mental, reflectido no facto da desinstitucionalização de doentes
mentais ter levado à integração de muitos pacientes no sistema
criminal. Por outro lado, os conceitos de “doença mental” ou “saúde
mental” continuam a eludir uma definição precisa, já que muitos
criminosos têm claramente problemas pessoais e alterações
psicológicas para além dos limites das perturbações psiquiátricas, no
sentido estrito (Vieira, 2000).
As perturbações da personalidade, sob o ponto de vista clínico
não são doença mental, mas, por vezes, para os juristas são
conceptualizadas como tal. O modelo de doença mental, como 42
“lesão”, persiste na psiquiatria, o que explica a visão de muitos
psiquiatras de que as perturbações da personalidade estão fora da
psicopatologia, sendo consideradas não-doença, mas antes feitio, ou
maneira de ser e estar no mundo (Vieira, 2000).
Deste modo, existe uma hipótese gerada nos últimos anos de
que existem dois tipos de doentes mentais que praticam
comportamentos violentos. Um tipo seriam aqueles praticaram actos
criminosos ao longo da sua vida, e por conseguinte preenchem os
critérios de perturbação da personalidade anti-social, enquanto que
outro tipo refere-se àqueles que tiveram comportamentos violentos
somente numa fase avançada da vida, após os primeiros sintomas da
doença mental (Brennan et. al., 2000; Hodgins et. al., 1998).
Em suma pode-se afirmar que a doença mental pode ser um
factor de risco, cujo peso existe, mas que não é superior, por
exemplo, a ser-se do sexo masculino, jovem, e de baixo nível sócio-
económico. Queremos com isto dizer que os doentes mentais podem,
realmente, em determinadas circunstâncias, ser perigosos,
aumentando ligeiramente a doença a probabilidade de violência
(Vieira,2000).
3.2 Avaliação do risco de violência nas perturbações mentais
Ao longo de vários tem-se verificado a dificuldade na predição
dos actos violentos em doentes mentais (Steadman & Cocozza,
1974), muito provavelmente devido à concorrência de muitos e
variados factores (clínicos, pessoais, sociais etc.) para a relação entre
a violência e doença mental.43
De facto a investigação falhou sempre em demonstrar
correlações entre julgamentos clínicos e violência futura, tendo-se
inclusivamente chegado ao um extremo em que algumas instituições
pediram para que os clínicos não fizessem avaliações da perigosidade
(APA, 1981). Apesar deste pessimismo os investigadores,
principalmente a partir de um artigo de Monahan que foi originador de
investigação para esta área (Webster et al, 1997). Com a melhoria e
avanço na metodologia de investigação foi possível melhorar a
precisão da predição da perigosidade (através da avaliação dos
factores de risco de violência).
Anteriormente aos novos desenvolvimentos acerca do risco de
violência existiram muitos problemas e confusões no seio da
comunidade científica e na relação desta com o sistema jurídico.
Um dos factores de confusão surge da definição e distinção de risco
de violência e perigosidade. O risco em epidemiologia pode ser
conceptualizado como a probabilidade de morrer ou desenvolver uma
doença, sendo que as características (pessoais, ambientais ou
sociais) que aumentam a probabilidade de doença são os factores de
risco. Assim o risco de violência é a probabilidade de o dano ocorrer,
e nunca a lesão em si mesmo (Vieira, 2000).
Por outro lado a “perigosidade” não é um conceito psiquiátrico,
antes um juízo legal baseado na política social que, para alguns
autores, desde de sempre se prestou a grande ambiguidade e
interpretações menos correctas; indica apenas propensão de um
indivíduo para cometer actos perigosos. Recordemos que pode ser
pedida a avaliação de perigosidade independente do estado
psicopatológico, ao abrigo do artigo 160.º do Código do Processo
Penal (Vieira, 2000). A perigosidade pode ser definida como a
capacidade “aumentada” de uma pessoa se tornar autora de um 44
crime, por isso, um delinquente perigoso será aquele de quem se
espera a prática de graves factos criminalmente ilícitos. Tal visão leva-
nos à necessidade de esclarecermos do mesmo modo a noção-chave
de probabilidade, no sentido de sabermos quando um autor de um
facto-crime vai repetir a sua conduta típica e ilícita (Vieira, 2000).
Os interessados por estas matérias entendem que probabilidade
é um conceito que, embora partindo da incerteza dos acontecimentos
futuros, realiza um juízo de certeza sobre o número de frequência
desses mesmos acontecimentos crime, ou seja, a probabilidade de
um dano futuro que se consubstancializará na prática de um novo
crime. Do ponto de vista jurídico, a perigosidade depende à partida de
dois elementos; o descritivo – na probabilidade de um futuro criminoso
– e um elemento normativo – em que o crime pressupostamente
indica a direcção da perigosidade e o conteúdo do comportamento
que é de esperar do indivíduo (Vieira, 2000).
É Monahan (1984) quem enfatiza que os termos perigosidade e
risco são usados frequentemente como sinónimos , o que contribui
para uma confusão nos tribunais norte-americanos, que
eventualmente confundem o comportamento perigoso, com a
possibilidade real da sua ocorrência. Isto para já não falar no
considerar à partida a perigosidade como uma “imprevisível e
intratável” tendência para infligir irreversível lesão ou destruição. Não
é, infelizmente, ainda possível à ciência psiquiátrica dizer em rigor se
a perigosidade é condição de alguns indivíduos enquanto imutável
traço de personalidade (leia-se de feitio ou maneira de ser e estar no
mundo), ou se por outro lado esta é apenas uma capacidade para
causar mal, presente sobre determinadas circunstâncias, sejam elas
biológicas, psicológicas, sociais, ocasionais ou caóticas.
45
Posto isto, é necessário distinguir a avaliação do risco de
violência e predição da perigosidade. Enquanto que a avaliação do
risco foca a probabilidade de ocorrer a violência tendo em conta
factores ambientais (i.e. o locus de controlo não é sempre interno) a
predição de perigosidade foca a disposição de uma pessoa a cometer
um delito futuro. A avaliação de perigosidade usa afirmações
preditivas que não necessitam de explicação ou compreensão (é
perigoso ou não), enquanto que a avaliação do risco de violência foca-
se mais nas explicações e deste modo, fazem-se afirmações acerca
das associação empíricas tentando também, explicar as relações
causais dessas associações (e.g. tem uma probabilidade de cometer
um comportamento violento futuro porque tem uma personalidade
anti-social e consome álcool e não tem apoio familiar, características
que estão relacionadas com a violência). O risco varia com o contexto
e a avaliação do risco é uma estimativa que assume certas
características contextualizadas, sendo um julgamento relativo. Por
outro a predição da perigosidade somente foca aspectos pessoais
sendo os sus julgamentos absolutos (sim ou não).
Assim, após avanços na metodologia, a investigação propiciou
novos dados acerca do risco de violência nas perturbações mentais,
tendo-se chegado à conclusão que deveria de haver uma mudança do
paradigma de predição da violência para a avaliação do risco de
violência (Castel, 1991) tendo este facto alargado o foco da avaliação
para outras áreas para além da clínica, tais como considerações
ambientais, situacionais e sociais. As avaliações clínicas de
“perigosidade” devem então encaradas como avaliação de risco, em
vez de predição “pura” de violência. É um processo contínuo e não
meramente um procedimento pontual não sendo um simples exercício
46
académico, sendo o seu propósito orientar o tratamento e
acompanhamento do doente “perigoso” (Vieira, 2000).
Quando se utiliza a palavra risco, como já referimos
anteriormente, esta deve ser entendida como uma variável contínua,
admitindo que para um determinado comportamento futuro existe uma
ampla gama ampla de valores possíveis.
Esta conceptualização oferece-nos uma base mais completa,
mas também mais flexível, sobre a qual é conduzida a avaliação,
permitindo também uma manifestação cuidadosa e regular do
suposto ofensor, ao contrário do que se passaria se se tratasse de
uma variável dicotómica. A determinação de que um doente oferece
perigo não indica necessariamente que ele cometa um acto violento.
Representa um juízo de que um indivíduo apresenta um risco
inaceitável de ser perigoso.
A avaliação do risco pode ser feita através de dois tipos
principais de abordagem (Monahan, 1997):
Abordagem Actuarial, baseada em variáveis que estão
relacionadas estatisticamente com um aumento do risco de
violência (factores de risco);
Abordagem Clínica, focalizada na apresentação clínica, psicológica
e comportamental do indivíduo;
Actualmente e na prática, são realizadas avaliações mistas que
integram ambas as abordagens, permitindo que a determinação do
risco seja feita de forma actuarial, mas também clinicamente aferida
(Vieira, 2000). Contudo Monahan (1997), refere que a forma actuarial
é a melhor forma de avaliação de risco para fins de investigação.
47
Quando se procede à avaliação do risco de violência, há que se
ter em consideração a forma pela qual a predição pode ser
melhorada. Sabe-se que se melhora o resultado da previsão se for
definida a circunstância para a qual é avaliado o risco (comunidade,
instituição, etc.), se o período de tempo para o qual se destina a
predição for curto e se se pretende uma avaliação para actos em
concreto (Webster et al. 1997).
As avaliações devem ser realizadas por técnicos (clínicos com
conhecimento) com treino específico para as mesmas, para que
sejam eliminados ao máximo os possíveis enviesamentos
profissionais e pessoais, especialmente nestes casos visto se tratar
de um terreno muito sensível (um sujeito pode ficar toda a sua vida
detido devido a esta avaliação).
A declaração de risco deve preferencialmente ser feita em
relação ao índice de violência da população em causa (por exemplo,
“reclusos da prisão” será necessariamente diferente do que
“população em geral”) que deverá ser previamente estimado.
As predições devem ser feitas em termos específicos, para
períodos específicos, em termos de probabilidade, sendo da maior
utilidade a referência dos factores que possam contribuir para
aumentar ou reduzir o risco.
Assim, é sugerido que a predição deva estipular os períodos de
tempo durante os quais tem validade, uma vez que pode variar de
acordo com alterações nas circunstâncias situacionais e índices de
violência das amostras em concreto a que dizem respeito (Webster et
al., 1997).
As avaliações do risco de violência são determinantes no aqui e
agora. A probabilidade torna-se progressivamente menos correcta
com o aumento da variável tempo.48
Os dois testes desenhados para aplicação clínica e com mais
correlações com um boa predição do futuro violento são o Historical,
Clinical and Risk Management Checklist of Risk Factors for Violent
Behavior-20 (HCR-20), que é um instrumento para settings forenses
(Webster et al., 1997), o Psychopaty Checklist-Revised (PCL-R) que é
um instrumento para avaliar a psicopatia (Hare, 1997).
O HCR-20 tem sido um instrumento validado em vários estudos
relativamente à avaliação do risco de violência futura (Douglas et al.
1999; Gray et al., 2003). Por exemplo, Douglas et al. (1999) num
estudo longitudinal (n=193), referem que os indivíduos que pontuam
acima da mediana, têm uma probabilidade de seis a treze vezes
superior de cometerem comportamentos violentos comparativamente
a indivíduos que pontuam abaixo da mediana. Estes autores também
descobriram que somente as subescalas do HCR-20 previram os
comportamentos violentos e que o PCL-R não tinha tanta capacidade
estatística nessa predição.
Dado a importância da personalidade anti-social e psicopática
como factor de risco de violência, é natural que o PCL-R (protocolo
que mede a psicopatia), seja um bom instrumento na avaliação do
risco de violência. Contudo, como já referimos, para além das
variáveis caracteriais é necessário ter em conta outras variáveis (e.g.
Ambientais), o que poderá explicar a menor capacidade do PCL-R
quanto à predição de violência, relativamente ao HCR-20.
49
3.3 Factores de risco de violência nas perturbações mentais
Muito se tem escrito sobre o tipo de variáveis que poderão
prever a violência entre doentes mentais e prisioneiros (Hodgins,
1992; Monahan & Steadman, 1994). O comportamento violento, como
já foi referido anteriormente, é função da interacção dinâmica entre
factores de ordem social, familiar, clínica, caracterial e ambiental,
presentes em determinadas situações e num intervalo de tempo. As
pessoas, e entre elas os doentes mentais, podem ser violentos por
apenas alguns segundos ou minutos ao longo da sua vida e após
estes períodos não mais serem criadas condições de perigo eminente
(Vieira, 2000).
Contudo, na maioria dos estudos sobre os factores de risco de
violência, factores estáticos como idade, a história prévia de violência
são os que estão mais fortemente correlacionado com o potencial de
violência futura (Harris et al., 1993).
Os factores históricos ou estáticos, à exepção da doença
mental, estão todos normalmente relacionados com a psicopatia. A
psicopatia inclui características da personalidade e comportamentos
(anti-sociais) que estão relacionados com a violência (e.g.
comportamento problemático precoce, delinquência juvenil, abuso de
substâncias, revogação de medidas flexibilizadoras da pena de
prisão). Isto é existem comportamentos constantes desde de idade
precoce sendo provavelmente devidos a determinadas características
da personalidade Deste modo, não é estranhar que diversos estudos
demonstraram que quanto mais jovem é a pessoas na altura do
primeiro comportamento violento maior a probabilidade de
comportamentos violentos subsequentes (Steadman et al., 1994;
50
Harris et al., 1993). Segundo alguns autores, doentes com mais
admissões anteriores em instituições psiquiátricas, assim como
história anterior de fuga de uma instituição aumenta a probabilidade
de violência futura (Webster et al., 1997).
Quanto a factores que se poderão encontrar na actualidade o
insight e sentimentos procriminosos (ou atitudes negativas) estão
relacionados com a violência (Andrews & Bonta, 1995). Alguns
sintomas psicóticos específicos tanto positivos como negativos estão
relacionados com a violência, sendo que por exemplo Monahan
(1992) refere que quanto mais floridos são os sintomas maior é a
probabilidade de violência. A impulsividade definida como a
instabilidade comportamental e afectiva está ligada à violência e pode
diferenciar os que reincidem dos que não reincidem na violência
(Prentky et al. 1995). A não adesão ao tratamento que está ligado à
falta de insight, prediz o retorno ao hospital e a violência. Pode-se
entender que a exacerbação de sintomas psicóticos agudos em
diversas situações provoca um aumento da probabilidade de
violência.(Haywood et al, 1995).
Por outro lado, os sintomas de doença mental, associados a
actos violentos prévios, são importantes na análise retrospectiva, mas
também na identificação de sinais de possível violência futura, sendo
certo que a exacerbação de sintomas é factor não desprezável,
motivo porque é imprescindível pesquisar a aderência à medicação
(Vieira, 2000).
Nos factores relacionados com o ambiente sabe-se que as más
relações com os familiares podem precipitar violência e que os apoios
sociais e redes sociais podem diminuir a probabilidade de violência
(Klassen & Connor, 1989), sendo que a falta de profissionais 51
competentes que supervisionem e controlem a exposição dos doentes
a condições complicadas e similares à situação de violência anterior
estão em maior risco em reincidir no comportamentos violentos
(Estroof & Zimmer, 1994). Os adolescentes e adultos violentos
frequentemente provêm de situações familiares caóticas com história
de conflitos parentais, abuso da mulher e dos filhos, incapacidade dos
pais para educar e disciplinar adequadamente os filhos. Não é claro
se a violência no interior da família é resultante da predisposição
genética ou se pelo contrário deriva da aprendizagem de padrões de
comportamento violento. Mais certo é que os antecedentes da
violência física com testemunho de violência intrafamiliar em idades
precoces se correlacionem com violência na idade adulta (Vieira,
2000).
No que se refere ao nível sócio-económico, refere-se que a
violência é cerca de três vezes mais elevada nas classes mais baixas
do que nas mais altas, pelo que não podemos deixar de ter em conta
esse factor. Também a violência é mais elevada nos indivíduos com
menores níveis de educação e maior instabilidade profissional. As
pessoas em situação de desemprego têm seis vezes mais
probabilidade de ser violentas do que os indivíduos profissionalmente
activos. Igualmente, foi demonstrada a existência de uma associação
estatística entre violência e instabilidade residencial (Webster et al.
1997).
Segundo Monahan (1984), a maioria dos actos violentos são
cometidos por indivíduos com idades compreendidas entra os 18 e os
20 anos. Para outros autores, nos doentes psiquiátricos as idades de
maior risco situam-se ao redor dos 20 anos e nos indivíduos da
população geral por volta dos 18 anos. O risco de violência
52
decresceria ainda a partir dos 40 anos, em particular nos doentes
psiquiátricos.
Embora na população geral os homens apresentem taxas muito
mais elevadas de ofensas violentas do que as mulheres, entre as
pessoas com doença mental, as taxas de comportamento violento
parecem não diferir significativamente entre os dois sexos. (Borun,
Swartz e Swanson, 1996).
53
Capítulo IV
Violência e Esquizofrenia
4.1 Prevalência e risco de violência na esquizofrenia
Na actualidade, sabe-se que a ocorrência de ofensas físicas na
população esquizofrénica é frequente (British Crime Survey, 1996).
Contudo é controverso e incerto saber-se a frequência com que as
ofensas ocorrem em conjunto com a doença mental, bem como saber
se a esquizofrenia é um factor causal para a criminalidade (Monahan
& Steadman 1993).
Existem essencialmente três tipos de formas de estudar a
associação entre esquizofrenia e violência: estudos que estimam a
prevalência de comportamentos violentos em esquizofrénicos;
estudos que analisam a existência de diagnóstico de esquizofrenia em
sujeitos criminosos e; estudos comunitários que analisam a violência
em esquizofrénicos independentemente do envolvimento com o
sistema de saúde ou de justiça (Walsh et al. 2002).
Nos estudos desenvolvidos sobre a prevalência de
comportamentos violentos em esquizofrénicos foi possível retirar
várias ilações acerca desta relação.
Volovka et al. (1997) estimaram que 20% dos esquizofrénicos
hospitalizados pela primeira vez atacaram alguém no passado. Outros
estudos indicaram que durante a hospitalização as taxas de violência
cometida por esquizofrénicos são relativamente altas (Karson &
54
Bigelow, 1997; Walker & Seifert, 1994). Contudo estes índices de
violência devem ser observados com precaução, visto que, os
comportamentos violentos durante a hospitalização podem ser
devidos ao contexto “prisional” das enfermarias e não ao estado
mental do indivíduo (Walsh et al., 2002).
Vários estudos longitudinais com amostras de pacientes com
alta, encontraram que os esquizofrénicos do sexo masculino têm
maior probabilidade de cometerem crimes violentos do que homens
sem perturbação mental (Belfrag, 1998; Hodgins, 1993; Lindqvist &
Allebeck, 1990).
Todavia, Monahan & Appllebaum (2000), a partir do estudo
MacArthur da avaliação do risco, estimaram a prevalência de violência
na comunidade de pacientes com alta hospitalar por diagnóstico.
Neste estudo comparativo, a violência foi medida com intervalos de
dez semanas, durante um ano, resultando as seguintes prevalências:
9% para a esquizofrenia; 19% para a depressão; 15%, para a
perturbação bipolar; 17,2% para outras perturbações psicóticas, 29%
para perturbações relacionadas com abuso de substâncias e
finalmente 25% para as perturbações de personalidade.
Como verificamos este estudo, encontrou taxas de violência
mais baixas nos esquizofrénicos quando comparados com outras
perturbações mentais. Estes dados, contudo, não devem ser
interpretados como indicadores da irrelevância do risco de violência
nos esquizofrénicos. Provavelmente, a esquizofrenia é um factor de
risco com menor importância, quando comparado com as
perturbações de consumo ou abuso de substâncias ou mesmo às
perturbações da personalidade. No entanto, na comparação com a
população geral, a esquizofrenia é um, factor de risco de
comportamento violento (Harris et al., 1993; Walsh et al., 2002).55
Brennan et al. (2000) ao estudarem as condenações por
violência e hospitalização devido a perturbação mental, numa amostra
seguida durante 44 anos, denotaram associações bastante diferentes
com o estudo referido anteriormente. A esquizofrenia era a única
patologia associada com o aumento do risco de violência grave em
homens e mulheres, após ajustamento sócio-económico, estado civil e
abuso de substâncias.
Num estudo longitudinal retrospectivo, com uma amostra de 644
pacientes com esquizofrenia, referia-se que estes tinham quatro vezes
mais probabilidade de cometerem crimes violentos do que a
população geral (Lindqvist & Allebeck, 1990). Mullen et al. (2002) num
estudo idêntico, constataram que a esquizofrenia, em comorbilidade
com a perturbação devida a substâncias resultava num aumento
desproporcionado do comportamento violento. Arsenault et al., (2000),
corroboram este estudo, no que concerne à importância da
esquizofrenia como factor de risco de violência, contudo isto
acontecia, segundo eles, somente quando associado ao abuso de
álcool e/ou marijuana.
A partir de estudos sobre a prevalência da esquizofrenia em
criminosos forma encontradas também alguns dados de relevo. Sabe-
se que, apesar dos problemas metodológicos, a esquizofrenia
encontra-se sobre-representada (Teplin 1990; Eronen et al., 1996;
Ferreira et al., em prelo). Wallace et al. (1998), num estudo de coorte,
com uma amostra de indivíduos detidos por crimes violentos graves,
confirmaram que os esquizofrénicos tinham uma probabilidade quatro
vezes superior de serem condenados por violência interpessoal e uma
56
probabilidade dez vezes superior em serem condenados por
homicídio.
Relativamente a estudos comunitários, Swanson et al. (1990)
realizaram um estudo comunitário de prevalência, talvez o trabalho
mais importante na literatura sobre violência, onde foram examinados
as relações entre a violência e as perturbações da personalidade,
numa amostra de 1059 adultos. Estimaram que 8% dos
esquizofrénicos eram violentos em comparação com 2% dos sujeitos
sem perturbação mental. A prevalência de violência entre os
esquizofrénicos subia para 30%, quando havia comorbilidade com
abuso de substâncias.
A maior parte das investigações que referimos examinaram a
associação entre a violência e a esquizofrenia em termos de risco
relativo (o risco de violência que os esquizofrénicos representam
relativamente aos outros). Contudo raros focam sobre a percentagem
de risco atribuível a uma população (percentagem de violência
existente na população que pode ser atribuível à esquizofrenia) e por
conseguinte a percentagem de violência que poderia ser eliminada se
a esquizofrenia fosse excluída da população.
Swanson et al. (1990) demonstraram que de todos
comportamentos violentos cometidos durante um ano, somente 2,7%
de todos os indivíduos que cometeram crimes violentos eram
esquizofrénicos. Um estudo de coorte que seguiu os sujeitos até aos
44 denota que somente 2% de todos os sujeitos do género masculino,
que registaram pelo menos um crime violento, eram esquizofrénicos,
sendo que quando excluída a comorbilidade com abuso de substância
esta percentagem descia para 0,8% (Brenann et al., 2000).
Desta forma, para prevenir estigmatização desnecessária é
preciso referir que a esquizofrenia é um factor de risco para a 57
violência quando comparada com a população geral (risco relativo) no
entanto, o risco absoluto (importância da esquizofrenia na violência
cometida na população total) é muito baixo. Um exemplo de um
estudo que refere esta dicotomia descobriu que os esquizofrénicos do
sexo masculino tinham uma probabilidade cinco vezes maior do que a
população total de serem condenados por crimes violentos (Wallace
et al., 1998). Contudo, 99,97% dos esquizofrénicos não serão
condenados por crimes violentos e a probabilidade que um dado
paciente tem de cometer crimes violentos é muito baixa (risco anual
aproximado de 1:3000 para os homens e 1:33 000 para as mulheres).
4.2 Factores de risco de violência na esquizofrenia
Com a ênfase na necessidade de prever comportamentos
violentos em sujeitos com esquizofrenia, foram realizadas várias
tentativas para identificar factores de risco relacionados com a história
psiquiátrica prévia e com sinais e sintomas particulares que poderiam
acompanhar ou motivar o comportamento violento em esquizofrénicos
(Taylor, 1999).
Todavia, grande controvérsia tem sido gerada quanto aos
factores de risco para a violência na esquizofrenia. Pensa-se que os
factores de risco que operadores na doença mental em geral, são os
mesmos para a esquizofrenia, especialmente a violência prévia e a
comorbilidade com abuso de substâncias. Contudo, não existem
dados suficientes a confirmarem, claramente esta suposição
(Monahan, 1997).
58
Os dois factores mais indicados na literatura revista são os
sintomas psicóticos agudos e o abuso de substâncias. No entanto, a
controvérsia persiste acerca da importância e função destes dois
factores de risco de violência na esquizofrenia.
Quanto ao abuso de substâncias, vários estudos com amostras
de homicidas indicam que a esquizofrenia sem comorbilidade com
outra perturbação mental é um factor de risco de violência, indicando
também, que esse risco aumenta significativamente se existir
comorbilidade com a perturbação de uso de substâncias.
Similarmente no ECA (Swanson et. al., 1990), verificou-se que a
comorbilidade da perturbação de abuso e/ou dependência de
substâncias com a esquizofrenia aumenta exponencialmente o risco
de comportamentos violentos.
Contudo esta relação somente se encontra em determinados
sujeitos com esquizofrenia. Por exemplo, num estudo com uma
amostra de pacientes com alta hospitalar, de três cidades norte-
americanas, nos sujeitos esquizofrénicos o abuso de substâncias não
estava relacionado com o comportamento violento 20 semanas após a
alta (Monahan, 1999). Lindquvist (1986) refere que este tema é
complexo, visto que é necessário distinguir entre história de
comorbilidade de abuso de substâncias, comorbilidade actual de
abuso de substâncias e intoxicação de substâncias no momento do
crime. Depreendendo-se deste modo que o uso/abuso/dependência
de substâncias entre os sujeitos esquizofrénicos pode estar
relacionado com o comportamento violento de várias formas, sendo
necessária alguma cautela na atribuição da importância do abuso de
substâncias como factor de risco de violência nos esquizofrénicos.
Este autor propõem que para uma proporção substancial de
esquizofrénicos criminosos do sexo masculino, o abuso de 59
substâncias é somente uma parte de um síndrome de
comportamentos anti-sociais que os caracteriza desde a infância até à
idade adulta. Para a outra porção deste tipo de esquizofrénicos, o uso
e intoxicação por substâncias terá exarcebado os sintomas psicóticos
e deste modo propiciou o comportamento violento (Lindqvist, 1986).
Relativamente à sintomatologia aguda, existem autores que, a
partir de medidas de auto-relato da violência, demonstraram uma
associação significativa entre sintomas agudos específicos “threat
control override” da esquizofrenia e a violência. Estes sintomas
representariam experiências dos pacientes que sentiam que as
pessoas estavam a tentar lesá-los e que as suas mentes estariam a
ser dominadas por forças superiores (Swanson et al., 1990, 1996,
1997; Link et al.1998). No entanto, estes dados foram fortemente
criticados por serem retrospectivos e se basearem em medidas fracas
de violência e delírios. O estudo MacArthur para a avaliação do risco
de violência não encontrou relação alguma entre qualquer tipo de
delírios ou os sintomas “threat control override” e o risco de violência.
Este estudo não tinha as mesmas limitações metodológicas do estudo
anterior (Appelbaum et al., 2000), sendo que desta forma continua a
controvérsia acerca da importância de sintomas psicóticos específicos
para a avaliação do risco de violência.
No passado foi reivindicado que certos traços da personalidade,
identificáveis antes do início da doença, eram os factores mais
importantes para a agressão entre os pacientes com esquizofrenia
(Blackburn, 1968), sendo que essa ideia foi esmorecendo com o
passar dos anos (Humphreys et al., 1992).
Todavia e como referimos anteriormente (vide capítulo 3.1.2.),
vários dados epidemiológicos referentes a sujeitos com doença 60
mental fizeram surgir novamente a hipótese de que a personalidade é
um factor importante. Hodgins et al. (1998) propuseram a existência
de dois grupos distintos de criminosos com doença mental: um grupo
em que os comportamentos violentos se iniciaram em idades
precoces e outro em que os comportamentos violentos se iniciaram
em idades mais tardias, após o início da doença e, por conseguinte,
para o grupo de início tardio o comportamento ilícito seria devido à
doença mental enquanto que para o grupo de inicio precoce a
explicação do problema seria devida menos à doença mental e mais a
traços de personalidade ou à perturbação anti-social da
personalidade.
Tengström et al. (2001), ao analisarem uma amostra de 272
esquizofrénicos do sexo masculino que cometeram pelo menos um
crime violento, encontraram que aqueles que foram condenados antes
dos 18 anos (inicio precoce) diferiam em vários níveis daqueles que
foram condenados após os 18 anos (inicio tardio), tanto na adultícia,
como na adolescência e infância. O grupo de início precoce, quando
comparado com o grupo de início tardio, tinha em média mais
condenações por crimes violentos e não-violentos, mais diagnósticos
de abuso e dependência de substâncias. Outro dado importante foi
que o grupo de inicio precoce pontuava em média muito
superiormente na PCL-R, sendo de notar que para além de
pontuarem mais no factor de comportamento anti-social (expectável
pois estes iniciaram os comportamentos violentos antes dos 18 anos
de idade), também pontuaram mais no factor que media os traços de
personalidade dos psicopatas. Desta forma, este autores para além
de corroborar a hipótese de Hodgins et al, (1998), especifica-a para os
doentes esquizofrénicos que cometeram comportamentos violentos.
61
Investigações recentes, embora escassas, vão neste sentido ao
indicarem a importância de traços da personalidade para a avaliação
do risco de violência em esquizofrénicos. Por exemplo, numa meta-
análise, realizada por Nestor et al. ( 2003), foram designadas quatro
dimensões da personalidade (controlo dos impulsos, regulação do
afecto, narcisismo e estilo cognitivo paranóide) que operavam
conjuntamente e em vários graus como factores de risco de violência
para as perturbações do espectro esquizofrénico e para as
perturbações da personalidade. Num outro estudo que avaliou a
personalidade pré-mórbida e as dimensões psicopatológicas na altura
do primeiro surto psicótico, foram encontradas fortes ligações entre a
dimensão da personalidade socipática e passivo-dependente com as
dimensões psicopatológicas de hostilidade e suspeição, isto é os
sujeitos com traços de personalidade sociopáticos ou passivo-
dependentes tinham maior probabilidade de revelarem , na altura do
primeiro surto psicótico, sintomas como o comportamento
desorganizado e delírios persecutórios (Cuesta et al., 2002). Um
estudo longitudinal seguiu durante dois anos doentes psicóticos
(n=700), e analisou a violência (ofensas contra integridade física)
perpretada por esses sujeitos, tendo encontrado que a comorbilidade
com a perturbação da personalidade aumentava o risco de violência
(Moran et al., 2003).
Para além a personalidade existem algumas evidências, embora
de que as funções cognitivas e neuropsicológicas também concorrem
como factores risco de violência na esquizofrenia. Contudo existem
dados controversos. Lafayette et al. (2003) concluiram que o
desempenho em testes neuropsicológicos não diferencia os
esquizofrénicos com história de violência, dos esquizofrénicos sem
história de violência, enquanto que outros estudos relacionam défices 62
neuropsicológicos e o risco de violência (Lapierre et al., 1995; Heads,
1996).
Um dado epidemiológico interessante de se notar, é referido por
Silverton (1988), que demonstrou, a partir de um estudo de coorte
(n=9182), que os descendentes de doentes esquizofrénicos
apresentavam mais comportamentos anti-sociais e mais taxas de
condenações devido a crimes violentos comparativamente aos
descendentes de pessoas sem esta psicopatologia. Este autor refere
que uma das variáveis que explicaria esta diferença era o baixo QI
verbal do primeiro grupo, medido através da W.A.I.S. Rasmussen et
al. (1995) ao comparar um grupo de esquizofrénicos com inicio
precoce de comportamentos violentos e um grupo com
comportamentos violentos de inicio tardio, descobriram que os
primeiros tinham melhor desempenho em testes neuropsicológicos
que os segundos. Ainda segundo estes autores este facto seria
devido a anomalias cerebrais menos severas o que proporcionaria um
melhor funcionamento social ao primeiro grupo e portanto uma maior
perigosidade.
Em suma podemos dizer que somente um pequeno grupo do
Universo dos doentes esquizofrénicos concorre para o aumento do
risco de violência. Por outro lado, dentro desse pequeno grupo,
parecem existir dois tipos de indivíduos. Uns que apresentam
características da personalidade e comportamentos anti-sociais ao
longo da sua vida. Os outros foram violentos provavelmente devido à
sintomatologia e a factores situacionais. Deste modo, para avaliar o
risco de violência futura em esquizofrénicos que cometeram crimes
violentos é importante ter em conta os factores históricos (e.g. idade
do primeiro acto violento, perturbação anti-social da personalidade), 63
mas também factores como o modo de Ser do indivíduo (traços de
personalidade), funções cognitivas e comportamentos actuais (e.g.
atitude negativas, adesão ao tratamento) que nos poderão indiciar a
disposição e a capacidade do indivíduo em não reincidir futuramente
na violência.
64
Capítulo V
Objectivos e desenho do estudo
A avaliação da importância da personalidade e cognição na
predição do risco de violência em sujeitos esquizofrénicos que
cometeram comportamentos violentos graves, constitui o objectivo
principal deste trabalho.
Dado que existem factores de risco que nos dão a probabilidade
de reincidência de comportamentos violentos, será importante
distinguir nos dois grupos (um com maior probabilidade de cometer
comportamentos violentos e outro com menor probabilidade de
cometer esses comportamentos) as características cognitivas e de
personalidade que os distinguem.
A pesquisa dos factores de risco que mais concorrem para o
risco de violência em cada um dos grupos é também nosso objectivo.
O actual protocolo define as condições necessárias para a
avaliação das diferenças entre as medidas da personalidade, da
cognição e do risco de violência em dois grupos de sujeitos
esquizofrénicos detidos por comportamento violento grave.
Neste capítulo enunciam-se os objectivos do estudo (5.1), sendo
posteriormente descrito o desenho geral deste estudo (5.2).
65
5.1 Objectivos do estudo
Tendo em conta as possíveis implicações de certas medidas da
personalidade e da cognição na avaliação do risco de
comportamentos violentos, o objectivo central deste trabalho é o
estudo das diferenças dessas medidas em sujeitos esquizofrénicos,
detidos por comportamentos violentos graves, assim como o analisar
quais os factores de risco que mais concorrem para a predição do
risco de violência nesses sujeitos.
Neste âmbito temático, colocamos as seguintes questões de
investigação:
Será que existem diferenças significativas entre os dois grupos
de doentes esquizofrénicos, quanto às medidas cognitivas?
Ao compararmos os dois grupos relativamente às medidas de
personalidade encontrar-se-ão diferenças significativas?
Será que as medidas corrigidas do HCR-20 são diferentes na
comparação inter-grupos e permitem traçar perfis específicos?
Face às questões acima expressas, foram elaboradas diversas
hipóteses:
1- Existem diferenças quanto às medidas cognitivas na comparação
entre os dois grupos de doentes esquizofrénicos.
66
Esta hipótese é testada através de um estudo comparativo inter-
sujeitos (t-student para amostras independentes ou Mann-Whitney)
das medidas psicométricas subjectivas facultadas pela W.A.I.S.
2- As medidas de personalidade facultam diferenças somente
nalgumas dimensões avaliadas na comparação inter-grupos.
Esta hipótese é testada através de um estudo comparativo inter-
sujeitos (t-student para amostras independentes ou Mann-Whitney)
usando medidas psicométricas subjectivas obtidas no Mini-Mult e no
psicograma do Rorschach.
3- As medidas corrigidas do HCR-20 facultam diferenças na
comparação intergrupos.
Esta hipótese é testada através de um estudo comparativo inter-
sujeitos (t-student para amostras independentes ou Mann-Whitney)
após correção das medidas facultadas pelo HCR-20.
5.2 Desenho geral do estudo
O desenho geral a que obedeceu este trabalho orientou-se no
sentido de permitir uma análise comparativa transversal inter-sujeitos,
das características da personalidade, das funções cognitivas e dos
factores de risco de violência, tendo em conta uma variável
independente (risco de comportamentos violentos).
67
Em conformidade com a revisão bibliográfica (Webster et al.,
1997), e dado que os sujeitos da amostra se encontravam detidos, a
avaliação do risco de comportamentos violentos foi realizado com o
pressuposto de que os doentes esquizofrénicos iriam estar em
liberdade por um tempo curto e definido (um mês) e num contexto
definido (casa dos familiares de origem).
Deste modo, com o recurso a um protocolo de avaliação do risco
de comportamentos violentos em sujeitos com doença mental,
avaliámos o risco de violência dos doentes esquizofrénicos. Perante
os valores obtidos. O cálculo da mediana permitiu cindir a amostra em
dois grupos (um grupo com menor risco de violência e um grupo com
maior risco de violência).
Os valores de cada factor de risco, obtidos após o recurso ao
protocolo de avaliação do risco de comportamentos violentos, são
posteriormente corrigidos para efeitos de comparação estatística.
São avaliadas as capacidades cognitivas e características da
personalidade dos sujeitos das duas amostras em estudo.
Após a constituição de dois grupos os indivíduos são estudados
com medidas das funções cognitivas, da personalidade e factores de
risco corrigidos.
Para efeito de controlo de variáveis (Webster et. al, 1997)
durante a entrevista para avaliação do risco de comportamentos de
violência (e. g. inconsistências no discurso do avaliando) foram
pesquisadas informações sobre cada sujeito da amostra a partir do
staff técnico da enfermaria psiquiátrica e processos clínicos e judiciais.
68
Eram candidatos ao presente estudo doentes com esquizofrenia
que respeitassem os seguintes critérios de inclusão:
detidos em enfermaria psiquiárica de segurança;
história pregressa de comportamentos violentos graves;
ausência de diagnóstico de deficiência mental segundo o
DSM-IV-TR (APA, 2000);
ausência de consumo de substâncias ilícitas durante o tempo
de internamento;
estarem compensados quimicamente através de
farmacoterapia fornecida pelo médico psiquiatra assistente
A fase de recrutamento, no decorrer da qual foi efectuada uma
avaliação clínica dos sujeitos, segundo o sistema multiaxial do DSM-
IV-TR, teve lugar duas semanas antes do início do estudo.
Com propósitos descritivos e de inclusão na amostra, foram
investigados os processos clínicos e judiciais donde retiramos
informação sobre atributos pessoais, judiciais, demográficos e
clínicos.
Os participantes no estudo foram informados sobre as
finalidades e métodos a aplicar, tendo sido obtido o seu
consentimento expresso.
As escalas de hetero-avaliação foram aplicadas pelo
investigador em todos os doentes. Antes da aplicação destas escalas
ocorreu uma fase de treino tutorado de modo a evitar um viés
sistemático de avaliação.69
Foram explicados os procedimentos relativos ao preenchimento
das escalas de auto-preenchimento incluídas na nossa bateria de
testes.
O mesmo protocolo de estudo foi aplicado a que cada um dos
sujeitos que constituíam a amostra.
Na Figura 2 é apresentado o desenho geral do estudo e nela
são indicados, de forma integrada, todos os procedimentos aplicados.
Recrutamento
Preenchimento dos critérios de inclusão
Pesquisa de informação nos processos
clínicos e judiciais
Obtenção de informação a partir do staff
técnico
Análise
HCR-20
Mini-mult
Rorschach
W.A.I.S.
Fig. 2. Desenho geral do estudo
70
Capítulo VI
Material e métodos
No presente capítulo descreve-se o material e métodos
utilizados neste trabalho de investigação. Em primeiro lugar, são
referidos os instrumentos utilizados na avaliação subjectiva do risco
de violência, personalidade e cognição dos sujeitos da amostra (6.1).
Seguidamente são relatados os procedimentos e critérios de selecção
(6.2) e os instrumentos estatísticos usados na análise e tratamento
dos dados (6.3).
6.1 Instrumentos e métodos de avaliação
6.1.1. História Clínica
A obtenção dos dados socio-demográficos foram obtidos através
de uma entrevista semi-estruturada a cada um dos indivíduos. Para
além da entrevista foram pesquisados os processos clínicos e judiciais
de cada um dos elementos.
6.1.2. Questionários e escalas de avaliação psiquiátrica
Foram utilizados um conjunto de instrumentos para efeitos de
uma avaliação quantificada do risco de violência, das funções
71
cognitivas e da personalidade. A sua escolha foi determinada por
circunstâncias e exigências de vária ordem, tendo nomeadamente
recaído sobre instrumentos cuja validade, fiabilidade e sensibilidade
estão razoavelmente documentadas.
Para além destas garantias, era importante assegurar a
possibilidade de comparar os resultados com os de outros estudos
realizados com populações psiquiátricas com características similares
pelo que foi tido em conta o tipo de instrumentos geralmente utilizados
nesta área de investigação. Tratam-se de instrumentos de uso
corrente e de utilização ampla.
Foram utilizadas na sua maioria escalas de hetero-avaliação
mas, no presente trabalho, este erro não assume particular
importância por se tratar sempre do mesmo cotador. Também por
esta razão não se tornou necessária a realização de uma sessão de
fidelidade intercotadores.
Considerando este conjunto de condições, decidiu-se utilizar o
Historical, Clinical and Risk Management Checklist of Risk Factors for
Violent Behavior-20 (HCR-20) para a avaliação do risco de violência
dos sujeitos da amostra, e para a avaliação dos factores de risco de
violência nos dois grupos estudados (grupo com menor risco de
violência e grupo com maior risco de violência). Este instrumento é
considerado actualmente por diversos autores, como um dos
melhores preditores de risco de violência em doentes com
perturbações mentais (Bénézech et al, 2002).
Para a avaliação de medidas cognitivas escolhemos o Wechsler
Adult Intelligence Scale (W.A.I.S.). Para a avaliação de medidas da
personalidade a escolha recaiu no Mini-Mult, uma versão reduzida do
Minnesota Multiphasic Personality Inventory (M.M.P.I.), e do Teste de
72
Manchas de Tinta de Rorschach (Rorschach). Todos os instrumentos
de avaliação são apresentados em Anexo.
Historical, Clinical and Rissk Management Checklist of Risk Factors
for Violent Behavior-20 (HCR-20)
O HCR-20 foi desenvolvido por Webster et al (1997) com o de
objectivo de avaliar o risco de violência em sujeitos com perturbações
mentais. Trata-se de uma checklist ou protocolo de factores de risco
para a avaliação do comportamento violento em pessoas com
perturbação mental e/ou perturbação da personalidade.
Este protocolo é composto por 20 itens individuais que estão
divididos em três sub-escalas: a sub-escala Histórica (H - variáveis do
passado); a sub-escala Clínica (C - variáveis do presente) e a sub-
escala de Manejo do Risco (R - variáveis do futuro). Cada um destes
itens encontra-se referenciado na literatura científica, como factor
preditivo da reincidência de comportamentos violentos.
Os valores possíveis neste protocolo variam entre 0 e 40, sendo
que 20 pontos é o máximo para a subescala Histórica e 10 para as
subescalas Clínica e de Gestão de Risco, respectivamente.
Cota-se “0” quando há uma inexistência do factor de risco, isto é, não
existe nenhum dado que sugira que exista esse factor de risco; a
cotação “1” indica que o factor está possivelmente ou parcialmente
presente, no entanto não é absolutamente conclusiva a existência
desse factor; a cotação “2” indica que o factor de risco está
claramente ou definitivamente presente. Se não existe informação
disponível para cotar um item, este deve ser omitido.
73
A Sub-escala histórica (H) é constituída por factores de risco que
reflectem uma estabilidade temporal isto é, são imutáveis pois o que
conta são os factores do passado:
O item “Violência Prévia” (H1) refere-se a toda a violência que
ocorreu até e durante a entrevista;
O item “primeiro incidente violento em idade precoce” (H2)
refere-se à data do primeiro acto violento conhecido.
O factor de risco “Instabilidade nos relacionamentos” (H3)
aplica-se aos relacionamentos “românticos”, íntimos e não-
platónicos, estando excluídos os relacionamentos entre os
amigos e familiares.
O factor de risco “Problemas com o emprego” (H4) refere-se a
todas situações que têm como consequência final o
desemprego.
O item “Problemas no uso de substâncias” (H5) determina-se
pela existência de dependência e abuso de substâncias.
O item “Perturbação Mental Grave” (H6) refere-se às
perturbações do eixo I do DSM-IV. Este item é cotado na base
da história passada do indivíduo e não é afectado pela remissão
ou inexistência actual de sintomas activos.
O item “Psicopatia” (H7) diz respeito à definição de psicopatia de
Hare et al (1997) e somente deve ser avaliado com base na
avaliação, informada e treinada, da psicopatia através do uso do
Psychopaty Checklist-Revised (PCL-R) (Hare, 1997). Se não for
possível esta avaliação deve omitir-se na cotação.
O item “Inadaptação precoce” (H8) alude à inadaptação em
casa, escola ou na comunidade antes dos 17 anos. Esta
74
inadaptação refere-se tanto à criança vitimizada como à criança
agressora.
O item “Perturbação de Personalidade” (H9) diz respeito ao
diagnóstico, através dos sistemas oficiais já referidos, de
perturbações da personalidade antisocial ou borderline
existentes no passado.
O item “Problemas em Supervisão Anterior” (H10) alude a
problemas enquanto o indivíduo esteve em liberdade
condicional, liberdade para prova ou enquanto utente de uma
instituição de correcção ou de saúde mental.
A sub-escala clínica (C) é constituída por factores de risco
menos estáticos que os históricos, podendo estes factores variariarem
ao longo do tempo sendo centrandos no presente:
O item “Falta de Insight” (C1) refere-se ao grau que o indivíduo
tem para perceber e compreender a sua perturbação mental e o
efeito que esta tem nos outros.
O item “Atitudes Negativas” (C2) diz respeito às atitudes actuais
em relação às pessoas, serviços sociais e instituições, desgosto
e remorsos genuínos em relação a actos violentos passados. As
atitudes sádicas, homicidas ou paranóides que não são
derivadas da perturbação mental devem ser cotadas neste item.
O item “Sintomas Activos de Doença Mental Grave” (C3) alude
aos sintomas psicóticos negativos e positivos conceptualizados
no sistema de classificação oficial, já mencionado anteriormente.
O item “Impulsividade” (C4) define-se pela instabilidade
emocional e comportamental i.e. flutuações dramáticas do
75
estado de espírito, de hora a hora, dia para dia ou de semana a
semana.
O item “Sem Resposta ao tratamento” (C5), diz respeito às
melhorias clínicas e as capacidades do sujeito para resolver, no
presente e no futuro, os problemas sociais, vocacionais e
interpessoais
A sub-escala Manejo de Risco (R) centra-se na tentativa de
prever como o indivíduo se irá ajustar a circunstâncias futuras Para
cotar nesta subescala é importante que o avaliador tenha em conta o
contexto da avaliação. Para isso existem uns espaços na folha de
código que são o Dentro (Instituição- o indivíduo estará dentro da
instituição) ou Fora (Comunidade- o indivíduo vai num futuro próximo
ser libertado para a comunidade). Conforme a situação, o avaliador
deve interpretar os factos e cotá-los de forma diferente:
O factor de risco “Planos sem viabilidade” (R1) refere-se à
capacidade do indivíduo em executar planos praticáveis com
uma clara divisão de responsabilidades e rotinas específicas
para lidar com várias contingências;
O item “Exposição a destabilizadores”(R2) refere-se a situações
em que as pessoas são expostas a condições perigosas das
quais o indivíduo é vulnerável e que podem despoletar
comportamentos violentos;
O factor de risco “Falta de apoio pessoal” (R3) alude à
existência ou não de pares ou familiares que ajudem na boa
execução do plano.
76
O item “Não adesão ao tratamento” (R4) diz respeito à
motivação para o sucesso do tratamento, bem como, a adesão à
medicação ou outros regimes terapêuticos. De notar que este
item pode-se sobrepor ao item “C5”, contudo que este item
relacionada-se com probabilidades futuras e não com factos
presentes.
O item “Stress” (R5), refere-se às fontes de stress que o
indivíduo poderá encontrar e de como este poderá reagir ou lidar
com essas situações.
O HCR-20 deve ser usado em contextos onde existam grandes
proporções de pessoas com uma história de violência, doença mental
ou perturbações da personalidade.
Embora não exista uma larga acumulação de dados, devido ao
uso recente deste protocolo na prática da clínica, a bibliografia
existente indica que o HCR-20 possui fiabilidade e validade preditiva,
relacionando-se de moderadamente a fortemente, com o
comportamento violento em instituições e na comunidade,
especialmente em contextos psiquiátricos forenses (Wintrup, 1996;
Douglas & Klassen, 1996).
Mini-Mult (versão reduzida do M.M.P.I.)
O Mini-Mult foi desenvolvido por Kincannon, em 1968, a partir do
Minnesota Multiphasic Personality Inventory (MMPI) (Hathaway e
McKinley, 1943). A estrutura básica do MMPI é mantida no Mini-Mult,
residindo a principal diferença no número de itens que cada um
apresenta, respectivamente, 565 e 71.
77
Trata-se de um instrumento de auto-avaliação e de aplicação
individual, ao contrário do MMPI, utilizado para descrever traços de
personalidade específicos com o objectivo de determinar as diferentes
dimensões da personalidade normal e patológica.
Cada um dos itens corresponde a uma frase afirmativa ao qual o
sujeito tem de apontar a veracidade (V) ou a falsidade (F) de cada
resposta, conforme se identifique ou não com os sentimentos,
comportamentos, ideias ou queixas descritas.
O Mini-Mult é constituído por três escalas de validade – L, F e K
- e oito escalas clínicas. Destas quatro são escalas da personalidade
(ou carácter): Histeria (Hy); Psicopatia (Pd); Paranóia (Pa); e;
Hipomania (Ma), enquanto que as outras quatro são escalas sintoma:
Hipocondria (Hs); Depressão (D); Psicastenia (Pt) e; Esquizofrenia
(Sc).
As escalas de validade têm o seguinte significado: Escala L,
constitui-se por questões que se referem a situações socialmente
desejáveis mas raramente verdadeiras; Escala F, permite identificar
uma série de conteúdos, comportamentos, experiências e
pensamentos atípicos; Escala K, explora a influência da atitude do
sujeito perante os próprios sintomas nos itens das escalas clínicas
(atitude defensiva versus hipercrítica).
A escala clínica “Hipocondria” foi baseada na definição
conceptual de hipocondria enquanto um síndrome caracterizado por
uma percepção errada das sensações cinestésicas normais no qual
os doentes referem queixas de dores que são variáveis e de natureza
difusa quanto à localização, na ausência de qualquer causa orgânica
detectável. Um resultado elevado nesta escala significa que o sujeito
se interessa em demasia pelo seu estado de saúde, por perturbações 78
difíceis de identificar na ausência de perturbações reais (a existência
destas não interfere nos resultados mas acompanha-se de um
aumento na escala “Depressão”).
A escala “Depressão” foi validada num grupo de doentes
melancólicos. A experiência revela que se trata de uma escala muito
sensível; aliás, o seu valor eleva-se desde que na sintomatologia
exista uma nota depressiva ou ansiosa. A escala “Depressão” é muito
sensível à terapêutica e baixa assim que o doente melhora
clinicamente. Esta escala tem, ainda, a capacidade de detectar
sujeitos deprimidos com ideias de suicídio frequentes e capazes de
mascarar os sintomas depressivos. Um resultado elevado indica uma
moral baixa do tipo emocional com um sentimento de inutilidade e de
incapacidade face ao futuro. Existem características como: uma
tendência para a ansiedade e inquietação, falta de confiança no
próprio; falta de interesses; sentimentos de culpa; introversão e
isolamento; e desmoralização.
A escala “Histeria” foi validada num grupo de sujeitos que
apresentavam uma histeria de conversão. A sua análise revelou que
compreende dois tipos de quadros clínicos diferentes. Assim, revela-
se, por um lado uma escala de temperamento histeróide,
caracterizando sujeitos que tem atitudes sociais primárias, exigindo de
uma forma egocêntrica o afecto e ajuda do meio envolvente,
manifestando comportamentos infantis quando os seus desejos não
são satisfeitos; por outro lado, trata-se de uma escala de sintomas de
conversão. É interessante notar que na população normal estas
escalas não são inter-correlacionáveis enquanto o são no grupo de
doentes que fizeram parte da construção da escala, indicando que as
manifestações de conversão se desenvolvem de preferência num
79
temperamento histeróide. A elevação nesta escala aponta,
geralmente, para uma imaturidade afectiva, com dificuldades ou
ausência de análise psicológica e de introspecção; uma reinvidicação
afectiva, através da tendência para exploração do meio circundante; e
uma tendência à sedução e superficialidade nas relações
interpessoais, com erotização das relações sociais, dificuldades em
lidar com a agressividade e stress.
A escala “Psicopatia” foi validada num grupo de sujeitos
hospitalizados com o diagnóstico de “personalidade psicopática”, com
as seguintes características: ausência de respostas emocionais
profundas; incapacidade de beneficiar com a experiência; e ausência
de respeito pelas normas sociais. Esta escala pode ser elevada
mesmo que o sujeito nunca tenha cometido qualquer acto delinquente
ou comportamentos patológicos do tipo psicopático, mas apenas que
é susceptível de os apresentar. Contudo, permite detectar tendência
para este tipo de comportamentos, revelando-se uma escala sensível
à psicopatia pelo que se trata mais uma escala de carácter do que de
sintomatologia. As questões que compõem esta escala classificam-se
em três grupos: queixas sobre a dificuldade no ambiente familiar;
sentimentos de aborrecimento e lassidão; e, sentimentos de
estranheza em grupo, portanto incapacidade de estabelecer relações
profundas. Uma nota elevada pode, em todo o caso, indicar-nos: um
carácter narcísico; falta de integração social, procura de fins imediatos
sem ter em conta o futuro, hostilidade e conflitos com figuras de
autoridade.
A escala clínica “Paranóia” compõem-se de três tipos de
questões relacionadas com a sensitividade, moralidade excessiva
80
(afirmação racionalista) e desconfiança (ideias de perseguição). É
considerada uma escala de carácter que detecta tendências
paranóides, mesmo em sujeitos que nunca tiveram manifestações
patológicas, em perturbações de dois tipos: i) perturbação caracterial
– carácter paranoide, hipersensitividade, orgulho, psicorigidez,
desconfiança e tendência interpretativa; ii) perturbação grave da
personalidade (psicose paranóide ou delírio paranóide). Uma grande
elevação nesta escala pode encontrar-se nas duas perturbações,
sendo mais elevada nas psicoses e indicam desconfiança,
interpretatividade, hostilidade, egocentricidade, grandes dificuldades
interpessoais e delírio sistematizado de mecanismo interpretativo.
Resultados muito baixos podem também indicar perturbação.
A escala “Psicastenia” foi validada num grupo de sujeitos
psicasténicos. Historicamente, o conceito psicastenia foi desenvolvido
pelo autor francês Pierre Janet. Este diagnóstico não é usado
actualmente mas assemelha-se ao actual conceito de perturbação
obsessivo-compulsiva. Estes doentes exibem, no plano sintomático,
uma preocupação excessiva, medos inadequados, obsessões,
dúvidas sistemáticas e em grau excessivo, rituais, grande fadiga física
e intelectual, mal-estar e níveis elevados de ansiedade. Trata-se,
essencialmente, duma escala sintomática e, uma nota elevada pode
ser geralmente considerada como um índice de ansiedade,
sentimentos de insegurança, auto-desvalorização e culpa –
associadas a características depressivas -, dificuldades de
concentração e queixas físicas, problemas gerais de adaptação e
ajustamento.
A escala clínica “Esquizofrenia” foi validada num grupo
heterogéneo de esquizofrénicos, compreendendo características
81
psicóticas: perturbações do pensamento; da percepção; do afecto;
dificuldades de controlo dos impulsos; e, dificuldades de socialização.
Os autores alertam para o cuidado que se deve ter na interpretação
de notas elevadas nesta escala.
A escala “Hipomania” foi validada num grupo de hipomaníacos,
nos quais se encontrava subjacente uma hiperactividade do
pensamento e da acção. As questões constituem duas sub-escalas: i)
expansividade – instabilidade e labilidade de humor, euforia, excitação
psicomotora, auto-conceito grandioso, egocentrismo, entusiasmo; ii)
irritabilidade – impulsividade, tendência de passagem ao acto.
Também se podem encontrar notas elevadas em quadros
psicopatológicos como psicoses, psicopatias e organicidade cerebral.
No final, a cotação de todas as escalas resulta na elaboração de
um gráfico que aponta para a normalidade (T50 a T65) ou para a
existência de patologia (acima de T65) nas dimensões de
personalidade descritas.
Através do perfil das escalas (forma como cada escala se inter-
relaciona no gráfico) é possível estudar a agressividade defensiva ou
ofensiva dos sujeitos através das relações e pontuações das escalas
da “Depressão”, “Histeria”, “Psicopatia”, “Paranóia”, “Esquizofrenia” e
“Mania”.
Se a elevação da escala “Psicopatia” se combina com uma
elevação da escala “Histeria”, pode-se observar um mau controle dos
impulsos, explosividade e propensão para a violência. Esta é a
combinação mais fiável para identificar possíveis comportamentos
violentos futuros (Ferrante, 1999).
82
A elevação da escala “Psicopatia” combinada com uma
elevação da escala “Mania” ou a escala “Esquizofrenia” os sujeitos
são descritos como hostis e impulsivos, expressando agressividade
ofensiva difusa ou contra pessoas específicas, respectivamente
(Gómez & Crespo, 2003).
A elevação da escala “Psicopatia” combinada com uma
elevação da escala “Depressão” e/ou a escala “Paranóia” indicam
nervosismo e irritação, usando agressividade indirecta, com tendência
em culpar os seus familiares ou outros, dos seus problemas ou do
seu comportamento (Gómez & Crespo, 2003).
Wechsler Adult Intelligence Scale (W.A.I.S.)
Com o nome original de Wechsler Adult Intelligence Scale, teve
como autor David Wechsler, psicólogo-chefe do Hospital Psiquiátrico
Bellevue e professor de Psicologia Médica do Colégio de Medicina da
Universidade de Nova York, nos Estados Unidos. Esta escala foi
publicada em 1968 e o seu objectivo principal é a Avaliação da
Inteligência Geral numa população compreendida entre os 16-17 e os
75-79 anos. A sua aplicação pode ser solicitada, principalmente, em
situações de avaliação das capacidades cognitivas dos indivíduos,
avaliação de sujeitos com dificuldades escolares (para averiguar se
existe ou não défice cognitivo), avaliação de sujeitos adultos para
efeitos de reforma, também para despistar determinadas doenças,
83
(que remetem para a perda de memória, como o Alzheimer) ou até
para verificar a existência de deterioração mental (Almeida, 1994).
A W.A.I.S. é composta por 12 subtestes: 6 para a Escala Verbal
e 6 para a Escala de Realização. Os 6 primeiros consistem em nas
provas de informação, compreensão, aritmética, semelhanças,
vocabulário e memória de dígitos, os de realização consistem nas
provas de completamento de gravuras, disposição de gravuras,
cubos, composição de objectos, código e labirinto embora, este
último, e o de memória de dígitos sejam considerados testes
suplementares, que podem ser usados como testes de alternativa
quando um teste do mesmo grupo é invalidado.
As escalas e os subtestes da W.A.I.S. podem ser descriminados da
seguinte forma:
subteste “Informação” mede a quantidade de informação geral que
o indivíduo absorveu do seu meio ambiente, curiosidade intelectual,
atenção dispensada ao mundo circundante, compreensão verbal,
memória remota e desenvolvimento de interesses específicos.
subteste “Memória de Dígitos” avalia a capacidade de atenção e
concentração, resistência à distracção, memória auditiva a curto
prazo.
subteste “Vocabulário” remete para a capacidade actual ou
passada para adquirir conhecimentos e para a eventual
possibilidade de perturbações a nível da linguagem ou do
pensamento.
84
subteste “Aritmética” remete para a conceptualização verbal e para
a expressão de conceitos numéricos, raciocínio, capacidade de
concentração e resistência à distração.
subteste “Compreensão” testa o conhecimento das regras sociais e
a capacidade de actuar em conformidade com essas mesmas
regras. O teste mede a compreensão verbal, adequação do juízo,
grau de informação prática adquirida, aptidão para avaliar a
experiência passada, grau de aculturação social, relacionando-o
com a adaptação social a um nível mais profundo.
subteste “Semelhanças” avalia a capacidade de conceptualização
e de compreensão da relação entre os conceitos dando conta da
capacidade de abstracção verbal, compreensão, pensamento
associativo e memória.
subteste “Completamento de Gravuras” reenvia para a capacidade
de distinguir o essencial do acessório (abstracção), interesse pelo
ambiente e informação geral, percepção, concentração, exame da
realidade (adaptação ao real).
subteste de “Disposição de Gravuras” dá conta da adaptação social
(superficial), das capacidades de síntese, do estabelecimento de
relações de causa-efeito, pensamento lógico, capacidade para
avaliar situações sociais, para prever e planear, para controlar
impulsos, e da organização perceptiva.
subteste “Cubos” avalia o raciocínio não verbal, o pensamento
analítico, organização perceptiva, apreensão das relações 85
espaciais, acuidade visuo-motora e concentração. Dá alguns
indícios de impulsividade ou cautela extrema.
subteste “Reconstituição de Objectos” exige a conceptualização do
todo a partir das partes, implicando o estudo da organização
perceptiva e estruturação espacial.
subteste “Código” avalia a capacidade de aprendizagem de uma
tarefa não familiar, destreza visuo-motora e capacidade de
concentração. Faz, também, apelo à aptidão grafo-motora
Os resultados desta escala são obtidos em termos de quociente
de inteligência (Q.I.) pela comparação dos resultados conseguidos no
teste com os resultados obtidos num único grupo de idade. A cada
sujeito é atribuído um Q.I., que para a sua idade, representa a sua
classificação relativa de inteligência, sendo este Q.I. padronizado,
uma vez que indica o grau, em que o sujeito se desvia acima ou
abaixo da média dos resultados do seu grupo etário. Esta média foi
pré-determinada com o valor de Q.I.=100 com um desvio padrão de
±15 valores.
Por último, pode-se calcular o Quociente de Deterioração Mental
(Q.D.), através da diferença entre a soma dos subtestes que se
mantêm em caso de deterioração mental (informação, vocabulário,
completamento de gravuras, composição de objectos) e dos que não
se mantêm (semelhanças; memória de dígitos; código e cubos). Essa
diferença é dividida pelo valor da soma dos primeiros e multiplicada
por 100. A partir desse valor é possível saber o grau de probabilidade
de existência de deterioração mental.
86
Teste de Manchas de Tinta de Rorschach (Rorschach)
Publicado pela primeira vez em 1921 pelo psiquiatra suíço,
Hermann Rorschach, nascido em Zurique (1884-1922), o teste das
manchas de tinta é construído segundo os princípios de um método
empírico não quantitativo: o autor concebeu numerosas manchas e
em seguida seleccionou aquelas que descriminavam melhor os
doentes mentais dos sujeitos ditos “normais”. Para a interpretação.
A prova consiste em interpretar formas acidentais ou seja,
imagens sem configuração determinada no intuito de revelar a
organização básica da estrutura da personalidade, incluindo os traços
afectivos e cognoscitivos fundamentais da vida mental. O teste
Rorschach não é temático e aplica-se a todos os sujeitos
independentemente do sexo e da idade (a partir dos 5 anos).
Esta prova é constituída por um conjunto de dez cartões, os
quais se podem agrupar nas dimensões estrutural e sensorial. A
dimensão estrutural refere-se à construção formal dos cartões, que se
diferenciam pelo carácter unitário ou bilateral. A dimensão sensorial
considera a sensibilidade cor e liga-se à natureza emocional e à
expressão de afectos, aos cartões pastel é-lhes conferido o papel de
indutores de afecto. Os cartões cinza e negro, com maior ou menor
presença do branco precipitam manifestações que vão desde
inquietação, ansiedade e angustia. Os cartões cor vermelho
associam-se à expressão de afectos brutos, o que pressupõe a
reactivação do movimento pulsional e agressivo. As pranchas pastel
induzem aos afectos.
87
Os estímulos Rorschach estruturam-se em torno de um eixo
mediano vertical, solicitando a uma semelhança com o esquema
corporal. Por conseguinte, as próprias formas e a oposição figura-
fundo reenviam a uma delimitação interior-exterior.
O esquema corporal funciona como suporte para a construção
de uma imagem do corpo, logo surge como condição necessária no
processo de individualização que possibilita a diferenciação entre o
sujeito e o objecto determinado o acesso à identidade.
As manchas organizam-se em torno do eixo central e diferem
pelo carácter unitário (I, IV, V, VI), ou bilateral (II, III, VII), bem como à
diferença das cores: negro/cinza (I, IV, VI), cor vermelha (II e III) e
cores pastel (VIII, IX, X). Daqui resultam implicações latentes, as
pranchas unitárias reenviam particularmente à imagem do corpo,
organizando simetricamente em torno de um eixo as de configuração
bilateral reenviam frequentemente às representações das relações.
Importa referir que existe neste teste, a extrema necessidade de
rigor do procedimento clínico (na relação estabelecida entre psicólogo
e sujeito) e na sua aplicação, seguindo-se todo o processo por
normas bem explicitas, às quais o psicólogo que aplica e interpreta
este teste, não deverá fugir.
A cotação faz-se a partir de um levantamento de cada resposta.
Esse levantamento refere-se em vários níveis: os modos de
apreensão (localização da resposta); os determinantes (o factor que
determinou a resposta) e os conteúdos (características dos objectos
identificados).
A interpretação dos resultados deste teste é dividida em três
níveis sendo o primeiro a análise quantitativa (psicograma), o
segundo a comparação dos valores do psicograma com os dados
normativos e o terceiro a análise qualitativa. A análise mais frutuosa 88
no sentido de avaliar o a personalidade é a análise do segundo e
terceiro nível, contudo os elementos individuais do psicograma
também fornecem informação acerca do funcionamento do sujeito
(Traubenberg, 1970).
Os elementos do psicograma que poderão fornecer mais
informação, acerca do funcionamento mental e personalidade de um
sujeito são os seguintes (Chabert, 1997):
N. R. - número de respostas dadas, sendo que o valor
normativo é de 20 a 30 respostas por protocolo;
G% e D% - percentagens dos modos de apreensão que
são mais numerosos nos protocolos do Rorschach (o valor
normativo é de 20-30% e 70-80%, respectivamente);
F, F+; (F-) - determinantes formais, isto é, o percepto é
apreendido pela forma, sendo que o “+” representa uma
boa forma e o “ – “ representa uma má forma;
F% e F+% - percentagens dos determinantes formais,
sendo que o valor normativo é de 50-70% e 80-95%,
respectivamente;
C, CF e FC - determinante cor, sugerindo que o indivíduo
imaginou a figura respondida baseando-se na cor ou na
cor conjuntamente com a forma (valor normativo é de
3FC/1CF/0C);
K e Kan - determinante movimento, o que fez responder o
indivíduo foi o movimento imaginado a partir da mancha,
podendo ser movimento humano ou animal,
respectivamente (o valor normativo para K é de 1 a 3 por
protocolo);
89
H e Hd - conteúdos humanos, indicando que foi percebido
um ser humano ou um ser humano irreal, respectivamente;
A e Ad - conteúdos animais, indicando que a característica
física da resposta é representada por um animal ou animal
irreal, respectivamente;
H% e A% - percentagens dos conteúdos humanos e
animais, respectivamente (valor normativo de para o H% é
de 10 a 20% enquanto que para o A% é de 35 a 40%);
TRI (tipo de ressonância íntima) – exprime a relação das
respostas movimento com as respostas cor, esta relação e
as suas interferências determinam a atitude fundamental
da personalidade para consigo mesma e para o mundo
exterior, existindo quatro tipos: extratensivo (puro e misto);
introversivo (puro e misto); coartado e; ambigual;
RC% (percentagem da resposta à cor) – soma do número
de respostas das últimas três pranchas, sendo dividido
posteriormente pelo número total de respostas e
multiplicado por 100 (valor normativo é de 30 a 40%);
I.A. (Índice de angústia) – Obtido através de uma fórmula
sendo que o seu valor acima de 12 é indicador de
angústia;
Ban (banalidades) – respostas dadas pela maioria da
população (valor normativo de 5 ou 6 num protocolo com
20 a 30 respostas).
6.2 Procedimentos e critérios de selecção
90
Os procedimentos aplicados no presente estudo inscrevem-se
em abordagens descritivas e diferenciais. A variável por nós
manipulada foi o risco de comportamentos violentos (valor total do
HCR-20), sendo por conseguinte, a variável independente.
O valor máximo do HCR-20 é 40, no entanto, como o item
“psicopatia” do HCR-20 foi omitido, dado não ter sido possível aplicar
correctamente a PCL-R (vide capítulo 7.1.2.) o valor total máximo
obtido a partir deste protocolo de avaliação do risco de violência,
passou para 38 valores, sendo que a mediana realizada com intuito
de dividir a amostra em dois grupos, surge deste último valor.
As medidas psicométricas subjectivas obtidas pela W.A.I.S.,
Mini-mult, Psicograma do Rorchach e Itens corrigidos do HCR-20,
serviram propósitos diferenciais, assumindo-se deste modo, como
variáveis dependentes.
A partir dos três primeiros instrumentos de avaliação acima
referidos foi-nos possível gerar seis neo-variáveis:
O índice de deterioração mental – obtido através de uma
fórmula que usa os valores de determinadas sub-escalas da
W.A.I.S. (vide capítulo 6.1.). Este índice reflecte a existência
ou não de diferenças do funcionamento intelectual do
avaliando, relativamente ao passado;
Índice de Gough ou índice de dissimulação – é obtido através
da diferença entre os valores brutos das sub-escalas “F” e “K”
do Mini-mult. Este índice permite-nos avaliar a possível
tendência do avaliando em distorcer as respostas, quer no
sentido de criar uma melhor ou pior imagem de si. Se o valor
“F-K” for superior a +11 existe uma possível tentativa do
avaliando em simular uma patologia enquanto que se “F-K” 91
for inferior a –11, existe uma possível tentativa do avaliando
em dar uma impressão favorável(Gómez & Crespo, 2003).
Impulsividade/Agressividade -. Esta variável foi obtida através
da avaliação do perfil do Mini-mult de cada indivíduo. Os
indivíduos que apresentavam um perfil em que os valores
transformados (T) eram superiores a 70 (elevação) nas
escalas “Psicopatia” e “Histeria” foram por nós considerados
“explosivos” tendo-lhes sido atribuído o valor subjectivo de
um (1). Os indivíduos que apresentavam uma elevação da
escala “Psicopatia” combinada com a elevação da escala
“Esquizofrenia” ou “Mania” foram por nós considerados
“impulsivos e hostis”, sendo-lhes atribuído um valor subjectivo
de dois (2). Aos indivíduos que tinham um perfil com a
elevação combinada das sub-escalas “Psicopatia”,
“Paranóide” e/ou “Depressão” foi-lhes atribuído o valor
subjectivo de três (3) tendo sido classificados como
“irascíveis”. Aqueles que não tinham uma elevação das
escalas anteriormente referidas, foram considerados
“normais”, tendo-lhes sido atribuído um valor subjectivo de
quatro (4). Desta forma obtivemos quatro variáveis ordinais
no que diz respeito à impulsividade/agressividade, sendo que
quanto mais baixo o valor maior será a probabilidade de
comportamentos violentos;
O Tipo de Ressonância íntima (T.R.I.) exprime a relação
existente entre o número de respostas cinestésicas e a soma
das repostas cor, existindo diferentes tipos (vide capítulo
7.1.2). Tendo em conta o controlo dos impulsos e
probabilidade de comportamentos agressivos ordenamos os
tipos desta forma: para o tipo extratensivo puro que 92
corresponde a um indivíduo imaturo e impulsivo concedemos
o valor subjectivo um (1), enquanto para o extratensivo misto
(as necessidades afectivas exprimem-se sem freios)
concedemos o valor dois (2); para o tipo introversivo misto
(indivíduos muito centrados em si mesmos mas capazes de
incidentes violentos) concedemos o valor três (3); ao tipo
coartado (pouco tolerantes nas situações de tensão
fisiológica e psicológica) concedemos o valor de quatro (4);
ao tipo introversivo puro (são capazes de protelar a acção e
gratificação) concedemos o valor cinco (5); enquanto ao tipo
ambigual (exercem com flexibilidade o controle sobre a
exteriorização das descargas afectivas. Deste modo quanto
menor o valor menor será a capacidade de controlo dos
impulsos.
O RC% é um índice que reflecte a reactividade perante a cor
dos últimos três cartões sendo que quanto maior o valor
maior a reactividade emocional. O índice de angústia (I.A.)
quando superior a 12 é indicador de angústia psicológica.
Todos os participantes foram informados sobre as finalidades do
estudo, tendo sido obtido o seu consentimento expresso. Além disso,
foram esclarecidos que o estudo servia fins de investigação.
A amostra utilizada neste planeamento inter-sujeitos é composta
por indivíduos com esquizofrenia segundo os critérios de diagnóstico
do DSM-IV-TR (APA, 2000) e a cumprir medida de segurança
(internados por existência de perigosidade) numa enfermaria de
segurança (8ª enfermaria do Hospital Miguel Bombarda) devido a
ofensas contra a vida (homicídio) ou contra a integridade física
(agressão física).93
A selecção dos indivíduos que compõem a amostra obedeceu a
um conjunto de critérios de inclusão (vide capítulo V) e exclusão
previamente definidos, em função dos quais foram por nós avaliados e
pré-seleccionados.
Foram aplicados os seguintes critérios de exclusão: História de
abuso de substâncias (álcool ou drogas) durante o internamento;
diagnóstico de Deficiência Mental segundo o DSM-IV-TR (APA, 2000);
diagnóstico de Perturbação Mental Secundária a Estado Físico Geral
segundo o DSM-IV-TR (APA, 2000); ausência de habilitações
literárias mínimas (4ª classe), tendo em conta garantir a possibilidade
de utilizar testes e escalas de auto-avaliação.
Todos os indivíduos foram submetidos a uma entrevista clínica
sendo também pesquisados os processos clínicos e judiciais destes
indivíduos visando detectar a presença de qualquer dos factores de
exclusão atrás referidos.
Estes procedimentos de selecção visaram a constituição de uma
amostra homogénea.
No final formou-se uma amostra de 15 indivíduos
esquizofrénicos com passado de violência.
6.3 Métodos estatísticos
6.3.1. Estatística descritiva
Foi efectuado o cálculo de frequências, médias e desvios padrão
(Guilford e Fructer, 1978).
94
6.3.2. Estatística inferencial
Para efeitos de descrição e comparação intra-sujeitos, tendo em
consideração as características da amostra e de acordo com Greene
& Oliveira (1999), utilizou-se o teste não-paramétrico de Mann-
Whitney ou t-student para amostras independentes.
95
Capítulo VII
Resultados
Em primeiro lugar são apresentados os dados relativos à
descrição da amostra no que se refere aos aspectos sócio-
demográficos, tempo de internamento e tipo de crime cometido, sendo
estes mesmos dados apresentados relativamente a cada um dos
grupos (7.1). Posteriormente, referem-se os resultados da
comparação entre dois grupos no decurso da análise de variância a
que a amostra foi sujeita, relativos às avaliações subjectivas da
personalidade, da cognição e aos valores corrigidos das medidas de
risco de violência (7.2).
7.1 Caracterização da Amostra
A nossa amostra é constituída por 15 indivíduos (n=15) com o
diagnóstico de esquizofrenia, segundo os critérios de diagnóstico do
DSM-IV-TR (APA, 2000) e detidos em enfermaria de segurança
devido a crimes graves pregressos.
A média de idades é de 37,6 anos com um desvio padrão de
7,92 anos, sendo que a idade mínima é de 24 anos e a máxima é de
48 anos (quadro 1). Relativamente ao estado civil, treze são solteiros
(86,67%), a grande maioria, enquanto que somente dois são
divorciados (13,33%). 96
Quanto à escolaridade, sete (46,67%) possuem 1º ciclo, cinco
(33,33%) completaram o 2º ciclo, um (6,67%) terminou o 3º ciclo e
dois (13,33%) concluíram o ensino secundário, não existindo nenhum
sujeito da amostra com formação superior (quadro 1). Relativamente
ao tempo de internamento dos sujeitos da amostra verifica-se um
tempo médio de 4,93 anos, com um desvio padrão de 3,33 anos,
sendo que o tempo mínimo é de 1 ano e o máximo é de 12 anos
(quadro 1). Quanto ao tipo de crime cometidos, seis (40%) cometeram
crime contra a vida na forma consumada, quatro (26,7%) cometeram
crime contra a vida na forma tentada e cinco (33,3%) cometeram
crime contra a integridade física (quadro 1).
O quadro 1 refere-se às características sócio-demográficas da
amostra.
Quadro 1. Características Sócio-Demográficas da amostaAmostra (N=15)
Percentagem(100%)
Idade
Média ± DPMin-Máx
37,60±7,9224-48
Estado Civil
SolteiroDivorciado
132
86,67%13,33%
Escolaridade
1º Ciclo2º Ciclo3º CicloEnsino Secundário
7512
46,67%33,33%6,67%13,33%
Tempo de internamento
Média ± DPMin-Máx
4,93±3,331-12
Tipo de crime
Crime contra a vida (forma consumada)Crime contra a vida (forma tentada)Crime contra a integridade física
645
40%26,7%33,3%
97
Os indivíduos da nossa amostra foram divididos em dois grupos,
tendo como referência a mediana do valor máximo do HCR-20 :
1. Com menor risco de comportamentos violentos (n=7).
2. Com maior risco de comportamentos violentos (n=8)
Deste modo podemos definir as características socio-
demográficas de cada grupo (quadro 2)
Verificamos que a média de idades do grupo “1” é de 37,71 com
um desvio padrão de 7,13 enquanto que a média de idades do grupo
“2” é de 37,50 com um desvio padrão 9,04.
Quanto ao estado civil denotamos que no grupo “1” seis (85,7%)
são solteiros e um (14,3%) é casado, enquanto que no grupo “2”, sete
(87,5%) são solteiros e um (12,5%) é casado (quadro 2).
Relativamente à escolaridade no grupo “1” encontramos que
cinco (78,4%) indivíduos da amostra completaram o 1º ciclo e dois
(28,6%) completaram o 2º ciclo, enquanto que no grupo “2”, dois
(25%) indivíduos completaram o 1º ciclo, três (37,5%) completaram o
2º ciclo, um completou o 3ºciclo (12,5%) e dois (25%) completaram o
ensino secundário. Assim pudemos verificar que no grupo dois existe
um melhor nível de escolaridade (quadro 2).
No grupo “1” a média de tempo de internamento situa-se nos
5,57 anos com um desvio padrão de 2,51 anos, enquanto que no
grupo “2” esta média situou-se nos 4,38 anos com um desvio padrão
de 4 anos (quadro 2).
98
Quanto ao tipo de crimes praticados pelos sujeitos da amostra
verifica-se que no grupo “1”, 1 (14,3%) cometeram ofensas contra a
vida na forma consumada, 3 (42,9%) cometeram ofensas contra a
vida na forma tentada e 3 (42,9%) cometeram ofensas contra a
integridade física.
No grupo “2”, a grande maioria, doentes esquizofrénicos, 5
(62,5%) cometeram ofensas contra a vida na forma consumada, 1
(12,5%) cometeram ofensas contra a vida na forma tentada e 2
(20,5%) cometeram ofensas corporais (quadro 2).
Quadro 2. Características sócio-demográficas de cada um dos gruposMenorRisco(N=7)
Maior Risco(N=8)
Idade
Média ± DPMin-Máx
37,71±7,1324-48
37,50±9,0424-48
Estado Civil
SolteiroDivorciado
6 (85,7%)1 (14,3%)
7 (87,5%)1 (12,3%)
Escolaridade
1º Ciclo2º Ciclo3º CicloEnsino Secundário
5 (71,5%)2 (28,6%)
2 (25,0%)3 (37,5%)1 (12,5%)2 (25,0%)
Tempo de internamento
Média ± DP5,57±2,51 4,38±4,00
Tipo de crime
Crime contra a vida (forma consumada)Crime contra a vida (forma tentada)Crime contra a integridade física
1 (14,3%)3 (42,9%)3 (42,9%)
5 (62,5%)1 (12,5%)2 (25,0%)
99
7.2. Estudo comparativo
Nos seguintes quadros apresentam-se os resultados obtidos
através da extracção da média e desvio padrão das medidas utilizadas
resultantes da aplicação do Mann-Whytney ou teste de t-student para
variáveis independentes, bem como os valores U e p.
O racio U é obtido para cada fonte de variância e corresponde ao
racio dessa determinada fonte de variância dividido pela variância do
erro; quanto menor o valor de U, mais provável será que a variabilidade
nos resultados devida a essa variável seja significativa (p). Os valores
de p, ou nível de significância, pré-estabelecidos e calculados referem-
se ao erro do tipo I, ou seja, à rejeição da hipótese nula sendo esta
verdadeira.
7.2.1. Comparação intergrupos para as medidas cognitivas
Quadro 3. W.A.I.S. (média±desvio-padrão)
MenorRisco(N=7)
Maior Risco(N=8)
Mann-Whitney
U p
Escala de Informação 6,43±3,91 6,88±3,68 24,500 ,684Escala de Memóriade Algarismos 5,29±2,21 8,38±4,00 12,000 ,061Escala deVocabulário 6,43±2,30 6,13±2,30 25,000 719Escala deCompreensão 8,14±3,39 8,13±1,81 28,000 1,000Escala deSemelhanças 7,43±3,51 7,00±3,55 25,500 ,772Escala de Completamento de Imagens 7,29±3,90 6,50±4,24 25,000 ,728 = ,05
100
Quadro 3 (continuação). W.A.I.S. (média±desvio-padrão)
MenorRisco(N=7)
Maior Risco(N=8)
Mann-Whitney
U p
Escala deCubos 4,14±2,54 4,88±2,90 24,500 ,681Escala de Reconstituição de de Objectos 4,86±2,41 5,88±4,91 27,500 ,953Escala deCódigo 3,71±2,06 3,88±1,55 24,000 ,633Q.I. Total 72,43±15,22 76,50±16,00 25,000 ,728Q.I. Verbal 76,14±17,12 82,63±14,27 21,500 ,452Q.I. deRealização 70,29±16,08 74,13±17,39 21,500
,451
Quociente de Deterioração 0,16±0,24 -0,03±0,27 15,500 ,148 = ,05
Das várias medidas cognitivas, avaliadas a partir da W.A.I.S., não se
verificam valores estatisticamente significativos (Quadro 3).
7.2.2. Comparação intergrupos para as medidas de personalidade
7.2.2.1. Mini-Mult
Foram analisadas as três escalas de validade – L, F e K - e as
oito escalas clínicas. Das escalas clínicas quatro são escalas da
personalidade: Histeria (Hy); Psicopatia (Pd); Paranóia (Pa); e;
Hipomania (Ma), enquanto que as outras quatro são escalas sintoma:
Hipocondria (Hs); Depressão (D); Psicastenia (Pt) e; Esquizofrenia
(Sc).
101
Quadro 4. Mini-Mult (média±desvio-padrão)
MenorRisco(N=7)
MaiorRisco(N=8)
Mann-Whitney
U p
Mini-Mult L 55,43±14,39 56,38±11,01 26,500 ,861
Mini-Mult F 52,57±14,25 61,13±14,15 17,500 ,222
Mini-Mult K 53,43±4,58 58,50±9,49 21,00 ,413
Mini-Mult Hs 62,71±7,64 72,00±17,73 17,500 ,223
Mini-Mult D 58,29±11,35 72,38±12,93 11,500 ,056
Mini-Mult Hy 60,14±6,57 73,50±9,07 5,000 ,007
Mini-Mult Pd 60,86±12,02 74,75±5,15 6,500 ,012
Mini-Mult Pa 66,86±16,79 80,00±12,65 13,500 ,093
Mini-Mult Pt 51,86± 67,50±9,06 13,500 ,092
Mini-Mult Sc 66,00±16,82 87,25±10,89 8,500 ,024
Mini-Mult Ma 51,86±6,94 55,25±8,41 20,500 ,382
= ,05
Das várias dimensões da personalidade avaliadas pelo Mini-Mult
(Quadro 4), observam-se valores estatisticamente significativos nas
escalas clínicas “Histeria” (U=5,000; p=0,007), “Psicopatia” (U=6,500;
p=0,012), e “Esquizofrenia” (U=8,500; p=0,024).
102
A partir da avaliação individual dos perfis do Mini-Mult foi
possível determinar o grau de impulsividade/agressividade de cada
indivíduo (vide capítulo 6.2.).
Quadro 5. Neo-variáveis partindo dos valores das escalas do Mini-mult
MenorRisco(N=7)
MaiorRisco (N=8)
Mann-
Whitney
U p
Mini-mult
Índice de Gough -2,86±7,20 -1,00±9,89 24,500 ,685Mini-Mult
Impulsividade/Agressividade 3,43±0,79 2,38±0,92 10,500 ,031 = ,05
A partir Quadro 5 verifica-se que não existe uma diferença
significativa entre os dois grupos no que se refere ao “Índice de
Gough” (U=24,500; p=0,685). Por outro lado os valores de ambos os
grupos encontram-se no intervalo de [-12, 12], evidenciando que não
terá existido em média uma tentativa de manipular o teste de auto-
avaliação Mini-mult.
Através da avaliação individual dos perfis do Mini-Mult verifica-
se (Quadro 5) uma diferença estatisticamente significativa para a
medida “Impulsividade/Agressividade” (U=10,500; p=0,031), sendo
que os valores que os valores mais baixos são do grupo de maior
risco de violência, o que nos diz que este grupo, é mais propenso à
violência.
103
7.2.2.2. Rosrschach
Quadro 6. Psicograma do Rorschach (média±desvio-padrão
MenorRisco(N=7)
Risco Alto
(N=8)
Mann-
Whitney
U
p
RorschachNº de Respostas 14,14±6,07 16,75±5,95 18,000 ,242RorschachG% 51,71±19,81 65,25±20,73 15,500 ,148RorschachD% 42,86±19,16 28,50±19,33 13,500 ,093RorschachF 11,43±6,19 10,50±5,18 26,500 ,861RorschachF+ 6,00±5,51 4,88±3,40 25,000 ,727RorschachF- 5,14±2,48 5,00±2,68 27,500 ,953RorschachF% 79,14±13,64 62,63±19,10 13,000 ,083RorschachF+% 44,29±24,93 45,00±15,05 25,500 ,772RorschachK 0,29±0,49 1,88±1,96 11,000 ,036RorschachKan 0±0 0,88±0,64 7,000 ,005RorschachC 0,71±0,76 1,00±0,76 22,00 ,453RorschachF 0,43±0,53 0,88±1,36 24,500 ,648RorschachC 0,43±0,79 0,75±1,39 25,500 ,729RorschachA 6,57±2,70 6,88±2,59 26,500 ,857RorschachAd 0,57±1,13 0,50±0,53 24,500 ,593RorschachH 0,29±0,49 2,00±1,60 7,500 ,012RorschachHd 0,57±0,79 1,50±1,77 19,500 ,294RorschachA% 55,86±22,42 46,25±18,69 22,000 ,487RorschachH% 5,29±5,15 23,88±15,98 7,500 ,017RorschachBanalidades 2,14±1,21 3,00±1,07 16,000 ,141 = ,05
104
A partir da análise do psicograma do Rorschach (Quadro 6),
verificaram-se somente diferenças significativas nos valores de K
(p<0,36), de Kan (p<0,05), de H (p<0,012) e de H% (p<0,017).
Perante algumas das medidas do psiograma do Rorschach foi-
nos possível obter alguns índices (vide capítulo 6.2.). Destes índices
fez-se uma comparação entre os dois grupos (quadro 7).
Quadro 7. Índices do Psicograma do Rorschach (média±desvio-padrão)
MenorRisco(N=7)
Risco Alto
(N=8)
Mann-
Whitney
U
p
RorschachT.R.I. 2,29±1,11 2,75±1,67 24,500 ,677RorschachResposta à cor 32,43±6,27 24,63±8,37 13,000 ,082RorschachÍndice de Angústia 6,00±15,66 12,50±8,90 25,500 ,771 = ,05
Relativamente aos índices do psicograma do Rorschach, não se
observaram diferenças estatisticamente significativas na comparação
entre os grupos (Quadro 7).
7.2.3. Comparação intergrupos para as medidas corrigidas do HCR-20
Dado que o protocolo de avaliação do risco de comportamentos
violentos HCR-20 é constituído por três escalas (Histórica; Clínica e
Manejo de risco), apresentamos os resultados dos das medidas
105
corrigidas dos itens de cada subescala em três quadros diferentes
(quadro 8; quadro 9 e quadro 10, respectivamente).
Quadro 8. Valores corrigidos dos itens históricos do HCR-20 (média±desvio-padrão)
MenorRisco(N=7)
Maior Risco(N=8)
Mann-
Whitney
U p
HCR-20
Violência prévia 12,03±3,52 8,06±1,75 12,000 ,062
HCR-20
Idade 1º incidente violento 7,04±0,54 5,34±1,94 10,000 ,036
HCR-20
Inst. Nos relacionamentos 8,07±5,05 5,38±2,04 15,000 ,132
HCR-20
Problemas de emprego 4,08±6,97 2,06±2,24 26,000,
794
HCR-20
Abuso de substâncias 12,98±2,50 7,50±3,20 5,000 ,007
HCR-20
Pert. Mental Grave 12,98±2,50 8,63±1,05 6,000 ,010
HCR-20
Inadaptação precoce 3,89±3,65 3,22±3,18 23,500 ,590
HCR-20
Pert. da personalidade 3,90±3,67 4,88±3,10 25,500 ,770
HCR-20
Prob. supervisão anterior 1,97±3,37 6,44±3,45 8,500 ,020
= ,05
Na análise estatística efectuada no quadro 8 foi possível
encontrar diferenças significativas em quatro dos nove itens que
constituem a sub-escala “Histórica” do protocolo de avaliação do risco
106
de violência HCR-20, nomeadamente nos itens “Idade do primeiro
incidente violento” (U=10,00; p=0,036), “Abuso de substâncias”
(U=5,000; p=0,007), “Perturbação mental grave” (U=6,000; p=0,010) e
“Problemas em supervisão anterior” (U=8,500; p=0,020). Somente
neste último item a média é superior para o grupo com maior risco de
comportamentos violentos enquanto que para todos os outros itens
significativos encontrados os valores das médias são superiores para
o grupo com menor risco de violência.
Quadro 9. Itens corrigidos da sub-escala Clínica do HCR-20 (média±desvio-padrão)
Menor Risco (N=7)
MaiorRisco (N=8)
Mann-
Whitney
U
p
HCR-20
Fraco insight 5,06±3,50 6,28±3,11 21,000 ,416
HCR-20
Atitudes negativas 0,95±2,52 5,12±2,50 8,000 ,015
HCR-20
Sint. activos de pert. mental 5,19±3,56 4,29±1,93 16,000 ,161
HCR-20
Impulsividade 1,85±3,15 6,47±2,43 8,000 ,018
HCR-20
Sem resp. ao tratamento 0,00±0,00 3,45±3,08 10,500 ,016
= ,05
A análise comparativa dos resultados dos dois grupos (Quadro
9) permitiu encontrar diferenças com significado estatístico em três
dos cinco itens da sub-escala “Clínica” do HCR-20: “Atitudes
Negativas” (U=8,000; p=0,015); “Impulsividade” (U=8,000; p=0,018) e
“Sem resposta ao tratamento” (U=10,500; p=0,016), sendo que todos
107
os valores das médias são superiores para o grupo com maior risco
de violência.
Quadro 10. Itens corrigidos da sub-escala de Manejo do Risco do HCR-20 (média±desvio-padrão)
MenorRisco(N=7)
MaiorRisco (N=8)
Mann-
Whitney
U p
HCR-20
Planos sem viabilidade 2,87±3,58 5,27±2,91 18,000 ,238
HCR-20
Exposição a destabilizadores 6,08±2,73 5,32±1,98 16,000 ,163
HCR-20
Fraco apoio pessoal 3,96±3,73 4,18±3,18 28,000 1,000
HCR-20
Não adesão ao tratamento 0,95±2,52 4,05±2,76 12,000 ,044
HCR-20
Stress 3,96±3,73 6,02±2,70 20,000 ,352
= ,05
Dos vários itens avaliados através da sub-escala de Manejo do
Risco do HCR-20 (Quadro 10), verificam-se somente, valores
estatisticamente significativos no item ”Não adesão ao tratamento”
(U= 12,000; p=0,044).
O quadro com as medidas corrigidas dos valores totais de cada
sub-escala são apresentados no quadro 11.
108
Quadro 11. Valores totais das sub-escalas do HCR-20 (média±desvio-padrão)
MenorRisco(N=7)
Maior Risco(N=8)
Mann-Whitney
U p
HCR-20
Total Histórica 69,12±3,61 54,49±9,49 1,500 ,002
HCR-20
Total Clínica 13,06±2,83 24,71±6,39 3,000 ,004
HCR-20
Total Manejo 17,84±4,35 24,27±3,75 8,000 ,020
= ,05
Os valores totais corrigidos de cada sub-escala do HCR-20
(Quadro 11) são todos estatisticamente significativos após
comparação dos dois grupos: “Total da sub-escala histórica”
(U=1,500; p=0,002), “Total da sub-escala clínica” (U=3,000; p=0,004),
“Total da sub-escala manejo de risco” (U=8,000; p=0,020).
109
Capítulo VIII
Discussão e conclusões
O presente trabalho inscreve-se na discussão, sempre actual,
centrada na forma de prever a reincidência de formas graves de
violência em doentes com esquizofrenia segundo os critérios
diagnósticos do DSM-IV TR(APA, 2000).
Inclui-se no imaginário popular a relação da loucura com a
violência. Este mito tem sido clarificado à medida que se valoriza
devidamente a importância do consumo e abuso de substâncias
assim como formas específicas e graves de violência como seja a
violência doméstica.
A relevância da doença mental, da personalidade, das
patologias aditivas e da inserção social e familiar no determinismo dos
comportamentos violentos não é de todo algo novo. Todavia,
encontram-se pouco definidos os enquadramentos específicos,
caracterizados por preditores das dimensões com relevância nesta
área, nos quais a probabilidade de ocorrência de comportamentos
violentos atinge uma magnitude preocupante.
Numa perspectiva de Saúde Pública, esta questão coloca-se
não só ao nível dos cuidados primários e secundários. Prevenir a
reincidência de comportamentos (nível de cuidados terciários) é não
110
só pertinente como indispensável face às consequências destes
comportamentos.
O Historical, Clinical and Rissk Management Checklist of Risk
Factors for Violent Behavior-20 (HCR-20), constitui-se como uma
escala de predição do risco de violência em indivíduos com doença
mental. Os indivíduos que pontuam acima da mediana, têm uma
probabilidade de seis a treze vezes superior de cometerem
comportamentos violentos comparativamente a indivíduos que
pontuam abaixo da mediana (Douglas et al., 1999).
No presente trabalho tentámos estudar as relações entre as
medidas facultadas pelo HCR-20 e medidas da esfera cognitiva
(W.A.I.S.) e da personalidade (Mini Mult e Teste de Rorschach) no
sentido de, no seio de doentes esquizofrénicos detidos por
comportamento violento grave, traçar o perfil cognitivo e de
personalidade daqueles que encerram um risco de reincidência mais
elevado.
Deste modo e face aos objectivos delineados (vide capítulo VI)
passamos à discussão dos resultados obtidos com os instrumentos
utilizados para gerar medidas cognitivas e medidas relativas à
personalidade nos dois grupos de doentes esquizofrénicos estudados.
8.1. Medidas cognitivas
Nesta alínea discutem-se os resultados obtidos através da
aplicação da W.A.I.S. a dois grupos de doentes esquizofrénicos.
111
Segundo a hipótese que colocámos no capítulo VI, estas duas
amostras apresentariam diferenças entre si. Fomos algo
surpreendidos pelos resultados que, de modo consistente,
evidenciaram diferenças às quais o processamento estatístico não
atribuiu significância. Os valores computados dos ß respectivos
conferem-nos alguma segurança face à probabilidade de ocorrência
de um erro do tipo II permitindo a inferência que o aumento da
dimensão das amostras não permitiria extrair diferenças significativas.
A literatura existente é escassa contudo é referido por Silverton
(1988) que o quociente verbal seria mais elevado no grupo de doentes
esquizofrénicos mais violentos.
Numa altura em que os aspectos cognitivos da esquizofrenia
são revisitados e procura-se também discriminar a sua importância
nos aspectos nosológicos, etiológicos, terapêuticos e comunitários o
estudo diferencial indicia que as medidas cognitivas na forma das sub-
escalas da W.A.I.S. não têm valor caracterizador e preditivo. No
entanto, não excluímos a hipótese de as amostras divergirem quando
outros instrumentos de medida sejam empregues ou porventura
quando sejam indagados atributos mais subtis inscritos nesta área da
cognição.
8.2. Medidas de personalidade
No presente trabalho procurou-se obter o perfil de personalidade
dos dois grupos em estudo. A psicometria subjectiva levanta questões
delicadas mo domínio da personalidade. Constitui-se como um
truísmo banal afirmarmos que existe uma diferença na aceitação das 112
medidas produzidas pelo Mini-Mult ou pelo Teste de Rorschach.
Também sabemos que o segundo teste tem uma importância
reconhecida na práxis psicológica, no entanto surgem algumas
reticências quanto à sua importância na investigação. Pensamos que
parte desta reticência na utilização do Teste de Rorschach na
investigação clínica se deve à maior ou menor contaminação das suas
medidas por juízos subjectivos do cotador. Contudo, a fidelidade inter-
cotadores na análise quantitativa (psicograma) do Teste de Rorschach
varia consoante as medidas. Uma interpretação possível é que cada
medida encerra uma vulnerabilidade maior ou menor à contaminação
subjectiva efectuada pelo cotador.
Mini-Mult
Os resultados obtidos confirmam a nossa hipótese unilateral
inicial, na qual se propunha a existência de diferenças em dimensões
relevantes da personalidade medidas pelo Mini-Mult (MMPI).
A avaliação conjunta das sub-escalas de Psicopatia, Histeria,
Mania, Paranóia e Esquizofrenia permitiu-nos quantificar, em termos
ordinais de mensuração, a agressividade nos dois grupos. A diferença
encontrada entre os dois grupos (p=0,031) não nos espantou mas
somos levados a pensar que as dimensões Histeria (p=0,007),
Psicopatia (p=0,012) e Esquizofrenia (p=0,024) são, por esta ordem,
determinantes na constituição de uma agressividade global, pelo
menos nas duas amostras estudadas. A dimensão Histeria e a sua
relação com a dimensão Psicopatia assume neste trabalho um
protagonismo com implicações de todo irrelevantes na compreensão
da violência.113
Teste de Rorschach
A violência como qualquer tipo de comportamento resulta de
ideias, imagens e impulsos que por sua vez são determinados
também, mas não só, pela forma como o indivíduo processa
elementos da realidade exterior.
Um K elevado indica um recurso desadequado ao imaginário. O
resultado comparativo quanto ao K (p=0,036) revela diferenças
relevantes. Quer-nos assim parecer que um recurso desadequado ao
imaginário concorre com um comportamento violento.
O Kan (p=0,005) mostra-nos uma menor adaptação à realidade
concreta e uma redução das capacidades de realização no grupo de
esquizofrénicos com um risco maior de repetição de comportamento
violento. A agressividade mais ou menos destrutiva ou contida
evidenciada pelo Kan é congruente com a medida de risco do HCR-20
com a qual constituímos os dois grupos de esquizofrénicos.
O compromisso da capacidade de contacto humano medido pelo
H% (p=0,017) é superior nos esquizofrénicos menos violentos. Este
resultado permite uma hipótese algo paradoxal, ou seja, uma
capacidade satisfatória de contacto humano não é protectora no que
se refere à violência tendo em consideração as medidas empregues.
A estereotipia revelada pelo H define-se pela percepção de
atributos individuais. O H (p=0,012) sugere que este indicador poderá
ter alguma validade de critério concorrente para o comportamento
violento.114
8.3. Medidas corrigidas do HCR-20
A comparação dos valores corrigidos do HCR-20 nos dois
grupos permite-nos saber a proporção como cada sub-escala ou item
do HCR-20 contribui para o valor global do HCR-20 e as respectivas
diferenças nos dois grupos de esquizofrénicos.
Assim, salientamos a importância da Clínica (p=0,004) e do
Manejo do risco (p=0,02) no grupo de maior risco e a sub-escala
Histórica (p=0,002) no grupo de menor risco.
O grupo de maior risco compromete-se mais nos itens corrigidos
“Impulsividade” (p=0,018), “Atitudes Negativas” (p=0,015), “Sem
resposta ao tratamento” (p=0,016), “Não adesão ao tratamento”
(p=0,044), “Problemas em supervisão anterior” (p=0,020).
No grupo de menor risco sobressaem os itens “Idade do primeiro
incidente violento” (p=0,036), “Problemas no uso de substâncias”
(p=0,007) e “ Perturbação Mental Grave” (p=0,010).
8.4. Relação entre medidas de personalidade e as medidas corrigida
do HCR-20
Os traços de personalidade são um dos factores centrais para
explicar a violência humana (Anderson et al., 1995). As características
de personalidade do grupo de maior risco podem explicar a
importância de certos itens do no valor total do HCR-20. Os sujeitos
do grupo de maior risco, ao contrário do outro grupo, mantêm no
115
presente, certos comportamentos que elevam o risco de violência,
mesmo após tratamento farmacológico.
116
Comentário final
Salvaguardando que estudos futuros são necessários nesta área,
consideramos interessante que o nosso trabalho corrobore Ferrante
(1999) quanto à elevação da escala “Psicopatia” se combina com uma
elevação da escala “Histeria”, podendo observar-se um mau controle
dos impulsos, explosividade e propensão para a violência. Esta é a
combinação mais fiável para identificar comportamentos violentos.
117