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Introdução Certamente que conforme a racionalidade do homem se ia desenvolvendo, começou a emergir, cada vez mais, na sua mente, o desejo de viver em paz, logo, num mundo sem violência. Mas transformar este sonho numa realidade tornou-se e torna-se difícil, uma vez que o Homem é ao mesmo tempo bom e mau. A violência definida como dano real (claro e inequívoco), tentado ou ameaçado, a uma pessoa ou pessoas, é uma realidade que necessita de ser encarada de forma científica. Nas últimas décadas têm-se desenvolvido esforços para avaliar o risco de violência a através de estudos empíricos que relacionam determinados factores com o aumento da violência. A doença mental é referenciada, na literatura, como um factor de risco para a violência. Vários estudos desenvolvidos nas últimas décadas referem que a os sujeitos com uma perturbação mental (particularmente as perturbações psicóticas e do humor) têm uma maior probabilidade de cometerem 1

A TESE

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Page 1: A TESE

Introdução

Certamente que conforme a racionalidade do homem se ia

desenvolvendo, começou a emergir, cada vez mais, na sua mente, o

desejo de viver em paz, logo, num mundo sem violência. Mas

transformar este sonho numa realidade tornou-se e torna-se difícil,

uma vez que o Homem é ao mesmo tempo bom e mau.

A violência definida como dano real (claro e inequívoco), tentado

ou ameaçado, a uma pessoa ou pessoas, é uma realidade que

necessita de ser encarada de forma científica.

Nas últimas décadas têm-se desenvolvido esforços para avaliar

o risco de violência a através de estudos empíricos que relacionam

determinados factores com o aumento da violência.

A doença mental é referenciada, na literatura, como um factor de

risco para a violência. Vários estudos desenvolvidos nas últimas

décadas referem que a os sujeitos com uma perturbação mental

(particularmente as perturbações psicóticas e do humor) têm uma

maior probabilidade de cometerem crimes violentos, relativamente à

população em geral, parecendo existir dois tipos de agressores

violentos com perturbações mentais graves. Um tipo apresenta um

padrão estável de comportamentos violentos ao longo da vida

enquanto um segundo grupo apresenta comportamentos violentos

mais tarde devido à sintomatologia da doença (Hodgins et al., 1998).

A esquizofrenia é um quadro psicótico com prevalência

relevante, sendo que, uma das suas características sintomáticas

nucleares, são as alterações graves do comportamento, que

aparecem, sobretudo na fase aguda desta perturbação (ICD-10.

1

Page 2: A TESE

WHO, 1992; DSM-IV-TR, APA, 2000). Deste modo, não é de

estranhar a frequente associação entre esta doença e

comportamentos violentos (British Crime Survey, 1996).

Nas últimas décadas vários estudos epidemiológicos referem

que a prevalência da violência na esquizofrenia é inequivocamente

superior à população geral, contudo essa diferença parece dever-se a

um pequeno grupo pertencente a esta população (Walsh et al., 2002).

Neste grupo de indivíduos também foram encontrados os dois tipos de

ofensores criminosos encontrados nas perturbações mentais em geral

(Tengström et al., 2001).

Devido a este facto têm-se realizado várias tentativas para

definir os preditores de violência na esquizofrenia, não existindo ainda

consensos sobre esta matéria. A comorbilidade com o abuso de

substâncias, com perturbações da personalidade e sintomas

específicos da doença, têm sido referenciados como factores de risco

de comportamentos violentos para a esquizofrenia (Stdeadman et al.,

1998).

Por outro lado, nos últimos anos, certos traços de personalidade,

défices cognitivos e neuropsicológicos, têm sido mencionados como

factores de risco importantes para a avaliação do risco de violência

nos esquizofrénicos (Nestor, 2003; Silverton,1988).

Posto isto, o objectivo deste estudo é tentar identificar entre

sujeitos esquizofrénicos que cometeram comportamentos violentos,

diferenças na personalidade e cognição com intuito de prever a

violência futura. Para além disto é nossa opinião a utilidade em

identificar os factores de risco que mais concorrem para o risco de

violência nos dois grupos (grupo de menor risco e grupo de maior

risco).2

Page 3: A TESE

Capítulo I

Esquizofrenia

1.1 Evolução do conceito da Esquizofrenia

1.1.1. Os precursores

A entidade diagnóstica referida por esquizofrenia foi delineada,

pela primeira vez, por Emil Kraeplin (1856-1926) em 1893 (Harms,

1971). Kraeplin usou o termo dementia preacox para esta doença,

sublinhando o início precoce e a deterioração contínua das funções

mentais que esta perturbação causava na maioria dos seus pacientes.

Kraeplin descreveu detalhadamente os sintomas ocorridos

normalmente, na esquizofrenia, frisando como as características

fundamentais aquelas que enfraqueciam a esfera emocional e volitiva,

e que causavam um declínio das actividades mentais e a perda da

unidade interna das actividades do intelecto, emoção e volição. Estas

alterações seriam as razões da incoerência do pensamento e

comportamentos e afectos inapropriados. Contudo, ele considerou

que não existiriam nenhuns sintomas patognomónicos da doença.

Originalmente, Kraeplin dividiu a dementia preacox em três

subtipos clínicos: hebefrénica, catatónica e paranóide.

Posteriormente, ele alterou esta tipologia para incluir várias outras

categorias, enquanto enfatizava que estes subgrupos de quadros

3

Page 4: A TESE

clínicos diferentes eram bastantes artificiais e com valor clínico

limitado. Segundo ele, as perturbações caracterizadas por delírios e

alucinações, onde as perturbações da emoção e volição não existiam

ou eram mínimas, eram referidas como parafrenias. Mesmo quando

muitas destas características sejam comuns com o subtipo paranóide

da dementia preacox, Kraeplin considerou que as actividades mentais

bem preservadas e a ausência de perturbação da volição, justificava a

classificação das parafrenias numa entidade nosológica diferente

(Kraeplin, 1919).

Ao contrário de Kraeplin, Eugen Bleuler (1857-1939) não

enfatizou o prognóstico reservado da esquizofrenia. Foi-se tornando

evidente, desde que Kraeplin introduziu o conceito de dementia

preacox, que a perturbação nem sempre teria um início na

adolescência ou na adultícia precoce. Deste modo, Bleuler sugeriu

que o nome da doença deveria mudar para “esquizofrenia”, referindo-

se à desintegração de várias funções mentais que o termo implicava

(Bleuler, 1911).

Bleuler dividiu os sintomas da esquizofrenia em sintomas

fundamentais e em sintomas acessórios. Os primeiros, que el

considerou característicos da esquizofrenia, estavam presentes em

todos os doentes e em todas os períodos da doença. Os segundos,

que podendo dominar o quadro clínico podiam estar completamente

ausentes. Os sintomas fundamentais eram as perturbações da

associação, afectividade e atenção, ambivalência e autismo. Bleuler

também considerou a ausência de perturbações primárias da

percepção, orientação e memória como pressupostos essenciais para

o diagnóstico da esquizofrenia.

4

Page 5: A TESE

Alguns outros sintomas da doença, tais como falta de motivação,

perturbação do comportamento e perturbação das capacidades

cognitivas, eram considerados como uma consequência dos sintomas

fundamentais.

Este autor afirmava que os delírios, as alucinações e a catatonia

eram sintomas acessórios, admitindo, no entanto, que seriam devido a

estes sintomas que os doentes apareciam para tratamento

psiquiátrico (Bleuler, 1911).

O diagnóstico da esquizofrenia baseava-se pela presença dos

sintomas fundamentais, contudo, não era necessário estarem todos

presentes. A duração e prognóstico da doença, como já foi referido,

não foi enfatizada por Bleuler para diagnosticar a esquizofrenia.

Bleuler dividiu a esquizofrenia em quatro subgrupos: paranóide,

catatónica, hebefrénica e simples. O tipo paranóide era caracterizado

pela presença de delírios proemientes e alucinações (incluindo as

parafrenias conceptualizadas por Kraeplin). O quadro clínico do tipo

catatónico era definido por vários sintomas catatónicos. O tipo

hebefrénico consistia em todos os pacientes que teriam exibido, a

certa altura da sua doença, sintomas psicóticos agudos, não

apresentando contudo características dos paranóides nem dos

catatónicos. A esquizofrenia simples era diagnosticada quando os

doentes apresentavam os afectos e as capacidades intelectuais

deterioradas, sem exibirem outros sintomas fundamentais (Bleuler,

1911).

Kurt Schneider (1887-1967) alvejou identificar os sinais e

sintomas a serem altamente discriminatórios da esquizofrenia e que

seriam facilmente perceptíveis pelos técnicos de saúde (Carpenter et.

al, 1973). Os sintomas por ele identificados como característicos da

5

Page 6: A TESE

esquizofrenia eram bastante diferentes dos sintomas fundamentais de

Bleuler. Este autor propôs que um grupo de sintomas constituído por

delírios e alucinações, sintomas de “1ª ordem”, seriam

patognomónicos da esquizofrenia. Os outros sintomas que ocorreriam

frequentemente na esquizofrenia, mas que não seriam

patognomónicos, identificava-os como sintomas de “2ª ordem”.

Esta conceptualização de diagnóstico adiantada por Schneider

teve uma influência considerável em quase todos os sistemas de

diagnóstico desenvolvidos posteriormente.

1.1.2. Classificação actual

Desde a construção de quadros sindromáticos elaborados pelas

três personalidades anteriormente referidas, foram surgindo novos

sistemas de diagnóstico da esquizofrenia. Dentro dessas destacam-se

as da World Health Organization (WHO) e da American Psichological

Association (APA), onde desde o começo da sua elaboração, o

conceito de esquizofrenia foi também evoluindo, como mais tarde

explicaremos.

Como neste estudo vamos usar os critérios de diagnóstico da

esquizofrenia definidos pelo DSM-IV-TR ( APA, 2000), descreveremos

somente este sistema de diagnóstico, não esquecendo a importância,

no entanto, de outros na evolução do conceito da esquizofrenia.

A quarta edição revista, do Manual de diagnostico e estatístico

para as Perturbações Mentais (DSM-IV-TR) foi publicado em 2000.

Nesta edição, o critério de duração para os sintomas da fase aguda é

6

Page 7: A TESE

de um mês, sendo que a proeminência das alucinações não é um

critério a preencher (vide quadro 1). O DSM-IV-TR usa o conceito de

discurso desorganizado para definir as perturbações do pensamento

na esquizofrenia. Para além dos sintomas catatónicos, o

comportamento bizarro é incluído como um critério de diagnóstico.

Segundo este sistema, existem cinco subtipos de esquizofrenia,

tendo em conta uma hierarquia. Classifica-se como esquizofrenia

catatónica quando os sintomas catatónicos estão presentes,

independentemente dos outros sintomas. Se os critérios de

diagnóstico para o tipo catatónico não são preenchidos, o tipo

desorganizado é o designado quando o discurso e comportamento

bizarro, assim como embotamento ou ambivalência afectiva estiverem

presentes.

Se os critérios não são preenchidos, nem para o tipo catatónico

nem para o tipo desorganizado, diagnostica-se o tipo paranóide,

sempre que estiverem presentes preocupações com delírios ou

existirem alucinações frequentes.

Se existir uma fase activa com sintomas proeminentes e os

critérios para o tipo catatónico, desorganizado, ou paranóide, não

estiverem preenchidos, deve-se diagnosticar o tipo indiferenciado. O

tipo residual é codificado quando os sintomas activos da fase aguda

da esquizofrenia já não estão presentes, mas existem sintomas a

evidenciarem a continuação da perturbação.

Quadro 1. Critérios de Diagnóstico do DSM-IV para a Esquizofrenia

A. Sintomas característicos: dois (ou mais) dos seguintes, cada

um presente por um período significativo de tempo durante

7

Page 8: A TESE

um mês (ou menos, se tratados com êxito):

1) Ideias delirantes;

2) Alucinações;

3) Discurso desorganizado;

4) Comportamento marcadamente desorganizado ou

catatónico;

5) Sintomas negativos, isto é, embotamento afectivo, alogia

ou avolição.

B. Disfunção social/ocupacional: desde o início da perturbação e

por um período significativo de tempo, uma ou mais áreas

principais de funcionamento, tais como o trabalho, o

relacionamento interpessoal ou o cuidado com o próprio,

estão marcadamente abaixo do nível atingido antes do início.

C. Duração: os sinais contínuos da perturbação persistem pelo

menos durante seis meses. Neste período de seis meses deve

estar incluído pelo menos um mês de sintomas (ou menos se

tratados com êxito) que preencham o critério A (isto é, sintomas

da fase activa) e podem estar incluídos períodos de sintomas

prodrómicos ou residuais. Durante estes períodos prodrómicos ou

residuais, os sinais da perturbação podem manifestar-se apenas

por sintomas negativos, ou se estiverem presentes de forma

atenuada dois ou mais sintomas enumerados no critério A.

D. Exclusão de Perturbação Esquizoafectiva ou do Humor: a

Perturbação Esquizoafectiva ou a Perturbação do Humor com

características Psicóticas foram excluídas devido a: (1) não terem

ocorrido simultaneamente com os sintomas da fase activa os

Episódios de Depressão Major, Maníacos ou Mistos; ou (2) caso

os episódios do humor tenham ocorrido durante os sintomas de

8

Page 9: A TESE

fase activa, mas a sua duração total tenha sido mais curta do que

a duração dos períodos activos e residuais.

E. Exclusão de perturbações relacionadas com

substancias/estados físicos gerais: a perturbação não é devida

aos efeitos fisiológicos directos de uma substância ou um estado

físico geral.

F. Relação com uma Perturbação Global do Desenvolvimento:

caso exista história de Perturbação Autística ou de outra

Perturbação Global do Desenvolvimento, o diagnóstico adicional

de esquizofrenia só é realizado se estiverem presentes ideias

delirantes ou alucinações proeminentes pelo período mínimo de

um mês.

1.1.3. Síntese da evolução do conceito da esquizofrenia

Durante o século XX, a nosologia psiquiátrica evoluiu do

“conceito de autor” para o princípio do “consenso dos especialistas”,

até uma nosologia psiquiátrica científica (Kendler, 1990).

Os conceitos de diagnóstico da esquizofrenia de Kraeplin,

Bleuler e Schneider, seguiram o princípio do grande professor.

Enquanto que as descrições detalhadas dos sintomas da

esquizofrenia fornecida por Kraeplin e Bleuler eram bastante

similares, cada um acabou por enfatizar aspectos totalmente

diferentes. Ambos descreveram as alucinações e os delírios,

posteriormente, referidos por Schneider como sintomas de 1ª ordem,

mas nenhum deles os considerou como sintomas patognomónicos da

9

Page 10: A TESE

esquizofrenia. Assim os três autores descreveram e enfatizaram

partes completamente diferentes da mesma doença.

As classificações DSM, anteriores à DSM-III, e as classificações

CID, anteriores ao CID-10, baseavam-se no princípio do consenso de

especialistas. Em 1960 este consenso era muito diferente na Europa e

nos Estados Unidos da América (EUA). O DSM-II (APA, 1968)

adoptou uma conceptualização mais “Bleuleriana” da esquizofrenia,

enquanto que o ICD-8 (WHO, 1967), baseou-se nos conceitos

“Schneiderianos”.

Quando foram comparados os conceitos de diagnóstico entre o

reino Unido e os EUA, nas décadas de 60 e 70, ficou evidente que os

psiquiatras americanos diagnosticavam a esquizofrenia com mais

frequência do que os seus colegas británicos que, por sua vez,

diagnosticavam com mais facilidade as perturbações do afecto (Leff,

1977).

Esta grande variabilidade nas práticas do diagnóstico da

esquizofrenia promoveu o desenvolvimento da nosologia cientifica na

psiquiatria (Kendler, 1990). Deste modo os conhecimentos científicos

disponíveis começaram a ser usados para desenvolver critérios de

diagnóstico, tendo sido desenvolvida a ICD-10 como a primeira

classificação europeia fornecedora de critérios de diagnóstico

operacionais. A nosologia científica pretende a máxima fidelidade e

validade dos critérios de diagnóstico e por isso, os critérios de

diagnóstico mais usados para a investigação e prática clínica são os

do DSM-IV (APA, 1994) ou DSM-IV-TR (2000) e do ICD-10 (WHO.

1992).

No entanto, mesmo que exista uma convergência entre os

critérios destes diferentes sistemas, em termos de diagnósticos

clínicos, existem diferenças. A duração dos sintomas e as fronteiras 10

Page 11: A TESE

com outras psicoses variam entre estes sistemas. Hill et al. (1996),

por exemplo, não encontraram concordância entre os vários sistema

de diagnóstico quanto à medida esquizofrenia. A existência

demasiado importante dos sintomas de 1º ordem de Schneider em

diversos sistemas de diagnóstico é particularmente problemático, visto

que vários estudos demonstraram que eles não são patognomónicos

da doença, e existem em muitas outras perturbações (Carpenter et al.,

1973; Cuesta & Peralta, 1996).

Contudo, alterações radicais nos critérios de diagnóstico

causarão sempre problemas na investigação, se os estudos a usarem

os novos critérios, não forem comparáveis com dados anteriores.

Deste modo, existe um “conservadorismo progressivo” no

desenvolvimento das actualizações dos sistemas de diagnóstico mais

usados (Andreasen, 1994).

1.2 Os sintomas da esquizofrenia

A esquizofrenia é uma perturbação heterogénea do ponto de

vista clínico. O curso e a sintomatologia são altamente variáveis,

sendo provavelmente uma das razões para a variabilidade encontrada

nos estudos sobre os resultados do tratamento, etiologia e a

patofisiologia.

Esta heterogeneidade conduziu a um aumento no interesse em

definir grupos específicos de sintomas ou domínios psicopatológicos a

poderem ser utilizados para identificar pacientes com um quadro

clínico mais homogéneo e com uma base etiológica mais homogénea

(Rotakonda et al., 1998).

11

Page 12: A TESE

A primeira classificação amplamente usada sobre os domínios

sintomatológicos foi a subdivisão em sintomas positivos e negativos.

Estes conceitos foram produzidos por Hughlings-Jackson, que

consideravam os sintomas positivos psicóticos como uma

exacerbação do funcionamento normal, isto é, um fenómeno de

libertação causado pela ausência de influências inibitórias ou

reguladoras, enquanto que os sintomas negativos eram considerados

como um simples perda de funcionamento.

As alucinações, os delírios, o discurso, o comportamento

desorganizado bem como os sintomas catatónicos, foram

considerados como sintomas positivos, enquanto que a anedonia, a

avolição, a pobreza do discurso e o embotamento afectivo foram

agrupados nos sintomas negativos (Andreasen, 1982; Andreasen,

1995). Esta dicotomia (sintomas positivos versus sintomas negativos)

foi amplamente usada na investigação e prática clínica, de tal maneira

que foram desenvolvidos várias escalas de avaliação destes sintomas

(Andreasen, 1982; Fenton & McGlashan, 1992).

Os sintomas negativos foram relacionados com um

funcionamento pré-morbido pobre, de início insidioso, com

incapacidade intelectual e mau prognóstico, enquanto que a relação

entre os sintomas positivos e o prognóstico foi menos esclarecedor.

(Crow, 1985). Os sintomas negativos também foram associados com

alterações cerebrais estruturais e défices neuropsicológicos

(Andreasen et al. 1990; Andreasen, 1995).

Foram sugeridas a partir desta dicotomia várias classificações.

Andreasen & Olsen (1982) subdividiram a esquizofrenia em três

subtipos: positiva, negativa e mista. Esta subtipificação era baseada,

respectivamente, na proeminência dos sintomas positivos, negativos

ou de ambos. Estes autores concluiram que ao serem comparados 12

Page 13: A TESE

com os outros dois, os pacientes com esquizofrenia negativa tinham

uma adaptação pré-mórbida e um funcionamento cognitivo mais pobre

(Andreasen et al., 1990).

Crow (1985), sugeriu que haviam dois sindromas na

esquizofrenia, reflectindo, cada um, diferentes psicopatologias: Tipo I

causado pelo aumento dos receptores de dopamina D2, sendo

caracterizado por sintomas positivos, boa resposta ao tratamento

neuroléptico, bom prognóstico e ausência de défices cognitivos; Tipo

II, causado pela perda celular nas estruturas do lobo temporal, e

caracterizado por sintomas negativos, aumento dos ventrículos

cerebrais, má resposta ao tratamento com neurolépticos, défices

cognitivos. Ainda, segundo Crow (1985), os subtipos assim definidos

partilhavam de uma etiologia comum, sendo que o tipo I reflectia o

componente neuroquímico, enquanto que o tipo II reflectia o

componente estrutural.

Carpenter et al. (1998), enfatizaram a distinção entre sintomas

negativos primários e secundários. Os sintomas negativos

secundários eram sintomas negativos causados, entre outros, pelo

efeito de abuso de substâncias, depressão, ou ausência de

estimulação social. Este tipo de sintomas, normalmente remitiriam

quando os factores a eles associados eram modificados. Por outro

lado, os sintomas primários reagiriam mal à mudança de estados e

raramente remitiriam na sua totalidade.

Os sintomas negativos deveriam ser somente usados com

intuitos descritivos sem implicações relativamente às causas ou

duração da doença, enquanto que os sintomas negativos primários,

sendo constantes no tempo, deveriam ser apelidados de “sintomas

deficitários” (Carpenter et al., 1998). O síndroma que apresenta os

sintomas deficitários, deveria, por sua vez ser apelidada de 13

Page 14: A TESE

“esquizofrenia deficitária”, sendo esta caracterizada pela existência de

sintomas negativos duradoiros, mau prognóstico e ser muito mais

prevalecente nos doentes do sexo masculino (Carpenter et al., 1998).

A classificação dos sintomas positivos e negativos não foi

sempre esclarecedora. Deste modo, para tentarem resolver os

problemas de classificação, alguns investigadores aplicaram técnicas

de análise factorial em amostras com esquizofrénicos e encontraram,

de forma consistente, que a inter-relação entre os sintomas da

esquizofrenia seria melhor explicada, usando três dimensões: positiva

ou psicótica, negativa e sintomas desorganizados (Andreasen et al.,

1995). Os sintomas desorganizados consistiriam no discurso

desorganizado, afecto inapropriado e comportamento bizarro. Estas

dimensões foram estudadas num estudo longitudinal, tendo-se

verificado que os sintomas dentro de cada dimensão tendiam a mudar

em uníssono e, por outro lado, os sintomas de cada dimensão

mudavam independentemente dos sintomas das outras dimensões

(Arndt et al., 1995).

Os sintomas desorganizados estavam associados com o

aumento de risco das perturbações psicóticas não afectivas em

familiares de primeiro grau (Cardno et al. 1999). Os sintomas

negativos continuavam a associar-se à má inserção social. Robinson

et al. (1999) demonstram, a partir de um estudo longitudinal, que a

gravidade dos sintomas primários se relacionava com a má resposta

ao tratamento, enquanto nenhuma das outras duas dimensões se

relacionava com a taxa de recaídas.

Estas três dimensões não são únicas da esquizofrenia, tendo

sido encontradas noutras perturbações psicóticas. A associação entre

estas dimensões sintomatológicas e variáveis clínicas é independente

do diagnóstico. Pode ser que estas dimensões ou domínios 14

Page 15: A TESE

psicopatológicos, reflictam condições patofisiológicas discretas, sendo

que a investigação sobre a etiologia desta doença poderá beneficiar

da inclusão destas dimensões na identificação dos grupos em estudo

(Serretti et al., 1996).

1.3 Epidemiologia

A prevalência da esquizofrenia é determinada a partir de um

número total de casos vivos, com sintomas psicóticos actuais ou

prévios, divididos pelo tamanho da população (Zanher et al. 1995).

A generalidade da comunidade científica aceita que a prevalência da

esquizofrenia é, aproximadamente, 1% no mundo inteiro (Schultz &

Andersson, 1999). Contudo, Torrey (1987), numa meta-análise,

reportou uma variação entre 0,3 por 1000 até 17 por 1000. Estudos

mais recentes, usando entrevistas estruturadas e os critérios do DSM-

III, referiam prevalências consideravelmente mais baixas do que 1%,

tendo o ponto de prevalência variado entre 0,3 a 0,48% (Jeffery et al.

2001).

A prevalência de uma doença é proporcional à frequência do

desenvolvimento de novos casos, caso o número de saídas e

entradas nessa população seja estável (Zahner et al., 1995). As

diferenças nas prevalências de países diferentes pode ser devida a

padrões migratórios específicos.

Deste modo, as taxas de incidência são epidemiológicamente

mais informativas do que a prevalência. O “Worl Health Organization

Ten Country Study” tem sido a tentativa melhor sistematizada, para

estudar epidemiologia da esquizofrenia, nos diferentes países. Neste

15

Page 16: A TESE

estudo, a incidência medida em dez países, em populações com

idades compreendidas entre os 15 e os 54 anos, variava entre 1,6 a

4,2 por 10000 pessoas por ano, sendo que as diferenças não foram

estatisticamente significativas. Este estudo sugeria ainda que a

incidência da esquizofrenia é similar em todo o mundo (Jablensky et

al., 1992).

Todavia, em estudos sobre a incidência entre emigrantes,

verificou-se que a incidência da esquizofrenia é bastante mais alta do

que os valores acima indicados. Um estudo que espelhava este facto

foi o desenvolvido por Seltan et al. (2003) na Holanda, visto que, o

risco de esquizofrenia é aproximadamente quatro vezes superior em

emigrantes Surinamenses em relação ao resto da população.

1.4 Curso, evolução e défices neuro-cognitivos

O curso da esquizofrenia pode ser divido em quatro fases. A

fase pré-mórbida que se refere ao nível de funcionamento

psicossocial anterior a qualquer evidência da doença. A fase

prodromica que é anterior ao início da sintomatologia psicótica,

existindo já alguns indícios de sintomas psiquiátricos. A fase do

primeiro surto psicótico que se refere ao início formal da doença, isto

os primeiros sinais e sintomas característicos da doença e a fase de

evolução, onde a deterioração clinica ocorre (este processo pode

começar na fase prodromica) (Jarskog et al., 1998).

Relativamente à fase pré-mórbida, foram identificados vários

antecedentes pré-mórbidos à esquizofrenia. Nos antecedentes mais

precoces estão incluídos as complicações obstétricas, baixo peso à

16

Page 17: A TESE

nascença, anomalias neurológicas e separação parental. Nos mais

tardios estão incluídas as variáveis comportamentais e da

personalidade. Os pacientes identificam retrospectivamente que eram

ansiosos, passivos, estranhos, e tímidos (Jarskog et al., 1998).

Também existem referências bibliográficas que afirmam, que

certas dimensões da personalidade podem moldar a expressão

sintomatológica da esquizofrenia, sendo que por exemplo, as

dimensões premórbidas da personalidade sociopáticas e passivo-

agressivas estão relacionadas estão relacionadas positivamente com

a expressão de comportamentos hostis e pensamentos suspiciosos, e

que as dimensões pré-mórbidas da personalidade esquizóides é um

factor de risco para um alto nível de sintomatologia negativa no início

da esquizofrenia (Cuesta et al., 2002). Os défices neuro-cognitivos

também são considerados como precursores da doença (Jarskog et

al., 1998). De notar, contudo que nenhuma destas variáveis é

considerada como sintoma patognomónico da doença.

Na fase prodromica existem sintomas que indiciam o inicio da

doença. Estes sintomas podem ser o humor depressivo, ansiedade,

irritabilidade, suspeição, ideias de referencia, embotamento afectivo,

retirada social, perturbação do sono entre outros. Também nenhum

destes sintomas é patognomónico da doença.

A seguir à fase prodromica surgem, normalmente a meio da

segunda década ou início da terceira década de vida os primeiros

sintomas formais da doença. Estes sintomas surgem abruptamente e

duram em média, nos homens, durante 52 semanas (Liberman et al.,

1993). Após a fase aguda a maioria dos pacientes recupera dos

sintomas positivos totalmente ou parcialmente.

Na fase progressa à remissão dos primeiros sintomas, a maioria

dos pacientes tem uma ou mais recaídas, sendo que, normalmente, o 17

Page 18: A TESE

nível de funcionamento anterior ao primeiro episódio psicótico nunca é

atingido. A partir deste processo de recaídas e remissões os

pacientes acumulam níveis mórbidos na forma de sintomas negativos

e atingem baixos níveis de funcionamento psicossocial. Contudo

parece que a fase de recaídas e remissões intermitentes dura cerca

de 5 a 10 anos, sendo que o nível de funcionamento psicossocial

estabiliza, mesmo com novas exacerbações da sintomatologia

(Liberman et al., 1993).

Um dos sinais (ou sintomas?) que surge após o início da doença

são os défices neuro-cognitivos (alguns autores afirmam que esses

défices já existem na fase prodromica ou mesmo pré-mórbida). Os

défices são de certa forma similares aos dos pacientes com lesões

cerebrais inespecíficas. O Q.I. avaliado pela Wechsler Adult

Intelligence Scale (W.A.I.S.) é em média dez valores inferior ao

normal (Nelson et al. 1993). Para além deste défice geral existem

evidências que existem défices específicos tais como a memória

(principalmente a memória imediata ou de trabalho), a aprendizagem

verbal, em tarefas cognitivas que envolvam formação de conceitos e

raciocínio social e moral e a atenção e concentração (Saykin et al,

1991; Bryson et al., 2002). Estes défices estão relacionados com o

mau prognóstico da doença (Dyckson & Coursey, 2003).

Na esquizofrenia pensa-se que a existe um viés no

processamento de informação que não permite uma adequada

cognição social. Partindo deste pressuposto surgiram modelos que

propõem a existência défices das competências sociais nos

esquizofrénicos. Estes modelos na sua generalidade, explicam que a

eficácia e o funcionamento social requer a integração harmoniosa de

um conjunto complexo de componentes comportamentais, sendo que

o desempenho eficaz destes comportamentos depende, por sua vez, 18

Page 19: A TESE

de uma percepção social e de um conjunto de competências

cognitivas adequadas. Deste modo a existência de défices cognitivos

na esquizofrenia poderão explicar os défices no funcionamento social

(ou competências sociais) que os esquizofrénicos apresentam durante

a sua doença. Esta associação poderá ser um preditor importante da

evolução da esquizofrenia . Para além deste facto, Norman & Mallan

(1993), encontraram uma relação estatisticamente significativa entre o

nível de stress e a gravidade de sintomatologia, sugerindo que os

esquizofrénicos reagiriam de forma mais aversiva aos acontecimentos

de vida comuns em comparação à população em geral.

19

Page 20: A TESE

Capítulo II

Violência

2.1 Os conceitos

A agressão e a violência são temas complexos de estudar.

Entendendo a agressão em sentido amplo, desde da simples

irascibilidade numa discussão entre dois automobilistas até um

confronto bélico, percebe-se que a compreensão e o controlo do

comportamento agressivo torna-se num dos problemas mais

importantes da sociedade. Devido à sua ubiquidade e consequências

sociais há uma necessidade de compreender melhor e controlar, se

possível, o comportamento agressivo.

É difícil distinguir conceitos como a agressão, comportamentos

agressivos e violência, visto que eles encontram-se interligados quer a

nível semântico quer em vários outros níveis.

Tal como acontece em todos os comportamentos emocionais ou

suscitados por emoções, esta depende de múltiplos factores: o tipo de

estímulo, o contexto em que ocorre, estado hormonal do organismo, a

experiência prévia e traços da personalidade do sujeito, entre muitos

outros factores.

Deste modo deve-se aludir, isso sim, a vários tipos de agressão

que diferem não só nos estímulos desencadeantes como também nas

formas comportamentais que os constituem, o objecto a que estão 20

Page 21: A TESE

dirigidos, aos processos cognitivos e provavelmente mecanismos

neuro-endócrinos adjacentes que os possibilitam, favorecem ou

inibem. Uma outra dificuldade surge na conceptualização da agressão

quando adicionamos o carácter intencional do comportamento

agressivo. Causar dano a outros ou objectos sem intenção não é

considerada agressão. Somente o é quando existe a intenção de

produzir prejuízo. No ser humano pode-se conjecturar que existe uma

intenção, pela conduta verbal, antecedentes, consequências, indícios

e contexto em que ocorre a situação. Nos animais ignora-se ou infere-

se tal intencionalidade.

Posto isto, podemos afirmar que a agressão, para os etólogos e

biólogos, é concebida como uma forma normal de comportamento

social que sendo partilhada também por outros animais (um instinto

fundamental do Ser Vivo), enquanto que para outros cientistas ela é

uma intenção de infligir “mal”, seja na forma de lesão física ou

psicológica, e está dependente de valores e contextos sociais e

pessoais, uma vez que se refere a uma perspectiva de um observador

em concreto (Vieira, 2000), sendo que não se deve confundir com

violência, dado esta disposição estar relacionada com uma forma

destrutiva do comportamento na relação interpessoal.

De uma forma geral pode-se definir a agressão humana como

qualquer comportamento direccionado a outro indivíduo com a

intenção imediata de causar dano, sendo que o agressor deve

acreditar que o comportamento vai causar dano ao alvo (agredido) e o

alvo está motivado em evitar o comportamento (Bushman &

Anderson, 2001).

No que diz respeito à violência ou (comportamento violento),

opina-se que ela se liga ao uso da força física contra outra pessoa,

impelida por motivação agressiva, sendo um meio directo e extremo 21

Page 22: A TESE

dessa força que, sendo descomedida, resultará em dano, destruição

ou abuso. Deste modo é a expressão manifesta, viva e principalmente

física, da agressão (Vieira, 2000).

Em suma e para operacionalizar o conceito, a violência será,

para efeitos deste estudo, o dano real (físico ou psicológico), tentado

ou ameaçado, a uma pessoa ou a pessoas. Neste contexto, também

será considerada como violência as ameaças de dano, desde que

claras e inequívocas, o que não acontece com vagas declarações de

hostilidade. Pelo contrário, actos como insultar, ameaças de danos

simples, tocar em outras pessoas, ou comportamentos dirigidos contra

animais, não constituem violência para efeitos operacionais de risco

num âmbito genérico, desde que não sejam cometidos

especificamente como actos preparatórios (deliberadamente

processados como meta prévia ou parcial) para induzir medo em

alguém (Webster et al., 1997).

2.2. Tipos de agressão

Como já pudemos constatar, devido à impossibilidade de medir

a intencionalidade da agressão nos animais, tem-se como princípio

dividir a agressão animal da humana.

Relativamente à agressão nos animais é habitual partir da

classificação de Moyer (1976), que se baseia nas circunstâncias que

desencadeiam o comportamento agressivo. Este autor identificou os

seguintes tipos de agressão:

22

Page 23: A TESE

1. Ataque predatório – é o comportamento que dirige o animal

contra a sua presa natural, pertencente a outra espécie. Trata-

se de um comportamento organizado em que concorre a fome e

a presença da presa. É a forma de agressão interespecífica

mais frequente;

2. Agressão entre os machos ou Competitiva – surge nos roedores

como o ataque de um macho a outro macho da mesma espécie,

sem nenhum tipo de provocação aparente;

3. Agressão defensiva – é suscitada pelo ataque de outro membro

da mesma espécie ou de outra, numa situação sem

possibilidade de fuga;

4. Defesa territorial – é semelhante à agressão entre os machos e

é desencadeada pela intrusão no território de outro macho

estranho;

5. Agressão irritável – é induzida pela frustração ou dor, exista ou

não possibilidade de escape. Trata-se de uma agressão directa

cujo objecto pode ser muito variado. Encontra-se acompanhada

de fortes reacções vegetativas, tais como a taquicardia,

dilatação das pupilas etc.;

6. Agressão parental ou maternal – dirige-se contra os intrusos que

atacam as crias e surge em defesa do ninho. É típica dos

mamíferos, não existindo nos répteis;

7. Agressão instrumental – deve-se à aprendizagem e resulta do

reforço do comportamento agressivo. Os comportamentos

agressivos podem ser recompensados, aumentando

consequentemente a sua probabilidade de ocorrência;

8. Agressão associada ao sexo – é provocada pelo mesmo

estímulo que suscita o comportamento sexual. Quanto maior é a

23

Page 24: A TESE

activação ou excitação sexual do animal, mais agressivo este se

torna.

Algumas destas formas de agressão sugeridas por Moyer (1976)

podem ser agrupadas em categorias básicas da agressão, sendo que

mais recentemente Carlson (1993) distingue-as por:

1. Comportamento ofensivo – considerados os ataques físicos de

um animal a outro;

2. Comportamento defensivo - definem-se como comportamentos

que o animal tem quando responde a um ataque;

3. Comportamentos predatórios – quando se dá um ataque a um

membro de outra espécie que serve de alimento ao que animal

que ataca.

Existem grandes semelhanças entre o comportamento ofensivo

do defensivo, visto que ambos são acompanhados por intensas

reacções do tipo simpático, pelo que alguns autores, nomeiam-nos

como comportamentos afectivos

No ser humano a agressão é constituída por muitos

comportamentos diferentes e variados: motores, verbais e escritos. O

critério de classificação não é muito claro e muitas das vezes os

ataques intencionais não se consideram socialmente agressivos, já

que a sua origem é de carácter defensivo.

Contudo, Zillman (1989) distingue dois tipos básicos de

agressão no ser humano:

24

Page 25: A TESE

1. Agressão instrumental – refere-se àquela que é motivada por

um incentivo. Há um baixo nível de activação vegetativa e

cortical e não existe agitação emocional. O sujeito espera obter

controlo sobre bens que outros não cedem voluntariamente. Por

vezes pode haver premeditação. Esta forma de agressão está

associada aos psicopatas primários (Gonçalves, 1999) e pode-

se comparar com o ataque predatório dos animais;

2. Agressão Hostil – é motivada pela raiva, não é planeada e é

impulsiva. Também pode ser chamada de agressão afectiva,

impulsiva ou reactiva. O indivíduo procura com o ataque reduzir

ou terminar a experiência nociva, atacando os agentes e

condições que ele considera responsáveis pela situação. É um

ataque espontâneo, acompanhado de uma grande agitação,

com mudanças vegetativas e esqueléticas intensas, podendo

ser comparado com o ataque afectivo dos animais.

Apesar das semelhanças entre agressão animal e humana

deve-se sublinhar o carácter variado e complexo do comportamento

agressivo no ser humano e o seu carácter multifactorial, dependendo

de contingências distintas que facilitam ou inibem o seu

desencadeamento.

2.3. Alguns modelos psico-biológicos da agressividade humana

Desde de Freud que existem teorias e modelos explicativos para

a agressividade humana. Durante os anos foram sendo formuladas 25

Page 26: A TESE

várias teorias que se baseiam no processo de aprendizagem, que em

nosso entender são mais úteis no sentido da compreensão,

tratamento e prevenção da violência.

A teoria cognitiva neo-associonista (TCNA), foi proposta por

Berkowitz (1981, 1990, 1993). Esta teoria afirma que os eventos

desagradáveis, tais como as frustrações, provocações, temperaturas

desconfortáveis e odores desagradáveis produzem afectos negativos.

Os afectos negativos estimulam automaticamente vários pensamentos

e memórias e respostas fisiológicas que conduzem ao comportamento

de fuga ou de luta. As associações dos afectos ao comportamento de

luta provocariam sentimentos rudimentares de raiva, enquanto que as

associações à fuga provocam sentimentos rudimentares de medo. A

TCNA afirma então, que os sentimentos provocados durante um

evento aversivo tornar-se-iam associadas a esse evento, através de

pensamentos agressivos, emoções e comportamentos que por sua

vez estão todos ligados à memória.

Os processos cognitivos superiores (avaliação e atribuição)

também são importantes para explicar a agressão. Se uma pessoas

está motivada para algo, ela pode pensar sobre o que sente, fazer

atribuições causais sobre a razão que a levou a sentir daquele modo

considerando posteriormente as consequências de agir. Estes

pensamentos deliberados podem diferenciar mais claramente os

sentimentos de raiva, medo ou de ambos, podendo desta forma

suprimir ou elevar as tendências à acção associados a esses

sentimentos. A TCNA assume a hipótese anterior da frustração-

agressão (Dollard et al., 1939), como também fornece uma explicação

para a relação dos eventos aversivos e o aumento de inclinações

agressivas (Berkowitz, 1989), sendo particularmente importante para

explicar a agressão hostil.26

Page 27: A TESE

De acordo com Teoria da Aprendizagem Social (Bandura, 1983,

2001), as pessoas adquirem respostas agressivas da mesma forma

que adquirem outras formas complexas do comportamento social, isto

é, por experiência directa ou observando os outros. Esta teoria explica

a aquisição de comportamentos agressivos através do processo de

aprendizagem observacional e fornece um número de conceitos úteis

tais como crenças e expectativas, que guiam o comportamento social.

A forma como desenvolvemos e mudamos as nossas crenças assim

como construímos o nosso mundo social são importantes para

compreendermos a aquisição de comportamentos agressivos e

explicar a agressão instrumental.

Uma teoria que tenta integrar todas as teorias mais recentes

sobre a agressão humana é Modelo Geral da Agressão (MGA)

(Anderson et al., 1995). Este modelo baseia-se nos novos conceitos

de estruturas do conhecimento (Bargh, 1996). As características das

estruturas do conhecimento podem ser descritas da seguinte forma:

desenvolvem-se a partir da experiência; influenciam a percepção a

vários níveis; podem-se tornar automáticas com o uso; podem conter,

ou estar ligadas, a estados afectivos, programas comportamentais e

crenças e; são usadas para fazer interpretações e respostas

comportamentais das pessoas no seu meio físico e social. Os três

subtipos mais relevantes de estruturas do conhecimento são:

esquemas perceptivos que são usados para identificar fenómenos

simples (e.g. cadeira) ou eventos sociais complexos (e.g. insultos);

esquemas pessoais, que incluem crenças acerca de uma pessoa em

particular ou grupo e; guiões (scripts) comportamentais que contêm

informações de como a pessoa se deve comportar nas mais variadas

circunstâncias.

27

Page 28: A TESE

O MGA foca a pessoa na situação ou no episódio. A figura 1

apresenta uma versão simplificada do modelo. Os três principais

temas do modelo são os inputs pessoais e situacionais; as vias

afectivas, cognitivas e de activação fisiológica que os inputs

influenciam e; os resultados comportamentais após a avaliação e

processo de decisão subjacentes aos passos anteriores.

Inputs

Vias

Resultados

Figura 1. Modelo geral da Agressão

Este modelo é bastante completo, sendo que para efeitos deste

estudo focaremos essencialmente os factores pessoais. Os factores

pessoais são todas as características que a uma pessoa transporta

para determinada situação, tais como os traços de personalidade,

atitudes e predisposições genéticas. As pessoas estáveis são aquelas

que apresentam consistência ao longo do tempo e/ou das situações.

A consistência resulta largamente do uso consistente que uma pessoa

faz dos esquemas, guiões e outras estruturas do conhecimento

(Mischel, 1999). Neste sentido a personalidade é a soma de

estruturas do conhecimento de uma dada pessoa. As estruturas do

conhecimento também influenciam as situações que a pessoa irá

seleccionar e evitar, contribuindo para a consistência dos traços da

28

Pessoais

Situacional

Estado Interno PresenteAfecto

CogniçãoActivação

Avaliação e Processo de

Comp. Reflectido

Comp. Impulsivo

Encontro

Page 29: A TESE

personalidade. Desta forma, os factores pessoais definem a

predisposição de um indivíduo para a agressão.

Existem vários estudos que evidenciam que certos traços da

personalidade predispõem os indivíduos a altos níveis de

agressividade. Por exemplo certos tipos de pessoas que agridem os

outros fazem-no em grande parte devido à susceptibilidade perante as

atribuições e percepções hostis e expectativas desajustadas (Dill et

al., 1997). Por outro lado, estudos recentes revelaram que um auto-

conceito grandioso é causador de altos níveis de agressividade,

principalmente em indivíduos com um auto-conceito instável

(narcísico). Estes indivíduos são extremamente agressivos quando o

seu auto-conceito grandioso é de ameaçado de qualquer forma

(Bushman & Baumeister, 1998).

Para além dos traços de personalidade as crenças também

propiciam a agressão. Aqueles que têm a crença de que podem

executar comportamentos agressivos com sucesso (auto-eficácia) e

que estes comportamentos produzem os resultados desejados, têm

uma maior probabilidade de terem comportamentos agressivos do que

os que não têm esses tipos de crenças. Os valores (morais e outros)

são crenças específicas acerca daquilo que devemos fazer ou não,

sendo que por exemplo em grupos de delinquentes (gangs) a

violência resulta a partir de códigos de honra e respeito pessoal

(Baumeister & Boden, 1998). Finalmente os guiões (o papel e

personagem) que uma pessoa utiliza numa situação social, estão

relacionados com a propensão agressiva dessa pessoa (Bushman &

Huesman, 2001).

Os factores sociais incluem as características mais importantes

de uma situação que propicia a agressão, tais como as provocações e

os indícios ou pistas agressivas. Quanto às pistas agressivas 29

Page 30: A TESE

podemos referir que a mera presença de armas (ao invés de raquetes

de badminton) aumenta a probabilidade de comportamentos violentos

em sujeitos irascíveis (Carlson et al., 1990). A provocação

interpessoal é provavelmente a causa individual mais importante para

explicar a agressão humana. As provocações incluem insultos (reais

ou imaginados) ou outras formas de agressão verbal, agressão física

e interferências na tentativa de obter um objectivo considerado pelo

indivíduo como importante (Baron, 1999). A frustração, a dor, o

desconforto, as drogas e os incentivos, também são factores

situacionais que podem propiciar comportamentos agresivos.

Como podemos ver na figura 1, os factores pessoais e

situacionais influenciam a agressão alterando o estado interno

(cognições, afectos e activação fisiológica). Por exemplo os traços de

personalidade que evidenciam hostilidade e a exposição a cenas

violentas influenciam interactivamente o acesso a pensamentos,

afectos e comportamentos agressivos (Bushman, 1995).

Os resultados comportamentais são gerados através de

processamento de informação, que vão desde os automáticos até aos

extremamente controlados/conscientes. Os inputs influenciam os

processos de avaliação e de decisão através dos seus efeitos nas

cognições, afectos e activação cortical (fig.1).

De uma forma muito simplista pode-se dizer que a história

pessoal de aprendizagem (personalidade) e as características da

situação vão definir o tipo de comportamento (agressivo ou não),

através do acesso às estruturas do conhecimento individuais (estado

interno actual) que influenciam por sua vez o tipo de processos de

avaliação e de decisão (automática e impulsiva ou reavaliação e

pensada). Por exemplo se uma pessoa com traços de personalidade

narcísicos numa situação social com determinadas características (eg. 30

Page 31: A TESE

consumo álcool), leva um “encontrão” de outra pessoa pode inferir

que esse facto foi agressivo (através de pensamentos automáticos e

uso de afectos primários) e por conseguinte ter um comportamento

impulsivo agressivo.

Este modelo ao focar o estado interno actual não descura a

importância que o passado e o presente na explicação da agressão

humana. O passado é representado através da aprendizagem que a

pessoa transporta ao episódio presente (i.e. estruturas de

conhecimento aprendidas – personalidade) e o futuro é representado

pelos planos, expectativas e objectos futuros que estão incluídos tanto

na personalidade como no estado interno actual).

Feldman (1977) propõe um modelo psico-social mais específico,

para explicar comportamentos delinquentes, que em nosso entender

encaixa no MGA. Este modelo inclui as disposições genéticas, a

aprendizagem e a rotulação social. Para além da predisposição

individual e aprendizagem, o processo social de rotulação teria

importância na manutenção da conduta delituosa. Segundo a Teoria

da Rotulação (Rubington et. Weinberg, 1987), o delinquente teria uma

progressiva identificação ao rótulo de desviante, desde os seus

primeiros insucessos escolares até eventuais problemas laborais e

sociais da vida adulta. Ainda segundo este autor as variáveis da

aprendizagem eram as que maior influência criminogénica

exerceriam, quer ao nível da aquisição quer da realização, quer

finalmente da manutenção do comportamento criminoso. No entanto

existiriam predisposições individuais (traços da personalidade) que

exerceriam um impacto sobre a etapa de aquisição de

comportamentos enquanto que as variáveis relacionadas com a

rotulação afectam predominantemente a manutenção da conduta.31

Page 32: A TESE

A aprendizagem, segundo Feldam, pode influenciar o sujeito de

dois modos: por um lado, podemos aprender a não delinquir devido ao

efeito de socialização, cujo poder restritivo é mantido à custa das

consequências positivas derivadas do cumprimento das normas e às

punições ocorridas quando transgredimos e, por outro, a

aprendizagem da delinquência pode surgir por via da modelagem e do

reforço vicariante e, naturalmente, por recompensas provenientes das

próprias actividades delituosas, a ajudarem à manutenção do

comportamento desviante.

Para além destas variáveis, Feldman inclui a variável cognitiva,

afirmando que as estratégias de dissonância cognitiva permitem a

redução ou eliminação das discrepâncias internas entre

comportamentos anteriores e actuais, nomeadamente, as

consequências aversivas que os comportamentos violentos têm sobre

as vítimas (e.g. ela era doente ainda bem que eu a matei). Este tipo

de estratégia poderá conduzir o indivíduo a um sistema de auto-

legitimação dos seus comportamentos violentos.

2.4. Outros modelos da agressão

Para além dos modelos teóricos psicológicos que tentam

explicar a agressão, existem outros modelos que se baseiam

sobretudo em correlatos neurofisiológicos e modelos experimentais.

A ubuquidade do comportamento agressivo produz numerosos

exemplos susceptíveis de serem estudados em laboratório, com o

intuito de melhor compreender os mecanismos biológicos da

agressão, sendo desta feita elaborados modelos experimentais do

32

Page 33: A TESE

estudo da agressão. A complexidade do comportamento agressivo

exige a selecção de modelos simples, bem conhecidos e fáceis de

estudar em condições experimentais controladas.

Frequentemente o investigador utiliza técnicas etológicas de

observação e categorização para melhor estudar o comportamento

agressivo. A utilização de técnicas etológicas requer que o animal se

encontre em situações o mais similares possível com o seu meio

natural. Benton (1981) sublinhava que as vantagens dos estudos

naturalistas são a melhor compreensão e interpretação do

comportamento resultante já que o comportamento depende, de forma

determinante, de estímulos específicos ligados à sobrevivência da

espécie.

Assim pudemos referir que normalmente são aplicados quatro tipos de

modelos experimentais:

1. Agressão provocada por estímulos dolorosos – quando numa

jaula dois animais recebem uma descarga eléctrica forte,

atacando-se violentamente entre sí. Contudo este facto não

acontece em todas as situações, sendo somente induzida a

partir de uma posição particular do animal agredido;

2. Agressão por retirada de reforço – quando um animal realiza

uma tarefa com elevadas taxas de reforço, a sua retirada

provoca um disparo do comportamento agressivo;

3. Agressão entre machos devido a isolamento – o animal criado

em isolamento, durante umas semanas, por exemplo, ataca

outros animais machos desconhecidos da sua própria espécie.

Este facto parece estar relacionado com a testosterona e

endorfinas cerebrais e é conduzida pela via olfactiva. Após a

lesão da via olfactiva, o animal passa de agressor a agredido.

33

Page 34: A TESE

4. Conflito de dominância – dois animais são introduzidos frente a

frente num tubo de plástico cujo diâmetro somente permite a

passagem de um deles. Um animal terá de retroceder, perante a

agressividade do outro.

A investigação de modelos experimentais em humanos não

abunda, principalmente por razões éticas. Muitos autores investigam o

comportamento em participantes de desportos violentos e

competições desportivas, onde abundam as manifestações

agressivas. Outra forma de estudar a agressividade no ser humano é

através de provas psicológicas e questionários (Selva, 1995).

Os sistemas cerebrais implicados no desencadeamento dos

comportamentos agressivos estão organizados de forma hierárquica:

as actividades são reguladas ao nível mesencefálico, contudo existe

um controlo por parte do hipotálamo, que por sua vez é regido pelo

sistema límbico, e fundamentalmente pela amígdala (Carlson, 1993).

No ser humano existem regiões do sistema límbico implicadas no

comportamento agressivo. Os estudos que procederam de lesões

cirúrgicas, implantação de eléctrodos e observação de pacientes

(principalmente os epilépticos ou com síndromes orgânico-cerebrais).

Os tumores, lesões e crises epilépticas límbicas foram associados à

irritabilidade e comportamento violento. Os tumores que provocam

estes comportamentos são os que se localizam nos lóbulos temporal

e frontal, circunvalação cingular, região septal e hipotálamo anterior e

ventromedial.

Os doentes infectados com o vírus da raiva (que provoca lesões

no sistema límbico, especialmente nos lóbulos anteriores) denunciam

comportamentos violentos caracterizados por hiperagressividade,

34

Page 35: A TESE

hipersexualidade e ataques irracionais (Moyer, 1986). A lesão

bilateral, no ser humano, do córtex órbito-frontal , provoca o

aparecimento de comportamentos impulsivos e comportamentos de

violência, sendo estes factos uma porção de um síndrome, mais geral,

o da desinibição do comportamento (Damásio & Van Hoesen, 1983).

Não se encontrou nenhum neurotransmissor especificamente

associado à agressão. Dadas as características complexas e a

diversidade do comportamento agressivo é de supor que sistemas de

neurotransmissores diferentes intervêm no surgimento do

comportamento agressivo. Este comportamento correlaciona-se

positivamente com os metabolitos das catecolaminas e negativamente

com os metabolitos da serotonina (Valzelli, 1983). No ser humano, os

dados clínicos indiciam que um nível baixo de serotonina no líquido

cefalo-raquidiano é próprio de pacientes depressivos com

comportamentos suicidas, e altos níveis de impulsividade e psicopatia.

O álcool e outras substâncias psicoactivas também, potenciam a

agressão. Um dos efeitos destas substâncias, é a supressão de

mecanismos inibidores, situação que poderia diminuir o umbral do

comportamento agressivo. Valzelli (1983) por exemplo, relaciona este

facto com a deficiência da metabolização do trifosfato, e por

conseguinte com a carência da serotonina, no alcoólico crónico.

Por outro lado existem evidências de que o sistema neuro-

endócrino também se relaciona com os comportamentos violentos. A

administração de testosterona induz impulsos de raiva em pessoas

com historial agressivo e existem correlações entre os níveis de

testosterona e consumo de álcool por um lado e comportamentos

agressivos e personalidade anti-social, por outro (Valzelli, 1983). A

castração química provoca o desaparecimento ou diminuição dos

35

Page 36: A TESE

ataques agressivos, sendo que a administração de testosterona em

homens castrados conduz a uma reaparição do comportamento

violento.

A hereditariedade também desempenha um papel no fenómeno

da agressividade, principalmente se associados a factores ambientais.

Estudos entre gémeos mostram que a combinação dos efeitos da

hereditariedade e ambiente é maior em presos por delitos violentos do

que presos por delitos contra a propriedade. No que respeita às

anomalias cromossómicas associados a comportamentos agressivos,

a maior parte aparece em mosaicos cromossómicos que apresentam

também alterações ao nível dos órgãos sexuais e estruturas cerebrais

relacionadas com o comportamento sexual.

Em forma de síntese devemos dizer que a violência humana é

um tipo de agressão extremo e complexo. Os modelos da agressão

mais recentes poderão suprir alguns caminhos para a compreensão

deste comportamento e futura prevenção e tratamento de indivíduos

agressivos, tendo em conta que a violência surge devido a um

conjunto complexo de factores genéticos, psicológicos e ambientais

de difícil separação.

36

Page 37: A TESE

Capítulo III

Perturbações mentais e avaliação do risco de violência

3.1 Perturbações mentais e violência

Em estudos histórico-antropológicos, Monahan (1992), conclui

que a crença de que as doenças mentais estão associadas à violência

é historicamente constante e culturalmente universal. Essa percepção

pública tem consequências na prática social (estigma) contra

indivíduos portadores de doenças mentais, sendo que a

estigmatização do doente mental é o maior obstáculo para sua

reintegração social. Portanto, antes de aceitá-la devemos analisar

criticamente, em primeiro lugar se a associação existe de facto e, em

segundo, qual é a magnitude de seu efeito nos crimes violentos em

geral.

O conceito de Perturbação Mental deve antes do mais ser

esclarecido. A expressão doença mental, como tem sido usada nos

media, inclui todo e qualquer desvio do comportamento, desde abuso

de álcool e drogas até quadros psicóticos. Em senso estrito (e

correcto), devemos falar de doença mental quando nos referimos a

quadros definidos de alterações psíquicas qualitativas como, por

exemplo, a esquizofrenia, as doenças afectivas (antes chamadas de

psicose maníaco-depressiva) e outras psicoses. Por outro lado,

existem alterações quantitativas, como a deficiência mental e os

transtornos de personalidade, que representam "desvios extremos do

37

Page 38: A TESE

modo como o indivíduo médio, em uma dada cultura, percebe, pensa,

sente e, particularmente, se relaciona com os outros". Portanto, não

são doenças, mas extremos de um contínuo. Estes termos serão

usados neste sentido.

Num estudo epidemiológico na Alemanha, Haefner & Boeker

(1982) encontraram que não havia um excesso de doentes mentais

entre os criminosos violentos da década 1955-1964, quando

comparados com a população geral. Encontraram também que a

idade média do doente mental criminoso por ocasião do crime era 10

anos maior do que a do criminoso da população geral, sugerindo que

a doença mental, ao contrário, retardaria a expressão do

comportamento violento.

Seguiram-se inúmeros estudos sobre a associação entre as

perturbações mentais e a violência, incluindo a ampla investigação

coordenada pelo National Institute of Mental Health nos EUA

(Epidemiological Catchment Area – ECA, Swanson et al. 1997). Esses

estudos não encontraram uma associação, ou apenas uma

associação discreta, entre doença mental e o risco de cometer crimes

violentos. Entretanto, todos eles apontam para além do género,

estatuto sócio-económico e idade, dois outros factores

invariavelmente associados à violência: o abuso de substâncias

tóxicas (álcool e drogas) e a presença perturbações da personalidade

(principalmente a anti-social ou a psicopatia) assim. Os efeitos de

álcool e drogas não surpreendem, visto que, como já foi referido

anteriormente, ambos enfraquecem o auto-controle e propiciam o

comportamento violento. As características da perturbação da

personalidade anti-social já são, em si, predisponentes para

comportamentos contra a sociedade (DSM-IV-TR, 2000) e a

psicopatia também visto que implica características de personalidade 38

Page 39: A TESE

(e.g. ausência de remorsos ou sentimentos de culpa, ausência de

empatia) e comportamentais (impulsividde, delinquência juvenil).

(Hare, 1997).

Monahan e Appllebaum (2000), a partir do MacArthur Study fo

Risk Assessement, estimaram a prevalência de violência por

diagnóstico na comunidade de pacientes com alta hospitalar. Neste

estudo comparativo, a violência foi medida com intervalos de dez

semanas durante um ano, resultando as seguintes prevalências: 9%

para a esquizofrenia; 19% para a depressão; 15%, para a perturbação

bipolar; 17,2% para outras perturbações psicóticas, 29% para

perturbações relacionadas com abuso de substâncias e 25% para as

perturbações de personalidade. Neste momento é consensual que

entre todas as doenças mentais são os quadros psicóticos que mais

concorrem para o risco de violência (Vieira, 2000). No grupo das

perturbações mentais, para além dos quadros psicóticos, o abuso de

substâncias e as perturbações da personalidade são igualmente

importantes para o risco de violência.

Outros estudos indicam que a doença mental não está ligada ao

risco de violência, excepto quando em comorbilidade com o abuso de

substâncias ou perturbação de personalidade. O grupo de pesquisa

liderado por H. Steadman (1998), não encontrou diferenças na

prevalência da violência em doentes mentais sem abuso de

substâncias, comparados com a população geral. O risco de violência

em indivíduos da população geral com abuso de álcool ou drogas foi

duas vezes maior do que em pacientes psicóticos sem comorbilidade

com abuso de substâncias. Segundo J. W. Swanson et al. (1997),

coordenadores do ECA-Project, o risco de violência é potencializado

quando álcool e drogas coexistem num indivíduo portador de

perturbação mental, sendo que o maior risco para expressão de 39

Page 40: A TESE

violência ocorre na combinação de abuso de álcool/drogas com a

perturbação de personalidade anti-social. Um estudo mais recente

elaborado por Moran et. al. (2003) sugere que a comorbilidade de

quadros psicóticos com a perturbação da personalidade

(principalmente a anti-social) aumenta significativamente o risco de

violência.

Estes achados sugerem que a doença mental em senso estrito

contribui muito pouco para a ocorrência de crimes de violência. A

magnitude desta contribuição pode ser avaliada pelo estudo de maior

impacto sobre doença mental e crime, realizado na Dinamarca e

publicado por Hodgins et al. (1996). Os autores identificaram todos os

indivíduos nascidos entre 1944 e 1947 (360.000 indivíduos). Quando

esses indivíduos tinham 43 anos de idade, identificou-se através dos

registros centrais quais tinham um registro de internamentos em

hospitais psiquiátricos e quais tinham sido condenados por infracções

ao código penal. Comparou-se, então, a frequência e o tipo de crimes

cometidos entre os indivíduos com e sem internamento psiquiátrico,

assim como entre os diferentes diagnósticos psiquiátricos. Encontrou-

se uma frequência de crimes maior de violência em pacientes que

haviam sido hospitalizados do que em indivíduos sem internamentos

psiquiátricos. Os resultados para os homens, no período de 1978-

1990, foram os seguintes: Sem internamento psiquiátrico (1,5%);

Quadros psicóticos (6,7%); Deficiência mental (11,4%); Personalidade

anti-social (10,8%); Abuso de álcool (10%) e; Abuso de drogas (13%).

Assim, na Dinamarca, indivíduos que foram internados em

hospitais psiquiátricos por doença mental têm um risco 4,5 vezes

maior de praticar um crime violentos do que indivíduos sem

internamento. Os riscos para outras perturbações aumentam até 8,5

40

Page 41: A TESE

vezes em pessoas com abuso de drogas. Fica claro que álcool e

drogas, contribuem mais para a violência que as doenças mentais.

Entretanto, estes dados são superestimados, visto que na

Dinamarca, existe uma assistência psiquiátrica exemplar. Todo

cidadão tem acesso gratuito a medicamentos e a tratamento

psiquiátrico numa rede de serviços complementares abertos, como

ambulatórios, centros de reabilitação, trabalho protegido e residências

comunitários. Isso possibilita que a maioria dos pacientes passe a

maior parte de suas vidas fora do hospital. O internamento fica

reservado apenas para os casos mais graves, difíceis de serem

tratados nos serviços complementares. J. Monahan e H.J. Steadman

(1983) mostraram que os pacientes com um comportamento

agressivo terão uma probabilidade maior de serem hospitalizados do

que os pacientes não-agressivos, com sintomas semelhantes.

Portanto, o critério de selecção para o estudo na Dinamarca,

baseado em registos de internamento hospitalar, já seleccionou, à

priori, uma amostra de pacientes mais agressivos do que a média dos

doentes mentais, resultando numa estatística inflacionada do número

de crimes de violência. Mesmo com essas reservas metodológicas, os

resultados deste estudo demonstram que a grande maioria dos

doentes mentais na Dinamarca (no mínimo 93%) não é violenta

(Hodgins e tal. 1996).

Como podemos constar, estudar a relação entre doença mental

e violência não é um objectivo simples e toda a investigação nesta

área sofre de problemas metodológicos que resultam em conclusões

apenas hipotéticas (Viera, 2000). Monahan e Steadman (1998),

relativamente ao problema de representatividade, falam da distinção

epidemiológica entre prevalência “verdadeira” e “tratada”. Estes

autores referem a diferença da prevalência “tratada” que seria taxa de 41

Page 42: A TESE

prevalência dos pacientes que recebem os cuidados de saúde nos

serviços, e a taxa verdadeira dos doentes mentais na comunidade.

Por exemplo existem evidências que o risco de violência é maior

antes e durante o internamento quando os sintomas são mais activos.

Mas passado um ano após o internamento o risco diminui ao ponto de

um doente mental ter a mesma probabilidade de cometer actos

violentos do que um comum cidadão (Bruce et. al., 1998).

Enquanto a relação entre a prevalência verdadeira de doença

mental grave e violência permanece em suspenso, a evidência de

vários estudos sugere que algumas perturbações podem aumentar o

risco, embora não tanto como dantes se acreditava.

O interesse na relação entre doença mental e violência reflecte

interacções variáveis, entre a justiça criminal e os sistemas de saúde

mental (Vieira, 2000). Webster et al. (1997) observam que a definição

de doença mental no DSM-IV (APA, 1994) inclui por vezes o desvio

antisocial, particularmente no que se refere às perturbações da

infância e adolescência.

Os aspectos acerca desta “psiquiatrização” do crime têm sido,

no entanto, paralelos a aspectos sobre a “criminalização” da doença

mental, reflectido no facto da desinstitucionalização de doentes

mentais ter levado à integração de muitos pacientes no sistema

criminal. Por outro lado, os conceitos de “doença mental” ou “saúde

mental” continuam a eludir uma definição precisa, já que muitos

criminosos têm claramente problemas pessoais e alterações

psicológicas para além dos limites das perturbações psiquiátricas, no

sentido estrito (Vieira, 2000).

As perturbações da personalidade, sob o ponto de vista clínico

não são doença mental, mas, por vezes, para os juristas são

conceptualizadas como tal. O modelo de doença mental, como 42

Page 43: A TESE

“lesão”, persiste na psiquiatria, o que explica a visão de muitos

psiquiatras de que as perturbações da personalidade estão fora da

psicopatologia, sendo consideradas não-doença, mas antes feitio, ou

maneira de ser e estar no mundo (Vieira, 2000).

Deste modo, existe uma hipótese gerada nos últimos anos de

que existem dois tipos de doentes mentais que praticam

comportamentos violentos. Um tipo seriam aqueles praticaram actos

criminosos ao longo da sua vida, e por conseguinte preenchem os

critérios de perturbação da personalidade anti-social, enquanto que

outro tipo refere-se àqueles que tiveram comportamentos violentos

somente numa fase avançada da vida, após os primeiros sintomas da

doença mental (Brennan et. al., 2000; Hodgins et. al., 1998).

Em suma pode-se afirmar que a doença mental pode ser um

factor de risco, cujo peso existe, mas que não é superior, por

exemplo, a ser-se do sexo masculino, jovem, e de baixo nível sócio-

económico. Queremos com isto dizer que os doentes mentais podem,

realmente, em determinadas circunstâncias, ser perigosos,

aumentando ligeiramente a doença a probabilidade de violência

(Vieira,2000).

3.2 Avaliação do risco de violência nas perturbações mentais

Ao longo de vários tem-se verificado a dificuldade na predição

dos actos violentos em doentes mentais (Steadman & Cocozza,

1974), muito provavelmente devido à concorrência de muitos e

variados factores (clínicos, pessoais, sociais etc.) para a relação entre

a violência e doença mental.43

Page 44: A TESE

De facto a investigação falhou sempre em demonstrar

correlações entre julgamentos clínicos e violência futura, tendo-se

inclusivamente chegado ao um extremo em que algumas instituições

pediram para que os clínicos não fizessem avaliações da perigosidade

(APA, 1981). Apesar deste pessimismo os investigadores,

principalmente a partir de um artigo de Monahan que foi originador de

investigação para esta área (Webster et al, 1997). Com a melhoria e

avanço na metodologia de investigação foi possível melhorar a

precisão da predição da perigosidade (através da avaliação dos

factores de risco de violência).

Anteriormente aos novos desenvolvimentos acerca do risco de

violência existiram muitos problemas e confusões no seio da

comunidade científica e na relação desta com o sistema jurídico.

Um dos factores de confusão surge da definição e distinção de risco

de violência e perigosidade. O risco em epidemiologia pode ser

conceptualizado como a probabilidade de morrer ou desenvolver uma

doença, sendo que as características (pessoais, ambientais ou

sociais) que aumentam a probabilidade de doença são os factores de

risco. Assim o risco de violência é a probabilidade de o dano ocorrer,

e nunca a lesão em si mesmo (Vieira, 2000).

Por outro lado a “perigosidade” não é um conceito psiquiátrico,

antes um juízo legal baseado na política social que, para alguns

autores, desde de sempre se prestou a grande ambiguidade e

interpretações menos correctas; indica apenas propensão de um

indivíduo para cometer actos perigosos. Recordemos que pode ser

pedida a avaliação de perigosidade independente do estado

psicopatológico, ao abrigo do artigo 160.º do Código do Processo

Penal (Vieira, 2000). A perigosidade pode ser definida como a

capacidade “aumentada” de uma pessoa se tornar autora de um 44

Page 45: A TESE

crime, por isso, um delinquente perigoso será aquele de quem se

espera a prática de graves factos criminalmente ilícitos. Tal visão leva-

nos à necessidade de esclarecermos do mesmo modo a noção-chave

de probabilidade, no sentido de sabermos quando um autor de um

facto-crime vai repetir a sua conduta típica e ilícita (Vieira, 2000).

Os interessados por estas matérias entendem que probabilidade

é um conceito que, embora partindo da incerteza dos acontecimentos

futuros, realiza um juízo de certeza sobre o número de frequência

desses mesmos acontecimentos crime, ou seja, a probabilidade de

um dano futuro que se consubstancializará na prática de um novo

crime. Do ponto de vista jurídico, a perigosidade depende à partida de

dois elementos; o descritivo – na probabilidade de um futuro criminoso

– e um elemento normativo – em que o crime pressupostamente

indica a direcção da perigosidade e o conteúdo do comportamento

que é de esperar do indivíduo (Vieira, 2000).

É Monahan (1984) quem enfatiza que os termos perigosidade e

risco são usados frequentemente como sinónimos , o que contribui

para uma confusão nos tribunais norte-americanos, que

eventualmente confundem o comportamento perigoso, com a

possibilidade real da sua ocorrência. Isto para já não falar no

considerar à partida a perigosidade como uma “imprevisível e

intratável” tendência para infligir irreversível lesão ou destruição. Não

é, infelizmente, ainda possível à ciência psiquiátrica dizer em rigor se

a perigosidade é condição de alguns indivíduos enquanto imutável

traço de personalidade (leia-se de feitio ou maneira de ser e estar no

mundo), ou se por outro lado esta é apenas uma capacidade para

causar mal, presente sobre determinadas circunstâncias, sejam elas

biológicas, psicológicas, sociais, ocasionais ou caóticas.

45

Page 46: A TESE

Posto isto, é necessário distinguir a avaliação do risco de

violência e predição da perigosidade. Enquanto que a avaliação do

risco foca a probabilidade de ocorrer a violência tendo em conta

factores ambientais (i.e. o locus de controlo não é sempre interno) a

predição de perigosidade foca a disposição de uma pessoa a cometer

um delito futuro. A avaliação de perigosidade usa afirmações

preditivas que não necessitam de explicação ou compreensão (é

perigoso ou não), enquanto que a avaliação do risco de violência foca-

se mais nas explicações e deste modo, fazem-se afirmações acerca

das associação empíricas tentando também, explicar as relações

causais dessas associações (e.g. tem uma probabilidade de cometer

um comportamento violento futuro porque tem uma personalidade

anti-social e consome álcool e não tem apoio familiar, características

que estão relacionadas com a violência). O risco varia com o contexto

e a avaliação do risco é uma estimativa que assume certas

características contextualizadas, sendo um julgamento relativo. Por

outro a predição da perigosidade somente foca aspectos pessoais

sendo os sus julgamentos absolutos (sim ou não).

Assim, após avanços na metodologia, a investigação propiciou

novos dados acerca do risco de violência nas perturbações mentais,

tendo-se chegado à conclusão que deveria de haver uma mudança do

paradigma de predição da violência para a avaliação do risco de

violência (Castel, 1991) tendo este facto alargado o foco da avaliação

para outras áreas para além da clínica, tais como considerações

ambientais, situacionais e sociais. As avaliações clínicas de

“perigosidade” devem então encaradas como avaliação de risco, em

vez de predição “pura” de violência. É um processo contínuo e não

meramente um procedimento pontual não sendo um simples exercício

46

Page 47: A TESE

académico, sendo o seu propósito orientar o tratamento e

acompanhamento do doente “perigoso” (Vieira, 2000).

Quando se utiliza a palavra risco, como já referimos

anteriormente, esta deve ser entendida como uma variável contínua,

admitindo que para um determinado comportamento futuro existe uma

ampla gama ampla de valores possíveis.

Esta conceptualização oferece-nos uma base mais completa,

mas também mais flexível, sobre a qual é conduzida a avaliação,

permitindo também uma manifestação cuidadosa e regular do

suposto ofensor, ao contrário do que se passaria se se tratasse de

uma variável dicotómica. A determinação de que um doente oferece

perigo não indica necessariamente que ele cometa um acto violento.

Representa um juízo de que um indivíduo apresenta um risco

inaceitável de ser perigoso.

A avaliação do risco pode ser feita através de dois tipos

principais de abordagem (Monahan, 1997):

Abordagem Actuarial, baseada em variáveis que estão

relacionadas estatisticamente com um aumento do risco de

violência (factores de risco);

Abordagem Clínica, focalizada na apresentação clínica, psicológica

e comportamental do indivíduo;

Actualmente e na prática, são realizadas avaliações mistas que

integram ambas as abordagens, permitindo que a determinação do

risco seja feita de forma actuarial, mas também clinicamente aferida

(Vieira, 2000). Contudo Monahan (1997), refere que a forma actuarial

é a melhor forma de avaliação de risco para fins de investigação.

47

Page 48: A TESE

Quando se procede à avaliação do risco de violência, há que se

ter em consideração a forma pela qual a predição pode ser

melhorada. Sabe-se que se melhora o resultado da previsão se for

definida a circunstância para a qual é avaliado o risco (comunidade,

instituição, etc.), se o período de tempo para o qual se destina a

predição for curto e se se pretende uma avaliação para actos em

concreto (Webster et al. 1997).

As avaliações devem ser realizadas por técnicos (clínicos com

conhecimento) com treino específico para as mesmas, para que

sejam eliminados ao máximo os possíveis enviesamentos

profissionais e pessoais, especialmente nestes casos visto se tratar

de um terreno muito sensível (um sujeito pode ficar toda a sua vida

detido devido a esta avaliação).

A declaração de risco deve preferencialmente ser feita em

relação ao índice de violência da população em causa (por exemplo,

“reclusos da prisão” será necessariamente diferente do que

“população em geral”) que deverá ser previamente estimado.

As predições devem ser feitas em termos específicos, para

períodos específicos, em termos de probabilidade, sendo da maior

utilidade a referência dos factores que possam contribuir para

aumentar ou reduzir o risco.

Assim, é sugerido que a predição deva estipular os períodos de

tempo durante os quais tem validade, uma vez que pode variar de

acordo com alterações nas circunstâncias situacionais e índices de

violência das amostras em concreto a que dizem respeito (Webster et

al., 1997).

As avaliações do risco de violência são determinantes no aqui e

agora. A probabilidade torna-se progressivamente menos correcta

com o aumento da variável tempo.48

Page 49: A TESE

Os dois testes desenhados para aplicação clínica e com mais

correlações com um boa predição do futuro violento são o Historical,

Clinical and Risk Management Checklist of Risk Factors for Violent

Behavior-20 (HCR-20), que é um instrumento para settings forenses

(Webster et al., 1997), o Psychopaty Checklist-Revised (PCL-R) que é

um instrumento para avaliar a psicopatia (Hare, 1997).

O HCR-20 tem sido um instrumento validado em vários estudos

relativamente à avaliação do risco de violência futura (Douglas et al.

1999; Gray et al., 2003). Por exemplo, Douglas et al. (1999) num

estudo longitudinal (n=193), referem que os indivíduos que pontuam

acima da mediana, têm uma probabilidade de seis a treze vezes

superior de cometerem comportamentos violentos comparativamente

a indivíduos que pontuam abaixo da mediana. Estes autores também

descobriram que somente as subescalas do HCR-20 previram os

comportamentos violentos e que o PCL-R não tinha tanta capacidade

estatística nessa predição.

Dado a importância da personalidade anti-social e psicopática

como factor de risco de violência, é natural que o PCL-R (protocolo

que mede a psicopatia), seja um bom instrumento na avaliação do

risco de violência. Contudo, como já referimos, para além das

variáveis caracteriais é necessário ter em conta outras variáveis (e.g.

Ambientais), o que poderá explicar a menor capacidade do PCL-R

quanto à predição de violência, relativamente ao HCR-20.

49

Page 50: A TESE

3.3 Factores de risco de violência nas perturbações mentais

Muito se tem escrito sobre o tipo de variáveis que poderão

prever a violência entre doentes mentais e prisioneiros (Hodgins,

1992; Monahan & Steadman, 1994). O comportamento violento, como

já foi referido anteriormente, é função da interacção dinâmica entre

factores de ordem social, familiar, clínica, caracterial e ambiental,

presentes em determinadas situações e num intervalo de tempo. As

pessoas, e entre elas os doentes mentais, podem ser violentos por

apenas alguns segundos ou minutos ao longo da sua vida e após

estes períodos não mais serem criadas condições de perigo eminente

(Vieira, 2000).

Contudo, na maioria dos estudos sobre os factores de risco de

violência, factores estáticos como idade, a história prévia de violência

são os que estão mais fortemente correlacionado com o potencial de

violência futura (Harris et al., 1993).

Os factores históricos ou estáticos, à exepção da doença

mental, estão todos normalmente relacionados com a psicopatia. A

psicopatia inclui características da personalidade e comportamentos

(anti-sociais) que estão relacionados com a violência (e.g.

comportamento problemático precoce, delinquência juvenil, abuso de

substâncias, revogação de medidas flexibilizadoras da pena de

prisão). Isto é existem comportamentos constantes desde de idade

precoce sendo provavelmente devidos a determinadas características

da personalidade Deste modo, não é estranhar que diversos estudos

demonstraram que quanto mais jovem é a pessoas na altura do

primeiro comportamento violento maior a probabilidade de

comportamentos violentos subsequentes (Steadman et al., 1994;

50

Page 51: A TESE

Harris et al., 1993). Segundo alguns autores, doentes com mais

admissões anteriores em instituições psiquiátricas, assim como

história anterior de fuga de uma instituição aumenta a probabilidade

de violência futura (Webster et al., 1997).

Quanto a factores que se poderão encontrar na actualidade o

insight e sentimentos procriminosos (ou atitudes negativas) estão

relacionados com a violência (Andrews & Bonta, 1995). Alguns

sintomas psicóticos específicos tanto positivos como negativos estão

relacionados com a violência, sendo que por exemplo Monahan

(1992) refere que quanto mais floridos são os sintomas maior é a

probabilidade de violência. A impulsividade definida como a

instabilidade comportamental e afectiva está ligada à violência e pode

diferenciar os que reincidem dos que não reincidem na violência

(Prentky et al. 1995). A não adesão ao tratamento que está ligado à

falta de insight, prediz o retorno ao hospital e a violência. Pode-se

entender que a exacerbação de sintomas psicóticos agudos em

diversas situações provoca um aumento da probabilidade de

violência.(Haywood et al, 1995).

Por outro lado, os sintomas de doença mental, associados a

actos violentos prévios, são importantes na análise retrospectiva, mas

também na identificação de sinais de possível violência futura, sendo

certo que a exacerbação de sintomas é factor não desprezável,

motivo porque é imprescindível pesquisar a aderência à medicação

(Vieira, 2000).

Nos factores relacionados com o ambiente sabe-se que as más

relações com os familiares podem precipitar violência e que os apoios

sociais e redes sociais podem diminuir a probabilidade de violência

(Klassen & Connor, 1989), sendo que a falta de profissionais 51

Page 52: A TESE

competentes que supervisionem e controlem a exposição dos doentes

a condições complicadas e similares à situação de violência anterior

estão em maior risco em reincidir no comportamentos violentos

(Estroof & Zimmer, 1994). Os adolescentes e adultos violentos

frequentemente provêm de situações familiares caóticas com história

de conflitos parentais, abuso da mulher e dos filhos, incapacidade dos

pais para educar e disciplinar adequadamente os filhos. Não é claro

se a violência no interior da família é resultante da predisposição

genética ou se pelo contrário deriva da aprendizagem de padrões de

comportamento violento. Mais certo é que os antecedentes da

violência física com testemunho de violência intrafamiliar em idades

precoces se correlacionem com violência na idade adulta (Vieira,

2000).

No que se refere ao nível sócio-económico, refere-se que a

violência é cerca de três vezes mais elevada nas classes mais baixas

do que nas mais altas, pelo que não podemos deixar de ter em conta

esse factor. Também a violência é mais elevada nos indivíduos com

menores níveis de educação e maior instabilidade profissional. As

pessoas em situação de desemprego têm seis vezes mais

probabilidade de ser violentas do que os indivíduos profissionalmente

activos. Igualmente, foi demonstrada a existência de uma associação

estatística entre violência e instabilidade residencial (Webster et al.

1997).

Segundo Monahan (1984), a maioria dos actos violentos são

cometidos por indivíduos com idades compreendidas entra os 18 e os

20 anos. Para outros autores, nos doentes psiquiátricos as idades de

maior risco situam-se ao redor dos 20 anos e nos indivíduos da

população geral por volta dos 18 anos. O risco de violência

52

Page 53: A TESE

decresceria ainda a partir dos 40 anos, em particular nos doentes

psiquiátricos.

Embora na população geral os homens apresentem taxas muito

mais elevadas de ofensas violentas do que as mulheres, entre as

pessoas com doença mental, as taxas de comportamento violento

parecem não diferir significativamente entre os dois sexos. (Borun,

Swartz e Swanson, 1996).

53

Page 54: A TESE

Capítulo IV

Violência e Esquizofrenia

4.1 Prevalência e risco de violência na esquizofrenia

Na actualidade, sabe-se que a ocorrência de ofensas físicas na

população esquizofrénica é frequente (British Crime Survey, 1996).

Contudo é controverso e incerto saber-se a frequência com que as

ofensas ocorrem em conjunto com a doença mental, bem como saber

se a esquizofrenia é um factor causal para a criminalidade (Monahan

& Steadman 1993).

Existem essencialmente três tipos de formas de estudar a

associação entre esquizofrenia e violência: estudos que estimam a

prevalência de comportamentos violentos em esquizofrénicos;

estudos que analisam a existência de diagnóstico de esquizofrenia em

sujeitos criminosos e; estudos comunitários que analisam a violência

em esquizofrénicos independentemente do envolvimento com o

sistema de saúde ou de justiça (Walsh et al. 2002).

Nos estudos desenvolvidos sobre a prevalência de

comportamentos violentos em esquizofrénicos foi possível retirar

várias ilações acerca desta relação.

Volovka et al. (1997) estimaram que 20% dos esquizofrénicos

hospitalizados pela primeira vez atacaram alguém no passado. Outros

estudos indicaram que durante a hospitalização as taxas de violência

cometida por esquizofrénicos são relativamente altas (Karson &

54

Page 55: A TESE

Bigelow, 1997; Walker & Seifert, 1994). Contudo estes índices de

violência devem ser observados com precaução, visto que, os

comportamentos violentos durante a hospitalização podem ser

devidos ao contexto “prisional” das enfermarias e não ao estado

mental do indivíduo (Walsh et al., 2002).

Vários estudos longitudinais com amostras de pacientes com

alta, encontraram que os esquizofrénicos do sexo masculino têm

maior probabilidade de cometerem crimes violentos do que homens

sem perturbação mental (Belfrag, 1998; Hodgins, 1993; Lindqvist &

Allebeck, 1990).

Todavia, Monahan & Appllebaum (2000), a partir do estudo

MacArthur da avaliação do risco, estimaram a prevalência de violência

na comunidade de pacientes com alta hospitalar por diagnóstico.

Neste estudo comparativo, a violência foi medida com intervalos de

dez semanas, durante um ano, resultando as seguintes prevalências:

9% para a esquizofrenia; 19% para a depressão; 15%, para a

perturbação bipolar; 17,2% para outras perturbações psicóticas, 29%

para perturbações relacionadas com abuso de substâncias e

finalmente 25% para as perturbações de personalidade.

Como verificamos este estudo, encontrou taxas de violência

mais baixas nos esquizofrénicos quando comparados com outras

perturbações mentais. Estes dados, contudo, não devem ser

interpretados como indicadores da irrelevância do risco de violência

nos esquizofrénicos. Provavelmente, a esquizofrenia é um factor de

risco com menor importância, quando comparado com as

perturbações de consumo ou abuso de substâncias ou mesmo às

perturbações da personalidade. No entanto, na comparação com a

população geral, a esquizofrenia é um, factor de risco de

comportamento violento (Harris et al., 1993; Walsh et al., 2002).55

Page 56: A TESE

Brennan et al. (2000) ao estudarem as condenações por

violência e hospitalização devido a perturbação mental, numa amostra

seguida durante 44 anos, denotaram associações bastante diferentes

com o estudo referido anteriormente. A esquizofrenia era a única

patologia associada com o aumento do risco de violência grave em

homens e mulheres, após ajustamento sócio-económico, estado civil e

abuso de substâncias.

Num estudo longitudinal retrospectivo, com uma amostra de 644

pacientes com esquizofrenia, referia-se que estes tinham quatro vezes

mais probabilidade de cometerem crimes violentos do que a

população geral (Lindqvist & Allebeck, 1990). Mullen et al. (2002) num

estudo idêntico, constataram que a esquizofrenia, em comorbilidade

com a perturbação devida a substâncias resultava num aumento

desproporcionado do comportamento violento. Arsenault et al., (2000),

corroboram este estudo, no que concerne à importância da

esquizofrenia como factor de risco de violência, contudo isto

acontecia, segundo eles, somente quando associado ao abuso de

álcool e/ou marijuana.

A partir de estudos sobre a prevalência da esquizofrenia em

criminosos forma encontradas também alguns dados de relevo. Sabe-

se que, apesar dos problemas metodológicos, a esquizofrenia

encontra-se sobre-representada (Teplin 1990; Eronen et al., 1996;

Ferreira et al., em prelo). Wallace et al. (1998), num estudo de coorte,

com uma amostra de indivíduos detidos por crimes violentos graves,

confirmaram que os esquizofrénicos tinham uma probabilidade quatro

vezes superior de serem condenados por violência interpessoal e uma

56

Page 57: A TESE

probabilidade dez vezes superior em serem condenados por

homicídio.

Relativamente a estudos comunitários, Swanson et al. (1990)

realizaram um estudo comunitário de prevalência, talvez o trabalho

mais importante na literatura sobre violência, onde foram examinados

as relações entre a violência e as perturbações da personalidade,

numa amostra de 1059 adultos. Estimaram que 8% dos

esquizofrénicos eram violentos em comparação com 2% dos sujeitos

sem perturbação mental. A prevalência de violência entre os

esquizofrénicos subia para 30%, quando havia comorbilidade com

abuso de substâncias.

A maior parte das investigações que referimos examinaram a

associação entre a violência e a esquizofrenia em termos de risco

relativo (o risco de violência que os esquizofrénicos representam

relativamente aos outros). Contudo raros focam sobre a percentagem

de risco atribuível a uma população (percentagem de violência

existente na população que pode ser atribuível à esquizofrenia) e por

conseguinte a percentagem de violência que poderia ser eliminada se

a esquizofrenia fosse excluída da população.

Swanson et al. (1990) demonstraram que de todos

comportamentos violentos cometidos durante um ano, somente 2,7%

de todos os indivíduos que cometeram crimes violentos eram

esquizofrénicos. Um estudo de coorte que seguiu os sujeitos até aos

44 denota que somente 2% de todos os sujeitos do género masculino,

que registaram pelo menos um crime violento, eram esquizofrénicos,

sendo que quando excluída a comorbilidade com abuso de substância

esta percentagem descia para 0,8% (Brenann et al., 2000).

Desta forma, para prevenir estigmatização desnecessária é

preciso referir que a esquizofrenia é um factor de risco para a 57

Page 58: A TESE

violência quando comparada com a população geral (risco relativo) no

entanto, o risco absoluto (importância da esquizofrenia na violência

cometida na população total) é muito baixo. Um exemplo de um

estudo que refere esta dicotomia descobriu que os esquizofrénicos do

sexo masculino tinham uma probabilidade cinco vezes maior do que a

população total de serem condenados por crimes violentos (Wallace

et al., 1998). Contudo, 99,97% dos esquizofrénicos não serão

condenados por crimes violentos e a probabilidade que um dado

paciente tem de cometer crimes violentos é muito baixa (risco anual

aproximado de 1:3000 para os homens e 1:33 000 para as mulheres).

4.2 Factores de risco de violência na esquizofrenia

Com a ênfase na necessidade de prever comportamentos

violentos em sujeitos com esquizofrenia, foram realizadas várias

tentativas para identificar factores de risco relacionados com a história

psiquiátrica prévia e com sinais e sintomas particulares que poderiam

acompanhar ou motivar o comportamento violento em esquizofrénicos

(Taylor, 1999).

Todavia, grande controvérsia tem sido gerada quanto aos

factores de risco para a violência na esquizofrenia. Pensa-se que os

factores de risco que operadores na doença mental em geral, são os

mesmos para a esquizofrenia, especialmente a violência prévia e a

comorbilidade com abuso de substâncias. Contudo, não existem

dados suficientes a confirmarem, claramente esta suposição

(Monahan, 1997).

58

Page 59: A TESE

Os dois factores mais indicados na literatura revista são os

sintomas psicóticos agudos e o abuso de substâncias. No entanto, a

controvérsia persiste acerca da importância e função destes dois

factores de risco de violência na esquizofrenia.

Quanto ao abuso de substâncias, vários estudos com amostras

de homicidas indicam que a esquizofrenia sem comorbilidade com

outra perturbação mental é um factor de risco de violência, indicando

também, que esse risco aumenta significativamente se existir

comorbilidade com a perturbação de uso de substâncias.

Similarmente no ECA (Swanson et. al., 1990), verificou-se que a

comorbilidade da perturbação de abuso e/ou dependência de

substâncias com a esquizofrenia aumenta exponencialmente o risco

de comportamentos violentos.

Contudo esta relação somente se encontra em determinados

sujeitos com esquizofrenia. Por exemplo, num estudo com uma

amostra de pacientes com alta hospitalar, de três cidades norte-

americanas, nos sujeitos esquizofrénicos o abuso de substâncias não

estava relacionado com o comportamento violento 20 semanas após a

alta (Monahan, 1999). Lindquvist (1986) refere que este tema é

complexo, visto que é necessário distinguir entre história de

comorbilidade de abuso de substâncias, comorbilidade actual de

abuso de substâncias e intoxicação de substâncias no momento do

crime. Depreendendo-se deste modo que o uso/abuso/dependência

de substâncias entre os sujeitos esquizofrénicos pode estar

relacionado com o comportamento violento de várias formas, sendo

necessária alguma cautela na atribuição da importância do abuso de

substâncias como factor de risco de violência nos esquizofrénicos.

Este autor propõem que para uma proporção substancial de

esquizofrénicos criminosos do sexo masculino, o abuso de 59

Page 60: A TESE

substâncias é somente uma parte de um síndrome de

comportamentos anti-sociais que os caracteriza desde a infância até à

idade adulta. Para a outra porção deste tipo de esquizofrénicos, o uso

e intoxicação por substâncias terá exarcebado os sintomas psicóticos

e deste modo propiciou o comportamento violento (Lindqvist, 1986).

Relativamente à sintomatologia aguda, existem autores que, a

partir de medidas de auto-relato da violência, demonstraram uma

associação significativa entre sintomas agudos específicos “threat

control override” da esquizofrenia e a violência. Estes sintomas

representariam experiências dos pacientes que sentiam que as

pessoas estavam a tentar lesá-los e que as suas mentes estariam a

ser dominadas por forças superiores (Swanson et al., 1990, 1996,

1997; Link et al.1998). No entanto, estes dados foram fortemente

criticados por serem retrospectivos e se basearem em medidas fracas

de violência e delírios. O estudo MacArthur para a avaliação do risco

de violência não encontrou relação alguma entre qualquer tipo de

delírios ou os sintomas “threat control override” e o risco de violência.

Este estudo não tinha as mesmas limitações metodológicas do estudo

anterior (Appelbaum et al., 2000), sendo que desta forma continua a

controvérsia acerca da importância de sintomas psicóticos específicos

para a avaliação do risco de violência.

No passado foi reivindicado que certos traços da personalidade,

identificáveis antes do início da doença, eram os factores mais

importantes para a agressão entre os pacientes com esquizofrenia

(Blackburn, 1968), sendo que essa ideia foi esmorecendo com o

passar dos anos (Humphreys et al., 1992).

Todavia e como referimos anteriormente (vide capítulo 3.1.2.),

vários dados epidemiológicos referentes a sujeitos com doença 60

Page 61: A TESE

mental fizeram surgir novamente a hipótese de que a personalidade é

um factor importante. Hodgins et al. (1998) propuseram a existência

de dois grupos distintos de criminosos com doença mental: um grupo

em que os comportamentos violentos se iniciaram em idades

precoces e outro em que os comportamentos violentos se iniciaram

em idades mais tardias, após o início da doença e, por conseguinte,

para o grupo de início tardio o comportamento ilícito seria devido à

doença mental enquanto que para o grupo de inicio precoce a

explicação do problema seria devida menos à doença mental e mais a

traços de personalidade ou à perturbação anti-social da

personalidade.

Tengström et al. (2001), ao analisarem uma amostra de 272

esquizofrénicos do sexo masculino que cometeram pelo menos um

crime violento, encontraram que aqueles que foram condenados antes

dos 18 anos (inicio precoce) diferiam em vários níveis daqueles que

foram condenados após os 18 anos (inicio tardio), tanto na adultícia,

como na adolescência e infância. O grupo de início precoce, quando

comparado com o grupo de início tardio, tinha em média mais

condenações por crimes violentos e não-violentos, mais diagnósticos

de abuso e dependência de substâncias. Outro dado importante foi

que o grupo de inicio precoce pontuava em média muito

superiormente na PCL-R, sendo de notar que para além de

pontuarem mais no factor de comportamento anti-social (expectável

pois estes iniciaram os comportamentos violentos antes dos 18 anos

de idade), também pontuaram mais no factor que media os traços de

personalidade dos psicopatas. Desta forma, este autores para além

de corroborar a hipótese de Hodgins et al, (1998), especifica-a para os

doentes esquizofrénicos que cometeram comportamentos violentos.

61

Page 62: A TESE

Investigações recentes, embora escassas, vão neste sentido ao

indicarem a importância de traços da personalidade para a avaliação

do risco de violência em esquizofrénicos. Por exemplo, numa meta-

análise, realizada por Nestor et al. ( 2003), foram designadas quatro

dimensões da personalidade (controlo dos impulsos, regulação do

afecto, narcisismo e estilo cognitivo paranóide) que operavam

conjuntamente e em vários graus como factores de risco de violência

para as perturbações do espectro esquizofrénico e para as

perturbações da personalidade. Num outro estudo que avaliou a

personalidade pré-mórbida e as dimensões psicopatológicas na altura

do primeiro surto psicótico, foram encontradas fortes ligações entre a

dimensão da personalidade socipática e passivo-dependente com as

dimensões psicopatológicas de hostilidade e suspeição, isto é os

sujeitos com traços de personalidade sociopáticos ou passivo-

dependentes tinham maior probabilidade de revelarem , na altura do

primeiro surto psicótico, sintomas como o comportamento

desorganizado e delírios persecutórios (Cuesta et al., 2002). Um

estudo longitudinal seguiu durante dois anos doentes psicóticos

(n=700), e analisou a violência (ofensas contra integridade física)

perpretada por esses sujeitos, tendo encontrado que a comorbilidade

com a perturbação da personalidade aumentava o risco de violência

(Moran et al., 2003).

Para além a personalidade existem algumas evidências, embora

de que as funções cognitivas e neuropsicológicas também concorrem

como factores risco de violência na esquizofrenia. Contudo existem

dados controversos. Lafayette et al. (2003) concluiram que o

desempenho em testes neuropsicológicos não diferencia os

esquizofrénicos com história de violência, dos esquizofrénicos sem

história de violência, enquanto que outros estudos relacionam défices 62

Page 63: A TESE

neuropsicológicos e o risco de violência (Lapierre et al., 1995; Heads,

1996).

Um dado epidemiológico interessante de se notar, é referido por

Silverton (1988), que demonstrou, a partir de um estudo de coorte

(n=9182), que os descendentes de doentes esquizofrénicos

apresentavam mais comportamentos anti-sociais e mais taxas de

condenações devido a crimes violentos comparativamente aos

descendentes de pessoas sem esta psicopatologia. Este autor refere

que uma das variáveis que explicaria esta diferença era o baixo QI

verbal do primeiro grupo, medido através da W.A.I.S. Rasmussen et

al. (1995) ao comparar um grupo de esquizofrénicos com inicio

precoce de comportamentos violentos e um grupo com

comportamentos violentos de inicio tardio, descobriram que os

primeiros tinham melhor desempenho em testes neuropsicológicos

que os segundos. Ainda segundo estes autores este facto seria

devido a anomalias cerebrais menos severas o que proporcionaria um

melhor funcionamento social ao primeiro grupo e portanto uma maior

perigosidade.

Em suma podemos dizer que somente um pequeno grupo do

Universo dos doentes esquizofrénicos concorre para o aumento do

risco de violência. Por outro lado, dentro desse pequeno grupo,

parecem existir dois tipos de indivíduos. Uns que apresentam

características da personalidade e comportamentos anti-sociais ao

longo da sua vida. Os outros foram violentos provavelmente devido à

sintomatologia e a factores situacionais. Deste modo, para avaliar o

risco de violência futura em esquizofrénicos que cometeram crimes

violentos é importante ter em conta os factores históricos (e.g. idade

do primeiro acto violento, perturbação anti-social da personalidade), 63

Page 64: A TESE

mas também factores como o modo de Ser do indivíduo (traços de

personalidade), funções cognitivas e comportamentos actuais (e.g.

atitude negativas, adesão ao tratamento) que nos poderão indiciar a

disposição e a capacidade do indivíduo em não reincidir futuramente

na violência.

64

Page 65: A TESE

Capítulo V

Objectivos e desenho do estudo

A avaliação da importância da personalidade e cognição na

predição do risco de violência em sujeitos esquizofrénicos que

cometeram comportamentos violentos graves, constitui o objectivo

principal deste trabalho.

Dado que existem factores de risco que nos dão a probabilidade

de reincidência de comportamentos violentos, será importante

distinguir nos dois grupos (um com maior probabilidade de cometer

comportamentos violentos e outro com menor probabilidade de

cometer esses comportamentos) as características cognitivas e de

personalidade que os distinguem.

A pesquisa dos factores de risco que mais concorrem para o

risco de violência em cada um dos grupos é também nosso objectivo.

O actual protocolo define as condições necessárias para a

avaliação das diferenças entre as medidas da personalidade, da

cognição e do risco de violência em dois grupos de sujeitos

esquizofrénicos detidos por comportamento violento grave.

Neste capítulo enunciam-se os objectivos do estudo (5.1), sendo

posteriormente descrito o desenho geral deste estudo (5.2).

65

Page 66: A TESE

5.1 Objectivos do estudo

Tendo em conta as possíveis implicações de certas medidas da

personalidade e da cognição na avaliação do risco de

comportamentos violentos, o objectivo central deste trabalho é o

estudo das diferenças dessas medidas em sujeitos esquizofrénicos,

detidos por comportamentos violentos graves, assim como o analisar

quais os factores de risco que mais concorrem para a predição do

risco de violência nesses sujeitos.

Neste âmbito temático, colocamos as seguintes questões de

investigação:

Será que existem diferenças significativas entre os dois grupos

de doentes esquizofrénicos, quanto às medidas cognitivas?

Ao compararmos os dois grupos relativamente às medidas de

personalidade encontrar-se-ão diferenças significativas?

Será que as medidas corrigidas do HCR-20 são diferentes na

comparação inter-grupos e permitem traçar perfis específicos?

Face às questões acima expressas, foram elaboradas diversas

hipóteses:

1- Existem diferenças quanto às medidas cognitivas na comparação

entre os dois grupos de doentes esquizofrénicos.

66

Page 67: A TESE

Esta hipótese é testada através de um estudo comparativo inter-

sujeitos (t-student para amostras independentes ou Mann-Whitney)

das medidas psicométricas subjectivas facultadas pela W.A.I.S.

2- As medidas de personalidade facultam diferenças somente

nalgumas dimensões avaliadas na comparação inter-grupos.

Esta hipótese é testada através de um estudo comparativo inter-

sujeitos (t-student para amostras independentes ou Mann-Whitney)

usando medidas psicométricas subjectivas obtidas no Mini-Mult e no

psicograma do Rorschach.

3- As medidas corrigidas do HCR-20 facultam diferenças na

comparação intergrupos.

Esta hipótese é testada através de um estudo comparativo inter-

sujeitos (t-student para amostras independentes ou Mann-Whitney)

após correção das medidas facultadas pelo HCR-20.

5.2 Desenho geral do estudo

O desenho geral a que obedeceu este trabalho orientou-se no

sentido de permitir uma análise comparativa transversal inter-sujeitos,

das características da personalidade, das funções cognitivas e dos

factores de risco de violência, tendo em conta uma variável

independente (risco de comportamentos violentos).

67

Page 68: A TESE

Em conformidade com a revisão bibliográfica (Webster et al.,

1997), e dado que os sujeitos da amostra se encontravam detidos, a

avaliação do risco de comportamentos violentos foi realizado com o

pressuposto de que os doentes esquizofrénicos iriam estar em

liberdade por um tempo curto e definido (um mês) e num contexto

definido (casa dos familiares de origem).

Deste modo, com o recurso a um protocolo de avaliação do risco

de comportamentos violentos em sujeitos com doença mental,

avaliámos o risco de violência dos doentes esquizofrénicos. Perante

os valores obtidos. O cálculo da mediana permitiu cindir a amostra em

dois grupos (um grupo com menor risco de violência e um grupo com

maior risco de violência).

Os valores de cada factor de risco, obtidos após o recurso ao

protocolo de avaliação do risco de comportamentos violentos, são

posteriormente corrigidos para efeitos de comparação estatística.

São avaliadas as capacidades cognitivas e características da

personalidade dos sujeitos das duas amostras em estudo.

Após a constituição de dois grupos os indivíduos são estudados

com medidas das funções cognitivas, da personalidade e factores de

risco corrigidos.

Para efeito de controlo de variáveis (Webster et. al, 1997)

durante a entrevista para avaliação do risco de comportamentos de

violência (e. g. inconsistências no discurso do avaliando) foram

pesquisadas informações sobre cada sujeito da amostra a partir do

staff técnico da enfermaria psiquiátrica e processos clínicos e judiciais.

68

Page 69: A TESE

Eram candidatos ao presente estudo doentes com esquizofrenia

que respeitassem os seguintes critérios de inclusão:

detidos em enfermaria psiquiárica de segurança;

história pregressa de comportamentos violentos graves;

ausência de diagnóstico de deficiência mental segundo o

DSM-IV-TR (APA, 2000);

ausência de consumo de substâncias ilícitas durante o tempo

de internamento;

estarem compensados quimicamente através de

farmacoterapia fornecida pelo médico psiquiatra assistente

A fase de recrutamento, no decorrer da qual foi efectuada uma

avaliação clínica dos sujeitos, segundo o sistema multiaxial do DSM-

IV-TR, teve lugar duas semanas antes do início do estudo.

Com propósitos descritivos e de inclusão na amostra, foram

investigados os processos clínicos e judiciais donde retiramos

informação sobre atributos pessoais, judiciais, demográficos e

clínicos.

Os participantes no estudo foram informados sobre as

finalidades e métodos a aplicar, tendo sido obtido o seu

consentimento expresso.

As escalas de hetero-avaliação foram aplicadas pelo

investigador em todos os doentes. Antes da aplicação destas escalas

ocorreu uma fase de treino tutorado de modo a evitar um viés

sistemático de avaliação.69

Page 70: A TESE

Foram explicados os procedimentos relativos ao preenchimento

das escalas de auto-preenchimento incluídas na nossa bateria de

testes.

O mesmo protocolo de estudo foi aplicado a que cada um dos

sujeitos que constituíam a amostra.

Na Figura 2 é apresentado o desenho geral do estudo e nela

são indicados, de forma integrada, todos os procedimentos aplicados.

Recrutamento

Preenchimento dos critérios de inclusão

Pesquisa de informação nos processos

clínicos e judiciais

Obtenção de informação a partir do staff

técnico

Análise

HCR-20

Mini-mult

Rorschach

W.A.I.S.

Fig. 2. Desenho geral do estudo

70

Page 71: A TESE

Capítulo VI

Material e métodos

No presente capítulo descreve-se o material e métodos

utilizados neste trabalho de investigação. Em primeiro lugar, são

referidos os instrumentos utilizados na avaliação subjectiva do risco

de violência, personalidade e cognição dos sujeitos da amostra (6.1).

Seguidamente são relatados os procedimentos e critérios de selecção

(6.2) e os instrumentos estatísticos usados na análise e tratamento

dos dados (6.3).

6.1 Instrumentos e métodos de avaliação

6.1.1. História Clínica

A obtenção dos dados socio-demográficos foram obtidos através

de uma entrevista semi-estruturada a cada um dos indivíduos. Para

além da entrevista foram pesquisados os processos clínicos e judiciais

de cada um dos elementos.

6.1.2. Questionários e escalas de avaliação psiquiátrica

Foram utilizados um conjunto de instrumentos para efeitos de

uma avaliação quantificada do risco de violência, das funções

71

Page 72: A TESE

cognitivas e da personalidade. A sua escolha foi determinada por

circunstâncias e exigências de vária ordem, tendo nomeadamente

recaído sobre instrumentos cuja validade, fiabilidade e sensibilidade

estão razoavelmente documentadas.

Para além destas garantias, era importante assegurar a

possibilidade de comparar os resultados com os de outros estudos

realizados com populações psiquiátricas com características similares

pelo que foi tido em conta o tipo de instrumentos geralmente utilizados

nesta área de investigação. Tratam-se de instrumentos de uso

corrente e de utilização ampla.

Foram utilizadas na sua maioria escalas de hetero-avaliação

mas, no presente trabalho, este erro não assume particular

importância por se tratar sempre do mesmo cotador. Também por

esta razão não se tornou necessária a realização de uma sessão de

fidelidade intercotadores.

Considerando este conjunto de condições, decidiu-se utilizar o

Historical, Clinical and Risk Management Checklist of Risk Factors for

Violent Behavior-20 (HCR-20) para a avaliação do risco de violência

dos sujeitos da amostra, e para a avaliação dos factores de risco de

violência nos dois grupos estudados (grupo com menor risco de

violência e grupo com maior risco de violência). Este instrumento é

considerado actualmente por diversos autores, como um dos

melhores preditores de risco de violência em doentes com

perturbações mentais (Bénézech et al, 2002).

Para a avaliação de medidas cognitivas escolhemos o Wechsler

Adult Intelligence Scale (W.A.I.S.). Para a avaliação de medidas da

personalidade a escolha recaiu no Mini-Mult, uma versão reduzida do

Minnesota Multiphasic Personality Inventory (M.M.P.I.), e do Teste de

72

Page 73: A TESE

Manchas de Tinta de Rorschach (Rorschach). Todos os instrumentos

de avaliação são apresentados em Anexo.

Historical, Clinical and Rissk Management Checklist of Risk Factors

for Violent Behavior-20 (HCR-20)

O HCR-20 foi desenvolvido por Webster et al (1997) com o de

objectivo de avaliar o risco de violência em sujeitos com perturbações

mentais. Trata-se de uma checklist ou protocolo de factores de risco

para a avaliação do comportamento violento em pessoas com

perturbação mental e/ou perturbação da personalidade.

Este protocolo é composto por 20 itens individuais que estão

divididos em três sub-escalas: a sub-escala Histórica (H - variáveis do

passado); a sub-escala Clínica (C - variáveis do presente) e a sub-

escala de Manejo do Risco (R - variáveis do futuro). Cada um destes

itens encontra-se referenciado na literatura científica, como factor

preditivo da reincidência de comportamentos violentos.

Os valores possíveis neste protocolo variam entre 0 e 40, sendo

que 20 pontos é o máximo para a subescala Histórica e 10 para as

subescalas Clínica e de Gestão de Risco, respectivamente.

Cota-se “0” quando há uma inexistência do factor de risco, isto é, não

existe nenhum dado que sugira que exista esse factor de risco; a

cotação “1” indica que o factor está possivelmente ou parcialmente

presente, no entanto não é absolutamente conclusiva a existência

desse factor; a cotação “2” indica que o factor de risco está

claramente ou definitivamente presente. Se não existe informação

disponível para cotar um item, este deve ser omitido.

73

Page 74: A TESE

A Sub-escala histórica (H) é constituída por factores de risco que

reflectem uma estabilidade temporal isto é, são imutáveis pois o que

conta são os factores do passado:

O item “Violência Prévia” (H1) refere-se a toda a violência que

ocorreu até e durante a entrevista;

O item “primeiro incidente violento em idade precoce” (H2)

refere-se à data do primeiro acto violento conhecido.

O factor de risco “Instabilidade nos relacionamentos” (H3)

aplica-se aos relacionamentos “românticos”, íntimos e não-

platónicos, estando excluídos os relacionamentos entre os

amigos e familiares.

O factor de risco “Problemas com o emprego” (H4) refere-se a

todas situações que têm como consequência final o

desemprego.

O item “Problemas no uso de substâncias” (H5) determina-se

pela existência de dependência e abuso de substâncias.

O item “Perturbação Mental Grave” (H6) refere-se às

perturbações do eixo I do DSM-IV. Este item é cotado na base

da história passada do indivíduo e não é afectado pela remissão

ou inexistência actual de sintomas activos.

O item “Psicopatia” (H7) diz respeito à definição de psicopatia de

Hare et al (1997) e somente deve ser avaliado com base na

avaliação, informada e treinada, da psicopatia através do uso do

Psychopaty Checklist-Revised (PCL-R) (Hare, 1997). Se não for

possível esta avaliação deve omitir-se na cotação.

O item “Inadaptação precoce” (H8) alude à inadaptação em

casa, escola ou na comunidade antes dos 17 anos. Esta

74

Page 75: A TESE

inadaptação refere-se tanto à criança vitimizada como à criança

agressora.

O item “Perturbação de Personalidade” (H9) diz respeito ao

diagnóstico, através dos sistemas oficiais já referidos, de

perturbações da personalidade antisocial ou borderline

existentes no passado.

O item “Problemas em Supervisão Anterior” (H10) alude a

problemas enquanto o indivíduo esteve em liberdade

condicional, liberdade para prova ou enquanto utente de uma

instituição de correcção ou de saúde mental.

A sub-escala clínica (C) é constituída por factores de risco

menos estáticos que os históricos, podendo estes factores variariarem

ao longo do tempo sendo centrandos no presente:

O item “Falta de Insight” (C1) refere-se ao grau que o indivíduo

tem para perceber e compreender a sua perturbação mental e o

efeito que esta tem nos outros.

O item “Atitudes Negativas” (C2) diz respeito às atitudes actuais

em relação às pessoas, serviços sociais e instituições, desgosto

e remorsos genuínos em relação a actos violentos passados. As

atitudes sádicas, homicidas ou paranóides que não são

derivadas da perturbação mental devem ser cotadas neste item.

O item “Sintomas Activos de Doença Mental Grave” (C3) alude

aos sintomas psicóticos negativos e positivos conceptualizados

no sistema de classificação oficial, já mencionado anteriormente.

O item “Impulsividade” (C4) define-se pela instabilidade

emocional e comportamental i.e. flutuações dramáticas do

75

Page 76: A TESE

estado de espírito, de hora a hora, dia para dia ou de semana a

semana.

O item “Sem Resposta ao tratamento” (C5), diz respeito às

melhorias clínicas e as capacidades do sujeito para resolver, no

presente e no futuro, os problemas sociais, vocacionais e

interpessoais

A sub-escala Manejo de Risco (R) centra-se na tentativa de

prever como o indivíduo se irá ajustar a circunstâncias futuras Para

cotar nesta subescala é importante que o avaliador tenha em conta o

contexto da avaliação. Para isso existem uns espaços na folha de

código que são o Dentro (Instituição- o indivíduo estará dentro da

instituição) ou Fora (Comunidade- o indivíduo vai num futuro próximo

ser libertado para a comunidade). Conforme a situação, o avaliador

deve interpretar os factos e cotá-los de forma diferente:

O factor de risco “Planos sem viabilidade” (R1) refere-se à

capacidade do indivíduo em executar planos praticáveis com

uma clara divisão de responsabilidades e rotinas específicas

para lidar com várias contingências;

O item “Exposição a destabilizadores”(R2) refere-se a situações

em que as pessoas são expostas a condições perigosas das

quais o indivíduo é vulnerável e que podem despoletar

comportamentos violentos;

O factor de risco “Falta de apoio pessoal” (R3) alude à

existência ou não de pares ou familiares que ajudem na boa

execução do plano.

76

Page 77: A TESE

O item “Não adesão ao tratamento” (R4) diz respeito à

motivação para o sucesso do tratamento, bem como, a adesão à

medicação ou outros regimes terapêuticos. De notar que este

item pode-se sobrepor ao item “C5”, contudo que este item

relacionada-se com probabilidades futuras e não com factos

presentes.

O item “Stress” (R5), refere-se às fontes de stress que o

indivíduo poderá encontrar e de como este poderá reagir ou lidar

com essas situações.

O HCR-20 deve ser usado em contextos onde existam grandes

proporções de pessoas com uma história de violência, doença mental

ou perturbações da personalidade.

Embora não exista uma larga acumulação de dados, devido ao

uso recente deste protocolo na prática da clínica, a bibliografia

existente indica que o HCR-20 possui fiabilidade e validade preditiva,

relacionando-se de moderadamente a fortemente, com o

comportamento violento em instituições e na comunidade,

especialmente em contextos psiquiátricos forenses (Wintrup, 1996;

Douglas & Klassen, 1996).

Mini-Mult (versão reduzida do M.M.P.I.)

O Mini-Mult foi desenvolvido por Kincannon, em 1968, a partir do

Minnesota Multiphasic Personality Inventory (MMPI) (Hathaway e

McKinley, 1943). A estrutura básica do MMPI é mantida no Mini-Mult,

residindo a principal diferença no número de itens que cada um

apresenta, respectivamente, 565 e 71.

77

Page 78: A TESE

Trata-se de um instrumento de auto-avaliação e de aplicação

individual, ao contrário do MMPI, utilizado para descrever traços de

personalidade específicos com o objectivo de determinar as diferentes

dimensões da personalidade normal e patológica.

Cada um dos itens corresponde a uma frase afirmativa ao qual o

sujeito tem de apontar a veracidade (V) ou a falsidade (F) de cada

resposta, conforme se identifique ou não com os sentimentos,

comportamentos, ideias ou queixas descritas.

O Mini-Mult é constituído por três escalas de validade – L, F e K

- e oito escalas clínicas. Destas quatro são escalas da personalidade

(ou carácter): Histeria (Hy); Psicopatia (Pd); Paranóia (Pa); e;

Hipomania (Ma), enquanto que as outras quatro são escalas sintoma:

Hipocondria (Hs); Depressão (D); Psicastenia (Pt) e; Esquizofrenia

(Sc).

As escalas de validade têm o seguinte significado: Escala L,

constitui-se por questões que se referem a situações socialmente

desejáveis mas raramente verdadeiras; Escala F, permite identificar

uma série de conteúdos, comportamentos, experiências e

pensamentos atípicos; Escala K, explora a influência da atitude do

sujeito perante os próprios sintomas nos itens das escalas clínicas

(atitude defensiva versus hipercrítica).

A escala clínica “Hipocondria” foi baseada na definição

conceptual de hipocondria enquanto um síndrome caracterizado por

uma percepção errada das sensações cinestésicas normais no qual

os doentes referem queixas de dores que são variáveis e de natureza

difusa quanto à localização, na ausência de qualquer causa orgânica

detectável. Um resultado elevado nesta escala significa que o sujeito

se interessa em demasia pelo seu estado de saúde, por perturbações 78

Page 79: A TESE

difíceis de identificar na ausência de perturbações reais (a existência

destas não interfere nos resultados mas acompanha-se de um

aumento na escala “Depressão”).

A escala “Depressão” foi validada num grupo de doentes

melancólicos. A experiência revela que se trata de uma escala muito

sensível; aliás, o seu valor eleva-se desde que na sintomatologia

exista uma nota depressiva ou ansiosa. A escala “Depressão” é muito

sensível à terapêutica e baixa assim que o doente melhora

clinicamente. Esta escala tem, ainda, a capacidade de detectar

sujeitos deprimidos com ideias de suicídio frequentes e capazes de

mascarar os sintomas depressivos. Um resultado elevado indica uma

moral baixa do tipo emocional com um sentimento de inutilidade e de

incapacidade face ao futuro. Existem características como: uma

tendência para a ansiedade e inquietação, falta de confiança no

próprio; falta de interesses; sentimentos de culpa; introversão e

isolamento; e desmoralização.

A escala “Histeria” foi validada num grupo de sujeitos que

apresentavam uma histeria de conversão. A sua análise revelou que

compreende dois tipos de quadros clínicos diferentes. Assim, revela-

se, por um lado uma escala de temperamento histeróide,

caracterizando sujeitos que tem atitudes sociais primárias, exigindo de

uma forma egocêntrica o afecto e ajuda do meio envolvente,

manifestando comportamentos infantis quando os seus desejos não

são satisfeitos; por outro lado, trata-se de uma escala de sintomas de

conversão. É interessante notar que na população normal estas

escalas não são inter-correlacionáveis enquanto o são no grupo de

doentes que fizeram parte da construção da escala, indicando que as

manifestações de conversão se desenvolvem de preferência num

79

Page 80: A TESE

temperamento histeróide. A elevação nesta escala aponta,

geralmente, para uma imaturidade afectiva, com dificuldades ou

ausência de análise psicológica e de introspecção; uma reinvidicação

afectiva, através da tendência para exploração do meio circundante; e

uma tendência à sedução e superficialidade nas relações

interpessoais, com erotização das relações sociais, dificuldades em

lidar com a agressividade e stress.

A escala “Psicopatia” foi validada num grupo de sujeitos

hospitalizados com o diagnóstico de “personalidade psicopática”, com

as seguintes características: ausência de respostas emocionais

profundas; incapacidade de beneficiar com a experiência; e ausência

de respeito pelas normas sociais. Esta escala pode ser elevada

mesmo que o sujeito nunca tenha cometido qualquer acto delinquente

ou comportamentos patológicos do tipo psicopático, mas apenas que

é susceptível de os apresentar. Contudo, permite detectar tendência

para este tipo de comportamentos, revelando-se uma escala sensível

à psicopatia pelo que se trata mais uma escala de carácter do que de

sintomatologia. As questões que compõem esta escala classificam-se

em três grupos: queixas sobre a dificuldade no ambiente familiar;

sentimentos de aborrecimento e lassidão; e, sentimentos de

estranheza em grupo, portanto incapacidade de estabelecer relações

profundas. Uma nota elevada pode, em todo o caso, indicar-nos: um

carácter narcísico; falta de integração social, procura de fins imediatos

sem ter em conta o futuro, hostilidade e conflitos com figuras de

autoridade.

A escala clínica “Paranóia” compõem-se de três tipos de

questões relacionadas com a sensitividade, moralidade excessiva

80

Page 81: A TESE

(afirmação racionalista) e desconfiança (ideias de perseguição). É

considerada uma escala de carácter que detecta tendências

paranóides, mesmo em sujeitos que nunca tiveram manifestações

patológicas, em perturbações de dois tipos: i) perturbação caracterial

– carácter paranoide, hipersensitividade, orgulho, psicorigidez,

desconfiança e tendência interpretativa; ii) perturbação grave da

personalidade (psicose paranóide ou delírio paranóide). Uma grande

elevação nesta escala pode encontrar-se nas duas perturbações,

sendo mais elevada nas psicoses e indicam desconfiança,

interpretatividade, hostilidade, egocentricidade, grandes dificuldades

interpessoais e delírio sistematizado de mecanismo interpretativo.

Resultados muito baixos podem também indicar perturbação.

A escala “Psicastenia” foi validada num grupo de sujeitos

psicasténicos. Historicamente, o conceito psicastenia foi desenvolvido

pelo autor francês Pierre Janet. Este diagnóstico não é usado

actualmente mas assemelha-se ao actual conceito de perturbação

obsessivo-compulsiva. Estes doentes exibem, no plano sintomático,

uma preocupação excessiva, medos inadequados, obsessões,

dúvidas sistemáticas e em grau excessivo, rituais, grande fadiga física

e intelectual, mal-estar e níveis elevados de ansiedade. Trata-se,

essencialmente, duma escala sintomática e, uma nota elevada pode

ser geralmente considerada como um índice de ansiedade,

sentimentos de insegurança, auto-desvalorização e culpa –

associadas a características depressivas -, dificuldades de

concentração e queixas físicas, problemas gerais de adaptação e

ajustamento.

A escala clínica “Esquizofrenia” foi validada num grupo

heterogéneo de esquizofrénicos, compreendendo características

81

Page 82: A TESE

psicóticas: perturbações do pensamento; da percepção; do afecto;

dificuldades de controlo dos impulsos; e, dificuldades de socialização.

Os autores alertam para o cuidado que se deve ter na interpretação

de notas elevadas nesta escala.

A escala “Hipomania” foi validada num grupo de hipomaníacos,

nos quais se encontrava subjacente uma hiperactividade do

pensamento e da acção. As questões constituem duas sub-escalas: i)

expansividade – instabilidade e labilidade de humor, euforia, excitação

psicomotora, auto-conceito grandioso, egocentrismo, entusiasmo; ii)

irritabilidade – impulsividade, tendência de passagem ao acto.

Também se podem encontrar notas elevadas em quadros

psicopatológicos como psicoses, psicopatias e organicidade cerebral.

No final, a cotação de todas as escalas resulta na elaboração de

um gráfico que aponta para a normalidade (T50 a T65) ou para a

existência de patologia (acima de T65) nas dimensões de

personalidade descritas.

Através do perfil das escalas (forma como cada escala se inter-

relaciona no gráfico) é possível estudar a agressividade defensiva ou

ofensiva dos sujeitos através das relações e pontuações das escalas

da “Depressão”, “Histeria”, “Psicopatia”, “Paranóia”, “Esquizofrenia” e

“Mania”.

Se a elevação da escala “Psicopatia” se combina com uma

elevação da escala “Histeria”, pode-se observar um mau controle dos

impulsos, explosividade e propensão para a violência. Esta é a

combinação mais fiável para identificar possíveis comportamentos

violentos futuros (Ferrante, 1999).

82

Page 83: A TESE

A elevação da escala “Psicopatia” combinada com uma

elevação da escala “Mania” ou a escala “Esquizofrenia” os sujeitos

são descritos como hostis e impulsivos, expressando agressividade

ofensiva difusa ou contra pessoas específicas, respectivamente

(Gómez & Crespo, 2003).

A elevação da escala “Psicopatia” combinada com uma

elevação da escala “Depressão” e/ou a escala “Paranóia” indicam

nervosismo e irritação, usando agressividade indirecta, com tendência

em culpar os seus familiares ou outros, dos seus problemas ou do

seu comportamento (Gómez & Crespo, 2003).

Wechsler Adult Intelligence Scale (W.A.I.S.)

Com o nome original de Wechsler Adult Intelligence Scale, teve

como autor David Wechsler, psicólogo-chefe do Hospital Psiquiátrico

Bellevue e professor de Psicologia Médica do Colégio de Medicina da

Universidade de Nova York, nos Estados Unidos. Esta escala foi

publicada em 1968 e o seu objectivo principal é a Avaliação da

Inteligência Geral numa população compreendida entre os 16-17 e os

75-79 anos. A sua aplicação pode ser solicitada, principalmente, em

situações de avaliação das capacidades cognitivas dos indivíduos,

avaliação de sujeitos com dificuldades escolares (para averiguar se

existe ou não défice cognitivo), avaliação de sujeitos adultos para

efeitos de reforma, também para despistar determinadas doenças,

83

Page 84: A TESE

(que remetem para a perda de memória, como o Alzheimer) ou até

para verificar a existência de deterioração mental (Almeida, 1994).

A W.A.I.S. é composta por 12 subtestes: 6 para a Escala Verbal

e 6 para a Escala de Realização. Os 6 primeiros consistem em nas

provas de informação, compreensão, aritmética, semelhanças,

vocabulário e memória de dígitos, os de realização consistem nas

provas de completamento de gravuras, disposição de gravuras,

cubos, composição de objectos, código e labirinto embora, este

último, e o de memória de dígitos sejam considerados testes

suplementares, que podem ser usados como testes de alternativa

quando um teste do mesmo grupo é invalidado.

As escalas e os subtestes da W.A.I.S. podem ser descriminados da

seguinte forma:

subteste “Informação” mede a quantidade de informação geral que

o indivíduo absorveu do seu meio ambiente, curiosidade intelectual,

atenção dispensada ao mundo circundante, compreensão verbal,

memória remota e desenvolvimento de interesses específicos.

subteste “Memória de Dígitos” avalia a capacidade de atenção e

concentração, resistência à distracção, memória auditiva a curto

prazo.

subteste “Vocabulário” remete para a capacidade actual ou

passada para adquirir conhecimentos e para a eventual

possibilidade de perturbações a nível da linguagem ou do

pensamento.

84

Page 85: A TESE

subteste “Aritmética” remete para a conceptualização verbal e para

a expressão de conceitos numéricos, raciocínio, capacidade de

concentração e resistência à distração.

subteste “Compreensão” testa o conhecimento das regras sociais e

a capacidade de actuar em conformidade com essas mesmas

regras. O teste mede a compreensão verbal, adequação do juízo,

grau de informação prática adquirida, aptidão para avaliar a

experiência passada, grau de aculturação social, relacionando-o

com a adaptação social a um nível mais profundo.

subteste “Semelhanças” avalia a capacidade de conceptualização

e de compreensão da relação entre os conceitos dando conta da

capacidade de abstracção verbal, compreensão, pensamento

associativo e memória.

subteste “Completamento de Gravuras” reenvia para a capacidade

de distinguir o essencial do acessório (abstracção), interesse pelo

ambiente e informação geral, percepção, concentração, exame da

realidade (adaptação ao real).

subteste de “Disposição de Gravuras” dá conta da adaptação social

(superficial), das capacidades de síntese, do estabelecimento de

relações de causa-efeito, pensamento lógico, capacidade para

avaliar situações sociais, para prever e planear, para controlar

impulsos, e da organização perceptiva.

subteste “Cubos” avalia o raciocínio não verbal, o pensamento

analítico, organização perceptiva, apreensão das relações 85

Page 86: A TESE

espaciais, acuidade visuo-motora e concentração. Dá alguns

indícios de impulsividade ou cautela extrema.

subteste “Reconstituição de Objectos” exige a conceptualização do

todo a partir das partes, implicando o estudo da organização

perceptiva e estruturação espacial.

subteste “Código” avalia a capacidade de aprendizagem de uma

tarefa não familiar, destreza visuo-motora e capacidade de

concentração. Faz, também, apelo à aptidão grafo-motora

Os resultados desta escala são obtidos em termos de quociente

de inteligência (Q.I.) pela comparação dos resultados conseguidos no

teste com os resultados obtidos num único grupo de idade. A cada

sujeito é atribuído um Q.I., que para a sua idade, representa a sua

classificação relativa de inteligência, sendo este Q.I. padronizado,

uma vez que indica o grau, em que o sujeito se desvia acima ou

abaixo da média dos resultados do seu grupo etário. Esta média foi

pré-determinada com o valor de Q.I.=100 com um desvio padrão de

±15 valores.

Por último, pode-se calcular o Quociente de Deterioração Mental

(Q.D.), através da diferença entre a soma dos subtestes que se

mantêm em caso de deterioração mental (informação, vocabulário,

completamento de gravuras, composição de objectos) e dos que não

se mantêm (semelhanças; memória de dígitos; código e cubos). Essa

diferença é dividida pelo valor da soma dos primeiros e multiplicada

por 100. A partir desse valor é possível saber o grau de probabilidade

de existência de deterioração mental.

86

Page 87: A TESE

Teste de Manchas de Tinta de Rorschach (Rorschach)

Publicado pela primeira vez em 1921 pelo psiquiatra suíço,

Hermann Rorschach, nascido em Zurique (1884-1922), o teste das

manchas de tinta é construído segundo os princípios de um método

empírico não quantitativo: o autor concebeu numerosas manchas e

em seguida seleccionou aquelas que descriminavam melhor os

doentes mentais dos sujeitos ditos “normais”. Para a interpretação.

A prova consiste em interpretar formas acidentais ou seja,

imagens sem configuração determinada no intuito de revelar a

organização básica da estrutura da personalidade, incluindo os traços

afectivos e cognoscitivos fundamentais da vida mental. O teste

Rorschach não é temático e aplica-se a todos os sujeitos

independentemente do sexo e da idade (a partir dos 5 anos).

Esta prova é constituída por um conjunto de dez cartões, os

quais se podem agrupar nas dimensões estrutural e sensorial. A

dimensão estrutural refere-se à construção formal dos cartões, que se

diferenciam pelo carácter unitário ou bilateral. A dimensão sensorial

considera a sensibilidade cor e liga-se à natureza emocional e à

expressão de afectos, aos cartões pastel é-lhes conferido o papel de

indutores de afecto. Os cartões cinza e negro, com maior ou menor

presença do branco precipitam manifestações que vão desde

inquietação, ansiedade e angustia. Os cartões cor vermelho

associam-se à expressão de afectos brutos, o que pressupõe a

reactivação do movimento pulsional e agressivo. As pranchas pastel

induzem aos afectos.

87

Page 88: A TESE

Os estímulos Rorschach estruturam-se em torno de um eixo

mediano vertical, solicitando a uma semelhança com o esquema

corporal. Por conseguinte, as próprias formas e a oposição figura-

fundo reenviam a uma delimitação interior-exterior.

O esquema corporal funciona como suporte para a construção

de uma imagem do corpo, logo surge como condição necessária no

processo de individualização que possibilita a diferenciação entre o

sujeito e o objecto determinado o acesso à identidade.

As manchas organizam-se em torno do eixo central e diferem

pelo carácter unitário (I, IV, V, VI), ou bilateral (II, III, VII), bem como à

diferença das cores: negro/cinza (I, IV, VI), cor vermelha (II e III) e

cores pastel (VIII, IX, X). Daqui resultam implicações latentes, as

pranchas unitárias reenviam particularmente à imagem do corpo,

organizando simetricamente em torno de um eixo as de configuração

bilateral reenviam frequentemente às representações das relações.

Importa referir que existe neste teste, a extrema necessidade de

rigor do procedimento clínico (na relação estabelecida entre psicólogo

e sujeito) e na sua aplicação, seguindo-se todo o processo por

normas bem explicitas, às quais o psicólogo que aplica e interpreta

este teste, não deverá fugir.

A cotação faz-se a partir de um levantamento de cada resposta.

Esse levantamento refere-se em vários níveis: os modos de

apreensão (localização da resposta); os determinantes (o factor que

determinou a resposta) e os conteúdos (características dos objectos

identificados).

A interpretação dos resultados deste teste é dividida em três

níveis sendo o primeiro a análise quantitativa (psicograma), o

segundo a comparação dos valores do psicograma com os dados

normativos e o terceiro a análise qualitativa. A análise mais frutuosa 88

Page 89: A TESE

no sentido de avaliar o a personalidade é a análise do segundo e

terceiro nível, contudo os elementos individuais do psicograma

também fornecem informação acerca do funcionamento do sujeito

(Traubenberg, 1970).

Os elementos do psicograma que poderão fornecer mais

informação, acerca do funcionamento mental e personalidade de um

sujeito são os seguintes (Chabert, 1997):

N. R. - número de respostas dadas, sendo que o valor

normativo é de 20 a 30 respostas por protocolo;

G% e D% - percentagens dos modos de apreensão que

são mais numerosos nos protocolos do Rorschach (o valor

normativo é de 20-30% e 70-80%, respectivamente);

F, F+; (F-) - determinantes formais, isto é, o percepto é

apreendido pela forma, sendo que o “+” representa uma

boa forma e o “ – “ representa uma má forma;

F% e F+% - percentagens dos determinantes formais,

sendo que o valor normativo é de 50-70% e 80-95%,

respectivamente;

C, CF e FC - determinante cor, sugerindo que o indivíduo

imaginou a figura respondida baseando-se na cor ou na

cor conjuntamente com a forma (valor normativo é de

3FC/1CF/0C);

K e Kan - determinante movimento, o que fez responder o

indivíduo foi o movimento imaginado a partir da mancha,

podendo ser movimento humano ou animal,

respectivamente (o valor normativo para K é de 1 a 3 por

protocolo);

89

Page 90: A TESE

H e Hd - conteúdos humanos, indicando que foi percebido

um ser humano ou um ser humano irreal, respectivamente;

A e Ad - conteúdos animais, indicando que a característica

física da resposta é representada por um animal ou animal

irreal, respectivamente;

H% e A% - percentagens dos conteúdos humanos e

animais, respectivamente (valor normativo de para o H% é

de 10 a 20% enquanto que para o A% é de 35 a 40%);

TRI (tipo de ressonância íntima) – exprime a relação das

respostas movimento com as respostas cor, esta relação e

as suas interferências determinam a atitude fundamental

da personalidade para consigo mesma e para o mundo

exterior, existindo quatro tipos: extratensivo (puro e misto);

introversivo (puro e misto); coartado e; ambigual;

RC% (percentagem da resposta à cor) – soma do número

de respostas das últimas três pranchas, sendo dividido

posteriormente pelo número total de respostas e

multiplicado por 100 (valor normativo é de 30 a 40%);

I.A. (Índice de angústia) – Obtido através de uma fórmula

sendo que o seu valor acima de 12 é indicador de

angústia;

Ban (banalidades) – respostas dadas pela maioria da

população (valor normativo de 5 ou 6 num protocolo com

20 a 30 respostas).

6.2 Procedimentos e critérios de selecção

90

Page 91: A TESE

Os procedimentos aplicados no presente estudo inscrevem-se

em abordagens descritivas e diferenciais. A variável por nós

manipulada foi o risco de comportamentos violentos (valor total do

HCR-20), sendo por conseguinte, a variável independente.

O valor máximo do HCR-20 é 40, no entanto, como o item

“psicopatia” do HCR-20 foi omitido, dado não ter sido possível aplicar

correctamente a PCL-R (vide capítulo 7.1.2.) o valor total máximo

obtido a partir deste protocolo de avaliação do risco de violência,

passou para 38 valores, sendo que a mediana realizada com intuito

de dividir a amostra em dois grupos, surge deste último valor.

As medidas psicométricas subjectivas obtidas pela W.A.I.S.,

Mini-mult, Psicograma do Rorchach e Itens corrigidos do HCR-20,

serviram propósitos diferenciais, assumindo-se deste modo, como

variáveis dependentes.

A partir dos três primeiros instrumentos de avaliação acima

referidos foi-nos possível gerar seis neo-variáveis:

O índice de deterioração mental – obtido através de uma

fórmula que usa os valores de determinadas sub-escalas da

W.A.I.S. (vide capítulo 6.1.). Este índice reflecte a existência

ou não de diferenças do funcionamento intelectual do

avaliando, relativamente ao passado;

Índice de Gough ou índice de dissimulação – é obtido através

da diferença entre os valores brutos das sub-escalas “F” e “K”

do Mini-mult. Este índice permite-nos avaliar a possível

tendência do avaliando em distorcer as respostas, quer no

sentido de criar uma melhor ou pior imagem de si. Se o valor

“F-K” for superior a +11 existe uma possível tentativa do

avaliando em simular uma patologia enquanto que se “F-K” 91

Page 92: A TESE

for inferior a –11, existe uma possível tentativa do avaliando

em dar uma impressão favorável(Gómez & Crespo, 2003).

Impulsividade/Agressividade -. Esta variável foi obtida através

da avaliação do perfil do Mini-mult de cada indivíduo. Os

indivíduos que apresentavam um perfil em que os valores

transformados (T) eram superiores a 70 (elevação) nas

escalas “Psicopatia” e “Histeria” foram por nós considerados

“explosivos” tendo-lhes sido atribuído o valor subjectivo de

um (1). Os indivíduos que apresentavam uma elevação da

escala “Psicopatia” combinada com a elevação da escala

“Esquizofrenia” ou “Mania” foram por nós considerados

“impulsivos e hostis”, sendo-lhes atribuído um valor subjectivo

de dois (2). Aos indivíduos que tinham um perfil com a

elevação combinada das sub-escalas “Psicopatia”,

“Paranóide” e/ou “Depressão” foi-lhes atribuído o valor

subjectivo de três (3) tendo sido classificados como

“irascíveis”. Aqueles que não tinham uma elevação das

escalas anteriormente referidas, foram considerados

“normais”, tendo-lhes sido atribuído um valor subjectivo de

quatro (4). Desta forma obtivemos quatro variáveis ordinais

no que diz respeito à impulsividade/agressividade, sendo que

quanto mais baixo o valor maior será a probabilidade de

comportamentos violentos;

O Tipo de Ressonância íntima (T.R.I.) exprime a relação

existente entre o número de respostas cinestésicas e a soma

das repostas cor, existindo diferentes tipos (vide capítulo

7.1.2). Tendo em conta o controlo dos impulsos e

probabilidade de comportamentos agressivos ordenamos os

tipos desta forma: para o tipo extratensivo puro que 92

Page 93: A TESE

corresponde a um indivíduo imaturo e impulsivo concedemos

o valor subjectivo um (1), enquanto para o extratensivo misto

(as necessidades afectivas exprimem-se sem freios)

concedemos o valor dois (2); para o tipo introversivo misto

(indivíduos muito centrados em si mesmos mas capazes de

incidentes violentos) concedemos o valor três (3); ao tipo

coartado (pouco tolerantes nas situações de tensão

fisiológica e psicológica) concedemos o valor de quatro (4);

ao tipo introversivo puro (são capazes de protelar a acção e

gratificação) concedemos o valor cinco (5); enquanto ao tipo

ambigual (exercem com flexibilidade o controle sobre a

exteriorização das descargas afectivas. Deste modo quanto

menor o valor menor será a capacidade de controlo dos

impulsos.

O RC% é um índice que reflecte a reactividade perante a cor

dos últimos três cartões sendo que quanto maior o valor

maior a reactividade emocional. O índice de angústia (I.A.)

quando superior a 12 é indicador de angústia psicológica.

Todos os participantes foram informados sobre as finalidades do

estudo, tendo sido obtido o seu consentimento expresso. Além disso,

foram esclarecidos que o estudo servia fins de investigação.

A amostra utilizada neste planeamento inter-sujeitos é composta

por indivíduos com esquizofrenia segundo os critérios de diagnóstico

do DSM-IV-TR (APA, 2000) e a cumprir medida de segurança

(internados por existência de perigosidade) numa enfermaria de

segurança (8ª enfermaria do Hospital Miguel Bombarda) devido a

ofensas contra a vida (homicídio) ou contra a integridade física

(agressão física).93

Page 94: A TESE

A selecção dos indivíduos que compõem a amostra obedeceu a

um conjunto de critérios de inclusão (vide capítulo V) e exclusão

previamente definidos, em função dos quais foram por nós avaliados e

pré-seleccionados.

Foram aplicados os seguintes critérios de exclusão: História de

abuso de substâncias (álcool ou drogas) durante o internamento;

diagnóstico de Deficiência Mental segundo o DSM-IV-TR (APA, 2000);

diagnóstico de Perturbação Mental Secundária a Estado Físico Geral

segundo o DSM-IV-TR (APA, 2000); ausência de habilitações

literárias mínimas (4ª classe), tendo em conta garantir a possibilidade

de utilizar testes e escalas de auto-avaliação.

Todos os indivíduos foram submetidos a uma entrevista clínica

sendo também pesquisados os processos clínicos e judiciais destes

indivíduos visando detectar a presença de qualquer dos factores de

exclusão atrás referidos.

Estes procedimentos de selecção visaram a constituição de uma

amostra homogénea.

No final formou-se uma amostra de 15 indivíduos

esquizofrénicos com passado de violência.

6.3 Métodos estatísticos

6.3.1. Estatística descritiva

Foi efectuado o cálculo de frequências, médias e desvios padrão

(Guilford e Fructer, 1978).

94

Page 95: A TESE

6.3.2. Estatística inferencial

Para efeitos de descrição e comparação intra-sujeitos, tendo em

consideração as características da amostra e de acordo com Greene

& Oliveira (1999), utilizou-se o teste não-paramétrico de Mann-

Whitney ou t-student para amostras independentes.

95

Page 96: A TESE

Capítulo VII

Resultados

Em primeiro lugar são apresentados os dados relativos à

descrição da amostra no que se refere aos aspectos sócio-

demográficos, tempo de internamento e tipo de crime cometido, sendo

estes mesmos dados apresentados relativamente a cada um dos

grupos (7.1). Posteriormente, referem-se os resultados da

comparação entre dois grupos no decurso da análise de variância a

que a amostra foi sujeita, relativos às avaliações subjectivas da

personalidade, da cognição e aos valores corrigidos das medidas de

risco de violência (7.2).

7.1 Caracterização da Amostra

A nossa amostra é constituída por 15 indivíduos (n=15) com o

diagnóstico de esquizofrenia, segundo os critérios de diagnóstico do

DSM-IV-TR (APA, 2000) e detidos em enfermaria de segurança

devido a crimes graves pregressos.

A média de idades é de 37,6 anos com um desvio padrão de

7,92 anos, sendo que a idade mínima é de 24 anos e a máxima é de

48 anos (quadro 1). Relativamente ao estado civil, treze são solteiros

(86,67%), a grande maioria, enquanto que somente dois são

divorciados (13,33%). 96

Page 97: A TESE

Quanto à escolaridade, sete (46,67%) possuem 1º ciclo, cinco

(33,33%) completaram o 2º ciclo, um (6,67%) terminou o 3º ciclo e

dois (13,33%) concluíram o ensino secundário, não existindo nenhum

sujeito da amostra com formação superior (quadro 1). Relativamente

ao tempo de internamento dos sujeitos da amostra verifica-se um

tempo médio de 4,93 anos, com um desvio padrão de 3,33 anos,

sendo que o tempo mínimo é de 1 ano e o máximo é de 12 anos

(quadro 1). Quanto ao tipo de crime cometidos, seis (40%) cometeram

crime contra a vida na forma consumada, quatro (26,7%) cometeram

crime contra a vida na forma tentada e cinco (33,3%) cometeram

crime contra a integridade física (quadro 1).

O quadro 1 refere-se às características sócio-demográficas da

amostra.

Quadro 1. Características Sócio-Demográficas da amostaAmostra (N=15)

Percentagem(100%)

Idade

Média ± DPMin-Máx

37,60±7,9224-48

Estado Civil

SolteiroDivorciado

132

86,67%13,33%

Escolaridade

1º Ciclo2º Ciclo3º CicloEnsino Secundário

7512

46,67%33,33%6,67%13,33%

Tempo de internamento

Média ± DPMin-Máx

4,93±3,331-12

Tipo de crime

Crime contra a vida (forma consumada)Crime contra a vida (forma tentada)Crime contra a integridade física

645

40%26,7%33,3%

97

Page 98: A TESE

Os indivíduos da nossa amostra foram divididos em dois grupos,

tendo como referência a mediana do valor máximo do HCR-20 :

1. Com menor risco de comportamentos violentos (n=7).

2. Com maior risco de comportamentos violentos (n=8)

Deste modo podemos definir as características socio-

demográficas de cada grupo (quadro 2)

Verificamos que a média de idades do grupo “1” é de 37,71 com

um desvio padrão de 7,13 enquanto que a média de idades do grupo

“2” é de 37,50 com um desvio padrão 9,04.

Quanto ao estado civil denotamos que no grupo “1” seis (85,7%)

são solteiros e um (14,3%) é casado, enquanto que no grupo “2”, sete

(87,5%) são solteiros e um (12,5%) é casado (quadro 2).

Relativamente à escolaridade no grupo “1” encontramos que

cinco (78,4%) indivíduos da amostra completaram o 1º ciclo e dois

(28,6%) completaram o 2º ciclo, enquanto que no grupo “2”, dois

(25%) indivíduos completaram o 1º ciclo, três (37,5%) completaram o

2º ciclo, um completou o 3ºciclo (12,5%) e dois (25%) completaram o

ensino secundário. Assim pudemos verificar que no grupo dois existe

um melhor nível de escolaridade (quadro 2).

No grupo “1” a média de tempo de internamento situa-se nos

5,57 anos com um desvio padrão de 2,51 anos, enquanto que no

grupo “2” esta média situou-se nos 4,38 anos com um desvio padrão

de 4 anos (quadro 2).

98

Page 99: A TESE

Quanto ao tipo de crimes praticados pelos sujeitos da amostra

verifica-se que no grupo “1”, 1 (14,3%) cometeram ofensas contra a

vida na forma consumada, 3 (42,9%) cometeram ofensas contra a

vida na forma tentada e 3 (42,9%) cometeram ofensas contra a

integridade física.

No grupo “2”, a grande maioria, doentes esquizofrénicos, 5

(62,5%) cometeram ofensas contra a vida na forma consumada, 1

(12,5%) cometeram ofensas contra a vida na forma tentada e 2

(20,5%) cometeram ofensas corporais (quadro 2).

Quadro 2. Características sócio-demográficas de cada um dos gruposMenorRisco(N=7)

Maior Risco(N=8)

Idade

Média ± DPMin-Máx

37,71±7,1324-48

37,50±9,0424-48

Estado Civil

SolteiroDivorciado

6 (85,7%)1 (14,3%)

7 (87,5%)1 (12,3%)

Escolaridade

1º Ciclo2º Ciclo3º CicloEnsino Secundário

5 (71,5%)2 (28,6%)

2 (25,0%)3 (37,5%)1 (12,5%)2 (25,0%)

Tempo de internamento

Média ± DP5,57±2,51 4,38±4,00

Tipo de crime

Crime contra a vida (forma consumada)Crime contra a vida (forma tentada)Crime contra a integridade física

1 (14,3%)3 (42,9%)3 (42,9%)

5 (62,5%)1 (12,5%)2 (25,0%)

99

Page 100: A TESE

7.2. Estudo comparativo

Nos seguintes quadros apresentam-se os resultados obtidos

através da extracção da média e desvio padrão das medidas utilizadas

resultantes da aplicação do Mann-Whytney ou teste de t-student para

variáveis independentes, bem como os valores U e p.

O racio U é obtido para cada fonte de variância e corresponde ao

racio dessa determinada fonte de variância dividido pela variância do

erro; quanto menor o valor de U, mais provável será que a variabilidade

nos resultados devida a essa variável seja significativa (p). Os valores

de p, ou nível de significância, pré-estabelecidos e calculados referem-

se ao erro do tipo I, ou seja, à rejeição da hipótese nula sendo esta

verdadeira.

7.2.1. Comparação intergrupos para as medidas cognitivas

Quadro 3. W.A.I.S. (média±desvio-padrão)

MenorRisco(N=7)

Maior Risco(N=8)

Mann-Whitney

U p

Escala de Informação 6,43±3,91 6,88±3,68 24,500 ,684Escala de Memóriade Algarismos 5,29±2,21 8,38±4,00 12,000 ,061Escala deVocabulário 6,43±2,30 6,13±2,30 25,000 719Escala deCompreensão 8,14±3,39 8,13±1,81 28,000 1,000Escala deSemelhanças 7,43±3,51 7,00±3,55 25,500 ,772Escala de Completamento de Imagens 7,29±3,90 6,50±4,24 25,000 ,728 = ,05

100

Page 101: A TESE

Quadro 3 (continuação). W.A.I.S. (média±desvio-padrão)

MenorRisco(N=7)

Maior Risco(N=8)

Mann-Whitney

U p

Escala deCubos 4,14±2,54 4,88±2,90 24,500 ,681Escala de Reconstituição de de Objectos 4,86±2,41 5,88±4,91 27,500 ,953Escala deCódigo 3,71±2,06 3,88±1,55 24,000 ,633Q.I. Total 72,43±15,22 76,50±16,00 25,000 ,728Q.I. Verbal 76,14±17,12 82,63±14,27 21,500 ,452Q.I. deRealização 70,29±16,08 74,13±17,39 21,500

,451

Quociente de Deterioração 0,16±0,24 -0,03±0,27 15,500 ,148 = ,05

Das várias medidas cognitivas, avaliadas a partir da W.A.I.S., não se

verificam valores estatisticamente significativos (Quadro 3).

7.2.2. Comparação intergrupos para as medidas de personalidade

7.2.2.1. Mini-Mult

Foram analisadas as três escalas de validade – L, F e K - e as

oito escalas clínicas. Das escalas clínicas quatro são escalas da

personalidade: Histeria (Hy); Psicopatia (Pd); Paranóia (Pa); e;

Hipomania (Ma), enquanto que as outras quatro são escalas sintoma:

Hipocondria (Hs); Depressão (D); Psicastenia (Pt) e; Esquizofrenia

(Sc).

101

Page 102: A TESE

Quadro 4. Mini-Mult (média±desvio-padrão)

MenorRisco(N=7)

MaiorRisco(N=8)

Mann-Whitney

U p

Mini-Mult L 55,43±14,39 56,38±11,01 26,500 ,861

Mini-Mult F 52,57±14,25 61,13±14,15 17,500 ,222

Mini-Mult K 53,43±4,58 58,50±9,49 21,00 ,413

Mini-Mult Hs 62,71±7,64 72,00±17,73 17,500 ,223

Mini-Mult D 58,29±11,35 72,38±12,93 11,500 ,056

Mini-Mult Hy 60,14±6,57 73,50±9,07 5,000 ,007

Mini-Mult Pd 60,86±12,02 74,75±5,15 6,500 ,012

Mini-Mult Pa 66,86±16,79 80,00±12,65 13,500 ,093

Mini-Mult Pt 51,86± 67,50±9,06 13,500 ,092

Mini-Mult Sc 66,00±16,82 87,25±10,89 8,500 ,024

Mini-Mult Ma 51,86±6,94 55,25±8,41 20,500 ,382

= ,05

Das várias dimensões da personalidade avaliadas pelo Mini-Mult

(Quadro 4), observam-se valores estatisticamente significativos nas

escalas clínicas “Histeria” (U=5,000; p=0,007), “Psicopatia” (U=6,500;

p=0,012), e “Esquizofrenia” (U=8,500; p=0,024).

102

Page 103: A TESE

A partir da avaliação individual dos perfis do Mini-Mult foi

possível determinar o grau de impulsividade/agressividade de cada

indivíduo (vide capítulo 6.2.).

Quadro 5. Neo-variáveis partindo dos valores das escalas do Mini-mult

MenorRisco(N=7)

MaiorRisco (N=8)

Mann-

Whitney

U p

Mini-mult

Índice de Gough -2,86±7,20 -1,00±9,89 24,500 ,685Mini-Mult

Impulsividade/Agressividade 3,43±0,79 2,38±0,92 10,500 ,031 = ,05

A partir Quadro 5 verifica-se que não existe uma diferença

significativa entre os dois grupos no que se refere ao “Índice de

Gough” (U=24,500; p=0,685). Por outro lado os valores de ambos os

grupos encontram-se no intervalo de [-12, 12], evidenciando que não

terá existido em média uma tentativa de manipular o teste de auto-

avaliação Mini-mult.

Através da avaliação individual dos perfis do Mini-Mult verifica-

se (Quadro 5) uma diferença estatisticamente significativa para a

medida “Impulsividade/Agressividade” (U=10,500; p=0,031), sendo

que os valores que os valores mais baixos são do grupo de maior

risco de violência, o que nos diz que este grupo, é mais propenso à

violência.

103

Page 104: A TESE

7.2.2.2. Rosrschach

Quadro 6. Psicograma do Rorschach (média±desvio-padrão

MenorRisco(N=7)

Risco Alto

(N=8)

Mann-

Whitney

U

p

RorschachNº de Respostas 14,14±6,07 16,75±5,95 18,000 ,242RorschachG% 51,71±19,81 65,25±20,73 15,500 ,148RorschachD% 42,86±19,16 28,50±19,33 13,500 ,093RorschachF 11,43±6,19 10,50±5,18 26,500 ,861RorschachF+ 6,00±5,51 4,88±3,40 25,000 ,727RorschachF- 5,14±2,48 5,00±2,68 27,500 ,953RorschachF% 79,14±13,64 62,63±19,10 13,000 ,083RorschachF+% 44,29±24,93 45,00±15,05 25,500 ,772RorschachK 0,29±0,49 1,88±1,96 11,000 ,036RorschachKan 0±0 0,88±0,64 7,000 ,005RorschachC 0,71±0,76 1,00±0,76 22,00 ,453RorschachF 0,43±0,53 0,88±1,36 24,500 ,648RorschachC 0,43±0,79 0,75±1,39 25,500 ,729RorschachA 6,57±2,70 6,88±2,59 26,500 ,857RorschachAd 0,57±1,13 0,50±0,53 24,500 ,593RorschachH 0,29±0,49 2,00±1,60 7,500 ,012RorschachHd 0,57±0,79 1,50±1,77 19,500 ,294RorschachA% 55,86±22,42 46,25±18,69 22,000 ,487RorschachH% 5,29±5,15 23,88±15,98 7,500 ,017RorschachBanalidades 2,14±1,21 3,00±1,07 16,000 ,141 = ,05

104

Page 105: A TESE

A partir da análise do psicograma do Rorschach (Quadro 6),

verificaram-se somente diferenças significativas nos valores de K

(p<0,36), de Kan (p<0,05), de H (p<0,012) e de H% (p<0,017).

Perante algumas das medidas do psiograma do Rorschach foi-

nos possível obter alguns índices (vide capítulo 6.2.). Destes índices

fez-se uma comparação entre os dois grupos (quadro 7).

Quadro 7. Índices do Psicograma do Rorschach (média±desvio-padrão)

MenorRisco(N=7)

Risco Alto

(N=8)

Mann-

Whitney

U

p

RorschachT.R.I. 2,29±1,11 2,75±1,67 24,500 ,677RorschachResposta à cor 32,43±6,27 24,63±8,37 13,000 ,082RorschachÍndice de Angústia 6,00±15,66 12,50±8,90 25,500 ,771 = ,05

Relativamente aos índices do psicograma do Rorschach, não se

observaram diferenças estatisticamente significativas na comparação

entre os grupos (Quadro 7).

7.2.3. Comparação intergrupos para as medidas corrigidas do HCR-20

Dado que o protocolo de avaliação do risco de comportamentos

violentos HCR-20 é constituído por três escalas (Histórica; Clínica e

Manejo de risco), apresentamos os resultados dos das medidas

105

Page 106: A TESE

corrigidas dos itens de cada subescala em três quadros diferentes

(quadro 8; quadro 9 e quadro 10, respectivamente).

Quadro 8. Valores corrigidos dos itens históricos do HCR-20 (média±desvio-padrão)

MenorRisco(N=7)

Maior Risco(N=8)

Mann-

Whitney

U p

HCR-20

Violência prévia 12,03±3,52 8,06±1,75 12,000 ,062

HCR-20

Idade 1º incidente violento 7,04±0,54 5,34±1,94 10,000 ,036

HCR-20

Inst. Nos relacionamentos 8,07±5,05 5,38±2,04 15,000 ,132

HCR-20

Problemas de emprego 4,08±6,97 2,06±2,24 26,000,

794

HCR-20

Abuso de substâncias 12,98±2,50 7,50±3,20 5,000 ,007

HCR-20

Pert. Mental Grave 12,98±2,50 8,63±1,05 6,000 ,010

HCR-20

Inadaptação precoce 3,89±3,65 3,22±3,18 23,500 ,590

HCR-20

Pert. da personalidade 3,90±3,67 4,88±3,10 25,500 ,770

HCR-20

Prob. supervisão anterior 1,97±3,37 6,44±3,45 8,500 ,020

= ,05

Na análise estatística efectuada no quadro 8 foi possível

encontrar diferenças significativas em quatro dos nove itens que

constituem a sub-escala “Histórica” do protocolo de avaliação do risco

106

Page 107: A TESE

de violência HCR-20, nomeadamente nos itens “Idade do primeiro

incidente violento” (U=10,00; p=0,036), “Abuso de substâncias”

(U=5,000; p=0,007), “Perturbação mental grave” (U=6,000; p=0,010) e

“Problemas em supervisão anterior” (U=8,500; p=0,020). Somente

neste último item a média é superior para o grupo com maior risco de

comportamentos violentos enquanto que para todos os outros itens

significativos encontrados os valores das médias são superiores para

o grupo com menor risco de violência.

Quadro 9. Itens corrigidos da sub-escala Clínica do HCR-20 (média±desvio-padrão)

Menor Risco (N=7)

MaiorRisco (N=8)

Mann-

Whitney

U

p

HCR-20

Fraco insight 5,06±3,50 6,28±3,11 21,000 ,416

HCR-20

Atitudes negativas 0,95±2,52 5,12±2,50 8,000 ,015

HCR-20

Sint. activos de pert. mental 5,19±3,56 4,29±1,93 16,000 ,161

HCR-20

Impulsividade 1,85±3,15 6,47±2,43 8,000 ,018

HCR-20

Sem resp. ao tratamento 0,00±0,00 3,45±3,08 10,500 ,016

= ,05

A análise comparativa dos resultados dos dois grupos (Quadro

9) permitiu encontrar diferenças com significado estatístico em três

dos cinco itens da sub-escala “Clínica” do HCR-20: “Atitudes

Negativas” (U=8,000; p=0,015); “Impulsividade” (U=8,000; p=0,018) e

“Sem resposta ao tratamento” (U=10,500; p=0,016), sendo que todos

107

Page 108: A TESE

os valores das médias são superiores para o grupo com maior risco

de violência.

Quadro 10. Itens corrigidos da sub-escala de Manejo do Risco do HCR-20 (média±desvio-padrão)

MenorRisco(N=7)

MaiorRisco (N=8)

Mann-

Whitney

U p

HCR-20

Planos sem viabilidade 2,87±3,58 5,27±2,91 18,000 ,238

HCR-20

Exposição a destabilizadores 6,08±2,73 5,32±1,98 16,000 ,163

HCR-20

Fraco apoio pessoal 3,96±3,73 4,18±3,18 28,000 1,000

HCR-20

Não adesão ao tratamento 0,95±2,52 4,05±2,76 12,000 ,044

HCR-20

Stress 3,96±3,73 6,02±2,70 20,000 ,352

= ,05

Dos vários itens avaliados através da sub-escala de Manejo do

Risco do HCR-20 (Quadro 10), verificam-se somente, valores

estatisticamente significativos no item ”Não adesão ao tratamento”

(U= 12,000; p=0,044).

O quadro com as medidas corrigidas dos valores totais de cada

sub-escala são apresentados no quadro 11.

108

Page 109: A TESE

Quadro 11. Valores totais das sub-escalas do HCR-20 (média±desvio-padrão)

MenorRisco(N=7)

Maior Risco(N=8)

Mann-Whitney

U p

HCR-20

Total Histórica 69,12±3,61 54,49±9,49 1,500 ,002

HCR-20

Total Clínica 13,06±2,83 24,71±6,39 3,000 ,004

HCR-20

Total Manejo 17,84±4,35 24,27±3,75 8,000 ,020

= ,05

Os valores totais corrigidos de cada sub-escala do HCR-20

(Quadro 11) são todos estatisticamente significativos após

comparação dos dois grupos: “Total da sub-escala histórica”

(U=1,500; p=0,002), “Total da sub-escala clínica” (U=3,000; p=0,004),

“Total da sub-escala manejo de risco” (U=8,000; p=0,020).

109

Page 110: A TESE

Capítulo VIII

Discussão e conclusões

O presente trabalho inscreve-se na discussão, sempre actual,

centrada na forma de prever a reincidência de formas graves de

violência em doentes com esquizofrenia segundo os critérios

diagnósticos do DSM-IV TR(APA, 2000).

Inclui-se no imaginário popular a relação da loucura com a

violência. Este mito tem sido clarificado à medida que se valoriza

devidamente a importância do consumo e abuso de substâncias

assim como formas específicas e graves de violência como seja a

violência doméstica.

A relevância da doença mental, da personalidade, das

patologias aditivas e da inserção social e familiar no determinismo dos

comportamentos violentos não é de todo algo novo. Todavia,

encontram-se pouco definidos os enquadramentos específicos,

caracterizados por preditores das dimensões com relevância nesta

área, nos quais a probabilidade de ocorrência de comportamentos

violentos atinge uma magnitude preocupante.

Numa perspectiva de Saúde Pública, esta questão coloca-se

não só ao nível dos cuidados primários e secundários. Prevenir a

reincidência de comportamentos (nível de cuidados terciários) é não

110

Page 111: A TESE

só pertinente como indispensável face às consequências destes

comportamentos.

O Historical, Clinical and Rissk Management Checklist of Risk

Factors for Violent Behavior-20 (HCR-20), constitui-se como uma

escala de predição do risco de violência em indivíduos com doença

mental. Os indivíduos que pontuam acima da mediana, têm uma

probabilidade de seis a treze vezes superior de cometerem

comportamentos violentos comparativamente a indivíduos que

pontuam abaixo da mediana (Douglas et al., 1999).

No presente trabalho tentámos estudar as relações entre as

medidas facultadas pelo HCR-20 e medidas da esfera cognitiva

(W.A.I.S.) e da personalidade (Mini Mult e Teste de Rorschach) no

sentido de, no seio de doentes esquizofrénicos detidos por

comportamento violento grave, traçar o perfil cognitivo e de

personalidade daqueles que encerram um risco de reincidência mais

elevado.

Deste modo e face aos objectivos delineados (vide capítulo VI)

passamos à discussão dos resultados obtidos com os instrumentos

utilizados para gerar medidas cognitivas e medidas relativas à

personalidade nos dois grupos de doentes esquizofrénicos estudados.

8.1. Medidas cognitivas

Nesta alínea discutem-se os resultados obtidos através da

aplicação da W.A.I.S. a dois grupos de doentes esquizofrénicos.

111

Page 112: A TESE

Segundo a hipótese que colocámos no capítulo VI, estas duas

amostras apresentariam diferenças entre si. Fomos algo

surpreendidos pelos resultados que, de modo consistente,

evidenciaram diferenças às quais o processamento estatístico não

atribuiu significância. Os valores computados dos ß respectivos

conferem-nos alguma segurança face à probabilidade de ocorrência

de um erro do tipo II permitindo a inferência que o aumento da

dimensão das amostras não permitiria extrair diferenças significativas.

A literatura existente é escassa contudo é referido por Silverton

(1988) que o quociente verbal seria mais elevado no grupo de doentes

esquizofrénicos mais violentos.

Numa altura em que os aspectos cognitivos da esquizofrenia

são revisitados e procura-se também discriminar a sua importância

nos aspectos nosológicos, etiológicos, terapêuticos e comunitários o

estudo diferencial indicia que as medidas cognitivas na forma das sub-

escalas da W.A.I.S. não têm valor caracterizador e preditivo. No

entanto, não excluímos a hipótese de as amostras divergirem quando

outros instrumentos de medida sejam empregues ou porventura

quando sejam indagados atributos mais subtis inscritos nesta área da

cognição.

8.2. Medidas de personalidade

No presente trabalho procurou-se obter o perfil de personalidade

dos dois grupos em estudo. A psicometria subjectiva levanta questões

delicadas mo domínio da personalidade. Constitui-se como um

truísmo banal afirmarmos que existe uma diferença na aceitação das 112

Page 113: A TESE

medidas produzidas pelo Mini-Mult ou pelo Teste de Rorschach.

Também sabemos que o segundo teste tem uma importância

reconhecida na práxis psicológica, no entanto surgem algumas

reticências quanto à sua importância na investigação. Pensamos que

parte desta reticência na utilização do Teste de Rorschach na

investigação clínica se deve à maior ou menor contaminação das suas

medidas por juízos subjectivos do cotador. Contudo, a fidelidade inter-

cotadores na análise quantitativa (psicograma) do Teste de Rorschach

varia consoante as medidas. Uma interpretação possível é que cada

medida encerra uma vulnerabilidade maior ou menor à contaminação

subjectiva efectuada pelo cotador.

Mini-Mult

Os resultados obtidos confirmam a nossa hipótese unilateral

inicial, na qual se propunha a existência de diferenças em dimensões

relevantes da personalidade medidas pelo Mini-Mult (MMPI).

A avaliação conjunta das sub-escalas de Psicopatia, Histeria,

Mania, Paranóia e Esquizofrenia permitiu-nos quantificar, em termos

ordinais de mensuração, a agressividade nos dois grupos. A diferença

encontrada entre os dois grupos (p=0,031) não nos espantou mas

somos levados a pensar que as dimensões Histeria (p=0,007),

Psicopatia (p=0,012) e Esquizofrenia (p=0,024) são, por esta ordem,

determinantes na constituição de uma agressividade global, pelo

menos nas duas amostras estudadas. A dimensão Histeria e a sua

relação com a dimensão Psicopatia assume neste trabalho um

protagonismo com implicações de todo irrelevantes na compreensão

da violência.113

Page 114: A TESE

Teste de Rorschach

A violência como qualquer tipo de comportamento resulta de

ideias, imagens e impulsos que por sua vez são determinados

também, mas não só, pela forma como o indivíduo processa

elementos da realidade exterior.

Um K elevado indica um recurso desadequado ao imaginário. O

resultado comparativo quanto ao K (p=0,036) revela diferenças

relevantes. Quer-nos assim parecer que um recurso desadequado ao

imaginário concorre com um comportamento violento.

O Kan (p=0,005) mostra-nos uma menor adaptação à realidade

concreta e uma redução das capacidades de realização no grupo de

esquizofrénicos com um risco maior de repetição de comportamento

violento. A agressividade mais ou menos destrutiva ou contida

evidenciada pelo Kan é congruente com a medida de risco do HCR-20

com a qual constituímos os dois grupos de esquizofrénicos.

O compromisso da capacidade de contacto humano medido pelo

H% (p=0,017) é superior nos esquizofrénicos menos violentos. Este

resultado permite uma hipótese algo paradoxal, ou seja, uma

capacidade satisfatória de contacto humano não é protectora no que

se refere à violência tendo em consideração as medidas empregues.

A estereotipia revelada pelo H define-se pela percepção de

atributos individuais. O H (p=0,012) sugere que este indicador poderá

ter alguma validade de critério concorrente para o comportamento

violento.114

Page 115: A TESE

8.3. Medidas corrigidas do HCR-20

A comparação dos valores corrigidos do HCR-20 nos dois

grupos permite-nos saber a proporção como cada sub-escala ou item

do HCR-20 contribui para o valor global do HCR-20 e as respectivas

diferenças nos dois grupos de esquizofrénicos.

Assim, salientamos a importância da Clínica (p=0,004) e do

Manejo do risco (p=0,02) no grupo de maior risco e a sub-escala

Histórica (p=0,002) no grupo de menor risco.

O grupo de maior risco compromete-se mais nos itens corrigidos

“Impulsividade” (p=0,018), “Atitudes Negativas” (p=0,015), “Sem

resposta ao tratamento” (p=0,016), “Não adesão ao tratamento”

(p=0,044), “Problemas em supervisão anterior” (p=0,020).

No grupo de menor risco sobressaem os itens “Idade do primeiro

incidente violento” (p=0,036), “Problemas no uso de substâncias”

(p=0,007) e “ Perturbação Mental Grave” (p=0,010).

8.4. Relação entre medidas de personalidade e as medidas corrigida

do HCR-20

Os traços de personalidade são um dos factores centrais para

explicar a violência humana (Anderson et al., 1995). As características

de personalidade do grupo de maior risco podem explicar a

importância de certos itens do no valor total do HCR-20. Os sujeitos

do grupo de maior risco, ao contrário do outro grupo, mantêm no

115

Page 116: A TESE

presente, certos comportamentos que elevam o risco de violência,

mesmo após tratamento farmacológico.

116

Page 117: A TESE

Comentário final

Salvaguardando que estudos futuros são necessários nesta área,

consideramos interessante que o nosso trabalho corrobore Ferrante

(1999) quanto à elevação da escala “Psicopatia” se combina com uma

elevação da escala “Histeria”, podendo observar-se um mau controle

dos impulsos, explosividade e propensão para a violência. Esta é a

combinação mais fiável para identificar comportamentos violentos.

117