16
1 A Trajetória de um Professor de Arqueologia na UFPR* Igor Chmyz** Marcella - ...constituída para pensar formas de saldar esse momento. No site do setor é possível encontrar algumas propostas que se realizarão ao longo deste ano porque uma das decisões tomadas pela comissão foi justamente espalhar por 2008 iniciativas que pensariam a importância do que começamos a celebrar agora. Uma marca que nos simbolizara, mesas redondas que trarão a memória do vivido e que nos darão a possibilidade de refletir a respeito do equivalente do futuro com as promessas que me valem desse passado, testemunhos, em vídeo, exposições. Começamos hoje com a palestra do prof. Igor Chmyz a dupla rotação dessas comemorações saudamos as conquistas que possam ser transmitidas e procuramos articular a experiência com os problemas que lhes impõem a contemporaneidade. Qual é a importância de trazer a tona memórias, de escrever a história desse Setor e de acarinhá-lo com as imagens e vozes que felizmente teimamos em não deixar desaparecer. Porque assim como a amnésia é não só uma perturbação do indivíduo, mas envolve perturbações mais ou menos grave da presença da personalidade a falta ou a perda da memória coletiva nos povos e nas nações pode determinar perturbações graves da identidade coletiva. Assim, a natureza das comemorações que propomos é reflexiva tem a ambição de convidar a todos a assenhorear dessa história e acordar não para a mesma vida para que tínhamos adormecido. Eu tenho o prazer e a honra de chamar para integrar esta mesa a professora Maria Tarcisa Silva Bega, nossa diretora; prof. Carlos Alberto Balhana para apresentar o prof. Igor e finalmente o prof. Igor Chmyz. Eu gostaria de fazer menção também a presença do prof. Sebastião Ferrarini que é diretor do Círculo de Estudos Bandeirantes e hoje representante do magnífico reitor da Pontifícia Universidade Católica prof. Clemente Ivo Juliato. Tarcisa - Bom dia a todos e a todas. Prof. Ferrarini componha a mesa aqui conosco por favor. Estando composta a nossa mesa de novo o meu bom dia a todos e a todas. É com muita satisfação emocionada até é que eu tenho a honra de abrir esse evento que inicia a nossa jornada de comemoração dos 70 anos da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Universidade do Paraná, da época, é uma instituição fundamental para a federalização da universidade que se torna em 1951, 1952 a Universidade Federal do Paraná e constituinte desde o início desta universidade do bloco das humanidades, portanto com a tarefa histórica de reflexão de crítica e de diálogo, as minhas palavras de certa forma estão sintetizadas na fala da Marcella acho que a Marcella foi muito feliz no seu texto em lembrar a nossa relação com o passado e com o futuro. E exatamente durante esse ano eu gostaria que nós refletíssemos sobre o que foi o nosso passado dessa faculdade que da origem ao Setor de Ciências Humanas, *Palestra de abertura das comemorações dos 70 anos do Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes. 13 de março de 2008. **Professor jubilado junto ao Departamento de Antropologia/UFPR.

A Trajetória de um Professor de Arqueologia na UFPR* · perturbação do indivíduo, mas envolve perturbações mais ou menos grave da presença da personalidade a falta ou a perda

  • Upload
    lethien

  • View
    214

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: A Trajetória de um Professor de Arqueologia na UFPR* · perturbação do indivíduo, mas envolve perturbações mais ou menos grave da presença da personalidade a falta ou a perda

1

A Trajetória de um Professor de Arqueologia na UFPR*

Igor Chmyz**

Marcella - ...constituída para pensar formas de saldar esse momento. No site do setor é possível encontrar algumas propostas que se realizarão ao longo deste ano porque uma das decisões tomadas pela comissão foi justamente espalhar por 2008 iniciativas que pensariam a importância do que começamos a celebrar agora. Uma marca que nos simbolizara, mesas redondas que trarão a memória do vivido e que nos darão a possibilidade de refletir a respeito do equivalente do futuro com as promessas que me valem desse passado, testemunhos, em vídeo, exposições. Começamos hoje com a palestra do prof. Igor Chmyz a dupla rotação dessas comemorações saudamos as conquistas que possam ser transmitidas e procuramos articular a experiência com os problemas que lhes impõem a contemporaneidade. Qual é a importância de trazer a tona memórias, de escrever a história desse Setor e de acarinhá-lo com as imagens e vozes que felizmente teimamos em não deixar desaparecer. Porque assim como a amnésia é não só uma perturbação do indivíduo, mas envolve perturbações mais ou menos grave da presença da personalidade a falta ou a perda da memória coletiva nos povos e nas nações pode determinar perturbações graves da identidade coletiva. Assim, a natureza das comemorações que propomos é reflexiva tem a ambição de convidar a todos a assenhorear dessa história e acordar não para a mesma vida para que tínhamos adormecido. Eu tenho o prazer e a honra de chamar para integrar esta mesa a professora Maria Tarcisa Silva Bega, nossa diretora; prof. Carlos Alberto Balhana para apresentar o prof. Igor e finalmente o prof. Igor Chmyz. Eu gostaria de fazer menção também a presença do prof. Sebastião Ferrarini que é diretor do Círculo de Estudos Bandeirantes e hoje representante do magnífico reitor da Pontifícia Universidade Católica prof. Clemente Ivo Juliato. Tarcisa - Bom dia a todos e a todas. Prof. Ferrarini componha a mesa aqui conosco por favor. Estando composta a nossa mesa de novo o meu bom dia a todos e a todas. É com muita satisfação emocionada até é que eu tenho a honra de abrir esse evento que inicia a nossa jornada de comemoração dos 70 anos da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Universidade do Paraná, da época, é uma instituição fundamental para a federalização da universidade que se torna em 1951, 1952 a Universidade Federal do Paraná e constituinte desde o início desta universidade do bloco das humanidades, portanto com a tarefa histórica de reflexão de crítica e de diálogo, as minhas palavras de certa forma estão sintetizadas na fala da Marcella acho que a Marcella foi muito feliz no seu texto em lembrar a nossa relação com o passado e com o futuro. E exatamente durante esse ano eu gostaria que nós refletíssemos sobre o que foi o nosso passado dessa faculdade que da origem ao Setor de Ciências Humanas, *Palestra de abertura das comemorações dos 70 anos do Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes. 13 de março de 2008. **Professor jubilado junto ao Departamento de Antropologia/UFPR.

Page 2: A Trajetória de um Professor de Arqueologia na UFPR* · perturbação do indivíduo, mas envolve perturbações mais ou menos grave da presença da personalidade a falta ou a perda

2

Letras e Artes. Hoje o segundo maior setor em número de alunos da Universidade, da origem aos Setores de Ciências da Terra e ao Setor de Ciências Biológicas que competem os dois pra ser, pra ver, qual dos dois é o setor que tem maior produção científica na universidade. Também, parte do Setor de Ciências da Terra e também pra não dizer a nossa companheira de prédio e de vida a Faculdade do Setor de Educação. Então, da antiga Faculdade de Filosofia nascem, eu diria, um bom pedaço da Universidade Federal do Paraná e é em nome desta memória, em nome deste passado que estamos aqui, mas principalmente em nome de um futuro que se avizinha pra nós num setor hoje que tem um projeto de em quatro anos ter em cada departamento um curso de pós-graduação. Estamos encaminhando inclusive, teremos no próximo ano Conselho Setorial dois novos Cursos de Mestrado, entrando pra aprovação pra ser encaminhado a CAPES até o final do ano. Um Setor que tem cursos de graduação e compromissos sérios com a sociedade paranaense com a sociedade brasileira com o oferecimento de licenciaturas, cursos noturnos, mas também tem compromissos com a ponta, com o desenvolvimento da pesquisa e do conhecimento de primeira linha. Então um Setor que tem, eu usaria uma expressão que eu li uma vez, que acho que sintetiza: “É um Setor que mantém sim os seus pés muito na terra, mas mantém as suas idéias na linha de frente.” Eu acho que é a nossa característica. Então em nome desta marca e desta singularidade dessa complexidade do Setor de Ciências Humanas é que olhamos pra trás e fazemos uma homenagem aos 70 anos da Faculdade de Filosofia. Ninguém melhor do que o prof. Igor pra falar de sua trajetória sobre a sua trajetória que se confunde com a trajetória desta Faculdade desse Setor. Quando eu aqui cheguei olhei para o professor Igor e disse: professor, seja bem-vindo. Ai disse: ou melhor, é o senhor que deve dizer sejam bem-vindos. Porque o senhor já estava aqui quando cada um de nós chegou. Então é deste espírito, é disso que nós queremos falar. Eu gostaria de agradecer a presença de todos, professores, os técnicos administrativos, os alunos de graduação de pós-graduação os professores de outros setores que estão aqui nos prestigiando a todos porque esta festa não é minha, não é nossa dessa mesa não é da comissão, esta festa é do setor, é da universidade. Continuando nosso evento eu gostaria de passar a palavra ao professor Carlos Balhana para que ele faça a apresentação do prof. Igor Chmyz. Balhana - Bom dia. É como uma rara satisfação prof. Igor eu te apresento hoje graças a deus aqui pra poder agradecer um pouco a sua presença nessa universidade. Eu me lembro que nos anos 60 eu pela familiaridade que tenho com a universidade por parentesco percorria os corredores desta universidade aqui do setor principalmente da Faculdade de Filosofia procurando material para minhas aulas que eu tinha no Bom Jesus na época, como muitos meninos que vinham buscar aqui também as informações e quando chegava na parte de história lá estava a arqueologia juntinho e quantas vezes eu vi o gabinete aberto do prof. Igor ele de guarda-pó branco conduzindo lá os seus materiais encontrados remontando suas urnas funerárias, suas ossadas, contando histórias do passado e eu emocionado com aquela situação procurava saber alguma coisa sobre arqueologia, prof. Igor tem alguma obra aqui que eu possa ler que eu possa me orientar melhor pra falar de arqueologia ele disse: procure o livro “Deus túmulos e sábios” e naquela época uma geração dos anos 60 dos

Page 3: A Trajetória de um Professor de Arqueologia na UFPR* · perturbação do indivíduo, mas envolve perturbações mais ou menos grave da presença da personalidade a falta ou a perda

3

colégios católicos a gente tinha muita noção de arqueologia clássica monumental é o Egito, era Grécia, era a Índia, a China. E quando vimos o prof. Igor trabalhando com aquele material tão primitivo, tão primário horas longas, vastas horas naquele laboratório, pensava, que paciência o senhor tem em trabalhar com um material tão estranho na nossa concepção de mundo. Mais tarde nos anos 70 já aluno de Geografia primeiro ano, nós tínhamos lá na região de Porto de Cima um sítio que justamente coincide com o caminho do Itupava e no local é o local do pedágio antigo do caminho do Itupava. E eu procurei o prof. Igor me dá uma obra que eu possa me referenciar melhor que um dia querem limpar esse terreno e construir aqui um tipo de um tur entorno dessa realidade. Prof. Igor citou novamente uma obra pra mim de Antonio Vieira dos Santos e lá estava eu preparado para entender melhor o caminho do Itupava nos anos 70 passei a ser colaborador do departamento de Antropologia em 76 reencontrei o prof. Igor na caminhada aí já como professor e colega de departamento. Enfrentávamos uma realidade difícil que era uma realidade transitória o setor tinha sido recém criado e a Faculdade de Filosofia estava indo para seu arquétipo superior e passamos então a conviver com os psicólogos com a sua problemática diária e muitas vezes aquela sufocação teórica e básica deles usando a bagagem antropológica arqueológica não se leva a vez, mas ficavam sem espaço, mas aos pouquinhos reconstruímos nosso mundo junto com eles e chegamos em 82 prof. Igor novamente num espaço novo agora no 8º, 7º andar se não me engano deslocava-se do 12º andar, retoma mais tarde lá pra cima e suas pesquisas continuam e todo ano eram dado a nós professores do departamento uma obra das suas pesquisas então a gente via o quanto era produzido no cepa aquela época o quanto o esforço era feito no interior do Brasil no interior do Paraná desvendando essas realidades. Relendo o seu trabalho científico a sua jornada prof. Igor a gente percebe que a sua geração foi premiada talvez uma geração anterior a sua prof. Loureiro Fernandes conseguiu abrir caminho nessa selvagem realidade cultural brasileira do sul aonde imperava ainda o ignorantismo mais profundo do que era ciência humana e com a abertura junto com o Museu Paranaense, da arqueologia, do folclore, da antropologia cultural possibilitou que pessoas como a sua pessoa chegasse a universidade tendo aula com esse magnífico professor que é o prof. Loureiro Fernandes entendendo dessa cultura pudesse ter dado margem a esse ramo de pesquisa tão difícil de ser compreendida ainda hoje pelos nossos governantes e a praticidade que pode levar um conhecimento da realidade. Então ao ver o seu trabalho hoje na praça Tiradentes suas buscas incessantes, a sua preocupação científica, a sua humildade cientifica perante os grandes nomes da arqueologia mundial eu posso dizer que nós ficamos muito felizes de continuar tendo o senhor ao nosso lado, permanecendo a sua idéia permanente um pesquisador de descobridor, desvendador da realidade, principalmente essa realidade urbana que nos faz evocar o passado sempre do Brasil antigo colonial e nos faz também tomar o medicamento dessas realidades tão duras do Brasil republicano atual e que permite também que dessa viagem ao passado seja ele lá pro tempo 10 mil, 5 mil, 6 mil ou até o séc XVI, XVII possamos nós abrir a mente para um plano superior algo que possamos aprender com os antigos os seus achados também um pouco da resposta ao presente eu acho que esse é o antídoto, é o medicamento e a arqueologia lembra os seus escritos ainda que não seja condicionado este tipo de explicação esta como resposta. Desde os

Page 4: A Trajetória de um Professor de Arqueologia na UFPR* · perturbação do indivíduo, mas envolve perturbações mais ou menos grave da presença da personalidade a falta ou a perda

4

seus primeiros trabalhos que a gente consegue ler na Dédalo e demais publicações a adequação ceou o caminho do Itupava, com o caminho do Peabiru, com os sambaquis, com o Guairá, é uma preocupação paranaense, é um autentico líder atual da nossa realidade paranista aquilo que no passado foi difícil para o Romário Martins fazer, pro Dario Velozo com os seus sonhos idealistas uma utopia grega no Paraná fazer, hoje é possível pela arqueologia, pela antropologia desde que tem comunicada, tem publicada, tem estudada e no seu caso da arqueologia muito bem reconhecida hoje pela comunidade. Parabéns prof. Igor nós não estamos nos despedindo do senhor ao contrário estamos vendo o seu trabalho diário acompanhando com muita ênfase e quando a ultima palestra feita pelo senhor aqui eu disse assim: chame-nos a obra e a obra continua parece que logo depois a obra seria ali na praça Tiradentes na busca de seus caminhos antigos no Paraná. Muito obrigado prof. Igor pela sua presença. Tarcisa - Antes de passar a palavra ao prof. Igor a comissão discutiu como organizar esse evento e uma das questões que o prof. Igor nos colocou é que ele queria que ele fosse num espaço pequeno, num espaço contido, então nós escolhemos esta sala. Então nós pensamos também em retribuir o trabalho do prof. Igor que é um trabalho sério porém um trabalho com esta contenção, com esta humildade que o prof. Carlos tanto destaca fazendo uma homenagem ao prof. Igor ao senhor que com certeza não é do seu tamanho, é uma homenagem humilde, mas é aquilo que esse setor entende que é a forma como o senhor entenderia a grandiosidade do nosso ato. Então eu gostaria de passar ao senhor, não é uma placa, mas é uma pedra comemorativa e de lembrança desse setor e de reconhecimento pelo seu trabalho. Igor - Peço licença para sair da mesa também porque não é meu hábito falar sentado. Por isso, vou ficar aqui na frente. Agradeço o convite feito pela direção do Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes desta Universidade para falar um pouco da minha trajetória aqui, e naturalmente, um pouco sobre esta Casa. Aqui freqüentei um curso que era de Geografia e História. Hoje tenho dificuldade para preencher formulários informatizados, porque eles não prevêem tal curso. Tenho, então, de optar por uma das áreas. A minha turma foi a última que se beneficiou daquele curso. Os alunos que vieram depois tiveram de optar por Geografia ou História. Para a carreira que abracei, o curso que fiz entre 1960 e 1963 deu-me uma base mais sólida. Logo após, passei a lecionar Arqueologia, atividade que desempenhei interruptamente até o final do ano passado, quando foi jubilado. A questão da aposentadoria, tão esperado por muitos colegas, nunca me preocupou, mas tive de me curvar à legislação vigente. Sob protesto, é verdade, porque sinto que ainda poderia continuar contribuindo por mais alguns anos como antes. Continuo me dedicando à pesquisa com a mesma intensidade de antes e não me sinto aposentado.

Quando aqui cheguei, este Edifício ainda cheirava tinta nova. Ele foi inaugurado em 1958, época em que foram implantados os departamentos, como o de Antropologia, criado pelo prof. José Loureiro Fernandes e que está completando 50 anos agora. Os então catedráticos receberam seus espaços só com os pilares internos e os adequaram às necessidades de cada departamento. Foi a primeira disputa por espaço que este prédio ensejou. Presenciei outras mais tarde e protagonizei algumas também, em função da

Page 5: A Trajetória de um Professor de Arqueologia na UFPR* · perturbação do indivíduo, mas envolve perturbações mais ou menos grave da presença da personalidade a falta ou a perda

5

arqueologia. O Departamento de Antropologia ocupava a ala norte do 6º andar, onde ainda se encontra. O Centro de Ensino e Pesquisas Arqueológicas (CEPA), no qual passei a trabalhar, estava localizado em uma sala no mesmo andar, porém dentro do espaço do Departamento de História. Muito esforço foi dispendido posteriormente para que o CEPA conquistasse o espaço atual.

Durante o meu curso tive professores admiráveis, professores que se dedicavam inteiramente à Universidade. Eram, como se costuma dizer em linguagem coloquial, aqueles que “vestiam a camisa” da Universidade. Eram professores que, além daquilo que ensinavam, chamavam a atenção dos alunos para a responsabilidade que tínhamos na conservação dos móveis e equipamentos. Lembro do frei Raimundo Vier, professor de Filosofia, ao iniciar as aulas em um anfiteatro, alertando-nos para que as cadeiras estofadas deveriam continuar servindo aos outros nas mesmas condições em que as encontramos. Reinhard Maak, outro professor que tive, frequentemente fazia alertas nesse sentido.

Além dos mencionados, outros professores foram marcantes na minha formação e também na minha carreira, como Cecília Maria Westphalen, Altiva Pilatti Balhana, Brasil Pinheiro Machado, Máximo Pinheiro Lima, Alda Moeller, João José Bigarella, Heloísa Barthelmess e Riad Salamuni.

A Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras reunia vários departamentos que hoje, em alguns casos, constituem setores da Universidade. Para as minhas pesquisas de Arqueologia, que já estavam em andamento enquanto eu era aluno de graduação, a existência dos vários departamentos tão próximos facilitava as consultas que fazia a historiadores, antropólogos, geólogos e biólogos, sempre presentes em seus gabinetes, para que minhas dúvidas de trabalho fossem dirimidas. A dispersão dos vários campi de hoje dificulta tais contatos, embora disponhamos de telefone e internet.

Fui privilegiado, como um aspirante à Arqueologia, ao ter aulas de disciplinas de Antropologia, Geografia, História e Geologia. Os alunos de História, Geografia ou Ciências Sociais de hoje, se desejarem se aprofundar na Arqueologia, precisam, por conta própria, montar um currículo com as disciplinas necessárias.

Tenho notado, também, a insegurança de muitos alunos com relação às futuras carreiras, e se de fato o que estudavam estava de acordo com as suas vocações. Recebi, em certa ocasião, a visita de um aluno que cursava o último ano de Engenharia Civil. Disse-me que percebera ser a arqueologia a sua vocação. Aconselhei-o a concluir o curso para depois voltarmos a conversar. O meu encaminhamento para a Arqueologia foi interessante. Nascido em União da Vitória, uma cidade situada no sul do Paraná, na divisa com Santa Catarina, tinha como paisagens o grande rio Iguaçu, com suas extensas várzeas e os morros da Serra Geral cobertos de florestas. Com meus colegas de infância e adolescência explorava aqueles ambientes. Sentia-me atraído pela flora, fauna e geologia. Coletava espécimes, inclusive crânios de animais que encontrava e, com eles, montava museus na minha casa. Na época, cinemas exibiam filmes de ficção científica tratando de viagens espaciais. A tecnologia mostrada fascinava-me e cheguei a montar foguetes usando tubos de alumínio do lança-perfume Rodia. A subida de um deles foi no pátio do Ginásio São José, em Porto União, onde estudava. Interesava-me, portanto, a pesquisa, embora não existisse ainda uma definição para determinado campo.

Page 6: A Trajetória de um Professor de Arqueologia na UFPR* · perturbação do indivíduo, mas envolve perturbações mais ou menos grave da presença da personalidade a falta ou a perda

6

Minha mãe era uma “devoradora” de livros. Costumava reunir meus colegas mais próximos, para que ela lesse capítulos de livros de aventura ou contasse, de memória, histórias que havia lido. Logo, passei a fazer minhas leituras, recorrendo às bibliotecas da cidade e até comprando alguns livros. Entre os adquiridos, estavam “Deuses, Túmulos e Sábios”, de Ceram, citado pelo prof. Balhana, e “A Bíblia Tinha Razão”, de Keller. Foram os livros que me despertaram para a Arqueologia.

Forte influência recebi de meus avós maternos, ambos oriundos da Ucrânia. Meu avô chegou no século XIX e minha avó, ainda criança, no século seguinte. Esta, que morava com a família na zona rural da cidade, contava que índios aproximavam-se da sua casa em busca de objetos metálicos e que, em certa ocasião tentaram raptá-la. Meu avô era marceneiro da Rede de Viação Paraná-Santa Catarina e contava-me que chegou a serrar flechas cravadas nos corpos dos trabalhadores que estendiam os trilhos em direção a Santa Catarina para que pudessem ser colocados nos caixões.

Algumas constatações aguçaram minha curiosidade com relação às populações indígenas e à Arqueologia. Vi, por exemplo, chegarem vagões carregados de um material que parecia cascalho, e que era espalhado nas ruas de União da Vitória e Porto União. Disseram-me que aquilo provinha de cemitérios de índios do litoral catarinense. Em contato com exploradores de areia do leito do rio Iguaçu, que a retiravam manualmente com conchas providas de longas varas, vi pontas de flechas de rocha por eles colhidas junto com a areia. Diziam que eram armas dos antigos moradores da região.

Tudo isso contribuiu para que a profissão que abracei se definisse, contrariando o projeto da família. Eu deveria ser o médico da família. Cheguei a prestar o vestibular no hoje Prédio Histórico da Universidade, mas, não me empenhando, não fui aprovado.

Assim, já direcionado, nas excursões que fazia com os colegas de escola, procurava peças arqueológicas. Encontrei o primeiro sítio, em 1955. Estava em um abrigo-sob-rocha conhecido como Casa de Pedra. Lá estavam, superficialmente, cacos de cerâmica e artefatos líticos. Coletei as peças, levando-as para casa. Passei a consultar nas bibliotecas da cidade publicações que me servissem de referência para comparações. Hoje, esse acervo, juntamente outros que lá obtive em escavações anos depois, está depositado no CEPA.

Conheci outro sítio em 1958, quando participei de uma excursão do meu tio radicado em Apucarana, no oeste do Paraná. Chegando em Guaíra, seguimos por uma estreita estrada de colonização até o Porto Byngton. Daquele ponto, com barcos, descemos o rio Paraná até a foz do rio Piquiri. Era mata densa, como as que podemos ver ainda na Amazônia. Ouvíamos urros de onças na mata e víamos sucuris e jacarés nos rios. Acampamos na margem esquerda do Piquiri, justamente onde estavam as ruínas de Ciudad Real del Guayrá, fundada pelos espanhóis em 1557. Vi, no meio da árvores, restos de paredes de taipa de pilão e percorri ruas que separavam os quarteirões de casas. Ao voltar para União da Vitória, parei em Curitiba e depositei as peças recolhidas no Museu Paranaense. Fui recebido pelo prof. Oldemar Blasi. Ele me adiantou que o CEPA, do qual era secretário, estava organizando uma pesquisa na área da Villa Rica del Espírito Santo, outro estabelecimento militar espanhol no Paraná, no século XVI. O prof. Blasi falou que talvez eu pudesse participar da pesquisa, mas teria que conversar sobre isso com o prof. Loureiro,

Page 7: A Trajetória de um Professor de Arqueologia na UFPR* · perturbação do indivíduo, mas envolve perturbações mais ou menos grave da presença da personalidade a falta ou a perda

7

fundador e diretor do CEPA. Não sei se o prof. Blasi se sensibilizou com a minha determinação ao me convidar ou se estava, no momento, com dificuldade para formar equipe. O prof. Loureiro tinha muita ligação com o museu, tendo ali iniciado as pesquisas arqueológicas. Ao me encontrar com ele, fui informado que, apesar de só ter feito o Científico e não estar matriculado em curso superior, havia autorizado a minha inclusão no projeto.

Assim, em 1959, seguimos para o ponto onde estavam as ruínas de Villa Rica. Alugamos uma casa no povoado de Fênix, hoje município, distando cerca de 7km das ruínas e da margem do rio Ivaí. Comecei, então, a aprender as técnicas arqueológicas de campo. Ali ficamos 30 dias. Em um dos primeiros domingos da temporada encontrei um sítio arqueológico nas proximidades da casa alugada. Nele trabalhei nos outros finais de semana, pondo em prática os ensinamentos transmitidos pelo prof. Blasi. Ao regressarmos, quando não ajudava o prof. Blasi com as coleções resultantes dos trabalhos de Villa Rica analisava as obtidas no outro sítio. Com os resultados, produzi um artigo que foi publicado pelo Instituto Anchietano de Pesquisas em 1962. A minha permanência no Museu, quando também produzia ilustrações para os artigos do prof. Blasi, era voluntária. Proporcionou-me este estágio, entretanto, a interação com pesquisadores que lá estavam.

Em 1960, já como acadêmico de Geografia e História, fui convidado pelo prof. Loureiro para permanecer no CEPA. Este Centro promovia, de forma pioneira, cursos de formação de arqueólogos. Contava com a colaboração de arqueólogos estrangeiros, uma vez que esses profissionais eram raros no país. Conheci o arqueólogo Wesley R. Hurt, que coordenara um desses cursos entre 1958-9. Ele ainda trabalhava com os dados obtidos no Sambaqui do Macedo, em Paranaguá. Conheci nessa oportunidade também, a arqueóloga francesa Annette Laming-Emperaire, outra coordenadora de curso. O prof. Loureiro permitiu que eu assistisse os cursos, denominados seminários, mas que equivaliam aos atuais de especialização. Eram intensos, com aulas teóricas e práticas durante o dia a parte da noite.

Colaborei com o Departamento de Antropologia, ajudando o prof. Loureiro na montagem das exposições temporárias que ele promovia por ocasião do Dia do Índio e com a montagem do Museu de Arqueologia e Artes Populares, por ele criado no antigo Colégio dos Jesuítas em Paranaguá. Para que a essas tarefas pudesse me dedicar, recebi uma bolsa, parando de encadernar livros para reforçar o orçamento familiar.

Em 1963, no último ano da minha graduação, atuei como monitor na disciplina Arqueologia Pré-Histórica, sob a responsabilidade do prof. Loureiro. Ele insistia para que a minha assinatura, junto com a dele, figurasse na caderneta onde eram lançadas as aulas dadas. No ano seguinte assumi a disciplina como instrutor voluntário, embora desde 1962 eu pertencesse ao quadro estatutário da Universidade, mas com função administrativa. Continuei dando aulas e pesquisando naquela condição. Os concursos para o magistério eram raros. A situação foi normalizada em 1968, quando saí do quadro estatutário e assinei contrato em regime da CLT. Mais tarde, prestei concurso para assistente e voltei a pertencer do quadro estatutário. Até a data do meu jubilamento nesta Casa, em novembro de 2007, lecionei interruptamente as disciplinas de Arqueologia e algumas de Antropologia. Na primeira metade da década de 1970 realizei meu doutorado na Universidade de São Paulo e, ao atingir a idade limite, cheguei à classe de Professor Associado.

Page 8: A Trajetória de um Professor de Arqueologia na UFPR* · perturbação do indivíduo, mas envolve perturbações mais ou menos grave da presença da personalidade a falta ou a perda

8

Não posso avaliar se, para mim, a atividade de magistério foi mais importante que a da pesquisa. O contato com os alunos sempre foi agradável e enriquecedor. As atividades de pesquisa também foram e continuam sendo enriquecedoras, mas encerraram mais dificuldades e embates, especialmente na questão do salvamento arqueológico. Como já disse, desenvolvi pesquisas de campo e laboratório antes de ser acadêmico e durante a minha formação. Neste período, retomei os trabalhos começados amadoristicamente na Casa da Pedra em União da Vitória e nas ruínas de Ciudad Real del Guayrá e comecei pesquisas em vários outros lugares do Estado. Utilizei, para acessa-los, ônibus, carroça e bicicleta; vali-me de caronas em caminhões e fiz muitos e longos percursos a pé. Raramente, contei com viaturas oficiais, como um jipe disponibilizado pelo 5º Batalhão de Engenharia de Combate, em Porto União, ou a caminhonete da Universidade tendo, nessas ocasiões, que conviver com o humor dos motoristas que reclamavam das más condições das estradas. A situação melhorou quando o prof. Loureiro conseguiu que a Universidade adquirisse um jipe Candango para os serviços do Museu de Paranaguá. Ele também, no início, era conduzido por motorista da casa. Isto mudou, depois que o condutor apareceu no dia seguinte ao do marcado para o início da pesquisa. O jipe Candango era um veículo que requeria adição de óleo 2T junto com a gasolina. Se a dosagem não fosse correta, emitia muita fumaça pelo cano de escape. Era eficiente nas estradas precárias e nos campos onde elas não existiam, mas costumava quebrar certas peças nos piores lugares. Peças sobressalentes tinham de ser levadas para acelerar os consertos.

Assim como as estradas eram precárias ou inexistentes, o era a infra-estrutura de hospedagem nas pequenas cidades ou povoados do interior. Era preciso levar barracas e apetrechos para a montagem de acampamentos no local da pesquisa.

Eu não contava, também, nessa fase inicial, com uma equipe indispensável nos trabalhos de Arqueologia. Acompanhava-me a minha primeira esposa, falecida há quase dez anos, e o meu filho adotivo. Comecei a ter a possibilidade de atrair alunos, para a formação de equipe, quando me tornei professor da Casa.

Creio que desempenhei um papel importante no capítulo da prática do salvamento arqueológico. Fui despertado para o assunto quando, em meados da década de 1960, atendia informações de sítios nos vales dos rios Itararé e Paranapanema. Naquele momento, devido a um prolongado período de estiagem, o nível do reservatório de uma hidrelétrica havia baixado significativamente, expondo porções das margens do rio Paranapanema. Vi, então, sítios arqueológicos expostos. Os sedimentos haviam sido erodidos pela água e as peças, por serem mais pesadas, permaneciam na superfície assinalando as áreas das antigas aldeias indígenas. Constatei, ainda, que o governo do Estado de São Paulo estava construindo nas proximidades nova usina hidrelétrica, que afetaria as margens paranaenses impactando o patrimônio arqueológico. Conversando com os promotores da obra sobre a necessidade da realização de um salvamento antes da formação do reservatório, deles não recebi qualquer apoio. Alegavam que o assunto era da competência do Ministério da Educação e Cultura. O salvamento foi efetivado nos anos seguintes, sem a colaboração dos promotores da obra.

Os salvamentos se sucederam nos vales de outros rios, inicialmente com as mesmas dificuldades de financiamento enfrentadas na hidrelétrica do

Page 9: A Trajetória de um Professor de Arqueologia na UFPR* · perturbação do indivíduo, mas envolve perturbações mais ou menos grave da presença da personalidade a falta ou a perda

9

rio Paranapanema. Os promotores de obras começaram a se conscientizar e assumir responsabilidade quando nas discussões eram fornecidos dados etno-históricos das áreas que seriam impactadas, como os que passaram a ser explorados nos estudos de impacto ambiental, anos depois.

Alguns dos projetos de salvamento que coordenei estenderam-se por muito tempo, como da UHE Itaipu, que durou oito anos. Em várias ocasiões, eu tinha de coordenar mais de um projeto de salvamento simultaneamente. As obras desenvolvimentistas multiplicavam-se e não havia pessoal que a esse trabalho se dedicasse. Além das pesquisas de salvamento, que tinham cronograma físico rígido, era preciso atender ocorrências informadas por moradores do interior. O CEPA é mais conhecido pela população externa. Cansei de ouvir de alunos e até de professores da Casa que “não sabiam que existia isso lá em cima”.

Seria interessante um encaixe nesta narrativa e que se refere ao “lá em cima” e ao antigo diretor da Faculdade de Filosofia, que dá o nome a este salão. Em 1967 havíamos realizado uma pesquisa no Mato Grosso, na porção que hoje integra o Mato Grosso do Sul. Escavamos sítios da tradição Tupiguarani bem conservados e recuperamos dezenas de conjuntos funerários em urnas cerâmicas. Para o transporte do acervo, além da Rural que usávamos, alugamos uma Kombi. As dependências acanhadas do CEPA no 6º andar ficaram saturadas com esse acréscimo. Levei o problema ao conhecimento do prof. Homero de Barros, juntamente com a sugestão de aproveitamento do espaço existente entre a sala do Centro e o elevador que, na época, era de uso exclusivo dos professores. Alegando que tal solução afetaria a estética do prédio, o diretor mencionou que na cobertura existiam instalações planejadas pelo zoólogo Jesus Moure, nunca utilizadas. Nunca foram utilizadas porque se temia que um local tão afastado – nem é servido por elevadores – desse margem a comentários desairosos. Para lá transferimos o CEPA, em 1968, liberando a sala antiga para o Departamento de História. Nas novas dependências, com cerca de 120m², foi possível instalar a biblioteca especializada, acomodar os acervos e dispor as mesas para análises. Naquele espaço ficamos até 1975, quando fomos despejados. O prof. Balhana mencionou o episódio. O CEPA foi duramente atingido pela reforma universitária que começou a ser implantada no final dos anos 60. Com a extinção da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras e do seu Instituto de Pesquisas ao qual o CEPA era ligado, criou-se um vácuo institucional para este. Tentou-se eleva-lo à condição de órgão suplementar, mas o Museu de Arqueologia e Artes Populares de Paranaguá havia sido assim caracterizado em 1972. Alegou-se, então, que o pleito do CEPA representaria duplicidade de funções na mesma Casa. Decidiu-se transferir o acervo do CEPA para o Museu e a biblioteca e o material didático para o Departamento de Antropologia. O despejo aconteceu em 1975, quando a equipe do CEPA estava em campo, iniciando o Projeto Arqueológico Itaipu. Por determinação da diretoria do Setor, a porta do CEPA foi arrombada e as suas instalações esvaziadas. O fato teve repercussão na mídia local e nacional, envergonhando a Universidade. Somente tomei conhecimento do fato quando regressei da pesquisa. Nem os funcionários da Itaipu Binacional, que sabiam do ocorrido pelos jornais em Foz do Iguaçu, tiveram disposição de mencioná-lo. Para que pudéssemos trabalhar com o material de Itaipu, a direção do Setor cedeu uma sala no 11º andar e depois outras, mais amplas, no 8º, sacrificando salas de

Page 10: A Trajetória de um Professor de Arqueologia na UFPR* · perturbação do indivíduo, mas envolve perturbações mais ou menos grave da presença da personalidade a falta ou a perda

10

aula. O CEPA ressurgiu em 1985, com novo regimento, ligando-se ao Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes. Perdeu, entretanto, uma de suas finalidades, que era a do ensino de Arqueologia por meio de cursos de formação. As instalações projetadas pelo pe. Moure haviam sido demolidas. Restava um amplo salão, apenas utilizado pelo bedel do prédio para preparar churrasco. Foi preciso que o Setor canalizasse seus recursos para que novamente existissem as salas. Com a continuidade das pesquisas, as instalações ficaram saturadas obrigando, ao se estruturar um trabalho de salvamento para Furnas Centras Elétricas S.A., a inclusão dos custos de uma ampliação e reforma do CEPA no orçamento do projeto. Aproveitamos os espaços ocupados pelos telhados e hoje o CEPA conta com uma área com mais de 400m² para as suas necessidades. A Universidade não precisou investir nem um centavo nessas obras. Agora existe infra-estrutura para implantação de curso de pós-graduação em Arqueologia também. Antes de abordar este episódio que me causa mal estar, falava sobre o relacionamento que o CEPA tem com a comunidade externa. Em 1970, desenvolvemos pesquisas em Campina da Lagoa e Ubiratã, cidades do centro-oeste do Paraná. Fomos motivados pelas informações prestadas por Pedro Altoé, morador do primeiro município. Registramos lá vários sítios e acabamos percorrendo um trecho de um caminho valado correspondente a um dos ramais do Peabiru. Voltamos para a região no ano seguinte, concentrando as escavações em um sítio registrado em Ubiratã. O Paraná estava começando a plantar soja e as florestas passavam por um processo acelerado de derrubada. Viam-se clareiras, juncadas de troncos queimados, entre a floresta. Como o arado ainda não fora empregado na maioria delas, podia-se perceber os sítios arqueológicos expostos, visão que os novos arqueológicos somente terão na Amazônia, que sofre devastação florestal comparável. O sítio que escavamos era uma síntese dos que por lá existiam: era composto por estruturas habitacionais subterrâneas, outras na superfície ao lado, aterros funerários e um caminho valado que se dirigia para a margem do rio Piquiri. Um aterro escavado continha evidências de cremação de corpos. Um artigo sobre esse trabalho foi publicado em periódico da USP. Ultimamente, as comunidades do centro-oeste despertaram para o assunto, organizando associações que promovem excursões e debates, que infelizmente, em alguns casos, estão descambando para o misticismo. Fui convidado para participar dessas reuniões. A última aconteceu no ano passado em Campina da Lagoa. Revi o Pedro Altoé e familiares, e pude verificar que a excursão que realizam, com afluência de moradores dos municípios citados e de outros posteriormente desmembrados, tem como roteiro os sítios que registramos em 1970. Outro despertar de comunidade com relação às suas raízes que desejo relembrar, refere-se às ruínas de Cuidad Real del Guayrá. A Prefeitura de Terra Roxa, município que atualmente as encerra, solicitou que lá fizéssemos um plano de manejo para o seu aproveitamento no turismo cultural. O estudo realizado foi apresentado durante um seminário internacional, organizado pela prefeitura, reunindo autoridades e população dos municípios lindantes, além do Paraguai. Ao entrar neste salão para participar das atividades programadas, alguns colegas presentes perguntaram como me sentia com a aposentadoria compulsória. Confesso que ainda não me senti como tal. Estou coordenando três projetos, dois deles começados antes: o de acompanhamento das obras

Page 11: A Trajetória de um Professor de Arqueologia na UFPR* · perturbação do indivíduo, mas envolve perturbações mais ou menos grave da presença da personalidade a falta ou a perda

11

de implantação do Eixo Metropolitano de Transporte de Curitiba, na antiga BR 116 e de salvamento em área de exploração de Xisto da Petrobras em São Mateus do Sul; e o terceiro foi implantado depois. Neste, acompanha-se as obras de revitalização da Praça Tiradentes, no Setor Histórico de Curitiba. Se, ao conclui-los, não me envolver com novas pesquisas, terei os dados acumulados em mais de 45 anos para ocupar o resto do meu tempo. A pesquisa na Praça Tiradentes, além dos resultados que dela se espera, tem um significado importante, pois baliza uma mudança de atitude do poder público com relação ao patrimônio arqueológico. Há décadas venho alertando as autoridades do Município e do Estado para os vestígios arqueológicos existentes no solo da cidade e que são impactados todas as vezes em que obras são executadas nos espaços públicos. Cheguei ao ponto de pedir o seu embargo, para poder realizar estudos. Tornei-me uma pessoa antipática para muitos empreiteiros. Encontrei alguma receptividade depois que recorri à imprensa para fazer alertas e denúncias. Antes que os trabalhos fossem iniciados na Praça Tiradentes, houve um entendimento com os promotores das obras, prevendo-se o aproveitamento de estruturas eventualmente descobertas. E elas foram encontradas: um sistema de calçamento correspondentes à primeira urbanização da Praça no século XIX. Trechos desses calçamentos serão expostos. Foi preciso adequar esses vestígios ao projeto originalmente desenvolvido pela Prefeitura. Significou aumento de custo e alterações no prazo de entrega da obra, mas certamente a revitalização será enriquecida e a população curitibana será beneficiada. Estamos recuperando objetos encerrados naquele local, desde que ele passou a existir, em meados do século XVII. Tive, na minha trajetória como pesquisador, outros “sonhos” comparáveis, que não consegui concretizar por vários motivos, mas quase todos, por insensibilidade e falta de visão de futuro dos promotores de obras ou autoridades. Tentei implantar um projeto de reconstituição de aldeia indígena, na área da UHE Itaipu, em Guaíra, utilizando dados de escavações e etno-história, um museu ao ar livre na área das ruínas da Redução de Santo Inácio Mini, na margem do rio Paranapanema ou de reconstituição de habitação subterrânea, em Fraiburgo, Santa Catarina. Foram tentativas. Falei, no início, que comecei as pesquisas trabalhando quase que solitariamente e depois contando com a participação de alunos desta Casa. Vários deles, depois do árduo aprendizado de técnicas e métodos de campo e laboratório, dedicaram-se à arqueologia. Alguns freqüentaram ou estão freqüentando cursos de pós-graduação. Consegui manter poucos dos antigos estagiários no CEPA. Associaram-se à Instituição como membros colaboradores, desenvolvendo projetos de salvamento. Entre eles estão aqui presentes, a Eliane Maria Sganzerla que, como aluna de História, principiou o seu aprendizado em 1975, com o projeto de Itaipu; o Jonas Elias Volcov, de Geografia, que participou de um curso de extensão junto às pesquisas na área do reservatório do rio Passaúna, em 1984; Eloi Bora, também aluno de Geografia, teve seu “batismo” de campo no projeto de salvamento das usinas Rosana e Taquaruçu, no rio Paranapanema, em 1988; e Roseli Santos Ceccon, de História, que enfrentando o momento mais crítico das pesquisas realizadas no Setor Histórico de Curitiba, acompanhou as obras da Sanepar, Copel e Telepar na rua Barão do Serro Azul e na av. Cândido de Abreu.

Page 12: A Trajetória de um Professor de Arqueologia na UFPR* · perturbação do indivíduo, mas envolve perturbações mais ou menos grave da presença da personalidade a falta ou a perda

12

Relembrei, nesta fala, alguns aspectos da minha trajetória. Há poucos anos produzi um artigo enfocando o papel desempenhado pelo prof. José Loureiro Fernandes na arqueologia brasileira. Como com ele trabalhei por quase duas décadas, o texto produzido contém mais informações sobre os cursos de Arqueologia promovidos pela Universidade e as pesquisas desenvolvidas. Em 2006, quando se comemorou o cinqüentenário do CEPA, reunindo professores e alunos dos cursos iniciais, todos produzaram um depoimento da sua trajetória na arqueologia. Comentarei em seguida, com a ajuda do Daniel Arpelau Orta, acadêmico de História e bolsista do CEPA, as ilustrações selecionadas para integrar o depoimento que fiz para aquele evento.

Em certas ocasiões, problemas surgidos durante a pesquisa, requeriam soluções improvisadas. Na que foi feita no vale do rio Itararé, em 1965, foi preciso construir um engradado para acomodação e transporte de uma urna funerária da Tradição Tupiguarani no teto do jipe Candango.

Equipe movimentando-se em direção ao vale do rio Ivaí, em 1967. O veículo e o barco continham os itens necessários para a instalação do acampamento e

Page 13: A Trajetória de um Professor de Arqueologia na UFPR* · perturbação do indivíduo, mas envolve perturbações mais ou menos grave da presença da personalidade a falta ou a perda

13

execução da pesquisa. À esquerda, está o Vicente Messias dos Santos, aluno de Geografia e, à direita, Lygia Gomes Chmyz.

Nas pesquisas realizadas nos vales fluviais o barco motorizado era utilizado. A foto mostra o retorno de um dia de trabalho nas margens do rio Paranapanema, em 1965. As evidências arqueológicas recolhidas, nos sacos, eram acumulados no acampamento.

Conjuntos funerários Tupiguarani escavados no Mato Grosso do Sul, em 1967. Todas as urnas possuíam tampas e continham ossos humanos e oferendas. Em 1981, uma das urnas recuperadas por essa pesquisa integrou a série de selos “Museus de Ciências”, da E.C.T.

Page 14: A Trajetória de um Professor de Arqueologia na UFPR* · perturbação do indivíduo, mas envolve perturbações mais ou menos grave da presença da personalidade a falta ou a perda

14

Escavação de aterro funerário no vale do rio Piquiri, em 1971. No centro, sobre a laje de argila queimada, está um montículo de cinzas e fragmentos de ossos calcinados referentes à segunda prática crematória no local. Corresponde à Tradição arqueológica Itararé.

Escavações iniciais do Projeto Arqueológico Itaipu, no vale do rio Paraná, em 1975. As evidências obtidas referem-se à caçadores-coletores que lá viveram há 8000 anos. Da esquerda para à direita: Celso Perota, antigo aluno de História e bolsista do CEPA, na época professor da UFES, João C. G. Chmyz, aluno de Geografia e Elve Lamb e Eliane M. Sganzerla, alunas de História.

Page 15: A Trajetória de um Professor de Arqueologia na UFPR* · perturbação do indivíduo, mas envolve perturbações mais ou menos grave da presença da personalidade a falta ou a perda

15

Conjuntos funerários expostos em sítio Tupiguarani no vale do rio Paraná, em 1976. O maior continha restos ósseos de três indivíduos e, o menor, de criança. Os impactos causados pelas práticas agrícolas nas décadas de 1960 e 1970 ainda eram pequenos, não atingindo gravemente as estruturas como agora. Estou preparando três artigos enfocando práticas funerárias reveladas pelas pesquisas no Paraná e adjacências. No ano de 2000, peças do acervo deste sítio, assim como de outras resultantes das pesquisas do CEPA, foram expostas no Parque Ibirapuera, em São Paulo, durante o evento “Brasil 500 anos” e depois, em 2002, no evento “Ceará Redescobre o Brasil”.

Page 16: A Trajetória de um Professor de Arqueologia na UFPR* · perturbação do indivíduo, mas envolve perturbações mais ou menos grave da presença da personalidade a falta ou a perda

ERROR: undefined

OFFENDING COMMAND: f‘~

STACK: