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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO PEDAGÓGICO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO KARLA VERUSKA AZEVEDO A TRAJETÓRIA DA CAMPANHA NACIONAL DE ESCOLAS DA COMUNIDADE EM TERRAS CAPIXABAS (1948 – 1971) VITÓRIA 2007

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTOCENTRO PEDAGÓGICO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

KARLA VERUSKA AZEVEDO

A TRAJETÓRIA DA CAMPANHA NACIONAL DE ESCOLAS DA COMUNIDADE EM TERRAS CAPIXABAS

(1948 – 1971)

VITÓRIA2007

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KARLA VERUSKA AZEVEDO

A TRAJETÓRIA DA CAMPANHA NACIONAL DE ESCOLAS DA COMUNIDADE EM TERRAS CAPIXABAS

(1948 – 1971)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro Pedagógico da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre em Educação. Linha de pesquisa História, Sociedade, Cultura e Políticas Educacionais.Orientadora: Profª Drª. Izabel Cristina Novaes.

VITÓRIA2007

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COMISSÃO EXAMINADORA

____________________________________________________Professora Doutora Izabel Cristina Novaes

Universidade Federal do Espírito Santo

____________________________________________________Professora Doutora Ronalda da Silva Barreto

Universidade Estadual da Bahia

____________________________________________________Professor Doutor João Gualberto M. Vasconcellos

Universidade Federal do Espírito Santo

____________________________________________________Professora Doutora Regina Helena Simões

Universidade Federal do Espírito Santo

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AGRADECIMENTOS

Certa vez, meu primo Spinassé me disse que “sorte nada mais é do que bênçãos de

Deus em nossa vida”. Quero aproveitar este espaço para agradecer a todas as

bênçãos que Deus me concede a cada dia, através das pessoas que permite que

entrem em minha vida.

A minha mãe Paolina, meu pai Emilino e minha irmã Katia, que são a base sólida de

minha formação e que sempre estiveram presentes de verdade.

A Marco Antonio, que foi o responsável direto por eu realizar este mestrado, desde

minha inscrição até o último momento. Sua presença, paciência e companheirismo

foram imprescindíveis.

Aos meus tios, tias, primos e primas, que não cabe nomear todos aqui, sempre

carinhosos e presentes na minha vida, fazendo dela uma festa repleta de riquezas.

A minha amiga Christiane, que é aquela pessoa que sempre está presente, seja

para rir, chorar ou simplesmente estar.

Ao querido e especial amigo José Américo, grande incentivador e companheiro.

A Flaviano, que além de amigo querido e sempre presente, auxiliou minha pesquisa

nos arquivos de forma fundamental.

To Vanessa, a special friend, my heart sister and "personal translator".

A Ana Lúcia, profissional que me acompanhou durante toda esta trajetória, fazendo

com que eu procurasse as minhas respostas.

A todos os amigos que não é possível nomear, que entenderam minhas limitações

de tempo e aguardam meu retorno.

Ao G-6, que fez valer a pena cada momento no PPGE e a toda a turma 18.

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Aos professores do Centro Pedagógico/UFES, responsáveis por toda a minha

formação acadêmica.

Aos amigos da CNEC de Linhares, parte mais que especial da minha vida.

A Joelva e Pedro, que tornaram Linhares mais especial ainda e hoje são parte da

minha família.

A Aparício da CNEC Nacional, que foi responsável por grande parte dos

documentos e livros em que pude pesquisar.

A Gradiston, meu Superintendente da CNEC do Espírito Santo, que me ensinou a

ser uma profissional melhor.

Aos colegas da Secretaria de Educação de Vitória e, em especial, a professora

Marlene de Fátima Cararo.

Aos amigos da Gerência de Recursos Humanos que acompanharam a fase final

desta caminhada.

Aos funcionários do Arquivo Público Estadual do Espírito Santo.

Aos funcionários do Arquivo da Assembléia Legislativa do Espírito Santo.

Aos funcionários da Biblioteca Central e Setorial da UFES.

A Rogéria, sempre pronta a fazer a ponte necessária e me tranqüilizar.

E, agradeço, de forma especial, a minha orientadora Professora Doutora Izabel

Cristina, que soube conduzir todo o processo de forma especial.

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“Pouco a pouco, como quem não pressente a vida passar, fui

dando asas aos meus sonhos e cheguei a um ponto em que

esses sonhos já não me pertencem.”

Felipe Tiago Gomes

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RESUMO

Utiliza a trajetória da Campanha das Escolas da Comunidade no Espírito Santo -

CNEC como fonte de pesquisa, analisando o recorte histórico de 1948 até 1971,

quando a Instituição iniciou suas atividades no Estado e os fatos interligados no

processo vivenciado até o final do Governo de Christiano Dias Lopes Filho, fundador

e principal colaborador da CNEC no Espírito Santo. Trata das ações filantrópicas na

área educacional no Brasil e as relações do Estado com as Instituições que se

propõem realizar estas ações, utilizando como referência a trajetória da Campanha

Nacional de Escolas da Comunidade em nível nacional. Os resultados do estudo

trazem o processo histórico do surgimento e da permanência até os dias atuais das

escolas filantrópicas da Campanha Nacional de Escolas da Comunidade (CNEC) no

Espírito Santo, bem como seus ideais, sua influência e sua participação na

educação do Estado do Espírito Santo.

PALAVRAS-CHAVE: Filantropia; Campanha Nacional de Escolas da Comunidade;

História da Educação do Espírito Santo;

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ABSTRACT It uses the path of the Campaign of the Community's Schools in the Espírito Santo -

CNEC as research source, analyzing the historical cutting of 1948 up to 1971, when

the Institution began their activities in the State and the interlinked facts in the

process lived until the end of the Government of Christiano Dias Lopes Filho, founder

and main collaborator of CNEC in the Espírito Santo. Treats of the philanthropic

actions in the education area in Brazil and the relationships of the State with the

Institutions that intend to accomplish these actions, using as reference the path of

the National Campaign of Schools of the Community in national level. The results of

the study bring the historical process of the appearance and of the permanence to

the current days of the philanthropic schools of the National Campaign of Schools of

the Community (CNEC) in the Espírito Santo, as well as their ideals, influence and

participation in the education of Espírito Santo State.

KEY WORDS: Philanthropy; National Campaign of Schools of the Community;

History of Espírito Santo Education.

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LISTA DE FOTOGRAFIAS

Fotografia 1 – Álbum de família (1935)…………………………………………... 40

Fotografia 2 – Ginásio Castro Alves, primeira escola cenecista, Recife/PE…. 74

Fotografia 3 – Felipe Tiago Gomes e Juscelino Kubitschek de Oliveira........... 83

Fotografia 4 – Membros da Academia Capixaba de Novos............................. 98

Fotografia 5 – Foto oficial do Governador do Estado do Espírito Santo – Christiano Dias Lopes Filho (1967/1971).................................. 105

Fotografia 6 – Terreno destinado a construção da escola cenecista do município de Santa Teresa........................................................ 112

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LISTA DE SIGLAS

APEES – Arquivo Público Estadual do Espírito Santo

APRA – Aliança Popular Revolucionária Americana

CF – Constituição Federal

CFE – Conselho Federal de Educação

CGP – Campanha do Ginasiano Pobre

CNEC – Campanha Nacional de Escolas da Comunidade

CNSS – Conselho Nacional do Serviço Social

LDBE – Lei de Diretrizes e Bases da Educação

MEC – Ministério da Educação e Cultura

ONG – Organização Não Governamental

PSD – Partido Social Democrático

UNE – União Nacional dos Estudantes

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO – Apresentando o caminho investigativo........................... 121. DEFININDO O CAMINHO A SER PERCORRIDO....................................... 191.1. Considerações Teórico-Metodológicas...................................................... 191.2. Revisão de Literatura................................................................................. 242. A CAMPANHA DAS ESCOLAS DA COMUNIDADE NO BRASIL.............. 292.1. Felipe Tiago Gomes: o idealizador...................................................... 363. A FILANTROPIA NO BRASIL..................................................................... 483.1. Por que a filantropia?................................................................................. 483.2. A filantropia nos leva antes aos conceitos de Estado e sociedade civil.... 483.3. A filantropia no Brasil................................................................................. 564. A TRAJETÓRIA DA CNEC.......................................................................... 714.1. A origem e expansão pelo Brasil............................................................... 715. A CNEC NO ESPÍRITO SANTO.................................................................. 975.1. Christiano Dias Lopes Filho: o protagonista capixaba............................... 1035.2. Estado e CNEC: a relação em terras capixabas....................................... 109CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................. 121REFERÊNCIAS............................................................................................... 127ENTREVISTAS................................................................................................ 136ANEXOS.......................................................................................................... 137ANEXO I – Curriculum Vitae de Christiano Dias Lopes Filho........................... 137ANEXO II – Lei nº 2.302, de 03/10/1967.......................................................... 148ANEXO III – Termo de Convênio que celebram entre si o Estado do Espírito Santo e a Campanha Nacional de Educandários Gratuitos, de 30/09/1960.... 150ANEXO IV – Projeto de Lei nº 96/1961............................................................. 154ANEXO V – Projeto de Lei nº 32/1954.............................................................. 156ANEXO VI – Projeto de Lei nº 130/1961........................................................... 158

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INTRODUÇÃO

Apresentando o caminho investigativo

Mesmo contando com estudos quantitativamente pequenos, mas significantes, a

história da educação do Espírito Santo apresenta ainda desafios e demandas sobre

vários assuntos que não receberam a devida atenção sobre diversos campos.

Entre os aspectos ainda não explorados estão os mais de cinqüenta anos de história

da Campanha Nacional de Escolas da Comunidade – CNEC no Estado. Neste

período, em que exerce suas atividades no cenário educacional, a CNEC constitui-

se em uma importante instituição; constrói um patrimônio significativo e tem como

colaboradores personalidades do cenário social e político capixaba.

Desta forma, o presente trabalho propõe-se a contribuir para a construção da

trajetória da Campanha Nacional de Escolas da Comunidade no Espírito Santo -

CNEC. O despertar para a relevância deste tema se deu em função de questões que

se relacionaram inicialmente à trajetória profissional vivenciada na Instituição, que

passaram a ser provocadoras pelo fato de as escolas da Campanha fazerem parte

da história da educação do Espírito Santo desde 1948 e no entanto serem poucos

os registros encontrados sobre o assunto.

Apesar de ser uma instituição voltada para a área educacional, com atuação em

nível nacional, poucos são os registros oficiais existentes. O que há de fontes para

pesquisa são as memórias dos colaboradores e fundadores, notas da imprensa e

publicações próprias da Campanha, onde encontramos coletâneas de relatos que

foram produzidos de forma romanceada e poética pelos fundadores e colaboradores

sobre a história de sua criação e expansão pelos diversos Estados do Brasil.

É importante destacar que o ponto de partida do interesse por esta temática

relaciona-se ao fato de não haver percebido, ao atuar profissionalmente na

Campanha por cerca de quatro anos, uma preocupação por parte da Instituição em

registrar sua trajetória histórica e a dos sujeitos que participaram desta construção.

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Outra inquietação que colaborou para este interesse foi a relação da Campanha

Nacional de Escolas da Comunidade com o Estado. O presente trabalho pretende

investigar em que nível se estabeleceu esta relação e as conseqüências que gerou.

Considerando a temática proposta, o primeiro passo foi recorrer aos arquivos da

própria Instituição. Verificou-se que a Superintendência Estadual da CNEC, hoje

localizada no município de Vila Velha, não possui registros documentais que possam

informar sobre a sua gerência administrativa, tampouco das diretrizes pedagógicas e

organização de congressos e similares. Percebe-se que a preocupação de

organização e memória está direcionada para os registros contábeis e financeiros.

Em meio ao momento atual de instabilidade que envolve a Campanha no Espírito

Santo, muitos prédios precisaram ser vendidos e as constantes mudanças de

endereço colaboraram para que os registros documentais da instituição fossem

perdidos ou destruídos.

O descaso da Campanha com a preservação oficial de sua história através de

documentos e correspondências também é identificada na Superintendência

Nacional, localizada atualmente em Brasília, que só possui dados e informações

estatísticas mais completas da atuação da Campanha a partir de 1986.

Considerando que o primeiro passo tornou-se o primeiro obstáculo a ser vencido,

comecei a procurar as pistas e indícios para a pesquisa nas bibliotecas e salas

pedagógicas das escolas da Campanha que ainda existiam no Espírito Santo.

Nesses espaços foram encontradas coletâneas de textos publicados pela própria

instituição e livros contando a história da CNEC, geralmente escritos por seu

fundador, Felipe Tiago Gomes.

Esse material foi de extrema relevância, pois através dele foi possível delinear o

caminho a ser percorrido. A indicação das fontes destacadas passou a ser um

caminho que demonstrou ser muito fértil.

De posse destes primeiros fragmentos que tratavam da trajetória da Campanha em

nível nacional de forma mais abrangente, foi iniciada a segunda fase da pesquisa,

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que foi a busca por documentos e registros da Campanha no Arquivo Público

Estadual do Espírito Santo – APEES.

Havia a certeza da existência de possíveis registros e a expectativa de encontrá-los

passou a ser outro desafio. As condições de organização e preservação das fontes

sempre são citadas pelos pesquisadores como uma dificuldade considerável para o

desenvolvimento dos trabalhos, apesar do esforço dos servidores das Instituições

que prestam este atendimento.

Contudo, a investigação no APEES ofereceu à pesquisa riquezas de informações

sobre a trajetória da Campanha no Espírito Santo através da Coletânea Cenecista –

pela democratização do ensino (1953), escrita por seu principal fundador e

colaborador em terras capixabas, o então futuro Governador do Espírito Santo,

Christiano Dias Lopes Filho, utilizando as informações obtidas nos jornais locais e

dos documentos oficiais do Governo do Estado.

O contato com essas novas fontes direcionou de forma decisiva o estudo para que

também fosse pesquisada a trajetória de seus dois principais colaboradores em nível

nacional e estadual, que são respectivamente Felipe Tiago Gomes e Christiano Dias

Lopes Filho.

A partir deste momento, as investigações de documentos como Projetos de Lei,

Convênios e similares, passaram a acontecer no Arquivo da Assembléia Legislativa

do Estado do Espírito Santo, pois se fazia necessário, através dos documentos

oficiais, encontrar informações que respondessem de que forma se estabeleceu a

relação da Campanha com o Estado do Espírito Santo.

A relevância de estudos sobre as ações da Campanha no Espírito Santo também

está fundamentada no fato de suscitar questões históricas que ultrapassam a

educação e são de grande importância para a história política do Espírito Santo, que

surgem a partir do envolvimento direto da Campanha com o Governo do Estado, por

meio de seus colaboradores.

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Esta parceria da Campanha junto ao Governo do Estado quanto a espaço físico e

financiamentos, formalizada através de convênios e repasse de recursos públicos,

aponta para o fato de que, durante a gestão em que o Governo estava sendo

dirigido por colaboradores da Campanha, o Espírito Santo expandiu o seu

atendimento educacional utilizando como instrumento as escolas cenecistas1.

Tal procedimento suscita vários questionamentos bastante oportunos para este

trabalho e destaca o fato de os Governos aplicarem incentivos às escolas da

Campanha para que fossem oferecidas possibilidades de estudo aos cidadãos

capixabas através de convênios com as escolas cenecistas. Essa parceria se

evidenciou principalmente nos municípios do interior do Estado, onde a oferta de

vagas em escolas públicas não era proporcional às necessidades apresentadas.

É dado destaque aos incentivos financeiros e convênios com a Campanha Nacional

de Escolas da Comunidade por ser fator importante da pesquisa, ressaltando-se,

contudo, que existiam relações do Estado com outras instituições do mesmo cunho,

mas que não serão analisadas neste estudo.

Considerando a parceria da Campanha com o Governo do Estado, questiona-se,

então, como se deu a participação das comunidades neste processo de implantação

e expansão das escolas da Campanha, sendo que a mesma se pretendia

comunitária e tinha como princípio norteador ser um movimento sem nenhuma

dependência política, o que é possível observar nas palavras de seu principal

fundador, Felipe Tiago Gomes, por ocasião do surgimento da Campanha, em

Pernambuco, no ano de 1943:

No nosso programa não está incluído ideal político algum [...] É por isso que a Campanha do Ginasiano Pobre é um movimento apolítico; que recebemos colaboração de todos os brasileiros sem nenhum compromisso; e é por isso ainda, que somos independentes (GOMES, 1980, p. 12).

A análise de aspectos que se apresentam contraditórios entre o discurso do ideal da

Campanha das Escolas da Comunidade propagado por seus fundadores em âmbito

1 Termo utilizado pela Campanha Nacional de Escolas da Comunidade – CNEC, para identificar pessoas que estudam, trabalham ou colaboram de forma direta e indireta com a CNEC.

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nacional e sua realidade estabelecida no Espírito Santo, quando de sua implantação

e expansão, também são objetos deste estudo.

Desta forma, diante do investimento do Governo Estadual nas ações da Campanha

e sua expressiva expansão em território capixaba, o presente trabalho baseia-se nas

questões diretamente ligadas à história da educação capixaba, por se tratar da

trajetória construída por uma instituição de ensino. A análise deste processo

histórico e de sua articulação com os poderes constituídos e com a sociedade são

norteadores do presente trabalho.

Considerando a ausência de pesquisas acerca da trajetória da Campanha Nacional

de Escolas da Comunidade no Estado do Espírito Santo, o presente trabalho

pretende contribuir para a história da educação capixaba, realizando um estudo que

venha a colaborar com informações e análises acerca de suas implicações para a

educação no Estado.

Após o contato com os primeiros documentos analisados pela pesquisa, foi

necessário realizar um recorte temporal para desenvolver o estudo. A opção foi

aprofundar o trabalho naquela que podemos nomear de primeira fase da Campanha

Nacional de Escolas da Comunidade no Espírito Santo, que se inicia em 1948,

quando de sua origem no Estado e vai até o final do Governo de Christiano Dias

Lopes Filho, principal colaborador capixaba, em 1971.

A opção por este recorte histórico, contemplando pouco mais de duas décadas das

ações da Campanha no Espírito Santo, fundamenta-se no fato de que este foi o

período em que compreendeu a divulgação e implantação do ideal cenecista no

Estado, até o momento em que suas ações alcançam o ápice de desenvolvimento e

incentivos financeiros.

A análise do processo histórico em que se deu a parceria do Governo do Estado

com a Campanha, por ocasião de sua implantação e expansão, bem como o uso

que o Governo fez desta parceria, sem perder de vista a atuação dos colaboradores

em todo este processo e os possíveis benefícios que os mesmos obtiveram deste

trabalho junto à Campanha, também estarão presentes neste estudo.

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Os resultados das análises dessas fontes, que foram reunidas ao longo do processo

de investigação, pretendem oferecer indicativos que possam apontar para uma

avaliação do significado da Campanha para a comunidade capixaba no que tange à

questão do acesso ao ensino por parte da população, bem como das razões que

levaram o Governo do Estado a investir de forma significativa nas ações cenecistas.

Considerando os aspectos a serem investigados neste estudo, a pesquisa seguiu os

seguintes caminhos: o primeiro capítulo diz respeito ao conceitual teórico

metodológico e à revisão bibliográfica de estudos que foram desenvolvidos acerca

da CNEC no Brasil, incluindo estudos regionalizados como os de Sergipe e Paraíba,

que colaboraram significativamente para a produção desta pesquisa. Conta ainda

com a revisão de documentos oficiais e a literatura publicada pela própria

Campanha, que muitas vezes traz o olhar dos colaboradores da Instituição ao longo

de sua história.

O segundo capítulo apresenta a Campanha Nacional das Escolas da Comunidade,

utilizando para isso, um diálogo com a história da educação no Brasil, delineando

assim os caminhos percorridos pela instituição nesse processo histórico. Em um

segundo momento, apresenta a vida e a trajetória do principal idealizador e

colaborador da Campanha – Felipe Tiago Gomes e suas possíveis implicações na

história da instituição.

Considerando que a Campanha foi estruturada enquanto uma instituição filantrópica,

o terceiro capítulo oportuniza uma discussão acerca dos conceitos de Estado e

sociedade civil, como base para desenvolver o processo histórico construído a partir

da relação do Estado com as instituições filantrópicas no Brasil.

O quarto capítulo é dedicado a desenvolver a trajetória da história da Campanha

Nacional de Escolas da Comunidade em nível nacional; relata as informações de

como se deu a origem da instituição no Estado de Pernambuco e quais foram os

caminhos percorridos por seus colaboradores no processo de divulgação e

expansão da Campanha pelos Estados do Brasil.

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O quinto capítulo apresenta a trajetória da CNEC no Espírito Santo. O primeiro

momento traz a participação do principal colaborador capixaba – o Governador

Christiano Dias Lopes Filho – na construção da trajetória da instituição no Estado.

No segundo momento, trata da relação entre a Campanha Nacional de Escolas da

Comunidade com o Estado.

Considerando os aspectos trabalhados no desenvolvimento deste estudo, o mérito

deste trabalho se encontra na possibilidade de tecer as diversas informações

oferecidas pelas fontes que foram se juntando à pesquisa ao longo deste processo

de construção e, desta forma, reconstruir a trajetória da Campanha Nacional de

Escolas da Comunidade no Espírito Santo, apontando em que nível se deu sua

contribuição para a educação capixaba.

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1. DEFININDO O CAMINHO A SER PERCORRIDO

1.1. Considerações Teórico-Metodológicas

Os caminhos a serem percorridos pela pesquisa foram sendo construídos à medida

que a investigação para se chegar às fontes e as próprias fontes apontavam novas

possibilidades a serem trabalhadas ao longo do estudo.

Os primeiros resultados das investigações surgiram nas bibliotecas e salas

pedagógicas das escolas cenecistas de Linhares, Guarapari e Vitória. O material

consistia basicamente em coletâneas produzidas por colaboradores da Campanha,

que em geral descrevem a história da instituição e enriquecem as publicações com

poesias. Também foi encontrada uma publicação da Revista Cenecista que circulava

em nível nacional, divulgando as ações da CNEC, além do documento orientador

divulgado em 1977, contando a história da instituição no Espírito Santo, trazendo

seus símbolos, estatísticas e hinos, que deveriam ser divulgados entre os alunos

cenecistas.

A partir destas leituras, a pesquisa passou a ser realizada no Arquivo Público

Estadual do Espírito Santo e no Arquivo da Assembléia Legislativa, onde a

investigação passou a ter dois focos básicos: a imprensa e possíveis documentos e

registros oficiais relacionados à Campanha no Estado.

Considerando a imprensa como fonte de informações relevantes para o

desenvolvimento da pesquisa, destaca-se Bittencourt (1998), que faz acerca da

relação existente entre a imprensa e a historiografia capixaba a seguinte

consideração: “[...] a historiografia [espírito-santense] está intrinsecamente

vinculada, desde os primórdios, à imprensa no Espírito Santo” (BITTENCOURT,

1998, p. 68). O autor se refere ao fato de que os pesquisadores da história capixaba

e os jornalistas locais constituem, de forma geral, o mesmo sujeito. Acrescenta,

ainda, que a relação de extrema proximidade da historiografia e da imprensa

capixaba produz um espaço vantajoso de possibilidades de fontes para os

pesquisadores.

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À medida que as fontes são identificadas, passa a ser o momento de transformar a

riqueza destas descobertas em resultados da pesquisa.

Considerando que as discussões sobre as perspectivas da historiografia não

indicam uma concepção única e indiscutível de analisar os fatos do passado, o que

se observa é que as teorias da história costumam causar debates constantes entre

os representantes das diversas concepções, levando-nos a transitar por diversas

possibilidades.

Segundo Falcon (1996) “a produção historiográfica brasileira está profundamente

marcada, a partir dos anos 1960, por uma espécie de dialética da tradição e da

inovação, e creio que de certa maneira essa dialética está presente nos principais

levantamentos e análises produzidos a partir deste período” (FALCON, 1996, p. 02,

grifo do autor).

Durante muitas décadas, a historiografia brasileira esteve pautada no empirismo

positivista ou metódico, considerada a forma correta e séria de se escrever história.

Essa única maneira séria e científica de escrever história é o que seria entendido

como tradição, por Falcon (1996).

O que podemos considerar enquanto inovação surge no Brasil a partir dos anos

1950, inspirada no movimento liderado por franceses, conhecido por Annales e que

procura oportunizar uma terceira possibilidade para o estudo da história, ao lado da

historiografia marxista e da historiografia factualizada e biográfica.

Contudo, os estudos historiográficos continuam transitando pelas principais vias

orientadoras do estudo da história e até mesmo buscando realizar uma aproximação

de vias distintas.

[...]tradição e inovação constituem os pólos da prática historiadora. Do lado da renovação estavam o prestígio cada dia maior da Escola dos Anais e a influência da perspectiva teórico marxista, numa espécie de simbiose onde se acoplavam as citações de textos de M. Bloch, L. Febrev e F. Braudel às de Marx e Engels e seus apígonos. A tradição porém continuou solidamente implantada em termos institucionais [...] (FALCON, 1996, p. 03, grifo do autor)

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Apresenta-se desta forma a crise paradigmática vivida pelas posições interpretativas

da história, onde se colocam em dúvida seus marcos conceituais, gerando rupturas

epistemológicas profundas.

A possibilidade desse movimento propicia mudanças epistemológicas que ocorrem

em conceitos que orientam a postura dos pesquisadores e fundamentam essas

diversas posições interpretativas.

Em suas reflexões sobre a História, Le Goff (1988, p. 144), trata da importância do

saber histórico “devemos repudiar qualquer forma imperialista de historicismo [...]

mas reivindicar com força a necessidade da presença do saber histórico em toda a

ação científica ou em toda a práxis”.

Considerando que a trajetória da Campanha Nacional de Escolas da Comunidade

no Espírito Santo foi construída por vias que se entrelaçam, formadas por sujeitos,

pela própria instituição e pela representação do Estado, pode-se utilizar a

colaboração de Chartier (1990, p. 26) para auxiliar na elaboração desta trajetória

histórica: “[...] é importante construir uma história social das interpretações,

remetidas para suas determinações fundamentais que são o social, o institucional e,

sobretudo, o cultural”.

Em meio a esse processo de reflexões acerca do saber histórico, existe a discussão

acerca das fontes.

Partindo da afirmação de Ginzburg (2002, p. 44) em relação às fontes: “As fontes

não são nem janelas escancaradas como acreditam os positivistas, nem muros que

obstruem a cisão, como pensam os cépticos: no máximo poderíamos compará-las a

espelhos deformantes”.

Cardoso (1983, p. 484), ao tratar dos métodos da história, de forma mais específica

sobre os documentos que podem ser utilizados como instrumentos no processo de

pesquisa, recorre a Marc Bloch, afirmando que “o documento é como uma

testemunha: fala quando lhe fazemos perguntas”.

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Considerando que a pesquisa nos direcionou a fontes diversas, recorro à Cardoso

(1983, p. 485), quando orienta acerca do uso das fontes em pesquisas

historiográficas: “Para começar, cumpre empregar todos os instrumentos de trabalho

disponíveis [...] Normalmente, em uma pesquisa histórica há dois tipos de fontes que

proporcionam os dados necessários: fontes primárias e fontes secundárias”.

O presente trabalho foi tecido a partir de “fontes primárias: fontes impressas

(redigidas no próprio período pesquisado, embora publicadas muito depois, às

vezes) e fontes secundárias: documentação bibliográfica, livros ou artigos sobre o

tema estudado, ou sobre assuntos de algum modo relacionados com ele.”

(CARDOSO, 1983, p. 485).

Considerando a análise de Le Goff (1988, p. 547), “o documento não é inócuo. É

antes de mais nada o resultado de uma montagem, consciente ou inconsciente, da

história, da época, da sociedade que o produziram, mas também das épocas

sucessivas durante as quais continuou a ser manipulado pelo silêncio”. Entende-se

que a escolha destes documentos e sua análise não deve subestimar o processo em

que foi gerado, pois acrescenta o referido autor: “o documento [...] resulta do esforço

das sociedades históricas para impor ao futuro – voluntária ou involuntariamente –

determinada imagem de si próprias.” (Idem, p. 548)

Para além das fontes primárias e secundárias, com o objetivo de enriquecer a

pesquisa e somar informações a essas fontes, foram utilizadas entrevistas com

colaboradores que fizeram parte da construção da trajetória cenecista no Espírito

Santo.

O desenvolvimento das entrevistas seguiu a orientação de Thompson (1992, p. 25),

quando pontua que “os historiadores orais podem escolher exatamente a quem

entrevistar e a respeito de que perguntar”.

Segundo os estudos desenvolvidos por Bosi (1983):

O processo de recordação é construtivo e depende da situação presente. Na maior parte das vezes, lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar com imagens de hoje, as experiências do passado. A memória não é sonho, é trabalho. O registro das

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histórias permite uma compreensão do modo de ser do indivíduo e do contexto social de sua profissão; não como realmente existiu, mas como estes próprios sujeitos reconstroem suas experiências passadas. (BOSI, 1983, p. 37)

Considerando que as entrevistas para o desenvolvimento desta pesquisa foram

realizadas com pessoas que já ocuparam cargos de destaque no cenário político

capixaba, retornamos às considerações de Thompson (1992):

O problema que mais se repete é o apresentado pela personalidade pública como informante. Pessoas desse tipo são geralmente mais rígidas e competentes, e talvez também mais jovens, do que o informante típico. Podem possuir uma idéia tão firme a respeito da própria história, e do que é importante nela, que tudo que podem oferecer são informações estereotipadas. (THOMPSON, 1992, p. 275)

No decorrer da investigação à procura de fontes, ficou revelada a falta de

preocupação da instituição CNEC – no setor Espírito Santo - com a preservação de

sua memória. Não que não existam documentos e impressos que tratem desta

construção, mas é notória a falta de organização e de manutenção destas fontes de

forma a oferecer subsídios para pesquisas que possam precisar destes dados.

O conceito de Memória está tão intimamente ligado à História, que se confunde com

ela e, simultaneamente, cria-se a partir dela ou até mesmo, a antecede. São as

relações entre Memória e História e o conjunto de atos individuais e coletivos que

propiciam um amplo campo de abordagens historiográficas. Contudo, tais

abordagens dependem de um refinamento teórico e metodológico dos significados

que esses dois conceitos podem assumir.

Como afirma Le Goff (1988, p. 426): “O estudo da memória social é um dos meios

fundamentais de abordar os problemas do tempo e da história, relativamente aos

quais a memória está ora em retraimento, ora em transbordamento”.

Na trajetória da Campanha Cenecista no Espírito Santo, percebe-se em sua origem,

que apesar de ter ciência da importância de se organizar um arquivo com os

documentos, correspondências e notícias da imprensa sobre a Campanha,

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Christiano Dias Lopes Filho fala da impossibilidade do mesmo, pois a maior parte

destas informações se perdeu.

Esta afirmação se sustenta pelo fato de que na ocasião da comemoração do quinto

aniversário da Campanha no Espírito Santo, Christiano Dias Lopes Filho publica

uma coletânea de notas da imprensa local sobre as atividades desenvolvidas pela

instituição, relatório de Congressos e correspondências mantidas por ele com

autoridades do Governo Federal e Estadual, solicitando incentivos para a

Campanha. Contudo, faz questão de registrar a ausência de parte destes

documentos por não possuírem um arquivo dos registros.

O evento bem que merecia uma publicação dessa natureza, onde transcrevessem todos os discursos proferidos e todas as notícias e artigos divulgados pela imprensa sobre as origens, objetivos e realizações desse nobre movimento pela democratização do ensino. Verificamos, porém, a inviabilidade do nosso desejo, porque muitas dessas referências já se perderam, devido a impossibilidade de possuirmos um arquivo completo de tudo quanto tem sido publicado a respeito dessa patriótica cruzada. [...] Resolvemos então, publicar este volume, selecionando apenas algumas notícias divulgadas em épocas diferentes, pelas quais o leitor poderá perceber a trajetória destes cinco anos (LOPES FILHO, 1953, p. 03).

Desta forma, esse trabalho vem a ser um desafio, no sentido de saber que existem

muitos caminhos a serem percorridos, mas não é possível que o pesquisador

consiga caminhar por todos.

Foi necessário realizar uma seleção das fontes que foram encontradas, deixando

parte delas para outras possibilidades de pesquisa, que atendam a outro recorte

histórico e a outro enfoque, dentro da história da educação.

1.2. Revisão de Literatura

O trabalho de revisar a literatura que trata da história da Campanha Nacional de

Escolas da Comunidade foi baseado principalmente nos documentos publicados

pela Campanha Nacional de Escolas da Comunidade sob forma de coletâneas e

relatos dos colaboradores e trabalhos desenvolvidos por pesquisadores, sobre a

atuação da Campanha em âmbito nacional.

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Os documentos publicados pela Campanha, em geral, são constituídos de

depoimentos dos fundadores e colaboradores da instituição narrando de forma

romanceada esta história, onde se colocam como os redentores da educação no

Brasil.

São documentos produzidos a partir do ponto de vista de quem construiu esta

história de forma direta, logo, é necessário analisá-los de forma consciente, sem

desconsiderar que estão impregnados de emoção e sentimentos. Necessariamente

podem não conter o que de fato ocorreu ou a proporção exata de como os fatos se

desenrolaram ou causaram impactos, mas o desejo de como poderia ter sido.

Exemplo da situação que procuro tratar pode ser identificado no texto do principal

fundador da Campanha, quando prefacia um dos livros que contam a história da

instituição no Brasil:

Numa manhã nevoenta, que mal dava para ver a Baia de Guanabara e a graciosa silhueta do Pão de Açúcar, o jovem sonhador chegava à Cidade Maravilhosa, desejoso de implantar, na antiga Capital da República, ginásios gratuitos para cariocas e fluminenses (GOMES, 1989, p. 17).

Mesmo considerando a análise que precisa ser feita em relação ao material

produzido pela Campanha e seus colaboradores, este é o principal recurso que

relata os motivos que levaram jovens nordestinos a idealizarem a Campanha

Nacional de Escolas da Comunidade e sua história. Sendo estes aspectos

fundamentais para o desenvolvimento desta pesquisa.

A primeira referência que se tem de documentos produzidos pela Campanha é o

primeiro Boletim da CGP2, publicado em 1943, que foi organizado para divulgar a

iniciativa dos estudantes nordestinos em criar a Campanha. Carlos Luís de

Andrade, um de seus fundadores, procura relacionar alguns indicadores que os

levaram a deflagrar o ideal cenecista:

Com o surto de necessidades cada vez mais prementes, os colégios foram se tornando deficientes por incapazes de suportar o grande número de interessados, pelos horários inconvenientes aos que

2 O Boletim da Campanha do Ginasiano Pobre consistia em publicação redigida pelos cenecistas e era vendido para arrecadar fundos para a causa. O primeiro Boletim data de 30/08/1943, segundo Gomes (1980, p. 23.)

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trabalham etc. Essas deficiências são justificáveis, desde que é sabido ser impossível tal empreendimento sem ajuda do próprio povo. As provas estão nos regimes totalizantes que, tomando a si toda a iniciativa, restringem a própria pessoa dos indivíduos ou a fazem desaparecer. Foi pensando justamente nisso, que iniciamos esta Campanha do Ginasiano Pobre: para colaborar com o governo na obra de soerguimento cultural da Pátria (GOMES, 1980, p.18).

Considerando a necessidade de aprofundar no pensamento destes jovens

cenecistas que iniciaram as atividades da Campanha levados por um ideal solidário,

foi necessária a leitura do livro O Drama da América Latina, de John Gunther (1942),

que é indicado por eles como o responsável por deflagrar a idéia da Campanha.

Em parte de seu texto, Gunther (1942) descreve a história da experiência realizada

pelo jovem dirigente estudantil peruano, Victor Raúl Haya de la Torre. No início dos

anos 20, ele criara um núcleo de universitários voluntários, comprometidos com a

luta dos trabalhadores, para alfabetizar os índios e os trabalhadores no Peru.

Haya de la Torre não tinha a intenção de ser político. Opunha-se a todos os políticos e o seu desejo era apenas observar e estudar. Mas as contingências o impeliram a uma vida de ação. Em 1921 fundou em Lima as Universidades Populares, onde os estudantes, à noite, davam instrução gratuita aos que eram demasiado pobres para assistir os cursos regulares. Seu lema era “Viva a Cultura! Viva a Escola!” Num ano, Haya de la Torre teve 30.000 simpatizantes e em dois anos levou às ruas 60.000 jovens. Nessa época estava pelos 25 anos de idade (GUNTHER, 1942, p. 225).

Em virtude do contexto histórico e político do Peru, no ano de 1923, Haya de la

Torre é preso e deportado do País, não podendo regressar até 1931. Durante este

período, percorreu grande parte da América Latina e da Europa, fundando uma

frente antiimperialista de trabalhadores e estudantes para lutar pela justiça e unidade

latino americana. Esta frente criada por Haya de la Torre durante seu exílio chama-

se APRA – Aliança Popular Revolucionária Americana, que tem sua doutrina

conhecida como Aprismo.

Durante seus 84 anos de vida, Haya de la Torre participou ativamente dos

movimentos políticos do Peru, com a criação do PAP – Partido Aprista Peruano,

partido das massas e das classes populares. Participou da revolução armada, foi

exilado por duas vezes, percorreu vários países da América, Ásia e Europa,

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estudando principalmente o cooperativismo, a industrialização e a Comunidade

Econômica Européia. Em 1978 venceu as eleições de forma majoritária e presidiu a

Assembléia Constituinte, iniciando um diálogo democrático com os setores políticos.

Faleceu no ano seguinte a sua eleição, deixando incompleto seu desejo de

estabelecer um estado democrático no Peru.

Segundo as informações relatadas pelos fundadores da Campanha, são as ações

de Haya de La Torre, no início dos anos 20, quando cuida da alfabetização dos

índios e trabalhadores do Peru, que inspiraram seus ideais. Em momento algum da

pesquisa observou-se qualquer indício por parte dos cenecistas no sentido de fazer

qualquer referência ou comparação às atividades de Haya de la Torre após a

década de 20, quando se torna um político revolucionário.

O silêncio que existe em relação às atividades cenecistas no que tange às

produções acadêmicas só começou a ser rompido a partir da década de 80, quando

a instituição passou a ser objeto de estudo para alguns pesquisadores. Contudo é

mínimo o quantitativo de pesquisas sobre o tema. Isso nos leva a questionar qual o

motivo deste silêncio, sendo que a Campanha é uma instituição de considerável

destaque no cenário nacional.

Encontramos na pesquisa de Silva (2003) o indicativo de que “o que movia a

iniciativa era o acesso à educação para aqueles que não conseguiam continuar seus

estudos, além de deixar indícios da vinculação desses líderes ao movimento

educacional denominado entusiasmo pela educação, o qual acreditava que, por

meio do processo educacional, seria possível construir uma sociedade democrática”.

(SILVA, 2003, p. 92, grifo do autor).

A pesquisa da autora citada acontece em dois momentos distintos. Em sua

dissertação de Mestrado, faz um levantamento e uma análise da Campanha

Nacional de Escolas da Comunidade no período de 1943-1985, onde procura traçar

um paralelo da CNEC, em nível nacional, com a política Educacional do Brasil. No

segundo momento, quando produz sua pesquisa para o Doutorado, Silva caminha

por este mesmo assunto, porém no período compreendido de 1985-1998, trabalha

de forma mais específica a questão do Terceiro Setor. Tais produções colaboraram

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com o fornecimento de conceitos e dados que se mostraram fundamentais para o

desenvolvimento deste trabalho.

Outras duas produções acadêmicas também colaboraram com informações e

subsídios para o desenvolvimento desta pesquisa. Uma destas produções é a

dissertação de mestrado de Santos, publicada em 2003, que trata da história da

Campanha no cenário Sergipano, no período de 1953 a 1967, onde o autor faz uma

análise da contribuição das escolas cenecistas à educação do Estado de Sergipe.

Em seu trabalho, fala da importância da iniciativa cenecista em Sergipe,

principalmente para a expansão do Ensino Secundário, apesar das possíveis

barganhas políticas e outros desvios.

A outra pesquisa que serviu de base para este trabalho é a dissertação de mestrado

de Holanda, publicada em 1981, na qual o autor propõe um estudo histórico da

Campanha desde sua fundação até 1971. Procura analisar como a Campanha se

relaciona, organiza e adapta-se às exigências da Lei de Diretrizes e Bases da

Educação nº. 5.692/1971.

Buscando referências para desenvolver a pesquisa em nível estadual, encontramos

na produção do idealizador da Campanha no Brasil, Professor Felipe Tiago Gomes,

um relato de toda a trajetória que os fundadores da Campanha realizaram para

expandi-la pelos Estados do Brasil, inclusive o início das atividades da Campanha

no Espírito Santo, bem como o seu desenvolvimento:

Em Vitória, fui assistir a uma conferência de um estudante da Faculdade de Direito, a convite do Presidente do Diretório Acadêmico. Numa sala pequena e quente, um rapazinho com “pinta” de orador falou quase duas horas sobre tema dos mais pessimistas. Encontrava um grupo de moços desorientados filosoficamente, mas de primeira ordem. Saí com o conferencista. Expliquei-lhe o que era a Campanha. Achou que realizações desse tipo é que faltavam à nossa geração. Esse moço – um dos maiores cenecistas, responsável por magníficas iniciativas – é Christiano Dias Lopes Filho, autor do primeiro projeto de lei que beneficiou a entidade. (GOMES, 1980, p. 62)

Considerando a ausência de literatura sobre o assunto no Espírito Santo, os

recursos utilizados para subsidiar a pesquisa com dados e informações sobre a

Campanha em terras capixabas foi a coletânea de artigos de jornais e

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correspondências, organizada por Christiano Dias Lopes Filho, e os documentos

oficiais da Assembléia Legislativa e do Arquivo Público Estadual.

2. A CAMPANHA DAS ESCOLAS DA COMUNIDADE NO BRASIL

Propor um estudo sobre a trajetória da Campanha Nacional de Escolas da

Comunidade implica em discutir conceitos tais como: Estado, filantropia e políticas

públicas. Essas discussões se fazem necessárias, em virtude de como se apresenta

a estrutura e as relações desta Instituição ao longo de sua história.

A Campanha das Escolas da Comunidade – CNEC denominava-se originalmente

Campanha do Ginasiano Pobre e, como o próprio nome indica, no primeiro momento

da instituição, a CNEC desenvolveu suas atividades voltadas para o curso ginasial,

pois a proposta era justamente oferecer o curso ginasial aos alunos que não tinham

condições financeiras de realizá-lo. À medida que foram se estabelecendo, novos

níveis de ensino foram desenvolvidos pela Instituição, chegando a atender da

educação infantil ao ensino superior.

Para iniciar esta apresentação, recorre-se a Rémond (2003, p. 14), que ressalva a

importância de situar os fatos em uma realidade histórica, tratar o objeto, escrutar-

lhe as causas, medir-lhe o alcance e apreciar-lhe a significação. Considerando esta

orientação, é necessário situar historicamente, ainda que brevemente, o momento

histórico em que esta idéia foi gerada, bem como buscar respostas para o que levou

seus principais fundadores e colaboradores a participarem desta atividade.

A Campanha Nacional de Escolas da Comunidade surgiu em Recife, na década de

40, período em que não havia escolas em quantidade e qualidade para atender a

todos. A maioria das famílias não apresentava condições de assumir os gastos

necessários para proporcionar estudos aos seus filhos. Segundo Cury (2002, p.

170), “De há muito os educadores brasileiros correlacionam dialeticamente

sociedade e educação. Sabemos todos que a distribuição de renda e da riqueza no

país determina o acesso e a permanência dos estudantes na escola”.

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Foi em meio aos debates e dificuldades vividas neste período que se inicia o

movimento da Campanha para colaborar com os estudantes que não tinham

condições de dar prosseguimento aos seus estudos. As atividades da Campanha

foram iniciadas por um grupo de três estudantes nordestinos, que tinham

dificuldades financeiras para se manter e manter seus estudos na capital.

Contudo, a questão da universalização e da qualidade da educação no Brasil não é

uma dificuldade que ganha terreno no campo das discussões somente nos anos

quarenta. Esta é uma situação discutida há várias décadas, principalmente pela

importância que a mesma tem para o cidadão, como resume Carnoy (1990, p. 13):

“Os pontos de vista tradicionais sobre educação e sociedade enfatizam o papel que

a educação desempenha na alteração das características individuais e na posição

do indivíduo na estrutura econômica, social e política”.

Realizando uma breve análise dos vários momentos históricos, a educação aparece

como uma das principais dificuldades a ser resolvida pelo Estado. Desde a

colonização até a Primeira República, o quadro geral que se apresenta acerca da

educação é traduzido por Azanha (1998, p. 104) em seu texto: “Nesse período, o

quadro geral foi sempre o mesmo: escassez de escolas e mestres”.

Ainda sobre este período, Romanelli (2003, p. 41) lembra que a educação popular

estava abandonada e a educação média era meramente propedêutica. Este sistema

dual de ensino oficializou a distância que se mostrava, na prática, entre a educação

da classe dominante (escolas secundárias acadêmicas e escolas superiores) e a

educação do povo (escola primária e escola profissional). Refletia essa situação

uma dualidade que era o próprio retrato da organização social brasileira.

A Campanha é criada em 1943, durante o primeiro governo de Vargas, que

compreendeu os anos de 1930 a 1945, período este marcado pelo rompimento com

as estruturas políticas da Primeira República e pela tentativa de mudanças na área

econômica, política e social.

Ghiraldelli Jr. (2001, p. 39) resume que, entre 1930 e 1937, o Brasil viveu um dos

períodos de maior radicalização política de sua história. Essa época de

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efervescência ideológica foi substancialmente rica na diversidade de projetos

distintos para a sociedade brasileira, [...] onde não faltou a elaboração de uma nova

política educacional para o país.

Segundo Oliveira (2002), em relação à questão educacional durante este período, o

destaque é o esforço para a constituição de um real sistema educacional, que se

instituiu após a Revolução de 30, principalmente a partir do Manifesto dos Pioneiros

da Educação Nova3, que solicitam a escolarização das massas para o ingresso do

Brasil no rol dos países civilizados.

Paralelo às reivindicações pela expansão do ensino, outros dois grupos da

sociedade – a Igreja e os proprietários de escolas particulares - procuravam se

manter no campo educacional e garantir a continuidade de suas atividades e

subvenções.

Oliveira (2002) afirma que, nesse cenário, a Igreja inicia com uma posição reticente,

atacando as tentativas de instituição de um ensino público estatal a partir de uma

“revolução” portadora da Constituição sem Deus, da Escola sem Deus, da Família

sem Deus. No entanto, rapidamente ela encontra seu lugar no meio de um pacto

com os líderes políticos da Era Vargas, o que possibilita a expansão da sua rede, a

vitória dos debates doutrinários sobre o processo de laicização do ensino e o

combate aguerrido contra os defensores do ensino público e gratuito [...] Ao mesmo

tempo, de acordo com o novo sistema de regulação de interesses promovido por

Getúlio Vargas, as escolas particulares fundam sua entidade sindical no Distrito

Federal e desenvolvem uma ação política de apoio ao Estado que permite a

limitação da ação sindical trabalhista.

A situação vivida nos anos 40 pelos fundadores da Campanha é descrita por

Holanda (1981, p.26) em seu estudo sobre a temática. Dado o pauperismo da

população e a predominância das escolas particulares sobre as públicas, foi fácil

concluir-se que aqueles de menor poder aquisitivo ficaram excluídos da escola

3 O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, foi assinado por 26 intelectuais e dirigido ao povo e ao governo brasileiros, oficializou a defesa formal da escola para todos e conferiu visibilidade às contradições do processo de escolarização no Brasil, estimulando o debate em torno da democratização do acesso à educação.

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média de qualquer tipo, profissionalizante ou acadêmica. A escola paga não era

aberta a todos. O proletariado e as camadas de baixo poder aquisitivo cujas

condições de vida, em todo Brasil, eram as mais precárias possíveis, mal

conseguiam ter o necessário para atender às exigências mais imediatas de

manutenção. Pagar escola era coisa que estava inteiramente fora do seu alcance,

bem como de grande parte da própria classe intermediária.

Com o fim da Era Vargas, em 1945, o processo de redemocratização tomou forças e

foi possível a organização e legalização de partidos políticos de tendências diversas,

que em meio as suas ações, atuaram no campo educacional.

Segundo Ghiraldelli Jr. (2001), o Partido Comunista conclamou os militantes e

simpatizantes a organizarem comitês populares e democráticos para a defesa do

processo de redemocratização [...] os comitês envolveram o Partido Comunista, pela

primeira vez em sua história, com a realização organizada de cursos de

alfabetização de adultos e crianças e de cursos técnicos populares. [...] Vários

desses cursos acabaram acontecendo no interior das escolas públicas [...] não se

identificavam com aqueles que acreditavam na educação como a chave para a

solução dos problemas nacionais, todavia, admitiam que a efetivação da democracia

no país passava pela “erradicação do analfabetismo” e pela “elevação cultural do

povo” (GHIRALDELLI JR., 2001, p. 107, grifos do autor).

Em relação ao duelo entre a educação pública e privada, durante este período,

Oliveira (2002) afirma que é importante ressaltar que o ensino privado (escolas

católicas mais as escolas laicas) estava preocupado com a mobilização conseguida

pela Campanha Nacional pela Escola Pública, que reuniu entidades da sociedade

civil e intelectuais de renome. Preocupava-se, também, com a queda de sua

participação no sistema de ensino.

Com o advento do Regime Militar, que iniciou em 1964, houve um esvaziamento da

participação popular, que havia tomado forças no período anterior. Com a Ditadura,

o Executivo é fortalecido, retomando a centralização das decisões políticas.

Skidmore (1982) refere-se a este período como “o colapso democrático, os militares

haviam interferido para salvar o Brasil da “corrupção” e do “comunismo” [...] A

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influência evidente dos populistas foi aumentada pelo fracasso da esquerda

democrática em encontrar qualquer expressão institucional nas duas décadas que

se seguiram a 1945 [...] não havia tempo nem liderança para organizar um novo

partido da esquerda. [...] a ausência de uma esquerda democrática “responsável”,

levou diretamente ao choque de março de 1964. [...] Entretanto, quando o choque

veio, até a esquerda radical desmoronou” (SKIDMORE, 1982, p. 369, grifo do autor).

Romanelli (2003) indica ações relevantes deste período, como a intervenção

internacional direta nas questões educacionais brasileiras, através da assinatura dos

Acordos MEC-USAID4, a reforma universitária e a implantação da Lei de Diretrizes e

Base para a Educação Nacional (LDB nº. 5692/1971) que trouxe, entre outras

mudanças, reformas para o 1º e 2º Graus.

Para Ghiraldelli Jr. (2001):

[...] com a LDB 5692/1971, o 2º grau tornou-se integralmente profissionalizante. [...] Foram relacionadas cerca de 158 habilitações. [...] É óbvio que os colégios particulares (e os grandes empresários do ensino sempre tiveram grande influência no interior do CFE5) souberam desconsiderar toda essa parafernália “profissionalizante”. As escolas particulares, preocupadas em satisfazer os interesses da sua clientela, ou seja, em propiciar o acesso ao 3º grau, desconsideraram tais habilitações e continuaram a oferecer o curso colegial propedêutico à universidade. As escolas públicas, obrigadas a cumprir a lei, foram desastrosamente descaracterizadas (GHIRALDELLI JR., 2001, p. 182, grifo do autor).

Segundo Casassus (1997, apud TOSCHI, 2003 p. 137-138), “No final dos anos 70

há o discurso de que a questão quantitativa do ensino estava resolvida, maquiando

dados estatísticos e lotando as salas de aula, ainda que existam milhões fora da

escola”.

Oliveira (2002) aponta que o Golpe Militar de 1964 consolidou a reação da iniciativa

privada, em virtude do apoio político dos (e aos) militares e, principalmente, a

participação intensa nos conselhos federal e estaduais de educação. Tal fato

permitiu, em termos relativos, a contenção do crescimento do ensino público através

4 Acordo entre o Ministério da Educação e Cultura (MEC) e seus órgãos e a Agency for International Development (AID), dos Estados Unidos da América – para assistência técnica e cooperação financeira dessa Agência à organização do sistema educacional brasileiro.5 CFE - Conselho Federal de Educação.

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da utilização de recursos públicos pelas escolas particulares e a escolha seletiva da

criação de instituições públicas.

Nos primeiros anos da década de 80, tem início o período da abertura política,

caracterizada pelos militares como lenta, gradual e segura. Toschi (2003) destaca

neste período que:

[...] esgotava-se a ditadura militar e iniciava-se um processo de retomada da democracia e de reconquista dos espaços políticos que a sociedade civil brasileira havia perdido. A reorganização e o fortalecimento da sociedade civil, aliados à proposta dos partidos políticos progressistas de pedagogias e políticas educacionais cada vez mais sistematizadas e claras, fizeram com que o Estado brasileiro reconhecesse a falência da política educacional, especialmente profissionalizante [...] O debate acerca da qualidade no Brasil, iniciou-se após a ampliação da cobertura escolar. Reconhece-se que, durante o período militar, com o prolongamento da duração da escolaridade obrigatória, se estendeu o atendimento ao ensino fundamental, embora seja questionável a qualidade do ensino ministrado e os mecanismos e parcerias utilizadas para esta expansão. (TOSCHI, 2003, p. 138)

Segundo Oliveira (2002):

[...] com o fim da ditadura, há uma cisão no interior do ensino privado [...] a Igreja passa a apresentar um discurso voltado para as questões sociais, fazendo a “opção pelos pobres”, o que demanda uma participação pontual na educação básica e maior investimento no ensino superior. [...] por outro lado, as escolas laicas começam a assumir uma identidade empresarial mais definida [...] No entanto, as duas vertentes se apóiam num mesmo princípio da unidade: o pluralismo democrático, que dá lugar à escola particular como contraponto ao suposto “monopólio estatal” pretensamente defendido pelos defensores do ensino público. (OLIVEIRA, 2002, p.16, grifo do autor)

O autor ainda aborda os debates gerados por estas duas representações – Igreja e

empresários das escolas privadas - para a Constituição de 1988, através da qual

conquistaram no texto constitucional a permissão da “destinação” de recursos

públicos para a iniciativa privada dita filantrópica, na forma de isenções fiscais – o

que é considerado uma derrota para os defensores do ensino público – e ainda

avalizar, pela primeira vez na história, o lucro na atividade educacional.

Para Silva (2000):

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[...] destaca-se nestas duas décadas finais do século XX, a elevação do patamar educacional, junto com a diminuição das desigualdades educacionais, não foi acompanhada por uma elevação do nível de renda e uma melhoria na sua distribuição. [...] O país ainda está longe da universalização do ensino fundamental completo. Seja como for, apesar do déficit histórico nessa dimensão da cidadania, as melhorias educacionais conseguidas nas últimas décadas não podem ser negadas. (SILVA, 2000, p. 3)

O autor ressalta ainda, nos estudos de Barros e Lam (1997, apud SILVA, 2000, p. 5)

os:

[...] quatro traços indesejáveis da educação no Brasil: a) o nível educacional médio da população é baixo; b) a educação está desigualmente distribuída; c) existe uma correlação alta entre as realizações educacionais das crianças e as de seus pais e avós, indicando a ausência de igualdade de oportunidades; d) há grandes disparidades regionais nas realizações educacionais das crianças. (Barros; LAM apud SILVA, 2000, p. 3)

Acerca da discussão no campo educacional sobre centralização e descentralização,

que permeia as últimas décadas, entende-se que:

[...] a questão da centralização/descentralização deve ser remetida à história da própria formação social brasileira e às tendências econômico-sociais presentes em cada período histórico. Assim, descentralização e democratização da educação escolar no Brasil não podem ser discutidas independentemente do modo pelo qual é concebido o exercício do poder político no País. Uma das formas de descentralização política é a municipalização, que consiste em atribuir aos municípios a responsabilidade de oferecimento da educação elementar. (PAIVA, apud TOSCHI, 2003, p. 141-142)

Apesar de ser uma proposta que remonta da década de 30, a municipalização só foi

legitimada na Constituição Federal de 1988. “Somente com a Constituição Federal

de 1988 o município legitimou-se como instância administrativa e a responsabilidade

do ensino fundamental foi-lhe repassada prioritariamente” (TOSCHI, 2003, p. 142).

Segundo a análise de Dourado (2001, p. 50):

[...] as políticas educacionais são redirecionadas diante dos novos padrões de intervenção estatal, em decorrência de mudanças efetivas no âmbito do neoliberalismo. [...] a partir dos anos 1990, consolida-se um processo de reforma do Estado e da gestão. [...] o Brasil intensifica ações políticas e reformas educacionais em sintonia com a orientação de organismos internacionais, cuja tradução mais

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efetiva é expressa pela nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei nº. 9394/1996).

Ainda sobre as mudanças trazidas pela LDB nº. 9394/1996, ressalta-se que:

[...] uma lei não consegue sozinha e rapidamente descentralizar o ensino e fortalecer o município. [...] Descentralização faz-se com espírito de colaboração, e a tradição política brasileira é de competição, de mediação de forças. [...] a descentralização vem atrelada aos interesses neoliberais de diminuir gastos sociais do Estado. Isso ficou evidente com a promulgação da nova LDB, que centraliza em âmbito federal as decisões sobre currículo e sobre avaliação e repassa para a sociedade responsabilidades estatais, como por exemplo, o trabalho voluntário na escola. [...] Esses projetos de voluntariado e a descentralização de responsabilidades do ensino fundamental em direção aos municípios são exemplos concretos de uma política que centralizava o poder e descentralizava as responsabilidades. (TOSCHI, 2003, p. 142)

Como é possível perceber, nos vários momentos históricos, a educação sempre foi

um dos principais alvos dos debates e uma das principais reivindicações da

população. Não é objeto de discussão neste estudo qual o real significado da

educação para a sociedade e para o Estado, contudo entende-se ser necessário

marcar que a dificuldade de acesso ao ensino, principalmente pela população

menos favorecida economicamente, foi um dos fatores que motivou os estudantes

nordestinos a buscarem alternativas diante da realidade que se apresentava na

época.

2.1 Felipe Tiago Gomes: o idealizador

Não existe a pretensão de se realizar um estudo biográfico do principal personagem

que participou da trajetória das escolas da Campanha, contudo é necessário

conhecer de forma breve a história de vida de Felipe Tiago Gomes, inclusive para

que seja possível encontrar respostas para uma das perguntas a que se propõe

responder através deste estudo: o que levou a criação das escolas cenecistas.

Muitos podem ter sido os fatores que proporcionaram o surgimento da Campanha,

contudo, os registros, entrevistas e publicações próprias da CNEC destacam, de

forma contínua e incisiva, que o principal deles foi o desejo de Felipe Tiago Gomes.

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“É o cenecismo realmente um movimento libertário [...], pois não há escravidão

maior do que a do espírito e o esforço iniciado por Felipe Tiago Gomes e seus

apóstolos em 1943, em Recife, tinha um sério compromisso com [...] a liberdade de

seus semelhantes” (FERREIRA NETO, 1994, p. 205)

Em entrevista, Lopes Filho (2005) declara que

[...] o principal fundador da Campanha foi a fonte, a idéia de luta [...]. Que era, ou melhor, que nasceu em Picuí, no interior da Paraíba. Ele era muito pobre, andava descalço, sem condição nenhuma, mal conseguia fazer um curso primário. Mas, de espírito inquieto como ele era. Não era agitado, mas era inquieto. Ele vivia pensando no como prosseguir.

Ainda na Coletânea Cenecista, observa-se a referência de Batista (1994, p.339) a

Felipe Tiago Gomes:

[...] E sonhou: “assim como tive forças para vencer as mais humilhantes peripécias, hei de ter coragem, hei de descobrir um meio de oferecer escolas a todos aqueles que desejam estudar com recursos ou sem recursos”. [...] Felipe partiu também para livrar a grande maioria da pobre juventude brasileira da servidão da ignorância. E conseguiu.

As fontes de pesquisa apontam insistentemente para o referencial que Felipe Tiago

Gomes é para a Campanha Nacional de Escolas da Comunidade. Além das citações

apresentadas, seria possível destacar inúmeras outras, de igual teor, encontradas

em textos, documentos e entrevistas. Há uma supervalorização da pessoa de Felipe

Tiago Gomes, de sua história de vida, de como ele não mediu esforços para concluir

seus estudos e para proporcionar esta possibilidade a outros estudantes.

Neste sentido, entendemos ser necessário aprofundar como se desenvolveu a

relação de seu principal fundador com os demais colaboradores da criação,

estruturação e expansão da Campanha. Principalmente pelo fato de envolver, ao

longo dos anos, centenas de pessoas em torno deste objetivo.

Em Rémond (2003, p. 169), ele trata

[...] da importância das multidões nos acontecimentos das sociedades modernas, mas que podiam se deixar levar pelo prestígio

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de condutores e, vê nos condutores, um desviante cujo sucesso tem a força em uma idéia fixa. É preciso relacionar esta força com as forças presentes no contexto histórico e procurar desvendar como um indivíduo conduz a uma leitura coletiva.

Ao realizar a leitura da história de vida de Felipe Tiago Gomes, fica evidente que não

possuía condições de levar adiante seus estudos, primeiro por não haver escolas

públicas que atendessem o interior dos estados e, segundo, por não ter condições

financeiras de se manter na capital para seguir adiante academicamente.

É importante ressaltar que a partir do momento em que inicia suas atividades na

Campanha, a vida de Felipe Tiago Gomes e a Campanha parecem que se tornam

uma única história. Não há registros de sua vida particular. Sabe-se que não se

casou, nem teve filhos. Alguns colaboradores se referem a sua vida como se fosse

um sacerdócio.

Andou 53 anos/Enfrentou sol e poeira/Reuniu um grande exército/Sustentou esta bandeira/Entre títulos e honrarias/Dedicou todos os seus dias/ A educação brasileira. Verdadeiro jesuíta/Apóstolo da educação/Andou como um bandeirante/Da cidade pro sertão/Um andarilho constante/Educar seu semelhante/Foi sua grande missão (FERREIRA NETO, 1997, p. 18).

Para compreender bem o cenecismo e o sentimento dos cenecistas é preciso ter ouvido para ouvir as estrelas. O cenecismo é uma emocionante lição de amor. [...] Lições de altruísmos e de bem querer que Felipe foi espalhando pelo Brasil afora com a convicção, o desprendimento e a bondade de um São Francisco de Assis (FERREIRA NETO, 1994, p. 206).

Os registros indicam que ele viveu para a Campanha, fez deste ideal seu projeto de

vida. Fazendo uma análise deste fato, é possível intuir que a Campanha, em muitos

momentos, utilizou a imagem de Felipe Tiago Gomes como uma forma de se

promover, de conquistar novos adeptos e novas possibilidades. Percebe-se que não

se concebia a Campanha sem Felipe, sua trajetória é motivo de destaque e de

orgulho entre os colaboradores da Instituição e do próprio Felipe Tiago Gomes.

Ao visitar as escolas da Campanha no Espírito Santo, em Minas Gerais, no Rio

Grande do Sul, em Brasília e de ter contato com os colaboradores nos Congressos

Cenecistas em que tive a oportunidade de participar, a impressão que fica é a de

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haver um culto à imagem do professor Felipe Tiago Gomes. É característica de

todas as escolas possuírem um quadro ou uma foto de Felipe Tiago Gomes no lugar

de maior destaque e fluxo de pessoas, ou terem citações ditas por ele nos cartazes,

paredes e ginásios esportivos.

A análise do documento oficial da Administração Estadual da CNEC – Seção

Espírito Santo (1977), que implanta o ensino da História da CNEC orienta para que

os alunos das diversas séries estudem a história do professor Felipe e da

Campanha, com o objetivo de reconhecerem e valorizarem o espaço em que estão

tendo a oportunidade de estudar.

Incontáveis são as fontes que narram a história de Felipe Tiago Gomes. Contudo,

todas são praticamente idênticas. Pode-se utilizar o texto de Holanda (1981) para

transcrição de sua história.

Narra a história que Felipe Tiago Gomes nasceu na cidade de Picuí/PB, em 01 de

maio de 1921, e era filho de uma família sem recursos financeiros, que morava no

interior do sertão nordestino. Apesar de sua situação sócio-econômica, e até mesmo

geográfica, esforçou-se para conseguir concluir seus estudos, submetendo-se aos

mais variados empregos, além de contar com a ajuda de pessoas mais favorecidas

financeiramente. Foi levado pelo Juiz José Saldanha para cursar o Pré-Jurídico no

Ginásio Pernambucano, no ano de 1940, em Recife, como forma de reconhecimento

pelos seus esforços.

A foto que segue, retrata a família de Felipe Tiago Gomes, no ano de 1932. Em pé,

da esquerda para direita, encontram-se Felipe Tiago Gomes e seus irmãos

Francisco, Maria e Francisca. Sentados, da esquerda para direita, encontram-se seu

irmão José, sua mãe Ana e seu pai Elias.

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Figura 1 – Álbum de família (1932)Fonte: http://www.geocities.com/felipetiagogomes/fotos_familia.html

Para manter os estudos, Felipe começou trabalhando como porteiro da Casa do

Estudante de Pernambuco, onde foi morar posteriormente, passando a trabalhar na

Biblioteca dessa Instituição. Em meio às leituras que realizava na biblioteca, teve

contato com o livro “O Drama da América Latina”, de John Gunther, que descrevia a

experiência do jovem dirigente estudantil peruano, Victor Raúl Haya de la Torre, que

no início dos anos 20 fundou um núcleo de universitários voluntários, comprometidos

com a luta dos trabalhadores, para alfabetizar os índios e os trabalhadores no Peru.

Em 1921 fundou em Lima as Universidades Populares, onde os estudantes, à noite, davam instrução gratuita aos que eram demasiado pobres para assistir os cursos regulares. Seu lema era “Viva a Cultura! Viva a Escola!” Num ano, Haya de la Torre teve 30.000 simpatizantes e em dois anos levou às ruas 60.000 jovens. Nessa época estava pelos 25 anos de idade. (GUNTHER, 1942, p. 225)

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Analisando os registros, existe o indicativo de que o livro de Gunther (1942) teve

forte influência sobre Felipe Tiago Gomes e despertou nele o desejo de criar uma

instituição que visasse assegurar o direito de estudar aos milhares de jovens pobres

do Brasil.

A inspiração de tal idéia é oriunda da ação de Haya de la Torre que, no Peru, em 1921, fundara as Universidades Populares na cidade de Lima, cujos estudantes, à noite, promoviam, com sucesso, a instrução gratuita a outros cuja pobreza os impedia de assistir às aulas regulares (HOLANDA, 1981, p. 35)

Contudo, fica o questionamento do real alcance que esta obra teve nas ações de

Felipe Tiago Gomes. Seria um respaldo para propostas que ele já desenhava em

seu imaginário? Foi de fato um despertar para a possibilidade de levar adiante uma

idéia próxima à desenvolvida por Haya de la Torre? É necessário considerar que a

força deste ideal é presença constante nos documentos e registros acerca da

Campanha.

É importante fazer uma breve comparação entre o caminho percorrido por Haya de

la Torre e o percorrido por Felipe Tiago Gomes. A respeito de Haya, declara Gunther

(1942, p. 35-36) que ele

[...] não tinha a intenção de ser político. Opunha-se a todos os políticos e o seu desejo era apenas observar e estudar. Mas as contingências o impeliram a uma vida de ação. [...] Em 1923, Haya de la Torre é preso e deportado do País, não podendo regressar até 1931. Durante seu exílio, percorreu a América Latina e alguns países da Europa, fundando uma frente antiimperialista de trabalhadores e estudantes para lutar pela justiça e unidade latino americana, denominada de APRA – Aliança Popular Revolucionária Americana, que tem sua doutrina conhecida como Aprismo.[...] Durante seus 84 anos de vida, Haya de la Torre participou ativamente dos movimentos políticos do Peru, com a criação do PAP – Partido Aprista Peruano, constituído pelas massas e classes populares, [...] concorreu à Presidência do Peru, participou da revolução armada, foi exilado novamente, [...] Em 1978 venceu as eleições para a presidência do Peru de forma majoritária e presidiu a Assembléia Constituinte, iniciando um diálogo democrático com os setores políticos. Faleceu no ano seguinte.

Já Felipe Tiago Gomes, não apresenta uma atuação no meio político partidário que

mereça destaque. Existe apenas um registro de seu envolvimento com partidos

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políticos e eleições, que aconteceu no final da Era Vargas, em 1945, logo nos

primeiros anos da Campanha, quando houve uma crise entre seus fundadores.

Os protestos populares agora, já saiam às ruas. A agremiação dos estudantes universitários, UNE, recentemente organizada no Rio de Janeiro, realizou um comício; uma demonstração semelhante , em Recife, provocou violências políticas e levou à morte dois estudantes (SKIDMORE, 1982, p. 73)

Foi um período de divergências entre o grupo de fundadores da Campanha, cujos

participantes se envolveram em campanha eleitoral. Conforme relata Silva (2003,

p.95):

Felipe Tiago Gomes, desiludido com a não obtenção da colaboração do governo e revoltado com o assassinato de um colega da Faculdade de Direito de Recife pela polícia, abandonou a Campanha, filiou-se ao partido de oposição, a União Democrática Nacional (UDN), e ingressou no Movimento de Redemocratização do país, criando um núcleo de resistência em sua cidade natal, Picuí, na Paraíba. Posteriormente nomeado prefeito dessa cidade, exerceu o cargo por nove meses.

A seu respeito, declara Holanda:

Por nove meses, Felipe Tiago Gomes foi considerado o prefeito mais jovem do Estado da Paraíba. Contudo, a participação política partidária não era seu ideal de vida. Após seu mandato, retornou as atividades da Campanha para dar início a um novo período de desenvolvimento (HOLANDA, 1981, p. 39).

Quando se analisa a importância da figura de Felipe Tiago Gomes para a Campanha

e a sua resistência em participar de processos político-partidários e eleitorais, é

preciso ir além e perceber que existem outras formas de exercer os benefícios que a

política traz, pois quando o sujeito reúne capacidades para articular as diversas

situações em seu favor, ou em favor de sua causa, ela necessariamente não precisa

ter o caráter eleitoreiro.

Castoriadis (2002) assim trata da questão:

A “política”, no sentido corrente do termo, tem sido em todos os tempos uma atividade bizarra. Ela sempre exige que se combinem as faculdades e as capacidades específicas requeridas, segundo o tipo de regime considerado, para “ter acesso ao poder”, e as faculdades e capacidades requeridas para saber utilizar este poder. Em si, a arte

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oratória, a memória das fisionomias, a capacidade de fazer amigos e de conquistar partidários, de dividir e enfraquecer os oponentes nada tem haver com o gênio legislativo [...].(CASTORIADIS, 2002, p. 13, grifo do autor)

Em contrapartida, não podemos deixar de considerar a possibilidade de que a

concepção de política e de políticos, para Felipe Tiago Gomes, neste período em

que inicia suas atividades na Campanha, possa o ter afastado deste caminho, por

estar bem próxima da visão de King (1994 apud DROR, 1999, p. 233) em texto

encaminhado ao Clube de Roma6, no ano de 1984.

Muito se terá que refletir sobre as qualidades exigidas dos líderes e das elites que, em qualquer sistema, desde que igualitário, sempre terão um papel vital. [...] os que se apresentam como candidatos tendem a ser os indivíduos com um grau de vaidade muito superior à média e um forte desejo de exercer poder sobre os outros. [...] Muitas pessoas com altas qualidades, líderes nacionais ou mundiais em potencial, evitam entrar no sistema político por sua vulgaridade, suas fofocas e pela mesquinhez de suas recompensas [...] As qualidades consideradas essenciais para atingir altos cargos hierárquicos são frequentemente os mesmos atributos que tornam o indivíduo impróprio para o cargo.

Sendo assim, quando tratamos da divergência do grupo de fundadores, logo no

terceiro ano de atividades da Campanha, observamos que ela se deu pela

necessidade do grupo romper com uma das principais bandeiras de seu idealismo,

que deu origem e motivação para a criação da campanha, que seria a realização do

ideal, de forma auto-suficiente, sem a interferência de políticos e governos.

[...] é justo que diga da minha discordância quanto à aproximação pouco antes iniciada com o Governo, e cada vez mais estreita, contrariando um dos princípios de nossos dias heróicos, precisamente o de não permitir a interferência de políticos (PONTES, apud SILVA, 2003, p. 95).

Por mais que a base do ideal fosse à colaboração com o Estado, visando sanar a

necessidade da população e que não se visse de forma positiva a colaboração do

6 O Clube de Roma é uma organização internacional, criada em 1968, cuja missão é agir como catalisador de mudanças globais, livres de quaisquer interesses políticos, econômicos ou ideológicos. É uma organização não governamental, sem fins lucrativos, que reúne personalidades dos meios da ciência, da indústria, chefes de estado, e outras lideranças, com o propósito de analisar problemas chave perante a humanidade. Está orientado em três princípios básicos: A interdependência das nações na resolução de problemas; pensar holisticamente nos problemas de longo prazo; perspectiva multidisciplinar na análise de soluções para as futuras gerações.

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Estado para com a Campanha, esta parceria apresenta-se como condição primordial

para a continuidade das atividades.

Silva (2003, p. 96) trata desta questão, quando ocorre a cisão no grupo de

fundadores, sendo uma das causas a dificuldade de não conseguir autorização para

funcionamento e outras formas de apoio do governo. “[...] em que pese o idealismo,

o esforço e o entusiasmo tão mencionados na literatura publicada e divulgada pela

Campanha, sua existência quase foi comprometida pela não colaboração do

governo, que não dispensou o apoio esperado à iniciativa [...]”.

Após sua breve incursão pela vida político-eleitoral, Felipe Tiago Gomes retornou,

em 1946, às atividades da Campanha para reiniciar os trabalhos que haviam sido

interrompidos em virtude da divergência do grupo. A primeira atitude dos membros,

ao retomar as atividades, foi alterar o nome de Campanha do Ginasiano Pobre para

Campanha de Ginásios Populares, conforme explica Gomes (1980, p. 52):

Campanha do Ginasiano pobre dava a impressão de que se tratava de trabalho sentimental. Eram estudantes pobres que faziam esforços para auxiliar outros estudantes também humildes. A nossa luta tinha um sentido diferente. O que nos animava era o espírito de civismo que fazia com que resolvêssemos os nossos problemas sem puieguismos. Daí a razão de mudarmos a denominação do movimento. Campanha de Ginásios Populares emprestava idéia de congregação de esforços, de luta do povo em defesa da educação da nossa gente.

Paralelo a esta tomada de decisão, o cenário político que se apresentava logo após

a Era Vargas mostrava que o Partido Comunista conseguira eleger um número

considerável de representantes, ganhando espaço no terreno nacional e, como já foi

citado anteriormente, criaram os Comitês Populares e Democráticos onde

organizavam cursos de alfabetização e cursos técnicos. Com receio de serem

confundidos com comunistas, os promotores da Campanha resolveram alterar o

nome, pois Campanha dos Ginásios Populares parecia, naquela época, que se

tratava de uma obra comunista. Sendo assim, mudaram o nome para Campanha

dos Educandários Gratuitos. “O Partido Comunista estava no apogeu [...] A palavra

“popular” era propriedade do referido Partido. Os diretores da Campanha, por via

das dúvidas, resolveram mudar o nome da organização para Campanha dos

Educandários Gratuitos” (GOMES, 1980, p.56).

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Essa preocupação se fundamenta pelo fato de que neste período inicia-se uma

aproximação da Campanha com o governo, através de visita feita por Felipe Tiago

Gomes ao Ministro da Educação, Dr. Clemente Mariani, em 1947, no Rio de Janeiro.

“O Dr. Clemente Mariani achou notável a nossa organização [...] prometendo vir ao

Recife até o final do ano, para estudar a possibilidade de instalar outros em todo o

País. O Ministério da Educação prometeu ainda uma subvenção à Campanha dos

Educandários Gratuitos” (GOMES, 1980, p. 58, grifo do autor).

A partir dessa visita de Felipe Tiago Gomes ao Rio de Janeiro em busca de apoio do

Ministério da Educação para a Campanha, fica evidente a nova proporção que ela

toma: “O certo é que, depois desse encontro, a Campanha expande-se, porém, a

partir desse momento, dependente do apoio de autoridades do Ministério da

Educação e da Diretoria do Ensino secundário” (SILVA, 2003, p. 99).

Teremos a oportunidade de discutir e aprofundar, no próximo capítulo, como se dá

esta relação de dependência e as adaptações que foram necessárias ao longo dos

anos para que a Campanha permanecesse desenvolvendo suas atividades durante

todos estes anos.

Após este primeiro aval do Ministério da Educação e de seu reconhecimento oficial

pelo MEC, em 28 de fevereiro de 1946, expandir a Campanha pelos Estados passou

a ser um dos principais objetivos de Felipe Tiago Gomes, que inicia uma série de

visitas aos estados do Pará, Amazonas, Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte,

Paraíba, Alagoas, Sergipe, Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo, para

divulgar a idéia da Campanha.

As viagens de Felipe Tiago Gomes sempre foram marcadas pela falta de recursos

financeiros e pela ajuda das pessoas que ele abordava para serem colaboradores e

divulgadores da Campanha.

Lopes Filho (2005), em sua entrevista, faz menção às dificuldades do professor

Felipe Tiago Gomes ao viajar pelo país com o objetivo de divulgar a Campanha “[...]

em todas essas viagens do Felipe para o Rio, ele ficava mal alojado, tinha que ficar

com a ajuda de um, a ajuda de outro e tal [...]”.

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Em seus registros, Felipe Tiago Gomes sempre se reporta às dificuldades,

principalmente financeiras, que enfrentou para divulgar a Campanha pelo país, como

podemos observar nas seguintes passagens:

A coisa para mim, nos lados de Niterói, melhorava. Conhecera a Profª Albertina Fortuna, latinista do Colégio Pedro II. Criatura admirável! Sem protocolos, pertencia ao time dos “doidos” isto é, dos idealistas. No primeiro encontro, assim à queima-roupa: “Você trabalha em quê?” Fiquei sem jeito para responder-lhe. Contei-lhe a história do emprego que falhara e do meu programa de lutas. Prontificou-se a ajudar-me. Passei a jantar em sua casa, o que representou uma grande colaboração. Era uma maneira de alimentar-me melhor e de fugir à presença do dono da pensão (GOMES, 1980, p. 73).

Para Niterói, pedia dinheiro emprestado aos companheiros da garagem, [...] A volta, pedia dinheiro emprestado do Sr. Geraldo, candidato aos exames de admissão. [...] Vivia dias bem difíceis, mas, em compensação, surgiam bons acontecimentos (GOMES, 1980, p. 66).

Pelo menos eu já conhecia o Rio e sabia como “driblar” as dificuldades num grande centro. De aluno, passara a mestre na arte de “convencer” autoridades a pagar hotéis [...] Saímos a campo para obter vagas nos navios. Nada! Filas imensas de pessoas esperavam a vez de viajar para o Sul. [...] soubemos que três oficiais desistiram da viagem de 3ª classe no navio Itanagé. Aproveitamos as vagas. [...] Não havia cama, nem beliche, nem rede, nem nada. Apenas tábuas! [...] A comida, em prato feito, tinha um sabor e cheiro esquisitos (GOMES, 1980, p. 53).

Esta dificuldade financeira enfrentada por Felipe Tiago Gomes ao longo da história

da Campanha e os mecanismos de que precisava lançar mão para sobreviver a esta

situação sempre estiveram presentes e em destaque nos registros e documentos

que tratam da Campanha, como se fosse um grande mérito.

Toda essa apologia que ele e os colaboradores fazem desta situação nos leva a

questionar o que está nas entrelinhas desta supervalorização ao sacrifício de Felipe

Tiago Gomes. Seria de fato uma vida de sacerdócio? Um altruísta que assumiu

inteiramente a missão de ser a diferença na vida de centenas de brasileiros? Ou

seria uma forma encontrada pelos colaboradores da Campanha de ofuscar e/ou

desviar o olhar de quem observa daqueles que utilizaram a Instituição para se

projetar politicamente ou acumular suas riquezas?

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Não é objetivo deste estudo negar que existe um hibridismo entre a história de

Felipe Tiago Gomes e a história da Campanha. Desde a criação da Instituição sua

história se confunde com a dele. Isso se justifica pelo fato de o Professor Felipe ter

ficado de 1943 a 1996 - ano de sua morte - à frente de todas as ações da

Campanha em nível nacional. Contudo, é preciso questionar o que sustentou esta

permanência vitalícia nos mais importantes cargos da Campanha, bem como a

relação de poder presente nestes cinqüenta e três anos frente à Campanha.

Como trata Bourdieu (2004, p. 8-10):

[...] o poder simbólico é, com efeito, esse poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem [...] as ideologias [...] servem interesses particulares que tendem a apresentar como interesses universais, comuns ao conjunto do grupo.

Castoriadis (2002, p. 13-14) discute a exigência de “se combinar as faculdades e as

capacidades requeridas para saber utilizar este poder. [...] e da autoridade

“carismática”: o carisma é aqui, simplesmente, o talento particular de uma espécie

de ator que representa o papel do “chefe” [...]”.

Durante estes cinqüenta e três anos em que comandou as atividades da Campanha,

Felipe Tiago Gomes conheceu muitas personalidades, conquistou muitos

colaboradores para a Instituição e presenciou as transformações e adaptações que

foram necessárias para a continuidade das atividades da Campanha, como teremos

a oportunidade de acompanhar no desenvolver do trabalho.

3. A FILANTROPIA NO BRASIL

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3.1 Por que a filantropia?

Para melhor compreensão da trajetória da Campanha Nacional de Escolas da

Comunidade - CNEC, é necessário trazer à discussão o desenvolvimento da

filantropia no Brasil, tendo em vista que a Campanha é uma entidade educacional

filantrópica, sendo considerada pessoa jurídica de direito privado, constituída sob a

forma de associação civil sem fins lucrativos, reconhecida de Utilidade Pública

Federal pelo Decreto nº. 36.505/54 e registrada junto ao Conselho Nacional de

Assistência Social desde 1951, como Entidade Beneficente de Assistência Social.

Neste capítulo será aprofundado o tema filantropia, principalmente na área

educacional, para conhecermos as mudanças e adaptações que se fizeram

necessárias ao longo dos anos, para que instituições deste caráter, como o das

escolas cenecistas, conseguissem manter o desenvolvimento das atividades a que

se propunham.

3.2 A filantropia nos leva antes aos conceitos de Estado e sociedade civil

Para avançar na questão da filantropia, existem duas discussões que a antecedem,

que é o aprofundamento do conceito de Estado e de sociedade civil a serem

utilizados neste trabalho.

Um número considerável de autores destaca o fato de que o Estado não atua nas

áreas sociais na proporção que as mesmas exigem e a sociedade civil, através das

instituições de caráter filantrópico e outros mecanismos, é que assume ações para

sanar ou diminuir as necessidades sociais da população.

Considerando essa realidade, é necessário que este trabalho ajude a promover uma

discussão sobre como acontece e o que promove esta relação entre o Estado e a

sociedade civil ao longo da história.

Segundo Landim (2002, p. 153):

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[...] há as avaliações das limitações e dos vícios da efetiva atuação do Estado brasileiro na área social – as ineficiências, cooptações, fisiologismos, autoritarismos, etc. Isso bastaria para justificar a manutenção de razoável distinção quanto à atuação do aparelho estatal e a especificidade da atuação não-governamental, do prosseguimento da luta pela autonomia dos “movimentos” e pela democracia.

A conceituação de sociedade civil ao longo da história se apresenta de formas

variadas, dependendo da localização histórica e da corrente que procura defini-la. A

compreensão de seu conceito está geralmente atrelada ao conceito de Estado.

Segundo Andion (2004, p. 13) “percebe-se que ao longo do tempo, a compreensão

da sociedade civil foi muitas vezes atrelada à dicotomia entre a sociedade e o

Estado: tudo que não cabia na esfera estatal era então definido como compondo a

sociedade civil”.

Bobbio (1987, p. 52) acrescenta que “[...] sociedade e Estado atuam como dois

momentos necessários, separados, mas contíguos, distintos, mas interdependentes,

do sistema social em sua complexidade e em sua articulação interna”.

Considerando a afirmação de Bobbio (2002, p. 1206), os dois conceitos – sociedade

civil e Estado – apresentam-se de forma articulada e distinta, contudo “a expressão

sociedade civil teve no curso do pensamento político dos últimos séculos, vários

significados sucessivos; o último, o mais corrente na linguagem política de hoje, é

profundamente diferente do primeiro e, em certo sentido, é-lhe até oposto”.

Ao conceituar sociedade civil, Gohn (2005, p. 62) trata das inúmeras interpretações:

[...] temos desde aqueles que utilizam o termo como processo de privatização, implicando a expansão do mercado e a limitação do Estado, até liberais da corrente humanista, que atribuem como espaço da sociedade civil o processo de aprofundamento da participação comunitária em projetos públicos, aumentando a performance do governo e sua aceitação pública. Outros advogam como sinônimo de civilidade. Recentemente observa-se, no ocidente, o crescimento da interpretação da sociedade civil como aperfeiçoamento dos processos deliberativos democráticos, para criar mais espaço público.

Ao tratar dos conceitos em análise, Santos (2005, p. 115-116) destaca que:

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[...] a partir dos últimos anos do século XX, as concepções sobre a natureza do capitalismo, do Estado, do poder e do direito tornam-se cada vez mais confusas e contraditórias. [...] Enquanto muitos autores criticam a tendência crescente do Estado para penetrar ou mesmo absorver a sociedade civil e para o fazer de forma cada vez mais autoritárias [...] outros autores convergem na idéia aparentemente contraditória com a anterior, de que o Estado é crescentemente ineficaz, cada vez mais incapaz de desempenhar as funções de que se incube”.

Considerando que a localização histórica é uma condição sine qua non para

desenvolvermos os conceitos em questão, parte-se de Gohn (2005, p. 62-63) para

dar início à conceituação de sociedade civil, sendo necessário ressaltar, que

paralelamente ao conceito de sociedade civil, estará sendo desenvolvido o conceito

de Estado, tendo em vista a relação que possuem.

Na doutrina do Jusnaturalismo, a exemplo de Hobbes, Locke e Kant, a sociedade civil é entendida numa situação de oposição à natureza. [...] a sociedade civil tem duplo aspecto: o de sociedade política e o de sociedade civilizada. A sociedade civil é considerada por Hobbes e seus seguidores como sendo a sociedade que se opõe à etapa primitiva da humanidade, o estado selvagem. (GOHN, 2005, p. 62-63)

Segundo Bobbio (2002b, p. 1207-1208), Rousseau difere desta concepção de

sociedade civil:

[...] enquanto para Hobbes (e igualmente Locke) a sociedade civil é a sociedade política e ao mesmo tempo a sociedade civilizada (civilizada na medida em que é política), a sociedade civil de Rousseau é a sociedade civilizada, mas não necessariamente ainda a sociedade política, que surgirá do contrato social e será uma recuperação do estado de natureza e uma superação da sociedade civil.

É possível concluir, desta forma, que o conceito de sociedade civil para Rousseau é

para Hobbes uma sociedade natural.

A partir do século XIX, Hegel traz um novo conceito teórico para sociedade civil.

Segundo Santos (2005, p. 120), para Hegel:

[...] a sociedade civil é uma fase de transição da evolução da “idéia”, sendo a fase final o Estado. A família é a tese, a sociedade civil é a antítese e o Estado é a síntese. A sociedade civil é o “sistema de necessidades”, a destruição da unidade da família e a atomização

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dos seus membros, em suma, o domínio dos interesses particularísticos e do egoísmo, um estádio que será superado pelo Estado, o supremo unificador dos interesses, a idéia universal, a concretização plena da consciência moral.

Desta forma, Hegel localiza a sociedade civil entre a família e o Estado.

Considerando esta estrutura, Gohn (2005, p. 63) pontua que “[...] nessa concepção,

a sociedade civil vai incorporar tanto o sistema das necessidades (a esfera

econômica), como o aparato jurídico, a administração pública e a corporação”.

Para Bobbio (2002b, p. 1208):

[...] ao distinguir a sociedade civil do Estado, Hegel quer justamente contrariar as teorias precedentes, muito caras aos jusnaturalistas, que, identificando o Estado com a sociedade civil, isto é, com uma associação voluntária que nasce de um contrato para a proteção externa dos bens de cada indivíduo, não conseguiam aperceber-se da real, efetiva excelência do Estado, em nome do qual os cidadãos são chamados, em tempos mais difíceis, até ao supremo sacrifício da vida.

Santos (2005, p.120) complementa sua análise acerca da conceituação de Hegel,

afirmando que:

[...] há, de algum modo, em Hegel duas linhas de pensamento sobre o Estado e a sociedade civil. Uma, altamente subsidiária ao pensamento liberal inglês e francês, é a distinção conceptual entre o Estado e a sociedade civil enquanto entidades contraditórias. A outra, distintamente hegeliana, é a idéia de que o conceito de sociedade civil não está no mesmo pé (no mesmo nível especulativo) que o conceito de Estado: corresponde a um estádio menos desenvolvido de consciência a ser efetivamente subsumido no Estado e, nesse sentido, a separação entre Estado e sociedade civil enquanto dois conceitos opostos e ao mesmo nível de abstração, é teoricamente insustentável.

Em relação ao pensamento de Marx, Gohn (2005, p. 63-64) coloca que, para ele,

[...] a sociedade civil não significa instituições postas entre família e Estado, como foi concebida por Hegel. Esta vai estar reduzida ao sistema das necessidades, isto é, à economia capitalista da sociedade burguesa. Para Marx a base econômica material modela tanto a religião e a filosofia, quanto as formas de expressão cultural e as instituições existentes. A sociedade civil envolve todo o conjunto da vida comercial e industrial de um determinado grau de desenvolvimento. [...] congrega ao mesmo tempo a luta de classes.

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A autora utiliza o texto de Marx e Engel, no livro A ideologia alemã (1974) apud

Gohn (2005, p. 65) para exemplificar a abrangência da sociedade civil:

A sociedade civil compreende todo o intercâmbio material dos indivíduos numa determinada etapa do desenvolvimento das forças produtivas. Compreende toda a vida comercial e industrial de uma etapa, e nesta medida transcende o Estado e a nação, embora, por outro lado, tenha de fazer valer em relação ao exterior como nacionalidade e de se articular como Estado em relação ao interior.

Segundo Santos (2005, p.120), Marx

[...] descobriu que as alegadas leis “naturais” da economia clássica escondiam relações sociais de exploração que o Estado, só aparentemente neutro, tinha como função garantir. Em vez do interesse social universal, o Estado representava o interesse do capital em conseguir a sua reprodução.

Diferente do pensamento de Marx, que classifica a sociedade civil no âmbito das

relações econômicas e, consequentemente passa a pertencer à estrutura, Gramsci

entende por sociedade civil, conforme Bobbio (2002b, p. 1210)

[...] apenas um momento da superestrutura, particularmente o momento da hegemonia, que se distingue do momento do puro domínio como momento da direção espiritual e cultural que acompanha e integra de fato nas classes efetivamente dominantes, e que deve acompanhar e integrar nas classes que tendem ao domínio, o momento de pura força. [...] serviu-se da expressão sociedade civil, não para contrapor a estrutura à superestrutura, mas para distinguir melhor do que o haviam feito os marxistas precedentes, no âmbito da superestrutura, o momento da direção cultural do momento do domínio político.

Gohn (2005, p. 65) indica que

[...] a filosofia política de Gramsci destaca a importância da organização da sociedade civil para a mudança da sociedade política, num plano onde há táticas e estratégias denominadas guerra de posição e guerra de movimento. Trata-se de organizar a sociedade civil para democratizar o Estado e seus aparelhos (a sociedade política). Ela não se contrapõe ao estado, mas é uma de suas partes constitutivas, junto com a sociedade política.

Em relação à crítica da distinção entre Estado e sociedade civil, Santos (2005,

p.123) faz a ponderação de que existem três objeções fundamentais:

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A primeira é que não parece correto que se ponha em causa esta distinção precisamente no momento em que a sociedade civil parece estar, por toda a parte, a reemergir do jugo do Estado e a autonomizar-se em relação a ele, capacitando-se para o desempenho de funções que antes estavam confiadas ao Estado. A segunda objeção é que, mesmo admitindo que a distinção é criticável, é difícil encontrar uma alternativa conceptual ou é mesmo logicamente impossível, pelo menos enquanto vigorar a ordem social burguesa. A terceira objeção é que, sobretudo nas sociedades periféricas e semiperiféricas (como a nossa) caracterizadas por uma sociedade civil fraca, pouco organizada e pouco autônoma, é politicamente perigoso por em causa a distinção Estado/sociedade civil.

Em relação às objeções de que trata Santos (2005, p.124), sobre a distinção entre

Estado/sociedade civil, entende-se que

[...] o que está verdadeiramente em causa na “reemergência da sociedade civil” no discurso dominante é um reajustamento estrutural das funções do Estado por via do qual o intervencionismo social, interclassista, típico do Estado-Providência, é parcialmente substituído por um intervencionismo bicéfalo, mais autoritário face ao operariado e a certos setores das classes médias [...] se traduz na reafirmação dos valores do auto-governo, da expansão da subjetividade, do comunitarismo e da organização autônoma dos interesses e dos modos de vida.

Ao conceituar sociedade civil, Gohn (2005, p. 65-66) destaca que

[...] no final do século XX a contribuição do autor francês Aléxis de Tocqueville deve ser considerada, tendo em vista sua experiência na América com as redes cívicas. [...] ele descreve a sociedade civil como uma associação cívica: consiste numa legião de entidades assistenciais, de caridade, fraternais, [...] a partir da colaboração de Tocqueville, outros autores partem para a discussão sobre sociedade civil, analisando o micro, a comunidade, o local, como se formam os grupos, como se comportam as lideranças.

Ainda segundo Gohn (2005, p. 66), é necessário destacar

[...] a contribuição de Alexander ao debate contemporâneo sobre a sociedade civil ao incluí-lo na galeria de conceitos que “lutaram” e foram se impondo [...] sugere que a sociedade civil pode ser concebida em três formas típicas/ideais, as quais têm sucedido uma após a outra na História moderna. Na primeira forma, [...] a sociedade civil era compreendida como um guarda-chuva para a gama de instituições fora do Estado. [...] na segunda forma, [...] ela passou a ser vista como campo de interesses puramente privados, [...] desaparece uma teoria social sobre a sociedade civil, todas as atenções concentram-se no Estado. [...] Na terceira forma, a

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sociedade civil passa a ser concebida como algo muito maior que um simples guarda-chuva que abriga o que não está no âmbito estatal. A sociedade civil passa a ter, em algumas abordagens, até certa independência. [... ] Conclui que pode ser concebida como um tipo de “comunidade civil”, uma esfera solidária na qual um certo tipo de comunidade universal cresce gradualmente, expressa pela opinião pública.

Em relação ao conceito de sociedade civil na atualidade, Bobbio (2002b, p. 1210)

evoca

[...] a conhecida distinção de Weber entre poder de fato e poder legítimo, pode-se também dizer que a sociedade civil é o espaço das relações do poder de fato e o Estado é o espaço do poder legítimo. [...] A contraposição entre sociedade civil e Estado tem sido frequentemente utilizada com finalidades polêmicas, para afirmar, por exemplo, que a sociedade civil move-se mais rapidamente do que o Estado, que o Estado não tem sensibilidade suficiente para detectar todos os fermentos que provêm da sociedade civil, que na sociedade civil forma-se continuamente um processo de deterioração da legitimidade que o Estado não tem sensibilidade suficiente para deter. Daí a freqüente afirmação de que a solução das crises que ameaçam a sobrevivência de um Estado deve buscar-se, antes de tudo, na sociedade civil, onde é possível a formação de novas fontes de legitimidade e, portanto, novas áreas de consenso.

Ainda em relação à definição de Estado, Santos (2005, p.127) trata das diferenças

que existem, entre os países centrais e periféricos

[...] como se sabe, a distinção Estado/sociedade civil foi elaborada em função das condições econômicas, sociais e políticas dos países centrais [...] Esta distinção assentava em dois pressupostos. Primeiro, era fácil delimitar o Estado, pois ao contrário do que sucedia com a sociedade civil, era uma construção artificial e dispunha de uma estrutura formal. O segundo pressuposto era que o Estado fora, de fato, feito pela sociedade civil segundo as necessidades e interesses desta, dela dependendo para a sua reprodução e consolidação.

Para Silva Jr (2004, p. 03):

O Brasil, por exemplo, é um modelo de organização política que sempre privilegiou o Estado forte. Não que este Estado seja uma representação do Estado hegeliano7, mas sim, um modelo de Estado burocrático autoritário, que além de manter a supremacia sobre a

7 Há na organização política hegeliana toda uma relação de reciprocidade entre Estado e Sociedade Civil, pois os deveres dos indivíduos perante o Estado têm que ser retribuídos através dos direitos conferidos pelo Estado. Neste caso direito e dever encontram-se reunidos em uma só relação.

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sociedade civil, também impede a organização e o fortalecimento desta, estabelecendo assim, uma desigualdade na relação de direitos e deveres, ou seja, não há uma relação recíproca entre Estado e sociedade civil, pois aquele sempre tende a diminuir os direitos e aumentar as obrigações dos indivíduos.

Em meio à discussão sobre Estado e sociedade civil, destaca-se a posição que o

Estado apresenta em relação à participação da sociedade civil nas questões sociais,

de forma mais específica na área educacional.

Silva Jr (2004, p. 03) trata desta questão da seguinte forma:

[...] a estratégia de descentralização adquire grande importância. A transferência, por parte do Estado, da responsabilidade de execução das políticas sociais às esferas menos amplas, [...] é entendida como uma forma de aumentar a eficiência administrativa e de reduzir os custos. Nestes termos, coerentes com a defesa e referência essencial aos princípios da liberdade de escolha individual e do livre mercado, os neoliberais postulam para a política educacional ações do Estado descentralizadas, articuladas com a iniciativa privada, a fim de preservar a possibilidade de cada um se colocar, de acordo com seus próprios méritos e possibilidades, em seu lugar adequado na estrutura social.

Uma das discussões que permeiam este trabalho é a questão da participação da

sociedade civil, em atendimento às necessidades da população em função da

ausência do Estado.

É possível perceber sinais que indicam esta transferência de responsabilidade

quanto à educação, quando acompanhamos a trajetória das escolas da Campanha

Nacional de Escolas da Comunidade.

Um destes sinais está indicado como uma das principais metas do ideal cenecista

apresentada por seus fundadores, que é a colaboração com o Estado, tendo em

vista que o mesmo não atendia em número suficiente e em qualidade a demanda

educacional.

Ao longo do desenvolvimento deste estudo, será necessário retornar ao papel do

Estado e da sociedade civil considerando a relação da Campanha com o Estado e o

papel desempenhado por cada um nesta trajetória.

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3.3 A filantropia no Brasil

A reconstrução histórica do processo de filantropia no Brasil confunde-se em vários

momentos com a prática da assistência social. Ao longo dos anos foi ganhando

novas estruturas, constituindo-se a partir de objetivos diversos e transitando na

relação entre o Estado e a sociedade civil.

A conceituação de filantropia está intimamente ligada à prática da caridade.

Mestriner (2001, p. 14) define que

[...] a filantropia (palavra originária do grego: philos, significa amor e antropos, homem) relaciona-se ao amor do homem pelo ser humano, ao amor pela humanidade. No sentido mais restrito constitui-se no sentimento, na preocupação do favorecido com o que nada tem, portanto, no gesto voluntarista, sem intenção de lucro, de apropriação de qualquer bem. No sentido mais amplo, supõe o sentimento mais humanitário: a intenção de que o ser humano tenha garantida condição digna de vida. É a preocupação com o bem-estar público, coletivo. (grifo da autora)

Já a assistência social tem como principal meta o ser humano. Traduz auxílio

àqueles que não possuem condições de resolver seus problemas, seja de ordem

econômica ou social.

Relacionar a filantropia com a assistência social é uma prática comum, pois em sua

essência expressam a solidariedade.

[...] entendidas como expressões de altruísmo, solidariedade e ajuda ao outro, envolvem desde atitudes ocasionais até formas institucionais praticadas por organizações sem fins lucrativos; ou, no campo político, formas de regulação do favor – “o toma lá dá cá” – quer pelo primeiro-damismo, quer pelas concessões de benesses por representantes políticos (MESTRINER, 2001, p. 13).

A presença das ações filantrópicas tomou uma proporção significativa em vários

setores da sociedade, trazendo a expectativa de resolução de problemas sociais

inerentes ao desenrolar do modelo capitalista. É possível encontrar a ação

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filantrópica na educação, saúde, meio ambiente, assistencialismo social e em outras

áreas que trazem preocupação à sociedade e, aparentemente, o Estado não atua na

proporção necessária.

Segundo Mestriner (2001, p. 16), “historicamente, esta área vai se estruturando nas

relações com a sociedade civil e no interior do Estado, pois se constituem em

práticas passíveis de serem tratadas com “sobras” de recursos, diferentemente da

política, que exige responsabilidade, compromisso e orçamento próprio”.

Ainda em relação ao fato das entidades filantrópicas ocuparem de forma significativa

os espaços não assumidos pelo Estado, com o apoio explícito e regulamentado da

distribuição de verbas para estas instituições, Januzzi (2003, p. 188) faz a seguinte

consideração:

[...] estes preceitos podem facilitar ainda mais a transferência de responsabilidades públicas para o setor privado, uma vez que a presença das instituições de caráter filantrópico têm sido uma constante na nossa história. [...] as instituições filantrópicas têm ocupado espaços que deveriam ser preenchidos pelo setor público tanto na área da educação quanto na saúde.

Considerando o objeto de estudo deste trabalho, ao tratarmos da filantropia no

Brasil, será dada maior ênfase à área da educação, que desde a colonização do

Brasil traz, de alguma forma, participação, parcerias e ações diretas de elementos

não ligados ao governo.

Januzzi (2003, p. 188) destaca que

[...] a sociedade brasileira sempre esteve aberta à iniciativa particular, principalmente após 1930, devido à Reforma Francisco Campos, que facilitou a equiparação dos estabelecimentos escolares privados (que são administrados por pessoa física e/ou jurídica, como associações religiosas, filantrópicas, comunitárias ou empresariais, que podem ser pagas ou gratuitas) com os públicos pela prescrição do currículo mínimo em âmbito nacional e extinção dos exames que a condicionavam. Nossas constituições asseguraram a liberdade ao ensino privado e, a última, explicitamente regulamentou a distribuição de verbas públicas para tais organizações escolares – comunitárias, confessionais ou filantrópicas – desde que obedeçam aos preceitos legais, comprovem finalidade não-lucrativa, apliquem seus excedentes financeiros em educação e assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional,

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ou ao poder público, no caso de encerramento de suas atividades. Os recursos públicos podem ser transferidos sob forma de bolsa de estudos para o ensino fundamental e médio, aos que demonstrem insuficiência de recursos, quando, quando houver falta de vagas e cursos regulares da rede pública onde o educando reside. Para tratarmos do desenvolvimento da ação comunitária em nossa sociedade, entendo que seja necessário realizar um retrospecto desta participação, desde sua origem.

É justamente através desta relação entre o Estado e a sociedade civil que a

filantropia veio se estruturando historicamente. Constituiu-se através de práticas e

recursos, que não exigem responsabilidades, compromissos e orçamento próprio.

Contudo, a partir da Constituição Federal de 1988, o Estado mudou o enfoque e

procurou fazer com que estas entidades se assumissem através de uma política

clara.

Entendo que a utilização da CNEC como eixo norteador, estará permitindo um

estudo mais detalhado dos últimos sessenta anos quanto à questão da filantropia na

área educacional, bem como todas as mudanças e adaptações que se fizeram

necessárias durante este período.

Quando avaliamos como as pessoas se agrupam, hoje, na defesa de seus direitos,

ou simplesmente na atuação do que consideram correto, é possível observar a

formação de organizações e entidades civis, que têm origens diversas. A

necessidade de haver uma organização e participação da sociedade civil no sentido

de amenizar ou solucionar problemas que se apresentam e que o Estado não atua

de forma a resolver, está intimamente ligada às questões da pobreza e remonta

desde a Antigüidade.

Segundo Marcilio (2003)

[...] ao realizar uma síntese da questão descreve que no Período Medieval, com a dominação dos grandes impérios, como o Romano, e posteriormente com o domínio religioso e político da Igreja Cristã, os pobres eram os escolhidos pela “vontade divina” e viviam desprovidos de bens, riquezas ou títulos. Neste contexto, a caridade e a doação das classes mais abastadas e dos religiosos eram as formas encontradas de tratar e controlar os pobres e todos os incômodos que eles representavam. O governo atuava de forma a oferecer “pão e circo” para o povo ao invés de atuar com eficácia no cerne da questão.

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O autor continua sua síntese, dizendo que

[...] em contraponto à caridade religiosa, com o desenvolvimento dos meios de produção, do moderno e do humanista, surge a noção de filantropia e do mecenato, que lembra o apoio às artes e às ciências e, sobretudo, o período da Renascença. É um período de grandes impactos sociais. O anúncio da passagem para o capitalismo: Os pobres não possuem o capital, nem os meios de produção. Sobrevivem do ganho da troca de sua própria força de trabalho, porém suas condições de vida são precárias. Neste contexto, o Estado propõe algumas leis e garantias sociais neste processo. A filantropia surge, através da ajuda da nobreza, para equacionar o trato com a pobreza.

Considerando a análise de Marcilio (2003, p. 62–63),

[...] no Brasil, a filantropia não é um fenômeno recente, está presente desde a colonização com o domínio da Igreja Católica. Em 1543 foi criada na capitania de São Vicente, a primeira entidade para atender os desamparados, a Irmandade da Misericórdia. Neste período, os recursos, principalmente os privados, e a utilização deles, passavam pelo crivo da Igreja. [...] Havia no Brasil um avanço das Santas Casas, das Ordens Religiosas, das Benemerências que atuavam principalmente nas áreas de saúde, previdência e assistência social. O Estado não provia a necessidade dos assistidos por estas obras, sua participação acontecia através das Câmaras Municipais que deviam contribuir com recursos para atender as necessidades mínimas dos assistidos. Em geral, havia muita relutância por parte das câmaras, que procuravam alternativas nas leis para se livrarem desta obrigação. Por vezes, a nobreza procurava intervir junto aos governantes, principalmente no que tange a questão das crianças abandonadas. Durante esta época, era comum que a título de caridade e salvação de seus espíritos, muitos ricos proprietários deixassem para as obras assistenciais quantias consideráveis que deveriam ser revertidas aos assistidos.

Segundo Januzzi (2003, p. 187), “com o século XIX chega a influência da filosofia

das luzes, do utilitarismo, da medicina higienista, das novas formas de se exercer a

filantropia e do liberalismo, diminuindo drasticamente as formas antigas de caridade

e solidariedade para com os mais pobres e desvalidos”.

Durante a Primeira República, Mestriner (2001, p. 67) traduz como se davam as

ações em relação a questões sociais “[...] o Estado não intervinha. Era um Estado

fraco. O que existia na área da assistência era desenvolvido pela Igreja Católica,

com quem o Estado republicano não se relacionava, por considerar que o social não

era função pública”.

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Este caráter caritativo da assistência imperou no Brasil desde sua colonização até a

Primeira República. Marcilio (2003, p. 78) informa que “a partir deste período inicia-

se uma nova fase no que tange a questão da filantropia, ocorrendo uma mudança

gradativa do modelo assistencial embasado na caridade, para um modelo pautado

na ciência, onde a assistência foi organizada dentro da nova ordem social, política e

econômica”.

A respeito deste novo período, que tem seu início marcado pela revolução de 1930,

Mestriner (2001, p. 67-68) analisa que:

Com a chamada Revolução de 30, o Estado terá que assumir funções maiores, superando a função apenas de coerção. [...] Terá que desempenhar funções econômicas, políticas e administrativas bastante amplas para produzir efeitos revolucionários na sociedade [...] Estruturará aparelhos centralizadores para o Estado, destinados ao exercício do controle e repressão, ao oferecimento de serviços sociais e à regulação econômica, numa época em que emerge o proletariado industrial e avança o capitalismo.

Em relação a esta nova fase da filantropia no Brasil, Januzzi (2003, p. 189) ressalta

mais elementos sobre este período:

[...] a partir da década de 30, houve o grande momento da assistência filantrópica tanto particular quanto pública no Brasil. Época em que a industrialização e a urbanização passaram a ditar as regras da nova atuação da elite econômica. O Estado ficou mais poderoso e intitulou-se enquanto o único portador do interesse público. O Estado Novo, com o presidente Getúlio Vargas a frente, no ano de 1935 emite a primeira lei em âmbito nacional que regulamenta as regras para que uma instituição fosse considerada de Utilidade Pública Federal.

Em 1938, Getúlio Vargas cria o Conselho Nacional do Serviço Social, estreitando

suas ações com a assistência social. Segundo Mestriner (2001, pp. 86–87):

[...] o Conselho Nacional do Serviço Social – CNSS (criado pelo Decreto-lei nº. 525, de 1º/7/1938) foi a primeira grande regulamentação da assistência social no país. [...] O Conselho é criado como um dos órgãos de cooperação do Ministério da Educação e Saúde, [...] sendo formado por figuras ilustres da sociedade cultural e filantrópica [...] Nesse momento selam-se as relações entre Estado e segmentos da elite: homens (e senhoras) bons, como no hábito colonial do império, vão avaliar o mérito do Estado em conceder auxílios e subvenções a organizações da sociedade civil.

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Skidmore (1982, p. 56) destaca que:

Getúlio Vargas tinha um estilo próprio de governar dando ênfase às áreas da previdência social e organização dos sindicatos trabalhistas, aumentou ainda mais o poder federal. [...] Se bem que a atividade federal nessas áreas se acelerasse sob o Estado Novo, e fosse considerada por Vargas como a pedra fundamental do seu novo estilo político depois de 1943, tinha ela sido iniciada antes da constituição de 1934. Fontes de renda canalizadas através dos institutos de previdência social e dos sindicatos trabalhistas, ainda que não fazendo parte das rendas federais, eram, a despeito disso, transferências supervisionadas pelas autoridades federais, e não estaduais ou municipais. A finalidade era aumentar o contato federal direto, em nível local, desse modo minando os alicerces da “política dos governadores”, que tinha vigorado antes de 1930.

Em seu estudo, Mestriner (2001, p. 71) faz uma análise de como foram tratadas as

questões sociais neste período:

[...] a proposta de Vargas [...] não se constituirá numa ruptura revolucionária, que venha a alterar os fundamentos estruturais da sociedade, mas numa ruptura reformista, que muda somente certos quadros institucionais, sem qualquer modificação estrutural básica. [...] O mesmo acontece com a assistência social, que à primeira vista parece ser tratada como área de inclusão, mas na realidade será influenciada e determinada pelo caráter seletivo do pensamento liberal, que considera a proteção social do âmbito privado e não público. Portanto, embora o governo varguista tenha inovado ao instalar a CNSS, ao final cria apenas uma política de incentivo ao amparo social privado e filantrópico, por meio de subvenção.

A partir da década de 30, com o crescimento da industrialização, há um crescimento

demográfico expressivo sem planejamento e estruturação prévia, o que desenvolve

de forma acelerada a pobreza e suas conseqüências. “[...] a extrema pobreza da

classe operária no final da década de 20 e na década de 30 é tal que não há como

desconhecê-la” (MESTRINER, 2001, p. 76).

Ao final da Era Vargas, as questões sociais, como problemas da educação,

saneamento, saúde, emprego, habitação, estão cada vez mais presentes no

cotidiano da população brasileira. Diante deste contexto, Vargas dá início à

filantropia disciplinadora, quando faz uso da relação do Estado com a sociedade

civil, através das instituições filantrópicas e direciona o interesse das práticas

assistenciais para a preparação da futura mão de obra, que são os adolescentes e

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jovens que enfrentam a pobreza da época e, no entendimento do Estado, precisam

ser disciplinados.

Getúlio Vargas cria, em 1942, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI [...] vai se tornar rapidamente um grande empreendimento de qualificação de mão de obra, principalmente juvenil. [...] implementa-se o comportamento filantrópico-disciplinador do Estado e do empresariado (MESTRINER, 2001, p. 94).

Neste período, em que a população brasileira vive problemas sociais graves, grupos

diversos, como as ordens, confrarias e irmandades da Igreja Católica, grupos laicos,

espíritas, protestantes e evangélicos são incentivados pelo Estado a assumir,

através de instituições filantrópicas, grande parte da responsabilidade e do

movimento pela educação.

De acordo com Durão e Landim (2006, p. 10):

[...] a aliança entre fé e Pátria, entre a poderosa Igreja Católica e o governo populista e ditatorial de Getúlio Vargas (1930-1945), foi o pano de fundo para o repasse de recursos públicos às escolas, hospitais e obras sociais católicas espalhadas pelo país. Não é, portanto, por acaso que data desse período a espinha dorsal da legislação, mantida até hoje, que regula as relações entre Estado e organizações privadas sem fins lucrativos. Ou seja, a centralização e a provisão direta de serviços pelo Estado na área da educação, saúde e assistência, não deixou de reservar um lugar para as organizações privadas sem fins lucrativos. [...] com o tempo, essas três áreas de organizações vão-se diversificar quanto à origem, somando-se ao campo de outras religiões, assim como entidades crescentemente secularizadas. Educação, cultura, saúde e assistência social são áreas caracterizadas historicamente por funcionarem em colaboração com o Estado, sendo tradicionais receptoras de fundos públicos, mesmo que jamais houvesse políticas claramente definidas nesse sentido – sendo essa uma história pouco estudada. Perpassam parte desse campo os vícios históricos que marcam as relações entre sociedade e Estado no Brasil: clientelismos e favorecimentos políticos, com a transferência de recursos públicos para usos privados.

Em relação a esta situação apresentada, Mestriner (2001, p. 108) entende que:

[...] a intervenção governamental nesse campo dá-se efetivamente pela delegação de responsabilidade à sociedade civil, mobilizada [...] pelo discurso ideológico governamental. [...] Reforça-se o pacto entre o governo e as diferentes facções burguesas, objetivando um projeto comum, sob a égide do corporativismo estatal, de integração e controle do movimento operário.

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Quanto à fundação da Campanha neste período, relata-se:

[...] surge a Campanha do Ginasiano Pobre (CGP), em 1943, hoje Campanha Nacional de Escolas da Comunidade (CNEC), como um movimento para a oferta de educação à população carente, cujos fundadores foram imbuídos das idéias ligadas ao entusiasmo pela educação. Sua expansão verificou-se a partir de 1945, após o final da ditadura Vargas, com forte apoio do Estado, no período em que se intensificavam as campanhas oficiais e extra-oficiais de educação popular. (SILVA, 2003, p. 25, grifo da autora)

Analisando a afirmação de Silva (2003), é possível perceber que a relação da

Campanha com o Estado foi significativa, considerando que a expansão das escolas

da CNEC se deu a partir do forte apoio do Estado. Cabe a este estudo analisar em

que nível se deu esta relação e qual o bônus e/ou ônus que cada parte conseguiu.

Com o final da Era Vargas, segundo Mestriner (2001, p. 118), em relação às

questões sociais:

[...] o Estado reafirma o CNSS como instituição mediadora da regulação estatal da filantropia, que será utilizada como estratégia persistente no trato à pobreza [...] A tendência continuará a ser a valorização do empreendimento particular, apoiado pela ação governamental. [...] A ampliação de instituições sociais nesse período vai ser estimulada pela Constituição Federal de 1946.

A Constituição Federal de 1946 procura possibilitar uma retomada da democracia no

país. Não estabelece de forma clara uma política social, tampouco especifica o que

se concebe em relação à filantropia. Apenas trata da isenção de impostos às

instituições de assistência social, oportunizando o benefício fiscal de forma

generalizada.

Art. 31 - A União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios é vedado:

V - lançar impostos sobre:

b) templos de qualquer culto bens e serviços de Partidos Políticos, instituições de educação e de assistência social, desde que as suas rendas sejam aplicadas integralmente no País para os respectivos fins (CF, 18/069/1946).

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No governo de Juscelino Kubitscheck, compreendido de 1956 a 1961, as instituições

filantrópicas recebem um olhar especial por parte do Estado. Segundo Mestriner

(2001, p. 108),

JK alarga de forma significativa os incentivos à filantropia. [...] abre para as instituições filantrópicas nova possibilidade de auferir recursos financeiros, alterando a legislação de imposto de renda em 1958, pela Lei nº. 3.470. Autoriza a dedução na renda bruta das pessoas naturais ou jurídicas, para efeito da cobrança de imposto de renda, das contribuições e doações feitas a instituições filantrópicas. E com o Decreto nº. 3.830/60 amplia tal benefício para instituições de educação, de pesquisas científicas ou de cultura, portadoras da Declaração de Utilidade Pública. [...] oficializa na forma da lei a possibilidade de isenção com relação à cota patronal da contribuição à Previdência Social, introduzindo, para este acesso, o certificado de fins filantrópicos, abrindo grande precedente fiscal.

É possível analisar esse expressivo benefício fiscal como uma maneira de justificar a

ausência da atuação do Estado nas questões sociais e a transferência desta

responsabilidade para a sociedade civil.

A Campanha Nacional de Escolas da Comunidade foi uma das instituições

beneficiadas pelas políticas adotadas durante o governo de Juscelino Kubitscheck,

pois já era reconhecida de Utilidade Pública Federal pelo Decreto nº. 36.505/54 e

registrada junto ao Conselho Nacional de Assistência Social desde 1951, como

Entidade Beneficente de Assistência Social.

Além dos benefícios trazidos pelos incentivos fiscais durante o governo de JK, a

Campanha passou a integrar a política do governo federal de forma expressiva. Os

incentivos do Estado para a CNEC extrapolavam os benefícios fiscais e eram

identificados sob a forma de construção de prédios, doações de terrenos e recursos

financeiros.

Silva (2003, p. 105) relata este período próspero em seu estudo:

[...] a participação do Estado aumentou bastante após a nomeação do presidente Juscelino Kubitscheck, havendo maior expansão da instituição. [...] a maior extensão da Campanha se dá nesse governo, com uma taxa de crescimento de matrícula na ordem de 232% e de escolas na ordem de 249% [...] A contribuição do governo ocorreu, sobretudo, com a construção de prédios para as escolas da Campanha.

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Neste período, a primeira dama do Brasil, Sra. Sarah Kubitscheck era a presidente

da Campanha. Considerando que o Conselho Nacional da CNEC é sempre

composto por personalidades do meio político ou social, este passa a ser um

mecanismo para estreitar os laços nesta relação de poder e troca, necessária para

ambas as partes. Fica evidente que a CNEC sempre busca conselheiros que serão

parceiros no sentido de trazer benefícios para a Campanha. Assim como a Sra.

Sarah Kubitscheck, em 1998 fez parte do Conselho Nacional o Ministro Renan

Calheiros e Ministro Waldeck Ornelas, mais seis Senadores e oito Deputados

Federais e, hoje, quem preside o Conselho é o Deputado Federal Alexandre José

dos Santos, reeleito nas eleições de 2006, no estado do Rio de Janeiro.

Na gestão da Sra. Sarah Kubitscheck, a Campanha recebeu da Companhia

Urbanizadora da Nova Capital do Brasil – NOVACAP doação de um terreno em

Brasília, para a construção de sua sede na nova capital da República, a pedido da

primeira dama.

Gomes (1980, p. 144) relata a ida dos membros da CNEC a Goiás, no ano de 1960:

[...] na jovem capital goiana, realizou-se o XII Congresso, um dos mais proveitosos do nosso movimento. Muita discussão e bastante camaradagem. Sobressaíram-se os companheiros goianos pelo bom trabalho na organização do conclave. Visitamos autoridades estaduais e também o terreno em que seria construída a futura sede da Campanha em Brasília – doação da NOVACAP, feita a pedido de D. Sara Kubitscheck, quando ocupava a presidência da CNEC. Para a direção da entidade foi eleito, mais uma vez, o fundador da entidade.

Este relato de Felipe Tiago Gomes, no livro que conta a História da Campanha, traz

duas questões de fundo para serem analisadas. Uma é o registro que aparece

novamente da ligação da CNEC com as autoridades dos locais onde têm ou

pretendem estabelecer escolas da Campanha. São estes contatos e ligações que

abrem as portas aos representantes da instituição para se estabelecerem nos

estados ou municípios. É possível observar, nos documentos e registros da

Campanha, que esta relação é vital para sua existência, pois são estas autoridades

que viabilizam convênios, contratos, auxílios financeiros e outras formas de

colaboração para a instituição.

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Em relação a esta questão da relação com as autoridades, Silva (2003, p. 105)

destaca que “[...] é importante ressaltar que existe a indicação de que a expansão da

Campanha se deu, a partir de então, não só por estímulos dos governos, mas

também por solicitação desses”.

Considerando esta afirmação, fica evidente que da mesma forma que a CNEC

necessita do Estado e da influência de autoridades para se estabelecer e expandir, o

Estado faz da parceria com a CNEC uma forma de atender a questão social da

educação em diversas localidades.

A outra questão que emerge no relato de Felipe Tiago Gomes é a forma como ele

trata a sua reeleição para a direção da CNEC: “Para a direção da entidade foi eleito,

mais uma vez, o fundador da entidade” (GOMES, 1980, p. 144).

A forma como ele registra o fato, reforça a necessidade de aprofundar o debate

acerca da permanência vitalícia do professor Felipe nos cargos de maior relevância

da Campanha.

No governo de João Goulart, conforme relata Mestriner (2001, p. 140):

[...] o índice de analfabetismo é altíssimo e denuncia que a metade da população adulta é analfabeta. [...] nesse período disseminam-se os cursos de educação popular, e o método Paulo Freire de alfabetização é utilizado principalmente pelas instituições sociais na luta contra o analfabetismo.

Com a instalação do Regime Militar em 1964, a desigualdade social se acentua e as

manifestações de conflito social são controladas pela coerção e violência. Contudo,

Mestriner (2001, p. 155) salienta que “as ações assistenciais serão mais uma vez

utilizadas para amenizar o estado de empobrecimento da população, inclusive dos

trabalhadores”.

Neste período, o Estado estreita os laços com as instituições filantrópicas e.

segundo Mestriner (2001, p. 166):

[...] a estratégia da descentralização e ampliação das ações será ainda a utilização da rede privada, só que numa outra qualidade de relação. Aparecem os acordos de parceria, que de início se darão de

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maneira informal, sendo posteriormente formalizados por instrumentos jurídicos, como convênios, acordos de cooperação mútua, etc. [...] no que se refere à subvenção, o Estado se posiciona apenas como colaborador, mantendo-se à distância dos problemas sociais, porém quanto aos convênios ele assume suas responsabilidades por intermédio das ações das entidades sociais.

Durante o regime militar, a Campanha das Escolas da Comunidade no Espírito

Santo teve seu período de maior expressão. Nos anos de 1967 a 1971, o maior

colaborador da CNEC no estado, Christiano Dias Lopes Filho, assumiu o posto de

Governador do Estado. A relação da Campanha com o Estado foi de total e mútua

colaboração. O crescimento da rede física e a oferta de vagas para atender a

população capixaba foram realizados – em sua maior parte – através da parceria

entre CNEC e Estado.

No início da década de 1980, com o enfraquecimento do Regime Militar e a

retomada do processo de democratização, no que tange a relação entre o Estado e

sociedade civil, através das instituições filantrópicas, é um período marcado pelo

surgimento do Fórum de Defesa da Escola Pública, dos debates que antecedem a

Constituição Federal de 1988, as alterações da legislação e o surgimento de outras

instituições com características e objetivos próximos aos das instituições

filantrópicas, com o fortalecimento do Terceiro Setor.

Precedendo aos debates em torno da nova Constituição, que envolveram os

diversos segmentos da sociedade e ao período da abertura política, houve no Brasil

o início das discussões e atuações no chamado terceiro setor.

Landin (2002, pp. 42–43) traz a definição segundo a qual:

Terceiro Setor não é um termo neutro... É de procedência norte-americana, contexto em que o associativismo e o voluntariado fazem parte de uma cultura política e cívica baseada no individualismo liberal, em que o ideário dominante é o da precedência da sociedade com relação ao Estado. Certamente, portanto, é expressão que aqui chega carregada de pressupostos e conotações que antes de mais nada complicam sua operação, sem mediações, no contexto da sociedade brasileira. [...] Acrescente-se o fato de que o cenário atual no qual a idéia se afirma é propício a interpelações quanto à sua funcionalidade, quando está em jogo o desmonte dos direitos e a diminuição da responsabilidade do Estado com relação às políticas sociais. De fato, freqüentemente terceiro setor é utilizado, implícita ou

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explicitamente, para produzir a idéia de que o universo das organizações sem fins lucrativos é uma espécie de panacéia que substitui o Estado no enfrentamento de questões sociais.

Ao descrever sobre terceiro setor, Gohn (2001, pp. 73-74) trata a questão da

seguinte forma:

[...] é uma expressão com significados múltiplos devido a sentidos históricos diferenciados, em termos de realidades sociais. [...] nos estados Unidos é associado ao termo “associações voluntárias” [...] grandes empresas e pequenos e médios empresários apóiam ou investem no setor como forma de diminuir o pagamento de taxas de impostos. Fundações são criadas para gerir os recursos destinados a obras sociais, muitas delas dedicam-se ao apoio à educação. [...] Na Inglaterra, o terceiro setor vem da tradição das charities, a caridade, referindo-se à memória religiosa ou o termo “filantropia”, noção um pouco mais moderna que procuraria se desvincular do conteúdo meramente assistencialista da caridade, introduzindo elementos humanistas e abrindo espaço para articulação com a posição norte-americana, no que se refere ao mercado, dando origem também à filantropia empresarial.

Segundo Fernandes (1994, p. 65-69), “[...] o surgimento das ONGs é talvez o

sintoma mais claro, na América Latina, das tendências que nos levam a pensar “num

terceiro setor”. [...] os dados recolhidos projetam um quadro nítido: as ONGs

tornaram-se um fenômeno massivo no continente a partir da década de 1970. O

autor (1994, p. 127) prossegue afirmando que “a idéia de um “terceiro setor” supõe

um “primeiro” e um “segundo”, e nesta medida faz referência ao Estado e ao

mercado.

É necessário ressaltar que o fortalecimento estratégico do terceiro setor, se deve em

grande parte à incorporação das ONGs à este campo. Gohn (2001, p. 74) destaca

que “[...] se incorporou ao campo do terceiro setor: as ONGs – Organizações Não-

Governamentais. Sabemos que a nomenclatura ONG, inicialmente esteve associada

à ONU e se referia a um universo de entidades que não representavam governos,

mas tinham presença em várias partes do mundo.”

É no momento de fortalecimento do terceiro setor, através das instituições que se

pretendem entre o Estado e o mercado, sejam instituições filantrópicas, ONGs,

Fundações, dentre outras, que acontecem os debates e discussões para elaboração

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da Constituição. A força deste terceiro setor fica marcada no texto da lei que é

aprovado em 1988.

Durão e Landim (2006, p. 12) afirmam o seguinte:

A Constituição de 88 é um momento significativo. Essa Carta possui caráter programático no que se refere aos direitos econômicos, sociais e culturais o que, ao lado do fortalecimento de instâncias de controle e participação social em políticas públicas, representou o esforço de formalização de uma década ininterrupta de lutas e pressões por parte da sociedade civil organizada. Ressalte-se particularmente os setores da Igreja Católica com suas pastorais e comunidades de base, assim como movimentos sindicais, corporações profissionais, movimentos de moradores, ONGs, movimentos de mulheres, de negros, indígenas e ecologistas que, de uma forma mais ampla através das plenárias pela participação popular na Constituinte chegaram a obter mais de 12 milhões de assinaturas para os seus pleitos frente aos constituintes, realizando centenas de reuniões e audiências públicas. Ao lado dessas definições quanto a direitos sociais obteve-se um resultado político de descentralização nas políticas públicas, no âmbito das políticas de saúde e educação, assim como um fortalecimento das atribuições dos municípios, sendo constituídos novos fundos constitucionais para o desenvolvimento regional. A emergência de conselhos tripartites para as diferentes políticas públicas (trabalho, saúde, educação etc.) e para segmentos da população (crianças e adolescentes, mulheres, negros, idosos e outros), acentuavam as dimensões de descentralização e desverticalização, bem como abriam novas margens de participação e controle público.

Segundo Toschi (2003, p. 147-148):

[...] durante o processo de elaboração da Constituição de 1988, verificou-se novamente o confronto entre publicistas e privatistas. [...] Ideologicamente atacavam o ensino público, caracterizado como ineficiente e fracassado, contrastando-o com a suposta excelência da iniciativa privada, mas ocultando os mecanismos de apoio governamental à rede privada, tais como imunidade fiscal sobre bens, serviços e rendas, garantia de pagamento das mensalidades escolares e bolsas de estudo. Esses mecanismos mantiveram-se mesmo após a promulgação da Constituição de 1988.

De acordo com Ghon (2005, p. 83-84), o Fórum Nacional de Defesa da Escola

Pública – FNDEP surgiu em 1986 com o objetivo de participar dos debates da

Constituição Federal de 1988 e da nova LDB e:

[...] apresenta uma singularidade única: é um movimento que busca preservar a atuação estatal. [...] A defesa da escola pública busca

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resgatar o papel do Estado enquanto o agente que deve criar, defender e gerenciar os bens públicos para a coletividade e não para as corporações privadas. [...] As escolas ditas Comunitárias defenderam na Constituinte a idéia da não exclusividade das verbas públicas para as entidades públicas. E foram as grandes vitoriosas do processo.

Diante das afirmações dos autores, entende-se que a Constituição de 1988 veio

celebrar de forma legal a parceria do Estado com estas entidades, em relação à

questão da educação, ao aprovar no texto da lei a destinação de recursos públicos

para a iniciativa privada de caráter filantrópico.

Art. 213. Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei, que:

I - comprovem finalidade não-lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação;

II - assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao Poder Público, no caso de encerramento de suas atividades.

§ 1º - Os recursos de que trata este artigo poderão ser destinados a bolsas de estudo para o ensino fundamental e médio, na forma da lei, para os que demonstrarem insuficiência de recursos, quando houver falta de vagas e cursos regulares da rede pública na localidade da residência do educando, ficando o Poder Público obrigado a investir prioritariamente na expansão de sua rede na localidade (BRASIL, C.F., 1988).

A Campanha Nacional de Escolas da Comunidade acompanhou e vivenciou cada

movimento da relação do Estado com as instituições filantrópicas desde sua criação.

O próximo passo deste estudo é acompanhar como se deu a história da CNEC,

ressaltando os mecanismos e estratégias que foram utilizados, para que as

adaptações necessárias acontecesse à medida que o contexto histórico exigia, para

que suas atividades pudessem prosseguir e a relação com o Estado não se

rompesse.

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4. A TRAJETÓRIA DA CNEC

Para que seja possível analisar as relações da Campanha Nacional de Escolas da

Comunidade com o Estado e os mecanismos e estratégias que foram

desenvolvidos, para que as adaptações necessárias acontecessem no sentido de

garantir a manutenção dessa relação, é necessário conhecermos como se deu este

processo histórico.

Realizar o desenvolvimento desta história implica em analisar, paralelamente a este

processo, as características e posturas dos diversos governos que dirigiram o

Estado em cada período e o comportamento de ambos – CNEC e Estado – neste

caminhar.

4.1 A origem e expansão pelo Brasil

Destacamos anteriormente que a história da Campanha Nacional de Escolas da

Comunidade está intimamente ligada à história de um de seus principais fundadores,

Felipe Tiago Gomes.

Nascido de uma família sem recursos financeiros, no interior da Paraíba, Felipe

Tiago Gomes precisou se transferir para um grande centro, no caso, a cidade de

Recife, em Pernambuco, para dar prosseguimento aos seus estudos. Neste

processo, contou com a colaboração de pessoas em melhores condições financeiras

e se dedicou a vários empregos para garantir seu sustento.

As questões sociais enfrentadas neste período – final da década de 1930 e início da

década de 1940 – que impulsionaram a ida de Felipe Tiago Gomes do interior da

Paraíba, onde não havia possibilidades de estudo e indicativos de melhoria nas

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condições sociais e financeiras, são traduzidas por Mestriner (2001, p. 68) “O país

vive uma problemática concreta, formada por grandes massas empobrecidas ainda

em conseqüência da libertação dos escravos e agravada pelo intenso êxodo rural,

pela desqualificação e despreparo dos trabalhadores”.

Um dos empregos de Felipe Tiago Gomes em Pernambuco, foi na biblioteca da

Casa do Estudante. É neste espaço que Felipe Tiago Gomes conhece a obra de

John Gunther, o livro “O Drama da América Latina”, que conta a trajetória do jovem

dirigente estudantil peruano, Victor Raúl Haya de la Torre, que, no início dos anos

20, cria um núcleo de universitários voluntários, comprometidos com a luta dos

trabalhadores, para alfabetizar os índios e os trabalhadores no Peru.

Segundo os relatos e documentos da Campanha, essa obra influenciou de forma

decisiva o então estudante Felipe Tiago Gomes e o despertou para a necessidade

da criação de uma instituição que visasse a assegurar o direito de estudar aos

jovens pobres do Brasil.

Socializou a idéia com o colega de quarto, Everardo da Cunha Luna – que, como

ele, também passou por muitas adversidades para conseguir realizar seus estudos –

e com o colega Carlos Luis Andrade. Ambos aprovaram a possibilidade de iniciar o

movimento proposto por Felipe Tiago Gomes e deram início às atividades para a

criação de espaços que possibilitassem a oferta de ensino aos jovens sem

condições financeiras.

Contudo, permanece o questionamento sobre o porquê de encampar tal movimento.

Segundo o próprio Felipe Tiago Gomes (1980, p. 12), o movimento surgiu em virtude

do contexto em que viviam no período:

[...] filósofos, sociólogos e outros homens de cultura afirmavam não ser justa tão tremenda desigualdade: os filhos de ricos podiam libertar-se da ignorância; os pobres estavam condenados a permanecer na infra-estrutura social. [...] Estávamos em plena segunda Grande Guerra. Os estudantes gritavam por liberdade, aproveitando comícios contra a Alemanha, Japão e Itália. O Recife às escuras, por medidas de segurança, era a cidade que mais sofria as conseqüências da ditadura. Aqueles jovens presenciavam o choque de idéias e também dele participavam. Mas, da angústia que martirizava o grupo, uma luz de esperança foi acesa. Que adiantava a libertação do mundo, se o Brasil continuava escravo? Daí a

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resolução daqueles moços em busca de uma liberdade que não brotasse de trincheiras materiais, mas do funcionamento de milhares de escolas.

Neste relato de Felipe Tiago Gomes, percebe-se que o hiato existente entre os filhos

de pobres e ricos (grifo nosso), foi um dos principais fatores que levaram os

cenecistas a investirem no movimento.

Silva (2003, p. 92) trata desta questão, dizendo:

[...] o que movia a iniciativa era o acesso à educação para aqueles que não conseguiam continuar seus estudos, além de deixar indícios da vinculação desses líderes ao movimento educacional denominado entusiasmo pela educação8, o qual acreditava que, por meio do processo educacional, seria possível construir uma sociedade democrática”.

Pode-se aprofundar a análise recorrendo-se a Paiva (1997, apud SILVA, 2003, p.

92), que ressalta:

Com o final da Guerra e a derrubada do Estado Novo, a alfabetização e a educação da população adulta passaram a ser percebidas como um instrumento da redemocratização [...] o entusiasmo pela educação ressurge com o fortalecimento dos ideais da democracia liberal, revigorando a crença, que através da educação, seria construída uma sociedade mais democrática. [...] campanhas de massa desenvolveram-se através da difusão do ensino e da criação de escolas para adultos e crianças, mantidas pelas contribuições dos sócios, vendas de selos, festivais e doações. Possuíam uma concepção filantrópica e humanitarista da educação, apoiadas na visão de que a educação era a causa de todos os problemas.

Os mecanismos citados pela autora, utilizados para manter as campanhas, também

foram utilizados pela CNEC, em sua origem. Realizaram vendas de boletins

8 Trata-se de um movimento que iniciou por volta dos anos 20, liderado por intelectuais, médicos, industriais imbuídos do fervor nacionalista, que acreditavam que a escolarização era o "problema vital" do país. Solucionado o problema da educação, estariam resolvidos os problemas políticos, econômicos e sociais. O brasileiro alfabetizado poderia votar e, segundo a expectativa de várias organizações políticas, faria com que o país deixasse de ser governado por oligarquias. O brasileiro educado poderia contribuir, como trabalhador qualificado, para a modernização industrial. Por fim, os contrastes sociais desapareceriam, porque a escolarização acabaria com a "ignorância popular", considerada responsável pela pobreza de grande parte dos brasileiros. Os ideais republicanos e democráticos poderiam ser cumpridos; todos os homens, por terem passado pela escola, viveriam como iguais (BIGNOTTO, 2006).

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informativos, apresentações de peças teatrais, cooptaram doações, apoio financeiro,

entre outros.

Para Holanda (1981, p. 27):

Os estudantes pernambucanos parece que, sofrendo as influências da ideologia da época, inclusive no Estado Novo, enquanto a educação era vista como meio de trazer soluções aos problemas nacionais, compreenderam a profundidade do problema convencidos de que também eles, a exemplo dos estudantes peruanos, poderiam colaborar na sua solução, criando algo que significasse ou que fosse, de fato, conjugação de esforços do povo e do Estado para promover educação para todos. Sabendo do que se passava no Brasil, e, de modo particular no Nordeste, sobretudo no setor da educação secundária, viram-na nas mãos dos particulares, impossibilitando de estudar os que não dispunham de dinheiro, ao mesmo tempo em que se conscientizaram da necessidade de providências que atendessem a demanda que crescia.

Apesar da Campanha se expandir ao longo de sua história por quase todo o país,

neste momento de criação, a realidade vivida por seus fundadores era a realidade

nordestina. O projeto era de oferecer educação a todos os jovens que não possuíam

condições em todo o país, mas o primeiro passo foi de fato no Nordeste.

Os primeiros anos de atividade da CNEC foram voltados para o curso ginasial. À

medida que foram se expandindo, novos

níveis de ensino foram desenvolvidos pela

Instituição, chegando a atender da

educação infantil ao ensino superior.

Em 29 de julho de 1943, foi criada a

Campanha do Ginasiano Pobre, hoje

chamada Campanha Nacional de Escolas

da Comunidade – CNEC. O primeiro

Ginásio recebeu o nome de Castro Alves,

em homenagem ao poeta que, por meio de

sua luta e de seus pensamentos idealistas,

inspirou os estudantes envolvidos na

criação da Campanha, que procuraram dar

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Foto 2 - Ginásio Castro Alves(primeira escola cenecista, Recife/PE.

Fonte: Portal da CNEC http://www.cnec.br/portal/index.ph

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um sentido social, humano e político – mesmo que em sua origem não fosse político

partidário – ao movimento. “E assim, influenciados pelas lutas de Castro Alves, em

defesa dos escravos, pelas batalhas de libertação nacional, travadas no solo

nordestino, lançamos as bases de um movimento de profundo sentimento social e

humano” (GOMES, 1980, p. 13). Localizado na cidade do Recife - Pernambuco, o

prédio foi cedido pelo governo do Estado para o ensino de estudantes pobres que

não tinham acesso à educação.

Conforme mencionado anteriormente, para dar prosseguimento às atividades da

Campanha, era preciso angariar fundos e reunir mais adeptos. Os fundadores

resolveram, então, distribuir boletins informativos para difundir a idéia. A primeira

edição circulou no dia 30 de agosto de 1943 e trouxe muitos adeptos e

simpatizantes à Campanha. O Boletim distribuído no dia 07 de setembro de 1943

trazia o seguinte trecho: “[...] formai nossa fileira, adotai nosso Lema e dizei conosco

queremos fundar um ginásio para o moço pobre. Estirai vossa mão Estudante rico,

em favor do jovem pobre e inteligente que também deseja estudar” (GOMES, 1980,

p.18).

Além dos boletins, realizaram um teatro amador para ajudar a obter algum capital.

Segundo Gomes (1980, p. 23), “Enfrentamos a fome, o frio e as noites mal dormidas

nas tábuas do palco. [...] Algumas apresentações davam pequenos lucros, outras,

prejuízo. [...], porém, desta experiência, surgiu o Teatro do Estudante de

Pernambuco”.

Desde a fundação da Campanha, em 1943 até o ano de 1946, muitos esforços

foram feitos no sentido de que os cursos mantidos no Ginásio Castro Alves fossem

reconhecidos e que seus alunos pudessem ser certificados e seus exames tivessem

validade.

A partir de 1945, os dirigentes da Campanha passaram a empreender todos os

esforços para conseguir o reconhecimento do ginásio junto ao Ministério da

Educação. A imprensa, desde a criação do movimento e principalmente neste

período, foi considerada uma forte aliada, divulgando a Campanha e exigindo das

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autoridades uma definição em relação ao reconhecimento das atividades já

desenvolvidas.

Como exemplo, Gomes (1980, p. 28) cita a publicação feita pelo Professor

Waldemar de Oliveira, da Faculdade de Medicina e Diretor do Teatro Santa Isabel,

no jornal “Diário da Manhã”, de Recife, acerca do movimento da Campanha. “[...] O

que importa é a vontade de realizar, a existência mesma da organização, os

preceitos que a animam, numa palavra: a esplêndida exceção de rapazes que se

voltam apaixonadamente para a objetivação de seu ideal”.

Este mesmo período foi marcado pela ruptura no grupo de fundadores da

Campanha, que em virtude do período eleitoral, deixaram as atividades do

movimento para se dedicarem ao processo de campanha eleitoral. “Foi, porém,

considerado um ano triste, pelo não reconhecimento e por ter havido divergências

entre o grupo, cujos participantes se envolveram em campanha eleitoral” (SILVA,

2003, p. 97).

Em relação à dispersão dos fundadores da Campanha, Joel Pontes, membro deste

grupo, destaca: “Nossa união cambaleou, o reconhecimento do Ginásio não

chegava, uns abandonaram a Campanha, outros aderiram, tudo por causa da

política” (SILVA, 2003, p. 95).

O período de ruptura não durou mais do que um ano e serviu como um divisor de

águas, pois trouxe uma mudança radical na idéia original da Campanha, que não

aceitava a colaboração do Estado e de políticos em suas atividades. Acreditavam

que a população e a imprensa seriam o suficiente para solidificar e expandir suas

ações. Contudo, a realidade apresentada foi outra e os membros do movimento

perceberam que era necessário iniciar uma parceria com o Estado, se quisessem de

fato dar continuidade à Campanha.

Neste momento inicia-se a aproximação da CNEC com o Estado. Esta relação se dá

em vários níveis, passando a agregar, em torno do movimento, políticos e pretensos

candidatos a ingressarem no universo eleitoral, interessados em utilizar a CNEC

como bandeira de campanha e seus beneficiados como possíveis eleitores.

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Não podemos negar que para o Estado, que não via as questões sociais – entre elas

a educação – como prioridade de investimento, movimentos como o da Campanha

melhoravam sua imagem junto à população, transferiam a responsabilidade para a

sociedade e tinham um baixo custo de investimento. Mestriner (2001, p. 23) aponta

as alternativas escolhidas pelo Estado para amenizar as questões sociais, entre elas

a educação. “Propaga-se uma outra modalidade de ação social, nem estatal, nem

privada, mas pública, porquanto operada por um setor social comunitário

considerado sem fins lucrativos e, portanto, paralelo ao mercado e parceiro do

Estado”.

Santos (1978, apud MESTRINER, 2001 e p. 25) trata desta relação do Estado com

as ações filantrópicas e comunitárias da seguinte maneira:

É ainda a tendência ao Estado mínimo, totalmente dominado pela força e interesse do capitalismo global, relacionando-se com as organizações da sociedade, como se fossem seu instrumento de ação, e não a tendência a construção de uma outra qualidade de Estado, que partilha com o terceiro setor as estruturas de poder e de coordenação das políticas públicas; de um Estado articulador, que integrando o conjunto de organizações, combina elementos estatais e não-estatais, e por conseqüência faz a regulação social ser muito mais ampla e férrea que a estatal.

Esta mudança estrutural no ideal da Campanha, necessária para a sua expansão e

solidez, fez com que alguns fundadores se afastassem de suas atividades, o que

ocorreu com Pontes, que anuncia seu desligamento das atividades cenecistas,

conforme relatado por Silva (2003, p. 96), com a seguinte declaração: “[...] Parece-

me que se não existiam as escolas gratuitas como o nosso Ginasiano era culpa

daquele mesmo governo, do qual estávamos procurando depender e parecia-me

também que começava a imitar a gralha da fábula e se enfeitar com as penas do

pavão”.

A partir de seu reconhecimento oficial pelo MEC, em 28 de fevereiro de 1946,

expandir a Campanha pelos Estados, passou a ser um dos principais objetivos dos

cenecistas. Felipe Tiago Gomes foi o responsável pela divulgação das idéias e

expansão das atividades da Campanha pelo país. Começou sua busca por novos

adeptos em Belém e, foi nesta cidade que aprendeu como chegar às mais diversas

capitais, sem ter recursos financeiros para tal empreendimento. A hospedagem

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ficava por conta da Prefeitura e o transporte, por conta do Estado. Como Presidente

do Diretório Central dos Estudantes de Recife, se apoiava nos Diretórios

Acadêmicos e nas Uniões Estudantis dos Estados.

Acerca da expansão da Campanha e de todas as modificações que esta decisão do

grupo trouxe para o movimento – o de expandir a Campanha pelos outros estados –

temos a seguinte pontuação:

Esta definição implicou num movimento de mudanças de metas, de estrutura, de relações entre a organização e o seu ambiente social, sobretudo com a criação de liames mediante a penetração, no seu quadro, de novos elementos e a sua penetração em novos ambientes (HOLANDA, 1981, p. 39).

Quando retomou suas atividades na Campanha, Tiago Felipe Gomes percorreu os

Estados do Pará, Amazonas, Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba,

Alagoas, Sergipe, Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo para divulgar a

idéia da Campanha. Em entrevista, Lopes Filho (2005) faz uma síntese de como a

CNEC começou a se delinear:

[...] a idéia foi ganhando dimensão no Brasil todo e começou a se definir enquanto instituição que (... pausa) não era uma Instituição de Misericórdia, não era uma Instituição de Amparo Social, mas era uma Instituição que se colocava entre a ação do Governo e a aspiração da sociedade para ver se diminuía a distância entre a ação do Governo no campo da educação e a pobreza da sociedade, que não conseguia oportunidades. Então, surgiu daí a idéia de que a Campanha seria uma Instituição que arregimentaria as comunidades, pressionava o Poder Público e quando o Poder Público não podia ou não queria fazer, a comunidade se movimentava através da nova Instituição que estava surgindo e que passou a se chamar Campanha Nacional de Educandários Gratuitos.

O relato de Christiano Dias Lopes Filho, faz com que emerja o questionamento

acerca da falta de planejamento e de investimento prioritário do Estado em relação

às questões sociais, em particular a oferta de vagas em escolas para a população. A

falta de empenho em políticas públicas que atendam as necessidades do cidadão,

incluindo a educação, nos leva a um dos principais questionamentos deste estudo,

que é o porquê do investimento na Campanha Nacional de Escolas da Comunidade

pelo Estado, em detrimento da expansão da rede pública de ensino.

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Para Azevedo (2001, p. 5-6):

[...] as políticas públicas são definidas, implementadas, reformuladas ou desativadas com base na memória da sociedade ou do Estado em que têm lugar e que por isso guardam estreita relação com as representações sociais que cada sociedade desenvolve sobre si própria. Neste sentido, são construções informadas pelos valores, símbolos, normas, enfim, pelas representações sociais que integram o universo cultural e simbólico de uma determinada realidade.

Considerando a definição de Azevedo, entende-se que a questão da educação é

uma das principais necessidades apontadas pelas políticas públicas, que perpassa

todos os governos, transformando-se quase que obrigatoriamente em promessas de

campanha eleitoral e, consequentemente, em políticas de governo.

Então, por que o Estado investe em instituições, que apesar de seus ideais e

objetivos, não são um investimento no patrimônio público? O financiamento e a

transferência da responsabilidade da educação da população para terceiros

permanece como questão a ser investigada.

Nesta fase de expansão da Campanha, iniciou-se um processo de transição entre a

captação de recursos através da apresentação do Grupo de Teatro dos Estudantes,

venda de Boletins Informativos e de doação de simpatizantes para o recebimento de

recursos públicos.

[...] passou a haver o apoio financeiro cada vez maior do Estado. Essa aproximação é marcada por um encontro de Felipe Tiago Gomes com o estão ministro da Educação Clemente Mariani, no ano de 1947, a quem foi apresentado um “Plano de Criação de Ginásios Gratuitos em todo o País” (HOLANDA, 1981, p. 48).

A partir desta aproximação com o Ministério da Educação, a Campanha passa a se

expandir pelo país de forma acelerada. Felipe Tiago Gomes fixa moradia no Rio de

Janeiro, capital da República na época, julgando ser um local estratégico para

conseguir recursos financeiros e mais adeptos para a expansão da Campanha. O

próprio Gomes (1980, p. 65) relata a decisão de ir para o Rio de Janeiro. “Depois de

ter colado grau na Faculdade de Direito, [...] resolvi partir para o Rio. [...] Aqui

poderia levar avante o programa da Campanha. Se ficasse na Paraíba ou em

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Pernambuco, quem iria fazer? Pobre, sem proteção de poderosos, cairia na política,

coisa de que não gostava”.

A expansão da Campanha pelos outros estados do país, também trouxe

preocupações para seus fundadores, principalmente em relação ao reconhecimento

das escolas e a manutenção das mesmas. Em virtude desta preocupação, no ano

de 1948, o professor Lourenço Filho, então Diretor do Departamento Nacional de

Educação, do Ministério da Educação e Cultura, orientou aos membros da

Campanha que elaborassem seu estatuto de forma a atender todas as unidades, de

todos os estados.

Holanda (1981) traz o seguinte relato, diante de tal orientação

No período de 17 a 22 de dezembro de 1948, na Rua Barão de São Borja, n.º 37, sede do Ginásio “Castro Alves”, em Recife/PE, realizou-se o I Congresso Nacional da Campanha de Educandários Gratuitos. Contou com a presença de diversas autoridades de Pernambuco, Paraíba, Paraná, Bahia e representante do Ministro da Educação, além de representantes da Campanha dos estados onde ela se fazia presente. Nesta ocasião foi aprovado o Estatuto da Campanha que passou a se chamar Campanha Nacional de Educandários Gratuitos (CNEG), com sede em Recife, constituída dos seguintes órgãos: Congresso Nacional, Diretoria Nacional e Conselho Fiscal Nacional. Felipe Tiago Gomes permaneceu Delegado da CNEG junto aos demais estados, ao Distrito Federal e aos Territórios.

A realização do Congresso Nacional da Campanha Nacional de Educandários

Gratuitos passou a acontecer a cada biênio ou até mesmo anualmente, dependendo

das necessidades que se apresentavam no processo de expansão da Campanha.

Existem poucos registros dos Congressos desenvolvidos pela CNEC, pois, como já

relatado anteriormente, ao longo dos anos não houve a preocupação por parte das

diretorias em preservar a memória da Instituição através de documentos,

estatísticas, fotos e outros documentos.

A cada Congresso eram realizadas mudanças e adequações no estatuto, eleição da

diretoria nacional e decisões sobre os rumos da Campanha nos diversos estados,

como podemos observar em alguns destaques:

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Decisão que se considera importante para a vida da CNEG foi o deslocamento de sua sede do Recife para o Distrito Federal, o que foi aprovado no seu II Congresso Nacional, realizado em 1950, no Distrito Federal, acarretando algumas emendas no Estatuto (HOLANDA, 1981, p. 43).

A realização do I Congresso Extraordinário da Campanha, em Vitória, no período de 9 a 12 de setembro de 1951, quando aquela cidade comemorava o seu IV Centenário de fundação, trouxe nova reforma do Estatuto, com a criação dos Conselhos Nacional e Estadual, bem como das Diretorias Distritais da Campanha (HOLANDA, 1981, p. 44).

No IV Congresso ocorrido em julho deste ano (1952), no Rio de Janeiro, na sala de reuniões do IAPC9, assinalaram-se reformulações nos princípios da Campanha que se vai procurando voltar para as comunidades. [...] Decidiu-se que, a partir de então, caberia às comunidades o financiamento das Unidades de Ensino, tendo-se em vista a necessidade de remuneração dos professores, mesmo que a título de gratificação (HOLANDA, 1981, pp. 44-45).

Os três momentos citados nos destaques acima apontam que, desde os primeiros

anos de sua criação, os membros da Campanha destacaram a necessidade de se

reunirem com o objetivo de deliberar ações que visassem o fortalecimento da

Instituição, bem como de traçar estratégias para garantir a continuidade de suas

ações. É notória a preocupação de seus dirigentes com as questões legais e com a

criação de mecanismos para fortalecer a parceria, tanto com o Estado quanto com

as comunidades.

Acompanhando a necessidade de estratégias e adequações para sua expansão e

subsistência, a Campanha é declarada Associação Civil de Utilidade Pública, pelo

presidente Café Filho através do Decreto n.º 36.505, de 30 de novembro de 1954.

Oportunizando, desta forma, uma aproximação mais efetiva com o Estado através

dos benefícios e incentivos financeiros oportunizados pela declaração de Utilidade

Pública.

Esta relação da Campanha com o Estado, onde se caracteriza o estabelecimento de

trocas políticas e de onde se obtém recursos materiais, fica evidente no VII

Congresso Nacional da Campanha, realizado em 1958, quando foi criado o

Conselho Consultivo, posteriormente chamado de Conselho Nacional, composto

principalmente por pessoas vinculadas ao executivo ou legislativo do governo 9 Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários.

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federal e do governo de diversos estados e por personalidades do meio empresarial

e da sociedade. “Através desse conselho, muitas personalidades fizeram e fazem

parte da estrutura de poder da CNEG. O Conselho Nacional passou, assim, a ser

um órgão consultivo, integrado por parlamentares, empresários, militares, religiosos,

entre outros” (SILVA, 2003, p. 107).

A criação do Conselho Consultivo Nacional da Campanha foi necessária tanto para

a viabilização do desenvolvimento das atividades da Instituição junto ao Estado e

outras organizações consideradas parceiras importantes para a CNEC quanto para

os interesses particulares de seus conselheiros, em geral interesses políticos

eleitorais.

Esta situação fica evidenciada no VIII Congresso Nacional, quando para a

presidência da Campanha foi eleita a Sra. Sarah Kubitscheck, esposa do Presidente

da República, conforme relata Gomes (1980, p. 135).

Desde a sua fundação, 1959 é o ano de sua maior expansão, com a criação de 120 escolas. [...] No período entre 1958 e 1959, o presidente Kubitscheck solicitou aos governadores uma remessa de mensagem, no sentido de que os estados auxiliassem a Campanha com a quantia de 40 mil cruzeiros por turma (SILVA, 2003, p. 108).

Foi sob gestão da Sra. Sarah Kubitscheck que a Campanha recebeu da NOVACAP

a doação de um terreno em Brasília, para a construção de sua sede na nova capital

da República.

Ao longo do desenvolvimento das atividades da Campanha, se observa a tendência

de caminhar conforme o discurso do Estado predominante em cada época. No

período pós-guerra, o discurso desenvolvimentista orienta para a necessidade de

que a população participe ativamente da melhoria de sua condição de vida, através

de seus próprios esforços, em conjunto com os esforços do poder público.

Segue foto do encontro do professor Felipe Tiago Gomes com o presidente

Juscelino Kubitschek de Oliveira e demais autoridades, por ocasião da entrega do

terreno para a construção da nova sede da Campanha em Brasília.

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Figura 3 – Felipe Tiago Gomes (D) e Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira (C)Fonte: http://www.geocities.com/felipetiagogomes/fotos_encontros.html

Seguindo o discurso desenvolvimentista, a Campanha sai de seu campo de atuação,

que são os cursos acadêmicos e preparatórios e passa a atender a necessidade que

se apresenta, que são os cursos técnicos e profissionalizantes.

Gomes (1980, p. 136) ilustra esta transição:

[...] até 1955, só havíamos aberto ginásios do tipo acadêmico. As condições de vida do nosso povo e em especial da massa humana, que era trabalhada pela Campanha, aconselhava-nos a tomar outro rumo: a criação de cursos técnicos, que visassem a formação de elementos que se integrassem facilmente ao seu meio, melhorando-o

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técnica e culturalmente e tornando-se candidatos a empregos certos no próprio ambiente local. [...] em Alagoas, iniciou, objetivamente, essa fase, com a criação, em 1956, de quatro escolas de comércio naquela unidade da Federação.

Seguindo a tendência de caminhar de acordo com o discurso apresentado pelo

Estado, no Governo de João Goulart, observa-se a inclinação da Campanha em

valorizar a importância da comunidade na atuação direta do desenvolvimento de

suas atividades.

Durante o período do Regime Militar, a Campanha seguiu a mesma estratégia que

se observa nos governos anteriores, ou seja, observou o discurso e procurou se

adequar para que fosse possível dar continuidade às suas atividades educacionais.

Durante o Regime Militar, a CNEC conseguiu manter, através de seus membros e

conselheiros, um diálogo que apontava para o crescimento e fortalecimento da

instituição.

Exemplo deste fortalecimento é a atuação da Campanha no Espírito Santo, durante

o período militar, como teremos a oportunidade de analisar neste estudo.

Como exemplo da presença de representantes do Estado nos Conselhos da

Campanha, durante a Ditadura Militar, o Almirante Benjamin Sodré foi considerado o

grande defensor da CNEC. Inclusive, no ano de 1969, foi eleito Presidente da

Campanha.

A CNEG continuou a ter, mesmo nesse período, presentes em sua estrutura de poder, personalidades ligadas ao Estado, de maneira semelhante ao período populista. [...] O Congresso da Campanha, realizado em 1969, teve a presença de alguns militares (SILVA, 2003, p. 117).

Conforme relata Menezes (apud SILVA, 2003, p.117), “sem dúvida, a Campanha

cedeu demasiado ao sistema militarista no Poder, porém sem alterar o ideário de

uma escolarização voltada para as possibilidades de cada área, [...] A Diretoria

Nacional recrutou-se sempre em personalidades vinculadas ao Sistema nascido em

64”.

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Com a Assessoria do Ministério do Planejamento, a Campanha elaborou o Projeto

CNEC/USAID, para atender a decisão da política educacional do período, de

prioridade ao ensino profissionalizante. Desta forma, a Campanha participou da

implantação de escolas polivalentes, através do convênio com a USAID.

Com o final do Regime Militar, no início dos anos 80, a Campanha não apresenta

mais o crescimento identificado desde sua criação, como é possível observar na

tabela que segue.

CNEC – Estatística Geral 1946-1998

Ano Municípios EscolasPrédios Próprios

Matrícula

1946 1 1 - 501947 1 1 - 951948 1 1 - 1431949 6 6 - 4801950 27 27 - 2.1201951 35 35 - 2.6921952 45 45 - 3.5111953 66 66 - 5.2231954 88 88 - 6.9301955 93 93 - 8.8121956 - 107 - 9.4431957 - 130 - 12.0451958 - 204 - 17.7271959 - 253 - 24.4381960 - 373 - 31.3711961 478 37 37 39.0001962 370 566 45 62.6511963 487 642 - 78.9351964 545 707 111 97.5141965 598 758 129 122.3411966 631 792 - 141.4171967 679 835 - 178.2451968 776 973 300 202.3751969 831 1.084 - 231.1341970 993 1.234 - 273.4991971 934 1.291 - 310.2781972 913 1.248 493 309.9821973 908 1.250 - 308.2081974 933 1.282 - 342.0001975 952 1.332 1.332 368.2891976 977 1.259 1.259 372.4641977 985 - - 405.3171978 997 1.305 1.305 420.7431979 1008 1.315 1.315 427.3001980 1004 1.305 1.305 426.093

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1981 995 1.281 1.281 439.5241982 1010 1.315 1.315 445.0041983 1016 1.346 1.346 474.3801984 1007 1.320 1.320 454.7931985 987 1.278 1.278 431.1481986 971 1.217 1.217 437.8501987 947 1.187 1.187 442.0811988 954 1.160 1.160 433.7751989 889 1.079 1.079 415.2191990 914 1.090 1.090 408.2081991 850 1.028 1.028 388.2391992 836 1.002 1.002 370.4451993 792 982 982 379.2251994 793 912 912 385.1011995 759 896 896 376.2721996 749 852 852 349.7441997 751 876 876 360.8151998 557 625 625 238.430

Fonte: Estatísticas obtidas na sede da CNEC em Brasília, em 7/10/99. (SILVA, 2003, p. 134)

Cientes desta tendência à redução dos serviços prestados pela instituição, seus

membros, preocupados com as perspectivas futuras, iniciaram um processo de

utilização dos espaços dos Congressos Cenecistas para publicizar suas

preocupações com este indicativo e apontar caminhos para a manutenção das

escolas existentes, retomada do crescimento e expansão da Campanha em nível

nacional.

Um dos primeiros registros da publicização desta preocupação é encontrado na

análise histórica da Campanha proferida pelo professor Melo (apud SILVA, 2003,

p.121), quando relata as vias que eram utilizadas para manter e expandir as

atividades da instituição. Pelo teor do texto, identifica-se o início da crise em virtude

da mudança de posturas que facilitavam o caminhar da CNEC:

[...] representante administrativo da Campanha do Estado do Ceará, no Congresso Cenecista de 1976, ele aponta como fatores da expansão da Campanha desde sua criação, o apoio do estado e os interesses políticos eleitoreiros, entre outros, como se pode observar a seguir:

a) Interesse dos pais, devido à sua pobreza nas cidades do interior, pais que não tinham a oportunidade de colocar seus filhos nos estabelecimentos oficiais [...] em razão da inexistência de escolas nas cidades do interior e falta de recursos para educar os filhos nas capitais;

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b)A promoção pessoal, com vistas a processos eleitorais – deputados, prefeitos e vereadores são muito vivos. Então toda vez que havia oportunidade de construção de um ginásio, era natural que eles se interessassem em liderar tanto o vereador como o deputado, num aliciamento de votos. E o prefeito, numa satisfação à comunidade, numa oportunidade de conseguir alguma coisa para os seus estabelecimentos;

c) A iniciativa do município com vistas ao recebimento de verba. [...] De forma que quem tivesse no setor o poder daquele colégio, daquela unidade, teria condições fabulosas de promoção. Por isso que a história, pelo menos no nosso Estado, nos primeiros tempos, foi marcada pela ação, pela participação política maciça: deputados e vereadores eram donos dos setores locais [...];

d) [...];

e) [...] Era-nos fácil chegar numa Secretaria e conseguir algum giz, material insignificante para a manutenção do estabelecimento. Nossos professores eram improvisados. Tínhamos uma varinha-de-condão. Batíamos com ela num padre e o transformávamos em professor de português; batíamos num juiz e o transformávamos em professor de história [...] Assim, formávamos nosso professorado. O quadro administrativo, idem.

f) Profusão de escolas pela falta do Poder Público, incapacidade financeiro-administrativa, comodismo. [...] O comodismo dos próprios governantes, que davam graças a Deus o aparecimento de uma instituição qualquer que fizesse por eles, a escola e, como aconteceu em outras áreas, um hospital, etc.

O professor Lúcio Melo, em seu discurso, quando faz uma análise histórica dos

caminhos percorridos pela CNEC, através de seus membros, aponta fatores que

geralmente podem ser subtendidos nesta trajetória, mas que dificilmente são

registrados. Aborda de forma clara a relação da Campanha com o Estado, através

dos políticos e da prática, aparentemente comum, de se beneficiar com a criação de

unidades da Campanha em seus territórios eleitorais.

As práticas presentes na história da Campanha, relatadas pelo professor Lúcio Melo,

são retratadas por Leal (1975, p. 40), quando se refere às questões eleitorais “uma

forma peculiar do poder privado, ou seja, uma adaptação em virtude da qual os

resíduos do nosso antigo e exorbitante poder privado tem conseguido coexistir com

um regime político de extensa base representativa”.

Em contrapartida, a Campanha usufruía os benefícios de se manter e conseguir

soluções para suas necessidades utilizando sua situação privilegiada, de contar com

pessoas influentes da sociedade e do meio político, além de possuir condições de

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sensibilizar e conquistar colaboradores, em virtude do apelo colaborativo e

comunitário das ações da instituição.

Também identificamos, na exposição de Leal (1975), que a expansão de escolas da

Campanha pelos estados e municípios levava a possibilidade de estudo

principalmente aos moradores das regiões onde o poder público não possuía uma

política voltada para as questões educacionais.

Com a tendência da estatização do ensino, através da movimentação em torno da

defesa de escola pública, no período da redemocratização, início da década de 80, a

Campanha foi perdendo espaço em vários Estados, chegando a fechar diversos

estabelecimentos, pois a ajuda financeira do Estado ia diminuindo gradativamente e

iniciava-se um processo, por parte da população, no sentido de exigir de seus

governantes políticas definidas para a área social, conseqüentemente, para a

educação.

Segundo Arretche (2002, p. 29):

Ao longo dos anos de 1980, recuperam-se as bases do Estado federativo no Brasil. A democratização – particularmente a retomada de eleições diretas para todos os níveis de governo – e a descentralização fiscal da Constituição de 1988 alteraram profundamente as bases de autoridade dos governos locais. A autoridade política de governadores e prefeitos voltou a ser baseada no voto popular direto.

Ainda acerca da redução da atuação da Campanha nos diversos estados, a partir do

processo de redemocratização do país e as mudanças que o mesmo representa,

Cury (2002, p. 171-172) ilustra os rumos que a importância da educação pública

tomou a partir da redemocratização do país:

[...] dentro do art. 4º da LDB, temos o direito do cidadão à educação e um dever do Estado em atendê-lo mediante oferta qualificada. E tal o é por ser indispensável, como direito social, a participação ativa e crítica do sujeito, dos grupos a que pertença, na definição de uma sociedade justa e democrática. [...] Sendo um serviço público (e não uma mercadoria) da cidadania, a nossa Constituição reconhece a educação como direito social e dever do Estado.

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Oito anos após a análise proferida pelo professor Lúcio Melo no Congresso

Cenecista realizado no Ceará – em 1976 – onde aponta as práticas até então

comuns entre a CNEC e o Estado, bem como que tais práticas facilitavam as

atividades da instituição e o tom de início de mudanças nas mesmas, identifica-se o

registro do discurso do membro da Campanha, representante do Rio Grande do

Norte, Arnaldo Arsênio de Azevedo, nos anais do XXIX Congresso Nacional da

Campanha, realizado em 1984.

Azevedo (apud SILVA, 2003, p.128) em seu discurso, lembra que em seu artigo

intitulado “Retomada de Caminhos”, afirma que:

[...] a Campanha deveria proceder uma retificação de rotas e que os instrumentos de navegação não poderiam ser diferentes daqueles que orientaram Felipe em seus vôos pioneiros [...]. Os responsáveis atuais pela CNEC, com honrosas exceções, mantêm em relação às comunidades, um distanciamento marginalizador [...]. Abandonou-lhe a estrada larga do envolvimento comunitário e enveredou-se pelos caminhos estreitos dos favores públicos. Só percebemos as dificuldades dos atalhos quando as burras do Estado ameaçam fechar-se para nós, como está sendo feito agora com o problema do salário-Educação [...].

O discurso de Arnaldo Arsênio de Azevedo revela de forma transparente o rumo que

a instituição tomou ao longo de seu desenvolvimento e como se distanciou de um de

seus principais objetivos, que seria a participação efetiva com as comunidades e,

como este distanciamento implica diretamente nas dificuldades enfrentadas pela

Campanha.

Desde que a crise foi estabelecida na Campanha, propostas foram apontadas no

sentido de buscarem alternativas para traçar estratégias visando à retomada do

crescimento.

No XXIX Congresso Nacional da Campanha foram apontadas metas a serem

alcançadas com o objetivo de superar as dificuldades apresentadas:

a) Oferecer um ensino de melhor qualidade, para atrair alunos com melhor poder

aquisitivo;

b) Atuar em outros níveis de ensino, como a educação infantil e o ensino superior;

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c) Oferecer escolas produtivas, como por exemplo, a fazenda-escola, os centros de

ensino profissionalizante, o programa de artesanato nas escolas, entre outros.

As metas traçadas pelos membros da instituição no Congresso Cenecista apontam

para uma mudança de foco, como podemos observar nas duas primeiras metas,

onde se pretende investir em outros níveis de ensino, como o infantil e o superior e

melhorar a qualidade do ensino de forma a concorrer com as escolas privadas pela

clientela que pode pagar por seus estudos.

A preocupação com a melhora da qualidade para atrair alunos que apresentem

condições financeiras para arcar com as mensalidades da escola é um marco do

rompimento com um dos principais objetivos da Campanha quando foi idealizada, ou

seja, oferecer a oportunidade de estudo para o cidadão que não pode pagar por ele

ou que as ofertas do Estado não atendem.

Buscar o aluno que faz parte de uma classe social que possa pagar por seus

estudos e melhorar a qualidade para concorrer com outras escolas privadas, traduz

que as escolas da Campanha além de não estarem apresentando um ensino de

qualidade para seus estudantes, não têm mais a meta principal de atender aos

alunos que apresentam menos condições financeiras.

Logo após o Congresso Cenecista realizado em 1984, foi agendado para o ano

seguinte o III Congresso Extraordinário, com o objetivo de detalhar as estratégias

para que as metas indicadas no XXIX Congresso Nacional da Campanha fossem

atingidas.

Silva (2003, p. 130-131) ressalta que:

[...] no III Congresso Extraordinário da Campanha, em 1985, é posto que a CNEC deveria assumir um papel mais dinâmico, versátil, e mais comunitário, atuando no campo da educação, saúde, alimentação, dos serviços, do artesanato, dos asilos, das creches e da política, em vez de atuar na escola formal. Dentre as perspectivas futuras, de acordo com, as propostas dos grupos de trabalho, destacam-se as seguintes:

• Organizar, em todos os níveis, esquemas de pressão sobre lideranças políticas que possam ajudar nos pleitos da CNEC;

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• A CNEC deve dilatar sua ação comunitária a fim de recuperar e/ou ampliar o apoio da população das localidades onde atua;

• Realizar um trabalho junto aos diversos Ministérios, com a apresentação de projetos diversificados de ação comunitária;

• Criação de novas alternativas de equipamentos produtivos, adotando, para isso, princípios cooperativistas;

• Entrar na vida comunitária, através de atividades desenvolvidas pelo Poder público: campanha de vacinação, projetos, mutirões etc.;

• Impedir a criação de escolas de primeiro e segundo graus da rede pública, nas comunidades onde a CNEC atua;

• Ruralizar a CNEC;

• Eleger políticos que defendam os interesses cenecistas”.

As oito ações propostas pelos membros participantes do III Congresso

Extraordinário apontam dois eixos principais, conforme podemos analisar. Um

primeiro eixo seria a retomada de atividades comunitárias e sociais pela entidade,

com o objetivo de se reaproximar da população através de ações solidárias, ou

através da divisão de responsabilidades através do cooperativismo e privilegiando

as escolas na área rural, onde continuam a não existir ofertas de vagas em

quantidade suficiente para atender a todos os alunos.

Em relação às ações sociais, este é um compromisso que as entidades filantrópicas

têm e que podem ser oferecidas em forma de bolsas de estudo, ou em atividades de

cunho social e que, inclusive, devem ser rigorosamente apresentadas nas

prestações de contas e balanços das instituições para que possam garantir a

continuidade de sua certificação enquanto filantrópica.

Souza Filho (2002, 28-29) faz referência à responsabilidade que estas instituições

precisam ter em sua contabilidade:

As entidades filantrópicas e, de modo particular, as Universidades Comunitárias possuem receitas próprias derivadas da prestação de serviços. Recebem também contribuições, doações e subvenções dos governos federal, estadual e municipal, das indústrias, do comércio e da sociedade em geral. Dessa forma, por essas atividades, estas entidades adicionam valor à economia, bem como também distribuem o Valor Adicionado gerado. A nosso ver, criar um

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modelo de Demonstração do Valor Adicionado para essas entidades do Terceiro Setor será de grande valia para demonstrar a ação comunitária, que é fator sobrepujante dentre as atividades definidas para as entidades filantrópicas.

O segundo eixo principal das propostas definidas pelos membros da CNEC é o

político. Este eixo merece uma análise mais rigorosa acerca da visão que os

membros da Campanha têm em relação ao que pode ser revertido em favor da

instituição através das parcerias e apoios políticos e da interferência destes com o

Estado, pois retrata a prática acumulada pelos membros da CNEC ao longo de sua

trajetória.

Destaca-se entre as propostas apresentadas, a eleição de políticos que defendam

os interesses cenecistas. Esta proposta indica um reforço das práticas que de forma

explícita ou não, sempre aconteceram na história da Campanha, nos diversos

pontos do país.

Em sua pesquisa, Santos ilustra o lugar da CNEC e de seus membros nesta prática

comum em sua história:

Conviveu também com questões menos agradáveis à medida que transformou-se em objeto de manipulação política, tanto nos Municípios, quanto nos Estados, sobretudo no que se referia ao repasse de verbas. Nesse caso, era comum atribuir maior percentual, apressar ou retardar a liberação, estando os ginásios a mercê do interesse em favorecer os aliados políticos, fossem prefeito, presidente do setor local ou diretor do ginásio (SANTOS, 2003, p. 167).

Entende-se que os responsáveis da CNEC por esta proposta procuram, através

desta estratégia – a eleição de políticos que defendam os interesses cenecistas –

garantir, por exemplo, que o Estado continue a investir em escolas da Campanha,

em detrimento da construção e ampliação de escolas públicas.

Propor esta substituição do público pela CNEC implica em ir de encontro ao

movimento em favor da escola pública de qualidade para todos que se manifesta

neste período de redemocratização do país. Significa, também, sustentar

candidaturas de políticos que não defendem a possibilidade de se construir

estruturas próprias do Estado para atender à população.

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Em meio ao processo da necessidade de novas adequações por parte da

Campanha, com o objetivo de permanecer atuante no cenário educacional brasileiro,

no dia 21 de setembro de 1996, o professor Felipe Tiago Gomes faleceu. Seu óbito

foi o marco de outra fase que se iniciou na CNEC. Seus sucessores, com uma visão

diferente da original, procuraram traçar outras metas que garantissem a

permanência da Campanha no mercado.

Conforme relata Christiano Dias Lopes Filho (2005) em sua entrevista:

[...] após a morte do Felipe tudo mudou completamente. Porque ele (pausa) era ele que sustentava a idéia original da Campanha [...]. As pessoas que faziam parte da geração do Professor Felipe têm uma visão completamente diferente da visão que as pessoas têm hoje e por mais que a gente colocasse isso, a partir do momento que eles mudaram o foco do Professor Felipe, a Campanha foi fechando escolas e mais escolas, fechando Estados e eu acredito que, por exemplo, aqui no Espírito Santo a Campanha não fique ainda por muito tempo.

Desta forma, além do eixo político e comunitário, impulsionada pelas mudanças

apresentas pelo mercado, a Campanha procurou se adaptar às novas realidades,

deixando de atender um de seus principais objetivos que seria o ensino para o

estudante que não pode pagar. Passa a ter o discurso de que atenderia a camada

da sociedade que pode pagar um ensino de qualidade a preço de custo. Ou seja,

nem a classe mais abastada, nem o filho daqueles que não possuem condições

financeiras.

Quando o Estado passou a adotar as políticas neoliberais e se explicitar privatista, a instituição passa por modificações internas, para adaptação ao mercado, a fim de adquirir condições de competitividade com as demais instituições educacionais ou de serviços sociais do setor privado lucrativo e não lucrativo. Não queremos afirmar, contudo, que a CNEC não seja mais beneficiada pelo clientelismo. Entretanto, entendemos que há acirramento da competitividade pelo acesso aos recursos públicos, em decorrência da proliferação de entidades com possibilidade legal de obter tais recursos [...]. A CNEC definia-se como comunitária, de utilidade pública, sem fins lucrativos, negando a sua face privada. Nessa última fase de sua trajetória, passa a assumir-se como empresa, justificando a finalidade não pelo fornecimento de serviços a preço de custo (SILVA, 2003, p. 177).

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Atualmente, a CNEC sofre um processo de reestruturação orçamentária, com o

fechamento das Unidades que não são auto-sustentáveis, redução do quadro de

funcionários e venda de propriedades para efetuar o pagamento de dívidas

trabalhistas que se acumularam ao longo dos anos.

O quadro a seguir indica os dados mais atuais da Campanha no Brasil.

ESTATÍSTICA 6º BIMESTRE DE 2006(NOVEMBRO / DEZEMBRO)

UNIDADES CENECISTAS

ESCOLAS248

FACULDADES19

TOTAL267

FUNCIONÁRIOSADMINISTRAÇÃO

3.541PROFESSORES

7.564TOTAL11.105

ALUNOS MATRICULADOS

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INFANTIL 10.915FUNDAMENTAL 51.028MÉDIO 21.143SUPERIOR 15.613PROFISSIONAL 5.263MAGISTÉRIO 3.292JOVENS / ADULTOS 1.202OUTROS CURSOS 2.432

TOTAL: 110.888 ALUNOSFonte: http://www.cnec.br/portal/index.php?show=5 (03/01/2007)

Comparando os números apresentados na Tabela 01 com o quadro atual, o número

de Unidades diminuiu de 625 para um total de 267, ou seja, foram fechadas, em

todo o Brasil, 356 Unidades de Ensino em menos de dez anos.

Outro dado relevante é a diminuição do número de alunos, cerca de 127.542 alunos,

em oito anos. Ao encerrar suas atividades em 2006, a CNEC possuía menos da

metade de alunos matriculados que havia em 1998.

Ao final do ano de 2006, a Campanha Nacional de Escolas da Comunidade reduziu

sua área de atuação para dezessete estados, a saber: Alagoas, Amazonas, Bahia,

Ceará, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais,

Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio

Grande do Sul, Santa Catarina e Sergipe. Essa redução de pessoal e de Unidades,

além da diversificação de serviços oferecidos pela Campanha está em processo,

podendo acontecer novas mudanças caso ainda seja necessário.

A declaração do Presidente em exercício da Campanha Nacional de Escolas da

Comunidade, no site da Instituição sintetiza a fase atual da CNEC “O momento atual

da Campanha Nacional de Escolas da Comunidade é de extrema importância,

estamos decidindo os passos da instituição para os próximos anos. Passamos por

uma avaliação política e pretendemos reciclar e modernizar nossa rede”. (RIGON,

2007).

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5. A CNEC NO ESPÍRITO SANTO

A implantação da Campanha Nacional de Escolas da Comunidade no Espírito Santo

ocorreu na primeira fase de expansão, quando Felipe Tiago Gomes retomou suas

atividades na Campanha e assumiu a incumbência de levar a idéia da CNEC aos

demais estados do Brasil.

Ao desenvolver este estudo, não foram encontrados registros da trajetória da CNEC

no Espírito Santo em pesquisas acadêmicas. Como informado anteriormente, a

Superintendência Estadual da CNEC no Espírito Santo não possui um arquivo de

sua documentação, tampouco registros de sua história.

Os dados deste estudo foram embasados nos documentos a que foi possível ter

acesso ao longo desta pesquisa e em entrevistas com membros da instituição, além

de informações colhidas nos sites ligados à Campanha. Um dos principais

documentos utilizados no desenvolvimento desta pesquisa, que trouxe subsídios e

informações sobre a história da Instituição no Espírito Santo, é datado de 1977 e

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trata-se de um Documento Orientador de Implantação do Ensino de História da

CNEC.

Com base neste documento e na publicação da Campanha, feita por Christiano Dias

Lopes Filho, em 1953, intitulada Pela Democratização do Ensino: a Campanha

Nacional de Educandários Gratuitos no Espírito Santo é possível desenvolver um

relato sobre a trajetória da Campanha no Espírito Santo.

Felipe Tiago Gomes chegou ao Espírito Santo em 1948 e tomou conhecimento por

intermédio do Secretário de Educação do Governo Estadual de Carlos Lindemberg,

Dr. José Celso Cláudio, da existência da Academia Capixaba dos Novos e que seria

possível conseguir a colaboração dos acadêmicos.

Os jovens da década de 40 envolvidos com a literatura fundaram em 1946 a sua agremiação, a que chamaram Academia Capixaba dos Novos. Renato Pacheco, um de seus fundadores, deu sobre ela o seguinte depoimento: “A Academia Capixaba dos Novos, fundada em 1946 e que comandou a cultura vitoriense nos últimos anos da década de 40, nada tinha a ver com seus antecedentes [A Academia Espírito-santense dos Novos e o Grêmio Literário Rui Barbosa], de que seus membros não tinham nem consciência. Foi fundada por Antenor de Carvalho, Renato Pacheco e Nélio Faria Espíndula, numa quadra de esportes que havia na Praça Costa Pereira, onde hoje é o edifício do INPS. Os três lamentavam o marasmo literário vitoriense e logo arregimentaram Rômulo Salles de Sá, Orlando Cariello, Christiano Dias Lopes Filho, Durval Cardoso, Waldir Magalhães Pires, Valério Leão de Lima, Waldir Ribeiro do Val, Alvino Gatti, José Carlos Fonseca, José Garajau da Silva, Setembrino Pelissari, Guilherme Monteiro de Sá, Renato Bastos Vieira, João Francisco Gonçalves, José Wandevaldo Hora, Carlos Augusto de Góes, Hermínio Blackman, a mocidade estudiosa de então, principalmente saída dos quadros dos primeiros anos da Faculdade de Direito e dos últimos anos do Colégio Estadual do Espírito Santo, militares, radialistas e bancários, situando-se seus componentes na faixa etária dos 18 aos 25 anos”. (NEVES, 2006)

A foto que segue registra um dos momentos da Academia de Novos, com parte de

seus membros. Data do início da década de cinqüenta e integra a Coletânea de

textos e fotos que Christiano Dias Lopes Filho publicou em comemoração aos

primeiros cinco anos de atividades da Campanha em terras capixabas.

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Foto 4 – Membros da Academia Capixaba de Novos (Christiano Dias Lopes Filhos – segundo da esquerda para a direita)Fonte: Anais da Campanha Nacional de Educandários Gratuitos, Seção ES, 1953

O Secretário de Educação do Governo de Christiano Dias Lopes Filho e também

participante das atividades da Campanha no Espírito Santo, Sr. Darcy Werter

Vervloet, em entrevista concedida para o desenvolvimento desta pesquisa (2006),

relata que “[...] Felipe passou a visitar todos os Estados levando essa sua filosofia,

sua idéia, o seu trabalho e aqui no Espírito Santo alguém indicou a ele, Christiano,

que era da Academia dos Novos e Christiano abraçou isso rapidamente. Sempre foi

um grande idealista... Christiano também”.

Com base na orientação que recebeu, no dia 06 de novembro de 1948, Felipe Tiago

Gomes compareceu à reunião da Academia Capixaba dos Novos para conhecer

seus membros e convidá-los a participarem do Movimento da Campanha no Espírito

Santo.

Neves (2006) faz um relato de como se deu o envolvimento dos membros da

Academia Capixaba de Novos com as idéias da Campanha:

Cristiano Dias Lopes Filho, sob inspiração de Felipe Tiago Gomes, de Pernambuco, organizou em 1948 a Campanha Nacional de Educandários Gratuitos que, em pouco tempo, criou dezenas de

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ginásios, no interior do Estado, hoje transformada na Campanha Nacional de Escolas da Comunidade. A ligação inicial dos dois movimentos se deu porque o jovem educador pernambucano procurara, em Vitória, a Academia Capixaba dos Novos, porém logo, em 1949, a CNEG ganhou autonomia, tendo rendido frutos mesmo depois da extinção da Academia dos Novos.

Após a reunião na Academia Capixaba dos Novos, onde Felipe Tiago Gomes fez

uma explanação dos ideais da Campanha, o acadêmico Christiano Dias Lopes Filho

foi escolhido Presidente da Campanha dos Educandários Gratuitos no Espírito

Santo, tendo Atavares de Freitas como Tesoureiro e Guilherme Xavier Monteiro de

Sá, como Secretário. Assim, a Academia Capixaba de Novos tornou-se o berço da

Campanha no Espírito Santo reunindo, também, os jovens Rômulo Salles de Sá,

Renato José Costa Pacheco, Durval Cardoso, Cupertino Leite Almeida, Jarbas

Guimarães, Orlando Carriello, José Carlos Lindemberg Coelho, Valdir Ribeiro do

Val, Wantuil Cunha e Antenor de Carvalho.

Não há registros, nos documentos analisados, de que os membros da Academia

Capixaba de Novos tivessem um conhecimento prévio das ações realizadas por

Felipe Tiago Gomes e os demais membros da Campanha em Pernambuco. Este

fato desperta a atenção, pois já no primeiro contato dos capixabas com Felipe Tiago

Gomes foi organizada toda a diretoria da instituição no Espírito Santo e iniciaram os

trabalhos no sentido de divulgar os objetivos da Campanha e captar recursos

financeiros para realmente efetivá-la no Espírito Santo.

Felipe Tiago Gomes relata a forma como se deu a apresentação da idéia da

Campanha para Christiano Dias Lopes Filho e seus amigos, em 1948, no Espírito

Santo:

Em Vitória, fui assistir a uma conferência de um estudante da Faculdade de Direito, a convite do Presidente do Diretório Acadêmico. Numa sala pequena e quente, um rapazinho com “pinta” de orador falou quase duas horas sobre tema dos mais pessimistas. Encontrava um grupo de moços desorientados filosoficamente, mas de primeira ordem. Saí com o conferencista. Expliquei-lhe o que era a Campanha. Achou que realizações desse tipo é que faltavam à nossa geração. Esse moço – um dos maiores cenecistas, responsável por magníficas iniciativas – é Christiano Dias Lopes Filho, autor do primeiro projeto de lei que beneficiou a entidade (GOMES, 1980, p. 62).

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Em entrevista concedida por Christiano Dias Lopes Filho (2005), assim ele relata os

primeiros passos para a implantação da Campanha, no Espírito Santo:

[...] Começou no interior, mas houve uma ação da Campanha em Vitória e em Cachoeiro e essa ação teve dois, duas manifestações. Primeiro a Campanha mobilizou estudantes para a realização dos Cursos de Admissão noturnos gratuitos e preparava os estudantes para os exames de admissão do Colégio Estadual, da Escola Normal, etc. e em Cachoeiro a mesma coisa. Também Curso de Admissão. Era (pausa) esses cursos eram organizados sem remuneração, com apoio exclusivamente dos estudantes e o que nunca faltou, foi o apoio da imprensa (LOPES FILHO, 2005).

Conforme relata Gomes (1980, p. 77), “o Governador Carlos Lindemberg, o

Secretário da Educação, Sr. José Celso Cláudio, a Imprensa e a Academia

Capixaba dos Novos deram a certeza de que poderíamos contar com a colaboração

das autoridades e do povo capixaba”.

Em sua entrevista, Christiano Dias Lopes Filho (2005) descreve que, na primeira

audiência que conseguiu com o então Governador do Estado, Carlos Lindemberg,

ainda no ano de 1948, o governador se mostrou preocupado com a possibilidade de

o movimento ser ligado aos comunistas, em virtude do caráter comunitário. Contudo,

o entrevistado pondera a preocupação do governante, tendo em vista o objetivo dos

membros da Campanha de oferecer ensino aos estudantes que não possuíam

condições de pagar por ele e pelo fato de o Ministro Clemente Mariano ter

simpatizado com a idéia e ter apoiado a iniciativa dos estudantes de Pernambuco.

[...] o Governante capixaba, atendendo ao apelo dos dirigentes da CNEC no Estado do Espírito Santo, resolveu dar o mais decidido apoio, criando, em colaboração com a Campanha, dois cursos ginasiais noturnos e gratuitos, nas cidades de Vitória e Cachoeiro do Itapemirim, sendo ambos inaugurados durante as comemorações do centenário de Joaquim Nabuco, promovidas pela Academia Capixaba dos Novos (GOMES, 1980, p. 78).

A imprensa, durante o processo de implantação da Campanha no Espírito Santo,

abriu espaço para sua divulgação e, conforme análise do próprio Christiano Dias

Lopes Filho (2005), tal apoio foi fundamental para o sucesso da Campanha

Cenecista. Segue seleção de alguns trechos de notas, artigos e entrevistas

publicados nos principais jornais capixabas da época.

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Entre os moços da nossa terra, a campanha foi recebida com o maior entusiasmo, principalmente na Academia Capichaba dos novos, esta brilhante associação literária de jovens espiritossantenses, que, numa brilhante prova dos altos objetivos para que foi criada, qual seja do alevantamento cultural de nosso Estado, resolveu patrocinar êste altruístico movimento. [...] seguindo suas tradições de apoio e solidariedade a todos os nobres movimentos que entre nós se iniciem, este jornal desde já coloca suas colunas à disposição dos moços da Campanha (A Gazeta, 10/11/1948).

Iniciada no Espírito Santo com o mais vivo entusiasmo, sob o patrocínio da Academia Capixaba de Novos, a Campanha Nacional de Educandários Gratuitos irá colher os primeiros frutos de sua atividade no dia 19 próximo. [...] escolheram a data comemorativa do 1º centenário de nascimento de Joaquim Nabuco para a solenidade de criação dos primeiros ginásios gratuitos noturnos anexos aos colégios oficiais nesta Capital e em Cachoeiro de Itapemirim. Esta medida educacional de alta significação democrática que a Secretaria de Educação e Cultura tomará no próximo dia 19, por inspiração da Campanha Nacional de Educandários Gratuitos, constituirá, por certo, o marco inicial do grande movimento para a democratização do ensino no Espírito Santo, ao lado do que se vem fazendo pelo Brasil afora (A Tribuna, 12/0/1949).

O movimento cenecista no Espírito Santo é considerado, em seus primeiros anos,

como um dos mais fortes e organizados do país, tendo como principal membro e

referência da CNEC no estado, Christiano Dias Lopes Filho. “Destacou-se, em

organização, a Diretoria da Campanha no Espírito Santo, sob a presidência do então

acadêmico de Direito Christiano Dias Lopes Filho, que soube organizar a melhor

Seção, com reflexos positivos em toda a extensão cenecista” (GOMES, 1980, p.93).

Em relação ao número de escolas, alunos e colaboradores da CNEC no Espírito

Santo, não existem muitos registros. Os dados mais antigos aos quais foi possível

ter acesso datam do ano de 1976:

ESTATÍSTICA – 1976A CNEC NO BRASIL

SIGLA DA U.F.

MUNICÍPIOS

SETORES ESCOLAS

PRÉDIOS PRÓPRIOS

PROFESSORES

ALUNOS1º Grau 2º Grau TOTAL

AC 2 2 1 23 523 177 700AL 51 54 20 1.231 19.358 6.684 26.042AM 2 6 3 103 2.400 - 2.400BA 164 172 56 2.121 37.710 6.291 44.001CE 64 78 46 1.353 18.859 4.803 23.662DF 1 1 1 22 1.280 - 1.280ES 25 57 33 907 12.307 5.111 17.418

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GO 19 19 8 214 3.770 232 4.002MA 25 29 10 636 10.550 3.512 14.062MT 4 4 2 77 1.118 326 1.444MG 143 176 104 2.948 42.445 9.997 52.442PA 6 6 1 60 1.300 - 1.300PB 33 41 15 441 8.452 509 8.961PR 59 98 31 1.146 11.137 7.506 18.643PE 44 65 19 1.007 10.770 7.916 18.686PI 58 59 11 605 13.717 102 13.819RN 34 36 8 289 4.010 338 4.348RS 85 115 72 2.421 16.345 14.893 31.238RJ 56 163 79 3.108 49.650 8.729 58.379RR 1 1 1 37 800 - 800SP 6 7 1 120 1.014 1.637 2.651SC 59 61 16 1.034 4.744 8.846 13.590SE 39 41 19 598 10.730 1.282 12.012

TOTAL 980 1.293 557 19.501 282.989 88.891 371.880

Fonte: Documento Orientador da Administração Estadual da CNEC Seção do Espírito Santo (1977)

Neste período, retratado pelos dados acima, a Campanha vivia uma fase próspera,

mantendo boa relação com os Governos Militares, que antecede o processo de

dificuldades que passa a predominar a partir da redemocratização do país, na

década de 1980.

No ano de 2007, a Campanha Nacional de Escolas da Comunidade reduziu sua

atuação no Estado do Espírito Santo para 01 unidade em Campo Grande, que atua

na Educação Básica e 01 unidade em Vila Velha, onde estão localizadas a

Superintendência Estadual da CNEC e a Faculdade.

5.1. Christiano Dias Lopes Filho: o protagonista capixaba

Sendo objeto deste estudo a implantação e expansão da Campanha no Espírito

Santo, é preciso ressaltar a participação efetiva de Christiano Dias Lopes Filho

através de sua coordenação nas atividades desenvolvidas e sua influência política,

sem desconsiderar a atuação de seus colaboradores nos mais diversos municípios

do estado.

Ao contrário do fundador da CNEC em nível nacional, Felipe Tiago Gomes, o

principal membro da Campanha de Escolas da Comunidade no Espírito Santo,

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Christiano Dias Lopes Filho, sempre demonstrou seu interesse pela vida política

eleitoral.

A história política de Christiano Dias Lopes Filho não deve ser lembrada apenas pelo

seu desempenho frente ao Governo do Estado do Espírito Santo, no período de

1967 a 1971. É uma história que inicia bem antes e tem origem em sua base

familiar.

Nascido em 26 de dezembro de 1927, no município de São José do Calçado/ES,

Christiano Dias Lopes Filho vem de uma família com tradição política. Seu pai,

Christiano Dias Lopes, foi Deputado Estadual, Líder do Governo Nestor Gomes e

Secretário da Assembléia Legislativa. Seu avô materno, Cel. Antonio Honório, foi

líder político em São José do Calçado e Deputado Estadual em várias legislaturas.

Christiano Dias Lopes Filho ingressou na carreira política aos dezessete anos,

durante a campanha de redemocratização do País, em 1945, quando participou da

fundação do Partido Social Democrático – PSD, integrando a Ala Moça do partido.

A redemocratização do País, em 1945, inaugurou uma nova fase no processo de

mudanças do Estado brasileiro, posto que, a partir daí até 1964, o espaço político-

institucional foi reaberto a uma maior participação das forças sociais (SILVA, 1995,

p. 155).

Conforme informações obtidas através da entrevista com Christiano Dias Lopes

Filho (2005) e de seu Curriculum Vitae – Anexo I, identificamos sua participação na

campanha eleitoral de Marechal Eurico Gaspar Dutra para a Presidência da

República, em 1945, e das campanhas para a eleição de Carlos Fernando Monteiro

Lindemberg, em 1947 e 1958 e de Jones dos Santos Neves, em 1950, que eram

seus correligionários.

Em 1954, Christiano Dias Lopes Filho concorreu a um mandato na Assembléia

Legislativa Estadual, ficando na primeira suplência, porém sendo convocado a

exercer a função durante quase todo o período. Em 1958, foi eleito Deputado

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Estadual, sendo Líder do Governo Carlos Lindemberg na Câmara, em 1959, e

Presidente da Assembléia Legislativa Estadual, em 1960.

Como culminância de sua trajetória política na vida política capixaba, Christiano Dias

Lopes Filho chega ao cargo de Governador do Espírito Santo, em 31 de janeiro de

1967, após ter sido o deputado estadual mais votado pela Assembléia Legislativa,

para fazer parte da lista tríplice10 encaminhada ao então Presidente do Brasil,

Humberto de Alencar Castelo Branco.

O processo de eleição indireta do qual participou Christiano Dias Lopes Filho e seu

candidato a Vice-Governador, Isaac Lopes Rubim, aconteceu em 03 de setembro de

1966. Conforme a Ata da Reunião em que se deu o pleito, o Governador foi eleito

com 32 (trinta e dois) votos, sendo a maioria absoluta.

10 Por se tratar de eleição indireta, a assembléia legislativa encaminha ao Presidente da República uma lista com a indicação de três nomes aptos a assumir o cargo de Governador, da qual é escolhido um para o exercício do mandato.

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Foto 5 - Foto Oficial do Governador do Estado do Espírito Santo Christiano Dias Lopes Filho (1967/1971)Fonte: http://www.es.gov.br/site/espirito_santo/governadores_estado.aspx

Em entrevista concedida à revista ESSA (2005), Christiano Dias Lopes Filho narra a

forma como se deu a sua indicação para assumir o Governo do Espírito Santo, ao

qual ficou à frente no período de 1967 a 1971:

Em 1966 o regime Militar começou a renovar as chefias políticas nos Estados e naquela ocasião o partido político era a Arena que aqui no Estado resultou na fusão da UDN, que foi quem comandou a organização da Arena. Foi a UDN que pegou um contingente de PTB e do PSD e eu era do PSD, além de todo o pessoal do PRP, que era o partido do Oswaldo Zanelo e por conta disso a Arena tinha a maioria na Assembléia Legislativa. Foi quando vieram as instruções de Brasília de que a Arena deveria fornecer uma lista com três nomes para o Regime Militar escolher o governador. A Arena realizou uma convenção onde foram escolhidos o meu nome, na época deputado estadual, e os dos senadores João Calmon e Raul Giuberti. Feita a triagem dos nomes pelos órgãos de informação do Regime Militar verificou-se que não havia nada contra os nomes indicados e o presidente Castelo Branco achou que não ficava bem ele escolher um que tinha certa preferência por parte de pessoas próximas ao presidente e deixar de fora dois senadores. O meu prestígio com o presidente, que sequer eu conhecia pessoalmente, veio porque era amigo dele o deputado federal pelo Ceará, Paulo Salazarte, e que também era um velho amigo e conhecido e que havíamos trabalhado juntos numa campanha de educandários gratuitos, que vinha desenvolvendo um trabalho sério e muito eficiente e o Paulo Salazarte encampou a minha candidatura junto ao presidente. Como ele era muito amigo do presidente, tomava café da manhã com ele, todas as vezes que havia uma campanha negativa ou injúrias contra a minha pessoa, ele ia lá e desmanchava. Mas o presidente para não melindrar o Congresso Nacional resolveu transferir para a Assembléia Legislativa a responsabilidade da escolha e como era o líder do PSD, que tinha maioria dentro da Arena, os outros dois candidatos desistiram da disputa (ESSA, 2005, p. 38).

Os desafios de Christiano Dias Lopes Filho frente ao Governo do Estado eram

diversos, entre eles o fato de o Espírito Santo não possuir uma projeção nacional

respeitável junto ao Governo Federal.

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Ao assumir o Governo do Espírito Santo, Christiano Dias Lopes Filho encontrou uma

situação econômica crítica protagonizada principalmente pelo café, a qual se juntava

às questões da energia, telecomunicações, saúde, educação, entre outras.

Porém, a formação política de Christiano Dias Lopes Filho proporcionou que seus

ideais fossem voltados para a articulação do desenvolvimento e reconhecimento do

Espírito Santo. Durante o período que antecede sua posse como Governador do

Estado, Christiano Dias Lopes Filho conheceu, acompanhou e participou das idéias

projetadas por Jones dos Santos Neves para o desenvolvimento industrial do

Espírito Santo. O chamado projeto jonista indicava as possibilidades do estado se

desenvolver para além da monocultura do café.

Em artigo publicado na revista ESSA (2005), Vasconcellos faz a seguinte análise de

Christiano Dias Lopes Filho, enquanto Governador do Estado:

Quando chegou ao Governo do Estado em 1967, era portador de um projeto bem construído e articulado politicamente. Mas, foi um guerreiro de seus ideais. Lutou como poucos pelo reconhecimento que o Espírito Santo deveria ter em termos nacionais. Obteve dos governantes militares reconhecimento. Mas seu governo foi um enorme sucesso pela força das idéias, por sua fidelidade jamais negada ao ideal de Jones dos Santos Neves de desenvolver nosso Estado a partir de suas vocações naturais (ESSA, 2005, p. 43).

Após ser Governador do Espírito Santo, Christiano Dias Lopes Filho foi Secretário

Extraordinário para a Execução de Projetos Especiais, no primeiro ano do Governo

de Eurico Rezende deixando essa função para assumir em 1980 a Cadeira de

Deputado Federal.

Christiano Dias Lopes Filho é Membro da Academia Espírito-santense de Letras

desde 1978, da Academia de Letras e Artes de Cascais/Portugal, do Instituto

Histórico e Geográfico do Espírito Santo e da Academia Calçadense de Letras. É

autor de trabalhos literários que tratam da biografia de personalidades, como

Jerônimo Monteiro, Nestor Gomes e Joaquim Nabuco. Realizou publicação de

trabalhos na área educacional e política.

A participação de Christiano Dias Lopes Filho na vida política do Espírito Santo foi

significativa para a CNEC, pois através de sua influência política e a de seus

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correligionários conseguiu por diversas vezes incentivos financeiros e apoio da

sociedade nos diversos municípios, em favor da Campanha.

Como exemplo, Gomes (1980, p. 92) relata o primeiro auxílio federal que a

instituição recebeu “Ao terminar o ano de 1950, a CNEC recebia o primeiro auxílio

orçamentário do Governo Federal, no valor de Cr$ 200.000, resultante de emenda

do então Senador Santos Neves, a pedido de Christiano Dias Lopes Filho”.

Desde sua fundação em terras capixabas, Christiano Dias Lopes Filho permaneceu

à frente das atividades da Campanha, cuidando de sua expansão. Foi diretor da

Instituição até 1966, quando foi eleito Governador do Estado. Contudo, não deixou

de acompanhar e colaborar com a Campanha Nacional de Escolas da Comunidade

após este período.

Ao longo de suas atividades na Assembléia Legislativa, Christiano Dias Lopes Filho

sempre buscou defender e aprovar incentivos para a Campanha nos diversos

municípios do estado.

Relata em sua entrevista (2005) que, enquanto Governador do Espírito Santo,

muitas ações que desenvolveu, foram inspiradas no ideal da Campanha. Uma das

principais ações de seu governo, inspirada na CNEC, foi a Mobilização Cívica

Contra o Analfabetismo – MOCCA, que tinha o objetivo de mobilizar a sociedade,

em cada bairro ou lugarejo, em torno da alfabetização. Este projeto iniciou no

segundo semestre de 1967. O primeiro registro de destinação de verba para essas

ações data de 03/10/1967, conforme Lei nº 2.302 (Anexo II). “A MOCCA é, também,

inspiração do ideal da Campanha, porque essa mobilização se fazia em cada parte,

em favor da alfabetização” (LOPES FILHO, 2005).

Outra meta de seu governo era ampliar a oferta de vagas para a população em

idade escolar do estado. Uma das estratégias utilizadas para realizar esta ampliação

foi o incentivo financeiro à Campanha, com o objetivo de que a mesma atendesse

aos alunos que não tinham condições de arcar com seus estudos. “A Campanha

para mim, teve um significado muito grande no governo, porque eu achei que o

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Governo devia mobilizar quem podia ajudar. Então, o Governo ajudava a Campanha

para a criação de novas Unidades de Ensino” (LOPES FILHO, 2005).

Essa ação do Governo de Christiano Dias Lopes Filho nos reporta ao

questionamento que permeia este estudo: por que investir financeiramente em

prédios e outras ações de escolas filantrópicas e/ou privadas em detrimento às

escolas públicas? Em que nível se encontra a prioridade pela escola pública nas

ações do Estado?

No caso do governo de Christiano Dias Lopes Filho, ainda não havia um movimento

em prol da escola pública com a força que se apresentou no período de

redemocratização, consequentemente permanecia a transferência da

responsabilidade pelas questões sociais – incluindo a educação – do Estado para a

sociedade civil, conforme já analisamos em capítulo anterior.

Em seu livro Desafio e Resposta (1971), Christiano Dias Lopes Filho faz um balanço

de seu Governo, pontuando, em todas as áreas, os principais projetos desenvolvidos

e os desafios que precisavam ser superados pelos próximos governos.

No que tange a questão da educação, o principal marco de seu governo é o

aumento significativo de oferta de vagas para os alunos da pré-escola e de 07 a 14

anos:

Em 1966, havia 1.178 alunos matriculados no ensino pré-primário estadual. Em 1970, seu número subiu para 5.418: 360% de aumento. [...] De acordo com a projeção baseada no Censo Escolar de 1964, a escolarização da população infantil entre 7 e 14 anos atingiu, em 1970, o nível de 91% (LOPES FILHO, 1971, p. 65).

Lopes Filho (1971, p. 65) define a educação em seu governo:

A razão de todo esse progresso? Mais escolas, mais salas de aula, mais professores, melhor remuneração, constante aperfeiçoamento do pessoal docente, [...] entrosamento com as prefeituras municipais, participação das comunidades locais, numa palavra: mais recursos para a educação.

A seguir, teremos a oportunidade de analisar a relação entre o Estado e a

Campanha ao longo de sua trajetória no Espírito Santo, principalmente na primeira

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fase da CNEC, de sua origem, em 1948, até o final do governo de Christiano Dias

Lopes Filho, em 1971.

5.2. Estado e CNEC: a relação em terras capixabas

O processo em que se deu o início da expansão da Campanha no Espírito Santo

propiciou uma relação direta com as personalidades políticas que estavam à frente

do Governo do Estado naquele momento.

É possível indicar que os jovens da academia tinham contato, inclusive de vínculo

partidário, com os membros do governo de Carlos Lindemberg, tanto que os

mesmos foram indicados a Felipe Tiago Gomes por meio de representante do

Governo, como já relatado anteriormente.

Ressalta-se que Felipe Tiago Gomes encontrou espaço para divulgar e dar forma

aos ideais da Campanha junto ao grupo de jovens acadêmicos que estavam

construindo seus ideais de vida e que estavam engajados em levar adiante suas

propostas de projeção política.

É possível identificar que parte dos colaboradores da Campanha tinham claramente

traçado este objetivo de alcançar projeção política, quando elencamos os nomes

destes primeiros participantes da história da CNEC em terras capixabas e

destacamos sua trajetória de vida.

Identificamos Christiano Dias Lopes Filho como um dos principais políticos

capixabas ligado à Campanha, chegando aos cargos de Deputado Estadual e

Governador do Estado. Não é possível deixar de apontar que a divulgação da

Campanha pelos municípios favoreceu seus contatos políticos e seu prestígio junto

às mais variadas comunidades.

Sua atuação é referência na trajetória da CNEC em nível nacional, como destaca o

professor Felipe Tiago Gomes ao realizar o registro da história da CNEC.

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Destacou-se, em organização, a Diretoria da Campanha no Espírito Santo, sob a presidência do então acadêmico de Direito Christiano Dias Lopes Filho, que soube organizar a melhor Seção, com reflexos positivos em toda a extensão cenecista. Foi ele quem primeiro, fora do território pernambucano, comemorou solenemente a fundação da Campanha; foi também aquele companheiro que obteve a primeira ajuda federal ao movimento e ainda socorreu a entidade nas fases mais difíceis, quando ela iniciava sua caminhada nas terras do Sul (GOMES, 1980, p. 93).

Além de Christiano Dias Lopes Filho, outros fundadores e colaboradores da

Campanha, tornaram-se personalidades públicas e mantiveram com a CNEC esta

relação de troca, oportunizando subsídios e apoio financeiro para a instituição e em

contrapartida mantinham-se com popularidade suficiente para concorrer a cargos

eletivos.

Dentre este grupo, podemos citar alguns que merecem destaque, como a família

Calmon no município de Guarapari, onde o nome da escola cenecista local foi uma

homenagem ao Sr. Roberto Calmon.

No norte do estado, no município de Linhares, temos Emir de Macedo Gomes, que

chegou a ser Deputado Estadual e Halley Pinheiro Macedo, que foi o primeiro diretor

da CNEC de Linhares e, após passar por alguns cargos públicos, encerrou sua

carreira como Desembargador.

Em São Mateus, Octovarino Duarte Santos, principal colaborador da Campanha

naquele município, alcançou o cargo de prefeito.

O município de Santa Teresa, um dos primeiros a investir nas ações da Campanha,

contou com o apoio de Argeu Lorenzoni e Sebastião da Silva Marreco, que se

elegeram Deputados Estaduais, Orlando Nascimento e Vitor Biazuti, vereadores, e

Darcy Werter Vervloet, que foi nomeado Secretário de Educação do Governo

Estadual de Christiano Dias Lopes Filho.

Na Grande Vitória, destacam-se na área pública Claudionor Lopes Pereira, Léo

Ribeiro, Honório Regiani e Carlos Alberto Gomes de Almeida.

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Esta relação com personalidades ligadas diretamente ao Estado e outras instâncias

da sociedade proporcionou à Campanha possibilidades de crescimento e expansão

por diversos municípios do Espírito Santo.

Conforme é possível acompanhar na história da CNEC, os primeiros serviços

oferecidos à comunidade capixaba foram nos municípios de Vitória, Cachoeiro de

Itapemirim e Santa Teresa.

Partindo do exemplo da escola de Santa Teresa, podemos indicar o interesse de

personalidades locais e estaduais que apoiaram este empreendimento, procurando

oferecer à comunidade teresense um espaço educacional de qualidade e com baixo

custo.

A foto que segue retrata a área adquirida para a construção do Colégio Teresense,

ainda sem o início das obras.

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Foto 6 – Terreno no município de Santa Teresa destinado a construção da escola cenecista.Fonte: Anais da Campanha Nacional de Educandários Gratuitos, Seção ES, 1953.

Esta política voltada para a área educacional oportunizava desenvolvimento à

população da região, que não teria condições de dar continuidade aos seus estudos

caso não fossem estudar na capital e, em contrapartida, oferecia possibilidades

eleitorais para seus idealizadores, considerando que a educação sempre foi uma

das principais reivindicações da população.

Em artigo que publicou no início das atividades da Campanha no Espírito Santo,

Christiano Dias Lopes Filho trata desta questão da dificuldade do acesso ao ensino

público por parte da população.

Se o Govêrno não pode abrir tantos ginásios quantos necessários para tornar verdadeiramente gratuita a educação, dando a todos

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iguais oportunidades, que os façam os particulares, os homens ricos das indústrias, do comércio, da agricultura, os moços idealistas, os homens de boa vontade. [...] com o amparo já prometido do Govêrno, com o auxílio de todos aqueles que amam o próximo como a si mesmos, com o fogo do idealismo que incendeia o coração dos moços, haveremos de fazer em nosso Estado aquilo que os estudantes de Pernambuco vêm fazendo: levar a todos os compatrícios, filhos como nós da mesma Pátria e irmãos de um mesmo destino, as luzes do saber (A GAZETA, 1948, grifo nosso).

A estratégia de oferecer serviços de qualidade ao cidadão, a baixo custo ou custo

zero, com a ajuda financeira do Estado, transformou a Campanha em uma das

instituições educacionais mais respeitadas do Espírito Santo.

Christiano Dias Lopes Filho destaca em sua entrevista (2005) que durante os

Governos mais compreensivos e politicamente aliados, como os de Carlos

Lindemberg e Jones dos Santos Neves, a Campanha recebia ajuda financeira e

apoio para sua expansão. Contudo, em Governos opositores, como o de Francisco

Lacerda de Aguiar, a CNEC viveu momentos difíceis, pois o então Governador não

entendia a necessidade de subsidiar as escolas cenecistas.

O entrevistado diz que o recuo do Governo de oposição frente aos investimentos na

educação através das escolas da Campanha era uma forma de enfraquecer a

influência dos colaboradores da CNEC no campo político.

Desta forma, entendemos de forma transparente o forte instrumento político que foi

a CNEC para os políticos capixabas, tanto no âmbito dos municípios, como em todo

o território estadual.

Esta relação com as forças do Governo pode ser percebida para além do Espírito

Santo, em todos os lugares do Brasil que a CNEC construiu sua história, contudo o

contexto é similar.

No XXII Congresso Ordinário da CNEC, realizado em 1976, o professor Melo

destaca, em sua análise, os interesses políticos eleitoreiros que ligam a Campanha

aos poderes públicos:

[...] disputas políticas pelo mando dos ginásios, a degola de presidentes de setores e, às vezes, até estaduais, pela força da

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politicagem, por imposição dos donos de verbas. Isso aconteceu à larga, aqui e ali, e ainda persiste, porque política é política (MELO, apud SILVA, 2003, p. 123).

No Espírito Santo, durante o governo de Christiano Dias Lopes Filho, que

compreendeu o período de 1967 a 1971, considera-se a fase áurea da Campanha

no Estado.

Conforme o documento pedagógico norteador da CNEC (1977), todas as verbas

eram recebidas rigorosamente em dia e foram aprovados fundos de incentivo para a

construção de prédios e novas unidades de ensino.

A Campanha Cenecista foi uma das maiores beneficiadas com o POIEM – Programa

de Oportunidades Iguais para o Ensino Médio, que de acordo com Lopes Filho

(1971, p. 71) consistia em um programa de governo que veio dar nova dimensão

numérica à situação de atendimento a todos que buscam uma oportunidade de

matrícula no ensino médio. O programa significou uma tomada de posição realística

diante do problema dos educandos de parcos recursos financeiros, que lutam por

conseguir a ajuda do Poder Público através do sistema de bolsas de estudos, cuja

distribuição nem sempre vinha atingindo os mais necessitados.

Através deste programa, mediante assinatura de convênio com o Estado, as

instituições particulares recebiam do Governo o montante total ou parcial da

capacidade pagadora do educando. Esta medida implicou no custeio de milhares de

mensalidades de alunos carentes de recursos financeiros para as instituições

particulares. A maior beneficiada neste programa foi a CNEC, principalmente pelo

fato de atender a municípios do interior onde não havia representações de escolas

públicas.

Em sua entrevista, Christiano Dias Lopes Filho (2005) faz um paralelo com o debate

atual do sistema de cotas e define-se como o precursor deste sistema no Espírito

Santo, quando praticamente universalizou o acesso ao ensino médio, através das

bolsas de estudos que foram oferecidas.

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Mesmo considerando o lado positivo do acesso ao ensino médio por parte dos

estudantes que conseguiram concluir seu curso ginasial, questiona-se o fato de se

investir nas escolas particulares em detrimento da expansão da rede pública de

ensino.

Verbas foram destinadas à construção de prédios, remuneração de profissionais e

subsídios de alunos de escolas como a CNEC, ao invés de se investir o dinheiro

público em uma rede de ensino pública.

Os documentos pesquisados no Arquivo da Assembléia Legislativa do Espírito Santo

indicam Projetos de Lei e Convênios que foram aprovados de forma a beneficiar

diretamente as escolas da Campanha.

Podemos observar, no Termo de Convênio entre o Estado do Espírito Santo e a

Campanha Nacional de Educandários Gratuitos (Anexo III), datado de dezesseis de

agosto de mil novecentos e sessenta, o estabelecimento de acordo para oferta de

ensino secundário pela Campanha, mediante ajuda financeira, conforme texto do

documento:

CLÁUSULA PRIMEIRAO “Govêrno” prestará à “Campanha” ajuda financeira para a realização de seu programa de fundação e manutenção de estabelecimentos de ensino de grau médio (1º e 2º ciclos) na base de Cr$ 100.000,00 (cem mil cruzeiros) por turma dos estabelecimentos que mantém ou vier a manter.

O documento, assinado pelo então Secretário de Educação e Cultura, Sr. Bolívar de

Abreu, e pelo vice-presidente da Campanha em exercício, Sr. Lauro Calmon

Nogueira da Gama, traz cláusula referente à ajuda para despesas da administração

da Campanha Cenecista, como é possível observar:

CLÁUSULA QUARTAA ajuda financeira de que trata a Cláusula Primeira será acrescida de 10% (dez por cento) para atender às despesas da administração estadual da “Campanha”.

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Este convênio demonstra uma das formas que a Campanha e o Estado encontraram

de se relacionar. Denominam este tipo de convênio entre as partes de regime de

cooperação para a difusão do ensino gratuito.

Além das questões financeiras, o documento trata ainda da prestação de contas que

a Campanha precisava fazer ao Estado:

CLÁUSULA DÉCIMA TERCEIRAA “Campanha” se obriga a apresentar ao “Govêrno”, anualmente, relatório do qual constem as atividades sócio-culturais de seus estabelecimentos, relação do corpo docente, pessoal administrativo, relação de alunos, bem como a prestação de contas referentes aos auxílios recebidos.

Outra modalidade de apoio conseguido pela CNEC junto ao Governo do Estado são

as verbas destinadas para a construção de ginásios e escolas cenecistas no interior

do Espírito Santo.

Diversos municípios, ao longo da trajetória da Campanha Cenecista no Espírito

Santo, foram beneficiados com recursos para a construção de sede própria.

Identificamos, em meio às fontes, documentos que comprovam esta prática

realizada em terras capixabas.

No ano de mil novecentos e sessenta e um, foi autorizado auxílio financeiro para a

CNEC localizada no município de Santa Teresa, como podemos observar no texto

(Anexo IV):

Art. 1º - Fica o Poder Executivo autorizado a conceder, à Campanha Nacional de Educandários Gratuitos – Seção do Espírito Santo, um auxílio de Cr$ 3.500.000,00 (três milhões e quinhentos mil cruzeiros) destinado à conclusão do prédio do Ginásio de Santa Tereza.

A prática de encaminhar recursos públicos para que a Campanha Cenecista

construísse, ampliasse ou concluísse obras em seus prédios também podem ser

identificadas em outros documentos identificados ao longo da pesquisa, como por

exemplo, os que compõem o Anexo V e Anexo VI, respectivamente os referentes

aos municípios de Domingos Martins e Guarapari:

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Art. 1º - Fica o Poder Executivo autorizado a auxiliar com a quantia de Cr$ 200.000,00 (duzentos mil cruzeiros) ao Ginásio de Domingos Martins, da Campanha Nacional de Educandários Gratuitos, para a construção de sua casa própria.

Art. 1º - Fica o Poder Executivo autorizado a conceder, à Campanha Nacional de Educandários Gratuitos – Seção do Espírito Santo, um auxílio de Cr$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil cruzeiros) destinado à construção do Ginásio de Guarapari.

Somado a estes exemplos, encontram-se outros municípios como o de Muniz Freire,

Vila Velha, Vitória, Cariacica, São Mateus e praticamente todos os outros que

tiveram em suas terras escolas da Campanha Cenecista, beneficiados com auxílios

financeiros públicos a serem aplicados em suas sedes próprias.

Esse período que pode ser considerado áureo para a CNEC no Espírito Santo, pois

possuía relações estreitas com os membros do Governo, o que gerava um retorno

financeiro interessante para a instituição e, consequentemente um retorno positivo

no que tange as questões eleitorais para seus colaboradores, inicia-se um processo

de crise em terras capixabas e em todo o território nacional.

Esta crise foi discutida por Christiano Dias Lopes Filho em documento enviado ao

XXV Congresso Nacional da Campanha, realizado em 1979 (LOPES FILHO apud

SILVA, 2003, p. 125), informa que

[...] na medida em que o Poder Público foi transformando seus grupos escolares em Escolas de 1º grau, a Campanha não só perdia as oportunidades de expandir-se como, também, passou a ter as unidades oficiais de ensino como concorrentes no universo de educação que atendia [...] os novos tempos tornaram mais fácil o processo de estrangulamento. [...] No meu Estado, a Campanha sofreu, nos últimos anos, o mais insuportável processo de estrangulamento [...] Não conseguiram, porém, evitar que se encerrasse o ano de 1978 com a entidade mergulhada na maior crise financeira, porque não recebeu uma só das bolsas de estudo que havia conseguido. Além disto, vários prédios foram alienados sob pressão, ao Estado.

Neste mesmo documento encaminhado por Christiano Dias Lopes Filho ao XXV

Congresso da Campanha, ressaltam-se as três principais ações do poder público

que estavam sendo as causadoras do estrangulamento das atividades da CNEC:

criação de estabelecimentos públicos de ensino nas cidades onde há educandários

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da Campanha; retardamento e até falta de pagamento dos auxílios e bolsas de

estudo; encampação das unidades de ensino.

O objetivo principal deste documento foi o de propor uma fundação entre a

Campanha e o Estado, onde haveria uma definição das atribuições e

responsabilidades de cada um, sem prejuízos e desgastes.

Assim, esta perderia um pouco de sua autonomia na programação de suas atividades, porque passaria a ser um órgão auxiliar da política oficial no campo da educação, mas ganharia estabilidade financeira [...]. Por outro lado e em contrapartida, definia-se, de uma vez por todas, a responsabilidade do Estado, na sobrevivência da Entidade (LOPES FILHO, apud SILVA, 2003, p. 127).

A opção, por outro lado, daria à Campanha nova conceituação jurídica, mais condizente com sua posição no esquema de esforços do poder público e da iniciativa particular para a solução do grave problema de levar o ensino a todos os seguimentos da população. É que a entidade já não conserva mais as características de campanha, isto é, de mobilização a base do idealismo, do desprendimento e da abnegação. Isto aconteceu em outros tempos quando a Campanha exerceu – e exerceu muito bem – a ação pioneira de interiorizar a educação [...]. Então, Governo e Campanha não podem ser forças concorrentes, mas convergentes [...] (LOPES FILHO, apud SILVA, 2003, p. 127).

Em entrevista com o Secretário de Educação do Governo de Christiano Dias Lopes

Filho, Sr. Darcy Werter Vervloet (2006), ele refere-se à luta de Christiano Dias Lopes

Filho em avançar no sentido de propor a fundação ao Estado e regularizar a

situação da Campanha.

[...] “-Olha, eu penso que está na hora de nós mudarmos o que é a Campanha”. Aliás, a idéia nem foi minha, foi de Christiano, tornar a Campanha uma Fundação. E eu abracei essa idéia e nós lutamos e num Congresso nós expusemos isso lá, inclusive foi Christiano quem fez a exposição do fato, mas não aceitaram transformar a Campanha em uma Fundação. Porque aí ficava mais fácil para a Campanha sobreviver. Ela não ia depender de política, não ia depender de nada disso. Porque em todas essas eleições da Campanha se elegia alguém do Governo Federal ou a mulher do Presidente, quer dizer... Para poder ter suporte político. Então, a idéia era transformar em Fundação e estava resolvido o problema (VERVLOET, 2006).

[...] Christiano teve razão quando pensou em fazer a Fundação para a Campanha. Razão total e absoluta, porque se ela tivesse sido transformada em Fundação, ela existiria até hoje. Tendo alunos de graça, entendeu? Tendo talvez escolas de terceiro grau por todo o

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estado, entende? Ou na maioria dos municípios do Estado. Mas, Felipe não quis... (VERVLOET, 2006).

A situação que passou a ser motivo de preocupação no final dos anos 60 ganhou

proporção alarmante nos anos seguintes, com a falta de crescimento, a queda na

qualidade dos serviços prestados, a crise financeira e conseqüente diminuição dos

serviços oferecidos pela Campanha nos diversos estados.

A crise que se instalou na Campanha a partir deste período continua a ser a

principal preocupação até os dias atuais, sendo importante ressaltar que, além da

necessidade de se buscar alternativas para a diminuição desta dificuldade, existe a

preocupação dos cenecistas com a perda do referencial da Campanha. Conforme

podemos observar em Santos (2003), a comunidade que paternalisticamente foi

acostumada a esperar o favor do político em algumas situações acabava sem

cumprir a sua parte na manutenção do ginásio. Alegando tais motivos, os seus

dirigentes locais, estaduais e nacionais estabeleceram percentuais fixos

posteriormente transformados em mensalidades, mudando assim a filosofia da

Campanha.

A CNEG àquela altura mudou de direção, e os cenegistas de 67 achavam que ela já estava descaracterizada. Ela passou a se caracterizar quase como uma escola particular, fugindo ao seu objetivo enquanto escola da comunidade, de integrar, ser uma alternativa entre a escola pública e a particular, o que havia de melhor nas duas. Era uma escola da comunidade, muito impregnada desse espírito, digamos assim, de seus precursores (LEITE, apud SOUZA, 2003, p. 169).

Ainda em relação à participação financeira da comunidade, em virtude da diminuição

da participação financeira do poder público, Silva (2003) salienta que, desde o final

da década de setenta, buscou-se aumentar a participação financeira da comunidade

na receita da Campanha, não obtendo, no entanto, financiamento total da entidade.

A análise dos documentos pesquisados acerca da CNEC no Espírito Santo gera a

possibilidade de entendermos que as experiências vividas pela Campanha em

outros estados, no que tange a questão da interferência de grupos políticos,

adaptações ao pensamento ideológico predominante, a utilização das ações da

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Campanha para fins eleitoreiros e conseqüente desgaste e diminuição de suas

atividades, também aconteceram e acontecem no Espírito Santo.

A trajetória da Campanha em terras capixabas após a metade da década de setenta,

onde é possível tratar de todas as dificuldades encontradas pela instituição, apesar

de buscar constantemente se adaptar ao contexto político, econômico e social de

cada período, merece um estudo específico.

Em conseqüência dos números que se apresentam hoje, pois a CNEC conta

atualmente apenas com um colégio de educação básica em Campo Grande, no

município de Cariacica e a faculdade de pedagogia e economia no município de Vila

Velha é que sugiro uma pesquisa específica acerca dos caminhos que levaram a

esta crise e como vem sendo administrada pela Instituição.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Propor uma pesquisa que busca refletir e abrir debates acerca da trajetória da

Campanha Nacional de Escolas da Comunidade no Espírito Santo leva a caminhos

diversos.

De forma objetiva, a primeira idéia foi trabalhar a trajetória desta instituição e sua

participação na história da educação capixaba. Levantar dados através dos quais

fosse possível analisar se de fato a Campanha trouxe colaboração relevante para a

educação no Espírito Santo e de que forma se deu sua participação no cenário

capixaba.

Para realizar esta proposta inicial, foram realizadas pesquisas nos jornais locais, nos

documentos do Arquivo Público Estadual do Espírito Santo, no Arquivo da

Assembléia Legislativa e visita à Superintendência Estadual da CNEC, no Espírito

Santo.

Os poucos documentos identificados e a constatação de que não há um arquivo da

Campanha no Espírito Santo dificultaram consideravelmente a possibilidade de

análise de documentos acerca da temática proposta, mas abriram outros horizontes,

quando conduziram a pesquisa para o contato com a vida dos protagonistas desta

história.

Foi através dos principais atores da história da Campanha que foi possível encontrar

o eixo norteador para a pesquisa, pois por meio destas histórias estabeleceu-se uma

relação entre a Instituição e seus principais colaboradores, construindo assim a

trajetória da CNEC no Espírito Santo.

A pesquisa, então, procurou buscar informações e analisar a participação de Felipe

Tiago Gomes nesta história. Como fundador e principal colaborador em nível

nacional, desde muito jovem foi um dos responsáveis pela idéia da Campanha e

transformou sua vida em função da causa cenecista.

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Ao conhecer a história do professor Felipe Tiago Gomes e ao ler relatos de amigos,

ex-alunos, colaboradores e simpatizantes, é possível perceber que a Campanha

Nacional de Escolas da Comunidade foi para Felipe Tiago sua própria vida.

Foi ele quem divulgou pessoalmente a idéia da Campanha em todos os estados,

inclusive no Espírito Santo, quando entra em cena Christiano Dias Lopes Filho,

principal colaborador da CNEC no Estado e futuro Governador do Espírito Santo.

Diferente de Felipe Tiago Gomes, é possível perceber que Christiano Dias Lopes

Filho, apesar de ser o principal colaborador da Campanha em terras capixabas e ter

permanecido por mais de dezesseis anos diretamente à frente das ações da CNEC,

não deixou de perseguir seus objetivos políticos, chegando a deputado estadual e

governador do estado.

Considerando sua participação efetiva nas atividades da Campanha, é possível

destacar o fato de que seu protagonismo junto à CNEC colaborou de forma incisiva

para seu sucesso político eleitoral.

A própria aprovação do seu nome, pelo Presidente da República, para o cargo de

Governador do Estado veio por intermédio de um colaborador da CNEC do Ceará,

Deputado Federal Paulo Salazarte, conforme afirma o próprio Christiano Dias Lopes

Filho em entrevista à Revista Essa (2005, p. 38):

O meu prestígio com o presidente, que sequer eu conhecia pessoalmente, veio porque era amigo dele o deputado federal pelo Ceará, Paulo Salazarte, e que também era um velho amigo e conhecido e que havíamos trabalhado juntos numa campanha de educandários gratuitos, que vinha desenvolvendo um trabalho sério e muito eficiente e o Paulo Salazarte encampou a minha candidatura junto ao presidente.

É provável que os idealizadores da Campanha, como Felipe Tiago Gomes e

Christiano Dias Lopes Filho, não tivessem em um primeiro momento a visão sobre a

proporção e o alcance que a Campanha Cenecista alcançaria ao longo de sua

trajetória.

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Através dos documentos, entrevistas e produções próprias da Campanha analisados

ao longo desta pesquisa é possível identificar que as possibilidades de crescimento

e os caminhos da instituição foram se caracterizando a partir das relações

estabelecidas com seus colaboradores, comunidades e poder público.

Não podemos negar que a ausência do Estado frente à real necessidade da

população, no que tange a questão educacional, deixou espaços para a atuação da

Campanha. Com a proposta de levar através da parceria com a comunidade e

subsídios do poder público, educação para aqueles brasileiros que não teriam

normalmente acesso às escolas, os colaboradores da Campanha Cenecista

souberam ocupar e aproveitar estes espaços, fazendo uso dos mesmos através do

próprio recurso público.

A relação de proximidade e dependência da Campanha com o Estado não fazia

parte da idéia original dos fundadores da Campanha. Tanto que a opção por este

caminho afastou muitos colaboradores que percebiam a Campanha Cenecista como

uma alternativa para melhorar as condições de vida das pessoas que necessitavam

destas escolas, considerando que não teriam acesso às escolas públicas.

Em contrapartida, esta relação com o poder público aproximou outros tantos

colaboradores, como define com objetividade Souza (2003, p. 167):

Aproximou outros tantos de variadas concepções [...] viam um instrumento de barganha do qual podiam auferir ganhos políticos, seja através do acesso a cargos e funções, seja fortalecendo suas bases eleitorais. Em geral, o interesse desses grupos políticos recaía sobre o Setor Local e sobre o ginásio, pela possibilidade de angariar votos e manter o eleitorado “satisfeito” e submisso.

Analisando a trajetória da Campanha, é possível destacar que a principal

característica desenvolvida foi a habilidade de adaptação. Foi esta característica que

permitiu a CNEC permanecer e se expandir em períodos tão distintos da história

nacional.

A Campanha Cenecista iniciou suas atividades em pleno populismo brasileiro,

trazendo a bandeira do comunitarismo e da solidariedade. Conseguiu manter-se no

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cenário nacional mesmo durante o período do regime militar, onde muitos

movimentos similares, com perfil popular, foram desativados e extintos pelo sistema.

Esta manutenção está relacionada a dois principais fatores que são a não

caracterização de ameaça ao regime militar, pelo contrário, a CNEC passou a ser

instrumento colaborativo, no sentido de facilitar a expansão do ensino gratuito à

população e a relação estabelecida de subordinação e dependência financeira ao

poder político.

Com o fim do regime militar, surgiram dificuldades mais estruturais junto ao Estado,

pois no contexto histórico levantou-se a defesa pela escola pública, gratuita e de

qualidade, diminuíndo consideravelmente a relação da Campanha com o Estado e

dificultando o recebimento dos subsídios financeiros.

Hoje a Campanha passa por uma crise nacional, quando propõe uma mudança no

foco de suas ações, procurando se estabelecer enquanto instituição de ensino

superior, para que possa ter condições de permanecer atuando no cenário nacional.

As análises aqui oferecidas indicam que, no recorte histórico proposto, ou seja, de

sua implementação no Espírito Santo no ano de 1948, até o final do Governo de

Christiano Dias Lopes Filho no ano de 1971, não é possível negar que a Campanha

Nacional de Escolas da Comunidade foi de significativa relevância para a população

capixaba, considerando a ausência do Estado na oferta do ensino público,

principalmente nos municípios do interior do estado.

O envolvimento das comunidades e de personalidades da sociedade capixaba abriu

uma comunicação direta com o Governo do Estado e com autoridades municipais,

no sentido de subsidiar e incentivar as ações da Campanha Cenecista por todo o

território capixaba.

As fases prósperas da Campanha aconteceram durante os governos ligados ao

grupo político em que Christiano Dias Lopes Filho fazia parte, deixando explícita a

fragilidade da existência de relações verdadeiramente institucionais entre a

Campanha e o Estado.

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As relações passavam pelo âmbito político partidário, refletindo diretamente nas

ações da Campanha Cenecista. Esta dependência dos recursos públicos exemplifica

a necessidade de constantes adaptações por parte da CNEC para manter esta

relação de troca com o Estado.

Esta relação, criada pelos membros da Campanha com o Estado em todo o Brasil, e

de forma particular no Espírito Santo, desperta-nos para o fato de serem aplicados

recursos públicos em obras e ações particulares voltadas para a educação, em

detrimento do incentivo à construção de escolas públicas, gratuitas e de qualidade

para atender a todo e qualquer cidadão.

Não podemos negar que esta prática subsidiou a expansão da Campanha, trouxe

benefícios a um considerável número de capixabas, mas também serviu ao

interesse de inúmeros colaboradores que possuíam objetivos políticos eleitorais e

não colaborou com a expansão da rede pública capixaba durante o período em

estudo.

Desta forma, entendo que a Campanha das Escolas da Comunidade durante o

período histórico proposto possui méritos e descréditos que não devem ser julgados

de forma unilateral.

A pesquisa realizada não encerra em si só as questões a que se propõe responder,

ao contrário, colabora com a indicação da necessidade de que outros estudos sejam

produzidos de forma a trazer mais subsídios para a historia da educação capixaba e

brasileira.

Em relação à Campanha Nacional de Escolas da Comunidade são imprescindíveis

estudos que tratem da segunda fase de sua atuação no cenário capixaba, pois os

números e indicadores demonstram que sua participação no contexto educacional

diminuiu significativamente. Esta nova realidade provavelmente apresentou impactos

em diversas áreas e comunidades, que merecem ser analisados.

Ainda em relação às escolas da Campanha, existe outra vertente que merece ser

pesquisada, que passa pela questão pedagógica da instituição. O presente estudo

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não se propôs a se debruçar sobre esta questão, mas as tendências pedagógicas e

as práticas educacionais utilizadas pela CNEC ao longo de sua trajetória são

merecedoras de um olhar pedagógico, voltado para as diversas fases da instituição.

Em relação ao cenário educacional capixaba, são inúmeras as possibilidade de

pesquisas a serem realizadas de forma a enriquecer nossa história da educação,

principalmente no que tange a questão das ofertas de vagas, expansão da rede

pública de ensino em todos os níveis e os recursos públicos destinados à educação

capixaba.

Não era proposta originária desta pesquisa aprofundar nas questões e relações

políticas, bem como em atores do cenário político local, mas os caminho percorridos

fizeram com que houvesse a necessidade de uma incursão a esta área, que indica

inúmeras outras possibilidades de aprofundamento através de pesquisas, da relação

entre a política e a educação no contexto capixaba.

Através deste estudo, esperamos ter colaborado com dados de forma significativa

para a construção da história da educação no Espírito Santo e para abrirmos

caminhos a novas possibilidades de estudos nesta área.

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