A valorização do mundo não humano: um estudo comparativo de currículos

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  • 7/31/2019 A valorizao do mundo no humano: um estudo comparativo de currculos

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    A valorizao do mundo no humano: um estudocomparativo de currculos1

    Orlando FigueiredoUnidade de Investigao e Desenvolvimento em Educao e Formao doInstituto de Educao da Universidade de Lisboa

    [email protected]

    Paulo AlmeidaUnidade de Investigao e Desenvolvimento em Educao e Formao do

    Instituto de Educao da Universidade de [email protected]

    Mnica Baptista

    Unidade de Investigao e Desenvolvimento em Educao e Formao doInstituto de Educao da Universidade de [email protected]

    Ceclia GalvoUnidade de Investigao e Desenvolvimento em Educao e Formao do

    Instituto de Educao da Universidade de [email protected]

    Categoria: A. Desafios e debates scio-ambientais nos contedos CTS (CTSA)

    Resumo

    Os discursos ecolgicos podem ser categorizados em trs tipologias distintas: (1)antropocentrismo; (2) biocentrismo e (3) ecocentrismo. Com centralidades que sedeslocam, progressivamente, da espcie humana para os seres vivos e para oecossistema, das prdicas referidas a primeira que assume os contornoshegemnicos do discurso acriticamente instalado; contudo, face ao colapso dabiosfera que todos testemunhamos, as ltimas dcadas veem emergir linguagenscrticas do status quo que, ao assumirem um posicionamento ps humanista,reconhecem o valor intrnseco dos seres vivos e ecossistemas negado pelas quimeras

    do paradigma dominante.Tendo por pano de fundo uma conceo da escola como agente de mudana econscientes que os discursos crticos, ainda que abranjam reas reflexivas extensas(tica, sociologia, psicologia, etologia, ecologia...), fundamentam as suas posies nossaberes cientficos e que a no referncia aos discursos minoritrios equipolente aprivilegiar e perpetuar o discurso hegemnico, procurmos compreender quais osparadigmas ecolgicos que os currculos de cincias de trs pases Portugal, NovaZelndia e Finlndia e de uma regio autnoma da China Hong Kong veiculam. A escolha feitas resulta de este estudo se inserir no Projeto de Avaliao doCurrculo de Cincias Fsicas e Naturais, do 3. ciclo do Ensino Bsico, financiado pelaFundao para a Cincia e Tecnologia (PTDC/CPE-CED/102789/2008) e estes seremos currculos analisados at data de submisso da proposta de comunicao.

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    Recorremos a uma metodologia interpretativa centrada na anlise crtica do discurso,identificando e categorizando fragmentos textuais dos currculos portadores deindcios, implcitos ou explcitos, de um determinado posicionamento ecolgico.Os resultados iluminam, ainda que com uma gradao nos diferentes documentos, umesbatimento da presena dos discursos ecolgicos alternativos e, ainda que menosacentuada no currculo finlands, a presena de uma viso utilitarista einstrumentalista do mundo no humano. Foi tambm notada, nas construes textuaiseleitas pelos currculos, a ausncia da promoo, junto dos alunos, de um exerccioreflexivo e crtico do paradigma dominante de forma a garantir o contacto destes comideias e perspetivas diferenciadas.

    Problematizao

    A globalizao que se deu nas ltimas dcadas, sustentada pelo desenvolvimentotecnocientfico, parece ter um efeito duplo: se, por um lado, logra afastar as pessoasdas suas origens naturais, por outro legitima e (quase) vulgariza o discurso crtico dos

    pressupostos civilizacionais planetrios de explorao predatria dos recursos e dedegradao ambiental. Paralelamente ao discurso hegemnico caracterizado pelasconcees antropocentradas e utilitaristas que reificam o mundo no humano epromovem a alienao da espcie humana face s suas origens, simultaneamente,naturais e naturalistas emergem outros discursos ps-humanistas e contra-hegemnicos que reclamam uma relao diferente dos humanos com o mundo nohumano.So diversas as vozes que criticam a abordagem escolar que desvaloriza os aspetoshumanistas da cincia e das cincias sociais a imaginao, a criatividade, opensamento crtico rigoroso [...] medida que os Estados preferem perseguirganhos a curto prazo atravs da promoo de qualificaes tcnicas altamenteespecializadas que respondem a este objetivo (Nussbaum, 2010, p. 10). Se ascompetncias que Nussbaum (2010) refere assumem um papel fulcral na educao eformao de cidados crticos e interventivos, o desenvolvimento de uma ecoliteracia(Orr, 2004) uma ferramenta fundamental na agncia social, poltica e ecolgica(Kahn, 2009).A escola, assumindo-se como agente de mudana social (Giroux, 2011), deve dar aconhecer as perspetivas emergentes de forma a possibilitar o desenvolvimento deuma dimenso simultaneamente crtica e emancipatria nos alunos. O ensino dascincias surge como particularmente pertinente nesta demanda dado que estesdiscursos se sustentam nos saberes cientficos.Conscientes de que a no incluso dos discursos alternativos nos currculos escolares vet-los marginalidade, este trabalho procura conhecer em que medida, implcita

    ou explicitamente, os currculos analisados veiculam percees hegemnicas, ou seabrem caminho ao debate de mltiplas perspetivas no domnio do bio e ecocentrismo.

    Enquadramento terico

    Os discursos ecolgicos podem ser categorizados em trs domnios:antropocentrismo, biocentrismo e ecocentrismo. O primeiro, que Dunlap, Van Liere,Mertig e Jones (2000) apelidaram de paradigma social dominante, coloca a espciehumanano centro de toda a existncia e lana, ao mundo natural, um esgar utilitaristae instrumentalista. um discurso que v na razo humana o instrumento manipuladordo mundo e apela sua intendncia e apropriao, acreditando, ingenuamente, napossibilidade do eterno progresso (Lima & Guerra, 2004). Porque apenas se

    reconhece estatuto moral2 ao humano, as manifestaes em defesa do ambiente

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    emergem porque se reconhece a possibilidade de os desequilbrios ambientais oporem em causa.

    As correntes biocntricas alargam o valor intrnseco a todas as formas de vida, emduas perspetivas: a primeira, sustentada pela sencincia (Singer, 1975/2008) e direitosdos animais (Regan, 2004) promove uma hierarquizao do estatuto moral doindivduo em resultado da combinao concomitante da sua condio de ser sencientee do nvel de complexidade; a segunda estende-se de forma igualitria a todas asformas de vida reconhecendo-lhes estatuto moral, pelo menos do ponto de vista daao humana (Taylor, 1986/2011). O contributo do biocentrismo para a discusso ticasobre os direitos dos espcimes individuais inegvel; contudo, uma perspetivaholstica que transcende a individualidade e se debrua sobre os direitos dosecossistemas chega-nos pela mo do ecocentrismo.

    Reconhecendo no ecossistema um sistema homeosttico idntico a um organismovivo, o discurso ecocntrico coloca o enfoque valorativo nos ecossistemas. O planeta

    emerge como uma unidade integrada e o ser humano como uma espcie que vive eminterdependncia com os seus pares e com o resto do planeta. Dado que a violaodas leis naturais no uma opo que os humanos possam avocar, reconhece-se afinitude planetria e os limites da ao humana (Dunlap et al., 2000).

    Uma forma que o ecocentrismo assumiu ao reconhecer valor intrnseco aosecossistemas, cunhada por Naess (2001) na dcada de 1970, que apelidou deEcologia Profunda; profunda porque convida reflexo e ao estabelecimento deligaes afetivas dos humanos com o mundo no humano e procura transcender arelao mecnica e instrumentalista da antropocntrica ecologia superficial (Capra,1997; Naess, 2001).

    Metodologia

    A natureza deste trabalho levou adoo de uma metodologia interpretativa,sustentada na anlise crtica do discurso. De acordo com Jrgensen e Phillips (2002),discurso uma forma particular de falar e compreender o mundo (ou um dos seusaspetos) (p. 1). o discurso sobre uma parte do mundo as perspetivas ecolgicas patente nos documentos oficiais que pretendemos analisar; contudo, porque setrata de discernir acerca da presena de discursos que se colam ou s perspetivashegemnicas ou s perspetivas crticas das hegemonias, no hesitmos em atribuir oadjetivo de crtica anlise aqui desenvolvida.

    Procedeu-se anlise comparativa dos discursos dos currculos de Portugal,Finlndia, Nova Zelndia e Hong Kong, que orientam o ensino das cincias de alunosentre os 12 e os 15 anos. Procurou-se discernir quais os paradigmas ecolgicossubjacentes aos discursos e de que forma estes promovem a adoo deecopedagogias crticas (Kahn, 2009). Para tal foram identificados e categorizados osexcertos dos currculos que indiciavam, de forma explcita ou implcita, umdeterminado posicionamento ecolgico (antropocntrico, biocntrico ou ecocntrico).

    Visto tratar-se de um estudo em progresso1, reportamos os resultados dos currculosj analisados, provenientes de um conjunto mais alargado que foi selecionado combase nas classificaes que os respetivos pases obtiveram no estudo PISA 2006(OECD, 2007) para a literacia cientfica.

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    Resultados

    Portugal

    Foram analisados quatro documentos: (1) as Competncias Gerais e CompetnciasEspecficas para as Cincias Fsicas e Naturais do Currculo Nacional do EnsinoBsico: competncias essenciais3 (CNEB) (Ministrio da Educao, 2001), onde sediscriminam os princpios e valores orientadores do currculo, bem como ascompetncias gerais e especficas a desenvolver pelos alunos; (2) as OrientaesCurriculares para as Cincias Fsicas e Naturais no 3. ciclo do Ensino Bsico (OC-CFN) (Galvo et al., 2001), nas quais se especificam as competncias para a literaciacientfica que os alunos devem desenvolver e se apresentam os quatro temasunificadores, comuns s disciplinas Cincias Naturais e Cincias Fsico-Qumicas:Terra no Espao, Terra em transformao, Sustentabilidade na Terra e Viver melhor naTerra; as Metas de Aprendizagem (MA) (3) para as Cincias Fsico-Qumicas (Martins,Lopes, Cruz, Soares, & Vieira, 2010b) e (4) para as Cincias Naturais (Martins, Lopes,

    Cruz, Soares, & Vieira, 2010a), que se apresentam como instrumentos fundamentaisna gesto curricular das diferentes disciplinas.

    O discurso ecolgico patente no CNEB transversal a todo o documento e assumeum pendor conservacionista sem descurar a necessidade de interveno por parte doshumanos no mundo no humano. explicitada a importncia da discusso dos efeitose limites dessa interveno; contudo, as motivaes de valorizao intrnseca domundo no humano no esto explicitamente patentes no discurso do documentoanalisado. As construes textuais, ainda que no seja de forma sistemtica,legitimam o discurso antropocntrico de apropriao utilitarista do mundo no humano;um exemplo desta legitimao a referncia necessidade humana de apropriaode recursos (Ministrio da Educao, 2001, p. 140).

    As OC denotam uma maior neutralidade. Deixam transparecer uma posioconservacionista, mas no apresentam razes, mesmo no domnio antropocntrico,como sustentam os exemplos: (1) os alunos devem tomar conscincia da importnciade se acabar com a emisso de determinados gases, tendo em vista a proteo davida na Terra (Galvo et al., 2001, p. 27), estando aqui patente a importncia deproteo da vida sem que se apontem quaisquer razes que a apoiem e (2) pensar esugerir propostas relativas a uma gesto racional dos recursos (Galvo et al., 2001, p.29). Tambm neste excerto, no se sugere a discusso, em contexto de aula, sobre asrazes subjacentes pertinncia de uma gesto racional dos recursos, que faculte aemergncia de questes relacionadas com a relao subjetiva entre o aluno e a Terra.

    Nas MA, as construes textuais relacionadas com a sustentabilidade e a ecologia,assumem um carter conservacionista; contudo, as razes que sustentam asnecessidades conservacionistas no so, explcita ou implicitamente, denotadas;como sugerem os exemplos: (1) classifica fontes de energia em primrias esecundrias, renovveis e no-renovveis (Martins et al., 2010b) e (2) descreve asconsequncias para os ecossistemas [...] da utilizao no sustentada dos recursosnaturais (Martins et al., 2010b).

    Nova Zelndia

    A anlise do currculo neozelands teve por base dois documentos The New

    Zeland Curriculum (Ministry of Education, 2007) e Science in the New ZelandCurriculum (Ministry of Education, 1993). No primeiro expressam-se as vises,

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    princpios, valores, e competncias-chave e apresentam-se as finalidades gerais doscurrculos, de cada uma das reas de aprendizagem, nas quais se inclui as cincias.Esta rea contempla 5 domnios: a "Natureza da cincia (que um domniotransversal, com objetivos prprios), o "Mundo vivo", o "Planeta Terra e alm", o"Mundo fsico" e o "Mundo material". O segundo documento citado, contem osobjetivos gerais da educao em cincia e apresenta o currculo especfico de cadados domnios referidos, com as metas de aprendizagem, sugesto de experincias deaprendizagem e exemplos de avaliao.Do primeiro documento, destacamos o conjunto de valores que devem orientar aeducao, onde encontramos o respeito pela diversidade e a sustentabilidadeecolgica. Nele expressa-se uma forte preocupao com as diferentes culturas queconstituem a populao humana e com o futuro sustentvel do pas, em termoseconmicos, sociais, culturais e ambientais. No entanto, consideramos que o currculo,ainda que apresente essas preocupaes, denota, ainda, um discursoconservacionista, prximo de uma perspetiva de ecologia superficial (Naess, 2001),centrada em aspetos tecnocientficos e nos contedos tradicionais das cincias. Por

    exemplo, a relao com os outros constitui-se como uma das competncias-chave adesenvolver nos alunos, mas h uma ausncia da meno relao com os outrosseres e com o ambiente, pelo que os "outros" so aqui tomados como sendoexclusivamente os "humanos". Tal compreensvel quando no texto se refere"Relacionar-se com os outros sobre interagir eficazmente com uma grandediversidade de pessoas numa variedade de contextos. Esta competncia inclui acapacidade de ouvir ativamente, reconhecer pontos de vista diferentes, negociar ecompartilhar ideias" (p. 12). H, portanto, uma ausncia de posicionamento doindivduo num mundo caracterizado pela diversidade biolgica/ambiental.Compreende-se, tambm, em algumas das construes textuais relativas ao domnioda "Cincia", uma viso biocntrica, ao referir-se na componente do "Mundo Vivo", orespeito pela fauna, flora e pelos ecossistemas nicos do pas. No entanto, no mesmo

    texto refere-se, na componente do "Planeta Terra e alm", que os humanos devemconstituir-se como "guardies" dos recursos finitos, que a Terra proporciona para amanuteno da vida (com exceo da energia solar). Deposita-se, exclusivamente,nos humanos, a gesto protecionista desses recursos e, apesar das preocupaes denatureza ecolgica integrarem a agenda educativa, as vises biocntrica eantropocntrica vo-se intercalando, sem que haja coerncia no discurso ecolgicopatente no documento.

    Hong Kong

    O currculo de Hong Kong, intitulado Syllabuses for Secondary Schools (TheCurriculum Development Council, 1998) constitudo por um nico documento

    constitudo por 15 unidades de ensino de fsica, qumica e biologia. O currculo, apesarde incentivar a adoo de prticas docentes de ndole construtivista, centra-se nossaberes tradicionais da cincia e as relaes com a sociedade so estabelecidas emfuno dos contedos cientficos abordados. A ilustrar esta situao podemos referir atemtica da conservao das espcies e do impacto da atividade humana noambiente, abordada no final da unidade 2 Observando o Mundo Vivo.Anteriormente, nesta unidade, foram trabalhados assuntos relacionados com os seresvivos, como as caractersticas e variedade dos seres vivos e dos seus habitats e aclassificao de animais e plantas. Esta opo, que se mantm em todo o documento,pode denotar uma perspetiva que olha as questes relacionadas com o mundo nohumano como a possibilidade de a aplicar os conhecimentos cientficos mais

    tradicionais, escamoteando outro tipo de olhares a lanar sobre estas questes. Almde no se valorizar esta dimenso, no se promove qualquer discusso que procure

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    relacionar os estilos de vida, o consumismo, o sistema econmico com o impacte daatividade humana.Retomando o exemplo da Unidade 2, sugere-se a identificao da atividade humanacomo um dos fatores que coloca as espcies em vias de extino, mas no se discutea legitimidade e a necessidade dessa atividade e, ainda menos, se coloca a perguntasobre as razes que esto subjacentes necessidade de conservar o meio ambiente.As situaes idnticas s aqui descritas multiplicam-se. Na unidade 4 Energia asduas ltimas seces tm o nome de Produzindo eletricidade: poluio associada eoutras formas de produzir eletricidade e Fontes de Energia e ns: os limites doscombustveis fsseis e a nossa necessidade crescente de energia; anteriormenteforam trabalhadas questes relacionadas com fontes, formas e transferncias deenergia. Salientamos ainda a unidade 13 Metais onde os problemas ambientaisrelacionados com a eliminao de metais usados so abordados no fim da unidadedepois de se ter discutido a histria do uso dos metais, a forma como estes se obtm,as suas propriedades e as ligas metlicas.A ausncia de problematizao das questes relacionadas com a sustentabilidade

    como forma de abordar as questes cientficas, associada ausncia doquestionamento sobre as questes ticas da ao humana no mundo no humano,conduzem-nos concluso de que h uma instrumentalizao das problemticasambientais que, sob a falcia da neutralidade, contribui para a divulgao elegitimao dos discursos hegemnicos. As vises biocntricas esto tambmpatentes, mas ao reconhecerem no humano o intendente do mundo no humano,acabam por se articular com discurso antropocntrico.

    Finlndia

    A anlise realizada ao currculo da Finlndia teve por base o documento intitulado NationalCore Curriculum for Basic Education. Este documento constitudo por cinco partes. A

    primeira dedicada a uma apresentao do currculo, onde se destacam instrues para a suaimplementao, para os alunos com necessidades educativas especiais e para grupos oriundos dediferentes culturas ou que falam diferentes lnguas. Na segunda parte encontram-se os objetivosde aprendizagem, os temas transversais e o domnio da lngua materna e literatura. A terceiraparte dedicada ao domnio da segunda Lngua Nacional, Lnguas Estrangeiras, Matemtica,Ambiente e Cincias Naturais, Biologia e Geografia, e Fsica e Qumica. A quarta partecontempla a Educao para a Sade, Religio, tica, Histria, Estudos Sociais, Msica, ArtesVisuais, Artes, Educao Fsica, Economia e Orientao Educacional e Vocacional. Por ltimo,na quinta parte, dado relevo avaliao dos alunos (Finish National Board of Education,2004).No domnio das Cincias, que se encontra na terceira parte, denotam-se algumaspreocupaes com o desenvolvimento e o despertar de uma conscincia ecolgica.

    Este aspeto visvel nos objetivos das vrias disciplinas. Por exemplo, na disciplinaAmbiente e Cincias Naturais pretende-se que os alunos aprendam a "proteger anatureza e economizar os recursos naturais" (p. 170), "compreendam como a naturezaviva e morta diferem uma da outra" e "descrevam as caractersticas de diferentesambientes, identificando as vrias espcies que neles habitam" (p. 172); na disciplinade Biologia pretende-se que os alunos compreendam "os principais objetivos daproteo ambiental e os princpios do consumo sustentvel dos recursos naturais" (p.180); e na disciplina de Geografia que "descrevam as suas prprias oportunidades decontriburem para uma melhoria do ambiente" (p. 184). Contudo, como se podeverificar nos exemplos anteriores, o documento no problematiza as questes de valorutilitrio/intrnseco do mundo no humano e centra a anlise nas questes cientficas e

    tecnolgicas.

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    De salientar que na disciplina de tica enfatizada a capacidade dos alunosestudarem "o seu mundo natural e de dirigirem ativamente a sua prpria vida" (p. 214).Nesta disciplina abordada a temtica da sustentabilidade e a problematizao davalorizao do mundo no humano, procurando promover a reflexo dos alunos,enquanto constituintes do ecossistema global. Tal compreensvel quando no texto serefere que necessrio que os alunos se preocupem com o "desenvolvimentosustentvel e ao futuro da natureza", que compreendam "o ambiente e natureza,animada e inanimada, e a beleza na natureza" (p. 215), que saibam "como agir comrespeito pela natureza" e que compreendam "os princpios de um desenvolvimentosustentvel" (p. 216). Esta componente no currculo, onde se destacam as questesticas da ao humana no mundo no humano, permite-nos perceber que nestedocumento esto presentes preocupaes com questes de natureza ecolgica.

    Discusso final

    Os quatro currculos de cincias analisados denotam um pendor conservacionista acentuado o

    que pode ser lido como evidncia de posicionamentos biocntricos, sendo; contudo, oscurrculos de Hong Kong e da Nova Zelndia estabelecem relaes no contexto de uma ecologiasuperficial. Esta afirmao sustentada pelo facto de as questes ecolgicas surgirem comoaplicaes dos contedos cientficos estudados. O currculo finlands, atravs da disciplina detica, o que atribui maior importncia valorizao do mundo no humano per si, pois noadota um discurso exclusivamente instrumentalista e utilitarista.O currculo portugus apresenta preocupaes com a conservao do meio ambiente e, aocontrario, dos anteriores, usa as questes ambientais como ponto de partida na abordagem dossaberes cientficos; porm, o discurso enfatiza, fundamentalmente, a utilidade que a preservaodo meio ambiente tem para os humanos.Nos quatro currculos, a reflexo sobre o papel que o modelo econmico consumista tem nadegradao da natureza e no esgotamento dos recursos naturais, est praticamente ausente.

    O esbatimento, ainda que em diferentes graus, da promoo do discurso ecolgico numaperspetiva reflexiva e holstica nos currculos escolares apresenta-se problemtica em duasvertentes: (1) por um lado, a escola abdica da sua agncia de mudana e de promoo dacidadania; mas, (2) por outro lado, o utente que se pode sentir afastado da escola dado que,escutando o discurso crtico noutros contextos e instituies sociais e, eventualmente,identificando-se com ele, acaba por no se identificar com uma escola incapaz de problematizarquestes que lhe surgem como essenciais.

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    1Estudo inserido no Projeto de Avaliao do Currculo de Cincias Fsicas e Naturais, do 3. ciclo do Ensino Bsico, financiado pelaFundao para a Cincia e Tecnologia (PTDC/CPE-CED/102789/2008).

    2 atribudo estatuto moral a uma entidade que veja os seus interesses tidos em conta aquando da tomada de decises.

    3 Este documento foi revogado pelo Ministrio da Educao e da Cincia em dezembro de 2011; porm, data do incio do projeto

    referido na nota 1, este era o documento orientador da ao educativa do Ensino Bsico em Portugal desde 2001 pelo queconsidermos pertinente relatar os resultados da sua anlise.