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Web-Revista SOCIODIALETO www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 Volume 4 Número 12 maio 2014 Edição Especial Homenageado F E R N A N D O T A R A L L O Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 4, nº 12, mai. 2014 153 A VARIAÇÃO ENTRE CONSTRUÇÕES FINITAS PESSOAIS E IMPESSOAIS NO PORTUGUÊS BRASILEIRO Mary Aizawa Kato * (UNICAMP) [email protected] Maria Eugenia Lammoglia Duarte º (UFRJ) [email protected] RESUMO: O português brasileiro (PB) em decorrência de mudanças na representação do sujeito referencial, com preferência por pronomes expressos, apresenta uma competição nas sentenças impessoais entre sujeitos expletivos nulos e alçamento de constituintes argumentais e locativos. Este trabalho procura mostrar que as distinções paramétricas entre o PE e PB se encontram particularmente no domínio da morfologia flexional, o que produz estruturas semelhantes e diferentes, em especial nas estruturas de Deslocamento (DE). PALAVRAS-CHAVE: sujeitos referenciais; sujeitos expletivos; português europeu: português brasileiro; sujeitos nulos ABSTRACT: As a consequence of changes in the representation of referential subjects, with preference for overt pronominal subjects, Brazilian Portuguese shows, in impersonal sentences, a competition between null expletive subjects and the raisin of arguments and adjuncts to the subject position. This paper shows that parametric distinctions between BP can be attributed to the inflectional morphology, which produces similar and different structures, particularly Lefts Dislocated structures KEYWORDS: referential subjects; expletive subjects; European Portuguese; Brazilian Portuguese; null subjects 1. Introdução O português brasileiro (PB) vêm mostrando um declínio na ocorrência do sujeito nulo definido, um fenômeno atestado em estudos diacrônicos com base em peças de teatro de caráter popular (cf. Duarte 1993; 2012), bem como na fala espontânea (cf. Duarte, 1995; 2003): * Bolsa de Produtividade do CNPq: 305515/2011-0) º Bolsa de Produtividade do CNPq: (305774/2010-7)

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A VARIAÇÃO ENTRE CONSTRUÇÕES FINITAS PESSOAIS E

IMPESSOAIS NO PORTUGUÊS BRASILEIRO

Mary Aizawa Kato* (UNICAMP)

[email protected]

Maria Eugenia Lammoglia Duarteº (UFRJ)

[email protected]

RESUMO: O português brasileiro (PB) em decorrência de mudanças na representação do sujeito

referencial, com preferência por pronomes expressos, apresenta uma competição nas sentenças

impessoais entre sujeitos expletivos nulos e alçamento de constituintes argumentais e locativos. Este

trabalho procura mostrar que as distinções paramétricas entre o PE e PB se encontram particularmente no

domínio da morfologia flexional, o que produz estruturas semelhantes e diferentes, em especial nas

estruturas de Deslocamento (DE).

PALAVRAS-CHAVE: sujeitos referenciais; sujeitos expletivos; português europeu: português

brasileiro; sujeitos nulos

ABSTRACT: As a consequence of changes in the representation of referential subjects, with preference

for overt pronominal subjects, Brazilian Portuguese shows, in impersonal sentences, a competition

between null expletive subjects and the raisin of arguments and adjuncts to the subject position. This

paper shows that parametric distinctions between BP can be attributed to the inflectional morphology,

which produces similar and different structures, particularly Lefts Dislocated structures

KEYWORDS: referential subjects; expletive subjects; European Portuguese; Brazilian Portuguese; null

subjects

1. Introdução

O português brasileiro (PB) vêm mostrando um declínio na ocorrência do sujeito

nulo definido, um fenômeno atestado em estudos diacrônicos com base em peças de

teatro de caráter popular (cf. Duarte 1993; 2012), bem como na fala espontânea (cf.

Duarte, 1995; 2003):

* Bolsa de Produtividade do CNPq: 305515/2011-0)

º Bolsa de Produtividade do CNPq: (305774/2010-7)

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(1) a. Já ontem comprei-lhei o hábito com que Øi andará vestido. Assim Øi não

estranhará. Øi Será frade feliz. (O noviço, Martins Pena, 1845)

b. Dona Bárbara : Quem sabe ela não sofre de vermes?

Filomena : O próprio médico não sabe o que é. Ø3ps Sente umas coisas que

sobem e descem; às vezes Ø3ps fica meia apatetada. (Caiu o Ministério, França

Junior, 1883)

(2) a. Dolores - Agora [ele]i não vai mais poder dizer as coisas que [ele]i queria

dizer.

(No coração do Brasil, Miguel Falabella, 1992)

b. Minha esposa trabalha na Embratel. Ela ganha bem, mas eu acho que ela

devia ganhar mais porque ela merece. (fala popular)

A mudança é igualmente atestada em entrevistas transcritas e artigos publicados

em jornais e revistas, em comparação com o português europeu (PE) (cf. Duarte, 1993,

1995, 2007; Barbosa, Duarte & Kato, 2005, entre outros).

O Gráfico 1, a seguir, ilustra o decréscimo de sujeitos nulos no PB ao longo de

dois séculos.

Gráfico 1. Decréscimo de sujeitos nulos ao longo de dois séculos no PB (Duarte, 1993; 2012)

80% 77% 75%

54% 50%

43%

27%

72%

63% 56%

71%

57%

41%

36%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

1845 1882 1918 1937 1955 1975 1992

Sujeitos Nulos 3a. Pessoa

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O decréscimo de sujeitos nulos apontado na primeira linha do gráfico 1, de

Duarte (1993), reúne sujeitos de primeira, segunda e terceira pessoas e a análise dessas

três pessoas do discurso separadamente indicava que na terceira pessoa a mudança se

dava mais lentamente. Uma análise posterior (Duarte, 2012), refinado os dados de

terceira pessoa segundo o feixe de traços [+/-humano] e [+/-específico], mostra que,

com referentes que combinam os traços [+humano/ +específico], a mudança acompanha

de perto a primeira e segunda pessoas, que têm o traço inerentemente [+humano] (cf.

Cyrino, Duarte e Kato, 2000, sobre a hipótese da atuação de uma hierarquia referencial

em processos de mudança que envolvem a pronominalização). De fato, a observação da

segunda linha, que representa os sujeitos de terceira pessoa com tal conjunto de traços,

mostra que estes seguem de perto o conjunto dos sujeitos analisados em Duarte (1993).

Entretanto o PB continua a exibir sujeitos nulos em sentenças impessoais, uma

característica que o torna uma língua de grande interesse para linguistas trabalhando na

Teoria de Princípios e Parâmetros (TPP), juntamente com outras línguas cujo

comportamento em relação ao sujeito nulo não se submete estritamente às previsões do

Parâmetro do Sujeito Nulo (PSN), tal qual formulado em Chomsky (1981) e Rizzi

(1982). Os exemplos do PB em (3), cujos correspondentes no inglês, uma língua

marcada como de sujeito não-nulo (-SN) exibem necessariamente um expletivo lexical

it ou there (4) ilustram essa propriedade:

(3) a. Øexpl Chove muito nessas florestas.

b. Øexpl Tem prédios lindos no Rio.

c. Øexpl Me custou chegar em casa.

d. Øexpl Parece que eu vou explodir de raiva.

(4) a. It rains a lot in these forests.

b. There are beautiful buildings in Rio.

c. It cost me a lot to get home.

d. It seems that I am going to explode in anger.

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Por outro lado, uma variedade falada do espanhol da República Dominicana, que

está perdendo o caráter de língua +SN, como o PB, criou um expletivo pronominal para

esses casos, o que mostra que esse dialeto está caminhando nitidamente para um novo

tipo de gramática -SN (cf. Toríbio 1996)1.

(5) a. Ello quiere llover.

b. Ello hay muchos mangos este año.

c. Ello parece que no hay azúcar.

O PB, no entanto, ao lado de sentenças com o expletivo nulo como os casos

ilustrados em (3), exibe casos em que algum argumento, além do adjunto locativo, sobe

para a posição de sujeito, eliminando a necessidade do expletivo nulo.

(5) a. Essas florestas chovem muito.

b. O Rio tem prédios lindos.

c. Eu custei a chegar em casa.

d. Eu pareço que eu vou explodir de raiva.

e. O Fluminense faltou sorte no segundo tempo.

No PB, há ainda um caso inusitado de alçamento de um argumento do nome –

um possessivo -- para a posição de sujeito (ex. 6a). Tal tipo de alçamento se encontra

comumente em línguas de proeminência de tópico, segundo tipologia de Li e Thompson

(1976), como o japonês (ex. 6b), que marca o sujeito alçado com –wa, um tópico.

(6) a. O carro furou o pneu.

b. Kuruma-wa panku shita.

1 Para Toríbio, um sujeito nulo referencial pressupõe sujeito expletivo nulo, mas não o reverso. Cyrino,

Duarte e Kato ( 2000) também propõem o mesmo.

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Segundo Duarte e Kato (2008), a explicação para tais estruturas seria a de que o

PB estaria mudando de uma língua de proeminência de sujeito para uma língua de

proeminência de tópico, segundo a tipologia de Li e Thompson (1976), ou de

proeminência discursiva, segundo a terminologia de Kíss (2002)2.

Além das estruturas acima mencionadas, a construção de duplo sujeito no PB,

que atraiu a atenção de Pontes (1987) e Galves (1987) e vem merecendo sucessivas

análises à luz de diferentes correntes teóricas, tem sido apontada como um traço que

distancia também o PB das línguas de proeminência de sujeito. Os exemplos em (7)

mostram que o traço [+/-humano], [+/-específico] não restringe, como na maioria da

línguas, a ocorrência da estrutura, que pode ainda exibir DPs quantificados:

(7) a. [Essa competência]i, elai é de natureza mental. (Pontes 1987)

b. [Mulher nenhuma]i elai pode querer dominar o homem. [O homem]i elei é

livre por natureza. [A mulher]i elai tem que aceitar isso.

c. [Toda criança]i elai aprende rápido a gostar de coca-cola.

d. [O que é bom, o que é de qualidade]i elei fica; [o que é ruim] elei se perde.

Este artigo busca rediscutir esse conjunto de estruturas pessoais e de

deslocamento como evidência da preferência, no PB, por preencher a posição do sujeito

através de Movimento (ou “merge” interno), do que através da inserção de um expletivo

nulo (ou “merge”externo), preferência esta característica do PE.3

Na seção 2, veremos algumas noções de relevância para a discussão dos dados

empíricos levantados. Em 3, reveremos a noção de “parâmetro” e defenderemos a

perspectiva Kayneana de microparâmetros que embasará a nossa análise. Na seção 4

apresentaremos a discussão de Costa (2010) sobre o PE em relação aos dados de Kato e

Duarte (2008), similares aos dados vistos na seção 1. Na seção 5, exporemos as nossas

generalizações empíricas e análises preliminares sobre o conjunto de dados.

2 Cf. Modesto (2008) que defende uma proposta nessa linha também.

3 Nos dois casos se satisfaz o EPP.

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2. As noções relevantes para o entendimento dos fatos

Uma noção crucial para o entendimento da posição do sujeito na sentença é a

noção de sentença categórica e sentença tética4. Para a lógica clássica todo juízo deve

ser expresso na forma de uma estrutura composta de um sujeito lógico e um predicado.

Há, portanto, dois atos cognitivos: o reconhecimento de um sujeito e a atribuição de um

predicado ao sujeito. Para Kuroda (1972), no entanto, há, na verdade, dois tipos de

julgamento: o categórico e o tético. O categórico, com a estrutura sujeito-predicado, e

o tético, com um único ato cognitivo, de descrição de um evento ou estado, sem

singularizar um sujeito5.

Em uma sentença categórica no PB e no PE, o sujeito pode aparecer como sujeito

gramatical na ordem SV(X) (ex. (8)), ou como um tópico à esquerda (ex. (9) )6. Em

contexto, a sentença categórica responde a uma pergunta sobre o sujeito:

(8) A: E o Corintians?

B: O Corintians venceu o Palmeiras. BP EP

(9) A: E o Itaquerão?

B: O Itaquerão, a Fifa vai ajudar no acabamento. BP EP

Outra construção de juízo categórico é o chamado Deslocamento à Esquerda

(DE), em que o sujeito lógico é o elemento deslocado e o sujeito gramatical é co-

referente ao tópico deslocado. No PB esse sujeito gramatical não pode ser nulo, um

efeito da mudança mencionada no início deste trabalho, enquanto no PE ele é

4 V. estudo de Britto (2000).

5 Podemos relacionar a sentença categórica ao sentido de sentença aristotélica, e a sentença tética à

formulação Fregeana de sentença (cf. Kato e Mioto 2009). 6 No japonês, língua estudada por Kuroda, a distinção se faz morfologicamente. Nos dois casos de (8)

tanto o sujeito quanto o tópico vêm marcados com o morfema –wa.

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necessariamente nulo. Nas duas variedades o sujeito gramatical pode ser um

demonstrativo7.

(10) A: E o Ronaldo?

B1. O Ronaldoi , elei não vai jogar na seleção. BP *PE

B2. O Ronaldoi , Øi não vai jogar na seleção. *BP PE

B3. O Ronaldoi, esse não vai jogar na seleção. BP PE

O juizo tético é expresso no PE com a ordem VS. No PB só sentenças téticas com

verbo inacusativo ou existencial aparecem nessa ordem. Com os demais tipos de verbo,

a ordem é preferencialmente SVX no PB8. A resposta tética pode responder a uma

pegunta do tipo: O que aconteceu?, O que se passa?

(11) A: O que aconteceu?

B1. Morreu o José Wilker. BP EP

B2. Chegou o IPhone novo. BP EP

(12) A: O que se passa?

B1: Está um gato a dormir no jardim. EP *BP

B2: Um gato está dormindo no jardim. #EP BP

Uma outra noção importante para a compreensão do nosso estudo é a distinção

entre pronomes fortes e fracos. O pronome forte no PB e no PE é sempre tônico e

aparece na posição de DE. O pronome fraco, que é átono, aparece na posição de sujeito

gramatical. Para Kato (1999) e Kato e Duarte (2014) o sujeito gramatical no PB é um

pronome fraco quasi-clítico. No PE, ele é um sufixo pronominal, donde a posição de

sujeito aparecer vazia (Ø).

7 Nas línguas +SN o sujeito é sempre nulo nessas estruturas

8 Isso atesta mais uma mudança no PB, dentro do chamado Parâmetro do sujeito nulo.

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(13) a. Você, cê tá louco!

b. Tu, Ø estás louco!

O redobro que temos em (13a) frequentemente aparece como pronome idênticos

(Você, você tá louco), isso porque na transcrição dos dados procura-se a forma

convencional da escrita. Mas Nunes (1990) mostra a natureza quasi-clítica dos pronome

fracos no PB quando o fenômeno é estudado via fonologia.

(14) a. eu [ô]

b. você [cê]

c. ele [ey]

d. eles [eys]

4. Parâmetros e micro-parâmetros

Como dissemos na introdução a este artigo, o comportamento do PB passou a

ser de grande interesse para linguistas trabalhando na Teoria de Princípios e Parâmetros

(TPP), juntamente com outras línguas cujo comportamento em relação ao sujeito nulo

não se submetia estritamente às previsões do Parâmetro do Sujeito Nulo ( PSN), tal qual

formulado em Rizzi ( 1982).

Inicialmente acreditava-se que as línguas que permitiam sujeito nulo seriam uma

classe uniforme, com propriedades que não se limitavam apenas ao sujeito nulo, mas

que exibiam, além do sujeito nulo, um conjunto de características, como, por exemplo,

o sujeito posposto (Rizzi, 1982). A primeira tentativa de desconstrução dessa

perspectiva vem de Borer (1984), para quem a variação sintática nas gramáticas das

línguas naturais vem do léxico – mais precisamente do léxico funcional -- abordagem

que veio a ser conhecida como a Conjectura Borer-Chomsky. O que hoje se denomina

linha microparamétrica vai também nessa direção, pois a pergunta que Kayne (2000) se

coloca é “quais seriam as unidades mínimas que diferenciam gramáticas?”.

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A nossa abordagem, neste trabalho, é na linha microparamétrica, que vem sendo

utilizada principalmente para caracterizar gramáticas muito próximas, como dialetos da

mesma língua nacional. Aqui a comparação é principalmente entre o PB e o PE, que

abordaremos na próxima seção.

4. Comparando PB com PE

4.1. Estruturas compartilhadas

Segundo Costa (2010), referindo-as às estruturas apresentadas por Duarte e Kato

(2008), recorrer a primitivos discursivos para explicar eventuais diferenças não é

necessário, uma vez que elas seriam facilmente explicáveis à luz de propriedades

sintáticas relacionadas a Flexão (INFL). Tal rediscussão será feita à luz dos argumentos

de Costa (2010), para quem os conjuntos de estruturas apresentadas a seguir são

atestados e mesmo produtivos no PE.

O primeiro conjunto apresentado por Duarte e Kato (2008), que não seria estranho

ao PE segundo Costa (2010), é aquele que exibe construções com verbos quasi-

argumentais com sujeitos lexicais locativos e dêiticos (Duarte 2004):

(15) a. Petrópolis, aquilo chove demais.

b. A Bahia tem muitas mangas.

b. Aqui „tá quente.

c. São Paulo chove; o Rio faz sol.

De fato, Costa (2010) apresenta estruturas extraídas da internet (16a,b) e

algumas construídas (16c), mas aceitas naturalmente por falantes do PE .

(16) a. “O largo Camões, aquilo faz um frio” PE

b. Aqui está calor. PE

c. O Barlavento faz mais vento. PE

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A única construção que não encontra paralelo em PE é a que aparece em (15d),

mas o autor levanta a hipótese de que o que está em jogo não seria exatamente a posição

pré-verbal mas o sistema de concordância do PB. Se levarmos em conta, porém, que o

próprio autor chama a atenção para o enfraquecimento da concordância no PB e nele

embasa a sua argumentação, podemos dizer que há aqui um ponto que merece atenção

nessa diferenciação.

O segundo conjunto diz respeito à preferência por construções com ter

existencial pessoalizadas (Kato e Tarallo, 1986, Duarte, 2003b, Callou e Duarte, 2005,

Callou e Avelar, 2007):

(17) a. „Cê tem prédios lindos em Londres.

b. Eu tenho uma papelaria ali na esquina que tira cópia baratinho.

c. A gente não tem mais comércio no centro da cidade.

A esse respeito, os dados de Costa, em (18) a seguir, não deixam dúvida de que

tal expansão de “ter” possessivo é comum em PE e, certamente, é de uso mais geral nas

línguas naturais:

(18) a. A gente tem uma boa padaria no bairro. PE

b. Nós temos muita corrupção no país. PE

c. Tu tens muitos perigos em Setúbal. PE

d. Eu tenho um aeroporto perto de casa e não consigo dormir. PE

Num sistema como o PB, em que o verbo “haver” existencial está praticamente

extinto da fala, a ocorrência de “ter” existencial em construções impessoais revela

ampla concorrência com as estruturas pessoais em (18) acima, além de aceitar o

alçamento de constituintes argumentais (19b-c) e não argumentais (19d) (cf. Avelar,

2009, Marins, 2013, entre outros.

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(19) a. Tem leite [na porta da geladeira].

b. [Na porta da geladeira]i tem leite [t]i.

c. [A porta da geladeira]i tem leite [t]i.

d. [A geladeira]i tem leite [na porta ti].

Passemos ao terceiro conjunto de dados compartilhados entre PB e PE segundo

Costa. Trata-se das construções conhecidas como “hiperalçamento” ou “hiperelevação”

do sujeito da encaixada de construções com parecer, como em (20a,b), que não seguem

o alçamento padrão com verbo no infinitivo (cf. FERREIRA 2000; DUARTE 2004,

MARTINS e NUNES 2005)9 ou alçamento de tópico, como em (20c, d), que Martins e

Nunes (2008) analisam como como hiperalçamento “aparente” ou alçamento de

tópico:

(20) a. Tem ocasiões que eui nem pareço [que [TP ti sou brasileiro].

b. [Caso [as aulas]i pareçam [que [ TP ti vão voltar ]]eu mando eles pra escola de

novo.

c. Quando eu brigo, [EU pareço [que [TopP t ]i [TP eu vou explodir de raiva].

d. VOCÊS parecem [que [TopP t ]i [TP cês não pensam na vida].

Também para as estruturas em (20a,b) Costa apresenta estruturas paralelas,

consideradas por Costa e Rooryk (1995) como casos de pseudo-elevação, ilustradas em

(21a-c), além de dados extraídos da internet, em (21d,e)10

:

(21) a. Eu pareço que estou cansado. PE

b. Tu pareces que estás parvo. PE

c. Nós parecemos que estamos doentes. PE

9 Nunes (2008) revê a proposta de Martins e Nunes (2005) para licenciamento do movimento A.

10 Segundo a representação de hiperalçamento nos moldes de Ferreira (2000) Martins e Nunes (2005), a

representação dos exemplos de Costa em (21) teriam o sujeito vazio, um vestígio de movimento, como

nos exemplos (20a-b) do PB.

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d. “Não sei de que região és natural, mas pareces que está numa pega”. PE

e. “As pessoas dizem que eu nem pareço que tenho 17 anos”. PE

Segundo Costa e Rooryk, a construção em PE parece sujeita a restrições

aspectuais que mereceriam investigação. De todo modo, os exemplos se assemelham,

pelo menos na forma, às instâncias consideradas por Martins e Nunes como de

hiperalçamento apontadas em (20a,b), sem a presença de um pronome fraco em Spec,T

da encaixada, ou com a presença de pronomes fracos, como mostram os dados (20c,d)

acima.

Embora as estruturas nas duas variedades envolvam hiperalçamento, no PB

podemos encontrar categorias vazias ou pronomes fracos. Isso mostra que , enquanto

no PE temos apenas hiperalçamento a partir do sujeito da encaixada, no PB podemos ter

alçamento de tópico. Com o tópico em posição deslocada, o que se espera é mesmo um

resumptivo, ou um pronome fraco.

Finalmente, chegamos à ergativização de verbos transitivos (GALVES 1987,

1998; NEGRÃO e VIOTTI 2008), ilustrada em (22):

(22) a. A revista „tá xerocando.

b. Com a reforma, meu jardim destruiu inteirinho.

c. Esse prédio tá construindo desde que vendeu o terreno onde era a casa do

vovô.

Mais uma vez, Costa aponta, não só para a ocorrência de pares

ergativos/transitivos mas chama a atenção, com base em Fiéis (2003), para o fato de se

tratar de estrutura recorrente na história da língua:

(23) a. O trabalho está a imprimir. PE

b. O bolo está a coser. PE

c. A fábrica fechou com a crise. PE

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d. A cadeira baloiçou com o vento. PE

Esse tipo de ergativização é frequentemente encontrada nas línguas, até mesmo

no inglês (cf. (24), e deixaremos para discutir e analisar esse problema em outra

ocasião. Enquanto isso, remetemos o leitor ao trabalho de Negrão e Viotti para uma

visão ampla do fenômeno.

(24) a. The cake is baking.

b. This factory is closing with the crisis.

c. The chair shook with the wind.

Passemos aos dois conjuntos de dados apresentado por Duarte e Kato (2008) que

não seriam compartilhados com o PE.

4.2 Estruturas não compartilhadas

A construção de sujeito deslocado à esquerda (doravante DE), que atraiu a

atenção de Pontes (1987) e Galves (1987) e vem merecendo sucessivas análises à luz de

diferentes correntes teóricas, tem sido apontada como um traço que distancia o PB das

línguas de proeminência de sujeito. Os exemplos em (7) na introdução a este artigo,

retomados em em (25) a seguir mostram que o traço [+/-humano], [+/-específico] não

restringe a ocorrência da estrutura, que pode ainda exibir DPs quantificados:

(25) a. [Essa competência]i, elai é de natureza mental. (Pontes 1987)

b. [Mulher nenhuma]i elai pode querer dominar o homem. [O homem]i elei é

livre por natureza. [A mulher]i elai tem que aceitar isso.

c. [Toda criança]i elai aprende rápido a gostar de coca-cola.

d. [O que é bom, o que é de qualidade]i elei fica; [o que é ruim] elei se perde.

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Segundo Costa, com base em Costa, I. Duarte e Silva (2006), as estruturas acima

não constituem construções de tópico porque o elemento destacado entre colchetes não

tem as características de tópico, elemento dado, como ocorre no francês. Em Duarte

(1995), essa estrutura foi comparada às construções de deslocamento à esquerda (DE)

do francês, sem que a autora atentasse para o fato de que nessa gramática, as restrições

sobre o DP deslocado são muitas. Segundo Barnes (1986), elas estão concentradas na

primeira pessoa (Moi, je), que responde por 64% dos elementos deslocados na sua

análise, constituindo, segundo a autora, um quasi-obrigatório marcador de mudança de

turno, sempre que o falante se reintroduz no discurso11

. Os DPs lexicais com o traço

[+humano] são, segundo a autora, sempre definidos. E aqueles com o traço [-humano]

são igualmente definidos, mas retomados por demonstrativos c’, ça. Essas restrições,

entretanto, parecem se afrouxar com o passar do tempo, pois, mais recentemente,

Avanzi (2011) atesta a ocorrência de retomadas pronominais com DPs [-humanos]

desde que definidos:

(26) a. C´est à dire que [ses idées]i au début ellesi peuvent être três bonnes

b. [Les horaires de bac]i ilsi sont fixes effectivement

c. Ce comme ça [la vie]i ellei est dure

d. [Tes chaussures de danse]i ellesi ont une particulairité

Assim, podemos dizer que o argumento de Costa, pelo menos no que se refere às

construções em francês e em português, procede até certo ponto. Quanto ao fato de o

tópico discursivo ser sempre definido nas línguas de proeminência de tópico, temos

razões para discordar. Embora Li e Thompson (1976) façam essa afirmação, um exame

de seus dados permite atestar casos de DPs genéricos em construções de “duplo

sujeito”, ou de tópico-comentário – que corresponderiam a um tópico pendente (27a), a

uma “topicalização selvagem” de genitivo (27b) ou a uma construção deslocamento à

esquerda de tópico pendente (27c), nos termos de Brito, I. Duarte e Matos (2003):

11

De fato, num sistema de sujeitos expressos, é natural que a mudança de turno e a expressão de ênfase e

contraste se sirvam de tal estratégia. Nos sistemas de sujeito nulo, como o italiano, esses são os contextos

que levam a um sujeito expresso (cf. Marins, 2008, sobre a expressão do sujeito pronominal em italiano).

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(27) a. Gakko-wa (tópico) boku-ga (sujeito) isogasi-kat-ta (japonês) (Li e Thompson,

1976:462)

Escola (tópico), eu estava ocupado.

b. hoo na – qho yi ve yo (lahu) (Li e Thompson,1976: 468)

Elefantes (tópico), os narizes são grandes.

c. ana nya lathyu khu – a (lisu) (Li e Thompson,1976: 472)

[Cães]i (tópico), [eles]i mordem as pessoas.

Tais estruturas encontram paralelas no PB: (28a) é uma construção de tópico

pendente, (28b) ilustra uma topicalização de genitivo e (28c) é uma construção de DE

muito frequente no PB oral:

(28) a. [Corrida de cavalo], eu nunca fui ao jóquei clube. (Amostra NURC-RJ)

b. [A vice do McCain], [o filho mais novo ti] tem síndrome de Down (fala

espontânea)

c. [Nem todo mundo que tem a predisposição genética]i elai vai desenvolver a

doença (entrevista com médico – Rádio)

Assim, a noção de que o tópico é um elemento definido, dado, não corresponde à

realidade dos fatos. Parece que se pode entender o tópico marcado de que estamos

tratando como um elemento proeminente no discurso. E, a bem da verdade, no contexto

discursivo, é muito raro encontrar DPs “novos em folha”. Uma vez iniciada uma

conversa/entrevista, os DPs são geralmente evocados ou disponíveis.

A emergência de pronomes nas construções de duplo sujeito seria, segundo Costa,

I. Duarte e Silva (2006), uma forma compensatória de soletração da marca flexional de

pessoa, graças ao enfraquecimento da flexão verbal do PB. De fato, esta é a tese

defendida em Kato (1999) para o PB.

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Passemos ao último grupo de estruturas apresentado por Duarte e Kato (2008), o

único conjunto que não é atestado no PE segundo Costa (2010), justamente o que

apresenta o alçamento de genitivos para Spec,T, em (29a,b)

(29) a. [TP Meu carro]i furou [o pneu ti ] PB / *PE

b. [TP Minhas pernas]i racharam [a pele ti]. PB / *PE

No PB, além do alçamento de genitivos (exs (29) é igualmente possível o

alçamento de dativos (exs (30).

(30) a. [TP [Esses dois rios]i não param de subir [o nível da água ti ] (reportagem de

rádio)

b. [TP [Essas panelas]i antigamente não esquentavam as alças ti ] (fala

espontânea)

c. [TP [As minhas orquídeas] abriram todos os brotos ti ] (fala espontânea)

d. Como [TP [o celular dele]i acabou [o crédito ti ], ele pediu o meu emprestado

(fala espontânea)

(31) a. [TP [Elesi ainda faltam duas voltas [t ]i (na piscina). [TP[ A gente]i só falta uma

[t]i. (fala espontânea)

b. [TP [O Fluminense]i faltou sorte [t]i no segundo tempo.(comentarista de futebol

- rádio)

c. [TP[ O meu notebook]i tá acontecendo um problema [t]i. (fala espontânea)

A lista de verbos inacusativos é ampla (na amostra há 26 diferentes verbos) e,

embora a grande maioria do genitivos e dativos alçados exibam o traço [-humano],

atestamos casos de DPs de terceira pessoa com o traço [+humano], além de ocorrências

de primeira e segunda pessoas e DPs genéricos:

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(32) a. E a sua mãe? [TP [ Elai melhorou [o joelho ti ]? (fala espontânea)

b. [TP [ O Marcos Valério]i cresceu [o cabelo ti ]. (fala de cronista de rádio)

c. [TP [Eui cheguei a inchar [o ti corpo]. (fala espontânea)

d. [TP [Vocêi começou [a ti gripe] igual à minha. (fala espontânea)

e. Essa dor pode ser psicológica. [T P[ A gente]i começa a aparecer essas coisas [t]i

com a idade. A psicóloga me falou. (fala espontânea)

5. Generalizações empíricas e propostas de análise

Iniciamos nosso trabalho apontando para o fato de que o PB vem deixando de

ser uma língua +SN desde o século XIX. A análise que Kato (1999) fez desse fenômeno

é que o PB perdeu o caráter pronominal de sua flexão de concordância, tendo, em

compensação criado um paradigma de pronomes fracos quasi-clíticos. Nesse artigo, ela

mostra que os sujeitos nas línguas –SN , como o inglês e o alemão, tinham pronomes

fracos livres, que se localizavam em Spec,T , enquanto em línguas +SN o sujeito era um

afixo pronominal que se adjungia a T. Da mesma forma, línguas como o Fiorentino e o

Trentino, cujos pronome fracos eram clíticos, o EPP também era satisfeito via adjunção

a T:

Figs 1 (a) Espanhol b) Fiorentino c) alemão

(concordância pronominal) (clítico-sujeito) (pronome fraco livre)

TP TP TP 3 3

3

T VP T VP DP T‟

2 2 2 2 | 2

-oi habla- DP V tei- parli- DP V ichi T VP

| | | | | 2

ti tv ti tv sprecheV DP V

| |

ti tv

(apud Kato, 1999)

Em Kato e Duarte (no prelo), por considerar os pronomes fracos do PB como

pronomes clíticos, representamos sua localização também em adjunção a Spec,T, em

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vez de subirem para Spec,TP. A diferença entre o PB e línguas + SN consistentes é que

o que se adjunge a T nessas últimas é um sufixo, enquanto no PB é um clítico em

próclise. O que resta dos aparentes sufixos de concordância deixa de ter caráter

pronominal.

Fig 2.

TP

3 DP T‟

| 3

| V+T VP

| 3

Eui falov DP V

(vo)cêi falav | |

ti tv

Como consequência, podemos ter a subida simultânea de um DP para o Spec,T e

o pronome fraco para a posição em adjunção a T, resultando no frequente redobro do

sujeito. O pronome em maiúsculas é um pronome forte nas duas varieddaes e o único

que pode ser expresso como tal no PE.

(33) a. O PEDRO, [ey] chegou hoje.

b. VOCÊ, [cê] me paga.

O PE, que se mantém uma língua +SN , tem um afixo pronominal, ouvindo-se,

na construção de redobro, o pronome forte e o verbo flexionado. A representação que

vimos usando até aqui é o sujeito nulo em lugar do afixo pronominal. Mas voltaremos à

mesma representação anterior, com o sujeito nulo, para dar uniformidade ao texto.

(34) a. O PEDRO, cheg-ou hoje. (= O PEDRO, chegou hoje.) PE

b. TU, não sabe-s o que faze-s. ( = TU, não sabes o que fazes.) PE

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Usando “a hipótese do hiperalçamento” (Ferreira , 2000, e Martins e Nunes

2005, 2008) para construções com o verbo parecer, podemos ter a representação (35a)

no PB, com o pronome fraco sujeito se movendo para a sentença mais alta, onde ele se

adjunge a T da matriz.

(35) a. Tem ocasiões que eui ([ô]) nem pareço [que [TP ti sou brasileiro]. PB

b. Cêsk parecem [que [TP tk não pensam na vida]. PB

Já no PE, embora haja construções parecidas, a estrutura é diferente. O pronome

que aparece na matriz precisa ser do tipo forte, pois o pronome fraco é sempre a própria

flexão. Ora, o pronome forte só aparece em DE, nunca como sujeito. Logo, o que temos

é uma construção de DE, com as flexões na matriz e na subordinada atuando como os

resumptivos do pronome forte. Não há, portanto, hiperalçamento, como vemos em

(36):

(36) a. EU pareço que estou cansado. PE

b. TU pareces que estás parvo. PE

c. NÓS parecemos que estamos doentes. PE

(37) [TopP EUi [TP i pareço [que i estou cansado]]]. PE

Podemos dizer que o PE é sempre distinto do PB no que diz respeito a DE em

relação ao sujeito: o resumptivo será nulo em PE e pronominal em PB. Logo, em

relação a DE, PE e PB exibirão diferenças. Em suma, o PB usa DE como recurso para

codificar juízos categóricos de uma forma muito mais visível e frequente do que o PE.

Vejamos agora as diferenças cruciais, onde temos alçamento de genitivo e

alçamento de dativo, inexistentes no PE.

(38) a. [TP Minhas pernas]i racharam [a pele ti].

b. [TP [ o Fluminense]i faltou sorte [ti] no segundo tempo.

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Seguindo Kato e Duarte (2013), vamos atribuir a existência dessas formas à

mudança no paradigma dos clíticos dativo e genitivo, que hoje distingue as variedades

contemporâneas. O PB perdeu seus clíticos de terceira pessoa substituindo-os por

clíticos nulos12

.

(39) PE Acusativo Dativo Genitivo

1a pessoa sing me me meu

2a pessoa sing te te teu

3a pessoa sing o/lo lhe seu

(40) BP Acusativo Dativo Genitivo

1a pessoa sing me me meu

2a pessoa sing te te teu

3a pessoa sing

Tomemos primeiro o caso do alçamento do dativo. Para dizermos a mesma coisa

em PE, precisamos de uma construção conhecida como Deslocamento à Esquerda

Clítico (DEC) porque o redobro se faz via clítico (ex (41)). No PE o clítico é dativo e o

elemento deslocado recebe a preposição a para concordar com o caso dativo. No PB o

que temos é um clítico nulo sem caso, pois ele pode aparecer como objeto direto, objeto

indireto ou possessivo. Seu correspondente deslocado é então alçado para a posição de

sujeito, onde obtém caso nominativo. Note-se que, ao contrário dos casos

compartilhados com o PE, quando há diferenças mais notáveis, o PE usa estruturas em

deslocamento para os juízos categóricos, enquanto o PB usa a estrutura

Sujeito+Predicado:

(40) a. [Ao Fluminense]i faltou-lhei sorte no segundo tempo. PE

12

Naturalmente, nos referimos ao PB como L1. A escrita, sabemos, recupera formas do PE.

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b. O Fluminense faltou- sorte no segundo tempo. PB

O mesmo acontece com o genitivo, cujo clítico também é nulo:

(41) a. [Ao/Do Valério]i cresceu seu cabelo. PE

b. O Valério cresceu o -cabelo. PB

O alçamento do locativo parece ser o único caso aparentemente possível nas

duas variedades. Kato e Duarte (2003) aventaram a hipótese de que nelas existe um

locativo nulo (antigo hy) que ainda tem papel no alçamento, dispensando o locativo

preposicionado de aparecer em deslocamento. Entretanto, enquanto no PE os verbos

haver e ter se alternam com um expletivo nulo e com um sujeito locativo, no PB, o

mesmo verbo ter aparece em ambas as estruturas13

:

(42) a. Tem muitas mangas Bahia. PB *PE

b. Há muitas mangas na Bahia. #PB14

PE

b. A Bahia tem muitas mangas. PB PE

Concluindo, podemos dizer que há distinções microparamétricas entre o PB e o

PE, principalmente no domínio da morfologia flexional, o que se pode atestar desde

estruturas bastante próximas até construções bastante dissimilares.

13

Em italiano e espanhol, línguas +SN, os verbos para expressar as duas estruturas são também

diferentes:

(i) a Ci sono dei belli edifici a Roma.

b. Roma há dei belli edifici.

(ii)a. Hay lindos edificios en Madrid.

b. Madri tiene lindos edifícios.

Em francês, por outro lado, língua –SN temos um só verbo:

(iii) a.Il y a de beaux immeubles a Paris.

b. Paris a de beaux immeubles. 14

Pelas pesquisas citadas neste artigo e muitas outras, temos fortes indícios de que o verbo haver

existencial não faz parte da gramática do PB; é adquirido, parcialmente, através do contato com a escola e

a escrita.

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Recebido Para Publicação em 20 de abril de 2014.

Aprovado Para Publicação em 9 de maio de 2014.