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A Variação linguística no ensino médio: A partir da obra ... · limitadas no interior de uma comunidade mais extensa, a nação. Falantes de uma determinada região constituem

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VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NO ENSINO MÉDIO: A PARTIR DA OBRA

“QUARTO DE DESPEJO”

Autora: Prof.ª Jussara Lacerda Silva Resolen 1

Orientadora: Prof.ªDrª Milena Martins 2 RESUMO Este artigo visa discorrer acerca da variação linguística, desenvolvendo junto aos alunos, práticas de leitura, compreendendo que a variação linguística é um fenômeno social e ao mesmo tempo cultural, pois está relacionado à história dos sujeitos e à cultura. A atividade foi desenvolvida junto com os alunos do 1º ano do ensino médio. O foco principal foi à leitura e discussão da obra Quarto de Despejo de Carolina Maria de Jesus, que serviu como suporte para o desenvolvimento das atividades que foram realizadas sobre variação linguística e preconceito linguístico. Ao final do projeto foi elaborado um portfólio sobre as variações da língua portuguesa tendo como foco as características regionais, culturais e sociais pesquisadas durante o desenvolvimento do projeto. A motivação para o desenvolvimento do projeto apresentado neste artigo foi à valorização da oralidade frente à diversidade linguística, demonstrando que a linguagem é um elemento de identidade do sujeito e está intrinsecamente relacionada a contextos e situações onde o sujeito está inserido.

PALAVRAS-CHAVE: Variação Linguística. Leitura. Preconceito Linguístico.

INTRODUÇÃO

Este artigo pretende proporcionar uma discussão entre alunos e professores

sobre a linguagem e sua variação linguística no meio escolar. A motivação para o

desenvolvimento deste artigo é para que toda a comunidade escolar, especialmente

alunos e professores, tenham condições de aprendizagem significativa com relação

à linguagem, o respeito para com a variação linguística, seja ela regional,

geográfica, até mesmo social. Valorizando a oralidade do aluno e sua diversidade

linguística, é possível a produção de textos e demais atividades, compreendendo

que cada aluno tem sua expressão de linguagem, que varia até mesmo em função

do grau de escolaridade. As variedades linguísticas devem ser respeitadas evitando

assim o preconceito linguístico.

_____________________________________________

¹ Professora da Rede Pública de Educação do Estado do Paraná do Colégio Estadual Dias da Rocha. Licenciatura

em Letras pela UNIPLAC (Universidade do Planalto Catarinense). Especialização em Educação Especial pela

UFPR e especialização em PROEJA – Profissionalizante para Jovens e Adultos pela UTFPR.

² Professora da Universidade Federal do Paraná – UFPR. Mestre em Letras e Doutora em Teoria e História

Literária pela UNICAMP.

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Este artigo abordou as variações linguísticas através da leitura da obra

Quarto de Despejo, de Carolina Maria de Jesus, que usa registros linguísticos

simples e também rebuscados; a partir da leitura os alunos farão pesquisas sobre a

variação linguística.

O livro é composto por páginas de um diário, transformado em livro. Sua

autora é uma mulher negra, favelada, catadora de papel, semianalfabeta que

conseguiu atingir seu maior objetivo: através de seus escritos publicados, realizou o

sonho da casa própria.

O projeto sobre variação linguística foi desenvolvido no 1º ano do ensino

médio, sendo este o momento de transição do adolescente, onde ele se sente

questionado com relação ao conhecimento que já possui principalmente a maneira

de se comunicar. O professor deve ajudar o aluno a superar as contradições de sua

linguagem, e acompanhar o processo de construção do conhecimento, através de

leituras, pesquisas, promovendo a interação com todos os colegas, professores e a

própria linguagem.

O projeto desenvolvido pretendeu oportunizar aos alunos discutirem as

variações linguísticas fora do contexto escolar, utilizando de recursos de pesquisa

(dicionário e internet) para ampliarem o seu repertório linguístico e a sua

competência comunicativa, percebendo as diferenciações de linguagem regionais,

porém sem desconsiderar o uso da norma culta, tanto em relação à escrita quanto

na linguagem enunciativa.

Conforme apontam Marinho e Val (2006) a fala e seus diferentes modos por

muito tempo foram consideradas no contexto social como uma deficiência do uso da

linguagem, sendo julgadas erradas, pois desviavam-se das normas linguísticas

socialmente disseminadas nos bancos escolares. Sobre esta questão cabe salientar

que os sujeitos cujas falas eram consideradas fora das normas linguísticas

padronizadas eram colocados à margem da sociedade, não se considerando a

variação linguística regional, bastante evidenciada no Brasil, principalmente em

relação às regiões interioranas.

A fala sempre foi classificada como um símbolo do status quo, sendo um

elemento de integração ou de exclusão dependendo dos grupos sociais com os

quais o sujeito interage e do ambiente onde está inserido.

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CONSIDERAÇÃO DAS VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS PARA O ENSINO DA GRAMÁTICA

A questão da variação linguística é um tema recorrente principalmente

quando se trata do ensino de gramática e da produção textual em sala de aula,

porém há outros fatores, de origem geográfica, de classe social, de profissões, de

idade, criados em relação à língua brasileira e seus usos.

Para tratar-se do tema variação linguística, é preciso definir o que é língua:

A língua como atividade social corresponde a um conjunto de usos concretos, historicamente situados, que envolvem sempre um locutor e um interlocutor, localizados num espaço particular, interagindo a propósito de um tópico conversacional previamente negociado. [...] é um fenômeno funcionalmente heterogêneo, representável por meio de regras variáveis socialmente motivadas. (CASTILHO, 2000, p. 12)

Conforme exemplifica Possenti (1996) há um enorme preconceito em

relação ao uso da linguagem que desconsidera de seu escopo as variações

linguísticas sendo consideradas pelos especialistas como “erradas” ou fora das

normas cultas. Sobre esta questão o autor comenta que:

Alguém que estivesse desanimado pelo fato de que parece que as coisas não dão certo no BrasiI e que isso se deve ao "povinho" que habita esse país (conhecem a piada?) poderia talvez achar que tem um argumento definitivo, quando observa que "até mesmo para falar somos um povo desleixado". Esse modo de encarar os fatos de linguagem é bastante comum, infelizmente. Faz parte da visão de mundo que as pessoas têm a respeito dos campos nos quais não são especialistas. (POSSENTI, 1996, p.33).

Porém para quem acha que este debate assombra somente o contexto

brasileiro, Lucchesi (2015) ressalta as pesquisas do linguista inglês Guy Deutscher

que critica a deterioração do uso da língua inglesa principalmente em relação ao

modo de falar. Sobre este declínio linguístico Guy Deutscher (apud LUCCHESI,

2015) descreve o discurso do escritor Jonathan Swift que no século XVI, elaborou

um dos principais manuais sobre o uso da língua inglesa e que já previa esta

mudança no uso da linguagem:

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Eu, aqui, em nome de todas as pessoas educadas e instruídas da nação, me queixo [...] de que nossa língua é extremamente imperfeita; de que suas melhorias diárias não são de modo algum proporcionais as suas corrupções diárias. [...] Ou seja, ao longo de vários séculos, os principais usuários da língua inglesa repetiram a mesma ladainha: a língua está decaindo e perdendo as virtudes que exibia há algum tempo, em sua época de ouro. E Guy Deutscher prossegue demonstrando que esse temor não aflige apenas os falantes da língua inglesa. (LUCCHESI, 2015, p.15).

Possenti (1996) informa que a afirmação de que a linguagem ao longo do

tempo tornou-se menos culta ou passível de mais erros é falsa, isto porque é

necessário compreender-se que o fenômeno linguístico advém de fatores sociais

que estão intrinsecamente relacionados ao uso da linguagem, e é influenciado por

dois fatores: o primeiro, fator externo: geográfico, idade, sexo, etnia, classe

afirmando que a linguagem em todas as sociedades é mutável; o segundo fator,

interno, aponta que a variedade linguística é reflexo da variedade social estando

relacionada diretamente com o status social e com os grupos onde os sujeitos estão

inseridos, e que desta forma acabam refletindo no modo e uso da linguagem.

Mollica (2010, p.08) corrobora tais afirmações postulando que a variação

linguística é um “fenômeno universal e pressupõe a existência de formas linguísticas

alternativas denominadas variantes”.

Como variante ou variável entende-se:

Uma variável é concebida como dependente no sentido que o emprego das variantes não é aleatório, mas influenciado por grupos de fatores (ou variáveis independentes) de natureza social ou estrutural. Assim, as variáveis independentes ou grupos de fatores podem ser de natureza interna ou externa à língua e podem exercer pressão sobre os usos, aumentando ou diminuindo sua frequência de ocorrência. Vale frisar que o termo “variável” pode significar fenômeno em variação e grupos de fatores. Estes consistem nos parâmetros reguladores dos fenômenos variáveis, condicionando positivamente ou negativamente o emprego de formas variantes. (MOLLICA, 2010, p.09).

As variantes apresentam duas características condicionadas, a primeira

pressupõe que estas podem permanecer inalteradas mesmo que o sistema

linguístico seja alterado; a segunda pressupõe o desaparecimento de uma variável

quando um determinado fenômeno se modifica.

A variação linguística, segundo Marinho e Val (2006) pode ser classificada

de dois modos: variação linguística dialetal e variação linguística de registros:

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A variação dialetal é devida aos usuários da língua e ao grupo social a que pertencem. Ela ocorre em função da região em que os usuários vivem, dos grupos e da classe social a que pertencem, de sua geração, de seu sexo, seu grau de escolaridade e ainda da função que exercem na sociedade. (MARINHO e VAL, 2006, p.25).

A variação dialetal é composta por um conjunto de variações linguísticas

decorrentes da região geográfica, da posição social dos sujeitos, do período

histórico vigente, da idade, do sexo e do grau de escolaridade dos indivíduos

conforme demonstrado no quadro 1:

QUADRO 1 – TIPOS DE VARIÁVEIS DIALETAIS

Variante Característica

Relacionada à posição

geográfica

As variedades geográficas, regionais ou territoriais ocorrem em função da existência de comunidades linguísticas geograficamente limitadas no interior de uma comunidade mais extensa, a nação. Falantes de uma determinada região constituem uma comunidade linguística, que se manifesta e se comporta linguisticamente de forma homogênea, em função do desenvolvimento de um comportamento cultural próprio, distinto do de outras comunidades. A linguagem comum a esses falantes contribui para a identificação e a distinção de sua comunidade. As pessoas das diferentes regiões em que se fala a mesma língua apresentam variação no uso dessa língua, variação que pode ser relativa à forma de pronunciar os sons, ao uso característico do vocabulário ou à forma de construir as estruturas sintáticas.

Relacionada à posição social

As diferenças linguísticas na dimensão social ocorrem em função de as pessoas pertencerem a classes ou grupos sociais distintos. O meio em que vivem os falantes – o ambiente familiar bem como o grupo social – é caracterizado por normas de conduta e padrões culturais e linguísticos próprios a cada comunidade. Daí a semelhança entre as formas de expressão de falantes de um mesmo grupo.

Relacionada ao período histórico

A língua evolui e se desenvolve ao longo do tempo. As mudanças linguísticas ocorrem em estados sucessivos de uma língua em função das ações dos falantes, que contribuem para que determinada forma caia em desuso para que outra, por eles adotada, sobreviva. O conjunto de mudanças que ocorre com o passar do tempo é chamado de variação histórica ou diacrônica. As variedades históricas são mais perceptíveis na língua escrita, na medida em que, por escrito, se pôde fazer o registro dos usos das épocas dos diferentes estágios por que passa a evolução da língua.

Relacionada à idade

Algumas diferenças linguísticas são decorrentes da faixa etária dos falantes. Adultos, jovens e crianças normalmente apresentam variações em suas falas. São facilmente perceptíveis as diferenças entre a linguagem dos adultos e a linguagem infantil, assim como seus os contrastes com a gíria que marca a linguagem dos adolescentes.

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Relacionada ao sexo

Diferenças linguísticas podem também ocorrer em função do sexo dos falantes. Algumas delas se devem a razões gramaticais, como alguns casos em que a concordância de gênero é feita em função da pessoa que fala.

Relacionada ao grau de

escolaridade

O grau de escolaridade influencia o uso que fazemos da língua. Ao passar por uma experiência extensa de escrita, o falante assimila traços dessa modalidade que passa a empregar na fala. Em situações comunicativas orais formais, a pessoa letrada utiliza formas de expressão pertencentes à variedade padrão escrita, produzindo, por exemplo, frases longas, com uma sintaxe elaborada, que inclui orações subordinadas, termos e orações intercalados, inversões na ordem mais usual das palavras na frase. Assim, essa variedade oral formal pode ser considerada uma simulação da escrita.

Fonte: MARINHO e VAL, 2006, p.29.

Como se observa no quadro acima, a variação dialetal constitui-se a partir

de diversos fatores; está claro, portanto, que os sujeitos falam e escrevem de forma

diferenciada em decorrência dos aspectos geográficos, sociais, etários,

educacionais e de gênero.

A variação linguística de registro caracteriza-se pelo uso formal e informal da

linguagem, sendo condicionada ao conhecimento da língua, ao contexto e à situação

em que se encontra o sujeito falante.

O uso informal da linguagem decorre da necessidade comunicativa imediata

ou do grau de interatividade entre os sujeitos, nele prevalece o uso de construções

linguísticas simples, como apontam Marinho e Val (2006); já o uso de variantes

formais está relacionado a contextos mais específicos como, por exemplo: uma

pesquisa, entrevistas, sendo que o nível linguístico deve corresponder aos temas

abordados atendendo desta forma à expectativa linguística dos sujeitos.

Cabe salientar ainda que a língua falada e escrita não necessariamente

estão interligadas, posto que na produção textual o sujeito utiliza via de regras as

normas linguísticas correspondentes ao gênero textual que está produzindo, seja um

bilhete, uma correspondência comercial, ou trabalho científico.

VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NA SALA DE AULA

Conforme publicou Bagno (2015) em seu livro Preconceito Linguístico, a

questão das variáveis linguísticas está embrenhada em um emaranhado de mitos

sobre o uso da linguagem. Entre estes mitos, o mais comum refere-se ao uso da

norma culta ou padrão. Sobre este mito o autor observa:

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Ora, se o domínio da norma culta fosse realmente um instrumento de ascensão na sociedade, os professores de português ocupariam o topo da pirâmide social, econômica e política do país, não é mesmo? Afinal, supostamente, ninguém melhor do que eles domina a norma culta. Só que a verdade está muito longe disso como bem sabemos nós, professores, a quem são pagos alguns dos salários mais obscenos de nossa sociedade. Por outro lado, um grande fazendeiro que tenha apenas alguns poucos anos de estudo primário, mas que seja dono de milhares de cabeças de gado, de indústrias agrícolas e detentor de grande influência política em sua região vai poder falar à vontade sua língua de “caipira”, com todas as formas sintáticas consideradas “erradas” pela gramática tradicional, porque ninguém vai se atrever a corrigir seu modo de falar. (BAGNO, 2015, p.105)

O autor apresenta questões bastante pertinentes aos fenômenos linguísticos

e seus mitos, principalmente ao relacionar situações-problemas ao uso da

linguagem. Para Bagno o mito em torno do uso da língua está relacionado a um

preconceito linguístico que tem suas raízes no paternalismo e no patriarcalismo

responsáveis pela ascensão das classes sociais no Brasil. Bagno descreve estes

fenômenos da seguinte forma:

Basta pensar um pouco nos indivíduos que detêm o poder no Brasil: não são (quando são) apenas falantes da norma culta, mas são sobretudo, em sua grande maioria, homens, brancos, heterossexuais, nascidos/criados na porção Sul-Sudeste do país ou oriundos das oligarquias feudais do Nordeste. Uma mulher negra, por exemplo, mesmo que se apodere completamente das formas prestigiadas de falar e de escrever, continuará tendo oportunidades infinitamente menores de ascensão social do que qualquer homem branco, mesmo que ele não domine tão bem assim a “língua certa”. (BAGNO, 2015, p.107)

Segundo Bagno (2015), os mitos linguísticos são decorrentes de três

elementos que formam o denominado “círculo vicioso do preconceito linguístico”: a

gramática tradicional, os métodos tradicionais de ensino e os livros didáticos:

Como é que se forma esse círculo? Assim: a gramática tradicional inspira a prática de ensino, que por sua vez provoca o surgimento da indústria do livro didático, cujos autores - fechando o círculo - recorrem à gramática tradicional como fonte de concepções e teorias sobre a língua. A gramática tradicional, em sua vertente normativo-prescritivista, continua firme e forte, como é fácil verificar nos compêndios gramaticais mais recentes. As práticas de ensino variam muito de região para região, de escola para escola, e até de professor para professor, de acordo com as concepções pedagógicas adotadas. (BAGNO, 2015, p.109).

Bagno ainda ressalta que nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs há

alusão à questão do preconceito linguístico reconhecendo que essas diferenças

muitas vezes são julgadas de forma negativa, colocando ainda que a função do

professor de português muitas vezes é tentar corrigir essa fala errada, evitando

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assim que o aluno também escreva errado. Dessa forma, o que se propõe é que, na

delimitação dos conteúdos, se organizem práticas de ensino por meio de textos

variados, fundamentando-se no princípio de que o objeto de ensino privilegiado são

os processos de produção de sentidos para os textos, como materialidade de

gêneros discursivos, à luz das diferentes dimensões pelas quais eles se constituem.

Bagno também aponta que os livros didáticos avançaram muito nas

questões acerca do preconceito linguístico e variação linguística, propondo o

respeito à diversidade cultural, embora o autor também aponte que há uma

exacerbação da norma culta que acaba anulando esse discurso progressista em

relação às variáveis linguísticas.

Sobre esta questão, Bagno evidencia que:

São em números reduzidíssimos as coleções que descartam inteiramente a nomenclatura tradicional e as análises morfológicas/sintáticas, para favorecer no lugar delas, o letramento dos aprendizes por meio da leitura, da escrita e da reflexão sobre a linguagem a partir de usos reais”. (BAGNO, 2015, p.113).

Ainda cabe salientar que na concepção de Bagno (2015) a escola não

oferece aos alunos condições mínimas de letramento atribuindo aos educandos a

sua falta de “amor ao idioma”, responsabilizando-os pelas diferenças que a própria

escola teima em não aceitar, usando a crise da “língua” como forma de perpetuar

um método gramatical tradicionalista que desconsidera as especificidades

linguísticas dos sujeitos e dos espaços.

LETRAMENTO LITERÁRIO E LITERATURA NA ESCOLA

Cosson (2009) defende que na atual sociedade contemporânea o uso das

palavras é indispensável, destacando a importância da escrita:

Praticamente todas as transações humanas de nossa sociedade letrada passam de uma maneira ou de outra pela escrita mesmo aquelas que aparentemente são orais ou imagéticas. É assim com o jornal televisionado com o locutor que lê um texto escrito. É assim com práticas culturais de origem oral como a literatura de cordel cujos versos são registrados nos folhetos para serem vendidos nas feiras. Também a tela do computador está repleta de palavras e os vídeos games cheio de imagens não dispensam as instruções escritas. Essa primazia da escrita se dá porque é por meio dela que armazenamos nossos saberes, organizamos nossa sociedade e nos libertamos dos limites impostos pelo tempo e pelo espaço. A escrita é assim um dos mais poderosos instrumentos de libertação das limitações físicas do ser humano. (COSSON, 2009, p.16)

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Para Cosson a literatura proporciona três tipos de aprendizagem: a primeira

corresponde a experimentar o mundo através das palavras; a segunda envolve o

conhecimento teórico e o desenvolvimento da capacidade de análise crítica; e o

terceiro corresponde ao desenvolvimento das habilidades e saberes através dos

textos literários.

Nessa perspectiva é tão importante a leitura do texto literário quanto às respostas que construímos para ela. As práticas de sala de aula precisam contemplar o processo de letramento literário e não apenas a mera leitura das obras. A literatura é uma prática e um discurso cujo funcionamento deve ser compreendido criticamente pelo aluno. Cabe ao professor fortalecer essa disposição crítica levando seus alunos a ultrapassar o simples consumo de textos literários. (COSSON, 2009, p.19)

Sobre esta importância da literatura, também Petit (2009) observa que a

literatura proporciona o acesso ao saber, retirando as pessoas da exclusão social e

dando-lhes oportunidade de se inserirem no mundo do conhecimento.

No passado, muitos saberes podiam ser transmitidos sem o auxílio da escrita. As pessoas aprendiam de uma só vez as ações que iriam repetir por toda a vida. Hoje em dia está cada vez mais difícil ficar distante da escrita e é cada vez mais imprescindível poder, no decorrer da vida, iniciar-se em novas técnicas e em novos campos. Além disso, é bom lembrar que não se adquire um saber apenas para fins de uso imediato, prático. (PETIT, 2009, p.65)

Petit ainda ressalta que a leitura permite aos sujeitos criar vínculos sociais,

socializar ideias e compartilhar culturas; ressaltando que “esses textos que alguém

nos passa, e que também passamos a outros, representam uma abertura para

círculos de pertencimento mais amplos, que se estendem para além do parentesco,

da localidade, da etnicidade” (2009, p.91).

Através da leitura de alguns livros é possível desconstruir os preconceitos

linguísticos reproduzidos exaustivamente nos vários contextos sociais,

compreendendo-se que a variação linguística é um fenômeno social e ao mesmo

tempo cultural, pois está intrinsecamente relacionado à história dos sujeitos, às suas

experiências, ao espaço geográfico e à cultura regional à qual pertencem.

Desta forma ao trabalhar-se a questão da variação linguística em sala de aula, a

seleção de livros e textos de apoio deve ser planejada antecipadamente pelo

docente, bem como as atividades a serem desenvolvidas para suscitar reflexões

críticas, através do respeito à diversidade, entendendo que a linguagem possui

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inúmeras possibilidades de escrita e fala e está diretamente relacionada ao contexto

social e cultural a que o sujeito pertence.

APLICAÇÃO DO PROJETO NA ESCOLA

O trabalho foi desenvolvido com os alunos do 1º ano do Colégio Estadual

Dias da Rocha, Ensino Fundamental e Médio, localizado na cidade de Araucária.

Inicialmente a proposta de intervenção foi apresentada à Equipe Pedagógica

e aos alunos participantes, explicitando-se os objetivos do trabalho.

A implementação do projeto se deu através de várias atividades realizadas

durante o primeiro semestre do ano letivo.

Atividade 1

A primeira atividade desenvolvida foi a apresentação da obra Quarto de

Despejo da autora Carolina Maria de Jesus (1914-1977) para a Equipe Pedagógica

e para os alunos da turma onde o projeto foi aplicado.

Neste primeiro momento foi apresentado o objetivo do projeto explicando

para os participantes a importância da obra apresentada para discutir-se as

questões relacionadas às variações linguísticas e ao preconceito linguístico.

O livro Quarto de Despejo: diário de uma favelada foi publicado em 1960,

por Carolina Maria de Jesus, sendo um diário baseado em suas experiências de

vida.

Carolina Maria de Jesus moradora de uma favela, catadora de papel, mãe,

negra e mulher semianalfabeta, relata a triste realidade da favela nos anos

cinquenta e as dificuldades relativo ao emprego, fome e violência. Com uma

linguagem simples e rebuscada, tirou poesia de sua situação. Preocupada com a

educação de seus filhos, pois não conseguiu essa oportunidade, estudou até a

segunda série primária, porém antes de ter seus filhos trabalhou em casa de família,

nos dias de folga pedia ao seu patrão para ficar na biblioteca, onde adquiriu seu

letramento literário. O jornalista Audálio Dantas ao fazer uma reportagem na favela

do Canindé viu os escritos de Carolina e os transformou em um livro, o qual foi lido,

discutido e admirado em treze idiomas. As palavras podem contar o mundo. Carolina

em sua narrativa apresenta a divisão de classes, exclusão social e ideologia da

época. Em seus escritos apresentavam a variedade linguística, tanto regional como

a social.

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Desde a primeira edição o livro vem sendo reeditado sem as correções

gramaticais, constituindo-se desta forma como um relato fiel do contexto social dos

excluídos, bem como traz à tona a discussão da variedade linguística existente no

País.

Iniciamos a leitura com conhecimento prévio sobre a obra e a autora o que

contribuiu para monitorar a compreensão do que se está lendo, além de motivar a

leitura. Por ser escrito em forma de diário é mais fácil o interesse do aluno, e

também os escritos apresentam uma linguagem simples e por vezes rebuscada;

além da luta de uma mulher negra, de pouco estudo que sobrevive catando papel.

Objetivou-se que o aluno conhecesse, apreciasse e valorizasse o trabalho literário

de Carolina Maria de Jesus e a linguagem que por vezes assimila situações já

conhecidas pelo aluno.

Foram organizados grupos de quatro alunos, foi dado um exemplar para que

eles realizassem a leitura em forma de rodízio, já que não havia livros suficientes

para todos os alunos.

Assim, para que aumentasse a importância de cada um dentro do grupo e o

envolvimento na atividade, íamos conversando, observando e cada um registrando

as palavras e expressões que apresentavam variação linguística as quais diferem da

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língua padrão, e as que não compreendiam o significado, por ser uma linguagem

rebuscada.

Os alunos compartilharam informações comuns entre eles, à convivência

com essas variantes em seu meio familiar e social. No início houve rejeição, pela

metodologia aplicada de leitura conjunta, porém a medida que as leituras

avançavam , os alunos percebiam palavras e expressões usadas por pais, avós,

pessoas de outras regiões que os alunos conheciam, a participação tornou-se

notória e interessante, mesmo pelos alunos mais tímidos, com isso a percepção da

diversidade linguística se tornou um fator importante no contexto. A atividade foi

produtiva, pois foi uma forma de instigar o diálogo, a oralidade e o desenvolvimento

da interpretação e prática da escrita.

Atividade 2

A partir das anotações das palavras e expressões voltadas à variação

linguística, da obra “Quarto de despejo”, as atividades se desenvolveram em forma

de pesquisa na biblioteca, com o auxílio do dicionário. Além da pesquisa das

palavras usadas pela autora, exemplos:

Diversidade de região; Vasculham- procuram/ Pegar a condução- entrar no ônibus/

eles bradam -eles gritam.

De época; quarar, ensaboar, meretrizes.

Linguagem rebuscada; suporto as contingências da vida resoluta.

Houve boa participação e interação, dessa forma verificou-se que as

atividades desenvolvidas na biblioteca alcançaram um nível de pesquisa muito bom,

pois em outros momentos os alunos não eram participativos em fazer atividade na

biblioteca, principalmente porque eles estavam curiosos para entender a linguagem

rebuscada. A atividade oportunizou aos educandos a percepção da importância da

linguagem formal, sem deixar de lado a diversidade linguística, pois por comparação

aprende-se que todas as formas de comunicação são válidas e relevantes, porém

abordou-se a questão dos diferentes contextos (formal e informal) e a adequação da

linguagem a diferentes situações. Feita a pesquisa, a apresentação foi individual,

usamos o espaço da biblioteca e cada um foi expondo com comentários pertinentes

à pesquisa. Além da pesquisa relativa à obra, os alunos pesquisaram o significado

de palavras ditas por seus familiares e conhecidos, principalmente palavras e

expressões antigas. Linguagens na família:

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Dar uns catiripapos - dar uns tapas / esgualepada- mal cuidada

penal- estojo

Ficar de varde - ocioso/ impricar-implicar/ Jaguara- pessoa em quem não se pode

confiar.

Com a pesquisa procurou-se demonstrar que o processo comunicativo

apresenta-se de diferentes maneiras, porém o significado muitas vezes é

semelhante. Também foi abordado o contexto da produção escrita em sua forma

padrão. A pesquisa desenvolvida na biblioteca oportunizou aos alunos indagarem a

respeito das variedades linguísticas, linguagem padrão, não padrão e pronúncia.

As questões acerca do preconceito linguístico foram bastante debatidas com

os alunos e portanto, como sugestão da Equipe Pedagógica em reunião de

replanejamento realizada com o corpo docente as atividades relacionadas ao tema,

outros livros de Carolina devem ser acrescentadas as ações a serem desenvolvidas

em cumprimento a Lei nº 11.645, de 10 março de 2008, que dispõe sobre a

obrigatoriedade de inclusão da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e

Indígena” na grade curricular de todas as disciplinas. Neste sentido, a princípio,

decidiu-se que as atividades desenvolvidas serão apresentadas na Semana da

Consciência Negra a ser realizada no mês de novembro na escola.

Atividade 3

A leitura da obra de Carolina Maria de Jesus reflete sobre situações de

conflitos sociais, valores humanos, as oportunidades de emprego perdidas pela falta

de estudo, oportunizando aos alunos identificarem situações semelhantes seja

descrevendo exemplos de familiares, vizinhos ou conhecidos que vivenciaram

situações parecidas com a descrita na obra. Com isso foi possível atribuir

importância à questão social e cultural tratada na obra em relação à exclusão social,

propiciando aos alunos questionamentos e levantamento do contexto cultural e

social, a que pertencem. As carteiras foram colocadas em círculo, para que

oralmente comentassem sobre as diferenças linguísticas e situações discriminatórias

vivenciadas.

Outro momento da atividade foi uma reflexão sobre o preconceito aos

diferentes tipos de linguagem no Brasil.

A produção textual foi desenvolvida juntamente com a disciplina de

Sociologia, contextualizando a realidade social da época (anos 60) e atual, tanto das

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favelas como nos centros urbanos. Tendo em vista a diversidade cultural do Brasil é

importante que o ensino da Língua Portuguesa em consonância com outras

disciplinas, oportunize aos alunos compreender o fenômeno chamado variação

linguística, respeitando a forma que cada indivíduo tem de se expressar, entendendo

que em diferentes regiões do país a língua falada ganha características singulares

evidenciando e enaltecendo, dessa forma, os valores culturais e o regionalismo.

As contribuições foram bastante significativas ao tratar-se da discussão

envolvendo o preconceito e a relação com a obra estudada oportunizou aos alunos

uma imersão na vida, obra e linguagem da autora.

A obra Quarto de Despejo oportuniza uma experiência pedagógica,

linguística, social e de respeito para com o outro, produzindo frutos para a vida dos

envolvidos diminuindo a inibição que os alunos têm em apresentar relatos pessoais.

Dentre os relatos expostos apresento dois que chamaram a atenção dos

alunos:

O primeiro relato é de uma aluna, com idade de 16 anos, criada na zona

rural da cidade, cujos avós fazem parte de uma tradicional família polonesa da

cidade.

- “Sempre fui muito tímida, criada pelos avós, os quais além de idosos, pouca

escolaridade, de origem polonesa. O que eles me ensinaram era o correto, quando

fui para escola, começou meu tormento. Eu falava nóis vai- ao invés de nós vamos;

moro querendo dizer morro; probrema, crasse. Meus professores só falavam que eu

falava errada, uns até corrigiam, mas, chamando a atenção para o erro, já que

repetiam a palavra, ou frase que eu falava errado. Porém eu escutava, quando em

conversa entre elas que diziam: - Não adianta corrigir aqui, ela convive lá com o

erro, pois seus “pais” falam tudo errado. – Eu me sentia muito mal, por isso me

fechei. Hoje já posso falar sobre o assunto, eu gostei da história do livro da Carolina,

por ela ser mulher, criou seus filhos sozinha, negra, catadora de papel e morando na

favela, ela escreveu um livro e nem se importou se falava errado. Acho que as

pessoas deveriam rir dela, mas ela conseguiu publicar o livro, conseguiu comprar

sua casa, ela foi à luta. Embora minha época seja bem longe e diferente dela, a

discriminação ainda acontece. Eu sofri preconceito linguístico”.

O segundo relato é de um aluno, maranhense, 17 anos que chegou à cidade

em 2012, quando foram contratados cerca de 20 mil trabalhadores do Nordeste para

executarem obras de ampliação na Refinaria Presidente Getúlio Vargas – REPAR.

Page 16: A Variação linguística no ensino médio: A partir da obra ... · limitadas no interior de uma comunidade mais extensa, a nação. Falantes de uma determinada região constituem

- “Quando eu e minha família viemos do Maranhão, as pessoas chamavam a

gente de baiano, quando eu falava a sala toda dava risada, eles se implicavam com

meu jeito de falar e de algumas palavras que era diferente. Não tem nada a ver ser

chamado de baiano. Mas, eu sofri muito porque os professores não se importavam,

eu ia falar na pedagogia eles diziam, não ligue, aos poucos eles se acostumam, na

verdade era para eu acostumar, daí eu mudava de escola, por isso eu estou

atrasado, ninguém explicava que o meu caso era de variação linguística”.

Os dois relatos demonstram a variação linguística e ao mesmo tempo o

preconceito linguístico presentes no contexto escolar.

O município de Araucária embora tenha sido colonizado por poloneses,

ainda apresenta um preconceito evidente em relação à pronúncia de palavras,

principalmente com “r”, pois embora ainda parte da população apresente esta

diferenciação de linguagem, a mesma não é aceitável no contexto escolar.

A segunda situação evidencia uma questão maior, pois realmente, os

trabalhadores contratados e suas famílias foram bastante hostilizados na cidade, e

independente da região de origem, todos sem exceção eram chamados de

“baianos”; inclusive houve necessidade de intervenção jurídica em relação a uma

comunidade no então Orkut, denominada “De volta para a Bahia”, uma alusão a um

programa televisivo chamado “De volta para casa”, onde o apresentador levava

famílias em situação de vulnerabilidade na cidade de São Paulo e que haviam

migrado do Nordeste em busca de melhores condições de vida na capital, porém as

mesmas apresentam relatos muito parecidos com as situações evidenciadas no

livro. Estes dois relatos evidenciam as questões discutidas durante a realização das

atividades em relação às variações linguísticas e preconceito linguístico.

Atividade 4

Um novo encaminhamento de atividades foi modificado, pelo fato da

quantidade de livros (apenas 8 exemplares) não contemplar a todos, que gostariam

de ler, e também o envolvimento da disciplina de Sociologia e Filosofia. Por isso

foram apresentados dois vídeos em que há apresentações sobre a autora, obra e a

diversidade linguística.

Vídeo: Heróis de todo mundo

Autor/ano: Fundação Acorda Cultura, 2013

Page 17: A Variação linguística no ensino médio: A partir da obra ... · limitadas no interior de uma comunidade mais extensa, a nação. Falantes de uma determinada região constituem

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=mLkJy86VU84

O vídeo retrata a vida da autora Carolina Maria de Jesus, apresentando o seu

percurso de vida e como ela transformou as suas experiências em um grande

sucesso literário, traduzido para vários países.

Vídeo: Poeta da Diáspora

Autor/ano: FAPESP, 2015

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=T0ncwWD1C9g

O vídeo é um documentário elaborado pela historiadora Elera Pajaro Peres e

apresenta uma breve contextualização da década de 60, comparando o contexto

social retratado com as passagens do livro Quarto de Despejo.

A apresentação dos vídeos teve a intenção de envolver alunos e docentes,

colaborando no processo de conhecimento e cidadania, com intenção de tornar a

aula produtiva facilitando a aprendizagem, oportunizando ao aluno que tenha

domínio sobre a língua padrão, sabendo que o que se fala pode ser esquecido, mas

o que se escreve fica para sempre. Os vídeos demonstram a importância de uma

boa narrativa escrita, que é a maior riqueza cultural.

As atividades que foram desenvolvidas, pesquisa de palavras e expressões,

pesquisas de outras formas de linguagem desenvolvidas foram apresentadas em

formato portfólio.

A obra de Carolina de Jesus ajudou a trabalhar a autoestima dos jovens,

pois ela é exemplo de luta, de persistência, que prioriza o aprender, segundo a

autora “assim como as palavras, as pessoas que as escrevem não podem ser

apagadas”.

Atividade 5

A atividade final do projeto foi realizada durante a Semana Cultural da escola

que foi realizada no mês de maio, envolvendo apresentações musicais, debates,

exposições artísticas e gincanas.

Como o trabalho desenvolvido pelos alunos foi bastante produtivo, a direção

sugeriu que eles fizessem parte das atividades desenvolvidas na referida semana.

Portanto em comum acordo com a equipe pedagógica e direção, foi feito um

complemento na atividade, como os alunos já haviam conversado com familiares a

respeito da diversidade linguística, e como um dos principais objetivos da Semana

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Cultural é a integração família/escola, foram convidados familiares dos alunos

envolvidos no projeto para que fizessem relatos de situações e superações relativas

à variação linguística.

Como sugestão de atividade os alunos organizaram perguntas em duplas,

relacionadas à questão de preconceito, tomando cuidado com o que iriam perguntar

para não se tornar pessoal, pelo fato de ser familiar de algum aluno, remetendo-se a

questões pertinentes ao objetivo proposto.

Os alunos conversaram com seus familiares e três se propuseram a

participar da roda de entrevista.

Para a realização da atividade foi disponibilizada uma sala maior e foram

disponibilizados 70 lugares para que alunos de outras turmas pudessem participar.

Como em outro espaço aconteciam outras atividades simultaneamente, tendo em

vista que no período da manhã (em que o projeto foi desenvolvido) a escola também

oferta o ensino fundamental, a participação foi aberta apenas para os alunos do

ensino médio.

As convidadas foram: uma pedagoga, uma advogada e uma empresária.

As perguntas selecionadas foram relacionadas à apresentação pessoal,

função, gosto de leitura, escolaridade, situações discriminatórias na escola e sobre

expressões utilizadas em sua época e que não são mais comumente utilizadas.

Maria Luiza Ferreira de Carvalho: “Sou pedagoga quase me aposentando,

tive o prazer de ler o livro que vocês estão lendo, porque eu gosto muito de ler, sou

amante da literatura, porque quando eu tinha a idade de vocês, os livros eram

bastante caros, eu pedia de livros de presente no Natal. Sim, tive uma vida difícil,

não falo pela falta de dinheiro, mas não se tinha oportunidade de ir à escola, pois a

escola era muito longe, só os filhos de papai frequentavam as escolas. Não passei

fome. Quando fui para escola, prefiro não comentar em que época, porém eu tinha

um linguajar diferente, e as pessoas caçoavam de mim. Vejo que vocês não

entenderam, linguajar é linguagem/ caçoar é rir- Uma expressão diferente que

aprendi com minha avó - Senhora da badia/ quer dizer “meu Deus” Estou feliz em

estar aqui com vocês. Obrigada”.

“Eu me chamo Márcia Reis sou advogada, gosto muito de ler, quanto à obra

que vocês leram, eu li porque minha amiga fez uma propaganda, dizendo: olha a

autora parece você, porque sou negra? Também, disse ela, mas porque é uma

mulher de superação, vive lendo e fala bastante. Eu fui muito discriminada, não pela

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linguagem, mas sim pelo cabelo ser bastante crespo, tenho lembranças da minha

avó que dizia, arrede o sofá/ tire, mude o sofá. Meus pais sempre me incentivavam a

estudar, pois conhecimento nem o tempo nem o ladrão tira de você, eu nem poderia

parar por causa dos preconceituosos, para minha mãe, foi mais difícil, imaginem o

que ela passou sendo a primeira mulher negra dentista da UFPR. O que me deixa

feliz, é ver alunos fazendo leitura de bons livros e momentos como esse. Obrigada”.

“Eu sou a Mauritânia Figueiredo, hoje sou empresária, eu sofri muito, pois na

minha época mulher não estudava, os pais e a família diziam que não precisava logo

casaria, e iria cuidar do marido e filhos. Eu não lia, pois não era incentivada, e os

livros antigamente, a linguagem era muito difícil. Eu li “Quarto de despejo” porque

meu sobrinho fez comentários sobre a mulher que havia escrito, achei interessante

que até comprei. Estou me corrigindo, mas tem muitas palavras que apresentam a

diversidade- não trepe aí/ não subir- lambança/ bagunça, sujeira. Como eu cheguei

a ser empresária. Eu trabalhava como cozinheira no mesmo local, o meu filho como

ajudante. Uma tarde saí mais cedo, e por racismo, meu filho foi morto e ninguém fez

nada no momento, sofri muito, eu tomei uma decisão. Se eu tivesse estudado talvez

meu filho pudesse estar estudando naquele momento, foi onde resolvi fazer

faculdade administração e hoje tenho meu próprio negócio. O que me deixa feliz é

estar aqui com vocês, observando o quanto vocês são dedicados. Obrigada pela

oportunidade. Gostaria que meu filho também estivesse aqui”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo em vista a diversidade cultural do Brasil é importante que o ensino da

Língua Portuguesa oportunize aos alunos compreender o fenômeno chamado

variação linguística, respeitando a forma que cada indivíduo tem de se expressar.

Entendendo, que em diferentes regiões de um mesmo país a língua falada ganha

características singulares evidenciando e enaltecendo, dessa forma, os valores

culturais e regionais.

Diante disso, esse projeto passa a ser um plano de ação, que proporcione o

ensino da língua padrão, sem discriminar o conceito de certo e errado,

estabelecendo comparações entre as variações linguísticas, para que os alunos

possam lidar com as diferenças sociais, minimizando o preconceito linguístico.

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Devemos ajudar nossos alunos a desenvolverem sua competência

comunicativa, levá-los a conhecer palavras e expressões características de cada

região, preservando sua cultura.

Após coletar uma amostra significativa das ocorrências linguísticas, a

mesma passou a ser conteúdo de estudo das aulas. Fizemos um paralelo entre

formas de escrever da norma padrão e da coloquial. Constatamos que tanto uma

quanto outra dependem de certos fatores que as condicionam, como estreitamento

de vínculos entre falantes, faixa etária, condição social, grau de escolaridade, dentre

outros aspectos.

Nossos alunos, falantes da língua portuguesa, trazem um amplo repertório

de conquistas de experiências linguísticas. Devemos, portanto, a partir daí gerir a

nossa prática, colocando em destaque os nossos alunos como protagonistas na

ação pedagógica. Valorizar as diferenças, as variedades nos registros falados e

escritos, enfim, ressignificar a nossa prática de maneira viva, atraente e pertinente.

Isso aumentará o desejo do aluno buscar as raízes de suas variedades

linguísticas e ao mesmo tempo a obterem a busca pela variedade padrão através de

leituras, meios de comunicação e diálogos com grupos diferentes de sua realidade

sociolinguística.

A opção pela obra Quarto de Despejo é muito importante, bem como o

estudo da vida de Carolina Maria de Jesus, que viveu humildemente, porém como

um símbolo de resistência, um exemplo de vencedora, alguém com a história de

vida a ser respeitada.

A leitura da vida e obra de Carolina de Jesus sensibiliza o aluno, movendo-o

à mudança de olhar e postura em relação ao outro, à diversidade cultural, valores

presentes na sociedade brasileira.

O objetivo final do trabalho foi à valorização da variedade linguística, sem

desconsiderar a variedade padrão, a qual será utilizada pelo sujeitos em situações e

contextos variados que exigem a normatização linguística.

As atividades desenvolvidas, a leitura do livro, a pesquisa de palavras e

expressões, pesquisas de outras formas de linguagem desenvolvidas serão

oportunizadas uma reflexão final que justifica-se pela necessidade de novos olhares

para o educando para além dos conteúdos, isto foi proporcionado através dos

relatos que foram vivenciados em sala de aula oportunizando desconstruir os

preconceitos linguísticos reproduzidos muitas vezes de forma inconsciente,

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compreendendo-se que a variação linguística é um fenômeno social e ao mesmo

tempo cultural, pois está intrinsecamente relacionado à história dos sujeitos, às suas

experiências, ao espaço geográfico e à cultura regional onde estes estão inseridos.

REFERÊNCIAS

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POSSENTI, S. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas-SP: Mercado de Letras: Associação de Leitura do Brasil, 1996.

SOARES, M. Linguagem e escola: uma perspectiva social. São Paulo: Ática, 1996. Imagens CARTA CAPITAL. Carolina Maria de Jesus, a catadora de letras. 2012. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/cultura/carolina-maria-de-jesus-a-catadora-de-letras, acesso em nov./2017. Vídeos FAPESP. Poeta da Diáspora. FAPESP, 2015. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=T0ncwWD1C9g> acesso em abr./2017. FUNDAÇÃO ACORDA CULTURA. Heróis de todo mundo. 2013. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=mLkJy86VU84>, acesso em abr./2017.