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    Polptico

    TTTTTomaz Tomaz Tomaz Tomaz Tomaz Tadeuadeuadeuadeuadeu*****

    I. menos

    7. No argumente. Minta.4. No disserte. Desconcerte.3. No demonstre. Desmonte.2. Repita.

    2. No falei?1. No termine pelo fim.300. Nem comece pelo comeo.35. Troque o fim pelo comeo.53. E vice-versa.3. Aproveite e troque tudo.12. Esquea os rodaps. Tente os rodopios.

    136. Livre-se das referncias. Perca-se.90. No cite. Vampirize.28. No ornamente. Desmanche.39. No embeleze. Suje.89. No decore. Borre.55. No limpe. Manche.145. No floreie. Desflore.18. No regule. Fabule.

    48. Se perguntarem pelo mtodo, responda: todo.59. Se perguntarem pelo objetivo, diga: tivo.111. Se perguntarem pela teoria, ria.201. Se perguntarem pela norma, informe: no vi.44. Se perguntarem pela coerncia, gagueje.

    * Professor do Programa de Ps-Graduao da UFRGS (Porto Alegre/Brasil). [email protected].

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    8. Se perguntarem pelo problema, abra: no tenho.99. Se perguntarem quem disse, rebata: disseram.250. Se pedirem para esclarecer, obscurea.10. No discorra. Distora.

    66. No discurse. Desconverse.200. Nem ordem, nem inverso. Diverso.22. No explique. Complique.9. No empilhe. Cave.69. No empaste. Raspe.33. No enfileire. Descarrilhe.88. No siga o caminho. Saia do trilho.

    301. No focalize. Disperse.15. No organize. Embaralhe.78. No d forma. Deforme.35. No funda. Confunda.101. No centralize. Distribua.102. Pra qu rgua? Enfie os dedos.

    38. Pra qu compasso? Meta os ps.

    II.panfletinho

    a. pensamentinhos

    1. No confundir o rebelde com o militante. So, alis, inimigos mortais.2. A rebeldia no um estado de conscincia, mas um movimento dopensamento.3. O pensamento rebelde no tem hora, nem lugar. intempestivo eimpertinente.

    4. O conformismo da famlia do bom senso e do senso comum. J arebeldia tem relaes de afinidade com o contra-senso e o no-senso.5. Geograficamente, a rebeldia se situa nos antpodas dos gestos de boa-vontade e das piedosas declaraes das boas-almas.6. A rebeldia sempre generosa. Piedosa ou caridosa, nunca.7. A rebeldia at pode ser coletiva. Mas no funda nem segue escolas,partidos ou organizaes.8. O no do pensamento rebelde no tem nada a ver com niilismo. exatamente o contrrio: sempre um sim vida, contra os que tentamextingui-la.

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    9. rebeldia repugna o culto aos pais da ptria e o apelo a salvadoresmessinicos.10. A rebeldia vem antes do poder. Sat no existe porque Deus existe. justamente o contrrio.

    11. O rebelde pode passar. Arrepende-se, retrata-se, desdiz-se, adere auma igreja, entra num partido, arruma uma boquinha no aparelho deEstado, veste um terno fino, pede a extrema-uno. J a rebeldia obstina-se em sobreviver.12. O desrespeito a primeira regra de boas maneiras da rebeldia.13. Se a rebeldia tem uma frmula a do personagem Bartleby, de HermanMelville: Prefiro no. Ou, ento, a do porqueiro de Antonio Machado/Juan de Mairena: No me convence.

    14. A rebeldia nega-se a dar foros de privilgio a qualquer tipo de ator,individual ou coletivo: operrio, sem-terra, sem-nada. Mas acreditapiamente num povo por vir.15. rebeldia repugna falar em nome de quem quer que seja.16. Seriedade coisa de conformista. A rebeldia est mais para o riso e ohumor. Mas isso no quer dizer que a rebeldia no seja pra valer.17. Por inclinao, a rebeldia no se reserva um domnio limitado eespecfico: ela se alastra pela poltica, pela arte e pela conduta. Pela vida.18. A rebeldia puro desejo.19. A rebeldia tem pouco interesse pelo que . Em troca, ilimitado seuinteresse pelo que ainda no e pelo que pode vir a ser.20. No existe rebeldia sem um pensamento do novo, do imprevisvel edo inesperado.21. Que ironia! O poder panudo, mas triste. A rebeldia magra,mas alegre.22. Nem vermelha, nem negra. A rebeldia no tem nenhuma cor.Tem todas.

    23. Nem cones, nem dolos, nem vanguardas. S conexes.24. Nem bandeirinhas, nem smbolos, nem botezinhos. S criaes.25. A rebeldia no a negao da ordem constituda. Ela a afirmaodaquilo que a ordem constituda nega.26. Desconfiar dos que falam de revoluo como se fossem padres oupastores. Ou de padres e pastores que falam de revoluo.27. Intelectuais no governo ou no partido no passam de merosporta-vozes.

    28. No existe intelectual a favor.

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    b. intermezzopedaggico

    1. Pedagogia e pensamento no do bom par.2. A rebeldia no tem nenhuma soluo para os problemas da educao.A rebeldia um problema para a educao.3. No confundir rebeldia com formao da conscincia crtica. A rebeldiano quer formar coisa nenhuma.4. Formao para a cidadania, ento, que palavro! Cidadania? O rebelderesponde: passo!5. Nem vale a pena adjetivar a pedagogia. Pedagogia crtica, pedagogia daesperana, pedagogia rizomtica. que a substncia irrecupervel.6. Com as pedagogias crists, ento, meu Deus, a rebeldia no quer nemconversa. Vaderetro, Jesus Cristo!

    7. No pensem que haja um divrcio entre pedagogia de esquerda epedagogia de estado. So to bem casados!8. As pedagogias da esquerda no poder so simplesmente pedagogias defuncionrios. Burocratizadas, pobrezinhas, morreram de bomcomportamento.9. A pedagogia o reino das boas almas e dos espritos caridosos. Que oinferno lhes seja ameno!10. O que move a pedagogia no nem a vontade de saber, nem a vontadede poder, mas a vontade de salvar. Mas quem eles querem salvar? E quemquer mesmo ser salvo?11. As boas almas da pedagogia formam um imenso e deplorvel Exrcitoda Salvao. E d-lhe sineta!

    c. maquininha de guerra

    1. Implodir o bom senso. Meios: o riso, o ridculo, o humor. Tticas: ainverso, a variao, o choque.

    2. Permanecer a lguas de distncia do aparelho de Estado. E de todas assuas ramificaes: os sindicatos colaboracionistas, os movimentos sociaisatrelados e as ongs auxiliares.3. Forar os limites. Empurrar as margens. Pular as fronteiras.4. Cavar. Minar. Esburacar. Em algum lugar tem que haver uma sada.5. Onde houver cerimnia, instalar a sem-cerimnia. Onde houver ritual,comear um baile.6. Se apelarem para a autoridade, perguntar quem fundou. Se apelarempara a moral, perguntar quem inventou. Se apelarem para os valores,perguntar: de quem, cara-plida?

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    7. Subverter a linguagem e a gramtica: por a que se infiltram o poderdo senso comum e o senso comum do poder.8. Desatar os ns que vinculam os poderosos do momento aos coletivosabstratos: ptria, nao, famlia. Melhor: colocar em descrdito todo tipo

    de coletivo abstrato.9. Fazer delirar as escolas, os partidos e as seitas, sem deixar de fora asreligies institudas.10. Nunca tomar nada de assalto. Se tiver que tomar de assalto porqueno vale a pena.11. Juntar o libertino com o libertrio, o desejo com a rebeldia.12. Quando a esquerda vira direita, hora de dar meia-volta.13. Contra os aprumados artilheiros do bom-senso, as estocadas de no-senso dos infernais arteiros da maquininhadeguerra.14. s convocaes ordem responder com a debandada geral. s palavrasde ordem, com as palavras fora de ordem.

    d. antologia de algibeira

    1. Se tivesse uma lista delas, me desligaria de todas as associaes squais nunca me filiei. Henry David Thoreau2. Uma sociedade parece definir-se menos por suas contradies que por

    suas linhas de fuga: ela foge por todos os lados. Gilles Deleuze3. Todos os corpos esto saciados; as conscincias, resignadas. No existemais sequer aquela inquietao que atravessa o vazio dos ossos: s umaimensa satisfao de inertes almas bovinas. Antonin Artaud4. Eu lhes digo: preciso carregar ainda, dentro de si, algum caos, parapoder dar luz uma estrela danante. Friedrich Nietzsche5. preciso livrar-se do mau gosto de querer estar de acordo com muitos.Friedrich Nietzsche

    6. Melhor na ponta dos ps / Do que de quatro! Friedrich Nietzsche

    7. Odeio do fundo do corao o sqito dos dspotas e dos sacerdotes, /Porm ainda mais o gnio que com eles se compromete. Friedrich Hlderlin8. No com a ira que se mata, mas com o riso. Venham, matemos oesprito de gravidade! Friedrich Nietzsche9. Se fizer uma revoluo, que seja por diverso, / no com uma seriedadesinistra, / nem com um fervor mortal, / mas por diverso. D. H. Lawrence10. Minha especialidade viver era a legenda / de um homem (que notinha renda / porque no estava venda).E. E. Cummings

    11. A desobedincia a virtude original do homem. Oscar Wilde

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    12. O Estado mente em todas as lnguas do bem e do mal; e, qualquercoisa que diga, mente e, qualquer coisa que possua, roubou-a. FriedrichNietzsche

    13. Onde cessa o Estado, somente ali comea o homem que no

    suprfluo. Friedrich Nietzsche14. No em torno de novos barulhos; em torno dos inventores de novosvalores, gira o mundo; gira inaudvel. Friedrich Nietzsche15. Um exrcito vermelho deixa de ser uma mquina de guerra na medidaem que se torna engrenagem mais ou menos determinante de um aparelhode Estado. Gilles Deleuze16. Organize uma greve em sua escola ou local de trabalho, com ajustificativa de que no esto sendo satisfeitas suas necessidades deindolncia & beleza espiritual. Hakim Bey

    17. Plato: Se servisses Dionsio [tirano de Siracusa], no precisariaslavar verduras. Digenes: Se lavasses verduras, no precisariasservir Dionsio.18. Voc tem-me cavalgado, / seu safado! / Voc tem-me cavalgado, /mas nem por isso me ps / a pensar como voc. / Que uma coisa pensa ocavalo; / outra quem est a mont-lo. Alexandre ONeill

    III.por que escrevemos assim

    Porque no acreditamos na Santssima Trindade. Porque renegamos o Pai.O Filho. E o Esprito Santo. Porque somos criaturas da terra. E no planorastejamos. Porque nos recusamos a fazer a prova da identidade. igual? semelhante? parecido? Reconhecemos? Apostamos tudo no teste dadiferena. Aumenta o mundo? estranho? Causa espanto? irreconhecvel? Isso faz a nossa cabea. Porque no temos negcio com aobjetividade. Nem com a subjetividade. Nem botamos nossas fichas nadescontinuidade entre objeto e sujeito. Ou entre a linguagem e o mundo.Porque cremos que escrever s escrever. Sem assunto. Nem propsito.Sem cincia. E sem metafsica. Porque no reconhecemos a diviso dedisciplinas. Nem de gneros. No queremos classificar. Nem, muito menos,ser classificados. Porque somos da educao. Mas tambm no somos.Porque no somos da literatura. Mas tambm somos. Simplesmente porquequeremos escrever o que nos d na telha. O que nos vem cabea. Einvestir tudo na idia que est espreita. Porque no pertencemos anenhuma seita. Nem nos filiamos a qualquer escola. E no tomamosnenhum partido. Porque no queremos ser bem comportados. Porquepreferimos faltar ao respeito. E ser malcriados. Porque queremos fazerarte. Porque abominamos os padres, os pais da ptria e os guias dos povos.

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    E os que querem salvar o mundo. E nos levar juntos. Porque queremosarmar nossa tenda no deserto. E pregar pra ningum. Uma doutrina semcredo, sem dogmas e sem f. Porque no viajamos sem nossa catapulta. Esem nossa bolsinha de calhaus. E nos divertimos mirando na cabea dos

    que se do importncia. E na espinha dos que se curvam. E na perna dosque se ajoelham. E porque no nos importam os que detm o poder. Ouque traficam com o poder. Ou que se dobram ao poder. Porque rejeitamosuma vida de rebanho. De resignao. E de conformidade. Porque recusamosos juzos. E os tribunais. E as sentenas de morte. Porque no acreditamosem abstraes. Num mundo melhor. Numa educao melhor. No outromundo. Porque, pra ns, escrever no comunicar idias. Nem passarinformaes. Muito menos pregar, prescrever ou ensinar. Pra isso existemos jornais, as igrejas e as escolas. Preferimos confundir. Desorientar. Etirar do lugar. Sair do srio. E correr por fora. Porque o nosso desejo.Que no vem de dentro. Nem de fora. Mas das juntas. Das junes. E dosencaixes. Dos cruzamentos e dos encontres. Porque preferimos o humorao esprito de gravidade. A falta de decoro s boas maneiras. O sbrio aoespalhafatoso. Porque fugimos das cerimnias. E das santimnias. Dapompa e circunstncia. E porque torcemos o nariz para o oficial. O sagrado.E o santificado. Porque escrever a nossa morada. E o po nosso de cadadia. Amm.

    IV. devir-caramujo

    Uma escrita. Um estilo. Isso me afecta. Me pega. Me puxa. Me gruda. Megrudo. Viro carrapato. Afecto. Me agarro. Meto-me. Penetro. Chupo. Sugo.Mas s trs afectos? Mais, M. Deleuze. Mais. Tipo suspender o juzo.Deixar-se envolver. Me fabular. Me inventar. Fazer-me esquecer da vida.Lembrar-me de uma. Tirar-me da vida. Tirar-me a vida. Me dar uma.Agora, se o estilo faz corpo mole, faam-me o favor, me devolvam oingresso. Mas escrever no mole, no. Eles dizem que a enunciao coletiva. Acredito. Dizem at que escreveram a dois. Duvido e fao pouco.Pra escrever faz falta um cantinho s seu. Ainda que no meio de muitagente. O truque aqui saber se recolher. Devir-caramujo. No se iluda.Voc vai estar s. Mas no se apavore. Voc j pode chamar a macacada.A matilha. O bando. O tal coletivo. S com todo mundo. Voc tava crenteque era o dono do pedao. Mas tire o seu cavalinho da chuva. Agora ocavalo voc. E o coletivo, o teu guia. No do tipo soviete, claro. Masnem por isso deixe de prestar ateno aos russos. Fique de olho, sobretudo,no mestre do diz-que-diz. Voc vai comear a ouvir vozes. S no penseque elas vm de dentro. Estique bem a orelha. E acredite nos rumores. com zunzum que a coisa funciona. Eu muita gente. Agora te prepara.

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    chegada a hora. Voc vai comear a falar lnguas. Ests listo? Mas no tepreocupa, che boludo, que no falo dessas lnguas. Tou sabendo que teuportunhol mal d pro gasto. Tou falando de enrolar a lngua. De botar alngua. Bota a lngua pra fora. Da boca pra fora. Da lngua pra fora. Pra

    fora da Lngua. A Lngua comporta. A Lngua morta. Tem que mexer alngua. Mexer com a Lngua. Morder a Lngua. A Lngua a coisa maisnormal do mundo. J uma [lngua dentro da Lngua] uma monstruosidade.Serpenteia. Penteia. Teia. Serpentina. Sabemos que conveniente serfluente na prpria Lngua. Saber o que dizer na hora certa. No lugar certo.Uma palavra atrs da outra. Seguir uma linha reta. A palavra exata. Exata.Obedecendo a ordem certa. Nenhuma vrgula a mais. Nenhuma vrgula amenos. Muito conveniente. Coisa bem diferente vacilar. Trocar as bolas.Tropear nas prprias palavras. No dizer coisa com coisa. Isso muito

    inconveniente. Meter a lngua. Calar a Lngua. A linguaruda. A lnguadentro da Lngua come a Lngua. Como a Lngua. A lngua dentro daLngua tambm segue uma linha. S que modulada. Mo-du-la-da. Abstrata.Ah, a Lngua me cansa. Hora de recolher a lngua. No sem antes pedirque voc me jure que no entendeu nadinha deste meu patu. Quemdisse que eu tava querendo me fazer entender?

    V. milonguita

    tudo uma questo de velocidade. Mais. Menos. Me sopra o marrano. Ogentil polidor de lentes. veloz, te digo. O garoto. Ou a escrita dele.Comea fio dgua. J crrego. J corre. Escorrego. Quando me dou conta, marzo. Correnteza louca. Redemoinho. Furaco. Katrina. Catarino.Vou junto. Me deixo levar. Me deixo? Mal digo. Sou arrastado. Surfa. Ela.Ele. Eu, no sulco. No rastro. Bustrofdon. Ele surta. Ela salta. Eu ficoalto. Alterado. Sem tragar. Sem fungar. Sem picar. Na carreira semcarreirinhas. A secas. Como o outro. O bbado de gua cristalina. Masinspiro, claro. Respiro. Me aproveito das travadas. Pois esse garoto tambm

    roda o p. D pra trs. Fica de p atrs. Logo agora que eu j tinha tiradoos ps do cho. Mas agora foi ele quem fincou os ps no cho. Arrasta osps. Pesado. D topadas no rodap. Parou de correr. Agora discorre, osabidinho, o sabido. Engraado. Diz corre. Mas fica parado. No temoutro jeito. Agora a minha vez. De empurrar o garoto. Bot-lo pra correr.Quer dizer, a escrita dele. Ela continua escorrendo, no nego. Mas essasfreadas, sei no. Esses papelitos espalhados pelo cho. Me dizendo o queeu deveria saber. Bocejo. So boring, so boring. Eu no quero saber nada.Saber de nada. Tira essa lousa da minha frente, good boy. Some com esseLivro. Com o Livro. No vim aqui pra ser informado. Tua informao novale um tosto. No quero nem de graa. Te digo, assim perde a graa.

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    Mas dou de barato e te digo logo, na marra, de sopeto, qual a milonga.Qual o barato. Mas voc j sabe. Soube desde o comeo. O que teatrapalhou foi o excesso de prudncia. As salvaguardas. Mas aqui notem nada pra salvar, nem guardas a proteger. Guarda aberta. Estamos

    aqui pra arriscar. tudo ou nada. Rola o dado e manda ver. Depois, gentao tranco. Ou voc prefere a segurana do seu chozinho? Uma milonguitaque te leve de volta ao natal? Mas agora fui eu que perdi o caminho.Como ia dizendo, deixa de conversa fiada e me golpeie de uma vez. Dedireita ou de esquerda, no importa. Me bote a nocaute. Me atinja nopeito. Na boca do estmago. Me deixe puto. Me irrite. Me alegre. Medeixe triste. Me arrebate. T certo. Eu admito. Foi mesmo isso que vocfez a maior parte do tempo. Eu sei. Voc d mostras de que entende doriscado. Do arriscado. Voc conhece os golpes. Boxeur. Esgrimista. Jazzeur.

    Voc vai direto ao ponto. Do oponente voc conhece os pontos fracos.Voc um atleta da escrita. S no esquea dos seus pontos fracos. aqui que eu lhe pego. J lhe disse alguns. Mas no todos. Desta vez vocvenceu. Mas ainda vou lhe fazer beijar as cordas. So long, bad boy.

    VI.jam session

    Isso uma banca.Isso , uma banca.

    Isso uma banca?Isso uma banca!Isso uma banca?!

    Isso um tribunal?O juzo de Deus?O juzo final?Ou estamos aqui spra desfrutar disso?

    Como num painelde degustaode vinho.Eu gosto disso.Ou no gosto. tudo.Quero saberse sabe a amoras maduras.Se cheira a cravo ou canela.Se reflete tons de rubis.

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    A vida que carregada vida passada na vinha.Da seiva, do sol, do solo.

    Gosto da brevidade.Da concentraoe da intensidade.Da desidratao.

    No gosto detanta explicao.No basta mudaro rodap de lugar.

    No samosda marcenaria.Nem da pedagogia.

    Dos teiqueseu gosto.Do improviso.Do imprevisto.Do fragmento.Do inacabadoque vira acabadoporque no temmesmo jeito.

    Gosto menosquando o teiquevira argumento.Concerto, sinfonia.pera barroca.E o ritorneloincha, engorda.Fica srio.E a canozinhatoma aresde Hino Nacional.

    Do que mais gosteifoi do estilodo comeo.

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    Cheio de bossas,de manhase de patranhas.A gente ficasem saberse o eu o euou se aquele outro.Se o vivido.Ou o inventado. bom ser enganado.

    No d pra no gostar,no comeo ainda,desse tom de non-sense,de papo maluquinho,de conversa descosida.No tem rumonem propsitonem sentido.Mas parece ter.Pura esquizofrenice:como a da famlia Glassde J. D. Salinger.

    E gosto das coisas.As desprezadas coisas.Das desprezadas vidas das coisas.Das sacolinhas e das balanas,dos cabides e das facas.(No ser, talvez, por acaso,que a sesso quase terminacom o casaco de Marx).Agora na casa dessa gentepodiam facilitar as coisase chamar aquele objetosimplesmente de esmeril.

    Adorei os desenhos.Detestei, porm,v-los rebaixadosao vil papel demeras ilustraes.

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    Mereciam melhor sorte.Sem falar no truque,arrabalero, por certo,(ouo o som deum bandoneon),da muchacha que entrou,assim de contrabando,(mas disso eu gostei),nesta jam session.

    No gostei muitodas intimidades.Velho Buk, velho Miller.No por nada, no.

    S sinto que isso da famlia,do eu e do pessoal.E conspira contrao maqunico.

    Desgosta-mea fuso do Bartlebyde Melville-Deleuze

    com o de Vila-Mata.O do prefiro no com odo no escrevo, no.Cuidado com aSndrome Vila-Mata:informao no fabulao.

    Pra terminar

    este gosto-no-gostogostaria de dizerque as piores coisasdisso tudono so minhas.

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    VII. a marche

    a marchequando me pega acontrapelo e me destelha.Quando me desatinae me leva pra China.Quando me tonteiae me faz dizer Ah!

    Quando me pega deplancha e me retalha.Quando me arranha a pelee me lanha a carne.

    Quando di aqui.E me faz dizer Ai!

    Quando me pega dejeito e me transporta.Quando me toca o palatoe me agua o tato.Quando me deixaalto e me faz dizer

    mais quero mais!

    Quando me faz vero que no eu no via.E ouvir o que eu no ouvia.E me carrega pra longe daqui.E me faz dizer Oh!

    Quando no sei se

    o que ouo o que quer dizer ouse o que quer dizer o que ouo.

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    Quando pe tudode ponta-cabea.E o que antes valiano serve pra nada.E o que no valiaagora no tem preo.Quando me faz dizersocorro que me perco!

    Quando me inchade desejo.E me leva juntoe me fundee me derrete.

    E me faz dizerUhm! Aiii! Aaaah!Ooooh! Ahnnn!Sim! Sim! Assim!

    RRRRRecebido em:ecebido em:ecebido em:ecebido em:ecebido em: 02/03/07

    AprAprAprAprAprooooovvvvvado em:ado em:ado em:ado em:ado em: 28/04/07