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Impresso pela primeira vez em 1914.Nova edição em 1949.

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Título original: Art Tradução, notas e apresentação: Rita Canas Mendes Grafismo: Cristina Leal Paginação: Vitor Pedro © The Estate of Clive Bell, 1914 Todos os direitos desta edição reservados para Edições Texto & Grafia, Lda. Avenida Óscar Monteiro Torres, n.º 55, 2.º Esq. 1000-217 Lisboa Telefone: 21 797 70 66 Fax: 21 797 81 03 E-mail: [email protected] www.texto-grafia.pt Impressão e acabamento: Papelmunde, SMG, Lda. 1.ª edição, Abril de 2009 ISBN: 978-989-95884-6-2 Depósito Legal n.º 291517/09 Esta obra está protegida pela lei. Não pode ser reproduzida no todo ou em parte, qualquer que seja o modo utilizado, sem a autorização do Editor. Qualquer transgressão à lei do Direito de Autor será passível de procedimento judicial.

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C O L E C Ç Ã O

O panorama das ideias, do pensamento e das transformações culturais avulta e recorta -se, rico e diverso, na mole de obras e de acontecimentos com que a humanidade foi deixando a sua incisão no corpo irrequieto da história. Neste contexto, a colecção PILARES publicará trabalhos que, além do seu valor intrínseco, encerrem uma garantia de perenidade temática que os possam inscrever no rol de textos fundamentais para a articulação e a conversação, cada vez mais urgente, dos saberes entre si.

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Apresentação

Arte é um dos grandes ensaios sobre Estética do século XX e um marco na história da crítica de arte. As ideias expressas neste texto constituem a essência de uma importante corrente da filosofia da arte – o Formalismo – e as posições do autor são um verdadeiro testemunho do pensamento daquele período. Sempre actual, estamos perante uma obra que, sozinha, foi capaz de agitar os espíritos da época e mudar para sempre o curso da análise estética.

Arthur Clive Heward Bell (1881 – 1964) nasceu no seio de uma abastada família inglesa. Formou-se em História, em Cambridge, onde conheceu artistas e escritores. Em 1902, recebeu uma bolsa para prosse-guir os estudos em Paris. Na capital francesa, o seu encontro com a arte dita uma viragem nos seus interesses e dedica-se, então, ao estudo da pintura. De volta ao país natal, conhece, num serão de amigos, as irmãs Stephen: Vanessa (com quem virá a casar em 1907) e Virginia (mais tarde Woolf). Estão lançadas as bases para o célebre Grupo de Bloomsbury, do qual será um elemento-chave.

Em 1909, Clive Bell cruza-se por acaso com Roger Fry numa viagem de comboio e tornam-se amigos daí em diante. Debatem fervorosamente as questões levantadas pela arte do seu tempo e são ambos activos pro-motores da arte moderna. Em 1910 e 1912, organizam em conjunto as famosas Exposições Pós-Impressionistas. Em 1914, com 33 anos, Clive Bell publica o seu principal trabalho: Arte. Embora alguns elementos, como a concepção formalista e a questão da emoção estética, possam encontrar-se também nos escritos de Fry, o estilo e o modo sistemático com que Bell os trata, são incomparáveis.

Além da originalidade da teoria, Bell escreve sobre estes temas de forma inovadora. Os críticos são desafiados e todo o texto é temperado com humor; a franqueza e perspicácia são uma lufada de ar fresco. Transparece ao longo do texto a intenção de desmitificar a discussão sobre arte, trazê-la da atmosfera elitista e do reino da erudição para um plano acessível.

O título, despojado, marca desde logo o tom auto-confiante que atra-vessa a obra. O projecto é ambicioso: como anuncia no prefácio, pretende «desenvolver uma teoria completa da arte visual». Dos cinco capítulos de que o livro é composto, o primeiro, o mais conhecido e citado, é aquele

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que contém o núcleo da sua teoria. Mas é preciso não perder de vista a obra como um todo. Nas restantes secções, Bell discute outros temas, necessários para a compreensão integral do seu ponto de vista.

No primeiro capítulo, Bell avança aquilo a que chama «a hipótese estética» da definição de arte. A sua abordagem é essencialista, formalista e intuicionista. Essencialista porque acredita haver uma característica comum e exclusiva a todas as obras de arte; formalista porque, segundo Bell, aquilo que distingue uma obra de arte de todos os outros objectos é a forma significante; intuicionista porque, como nos diz, aquilo que permite reconhecer a forma significante é a emoção estética que ela desperta no observador. Apesar das várias objecções que esta teoria tem levantado desde então, as acusações de circularidade ou de elitismo, por exemplo, não foram suficientes para a derrubar. Na realidade, muitos aspectos da sua teoria podem ser questionados – como distinguir a emoção estética de outras? Existe, de facto, uma separação entre forma e conteúdo? Haverá realmente algo de comum entre as várias obras de arte? Porém, a argumentação de Bell, que, aliás, já antecipa as críticas, é convincente na sua coerência. Além disso, não pode deixar de seduzir o leitor quando lhe fala de algo que ele próprio experimenta e que garan-tidamente é comum a todos aqueles que apreciam a produção artística: a sensação de arrebatamento perante uma obra de arte.

Ainda no primeiro capítulo, Bell avança outra proposta, a que chama «a hipótese metafísica». Esta hipótese, em estreita ligação com a primeira, interroga «Porque nos emocionam tão estranhamente certas disposições e combinações de formas?». Admitindo que esta é uma questão mais incerta do que a hipótese formalista, Bell não deixa de especular acerca da origem e natureza da emoção estética, tanto no artista como no observador.

Se o primeiro capítulo é o mais denso no que toca à problematização filosófica da arte, os seguintes não têm menor ambição. São capítulos que visam fundamentar o que se disse no anterior e que dão azo à crí-tica da arte feita segundo a sua história. Todo este exercício culmina no elogio ao Pós-impressionismo e à nova geração de artistas que criou um movimento de ruptura com a época precedente, na qual a arte esteve, segundo Bell, perto da extinção.

Para sustentar as suas afirmações, a autor serve-se da história da arte, esboçando a partir dela um diagrama em forma de cordilheira, em que os picos de criatividade artística contrastam com os escuros vales da mera imitação – metáfora que usará ao longo de todo o texto. Através da sua visão, assumidamente redutora e pessoal, dos momentos da arte,

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APRESENTAÇÃO

Bell critica atitudes, luta contra preconceitos e chama acaloradamente a atenção do leitor para aqueles que julga serem os grandes inimigos desta forma de expressão. As várias ideias contidas neste ensaio são bastante heterogéneas entre si e é a história da História que nos narra aquilo que mantém as partes unidas.

O segundo capítulo visa, como o título indica, averiguar as rela-ções entre a Arte e a Vida. Bell dedica-se à análise desta dinâmica sob diferentes aspectos: Religião, História e Ética. Estes três ângulos vêm consolidar uma definição que nos dá da obra de arte e abrir as portas para os capítulos seguintes. Muito inspirado na obra de G. E. Moore, Principia Ethica (1903), Bell define o objecto artístico como algo que é um fim em si (tal como Moore definia o Bem); assim, a ideia da arte como reprodução é firmemente condenada ao longo de toda a obra. Outros autores terão tido importância no pensamento de Bell – ele, aliás, refere-os: Tolstoi e Whistler, por exemplo –, mas Moore foi quem mais o marcou. Rejeitando a ideia de Tolstoi de que a arte é boa porque promove as boas acções, Bell concede que a arte é veículo para bons estados mentais. Censurando o tom aceso de Whistlter, apesar de tudo, revê-se na sua posição contra-corrente.

Os capítulos subsequentes, os últimos três, são respectivamente dedicados ao passado, ao presente e ao futuro da arte. Clive Bell deixa uma mensagem de entusiasmo e esperança relativamente ao amanhã, ainda que relembrando quão fácil é decair. Sabendo que o autor não empatizava com a arte abstracta – a contrário do que Arte poderia sugerir –, pode-mos perguntar-nos o que diria se testemunhasse o panorama artístico dos dias de hoje. Além de este tratado ser um interessante exercício de reflexão sobre a vida da arte, é também um convite a repensar – quer por analogia quer por contraste – as questões colocadas por Bell à luz das novas problemáticas que surgem continuamente.

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Figura Wei, século VColecção do Sr. Vignier

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Prefácio

Neste pequeno livro procurei desenvolver uma teoria completa da arte visual. Avancei uma hipótese através da qual pode ser testada a res-peitabilidade, embora não a validade, de todos os juízos estéticos; uma hipótese à luz da qual a história da arte, dos tempos paleolíticos até ao presente, se torna inteligível; que, quando adoptada, confere substrato intelectual a uma convicção quase universal e imemorial. Toda a gente crê do fundo do coração que há uma real distinção entre as obras de arte e todos os outros objectos; a minha hipótese justifica esta crença. Todos sentimos que a arte é imensamente importante; a minha hipótese oferece razões para assim pensarmos. De facto, o grande mérito desta minha hipótese é o de explicar aquilo que sabemos ser verdade. Qualquer pessoa curiosa em saber porque chamamos a um tapete persa ou a um fresco de Piero della Francesca uma obra de arte, e a um busto de Adriano ou a um vulgar quadro especulativo 1 chamamos lixo, encontrará aqui satisfação. Verá também que às habituais reacções da crítica – por exem-plo «bom desenho», «concepção magnífica», «mecânico», «desprovido de sentimento», «mal organizado», «sensível» – será dado aquilo que a estes termos por vezes falta: um significado definido. Resumidamente, a minha hipótese funciona; isto é invulgar: para alguns tem parecido não só viável mas verdadeira, o que é quase milagroso.

Apesar de se poder desenvolver adequadamente uma teoria em cinquenta ou sessenta palavras, não se pode pretender desenvolvê -la exaustivamente. O meu livro é uma simplificação. Tentei fazer uma gene-ralização acerca da natureza da arte que fosse simultaneamente verdadeira, coerente e compreensível. Procurei uma teoria que explicasse o conjunto da minha experiência estética e que sugerisse uma solução para todos os problemas, mas não tentei responder pormenorizadamente a todas as questões levantadas nem persegui -las até às mais delgadas ramificações. A ciência da estética é um assunto complicado, tal como a história da arte; espero ter escrito qualquer coisa simples e verdadeira sobre ambas.

1 Problem -picture no original. Trata -se de um género artístico popular no final do período vitoriano que se caracteriza pela narrativa deliberadamente ambígua, passível de receber várias interpretações, ou que retrata um dilema por resolver. Perante este tipo de obra, o espectador é convidado a especular acerca de várias explicações possíveis para a cena retratada. (N. da T.)

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Por exemplo, apesar de ter indicado muito claramente, e até repetido, aquilo que acredito ser essencial numa obra de arte, não debati a relação do essencial com o acessório tão exaustivamente como poderia tê -lo feito. Há muito mais a dizer sobre a mente do artista e a natureza do problema artístico. Resta ao artista, ao psicólogo e ao perito em limitações humanas dizer -nos até que ponto o acessório é um meio necessário para alcançar o essencial – dizer -nos se é fácil, difícil ou impossível ao artista destruir os degraus da escada que o levou às estrelas.

O meu primeiro capítulo resume discussões, conversas e especulações nebulosas que, condensadas em argumentos consistentes, ainda encheriam dois ou três densos volumes; talvez um dia escreva um deles se os meus críticos forem imprudentes a ponto de me provocar. Quanto ao meu terceiro capítulo – um esboço da história dos últimos quatrocentos anos –, trata -se, claro, de uma simplificação. Aqui servi -me de uma série de generalizações históricas para ilustrar a minha conjectura; também aqui creio na minha teoria e sou levado a pensar que todos os que analisarem a história da arte à luz desta perspectiva a acharão mais inteligível do que antes. Simultaneamente, admito de bom grado que, na realidade, os contrastes são menos violentos e as montanhas menos íngremes do que foram pintados, de modo a poderem figurar num esquema deste tipo. Sem dúvida que seria bom se também este capítulo fosse expandido para meia dúzia de volumes legíveis, mas isso não acontecerá até que as doutas autoridades tenham aprendido a escrever ou que algum escritor tenha aprendido a ser paciente.

As conversas e discussões que têm animado e polido as teorias avançadas no primeiro capítulo foram na sua maioria travadas com o Sr. Roger Fry, com quem, por isso, tenho uma dívida difícil de contabilizar. Em primeiro lugar, posso agradecer -lhe, na qualidade de editor -adjunto da The Burlington Magazine, pela licença de reprodução de uma parte de um artigo meu para esse periódico. Feito este reconhecimento, chego a outro mais complicado. Quando conheci o Sr. Fry, numa carruagem de comboio que seguia de Cambridge para Londres, demos connosco a conversar sobre arte contemporânea e a sua relação com toda a outra arte; por vezes, parece -me que desde então nunca mais falámos de outra coisa, embora os meus amigos me garantam que não é tanto assim. Recordo -me de que o Sr. Fry tomara recentemente conhecimento dos modernos mestres franceses – Cézanne, Gauguin, Matisse –, gozando eu da vantagem de uma familiaridade mais antiga. Contudo, o Sr. Fry já tinha publicado o seu Essay in Aesthetics, que, no meu entender, foi a mais útil contribuição para esta ciência desde os tempos de Kant. Falá-

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mos muito desse ensaio, discutindo em seguida a possibilidade de uma exposição «pós -impressionista» nas Grafton Galleries. Não lhe chamámos «pós -impressionista», a palavra foi mais tarde inventada pelo Sr. Fry – o que, a meu ver, torna no mínimo surpreendente o facto de os críticos mais avançados o censurarem muitas vezes por não saber o que significa o «Pós -impressionismo».

Já há alguns anos que eu e o Sr. Fry temos vindo a discutir mais ou menos amigavelmente acerca dos princípios da estética. Ainda dis-cordamos profundamente. Gosto de pensar que ainda não me demovi um centímetro que fosse da minha posição original, mas devo confessar que as reservas e dúvidas cautelosas que se insinuaram neste prefácio são todas elas consequências indirectas das críticas deste meu amigo. E não é só de ideias gerais e de coisas fundamentais que temos falado; eu e o Sr. Fry querelámos durante horas sobre obras de arte particulares. Nesses casos não é possível, nem necessário, avaliar até que ponto um afectou o juízo do outro: penso que nenhum de nós cobiça as duvidosas honrarias do proselitismo. Será que a todo aquele que aprecie uma bela obra de arte deve ser permitido o inigualável prazer de supor que fez uma descoberta? Ainda assim, uma vez que todas as teorias estéticas se baseiam em julgamentos estéticos, parece claro que caso o julgamento de um seja afectado pelo do outro, o outro pode afectar, indirectamente, algumas das suas teorias. É certo que algumas das minhas generalizações históricas foram modificadas, e até demolidas, pelo Sr. Fry. A sua tarefa não foi árdua: teve apenas de me confrontar com uma obra acerca da qual sabia que eu entraria em êxtase, e depois provar -me, através das mais odiosas e irrefutáveis provas, pertencer a um período que eu, servindo--me das melhores bases a priori, considerara estéril. Só posso desejar que a erudição do Sr. Fry tenha sido para mim tão lucrativa como dolorosa: viajei com ele por França, Itália e pelo Próximo Oriente, sofrendo aguda-mente, embora, como gosto de recordar, nem sempre em silêncio – pois o homem que apunhala uma generalização com um facto penhora toda a pretensão de cordialidade e bom trato.

Tenho de agradecer ao Sr. Vernon Rendall, meu amigo, pela auto-rização de usar livremente os artigos com que contribuí de tempos a tempos para The Athenaeum: se fiz algum uso do que por lei pertence aos proprietários de outros artigos, desde já lhes ofereço o que é seu de direito. Os meus leitores estarão tão gratos como eu estou ao Sr. Vignier, ao Sr. Druet, e ao Sr. Kevorkian, da Persian Art Gallery, uma vez que foram eles que se certificaram de que o comprador levará qualquer coisa de que goste em troca do seu dinheiro. Para com o Sr. Eric Maclagan, de

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South Kensington, e para com o Sr. Joyce, do British Museum, tenho uma dívida mais privada e particular. A minha mulher mostrou -se bondosa ao ler tanto o manuscrito como as provas deste livro; corrigiu alguns erros e chamou a atenção para as ofensas mais flagrantes à caridade cristã. Assim, o leitor não deve tentar desculpar o autor com a precipitação ou a falta de advertência.

CLIVE BELL Novembro de 1913

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Prefácio à segunda edição

Para actualizar este ensaio, isto é, para tornar o que sentia em 1911 e 1912 consistente com o que penso e sinto hoje, seria necessário escrever um novo livro. Isso não farei: em primeiro lugar, porque sou preguiçoso; depois, porque, se este ensaio tiver algum valor para as gerações futuras, será na qualidade de registo daquilo que pessoas como eu pensavam e sentiam nos anos que antecederam a Primeira Grande Guerra. Portanto, deixemos que os exageros, as simplificações infantis e as injustiças permaneçam.

Corrigiram -se alguns erros nesta edição ou em anteriores; destes, o mais surpreendente – e que subsistiu durante anos em numerosas edições produzidas neste país e na América – foi a impressão de «Gaugin» em vez de Gauguin. Decerto por culpa dos críticos da minha geração, muitos dos quais não morriam de amores pelas minhas ideias, nem um deles julgou apropriado censurar -me este erro – excepto o Professor Tonks que não era crítico. Não sei se foi a magnanimidade que os impediu de detectar esta tautologia grosseira na minha afirmação da hipótese estética, mas posso dizer que esta nódoa foi apagada há muito. Tanto quanto sei, nunca me repreenderam por uma frase (ainda lá está) que insultuosamente coloca Seurat ao nível de Signac e Cross. A única desculpa para este juízo é a de que vira muito pouco da pintura do mestre e, claro, isto não é justificação para quem se incumbiu de beneficiar o público com as suas opiniões. Por outro lado, gostaria de me desculpar por uma nota difamatória que num outro livro, Landmarks in Nineteenth Century Painting, dirigi a Degas. Degas foi um grande artista, um extraordinário artista. Acontece que eu andava irritado com a moda, que em tempos houve entre os ingleses que pouco sabiam de pintura francesa, de louvar a Cena de Praia em detrimento de outras obras superiores. La Plage está longe de ser uma das obras -primas de Degas, mas é genial, genial de um modo facilmente perceptível. Estava indignado e, como geralmente acontece quando se está exaltado, disse uma tolice.

Estas são imperfeições particulares; as falhas mais gerais não são de todo alheias à juventude. O tom é demasiado confiante e agressivo. Uns ares de propaganda emanam de páginas onde a propaganda não tem cabimento; mas não nos esqueçamos de que acabara de me juntar à

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«batalha pelo Pós -impressionismo». O melhor que Sickert 2 dizia sobre Cézanne era que se tratava de «un grand raté» 3, ao passo que Sargent lhe chamava «desastrado», e o director da Tate Gallery se recusava a expor os seus quadros. Van Gogh era quase diariamente acusado de incompetência e de ser um louco vulgar; Jacques -Emile Blanche disse -nos que quando limpava a sua paleta produzia coisas melhores do que um Gauguin; e quando Roger Fry trouxe um Matisse para o Art -Workers Guild ouviu -se o brado: «álcool ou drogas?». Perder a calma com os «Art--Workers» ou com um professor da Slade 4 pode ser uma tolice, mas não esqueçamos que artistas e críticos reputados – para não falar de roman-cistas, poetas, juízes, bispos, políticos e biólogos – também se juntaram ao clamor. Hackert para Sickert: «Matisse tem todos os maus truques de escola de artes»… «Picasso, como todos os seguidores de Whistler, incorporou os fundos vazios de Whistler sem incorporar a característica que tornava os seus fundos vazios interessantes». Talvez tenhamos feito bem em zangarmo -nos. Contudo, quem quer que leia este livro verá que eu, estando enfurecido, digo coisas absurdas e impertinentes acerca dos gigantes do Alto Renascimento, que subestimo o século XVIII e que, por ridículos motivos doutrinários, julgo necessário descrever a minha admiração pelos impressionistas. O tom do livro, como disse, é demasiado confiante, além de ser agressivo. As generalizações são demasiado amplas; a história de quatrocentos anos, contada em poucas dezenas páginas, não é contada como devia ser no caso de ter de ser contada brevemente – a preto e branco –, sendo antes contada em cores abruptamente contras-tantes, e nalguns casos com cores falsas. Para lá de tudo isto, há ainda um optimismo que, no curso dos acontecimentos dos últimos trinta e cinco anos, se tem tornado risível; mas os acontecimentos não estavam sob o controlo do autor. E, no entanto, ao reler Arte, levando tudo isto em conta, assim como as circunstâncias atenuantes que podem acorrer em sua defesa, não posso deixar de me sentir um pouco invejoso do jovem aventureiro que o escreveu.

CLIVE BELL Charleston, Outubro de 1948

2 Walter Richard Sickert (1860 -1942), pintor impressionista inglês. (N. da T.)

3 «Um grande falhado». (N. da T.)

4 Slade School of Fine Art. (N. da T.)

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1. O QUE É A ARTE?

I. A HIPÓTESE ESTÉTICA

II. ESTÉTICA E PÓS -IMPRESSIONISMO

III. A HIPÓTESE METAFÍSICA

Prato persa, século XI (?) Com autorização do Sr. Kevorkian, da Persian Art Gallery

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I. A Hipótese Estética

É pouco provável que se tenham escrito mais absurdos acerca da esté-tica do que sobre outra coisa qualquer: a bibliografia sobre o assunto não é suficientemente vasta para tal. Contudo, não conheço outra matéria acerca da qual tão pouca coisa pertinente tenha sido dita. Podemos encontrar explicação para isto. Quem quiser elaborar uma teoria da estética plausível tem de possuir duas qualidades: sensibilidade artística e inclinação para pensar com clareza. Sem sensibilidade, a experiência estética é impossível e, evidentemente, teorias que não se baseiem numa ampla e profunda experiência estética são desprovidas de valor. Só aqueles para quem a arte é uma constante fonte de emoção arrebatada possuem os dados a partir dos quais se podem deduzir teorias proveitosas. Contudo, mesmo partindo de dados exactos, é necessário um certo trabalho intelectual para se deduzirem teorias úteis e, infelizmente, um intelecto robusto não é inseparável de uma sensibilidade delicada. Metade das vezes, os pensadores mais esfor-çados não tiveram qualquer experiência estética. Tenho um amigo dotado de um intelecto perspicaz que, apesar de se interessar pela estética, não pode ser acusado de algum dia, em quarenta anos de vida, ter tido uma única emoção estética. Assim, não possuindo a capacidade de distinguir uma obra de arte de um serrote, é capaz de reunir uma montanha de argumentos irrefutáveis a favor da hipótese de um serrote ser uma obra de arte. Este defeito subtrai ao seu raciocínio subtil e perspicaz muito do seu valor, uma vez que, como nos diz a velha máxima, a lógica perfeita pode vencer mas conclusões baseadas em premissas manifestamente falsas pouco crédito merecem. Porém, tudo tem o seu lado positivo: esta falta de sensibilidade, apesar de tornar o meu amigo incapaz de escolher uma base sólida para a sua argumentação, cega -o misericordiosamente perante o absurdo das suas conclusões, permitindo -lhe a plena fruição da sua dia-léctica magistral. Quem parte da hipótese de que Sir Edwin Landseer foi o melhor de todos os pintores não sentirá qualquer apreensão relativamente a uma estética que prove que Giotto foi o pior. Portanto, quando o meu amigo chega muito logicamente à conclusão de que uma obra de arte deve ser pequena ou redonda ou lisa, ou de que, para apreciar integralmente um quadro, devo passear -me diante dele ou fazê -lo girar, não consegue perceber porque lhe pergunto se esteve ultimamente em Cambridge, local que ele por vezes visita.

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Por outro lado, as pessoas que reagem imediata e assertivamente a obras de arte, apesar de, a meu ver, serem mais invejáveis do que os homens de denso intelecto e sensibilidade diminuta, são com frequên-cia igualmente incapazes de falar acertadamente sobre estética. As suas mentes nem sempre são muito ordenadas. Possuem os dados em que qualquer sistema se deve basear, mas falta -lhes geralmente a capacidade de executar inferências correctas a partir de dados verdadeiros. Tendo recebido emoções estéticas de obras de arte, estão em posição de pro-curar a propriedade que as emocionou e que é comum a todas elas; mas, na verdade, não fazem nada disso. Não as censuro. Porque haveriam de se dar ao trabalho de examinar os seus sentimentos, se para elas sentir é suficiente? Porque haveriam de parar para pensar, se pensar não é o seu forte? Porque haveriam de andar à caça de uma propriedade comum a todos os objectos que as emocionam, quando podem demorar -se nos vários e deliciosos encantos peculiares de cada um delas? Assim, se escrevem crítica e lhe chamam estética, se imaginam que estão a falar de Arte quando, afinal, falam de determinadas obras de arte ou mesmo de técnicas de pintura, e se, gostando de obras de arte isoladas, julgam a consideração da arte em geral aborrecida, talvez tenham escolhido a melhor parte. Se a natureza da sua emoção ou a propriedade comum a todos os objectos que a provocou não lhes desperta curiosidade, então contam com a minha simpatia e, uma vez que o que dizem é por vezes encantador e sugestivo, com a minha admiração. Mas não suponha que o que dizem e escrevem é estética: é crítica ou um mero passatempo.

O ponto de partida de todos os sistemas estéticos deve ser a expe-riência pessoal de uma emoção particular. Chamamos obras de arte a objectos que provocam esta emoção. Todas as pessoas sensíveis concordam em afirmar que há uma emoção particular causada por obras de arte. Não quero com isto dizer, evidentemente, que todas as obras de arte provo-cam a mesma emoção. Pelo contrário, cada obra produz uma emoção diferente. Mas identificamos todas estas emoções como pertencentes ao mesmo tipo. Pelo menos, até aqui, a melhor opinião está do meu lado. Penso que a existência de um tipo particular de emoção, provocada por obras de arte visuais, emoção causada por todos os géneros de arte visual (pinturas, esculturas, edifícios, vasos, gravuras, têxteis, etc.), não é con-testada por ninguém que seja capaz de a sentir. Esta emoção chama -se emoção estética e, se formos capazes de descobrir alguma propriedade particular que seja comum a todos os objectos que a provocaram, então teremos solucionado aquele que considero ser o problema central da estética. Teremos descoberto qual a propriedade essencial de uma obra

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de arte, a propriedade que distingue as obras de arte de todas as outras classes de objectos.

Portanto, ou todas as obras de arte visual têm alguma propriedade comum ou então, quando falamos de «obras de arte», dizemos tolices. Todos falamos de “arte” operando uma classificação mental pela qual distinguimos a classe das “obras de arte” de todas as outras classes. O que justifica esta classificação? Qual é a propriedade comum e particular a todos os membros dessa classe? Seja ela qual for, não há dúvida de que se encontra muitas vezes acompanhada de outras características; mas essas são acidentais — esta é essencial. Tem de haver uma determinada proprie-dade sem a qual uma obra de arte não existe; na posse da qual nenhuma obra é, no mínimo, destituída de valor. Que propriedade é essa? Que propriedade é partilhada por todos os objectos que nos causam emoções estéticas? Que característica é comum a Santa Sofia 5 e aos vitrais de Chartres, à escultura mexicana, a uma taça persa, aos tapetes chineses, aos frescos de Giotto em Pádua, e às obras -primas de Poussin, Piero della Francesca e Cézanne? Só uma resposta parece possível — forma significante. São, em cada um dos casos, as linhas e cores combinadas de um modo particular, certas formas e relações de formas, que suscitam as nossas emoções estéticas. A estas relações e combinações de linhas e cores, a estas formas esteticamente tocantes, chamo «Forma Signifi-cante»; e a «Forma Significante» é a tal propriedade comum a todas as obras de arte visual.

Nesta altura pode objectar -se que torno a estética em algo pura-mente subjectivo, uma vez que os meus únicos dados são as experiências pessoais e a emoção particular. Dir -se -á que os objectos que causam esta emoção variam conforme o indivíduo e que, portanto, um sistema esté-tico não pode ter qualquer validade objectiva. A isto deve responder -se que qualquer sistema estético que pretenda basear -se nalguma verdade objectiva é tão manifestamente ridículo que nem vale a pena discuti -lo. Os nossos sentimentos para com uma obra de arte são o nosso único meio de a reconhecermos. Os objectos que provocam emoção estética variam consoante cada indivíduo. Os juízos estéticos são, segundo consta, uma questão de gosto, e os gostos, como todos orgulhosamente proclamam, não se discutem. Um bom crítico pode ser capaz de me levar a ver, num quadro que me deixou indiferente, coisas que me passaram ao lado até que, experimentando a emoção estética, eu reconheça esse objecto

5 O autor refere -se muito provavelmente à Basílica de Santa Sofia (em Istambul), também conhecida como Hagia Sofia. (N. da T.)

I. A HIPÓTESE ESTÉTICA

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como uma obra de arte. A função da crítica é realçar constantemente essas partes (o seu somatório, ou melhor ainda, a sua combinação) que se unem para produzir a forma significante. Mas é inútil que um crítico me diga que algo é uma obra de arte – ele deve fazer com que seja eu próprio a senti -lo, e só o consegue se me levar a vê -lo; ele deve chegar às minhas emoções através dos meus olhos. A menos que me faça ver algo que me toque, não pode forçar as minhas emoções. Não tenho o direito de considerar como obra de arte algo a que não consigo reagir emocionalmente, da mesma maneira que não tenho o direito de procu-rar a propriedade essencial em algo que não senti ser uma obra de arte. O crítico só pode afectar as minhas teorias estéticas se afectar a minha experiência estética. Todos os sistemas estéticos devem basear -se na experiência pessoal – isto é, devem ser subjectivos.

Contudo, apesar de todas as teorias estéticas deverem basear -se em juízos estéticos e de, em última instância, todo o juízo estético ser uma questão de gosto pessoal, seria precipitado afirmar que nenhuma teoria estética pode gozar de validade geral. Porque, embora A, B, C e D sejam obras que me emocionam e A, D, E e F obras que emocionam o leitor, pode muito bem dar -se o caso de x ser a única propriedade que acreditamos ser comum a todas as obras nesta lista. Podemos estar todos de acordo quanto à estética e divergir no que respeita a obras de arte particulares. Podemos divergir quanto à presença ou ausência da proprie-dade x. A minha intenção será mostrar que a forma significante é a única propriedade exclusiva de e comum a todas as obras de arte visual que me emocionam. Pedirei àqueles cuja experiência estética não coincide com a minha que averigúem se, do seu ponto de vista, esta propriedade não é também comum a todas as obras que os emocionam, e se conseguem descobrir qualquer outra propriedade da qual se possa dizer o mesmo.

Também neste ponto se levanta uma questão, certamente irrelevante, mas difícil de reprimir: «Porque ficamos nós tão profundamente emocio-nados com formas que se relacionam de um modo particular?» A questão é extremamente interessante, mas irrelevante para a estética. Em estética pura só interessa considerar a nossa emoção e o seu objecto. Para os fins da estética, não temos o direito, nem a necessidade, de espreitar atrás do objecto o estado mental de quem o criou. Adiante tentarei responder à questão, pois ao fazê -lo poderei desenvolver a minha teoria da relação da arte com a vida. Todavia, não me iludirei, julgando que completo a minha teoria estética. Para uma discussão sobre estética, apenas tem de haver concordância quanto ao facto de que formas dispostas e combina-das segundo certas leis, desconhecidas e misteriosas, nos emocionam de

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um modo particular, e que é tarefa do artista dispô -las e combiná -las de maneira a que nos emocionem. A estas ordenações e combinações tocantes chamei, a bem da conveniência e por uma razão que revelarei adiante, «Forma Significante».

Temos de enfrentar uma terceira interrupção. «Está a esquecer -se da cor?», pergunta alguém. Certamente que não. A minha expressão «forma significante» incluía combinações de linhas e de cores. A distinção entre forma e cor é ilusória – não se pode conceber uma linha descolorida ou um espaço desprovido de cor; da mesma forma que não se pode conceber uma relação de cores destituída de forma. Num desenho a preto e branco, os espaços são todos brancos delimitados por linhas pretas; na maioria dos quadros a óleo, os espaços são multicolores, tal como os limites, e não é possível imaginar um limite sem conteúdo, nem um conteúdo sem limite. Portanto, quando falo de forma significante, refiro -me a uma combinação de linhas e cores (contando o branco e o preto como cores) que me emociona esteticamente.

Algumas pessoas surpreender -se -ão por não ter chamado a isto «beleza». É claro que aos que definem a beleza como «combinações de linha e cores que provocam emoção estética» concederei de bom grado o direito de trocar a sua palavra pelas minhas. Mas a maioria de nós, por mais rigorosos que sejamos, é capaz de aplicar o atributo «belo» a objectos que não provocam aquela emoção específica que as obras de arte motivam. Desconfio que já todos chamámos bela a uma flor ou a uma borboleta. Será que sentimos o mesmo tipo de emoção perante uma flor ou uma borboleta do que aquele que sentimos diante de uma catedral ou de um quadro? Certamente que não chamo sentimento estético ao que a maioria de nós costuma sentir pela beleza natural. Adiante sugerirei que algumas pessoas podem, por vezes, ver na natureza aquilo que vemos na arte e sentir por ela uma emoção estética; mas por ora contento -me com o facto de, em regra, a maioria das pessoas sentir dois tipos de emoção muito diferentes em relação a pássaros, flores e asas de borboleta do que aqueles que sentem relativamente a quadros, vasos, templos e estátuas. Por que razão não nos tocam estas coisas belas da mesma maneira que nos emocionam as obras de arte é uma outra questão, que não pertence à estética. Para o presente propósito, temos apenas de descobrir que propriedade é comum a objectos que nos emocionam como obras de arte. Na última parte deste capítulo, quando tentar responder à questão «porque é que uma combinação de linhas e cores nos emociona tão pro-fundamente?», espero poder oferecer uma explicação aceitável relativa ao facto de outras nos emocionarem menos profundamente.

I. A HIPÓTESE ESTÉTICA

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Uma vez que chamamos «beleza» a uma propriedade que não suscita a emoção estética característica, seria enganador dar o mesmo nome a uma propriedade que o faz. Para tornar a «beleza» no objecto do sentimento estético devemos dar à palavra uma definição rígida e invulgar. Toda a gente usa, de vez em quando, «beleza» num sentido não -estético; a maioria fá -lo habitualmente. Para todos, exceptuando talvez o ocasional esteta, o sentido habitual da palavra é não estético. Não preciso de dar conta do seu gros-seiro abuso, patente nas nossas conversas quotidianas: «bela caçada», «bela pontaria» (isso seria, aliás, convidar um purista a replicar que não se trata de abuso algum); além do mais, aqui não há o perigo de se confundir o uso estético com o não -estético. Mas, quando falamos de uma mulher bela, há. Quando um homem comum diz que uma mulher é bela, seguramente não quer apenas dizer que ela o emociona esteticamente; mas, quando um artista chama bela a uma velha bruxa engelhada, pode estar a dizer o mesmo que diz quando se refere à escultura de um torso. O homem comum, caso seja um homem de gosto, chamará bela à escultura, mas não à velha engelhada, porque, em questão de mulheres, ele não atribui o epíteto à propriedade estética que essa mulher possa ter. De facto, a maior parte de nós não sonha sequer em procurar causas de emoção estética em seres humanos, a quem exigimos algo de muito diferente. Podemos chamar a este «algo», quando o encontramos numa jovem, «beleza». Vivemos tempos benévolos. Para o homem comum, «belo» é, o mais das vezes, sinónimo de «desejável». A palavra não designa necessariamente uma qualquer reacção estética, e sinto -me tentado a pensar que, nas mentes de muitos, o teor sexual da palavra se sobrepõe ao estético. Tenho notado a coerência daqueles para quem a coisa mais bela do mundo é uma mulher bela, e a segunda coisa mais bela do mundo é o retrato de uma mulher bela. A confusão entre beleza estética e sensual não é, no seu caso, tão grande quanto se possa pensar. Talvez nem haja nenhuma, pois talvez nunca tenham tido uma emoção estética com a qual possam confundir as suas outras emoções. A arte a que chamam «bela» está, em geral, estreitamente associada às mulheres. Um retrato belo é a fotografia de uma jovem bonita; música bela é a música que provoca emoções parecidas com as que provocam as jovens em peças musicais; e poesia bela é a que evoca as emoções sentidas, vinte anos antes, pela filha do reitor. É evidente que a palavra «beleza» é usada para designar objectos de emoções muito diferentes, e esse é um motivo para não empregar um termo que causaria inevitáveis confusões e mal -entendidos junto dos meus leitores.

Por outro lado, não tenho discórdia alguma com aqueles que con-sideram mais adequado chamar a estas combinações e disposições de

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formas que são causa das nossas emoções estéticas «relações significantes de formas» em vez de «forma significante», na tentativa de aproveitar o melhor de dois mundos, o estético e o metafísico, designando estas relações como «ritmo». Tendo tornado claro que por «forma signifi-cante» entendo combinações e disposições que nos emocionam de um modo particular, é de boa vontade que me junto àqueles que preferem dar outro nome à mesma coisa.

A hipótese de que a forma significante é a propriedade essencial de uma obra de arte tem, pelo menos, um mérito, negado a muitas outras hipóteses, mais famosas e sedutoras: ajudar a explicar as coisas. Estamos todos familiarizados com quadros que suscitam o nosso interesse e des-pertam a nossa admiração, mas que não nos sensibilizam enquanto obras de arte. A esta classe pertence aquilo a que chamo «Pintura Descritiva», ou seja, pintura na qual as formas são usadas não enquanto objectos de emoção, mas como meios de sugerir emoção ou veicular informação. A esta categoria pertencem quadros de valor histórico e psicológico, obras topográficas, quadros que contam histórias e apresentam situações, bem como ilustrações de todo o tipo. É evidente que todos reconhecemos a distinção; quem nunca disse, de um ou outro desenho, que é uma exce-lente ilustração, mas desprovida de valor como obra de arte? É claro que muitas pinturas descritivas possuem, entre outros atributos, significado formal, sendo, portanto, obras de arte; mas isso não acontece com muitas mais. Podem interessar -nos e emocionar -nos de mil maneiras diferentes, mas não nos emocionam esteticamente. Segundo a minha hipótese, não são obras de arte. Deixam incólumes as nossas emoções estéticas por-que não somos afectados pelas suas formas, mas sim pelas ideias ou pela informação que as suas formas sugerem ou veiculam.

São poucos os quadros mais conhecidos ou mais amados do que A Estação de Paddington de Frith 6; serei certamente a última pessoa com ressentimentos da sua popularidade. Passei minutos sem fim a deslindar os fascinantes episódios que o compõem, inventando para cada um deles um passado imaginário e um futuro improvável. Mas, se é certo que a obra -prima de Frith, ou reproduções dela, proporcionou a centenas de pessoas muitas meias horas de prazer curioso e imaginativo, não é menos certo que ninguém experimentou diante dela um único instante que fosse de êxtase estético; isto apesar de a obra conter várias passagens de cores bonitas e de não estar, de modo algum, mal pintada. A Estação de Paddington

6 William Powell Frith (1819 – 1909), pintor inglês especializado em pintura de género descritivo que viria a tornar -se membro da Royal Academy. (N. da T.)

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não é uma obra de arte, é um documento engraçado e interessante. Neste caso, linha e cor servem para relatar historietas, sugerir ideias e mostrar os costumes e comportamentos de uma época – não são usados para provocar emoção estética. As formas e as relações das formas não eram, para Frith, objectos de emoção estética, eram antes meios para sugerir emoção e transmitir ideias.

As ideias e as informações que A Estação de Paddington nos transmite são tão divertidas e bem apresentadas que o quadro tem um valor consi-derável e merece ser preservado. Porém, o aperfeiçoamento dos processos fotográficos e do cinema está a tornar inútil este tipo de quadros. Alguém duvida de que um daqueles fotógrafos do Daily Mirror, em colaboração com um repórter do Daily Mail, nos pode dizer mais sobre o dia -a -dia londrino do que qualquer membro da Royal Academy? De futuro, para relatos sobre usos e costumes, recorreremos a fotografias acompanhadas de jornalismo inteligente, e não a pintura descritiva. Se os académicos imperiais de Nero tivessem registado em frescos e mosaicos os hábitos e as modas do seu tempo em vez de fabricarem desprezíveis imitações do passado, esse material, apesar de lixo artístico, seria hoje uma mina de ouro histórica. Tivessem eles sido Friths em vez de Alma -Tademas 7! Mas a fotografia tornou impossível semelhante transmutação do lixo moderno. Assim, temos de admitir que os quadros na tradição do de Frith se tornaram supérfluos, consumindo horas de trabalho a homens competentes, que poderiam ser mais proveitosamente empregues noutras obras de maior benefício. Contudo, não são desagradáveis, o que já é mais do que pode ser dito daquele outro género de obras de pintura descritiva, do qual O Médico 8 é o mais flagrante exemplo. É claro que O Médico não é uma obra de arte. Nele, a forma não é usada como objecto de emoção, mas como meio de sugerir emoções. Só isto bastaria para ser nula, mas é pior do que nula porque a emoção que sugere é falsa. Aquilo que sugere não é pena e admiração, é antes um sentimento de complacência para com a nossa própria compaixão e generosidade. É sentimentalista. A arte está acima da moral, ou melhor, toda a arte é moral porque, como espero mostrar de seguida, as obras de arte são um meio de acesso ime-diato ao bem. Quando uma coisa é julgada como obra de arte, ganha a maior importância ética e colocamo -la fora do alcance do moralista.

7 Sir Lawrece Alma -Tadema (1836 -1912), proeminente pintor da corrente neoclássica europeia que buscava inspiração na Antiguidade greco -romana. (N. da T.)

8 O autor refere -se à obra de Sir Samuel Luke Fildes (1843 -1927), membro da Royal Academy. (N. da T.)

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Mas pinturas descritivas que não são obras de arte (e que, portanto, não são necessariamente meios para chegar a bons estados mentais), são bons objectos de estudo da ética. Não sendo uma obra de arte, O Médico não tem nenhum do imenso valor ético que possuem todos os objectos que provocam o arrebatamento estético e, além disso, o estado mental para o qual é meio, enquanto ilustração, parece -me indesejável.

As obras desses jovens empreendedores que são os futuristas italianos são exemplos notáveis de pintura descritiva. Tal como os membros da Royal Academy, eles usam a forma, não para provocar emoções estéticas, mas para transmitir informação e ideias. De facto, as teorias divulgadas pelos Futuristas provam que os seus quadros não têm absolutamente nada que ver com arte. As suas teorias sociais e políticas são respeitá-veis, mas gostaria de sugerir aos jovens pintores italianos que é possível ser -se futurista no pensamento e na acção, não deixando por isso de ser artista, caso se tenha tido a sorte de para isso nascer. Associar a arte à política é sempre um erro. Os quadros futuristas são descritivos porque pretendem apresentar em termos de linha e cor o caos da mente num dado momento; as suas formas não têm o objectivo de suscitar a emoção estética, mas sim o de transmitir informação. E diga -se de passagem que estas formas, qualquer que seja a natureza das ideias que sugerem, são, em si mesmas, tudo menos revolucionárias. Nas pinturas futuristas que vi – exceptuando talvez algumas de Severini –, o desenho, sempre que se torna figurativo, o que é frequente, pertence àquela convenção deli-cada e vulgar que Besnard tornou moda há uns trinta anos e que muito marcou os estudantes de Belas Artes desde então. Como obras de arte, as pinturas futuristas são insignificantes; mas não é como obras de arte que devem ser avaliadas. Um bom quadro futurista triunfaria do mesmo modo que triunfa uma boa observação psicológica: revelando, através da linha e da cor, as complexidades de um estado mental interessante. Se estas obras futuristas fracassam, devemos procurar uma explicação, não na falta de qualidades artísticas que não estavam destinados a possuir, mas nas mentes cujos estados mentais se pretendem revelar.

A maioria das pessoas que se interessa vivamente pela arte verifica que as obras que mais as emocionam são, em grande medida, aquelas a que os estudiosos chamam «primitivas». É claro que destas há exempla-res de fraca qualidade. Por exemplo, lembro -me de ter ido ver, cheio de entusiasmo, uma das mais antigas igrejas românicas em Poitiers (Notre--Dame -la -Grande) e de a ter achado tão mal proporcionada, ultra -decorada, grosseira, bojuda e pesada como qualquer um dos edifícios das classes altas concebido por um desses sofisticados arquitectos que prosperaram

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mil anos antes ou oitocentos anos mais tarde. Mas excepções como esta são raras. Por norma, a arte primitiva é boa – e também aqui a minha teoria se revela pertinente –, uma vez que, regra geral, não possui pro-priedades descritivas. Na arte primitiva não encontramos representações precisas, apenas forma significante. No entanto, nenhuma outra arte nos emociona tão profundamente. Quer consideremos a escultura suméria ou a arte egípcia pré -dinástica, a arte grega arcaica, as obras -primas das dinastias Wei e T’ang 9, as obras japonesas primitivas como aquelas cujos soberbos exemplos tive a sorte de ver (especialmente dois Bodhi-sattvas 10 de madeira) na Exposição de Sheperd’s Bush 11 em 1910, ou então, mais perto de nós, a arte bizantina primitiva do século VI e os seus desenvolvimentos primitivos entre os bárbaros do Ocidente, ou ainda, mais distante, a misteriosa e soberba arte que floresceu na América Central e do Sul antes da chegada do homem branco, encontraremos, em todos os casos, três características comuns: ausência de representação, ausência de exibicionismo técnico, e forma sublime. É igualmente fácil detectar a conexão entre as três. O significado formal perde -se quando há a preocupação com a representação exacta e com a ostentação das habilidades 12.

9 A existência de Ku K’ai -chih torna claro que a arte deste período (séculos V a VIII) foi um típico movimento primitivo. Chamar à magnífica arte vital das dinastias Liang, Chen, Wei e Tang um desenvolvimento da muitíssimo refinada e já desgastada arte da decadência Han – da qual Ku K’ai -chih é um precioso exemplo tardio – é o mesmo que chamar à escul-tura românica um desenvolvimento de Praxíteles. Entre ambos, alguma coisa sucedeu que revitalizou o curso da arte. O que aconteceu na China foi a revolução emocional e espiritual como consequência da introdução do Budismo.

10 Na tradição budista, Bodhisattva significa «ser iluminado». Neste caso, o autor refere -se a um qualquer par específico de representações artísticas desta figura, alvo de muita veneração no Oriente e não só. (N. da T.)

11 Um distrito de Londres. (N. da T.)

12 Não quer isto dizer que a representação seja em si uma coisa negativa. É indiferente. Uma forma perfeitamente representada pode ser insignificante, mas sacrificar o significado à forma é fatal. A controvérsia entre significado e ilusão parece ser tão antiga quanto a própria arte e tenho poucas dúvidas de que o que torna a maior parte da arte paleolítica numa coisa tão má é a preocupação com a representação exacta. Evidentemente que os desenhadores paleolíticos não tinham noção do significado da forma. A sua arte assemelha -se à dos mais competentes e sinceros membros da Royal Academy: é um pouco melhor que a de Sir Edward Poynter e um pouco pior que a do falecido Lord Leighton. Que isto não é um paradoxo é o que provam os desenhos das grutas de Altamira ou obras como os esboços de cavalos encontrados em Bruniquel, e que actualmente se encontram no Museu Britânico. Se a cabeça de uma jovem, em marfim, descoberta na Grotte du Pape, em Brassempouy (Museu St. Germain), e o busto

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Page 31: AArte miolo.indd 1rte miolo.indd 1 221-03-2009 1:14:551-03-2009 … › anexos › produtos › ... · 2009-07-22 · Avenida Óscar Monteiro Torres, n.º 55, 2.º Esq. 1000-217 Lisboa

Índice

Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 Prefácio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 Prefácio à segunda edição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

1. O QUE É A ARTE?

I. A Hipótese Estética . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 II. Estética e Pós -Impressionismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 III. A Hipótese Metafísica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45

2. ARTE E VIDA

I. Arte e Religião . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59 II. Arte e História . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69 III. Arte e Ética . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75

3. A ENCOSTA CRISTÃ

I. A Ascensão da Arte Cristã . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83 II. Grandeza e Declínio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91 III. O Renascimento Clássico e as suas Maleitas . . . . . . . . . . . . . 101 IV. Alid ex Alio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113

4. O MOVIMENTO

I. A Dívida para com Cézanne . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123 II. Simplificação e Design . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131 III. A Falácia Patética . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 143

5. O FUTURO

I. Sociedade e Arte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151 II. Arte e Sociedade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 163

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