Abaixao e a Esquerda Uma Analise Do Exercito Zapatista

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    ABAIXO E ESQUERDA:UMA ANLISE HISTRICO-SOCIAL DA PRXIS DOEXRCITO ZAPATISTA DE LIBERTAO NACIONAL

    Alexander Maximilian Hilsenbeck Filho

    Marlia, vero de 2007

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    Banca Examinadora

    Defesa

    Orientadora: ___________________________

    Ftima Cabral

    Examinador: ____________________________

    Isabel Maria Loureiro

    Examinador: _____________________________

    Lcio Flvio Rodrguez de Almeida

    Qualificao

    Examinador: ____________________________Joo Bernardo Maia Viegas

    Examinador: _____________________________

    Alejandro Buenrostro y Arellano

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    Alexander Maximilian Hilsenbeck

    e Maria Eulina

    (junach kotan...)

    (...um s corao)

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    Agradecimentos acadmicos:

    Agradeo a Ft ima Cabra l , que pr ime i ro fo i minha pro fessora na poca dagraduao, depo is tu to ra pe lo PET-CS e or ien tadora no mes trado. A e la , devo aat e n o m i nu ci osa c om q ue t r a t o u n osso t r a bal h o, o r i go r n as c or r e e s eapontamentos, mas, pr inc ipalmente, a l iberdade e o car inho v ivenc iado. Agradeot a m b m , ao Jo o Be rn ar d o e ao Al ej a n dr o Bu en r ost r o p el a l ei t u ra at e nt a ecomen t rios pe r t i nen tes p r ime ira verso deste t r abalho, assim como pelasant erio res e post eri ores conversas pessoais e el et rnic as. Ao Carl os Aguir re Rojas e aoGilberto Lpez y Rivas, pelas longas conversas e esclarecimentos suscitados. Assimcomo a Isabel Loureiro e ao Lc io Flvio pela le i t ura cr t ica e generosa do t rabalho.Ao PET-CS pel a bol sa concedid a dur ant e a graduao e a CAPES pel o f inanciam ent o nomestrado, assim como a Moradia Estudanti l da Unesp-Marl ia. Esse trabalho tambmno poderia ter s ido concretizado sem o f inanciamento que a sociedade, sabendo ouno, ef et ivou, e ainda, aqueles que geralm ent e so esquecidos, os sem-rosto, os sem-

    voz da Universidade, mas sem os quais tampouco esse trabalho seria possvel, a todosos func ionr ios: da b ib l io t eca ao pessoal da l im peza, dos v igias aos professores,m inh as sin cer as sauda es.

    Agradecimentos extra-acadmicos:

    (que no excluem as pessoas citadas academicamente)

    Agradeo a t od@s @s ami g@s, pel os bel os m oment os em que vi vem os j unt os, asnamoradas, os passe ios, as angst ias compar t i lhadas, os a lmoos cole t ivos, asperegr inaes noturnas , as lu tas em comum, enf im, todo o mic ro-mundo que nsc r iamos para resi st i r e sobreviver . Po r j untos no te rmos acei to a moral dosvencedores, por permanecermos insubmissos, por no nos rendermos, por no nosvendermos, enquant o por t oda parte se compr a e se consome a m ent ira que im pede oo lhar rec proco. Nest es anos aprendemos a d izer companhe i ra e companhe i ro at od@s, que como ns acredi t am e lut am por outro mundo, e a inda que no t enhamosa cert eza da vit r ia, que lut emos para que o mundo no nos mude.

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    Resumo:

    Pretende-se estudar o Exrcito Zapatista de Libertao Nacional, movimento indgena pol t ico-socialarmado, que ir rom pe na cena pblica em pr im eiro de j aneiro de 1994, no sudest e do Mxico, Chiapas.At r a v s d a a pr e en so a na l t i ca d as cau sa s e m o t i vae s d est e s i n su r ge nt e s, b em com o d odesenvolv imento de seu processo de lu t a e do seu pro j eto pol t ico, re lacionar suas inovaes no

    quadro da conf l i t ua l idade socia l , com vistas a real izar um quadro anal t ico que possib i l i t e apontar opapel ocupado pel o zapatismo na lut a social, bem como as possveis l imit aes e superaes que estasexperincias trazem consigo para o pensamento e para os movimentos sociais.

    Palavras-chave: EZLN, zapat ista, lut as sociais.

    Abstract:

    I t is intended to analyze the Zapatista Army of National Liberat ion, an indigenous social-poli t ical armybased movement t hat bursts into t he public scene in January f i rst , 1994, in t he southeast of Mxico, atChiapas. Through t he analyt i cal apprehension of t he causes and mot ivat ions of t hese rebels, as well ast he development of i ts st ruggle process and i t s pol i t ica l pro ject , to l ist i t s innovat ions in t he f rameof the socia l conf l ic ts, in tending to do an analysis that makes possib le to point the par t p layed byzapat ismo in the soc ial st ruggle , as we l l as t he possib le l im i ta t ions and overcomings t hat theseexper iences br ing wit hin for t he thought and the social movements.

    Key words: EZLN, Zapat ista, social str uggle.

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    Sumrio

    Int r od u o. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 08

    PARTE I: Os fundamentos do levante indgena em Chiapas

    Fim da Hist r ia: A con j untu ra zapat i st a . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .18

    A De m oc rac ia Di t a t o ri al . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 1

    Er a u m a ve z. . . o s vo t o s. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27

    Comeam a ru i r as s l idas bases do Par t ido-Est ado: do nac ional-popul ismo aon e o l i b e r a l i s m o . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 9

    Mxico: antes vale ser a cauda do leo, ao i nvs da cabea do rat o . .. . . . . . . . . . 32

    Chiapas: ent re a m isria pr-m oderna e a modernizao neolib eral da mi sria. .38

    PARTE II: A luta indgena por um mundo de muitos mundos

    Que caso t ienes qu i ta rnos e l pasamontaas s i para us tedes todos los nd ios soni gual es?. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 2

    Campons ou ndio? Ampl iao no concei t o de c lasse soc ial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67

    Mot i vos de su rg imen to do EZLN. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .86

    A guerr i lha urbana e os indgenas: A transformao de uma vanguarda revoluc ionr i aem exrcit o de def esa indgena. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9 1

    O Cr i sto j ust i ce i ro: o papel da Igre j a. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .105

    A herana de Em il i ano Zapata, a rel ao com o t err i t r io e a sociedade civ i l . . 110

    A guer ra de 12 d ias e 13 anos. . . por enquan to . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .115

    G u e r r i l h a M i d i t i c a . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 2 3

    A po l t i ca no mundo encantado da md ia e da comunicao. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 144

    PARTE III: Polm icos e ambguos avanos na conceitualiz ao de novas relaes e

    prticas sociaisNos passos das Declaraes da Selva Lacandona: Impl icaes teri co-prt icas para aapreenso da soc iedade c ivi l , do Est ado e do poder . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .153

    Zap at i sm o e De m oc rac ia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 94

    Autonomia e Acordos de San Andrs Sacamch em de los Pobres.. . . . . . . . . . . . . . . . . . 205

    A m o d o d e o t r a conc luso: Impac tos da zezta, encruz i lhadas e ressonnciaszap at i st a s. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 221

    Bibliografia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 2 9

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    Introduo

    O propsi to desta d isser tao anal isar o Exrc i to Zapat is ta de L iber tao

    Nacional EZLN - , moviment o indgena pol t ico-soc ial armado, que i r rompe na cena

    pb l ica em 1 de j ane i ro de 1994, num escond ido r inco do sudest e mex icano,

    exa tamen te na da ta em que ent rava em vigo r o T ra tado de Li v re Comrc io da

    Amrica do Nort e NAFTA -, num a conj unt ura que se apregoava o f im das alt ernat ivas

    con t ra a o rd em soc ial vi ge nt e , e em q ue a hi st r ia t e st e m unh ar a o f i m d a

    bipol ar idade no cenrio m undial, que m arcou os anos da Guerra Fria .

    Chama a ateno a lgumas pecul iar idades desse movimento, como o fato de

    adotarem a via armada visto que estas formas de experincias na Amrica Latina e

    Central no foram bem sucedidas, e nos poucos casos em que lograram algum xito,estes passavam por um processo de refluxo, salvo casos isolados, como Cuba. No

    obs tan te , em apenas 12 d ias de con f l i to a rmado o EZLN ado tou a t t i ca de no

    confront ar bel i cament e o Est ado mexicano, t t ica essa que perdura at os dias atu ais,

    com alguns pequenos int erst c ios. Alm disso, o m oviment o, no decorrer de mais de

    13 anos de insurre io pbl ica e v inte e trs de formao de fato, inovou de vr ias

    maneiras e quest ionou diversos post ulados da l ut a dos movim ent os e for as sociais de

    esquerda e progressist as, em decorrnc ia das prpr ias t ransform aes t er icas eprt icas pela qual passou. Inovaes que resul t aram em demandas e re iv indicaes

    que, para alm de quest ionarem cert as t radies e cnones das t eorias e experincias

    dos mov imentos de esquerda do l t imo scu lo , apontaram com novas fo rmas de

    organizao e de se fazer poltica.

    So vrios os elementos marcantes do Exrcito Zapatista: seus comunicados,

    escri tos em sua maior ia pelo Subcomandante Marcos, recheados de uma l inguagem

    l i t e rr ia , pot ica e sincr t ica mui t o mais que c ien t f i ca - , que desvanece o muroerguido entre dois mundos, o branco oc identa l e o indgena maia; a ut i l izao dos

    avanos t ecnolgicos como est rat gia do confl i t o; as for mas de confl i t o desenvolvidas

    ao l ongo desses anos e m aneiras encontr adas para solucionar suas demandas; o for t e

    t eor democrt ico e de conta to com a sociedade c iv i l e o fa to de no pre tender

    tomar o poder do Est ado, ent re out ros, so a lguns dos aspect os re levan tes do

    movim ent o, a serem aqui considerados.

    Pretendemos, alm de entender anal i t icamente as causas e motivaes destesinsurgentes e r elacionar suas inovaes no q uadro da confl i t ual idade social, real izar

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    uma an l ise que possib i l i t e apont ar possve is l imi t aes e superaes que est as

    exper inc ias t r azem consigo para as l u tas de esquerda mund ial , em favo r da

    emancipao humana. Para tanto, vamos recuperar a lgumas de suas exper inc ias,

    apreender l ies, tticas e estratgias. Procuramos ver o que se conserva de valor

    geral na teor ia polt ica zapatista ao longo desses 13 anos de EZLN e 23 anos delu ta soc ia l , sem nos esquecer do momento par t icu la r e con jun tura l em que essas

    t eor ias fo ram sendo c r iadas e desenvo lv idas, a f inal , ao t ent armos apreender a

    t eor ia do zapat ismo no podemos negl igenc iar que o co t id iano do movimento

    responde a uma in t r i ncada rede con j unt u ra l , a re laes de fo r as nac ionais e

    int ernacionais, int ernas e ext ernas ao zapati smo. Nesse sent ido, nos deparamos com a

    coexistncia de d i st i n tas t eor ias e v i ses de mundo , o que acaba por dar ao

    mov imento um car ter por vezes bas tante ambguo. Nosso desaf io maior , aqu i , apreender essa ambigidade no seu prprio movim ent o.

    Em suma, o objet ivo centra l desta d isser tao o de entender as causas e

    fa to res que mo t i varam os insu r rec tos zapat i stas a se levan ta rem em a rmas e

    declararem guerra ao Est ado m exicano, o que l evou comunidades indgenas int eiras a

    se lanarem em uma em preit ada de quase suicdio , e no decorrer dest a, a l evantar

    a bandeira de dignidade no apenas para el es, mas para todos . Tambm se pretende

    aqui apr esent ar as possveis novidades que o EZLN t raz para as lut as dos movim ent ossociais at ravs de seus d iscursos e aes, e acompanhar o conseqent e debate

    susc i tado no se io da in te lec tua l idade, apresentando e prob lemat izando d i fe rentes

    interpretaes. Pelo fato da luta travada pelo EZLN e as comunidades zapatistas ser

    uma exper incia h ist r ica de enorme im port ncia, um a t entat iva de suma re levncia

    de construo de um mundo onde caibam vr i os mundos, a p rpr ia p r t ica e ta re fa

    desses insurgentes transcende qualquer programa, in terpretaes e argumentos. O

    que no inval ida, porm, os esforos de anlise e apreenso r igorosa dos intr incados

    caminhos de l ut a a que esses povos se lanaram no t err i t r io mexicano.

    So diversas as dif iculd ades em se escrever sobre um obj et o vivo , sobre um

    movimento em movimento , que se constri em relao quando no oposio a

    um m oment o e processo t o import ant e da h ist r ia cont empornea da Amr ica Lat ina

    e do m undo. Apesar de t rat armos da hist r ia v iva , part im os da suposio da val idez

    ter ica e metodo lg ica da an l ise do presente e do passado recente , a t ravs do

    processo de conhecimento histr ico r igoroso e cientf ico da real idade social. Um dos

    problemas mais ev identes para ns a d is tnc ia geogrf ica e, mais do que isso, a

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    quase impossib il i dade de pene t rao no se io do EZLN, por mo t i vos bv ios de

    preservao de seus segredos de organizao e de proteo fs ica dos combatentes.

    Essa barreira tentamos superar com a viagem de campo ao Mxico, de dezembro de

    2006 a j aneiro de 2007, oport unidade em que pudem os conviver por um t emp o com os

    insurgent es nas prpr ias comunidades zapat ist as. Cer tamente , uma part ic ipaocot idiana e dur adoura no seio dest as comunidades e do prpr io EZLN poderia i l umi nar

    inmer os aspect os da real id ade chiapaneca que a quanti dade de publ icaes recent es

    relata, mas que por vezes revelam uma descr io super f ic ia l , quando no ext ica do

    movimento . Alm da, por vezes, duv idosa qual i dade, h rela t i va escassez de

    informao sobre o EZLN, par t icu larment e no Brasi l , referent e ao per odo ant er ior

    insur re io de 1 de j ane i ro de 1994. Tentamos m ui tas vezes superar est e fa to r ,

    recor rendo a abundante o fer ta de tex tos e ar t igos d isponve is na In ternet , o quedemandou um t rabalho considervel p ara selecionar art igos de r i gor e valor analt i cos;

    tambm visitamos diversos centros de pesquisa e Universidades em Chiapas, Oaxaca e

    na Cidade do Mxico, alm de uma srie d e sebos e l i vrar ias, semp re com o int uit o

    de colher e comparar cr i t icamente as informaes.

    Outr o cont rapont o a essa d i f icu ldade com a b ib l iograf ia f o i a generosidade de

    amigos mex icanos que nos env iaram uma grande quant idade de tex tos , an l ises ,

    dados e l i vros sobre o EZLN e o Mxico. Tambm nos valemos de diversas conversasreal i zadas com mex icanos estud iosos do t ema, com os quais pudemos t rocar

    percepes e inf ormaes e t ambm ut i l izamos alguns documentr ios que ret ratam a

    situao vivida pelos zapatistas.

    Ainda com re lao s font es e a aprox imao com o universo zapat ist a, foram

    muito importantes os diversos eventos de pesquisa cientf ica (no Brasi l e na Amrica

    Lat ina), nos qua is pudemos co locar prova mui t as das id ias aqu i de fend idas,

    const ru indo um d ilogo fecundo com out ras posies e i n te rpre taes. Essa

    experincia nos aj udou a ajustar a l inha de interpretao e de exposio, dif iculdade

    essa acent u ada q uand o se t r at a d e t o m ar conheci m ent o d e um a cul t ur a

    paradoxa lmente semelhante e d is t in ta da bras i le i ra , como a cu l tu ra mex icana.

    Conforme argumenta uma amiga de Oaxaca, Mxico e Brasil so dois pases siameses

    que f oram separados no espao.

    Caut elosos, pois, para no cairmos na armadi lha das general izaes entre os

    dois pases, buscamos entender a formao histr ica daquela nao, seus elementos

    const i tu t ivos, seus nexos h is tr icos, para termos uma v iso ampla e mais prx ima

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    poss ve l da rea l idade daque le povo. Contudo, impor tan te ressa l ta r que, mesmo

    preservando suas singular idades, entendemos o que ocorre no Mxico como um dos

    r ef l e xo s d e u m p r oj e t o p ol t i c o e co n m ico q ue n os p e r m it e r ef l e t i r so br e t o d a

    cond io da Amr ica La t ina . Logo, mui to do que se ques t iona e se aponta nes te

    t rabalho pode, em relat iva medid a, ser est endid o para a real idade de out ros pases docont inente.

    Sempr e que possvel, procuram os deixar que os prprios zapat ist as falassem

    sobre suas id ias e cond ies, assim, p r iv i legiamos a exposio de d iscursos,

    comunicados e entrev is tas com integrantes do EZLN, o que mantm o texto o mais

    prx imo possvel do que e les procuraram demonst rar , inc lusive os d iversos t ipos de

    t eores cont idos em seu discurso. Sobre est e f ato o l eit or r eparar que nos valemos de

    diversas fontes de consulta sobre os comunicados do EZLN (desde pginas da Internete compi laes em l iv ros que contm a t o ta l idade dos d iscursos, comunicados e

    ent rev ist as, e a inda a t raduo dest es recursos comunicac ionais dos zapat ist as,

    d isponve l em CD-ROM e pginas da Int ernet ) , e nest e sent ido , considerando a

    quant idade de i nformao ut i l izada e para f ac i l i t ar as consul t as especi f icament e aos

    t ex tos e documentos zapat ist as a que nos re fer imos, colocamos, geralmente , as

    ref ernci as a esses em not as de r odap.

    Feita a seleo e recorte desse material, procedemos a anlise cotejando combibl iograf i a especf ica, mas t ambm outras de cart er mais t er ico, com o int u i t o de

    cons t ru i r uma apreenso po l t i co-c r t i ca do mov imento e da con jun tura mex icana.

    Essa d iscusso a largada sobre a conjuntura de fundamental importnc ia para a

    compreenso no s do levant e zapat ist a, mas para ident i f icarmos em que m edida a

    exper inc ia desses insu rgentes se con f igu ra em uma al t e rnat i va para out ros

    movim ent os sociais anti capit al ist as. relevant e recordar que no caso do zapat ism o, a

    fa l t a de uma discusso t er ica, a inex ist nc ia de um est udo cr t ico das exper incias

    bem sucedidas e t ambm dos seus erros, im possibi l i t am um a snt ese dial t ica que nos

    permita ir superando a atual s i tuao em que nos encontramos. Nosso intuito no se

    reduz, por tant o , a uma desc r io do fenmeno zapat i st a no Mxico, ainda que

    t enhamos ded icado bast ant e espao para a apreenso do seu modus operand i .

    Entendemos que exist em par t icula r idades nesse mov iment o capazes de fo rnecer

    e lemen tos, se j a para uma re formu lao de ao p rt i ca, se ja para repensa r e

    redimensionar alguns conceitos que a esquerda tradicional acabou por engessar ao

    longo do sculo XX.

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    Esta no uma tarefa que se esgota aqui, ao contrr io. Pretende-se com este

    t rabalho dar con t inuidade a uma d iscusso fecunda a respe ito da expe rinc ia

    zapatista, discusso essa que supere, com o tempo, os aspectos fenomenolgicos e

    invar iave lmente apo logt icos a que se reduz grande par te do mater ia l d isponve l

    sobre o EZLN.Com esse intu i to, d iv id imos nosso trabalho em trs par tes, e cada uma delas

    vem subdiv id ida em captu los e tpicos que, acredi tamos, so necessr ios para a

    reconst ruo crt i ca da experincia zapat ist a.

    Outro esclarecimento que se faz necessrio antecipar que uti l izaremos neste

    trabalho os termos EZLN, zapatistas ou neozapatistas como sinnimos, salvo alguns

    mom ent os especf icos no t ext o. Assim procedem os t endo em cont a que das dist int as

    ver tentes que conformam o movimento o zapat i smo armado, o EZLN; o zapat ismosocial, as comunidades ind genas zapat ist as; e o zapat ismo c iv i l , t an to nac ional

    quant o int ernacional , form ado pelos comit s de sol idar iedade , a ver t ente armada e

    a social do zapat ism o est o unidas indissoluvel m ent e no EZLN.

    Na p r ime i ra pa r te , os se is tp icos p ropem uma an l i se de con jun tu ra da

    si t uao m exi cana cont em por nea, conj unt ur a essa que f om ent ou,

    subterraneamente, o levante de Chiapas. Suje i tados a uma condio de ex is tnc ia

    pr-moderna, os indgenas mexicanos mais de 15% da populao do pas vem suasi tuao e de quase toda a populao se agravar pela in troduo de pol t icas

    neoli berai s. Essa sit uao se agrava quand o d a adeso do Mxico ao NAFTA, o que , na

    pr t ica , s ign i f i cava perda maior de autonomia , ma is sacr i f c ios para a popu lao

    m ex ic ana e, c onseq ent e m ent e , aum e nt o c onsi der vel d a p ob reza. o

    acontec im ento em blemt ico que marca o levante chiapaneco.

    Na segunda par te, em nove tpicos, d iscut imos as razes da luta indgena no

    Mxico e as pr i ncipais caract erst icas do EZLN. Trata-se da p art e m ais longa de nosso

    t raba lho , momento em que rea l izamos uma recons t i tu io e qua l i f i cao da lu ta

    empr eendida por suj eit os at ent o invisveis para o poder m exicano e para o rest o do

    mundo. Nes ta segunda par te es t , por tan to , o aspec to cent ra l do nosso t raba lho ,

    quando p rocuramos const ru i r nosso obj e to em suas d i fe rent es e por vezes

    cont radit r ias for mas organizat ivas. Discut im os suas t t icas e est rat gias inovadoras

    para um m oviment o desse port e e dessa nat ureza, pr ocurando descobrir as novidades

    que os indgenas mexicanos trazem para luta de c lasses. tambm o momento de

    confront ar essas novidades t erico-prt icas tr azidas pelos zapat ist as, com as prt icas

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    comumente ut i l izadas pela esquerda tradic ional . Busca-se, por tanto, apreender no

    s a par t icu lar idade desse m ovimento, mas d iscut i r a fora im perat iva da guerr i lha

    m i d it i c a , e st r a t gi a i nau gu rad a p or e sse c on t i nge nt e i nd ge na q ue vi ve

    marginalizado na selva mexicana.

    O zap at i sm o com u m ent e t e m si do i nt e rp ret a do co m o u m m o vi m en t or evi si on i st a o u r ef o r m ist a d em o cr t i c o, f r ut o d e u m a l e it u r a p osi t i vi st a e d o

    engessamento de det erminados concei tos-chave para a esquerda. Queremos aqui

    adiantar que durante a const ruo dest e t rabalho passamos a entender o zapat ismo

    como um movim ent o novo, com novos elem entos, m as que no pode ser abst rado das

    exper inc ias revolucionr ias dos l t imos sculos e da herana t er ica de lut a, sob o

    r i sco de no compreendermos o p resent e desse movimento . Tal ap reenso fo i

    possvel a part ir no s da reconst ruo do zapati smo, expost o na segunda parte, mast ambm do d i logo que est abelecemos com dist in t os pensadores que t emat izaram a

    t ransfor mao social, buscando sit uar esse m oviment o e sobret udo sua cont r ibuio

    t er ico-prt ica na longa t radio de lut a soc ia l para a emancipao humana, a inda

    que no ex ist a uma f i loso f ia -po l t i ca zapat ist a no sent ido est r i t o e r igoroso do

    termo, mas uma sr ie de pensamentos , concepes e conce i tos da po l t i ca e do

    hom em com pret enses uni versais ou passveis de uni versalizao.

    nesse sent ido, port ant o, que nossos esfor os no se esgot am nas descriesdas pr t icas do EZLN, mas avana para a compreenso de mundo que or ien ta a

    hodierna lut a zapat ist a. A compreenso que esses povos t m sobre soc iedade c iv i l ,

    Est ado, democrac ia, entre outras, in ter fere d i ret amente nas tt icas e est ratgias de

    lu ta empreend idas pe los insurgentes. Dessa manei ra , a t e rce i ra par te do nosso

    t r a bal h o, d i vi di da e m q uat r o t p ic os, e st d ed ic ad a d i sc usso d o c ar t e r

    int erpr et at i vo dessas quest es e de out r as com o poder , aut onom ia e

    mult icu l tura l ismo. Esse exercc io no poder ia se dar sem a contr ibuio ter ica de

    inmeros autores e pensadores, alguns deles refletindo sobre a situao mexicana e,

    em p ar t i cul ar , zap at i st a . Pr et e nd em os m o st r ar q ue a d esp ei t o d e m u it a s

    ambigidades, t enses e mesmo contradies, os zapat ist as possuem um proj et o

    p ol t i c o p ar a a so ci ed ad e o pr i m id a, p r oj e t o e sse e xp r esso , p or e xe m pl o, n a

    conf igurao de municp ios au tnomos zapat ist as. A parece resid i r a p r incipal

    cont r ibu io pr t ica do EZLN e uma de suas maiores lu tas . O e fe t ivo a lcance e a

    eficcia desse proj et o e prti ca polt i ca, apenas o t emp o dir.

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    Existem muitos materiais de qualidade dedicados a analisar e a compreender o

    zapat ismo a par t i r de sua gnese. Par te-se geralmente da formao das Frentes de

    Libertao Nacional (FLN), os difceis anos inic iais na Selva Lacandona, os pr imeiros

    conta tos com as comunidades ind genas , e a par t i r da , ava l ia -se como fo i sendo

    incorporado ao material ismo marxista dos pr imeiros insurgentes um pensamento frutoda cosmoviso indgena. Tal sincret ismo t er ia r esult ado no apenas na t ransfo rm ao

    de suas concepes pol t icas e soc ia is , mas se mater ia l izado na prpr ia forma de

    organizao e instrumentos decisrios e de poder do EZLN, resultando no movimento

    que se to rnou pb l i co em 1 de jane i ro de 1994 . A pa r t i r desse pon to , uma das

    t emt icas que m ais tem despert ado o int eresse d os pesquisadores brasi lei ros sobre o

    zapat i smo re fere -se s t r ansfo rmaes de t t i cas, est ra tgias e obje t i vos do

    movimento no per odo que abarca seus pr imeiros anos de ao pbl ica. Como umaguerr i lha marx ist a l enin ist a se t ransform a em um exrci t o armado (afast ando-se

    ambiguamente da t entao bel ic ist a) , que at ua mais no campo pol t ico do que mi l i t ar

    e abandona o paradigma da conquista do p oder estat al para a const ruo de um novo

    mundo , pr iv i legiando a soc iedade c iv i l como int er locutor? Dentro desse quadro,

    grande ate no desprendid a s est rat gias comunicat ivas do EZLN, s excepcionais

    qual idades l i terr ias do por ta-voz e chefe mi l i tar Subcomandante Marcos, s fo rmas

    de confronto midi t ico e aos obj et ivos mais imediat os e de inc luso do zapat ismo c om o o s d i r ei t o s e c ul t u r a i nd ge nas e a p r om o o d e u m a so ci ed ad e m a is

    democrtica e includente. Alm disso, alguns trabalhos foram dedicados a analisar a

    repercusso e o tr at o da imp rensa lat ino ameri cana ao t ema.

    Cabe dest acar q ue est e t rabalho apenas um a viso do movim ent o zapati st a e

    em nenhum momento pretendemos ser sacerdotes que buscam dar sentido ao EZLN,

    muit o m enos def in i - lo (e l imi t - lo) em form as l i t err ias. Contudo, os passos t r i lhados

    a par t i r das questes levantadas mantendo a responsabi l idade pol t ica e o r igor

    met odolgico , foram desde abaixo e para os de abaixo. Pois, como def in iu Walt er

    Benjamin (1991) , aquele que domina em cada caso sempre herdeiro de todos os

    vencedor es, e ent r ar em em pat i a com o vencedor benef ici a sem pre,

    conseqent ement e , aos que nesse momento dominam, sendo que nest e sqi t o

    t r i un fal , os amos de hoje caminham p isando os corpos dos venc idos de ont em.

    Tambm , em cada nova rebel io dos opr imidos vol ta a desper t ar e a renascer a f r ia

    de todas as rebel ies passadas e vencidas. Neste sentido, no nos parece possvel

    separar da anlise terica o mbito intelectual e o polt ico.

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    Nosso propsi t o , a lm de conhecer mais pro fundament e o EZLN, t ent ar

    compreender o pape l que e le ocupa na lu ta soc ia l . U t i l i zamos ento o zapat ismo

    como uma fe r ramen ta pa ra ap reender a a tua l e comp lexa con f igu rao da nova

    conf l i t ual idade soc ial , propugnadas pelos chamados novos moviment os soc iais.

    Como compreender a ao desemp enhada por indgenas que conclam am a const ruode out ro mundo , onde caibam mui t os m undos , e que ao m esmo t empo se nega a

    ter o Estado como referncia pr imordial para essa mudana? Como compreender um

    movimento que toma como at o r p r inc ipal uma d i fusa sociedade c i vi l e no o

    clssico Part ido, e alm do m ais no se compor t a enquanto vanguarda revolucionria,

    mas ao contrr io, parte do pr incpio de um dilogo aberto com amplos setores sociais

    e re iv indicam uma m udana na forma d emocrt ica e pol t ica, onde os representant es

    m andem obedecendo ? Esse , sem dvida, um grande desafi o p ara um m oviment oarmado que luta, no campo pol t ico, pelo reconhecimento de d i re i tos const i tuc ionais

    e por Democrac ia , por Jus t ia e L iberdade, um mov imento que leva ad ian te um

    processo de gesto autnoma em seus terr i tr ios rebeldes e c lama por um Estado

    heterogneo e plur inacional.

    Ao l ongo d o c om p lex o e d el i cad o ex er cc io d e ap r een so q ue aq ui

    ap resentamos pudemos obse rva r que as nov idades t r azidas pelos i nsu rgent es

    sim plesment e no se enquadravam nas rgidas t eorias das Cincias Sociais, e aoinvs de t entarm os l im i t ar o zapat ismo e lhes vest i r foradament e t eor ias que nos

    most rassem a verdade sobre o moviment o, prefer im os ent ender as t eor ias como

    fer rament as t eis, em cada caso, mas passveis de serem combi nadas e r efor mul adas,

    p ar a um ent e nd im e nt o m ai s ab range nt e d a cat e gor ia hi st ri co- soc ial q ue

    anal isvamos. Desta forma, neste transcurso, entre o in c io da pesquisa e o seu

    desenro lar , fomos nos a fas tando cada vez mais de an l ises dogmt icas que, no

    obstante se pretenderem his tr icas e mater ia l is tas, s implesmente compreendiam o

    EZLN a par t i r do d iscurso pronunc iado e de out ro tempo h is t r ico , is to , par t iam

    mu i to ma is de uma an l i se i dea l i s ta sob re o mov imen to e menos da rea l i dade

    concr et a. Por out r o l ad o, t am bm nos p ar eci a i nsu fi ci ent e , q uand o n o

    extravagantes, as anl ises que enal tec iam o completamente novo no movimento (e

    paradoxalm ent e, ao m esmo t empo faziam a apologia as suas t radies indgenas), que

    ent endiam a radical idade do zapat ismo em sua l u ta pe lo reconhecimento , pe la

    d i ferena, por te rem abandonado a catego r ia u l t r apassada das grandes

    narrat ivas, p or no t erem recado no anacronismo de uma anlise f undament ada na

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    t ot alid ade. Nosso esf oro, nesse sent ido, fo i prob lem at izar essas vises, sem com isso

    pretender esgotar as possibil idades de apreenso desse movimento.

    Na dv ida , cont inuamos perguntando, e perguntando caminhamos, porm o

    caminhar pergunt ando pode nos levar a t ransit armos a part e alguma, at o nada e no

    encontr armos as respost as, que a angst ia (mais do que os prazos burocrt icos)insist ia em sussurrar quando no gr i t ar no ouv ido. Numa poca em que, apenas

    pensar a radical transformao da sociedade pode lhe assemelhar a um dinossauro

    vermelho, e com o nor te no re ferenc ia l ana l t i co prop ic iado para pensar qua is os

    mecanismos pr incipais de produo e reproduo desse sistema social, continuamos

    caminhando e perguntando, nesse caminho aqui se apresentam as perguntas que

    tr i lhamos.

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    PARTE I

    Os fundamentos do levante indgena em Chiapas

    Fonte: 20 y 10 El f uego y la palabra

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    Fim da Histria: a conjuntura zapatista

    No l im iar do sculo XXI, quando se prot agonizava o f im da h ist r ia para o

    mundo e a consolidao da m odernidade para o Mxico com a ent rada em vigor do

    NAFTA1 e a c rena de assim aden t ra r ao p r imei ro mundo , um punhado deindgenas mal-armados nos confins mexicanos desnudam outra real idade, distinta da

    imagem to cu idadosamente cons t ru da e vend ida pe lo poder e seus func ionr ios

    tecnocra tas : a rea l idade dos homens de verdade, os homens de mi lho , real idade

    construda sob sangue e suor.

    Em pouco t empo, o Exrc it o Zapat i st a de Libe rt ao Nacional to rnou -se

    responsvel por um a autocrt ica dos m oviment os de esquerda, por um revisionismono

    mbito do pensamento crt ico; ao surgir o movimento nega o que parecia ser a vitr iaincontestvel de um sistema social que a cada dia tem exigido sacri fc ios maiores da

    maior parte de sua populao. Trata-se de um movimento de indgenas mal armados,

    local izados no sudeste do Mxico, que no obstante tem sua ressonncia ampli f icada

    no mundo in te i r o e tem d i tado o tom que envo lve a res i s tnc ia an t i cap i ta l i s ta e

    l ibertr ia ao redor do globo.

    Co m u m p od er q ue st i o nad or e d e au t o cr t i c a p ou cas ve ze s v ist a s e m

    movimentos do t i po , o zapat i smo se ap resenta como an t poda das t r ad icionaisgue rr il has q ue a Am r i ca Lat i na con he ceu e l ana novos d esaf i os a um a

    inte lectual idade (sobretudo nas Cinc ias Socia is) que j estava arrependida de seu

    passado e resignada com a nova ordem mundia l (HILSENBECK FILHO, 2003) . O

    zapat ism o, em decorrncia de suas caracter st icas organizati vas, suas form as de l ut a

    e de fazer po l t i ca, suas insc r ies ident i t r ias, suas concei t ual izaes da ao

    cole t i va, seus quest ionamen tos em re lao ao poder , a pol t i ca, o Est ado e a

    d em o cr ac ia, c ol o ca p ar t i c ul ar i dad es q ue o d ist i n gu e d e o ut r o s m o vi m en t o sprecedent es e, sem d vida, im pulsiona a revit al izao do pensament o crt i co.

    O zapatismo foi o despertar mais visvel (e um dos mais signif icativos) de um

    novo c ic lo de protesto soc ia l que tomou corpo no decorrer da segunda metade dos

    anos 1990 na Amr ica Lat ina, de cunho ant ineol iberal e ant icapi ta l is ta. Mesmo na

    Europa e na Amr i ca do Nor te , se i ncrement ou as con f l i tual i dades sociai s, em

    int ensidade e r egular id ade.

    1(Nor th Amer ica Free Trade Agreement) , rea de l i vre comrcio entre a Amr ica do Nor te - Est adosUnidos da Am ric a, Canad e Mxico.

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    Mas como fo i possvel a esses indgenas tamanha emprei tada? Teremos que

    voltar um pouco no tempo e no espao para entendermos as vic issitudes de singular

    movimento que em pouco mais de 13 anos de insurgncia e 23 de ex is tnc ia j se

    co loca como um dos p i la res (a lm de fon te de d iversas cont rovrs ias ) , do debate

    pol t ico e da conf l i tual idade soc ia l . Para tanto, o lharemos mais de per to o palco dolevante , a Am rica Lat ina, o Mxico e, part icularm ent e, Chiapas.

    Toda a repercusso e nov idade encer rada pelo EZLN no pode esta r

    desvinculada do momento histr ico de cr ise da esquerda , quando houve profundo

    ref luxo nos moviment os dest e t ipo em t odo o m undo, ref l uxo esse que inf luenc iou as

    anlises e mt odos adot ados pelas Cincias Sociais, alm das imp licaes diret as para

    os diver sos m ovim ent os sociais de esquer da no m undo.

    Aps o decl nio do cham ado social ism o real , sim bolizado p ela queda do m urode Berl im em 1989 e o fi m da Unio das Repbl icas Social ist as Sovit icas (URSS)2, em

    1991, u m a c or r en t e f i l os f i ca ( no t o r ec en t e ), p asso u a ga nh ar b ast a nt e

    notor iedade3. Su as i de ol o gi as e st a vam , e m gr an de p ar t e , c ar r egad as d e u m

    exace rbado ent usiasmo pelas possib i l idades de mudanas l i ber t adoras que

    poderiam t razer o l ivr e m ercado . Pregava-se o t r iunf o do capit al ismo em sua form a

    neo l ibera l e um inexorve l f im da h ist r ia , po is se considerava que o Homo

    Economicus pac i f i ca ria o p laneta , que o desapareciment o de um adve rsr ios igni f icara o f im da advers idade, e que os conf l i tos (antagnicos) subs is tentes no

    passavam de vest gios do passado. O sculo XX parecia , para a lguns, coroar a

    hegemonia m undial do capit al ism o .

    Para Perry Anderson, a nova configurao das relaes internacionais, com o

    fi m da guerra f r ia e, p ort ant o, da div i so do mundo em d ois grandes blocos, s ignif icou

    uma reconfigurao inteiramente nova do mundo, pois, Pela pr imeira vez na histr ia

    2 Na Amri ca do Sul e Cent ral, especif icamente, dest acamos os eventos de f inal dos anos 1980 e i nciodos 1990, como o f im da guerra c iv i l e i n cio dos acordos de paz e par t ic ipaes de in t egrantes dasguerri lhas nos processos de democraci a parlam ent ar, reali zados na Nicargua e em El Salvador.3 A idia de f i m das utopi as , f im das ideologias , f i m da histr ia e suas var iant es, comeam em1955, mas encontramos simil i t udes ainda em Hegel, no sc. XVIII , passando por diversos autores, comnovas refor mulaes, no decorrer dos tempos. Est a t eor ia ganhou m aior expressividade no f i nal do sc.XX, com o trabalho de um funcionr io dos Estados Unidos, Francis Fukuyama e sua obra O f im daHist r ia (1999), que de um a maneira geral, prega a falncia de out ras form as de organizao societal(como o comunismo, social ismo, anarquismo etc.) e a vitr ia da democracia ocidental burguesa, queser ia o m odelo ideal de organizao social. Pelas lat i t udes lat inas ganhou muit a notor i edade o l ivro docient ist a pol t ico m exicano Jorge Cast aeda, Utopia desarmada (1994). Escr it o doi s meses ant es dainsurreio do EZLN, ele af irmava que as chances de uma revoluo armada na Amrica Lat ina eramprat icamente inexist entes. Ver t ambm O f im da Hist r ia : de Hegel a Fukuyama (1992) , l ivro decunho crt ico a essas t eorias, escrit o por Perry Anderson.

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    o capi ta l ismo se proc lama como ta l , numa ideologia que anuncia a chegada de um

    ponto f inal no desenvolvimento social com a construo de uma ordem ideal baseada

    nos m ercados l i v res, a lm da qual qualquer aper fe ioamento subst ancia l ser ia

    in imaginvel (ANDERSON, 2003, p. 87). Para esse autor , o neol iberal ismo, ou o

    cap i ta l ismo em sua fo rma neo l i be ral , consegu iu atender amp lamen te as duasexigncias gramscianas da frmula da ordem hegemnica: consentimento e coero,

    ou sej a, uni u a fo ra do convenciment o ideol gico, com a r epresso mil i t ar. Tendo-se

    como resul t ado o fato de Hoj e j no ex ist [ i r ] a l t ernat iva a e le [capi t a l ismo] , sob a

    forma de s is temas de governo de a lcance p lanetr io . Es tamos vendo a ideo log ia

    pol t ica m ais bem sucedid a da hist ria (ANDERSON, 2003, p. 90).

    Dest a fo rma, o ind ividual ismo exacerbado, a mercant i l i zao das re laes

    so ci ai s e d os val o re s p ar e ci a t e r e li m i nad o q ual q ue r p er sp ec t i va u t p i ca o urevolucionria de mudana social, deixando como legado para o sculo XXI a desiluso

    e a perda da esperana expressa, por exemplo, nas teorias e nos modos de pensar das

    Cinc ias Socia is. Nest e cont ex to mund ial , numa poca em que supost ament e as

    revo lues haviam t e rm inado, i r r ompeu em 1 de j anei ro de 1994 , no sudest e

    mexicano, o Exrc i to Zapat is ta de L iber tao Nacional . Sem dvida - e c ientes do

    r i sco de reduc ion ismo que imp l i ca toda ten ta t i va de pe r iod izao - , o momen to

    histr ico, escolhido para a insurreio do EZLN, deu a este movimento um carter den ovi dad e e t a m b m d en ot o u u m si gn if i c ad o an t i ne ol i be ral , p ar a n o d i ze r

    an t i cap i ta l i s ta , l u ta zapa t i s ta , e o t r ans fo rmou em re fe rnc ia ob r iga t r ia pa ra

    anlise de incio do novo cic lo de protestos dos novos movimentos sociais4, ex ig indo

    m a io r at e n o e m r el a o ao M xi co . At e n t em o s n as p r xi m as p gi na s s

    singularidades e contradies de tal pas.

    4 Entendemos que a novidade expressa na conf igurao dos novos movimentos sociais, e noapenas do zapat ismo (a par t i r da dcada de 1990) deve ser pensada em termos de cont inu idade-rup tu ra, que se apresenta em d iversas faces, desde sua fo rma o rgan izat iva , re iv indicat iva eprogramt ica , a t ideais e ob je t ivos. Suas p rt icas soc ia is no podem esta r deslocadas dast ransform aes est rut urais geradas pelo capit al ismo em sua f ase neoliberal, e sobretudo t ransnacional.Logo, a compreenso das possveis diferenas desses movimentos em relao ao confl i to social dasdcadas de 1960, 70 e 80 tm que ser incorporadas dinmica das condies societais atuais. Ver(VARESE, 2005; CECEA, 2005; DVALOS, 2005c; RESTREPO, 2001).

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    A Democracia Ditatorial

    O Mxico um pas singular e expr essivo das cont radies da Amrica Lat ina.

    Emb ora governado h m ais de 70 anos sem golpes mi l i t ares e com president es eleit os

    pelo voto popular - um caso singular para a Amrica -, o pas concentra contradiessufic ientes para merecer a expresso cunhada por Mario Vargas Llosa, de d i t adura

    pe r fe i t a , pe la permannc ia no de um homem, mas de um par t ido , que concede

    espao c r t i ca apenas na m edida em que est a lhe serve para conf i rm ar sua

    vocao democr t ica , mas que, ao mesmo tempo, lana mo dos p io res meios de

    represso para aquelas crticas que possam abalar seu poder. Antes de Vargas Llosa,

    outras pessoas j procuraram definir o pecul iar s istema polt ico mexicano, or iundo da

    Revoluo de 1910/ 20. Pablo Neruda, por exemplo, refer iu-se ao Mxico como ademocracia m ais d i t ator ia l que ex ist e .

    Trat a-se, nest e caso, de um a sim biose de part ido-Est ado que at ende pelo nom e

    de Part ido Revolucionrio Inst i t ucional (PRI)5, que logo nos seus pr im rdios t em como

    um dos traos fortemente marcante a sua simbiose com o Estado, sendo desde ento

    uma eno rme mquina bu rocrt i ca e cor rup ta , ge radora de empregos pbl i cos e

    engodo ele i t ora l para perpet uar as e l i t es dominantes e que permaneceu desde 1929

    no poder , perdendo as e le ies para president e apenas recentemente , em 2000 e2006, para o Par t ido da Ao Nacional (PAN), respect ivamente para Vicent Fox e

    Felipe Caldern6.

    5 O PRI, antes Partido Nacional Revolucionrio (PNR), criado em decorrncia da massiva manifestaode vontades que conf lu ram no processo revolucionr io de 1910/ 1920. Mesmo pautada por umaorganizao corporat iva e burocrt ica, foi a pr imeira vez que as classes populares e diversos setoressociais cont aram com uma representao inst i t uc ional . A l t ima t entat iva de golpe m i l i t ar ocor r ida noMxico dat a de 1929, e desde ent o o pas no enfrent ou os sobressalt os que fazem part e da hi str iada Amr ica Lat ina. O Par t ido Nacional Revolucionr io (PNR) deu lugar ao PRI em 1929, e embora

    Plutarco Elias Calles t ivesse abandonado a presidncia em 1928, continuou a exercer o poder atravsdo contro le que det inha sobre o PNR (e apenas i r ia perder essa supremacia em 1935-1936 com osconfl i tos com o presidente Lzaro Crdenas, o PNR ento muda o nome para Part ido da RevoluoMexicana em 1938 e f ina lmente para Par t ido Revolucionr io Inst i tuc ional em 1946) . Cal les haviapercebido a necessidade de se cr iar al icerces est veis e seguros para a herana ( l i beral) da Revoluode 1910/ 20, ao invs da el i te se digladiar no momento de novas eleies. Comeou por integrar aonovo part ido atr avs de decret o t odos os funcionr ios pblicos, estendendo aos membros das ForasArmadas, organizaes pol t icas, operr ias, camponesas, in te lect uais, enf im, todos que poder iamsust entar o regime.6 O PAN c r iado em 1939 para de fender e garan t i r os in te resses de uma parce la de c lasse doempresar iado nacional, de l inha conservadora e baseada numa forte rel igiosidade. Tradicionalmente,tem sido o par t ido mais votado entre os grupos de oposio. Nas duas l t imas e le ies e legeu os

    president es do pas, embora de form a suspeit a e bastant e cont urbada, sob fort es protest os e acusaesde f raudes, sobret udo nas eleies de 2006 que elegeram Felipe Caldern com uma m argem mnima dediferena de votos, sob os protestos de grande parcela da populao e do esquerdista Manuel Lpez

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    Porm, paradoxalmente, no mbito in ternac ional , enquanto a grande maior ia

    da Amrica do Sul era governada por regimes mil i tares, o Mxico acolhia todo t ipo de

    refu giados polt icos da viva do pr esident e chi l eno Salvador Al lende, m ort o no golpe

    mi l i ta r de 1973 , ao b rasi l ei r o Francisco Jul i o , l de r das Ligas Camponesas,

    moviment o desmant elado pelo golpe m i l i t ar em 1964, passando pelo asi lo pol t ico deTrotsky, os refugiados da Guerra c iv i l espanhola e do Mccar th ismo implantado nos

    Est ados Unidos ( inclusive colnias cult urais est adunidenses f oram cr iadas no Mxico).

    Alm disso, na polt ica externa, sua oposio ao intervencionismo estadunidense na

    Amrica Central foi uma de suas marcas registradas . Os presidentes mexicanos -

    t anto os mais direit a, com o os m ais esquerda - ,

    [ . . . ] apoiaram, com maior ou menor discr io, os guerr i lhei ros esquerdistas nessaregio ; mant i ve ram re laes ca lorosas com Cuba, de quem fo ram os n i cosparce i ros no hemisf r i o duran te o ost rac ismo a que a i l ha soc ia l ista estevec on d en ad a p o r i m po si o d e Wa sh in gt o n . O PRI [ . . . ] m e m b r o a t ua nt e d aInternacional Social ista e at par t ic ipa, discretamente, dos encontros do Foro deSo Paulo, a art iculao das foras de esquerda da Amrica Latina e do Caribe quet em ent re seus princip ais organizadores o PT br asi le iro (FUSER, 1995, p. 15).

    Essa peculiar t raj et r ia no ce nrio int ernacional f oi um a das grandes causas da

    con fuso da esquerda em t enta r conce i tuar o gove rno mex icano. Impor tant es

    personal idades da esquerda lat ino-amer icana acabaram por t er (no inc io do conf l i t oentre o governo do PRI e o EZLN) uma posio de t mida defesa dos camponeses

    indgenas chiapanecos e crt icas bast ante com edidas ao governo, ou m esmo, posies

    expl ic i tam ente a f avor dest e.

    In de pe nd en t e d os m o t i vo s q ue p ossam t e r f e it o d ive rso s r e f ugi ad os e

    guer r i l he i ros se rem g rat os d i tadura pe rfe i ta mex icana, o gove rno rep r im ia

    ostens ivamente os contestadores do regime. Exemplos podem ser encontrados na

    Noit e de Tlat elolco , em 2 de outubr o de 1968, que se t ransform ou em um marco nahist r ia polt ica mexicana quando,

    Nas r u as d a c id ad e d o M xi c o m ai s d e q ui nh en t as m i l p e sso as f a ze m u m agigantesca mani festao. O movimento entrou para a histr ia quando, na vsperados Jogos Ol mpicos, os mi l i t ares repr imi ram uma concent rao de estudantes emataram ma is de 600 em T la te lo l co . Os cadveres fo ram a t i r ados ao mar porav ies mi l i t ares. Prenderam mi lhares de at iv istas. Na h istr ia o f ic ial do Mxico,

    Obrador, a deciso da eleio coube ao Tribunal de Justia Eleitoral que se negou a refazer a contagemvoto por voto e apenas rat i f icou a eleio de Caldern at ravs de uma amostra dos votos.

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    Tlatelolco nunca exist iu: pol t icos e mi l i tares el iminaram as testemunhas (ORTIZ,1996, p.37).

    Outros exemplos podem ser encont rados nos ext ermnios dos mov iment os

    guerr i lheir os na dcada de 1970, cenrio com um a t oda a Amr ica Lat ina. Todavia, no

    Mxico, ao contrr io de outros pases, no houve o apoio de Cuba aos movimentosarmados.

    A pr inc ipal conseqncia dest a f a lsa dem ocrac ia que, enquant o na Amr ica

    do Sul os mi l i tares acabaram vol tando para os quar t is , a s i tuao mexicana pouco

    mudou. A Anis t ia Internac ional , em um re latr io de 1991, c lass i f ica a tor tura como

    um ma l endmico do si stema pol t i co mex icano. Nos se is anos do regime

    parcialm ent e l i vre de Salinas, for am assassinados por m ot ivos polt icos quase t antos

    mexicanos quanto brasi lei ros nas duas dcadas de nossa dit adura m il i t ar (FUSER,1995, p. 16). S em 1994 o Part ido da Revoluo Democrt ica (PRD)7 um a gr ande

    frent e de esquerda e centro-esquerda l ist ou 250 nomes de seus mi l i t ant es, mort os

    por envolv imento em a t iv idades de oposio, mas nenhum fo i reconhecido pe lo

    governo como cr ime polt ico.

    Os assassinatos, em geral , no acontecem nos pores do regime, como no Brasi ldos mi l i tares. Trata-se de at iv is tas da oposio ou de movimentos soc ia is que

    amanhecem mor t os, e as autor id ades dizem que f oram v t imas de bandidos comuns[...] (FUSER, 1995, p. 17).

    Neste quesito da represso oposio o PRI bastante eficaz e suti l ,

    escolhe cr i ter iosamente seus inimigos e com eles real iza um jogo duro, o que evita o

    c l ima sufocante das d i taduras mi l i tares lat inas, ao no repr imir as l iberdades mais

    e lemen ta res. Assim, possvel encon t ra r no Mxico um vern iz aparent e de

    democracia e l iberdade. Um exemplo emblemtico o que ocorreu em suas l ivrar ias,

    nas quais era possvel encontrar l ivros de Che Guevara, Karl Marx, comunicados dos

    zapat is tas, desenhos ert icos de Picasso (pro ib idos no Bras i l dos mi l i tares) , neste

    sent ido , os in te lec tua is no Mx ico sempre gozaram de uma margem de l iberdade

    confor tvel . Contudo, a represso e a cooptao extremamente pesada e ef icaz

    quando se t r ata de out ras reas, em que os d i r i gent es do gove rno consideram

    estratgicas e func ionais para as inst i tu ies do pas , como a imprensa nac ional e

    7 O PRD, fruto de uma ciso no seio do PRI e no bojo de mobil izaes para aberturas democrt icas,surge com pretenses de aglut inar as causas e movimentos de esquerda mexicanos, mas com fortest radies burocrt icas e sem um referencial programt ico e i deolgico consist ente.

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    est rangeira, que acabam sendo coopt adas pelas autor idades em t roca de pr iv i lgios e

    simpatias , como o pagamento integral de despesas (FUSER, 1995).

    A cooptao e o cont ro le se es tendem tambm para os s ind ica tos , que so

    con t ro lados pelo p rp r io gove rno , at ravs da nomeao de seus d i reto res. Na

    verdade, a situao da maior parte dos sindicatos no Mxico est assentada em seuapoio corporat ivo ao part ido governant e (ZAPATA, 1996). O voto nas eleies sindicais

    aber t o e no secreto, e os que votam contra a chapa si t uac ionist a est o suj e i t os

    represso, como a perda dos servios assist enc iais (que so cont ro lados pe los

    s indicatos) , a demisso para aqueles que tentarem se organizar como oposio, e

    mesmo o espancamento. A dependncia dos s indicatos mexicanos e v inculao de

    seus l deres, em re lao ao governo e , sobre tudo ao president e , vem de mui t as

    dcadas e cont inua como um fator determinante da pol t ica nac ional (CASANOVA,1967) , a inda que, indub i tave lmente res ida a uma fo ra potenc ia l e la ten te por

    vezes real e atuante da contestao social.

    O levante zapat ist a f ez mul t ipl icar os casos de abusos comet idos pela polc ia e

    pe lo Exrc i to federa l . Logo nos pr ime i ros d ias do conf l i to f i caram mund ia lmente

    conhecidas as fot ografias e im agens de cadveres de guerr i lheir os zapat ist as al inhados

    em f i l a , com os pulsos amarrados s cost as e com um t i ro na cabea. Na verso do

    Exrc i to e les fo ram mor tos em comba te . Pos te r io rmen te uma en t idade o f i c ia l , aComi sso Nacional de Direit os Humanos, comprovou o ext erm nio, porm , a apurao

    no avanou.

    A falt a de dem ocracia int erna se d inclusive na prpr ia f orm a de deciso sobre

    a sucesso presidenci al, conhecid a com o dedao, prt ica que ocorre nove m eses ante s

    das e le ies, quando o presidente indica seu sucessor pelos prx imos seis anos.

    Apesar de no ser possvel prorr ogar o seu m andato, o president e det m um cont role

    bastante amplo das diversas insti tuies estatais, como o Congresso, o Judicir io, as

    Foras Armadas e at os sindicatos dos trabalhadores e associaes empresariais. Isto

    p od e se r f ac il m e nt e p er ce bi do p el o f at o d e se r c om u m o p r esi de nt e r em o ve r

    governadores e deput ados eleit os pelo PRI (a grande m aior ia at ent o). Por exem plo,

    Car los Sa l inas de Gor tar i p res idente na poca do levante zapat is ta - , chegou a

    subst i t uir 17 dos 30 governadores do PRI, que, por mot ivos diversos, for am obrigados

    a apresentar sua renncia. Est as subst i t u ies so garant idas legalm ente pelos

    legislativos estaduais, que acabam por eleger os nomes indicados pelo presidente e

    pelo part ido. Para Durand Pont e (1996) o populismo mexicano foi o que m ais perdur ou

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    n a Am ri ca Lat i n a e m d ec or r n ci a, e m p ar t e , d as al i an as p ec ul i ar es q ue

    conformaram o regime e sua ar t icu lao de d is t in tos setores e c lasses soc ia is em

    formas de par t ic ipao po l t i ca que resu l ta ram em re lao heternoma dos a tores

    sociais com o Estado. O que gerou uma simbiose entre os trs poderes do Estado, o

    governo e o sist ema pol t i co e, port ant o, a sociedade mexicana:

    Junto con l a inexist encia de una divisin de poderes y de un cent ral ismo que niegaa l f e d er al i sm o , e xi st e t a m b i n u na f a l t a d e d i f er e nc ia ci n d e l os n iv el e sinst i tuc ionales de l Estado. E l prop io pres idente es e l je fe de l gobierno y hacecorresponder a sus inter eses a t odas las inst i t uciones del Est ado. En est e sent idoen Mxico no ex iste una d i ferenc ia c lara ent r e e l Estado y e l gobierno, sino unasntesis que se condensa en la i nst i t ucin pr esidencial [] con el s ist ema p ol t icosucede algo simi lar [] el par t ido se conforma, bsicamente, por una estructuracorporat iva sector ia l [obreros, campesinos y organizac iones populares] que seacompaa fo rma lmente de un si stema parale lo de represen tac in c iudadanaindividual , que en real idad se subordina a las burocracias de las corporaciones yde l par t i do y a l nexo po l t i co con l os cac iques que dominan en l os sec to rest rad ici onal es (DURAND PONTE, 1996, p . 238)

    Conforme Casanova (1967), a dependncia dos est ados e governadores em

    relao ao execut ivo f ederal se d por vr ios fat ores polt icos, mi l i t ares e f inanceiros:

    desde a aplicao da Constituio para a destituio de governadores, passando pelas

    exguas f inanas dos Est ados, que l hes m antm em dependncia das receitas feder ais

    que chegam a osc i lar de um ano para ou t ro em 100%, a t o prprio calendr iopol t ico, que acent ua crescentement e o poder do president e no t ranscorrer dos anos

    de seu mandat o; a coopt ao d os deput ados e senadores e a submi sso do j udicir io,

    entre outras coisas, fazem com que os fundamentos terico- jurdicos da Consti tuio

    pol t i ca, baseada nas idias do enc iclopedismo f rancs como Rousseau e a

    soberania popular , ou Mont esquieu e a di v iso e o equil br io dos t rs poderes - e

    dos consti tuintes federal istas como Madison e a idia de contrapesos e balanas

    do poder estatal no se concretize nos distantes caminhos seguidos pela real idademexicana. O que faz com que os modelos clssicos sejam elementos mais simblicos

    do que r eais, mas poderosos o suf ic ient e para encobri r e sancionar a ef et iva real i dade

    polt ica mexicana.

    Tal regime presidencia l ist a que concentra fo r t ement e o poder no governo

    centra l e no chefe do execut ivo , rompendo com e lementos da teor ia c lss ica da

    pol t ica, serv iu no caso m exicano para e l im inar , ou ao menos d iminuir , a in f lunc ia e

    conspiraes do Exrcito, do clero, dos caudilhos e caciques locais, que ao longo dosculo XX perderam fora e impor tncia , a inda que subsist a re lat iva in f luncia ,

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    sobretudo desses l t imos em cer tas comunidades rura is e indgenas. Mas tambm

    resultou numa partic ipao polt ica heternoma que dif icultou a organizao social de

    base. Essa relao m uit o nt im a ent re pr esident e-Est ado-governo-part ido-corporaes

    que se estende por toda a soc iedade, inv iabi l iza, ou ao menos d i f icu l ta bastante, a

    apar io de atores soc ia is autnomos, todav ia, is to no s igni f ica que no haja umaalta partic ipao de indivduos e setores sociais distintos nos assuntos pblicos, mas

    essa part ic ipao se d de m aneira het ernoma e no aut noma.

    Logo, esse sist ema de coopt ao permit iu governar d i t ator ia lm ente, mas com

    democracia no p lano da expresso int e lectual e ar t st ica. Ent ret ant o, no se t rata de

    fazer uma apologia s teor ias c lss icas da pol t ica e da economia, o que para um

    Estado surgido e inser ido num mbito in ternac ional bastante d is t in to do referente

    cr iao dos Est ados-nao europeus e est adounidense seria uma insensat ez, alm deser quest ionvel a prpr ia t eoria clssica polt ica e econmica.

    Outro fator que gostaramos de apontar nesse momento, fruto das anlises at

    aqui apresentadas da nat ureza do sist ema p ol t ico mexicano, o fat o de o pas no

    t e r c on se gu id o r om p er a d in m i c a ( ex t e rn a e i nt e r n a) d a d esi gu al d ad e, d a

    dis tr ibuio des igual da r iqueza e da cul tura (geral e tcnica) . No caso do Mxico,

    uma desigualdade gr i t ante na prpr ia par t ic ipao soc ial e pol t ica, uma s i tuao de

    co lon ial ismo in te rno como a def in iu Pablo Gonzles Casanova (1967) . Com odomnio e expl orao d e alguns grupos cult urais por o ut ros - no caso o espanhol , o

    ladino que dom inam o nati vo ou indgena . O colonial ismo ocorre no int er ior d e

    uma nao na m edida em que e la apresent a uma heterogeneidade tn ica, em que

    determ inadas et n ias se l igam com os grupos e c lasses dominant es, enquanto out ras

    com os dom inados.

    Herana do passado, o marginal ismo, a sociedade plural e o colonial ismo interno

    su bsi st e m h oj e n o M xi co so b n ov as f o r m as, n o o b st a nt e t a nt o s a no s d erevoluo, re formas, indust r ia l i zao e desenvolv imento, e conf iguram a inda ascaract erst icas da sociedade e da pol t i ca nacionais (CASANOVA, 1967, p . 78).

    Ainda que a cult ura capit al ist a te nha se expandido por am plas fr anjas do globo,

    sobre tudo no ociden te , e la no fo i capaz de e l im inar to t almen te out ras fo rmas

    cul tura is , que subsis tem e res is tem, mesmo que de maneiras e formas dspares e

    ubquas, por vezes fragmentadas, mas que, cada vez mais, tendem atr avs de setores

    mais radical izados das suas lutas de resistncia a conformar uma cultura opositora

    capital ista, como condio sine qua nonde sua prpria sobrevivncia.

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    Era uma vez... os votos

    O domnio burgus enquanto produto e resul tado dosuf rgio u niversal, consider ado como at o expr esso davontade soberana do povo, t a l o signi f i cado r eal daconstituio burguesa. Mas desde o momento em queo contedo deste sufrgio, desta vontade soberana,

    j no o dom ni o da bur guesi a, t em a const i t u i oout ro signif icado? No o dever da bur guesia r egul aro s u f r g i o d e t a l m o d o q u e s e p r o p o n h a o q u e razovel, seu prprio domnio?

    Karl Marx Lut a de classes em Fr ana.

    Nem mesmo os votos, condio mnima para o exerccio de uma f orma pol t ica

    democrtica so preservados no Mxico. As fraudes eleitorais no so algo novo em

    sua hist r ia, vo de vot os f alsi f icados int roduzidos nas urnas com a cumpl ic idade do s

    mesrios, pagamento aos eleitores, troca de cdulas, voto de pessoas mortas etc., e, claro, o cl ientel ismo e o uso da mquina do governo, alm de muita propaganda.

    Mas um dos fatos m ais cur iosos ocorreu na e le io presidencial de 1988, quando o

    Mx ico fo i pa lco de uma escanda losa f raude po l t i ca , quando pe la pr ime i ra vez o

    candidato oposicionist a Cuauhtm oc Crdenas que um ano ant es havia rom pido com

    o PRI e formado a col igao oposicionista Frente Democrtica Nacional (FDN)8 er a

    apontado nas pesquisas de boca-de-urna com o o vencedor com uma vant agem de pel o

    menos cinco pontos sobre o candidato do PRI, Carlos Salinas de Gortar i . Durante asapuraes acont eceu um a pane no sist ema de cont agem e as tel as se apagaram; ou,

    na declarao ex t remamente ambgua de um funcionr io, o sist ema caiu , e na

    manh seguint e, ao in ic iarem-se as apuraes, deu-se a v i tr ia avassaladora de

    Salinas:

    Em cada seis urnas, havia uma, em mdia, com mais de 90%dos votos para Salinas[ . . . ] quan to ma is pobre , d i s tan te e i so lada a l oca l i dade , ma io r a vo tao dos

    candidatos do governo. Em Comit n, Chiapas, um dos municpios que cinco anos emeio depois seriam ocupados pelos rebeldes zapatistas, Sal inas obteve [. . . ] 97,7%,verdadeira unanimidade [ . . . ] os sinais de t rapaa eram gr i tantes. Cerca de 25 mi lurnas, o equivalente a 45% do total , sequer t iveram seus resul tados anunciados,candidato por candidato, par t ido por par t ido [ . . . ] em dezembro, com a aprovaodos deputados pr i st as e da maior ia d a bancada do PAN, t odos os pacotes com ascdulas foram inc inerados, e l im inando qualquer poss ib i l idade de se fazer umareviso do processo eleitoral (FUSER, 1995, p. 26)

    8 Que or iginou, poster iormente, o Part ido Revolucionr io Democrt ico (PRD). Cuauhtmoc Crdenas,mestio, ostenta o sobrenome do pai, Lzaro Crdenas, ex-presidente mexicano de cunho populista eque, para grande parte da populao, foi responsvel pela nacionalizao e reforma agrr ia. Alm domais, seu prpr io nome, Cuauhtmoc, remonta ao lt imo rei asteca que mesmo sob tortura se recusoua revelar ao conquistador espanhol Hernn Cort s onde se encontr avam os t esouros do impr io Ast eca.

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    Os Est ados Unidos da Amr ica, por sua vez , endossou i r rest r i t ament e o

    resultado das eleies, e mesmo antes da posse, Salinas j se reunia com o presidente

    est adunide nse George Bush par a di scut irem o NAFTA.

    Quase 20 anos aps essa escandalosa fraude, o s is tema pol t ico dominantemexicano recorre aos mesmos procedimentos, no obstante o par t ido no poder ter

    sido substi tudo. Na disputa eleitoral de 2006, os pr incipais contendores eram Felipe

    Caldern do PAN, par t ido que j estava no poder com Vicent Fox, e Manuel Lpez

    Obrador do PRD e governador da Cidade do Mxico, com for te apelo popular (a lgo

    como a eleio de Luiz Incio Lula da Silva no Brasil, em 2002) e que no imaginrio de

    grande parce la da populao sign i f i car ia a real t ransio para a democrac ia no

    s is tema pol t ico. Todas as pesquisas apontavam, antes do processo e le i tora l , umal ar ga van t age m p ar a Ob rad or , t a nt o q ue a p ri m ei r a t e nt a t i v a d o PAN f o i a d e

    impugnar sua candidatura, o que gerou uma massiva mobil izao social que impediu

    esse art i f c io. Contudo, no processo eleitoral mesmo, Caldern foi eleito com 0,6%

    de vant agem em relao a Obrador, ou 35, 8% dos vot os cont ra os supost os 35,31% do

    candidato do PRD, uma di ferena de apenas 243.934 votos em um universo de 41

    mi lhes de e le i tores. Segundo denncia do Subcomandante Marcos9 fo i c r i ado um

    depsit o de um m ilho e m eio de vot os, d e pessoas mor t as e resident es no ext er ior,para garant i r a v i t r ia de Fe l ipe Ca ldern. Possib i l idade essa que j havia sido

    alert ada pelos zapat ist as ant es mesmo das elei es.

    Diante de uma constante e massiva mobil izao popular, l iderada por Obrador,

    exigiu -se a recont agem de vot o por vot o , d ian te de vr ios ind c ios de f raude.

    Entre t ant o , o Inst i t u to Federa l Ele i to ra l re fez a contagem soment e a par t i r de uma

    amost ra das urnas (um pouco mais de 20%d elas) e decr et ou a vit r ia de Caldern10.

    Esses do is momentos de f raude e le i to ra l , de d is t in tas fo rmas , te ro peso e

    repercusso im port antes nas aes e apoio ao zapatismo, como veremos mais adiant e.

    9 Co mu ni cado Lo s pe at o nes d e l a h ist ri a , d isp on v el no si t e o f ic ial d o EZLN:www.zezta internazional .org, bem como os demais comunicados a que nos refer irem os.10 Lopez Obrador , d iante de uma possve l rad ical izao das massas, prefer iu se declarar comopresidente legt imo, em uma g igant esca mani fest ao no centro da Cidade do Mxico, e efet ivar um governo it inerante , paralelo, atravs da Conveno Nacional Democrt ica que percorrer ia com umgabinet e diversas partes do pas. No obst ante, t odos os deputados e senadores eleit os pelo PRD norenunciaram aos seus cargos, o que poder ia levar a uma deslegit imao e paral isia do legislat ivo, aocontr r io adot aram a t t ica de seguir as duas frent es .

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    Comeam a ruir as slidas bases do Partido-Estado:do nacional-populismo ao neoliberalismo

    Durant e o governo de Salinas (1989-1994) o Mxico f igurou const antem ent e nas

    manche tes de jo rnais, r evi st as e not i ci r ios i n te rnac ionais como o exemp lo de

    competnc ia e modern idade, como f rmula idea l para a Amr ica La t ina consegu i r

    deixar para trs seu passado de pas subdesenvolvidoe atrasadoe adent rar no selet o

    grupo dos pases de capit al ismo avanado. Seguindo f i elm ent e as polt i cas neoliberai s

    esse pas passar ia, em poucos anos, de modelo a ser seguido para modelo de um

    redund ant e f racasso a ser esquecido 11.

    O PRI, nas campanhas eleit orais de 1988, at ravessou um a enorm e cr ise int erna,

    que ter seu peso na forma de resposta dada pelo s is tema a sublevao zapat is ta,

    como veremos mais adiante. Entre d iversos e lementos dessa cr ise destacam-se: a

    f ra tura in te rna que o PRI so f re ra em 1987 com a sa da da cor ren te democr t ica ,

    l iderada por Cuauhtemc Crdenas e Porfr io Muoz Ledo (ex-presidente do partido),

    por causa do abandono das v ias de um nac iona l -popu l ismo em t roca de po l t i cas

    neoliberais; o dedaopara a escolha de Salinas de Gortari foi contestado nas bases do

    par t ido; Sal inas in ic ia a campanha sem o apoio t radic ional das centra is sindicais de

    t raba lhadores urbanos e camponeses, comument e f i is ao president e ; o g rande

    descontent amento soc ial em decorrnc ia da recei ta recessiva do FMI e das pol t icas

    neol iberais in ic iadas sob o governo De la Madr id (do qual Sal inas fo i Min is tro da

    Fazenda); e, como vimos, o governo modelo para a regio comea seu mandato sob

    denncias de f raudes polt i cas.

    No poder, Sal inas irrom peu um a caada aos seus inim igos, no apenas ext ernos

    ao regime, mas sobretudo internos; mandou prender in imigos pol t icos acusados de

    cor rupo , t r ocou as d i rees dos sind ica tos o f i ciai s, ent re out ras aes, e as

    privatizaes serviram tambm como forma de acabar com tradicionais empreguismosnas est at ais.

    O governo de Sal inas fo i ass im o responsvel pela modi f icao, em diversos

    aspectos, da expresso poltica mexicana, colocando-se inclusive contra as conquistas

    da Revoluo de 1910/ 20, com vistas a modernizar o pas, conforme o receiturio

    neoliberal 12.

    11 Algo muito parecido ocorreu uma dcada depois com a Argent ina.12 As pr incipais pol t icas neoliberais podem ser resumidas nas seguintes medidas do modelo ingls quefo i , ao mesmo t empo, sua exper incia pr imeira e mais desenvolv ida, co locadas em prt i ca de forma

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    Sobre o l ibera l ismo, importante ressal tar que e le no se const i tu i somente

    como uma doutr ina econmica: (e isso no menos re levante) uma ideo log ia .

    Gramsci (2005) um dos autores que se pauta na perspectiva de que o l iberal ismo

    um er ro t er ico , po is part e da d ist ino ent re soc iedade c ivi l e sociedade po l t i ca

    como um f ato ef et ivo da real idade e no como um a separao met odolgica, logo,

    Af i rm a-se assim que a at iv idade econmica prpr ia da soc iedade c iv i l e que oEstado no deve intervi r em sua regulamentao. No entanto, como na real idadeefet iva soc iedade c iv i l e Estado se ident i f i cam, necessr io f i xar que mesmo ol iberal ismo uma regulamentao de carter estatal , int roduzido e mant ido porv ia l e gi sl at i v a e p el a c oa o: u m at o d e v on t ad e c onsc ie nt e d os p r p r io sobj et ivos e no a expresso espont nea, autom t ica do f ato econmico. Por isso, ol iberal ismo um programa dest inado a mudar, quando t r iunfa, o pessoal di r igentede um Es tado e o p rograma econmico do p rpr i o Es tado , ou se ja , mudar adistribuio da renda nacional (GRAMSCI, 2005, p. 22-23).

    O neo l ibera l ismo ento, a lm de uma teor ia econmica, deve ser en tend ido

    como o d i scurso hegemnico de um mode lo c i vi l i zat r io , enquan to sntese de

    pressupostos e valores bsicos em relao ao ser humano, natureza, histr ia, ao

    progresso, ao conhecim ent o. Em suma, ao conjunt o da cosm oviso l ibe ral, que busca

    natura l izar as atuais re laes soc ia is , a entender as caracter s t icas da soc iedade

    moderna como t endncia natura l e espont nea do desenvolv iment o h ist r ico da

    sociedade (LANDER, 2005). Com a remodelao econmica do capitalismo, foi possvel

    se pr em p rt i ca, pol t i cas capazes de coo rdenar um si stema cada vez ma is

    global i zado e exc luden te , com um d iscurso igualmen te capaz de t r ansfo rmar a

    sistemt ica nos sucessivos governos de Margaret Thatcher nos anos 1980: contrao da emissomonetr ia ; d iminuio drst ica dos impostos sobre os rendimentos e levados; abol io dos cont ro lessobre o capit al f inanceiro; cr iao de nveis de desemprego em massa; cr i ao de uma legislao ant i-sindical e cort e com gastos sociais; coibio das greves; elevao das taxas de j uros e pr ivat izao dediversas empresas e setores estatais. Na Amrica Lat ina as pr incipais medidas realizadas podem ser

    resumidas nos seguint es pontos: a im posio da negociao da dvida ext erna que t em seu incio com arec iclagem dos pe t rod lares e a global izao do cap i ta l f inancei ro ; o abandono de uma pol t i cain du st r i a l vol t a da p ar a a su bst i t u i o d as im p or t a es, a do t an do e nt o u m a p ol t i ca d e r e -pr imarizao; a terceir izao da estrutura produtiva, includo a desregulao do capital f inanceiro; odesemprego em massa, o estancamento produtivo e a fragmentao e cooptao das agrupaes sociaisdos t raba lhadores; as re formas do Estado ; a in f lao e levada a h iper -in f lao como um doscomponent es para deslegit imar os setores sociais e pol t icos ret icentes t ransferncia do cont role docapit al nacional e do Estado ao capital global ( forando o Est ado a realizar aj ust es est rut urais a f i mde contro lar a in f lao e honrar seus compromissos com os serv ios da dv ida externa, como apr ivat izao de diversos setores volt ados aos servios pblicos). int eressante ressalt ar como nesteslados do mundo a hiper inf lao serviu (e ainda serve, em conjunto com outros discursos ideolgicos,como a aus te r idade f i sca l ) , enquanto equ iva len te func iona l ao t rauma da d i tadura m i l i ta r comomecanismo para induzir democrt ica e no coerci t ivament e um povo a acei tar as mais drst icaspol t icas neoliberais, em uma poca de abertura democrt ica . (Sobre o neoliberal ismo ver, AMIN,2005; ANDERSON, 2005; FIORI, 2001).

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    von tade e as aes dos a to res socia is em aciden tes f a tai s da natu reza , ou em

    responsabil i dades indivi duais, como a pobreza, o desemp rego em m assa, ent re out ras

    m azel as (BORON, 2000).

    Essa t ransfor mao de um m odelo de capit al ismo para out ro - de f orm a alguma

    inexorvel, ant es, um produt o ideolgico na medid a em que legit i ma as est rat gias docap i ta l e es t in t imamente re lac ionado com a sua expanso - , ocor reu em a lguns

    aspect os de seu func ionamento , mas no em sua est ru tura e le is fundamenta is.

    Podem se r resumidas suas p r inc ipais mudanas em se te campos essenc iai s:

    geopol t ico ; ideo lgico; econmico- f inance i ro ; t ecnolgico; mercado de t rabalho;

    est rat gias de desenvolvim ent oe papel dos Est ados(FIORI, 2001)13.

    13 Essa exposio sobre alguns fundament os do neoliberal ismo ( inevit avelmente breve em decorrnciada natu reza do t rabalho) , se faz importan te porque o EZLN no pode ser compreend ido semconsiderarmos o r egime econmico-pol t ico no qual se conformou e as relaes da sociedade com est eregime e o governo. Alm do m ais, o neol ibera l ismo ser um in imigo cor rent e nos d iscursos eatuaes do zapat ismo, mui t as vezes def in ido de forma bast ante ambgua e vaga, o que pode i n f lu i rdiret ament e na concepo desse movim ento sobre modi f icao social, est rat gias a seguir e al ianas at ravar . Sobre este tema e uma cr t ica mais desenvolv ida a concepo do EZLN, t ra taremos mais frente, na parte I I I do trabalho.

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    Mxico: antes vale ser a cauda do leo,ao invs da cabea do rato

    As pol t icas de m odelo neol iberal comearam a ser adot adas no Mxico j no

    inc io dos anos 1980. poca em que, em decorrnc ia da cr ise da dv ida do pas , o

    president e Jos Lpez Por t i l lo adota como medida a m oratr ia, e com isso, rompe o

    pacto pol t ico que est abi l izava o desenvolv im ento do regime desde os pr incp ios dos

    anos 1950, o que or iginou um confl i to entre o governo e o setor empresarial. Por sua

    vez, o gove rno de Miguel de la Madr id (1982-1988) mudou o rumo da pol t i ca,

    culpabi l izou os governos anter iores e o populismo pelos males do pas, ou sej a, a

    po l t i ca do ant er ior mode lo de desenvolv imento . Desse modo, conteve os gast os

    pblicos, rebaixou os salr ios em mais de 50% em apenas trs anos; com a abertura

    comerc ia l pagou pontualment e a dvida externa e t ransform ou a pol t ica t ar i fr ia com

    a ent rada do pas no Acordo Geral de Tar i fas e Comrcio (GATT) . Alm d isso ,

    desenvolveu uma srie de polt icas com o intuito de favorecer aos empresrios e, ao

    modi f i car a polt ica econm ica, ref orm ulou as relaes que sust ent avam o regim e, em

    d et r i m ent o d e or gan iza es cor por at i vas t r ad ici onai s e d o i nt e r esse d os

    trabalhadores. Assim, diversas greves so declaradas i legais, o governo passa a no

    negociar as m obil izaes.

    De esta manera, la pol t ica del gobierno de lamadr iano dio un gi ro de 180 grados,rompi con las organizac iones populares, les re t i r par te de sus pr iv i leg ios []de jando a l os t r aba jadores s in cana les de de fensa o de negoc iac in de susint ereses. En cambio l lev a los empresar ios a una central id ad pol t ica, que nuncaantes haban disfrutado (DURAND PONTE, 1996, p. 249)

    Obviamente essas medidas geraram descontentamos no corpo da sociedade e

    do prpr io par t ido. Cuauhtmoc Crdenas e Por f r io Muoz Ledo encabearam uma

    frao impor tan te do espec t ro po l t i co mex icano, de car ter nac iona l is ta e an t i -

    t ecnocrt ico; in ic ia lment e f ormaram a Corrente Democrt ica dent ro do prpr io PRI e

    depois saram do p art ido e consti t uram a FDN ( incorporadas por out ros part idos) para

    concorr er s eleies de 1998.

    Mas com a v i t r ia e le i to ra l de Car los Sa l inas de Gor tar i , seu governo fo i

    a lado como a to esperada mudana de um Mx ico arca ico , p r-moderno, b ru to ,

    para um Mxico moderno, desenvo lvido, com n veis de consumo de p r ime i ro

    mundo . Para t anto, fo i necessr io quebrar com um passado nac ional-popul ist a e

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    increm ent ar as polt icas neoliberais. Tornou-se, assim , o governo mais pr-EUA que

    os mexicanos hav iam sofr ido; ass inou o Tratado de L ivre Comrc io da Amr ica do

    Norte, abrindo de forma avassaladora as portas do pas para produtos made in USA ,

    que eram benef ic iados pela supervalor izao do peso mexicano; ocorreram quedas

    nos preos dos produtos bs icos de expor tao, como o caf; d iversos ar t igos daConst i t u io, f ru t o da Revoluo de 1910/ 2014 foram revogados; acelerou-se o

    processo de pr ivat izaes, reduziu-se gast os com segur idade soc ial e, no menos

    im port ante, rest abeleceu-se as relaes com a part e conservadora da Igrej a Catl ica

    que hav ia s ido marginal izada por par te do Estado depois da Revoluo 15 - , o q u e

    garan t iu o aux l i o em sua o fensiva con t ra a par te ma is p rogressist a da Igre ja ,

    provocando, por exemplo , o a fas tamento do Bispo de San Cri st bal de l as Casas

    Samuel Ru iz (personagem e inst i tu io que, como veremos, t e r um sign i f i cadorelevante na politizao dos indgenas de Chiapas e no prprio surgimento do EZLN).

    Entre t ant o , no se d iscu t iu o produt o mais impor tant e que o Mx ico expor t a

    para os EUA, de fo rma lega l e i lega l : mo-de-obra sub-va lor izada, o que tambm

    result ou no sucateam ent o da indstr ia e a t erceir izao de m ilhes de assalar iados.

    Como o prprio nome indica, com o Tratado de Livre Comrcio (TLC) ou NAFTA,

    apenas os produt os poderiam t raf egar l i vrement e, sem t axaes de im post os, m as no

    os mi lhares de seres humanos , p r inc ipa lmente os chicanos , que so presos oumorrem aos mont es anualm ente, t entando u l t rapassar a f ronte i ra com os EUA. Seu

    obj e t i vo substancia lmen te d i st i nt o do da Un io Eu ropia, pois no exi ste a

    14 Para o Mxico entrar no NAFTA teve que modif icar vr ios art igos da Constituio: como o art igo 3(educao gratuit a) ; o 4 (sade e pol t ica habit acional) , o 25 (regulava os planos de desenvolviment o);o 26 (regulao dos mercados); o 123 ( tut ela social do t rabalho) e o art igo 27 (regulamentao agrr ia,p ropr iedade da te r ra e bem-esta r dos camponeses) , que ser um dos p r incipais f e rmentos dasublevao indgena, como veremos adiante (DI FELICE; MUOZ, 1998).15 Em 1854, A Revoluo de Ayutla fez com que os l iberais chegassem a ocupar o poder no Mxico,tendo Ben ito Juarz (p residente do pas em 1860) como um dos p r incipais impu lsionadores das

    ref ormas l iberais. O projet o l iberal de moderni zao econmica t inha como pr incipal obst culo a Igrej aCat l ica, detentora de grandes extenses de ter ra, in f luncia pol t ica e ideolgica e monopl io dosistema educacional . Assim, levou-se adiante um pro jeto de separao da Igre ja e do Estado, aosancionar a Lei Juarzem 1855, que despojava os eclesisticos de seus privilgios jurdicos, e em 1856a Lei Lerdo, que declarava o f im dos bens inal ienveis em posse de corporaes, tanto eclesist icascomo civis, o que repercut iu dir etament e nas t erras comunais indgenas, que durante a colnia t inhamsido det ermi nadas, pela Coroa espanhola, como inal ienveis, a f im de produzirem para subsist ncia epagamento dos tr ibutos (SOARES; COLOMBO, 1999). Outro motivo que levou os liberais a lanarem-secontr a os bens eclesist icos, se deve ao f ato de poupar os grandes propr iet r ios laicos e f azer com quea burguesia aproveitasse a pi lhagem dos bens da Igreja. A Igreja Catl ica ser ia novamente alvo dasaes revolucion rias de 1910/ 1920 e t ambm na segunda met ade dos anos 1920, sob a pr esidncia deCalles e seus sucessores, um dos motivos foi compensar a ausncia de radicalismo em outras questes,vo l tando-se assim para um radica l ismo ant ieclesist ico. Cur iosamente, prat icamente nenhuma dasmedidas l ibera is levadas cabo, antes e depois da Revoluo t iveram repercusses duradouras naregi o de Chiap as (GARCA de LEN, 1985).

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    l ib erdade para as pessoas, soment e par a as mercadorias e capit ais. Chicano como

    so denom inados os lati no-americanos nos EUA que, apesar de t oda a discr im inao e

    i legal idade com que so tratados16, so de fundament al import ncia para a economi a

    est adunidense - com seus t rabalhos inf orm ais e barat os - e t ambm , p or out ro lado,

    economia mexicana - com os dlares que enviam as suas faml ias. Esse o 2 maiormot ivo de ent rada de d lares no Mx ico , perdendo apenas para a expor tao de

    pet rleo - cr i ando assim um j ogo vic ioso de int eresse ent re os chefes de Est ados, em

    detr imento da classe trabalhadora17.

    A aglom erao humana na f ront eir a dos EUA com o Mxico,

    [ . . . ] aumentou de f orma desordenada com o NAFTA [ . . . ] Washington v iu na id iauma manei ra de impedi r a fuga para pases as i t icos de fbr icas que poder iam

    perm anecer nos arr edores mexicanos, onde os t r abalhadores j se acost umaram asuar a camisa para ganhar em um dia salr ios que os amer icanos ganham em umahora (LACERDA, 2003, p. A 16).

    Est ima-se que na fr onte i ra dos Est ados Unidos com o Mxico, [ . . . ] 8 .000 pessoas

    tentam c ruz- la i lega lmente todos os d ias . Dos aprox imadamente