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8ª Promotoria de Justiça da Comarca de Guarapuava Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor 1 EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DOUTOR(A) JUIZ(A) DE DIREITO DA ____ VARA CÍVEL DA COMARCA DE GUARAPUAVA – ESTADO DO PARANÁ O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, por sua Promotora de Justiça infra signatária, no uso de suas atribuições constitucionais, e com base nos artigos 127, “caput”, e 129, inciso III, da Constituição Federal, artigos 82, inciso I, e 83, da Lei Federal 8.078, de 11 setembro de 1990 (Código de Proteção e Defesa do Consumidor), e artigo 1º, inciso II, da Lei Federal 7.347, de 24 de julho de 1985 (Lei da Ação Civil Pública), vem, mui respeitosamente à presença de Vossa Excelência, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE LIMINAR adequada a impedir e reprimir danos ao

AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE LIMINAR · proteger tanto interesses difusos como coletivos, e mesmo os ... propiciar a adequada e efetiva tutela dos direitos dos consumidores

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8ª Promotoria de Justiça da Comarca de Guarapuava Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor

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EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DOUTOR(A) JUIZ(A) DE DIREITO DA ____ VARA CÍVEL DA COMARCA DE GUARAPUAVA – ESTADO DO PARANÁ

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO

PARANÁ, por sua Promotora de Justiça infra signatária, no uso de suas atribuições constitucionais, e com base nos artigos 127, “caput”, e 129, inciso III, da Constituição Federal, artigos 82, inciso I, e 83, da Lei Federal 8.078, de 11 setembro de 1990 (Código de Proteção e Defesa do Consumidor), e artigo 1º, inciso II, da Lei Federal 7.347, de 24 de julho de 1985 (Lei da Ação Civil Pública), vem, mui respeitosamente à presença de Vossa Excelência, propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE LIMINAR

adequada a impedir e reprimir danos ao

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consumidor, em face da: UNIMED GUARAPUAVA – COOPERATIVA

DE TRABALHO MÉDICO LTDA., pessoa jurídica de direito privado, com endereço situado na Rua Capitão Rocha, nº. 1273, Centro, na Comarca de Guarapuava-PR, inscrita no CNPJ sob o número 78.044.815/0001-60, na pessoa do seu Diretor Presidente Abrão José Melhem Junior, com base nos seguintes fatos e fundamentos jurídicos a seguir alinhavados:

I – VIA PROCESSUAL ADEQUADA A Ação Civil Pública, disciplinada pela Lei

Federal nº 7347/85, e, supletivamente, pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei Federal nº 8078/90), é vocacionada à tutela do consumidor em sua dimensão coletiva, podendo ser utilizada para proteger tanto interesses difusos como coletivos, e mesmo os denominados individuais homogêneos.

No regime do Código de Defesa do

Consumidor, são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada e efetiva tutela dos direitos dos consumidores (artigo 83). Se a Lei Federal nº 7347/85 restringia a Ação Civil Pública à defesa de interesses difusos e coletivos, o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 81, possibilitou a tutela coletiva de interesses individuais, quando decorrentes de origem comum, evitando com isso o ajuizamento de milhares de ações, proporcionando economia de tempo e dinheiro para as partes e para o Poder Judiciário.

A classificação de um direito ou interesse

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como difuso, coletivo ou individual homogêneo, encontra-se intimamente relacionada ao tipo de pretensão jurisdicional pleiteada, sendo possível, e mesmo comum, encontrar, em uma mesma ação, pedidos relativos a mais de uma espécie de interesse.

No caso em tela, busca-se a tutela dos direitos

coletivos dos consumidores usuários do plano de saúde prestado pela UNIMED GUARAPUAVA – COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO LTDA., que estão sendo prejudicados em função da conduta da operadora em restringir/limitar exames autogerados aos médicos cooperados, com o conseqüente desconto no pagamento da produção relativa aos exames que excedem a cota franqueada, implicando na inibição à solicitação de exames, diagnósticos, prejudicando os pacientes beneficiários de planos de saúde em função da não execução dos exames necessários à investigação diagnóstica.

Esta restrição/limitação faz com que os

médicos cooperados não sejam remunerados pelos exames excedentes ao limite pré-definido contratualmente, podendo, inclusive, serem penalizados com a proibição de autogerarem exames caso a cota definida seja ultrapassada.

Sendo assim, a presente ação visa a exclusão

(obrigação de não fazer) dessa limitação ao número de exames autogerados que é prejudicial ao exercício da medicina, e que PREJUDICA os pacientes/consumidores, posto que não terão sua patologia corretamente diagnosticada, constituindo-se prática abusiva vedada pelo Código de Defesa dos Consumidores, e que deve ser prontamente repelida pelo Poder Judiciário.

Veja-se, Douto Julgador, que são duas

situações distintas: a) a primeira diz respeito aos reflexos negativos que a

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limitação da quantidade de exames autogerados acarreta ao consumidor; b) a outra diz respeito aos prejuízos financeiros havidos pelos médicos em face da redução dos honorários por parte dos planos de saúde em decorrência da extrapolação da cota de exames autogerados.

No primeiro caso (consumidor x planos de

saúde) há relação de consumo e, portanto, é o objeto desta Ação Civil Pública.

No segundo caso (plano de saúde x médicos)

não há relação de consumo e, portanto, a defesa dos médicos não está sendo feita por meio desta actio proposta pelo Ministério Público na defesa do consumidor, pois neste caso os médicos não são consumidores.

O objetivo desta ação é, em resumo,

demonstrar os prejuízos sofridos pelo usuário do plano de saúde – consumidor, com a limitação dos exames autogerados, posto que, no fim, os médicos cooperados escolhem quais pacientes serão diagnosticados corretamente, numa seletividade absolutamente indesejável, e que coloca em risco, sem sombra de dúvidas, a vida dos pacientes/usuários do plano de saúde, tratando-se, portanto, de prática abusiva que deve ser repelida e coibida pelo Poder Judiciário.

Ou seja, a conduta da operadora em restringir

e limitar exames autogerados aos médicos cooperados, com o consequente desconto no pagamento da produção relativa aos exames que excedem a cota franqueada, implica na INIBIÇÃO À SOLICITAÇÃO DE EXAMES DIAGNÓSTICOS, PREJUDICANDO OS PACIENTES BENEFICIÁRIOS DE PLANOS DE SAÚDE EM FUNÇÃO DA NÃO EXECUÇÃO DOS EXAMES NECESSÁRIOS À INVESTIGAÇÃO DIAGNÓSTICA, uma vez que estes médicos não estão sendo remunerados pelos exames excedentes ao limite pré-definido contratualmente, podendo, inclusive, serem penalizados com

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a proibição de autogerarem exames caso a cota seja ultrapassada, que ao passar pelo crivo da Diretoria e Auditoria da Operadora não seja aprovada.

Segundo NELSON NERY JÚNIOR, a pedra de

toque do método classificatório é o tipo de tutela jurisdicional que se pretende quando se propõe a competente ação judicial. Da ocorrência de um mesmo fato, podem originar-se pretensões difusas, coletivas e individuais (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, Forense Universitária, 1992, pág. 621).

Vale mencionar, ainda, que a ação civil ora

aforada revela-se um meio eficaz para obstar a ilegalidade que margeia a restrição/limitação dos exames autogerados imposta pela operadora UNIMED GUARAPUAVA – COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO LTDA., aos médicos cooperados, o que por sua vez implica na inibição à solicitação de exames, diagnósticos, prejudicando os pacientes beneficiários de planos de saúde, em função da não execução dos exames necessários à investigação diagnóstica, sendo o Poder Judiciário o seu refúgio, para a correção, de forma imediata e eficaz, evitando maiores prejuízos aos consumidores usuários deste plano de saúde.

II – LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Por força do disposto no artigo 127, “caput”,

da Constituição Federal, o Ministério Público é instituição permanente, incumbindo-lhe a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis. O artigo 129, inciso III, da nossa Carta Magna, estabelece que uma das funções institucionais do Ministério Público é a promoção da Ação Civil Pública, para a proteção dos interesses difusos e coletivos.

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A Lei que disciplina a Ação Civil Pública (Lei

Federal nº 7347/85, artigo 5º), e o Código de Defesa do Consumidor (Lei Federal nº 8078/90, artigo 82, inciso I), corroboram a legitimidade ativa do Ministério Público.

Assim, sempre que houver, por ação ou

omissão, seja do Poder Público ou de particulares, hostilização aos interesses sociais, o Ministério Público deverá propor Ação Civil Pública, sem exclusão dos demais legitimados concorrentes.

Exsurge irrefutável dos referidos dispositivos

a legitimação ativa do Ministério Público para a propositura da presente ação, pois realiza a defesa coletiva dos interesses dos consumidores usuários do plano de saúde em questão, os quais em decorrência da restrição/limitação aos exames autogerados, não são submetidos à execução dos exames necessários à investigação diagnóstica, o que estaria a causar riscos à saúde destes consumidores.

Considerando nossa legislação consumerista,

em seu artigo 1º estabelece que: “O presente Código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e de interesse social, nos termos dos arts. 5º, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias”, cabendo então ao órgão ministerial a defesa dos direitos do consumidor, pois de ordem pública e, portanto, indisponíveis.

Nesse sentido, a jurisprudência tem se

inclinado:

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA – REAJUSTE DE PRESTAÇÃO DE PLANO DE SAÚDE – DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS

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– LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO – CARÊNCIA DE AÇÃO AFASTADA – RECURSO PROVIDO. Assim, mesmo que disponível o interesse individual homogêneo, é de se admitir a legitimação extraordinária do “parquet” para a propositura da ação coletiva quando a matéria, disciplinada no ordenamento jurídico, é de alta relevância e de tal dimensão que alcance a esfera jurídica da coletividade. (Ministro Antonio Torreão Braz). Fonte TJ PR, Proc. nº. 58251400, Apelação Cível, Londrina, 10ª Vara Cível, 15085, 4ª Câmara Cível, Relator Juiz Lauro Laertes de Oliveira, julg. 28.04.99. Decisão: Unânime. Dado provimento ao recurso.” (sem grifo no original)

Deste modo, existindo relação de consumo e

tendo em vista o interesse coletivo a ser tutelado, o Ministério Público está legitimado a demandar a competente ação, a fim de assegurar tais direitos.

III – DOS FATOS

Conforme consta o Inquérito Civil nº. MPPR 0059.11.000493-0 foi instaurado na 8ª Promotoria Justiça com atribuição na Proteção e Defesa do Consumidor desta Comarca de Guarapuava, que faz parte integrante desta inicial, no dia 13 de outubro de 2011, com base nos documentos encartados às fls. 03/18.

Constata-se dos documentos de fls. 03/18, em

especial do Termo de Compromisso que a operadora UNIMED GUARAPUAVA – COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO LTDA., estaria, por deliberação da Assembléia Geral Extraordinária, realizada em 10 de

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julho de 2006, adotando o sistema denominado CÂMARA DE COMPENSAÇÃO, também denominado de MATRIZ GERENCIAL OU META GERENCIAL.

O sistema CÂMARA DE COMPENSAÇÃO,

MATRIZ GERENCIAL OU META GERENCIAL consiste na imposição de limites ao número de exames médicos aos seus usuários. A partir desse sistema os médicos cooperados estariam limitados à prescrição de um número máximo de exames por mês, independente da necessidade do paciente, o que estaria a causar riscos à saúde dos consumidores e afronta a seus direitos. Ademais, em caso de prescrição do exame excedente da cota médica, o profissional seria penalizado com o desconto do valor do exame pela operadora no pagamento da produção relativa.

Com vistas a instruir os presentes autos de

Inquérito Civil, esta Promotoria de Justiça oficiou a Agência Reguladora de Planos de Saúde do Brasil – ANS informando da limitação de exames autogerados aos médicos cooperados da UNIMED GUARAPUAVA e o conseqüente desconto no pagamento da produção relativa àqueles exames excedentes, pugnando pela punição de advertência e descredenciamento previstas na Lei nº. 9.656/98, fls. 41/42, 44.

Às fls. 46/48 a Agência Reguladora de Planos

de Saúde do Brasil- ANS informou a instauração do Procedimento Administrativo nº. 25782.015426/2011-08 para apurar indícios de infração à Lei nº. 9656/98, referente à operadora UNIMED GUARAPUAVA – COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO LTDA.

Em atenção a requisição ministerial a

Diretoria Executiva da UNIMED GUARAPUAVA – COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO., ora requerida, não negou a utilização da

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restrição/limitação aos exames autogerados1, afirmando para tanto que os cooperados deliberaram sobre a maneira de gestão e controle destes exames em prol de todos os cooperados naquilo que efetivamente significa a expressão cooperativista, fls. 52.

Observa-se ainda dos documentos

encaminhados pela requerida UNIMED GUARAPUAVA que a regulamentação dos exames autogerados, decorreu de decisão tomada em Assembléia Geral Extraordinária, realizada em 12 de junho de 2008, cujos parâmetros estão em consonância com os estudos do Colégio Brasileiro de Auditores, Sociedades de Especialidades Médicas, bem como na medicina baseada em evidências, fls. 53/54.

Com base nisso, afirma que os médicos

cooperados aprovaram a criação da Câmara de Compensação de Exames Autogerados, com os percentuais naquela oportunidade apresentados, sem qualquer bonificação. Em 21 de setembro de 2009, a matéria foi rediscutida e mantida a referida Câmara, fls. 53/75.

Às fls. 77/79 a Agência Nacional de Saúde

Suplementar encaminhou o Auto de Infração nº. 33422, movido em face da operadora UNIMED GUARAPUAVA.

Por conseguinte oficiou-se novamente a

Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS buscando maiores informações acerca do julgamento definitivo do Processo Administrativo instaurado em face da UNIMED GUARAPUAVA, fls. 85, 91, 101.

De acordo com a Agência Nacional de Saúde

Suplementar – ANS a conduta da operadora UNIMED GUARAPUAVA em

1 Solicitados pelo profissional proprietário do equipamento.

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restringir os exames autogerados consiste numa conduta infrativa, motivo que ensejou a aplicação de multa pecuniária no valor de R$ 155.586,38 (cento e cinqüenta e cinco mil, quinhentos e oitenta e seis reais e trinta e oito centavos), fls. 93/95, 103/107.

Cumpre esclarecer que em face da multa

pecuniária no valor de R$ 155.586,38 (cento e cinqüenta e cinco mil, quinhentos e oitenta e seis reais e trinta e oito centavos), poderia a requerida interpor recurso administrativo, ou no prazo de trinta dias, efetuar o pagamento integral da multa fixada, ou, ainda apresentar pedido de parcelamento, fls. 153.

Entretanto, conforme se observa às fls. 136,

161, 165, 167, 169 e 173 a operadora UNIMED optou pelo pagamento da multa pecuniária fixada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar, reconhecendo a ilegalidade praticada, cujo valor foi posteriormente descontado do caixa da cooperativa e dos médicos cooperados, conforme informação de fls. 82/83.

Insta salientar que no curso da instrução do

Inquérito Civil, esta Promotoria de Justiça tomou conhecimento da tramitação de ação judicial em face da operadora em questão, referente ao objeto apurado nestes autos, motivo que ensejou a notificação do médico Dr. Lincoln Norimassa Yoshida, autor da mencionada ação, fls. 108/109.

Constata-se do termo de declaração prestado

pelo ex-cooperado Dr. Lincoln Norimassa Yoshida às fls. 121/124:

“(...) Que no ano de 2007 o declarante recebeu um Termo de Compromisso assinado pela Diretoria Executiva da criação de um sistema de exames autogerados, que limitava o número de exames a uma determinada

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porcentagem para cada especialidade; Que no caso da especialidade do declarante em média a limitação era de 10% alguns exames 5% e outros 15%; Que o declarante informa que a partir desse momento solicitou um parecer da Associação Brasileira de Otorrinolaringologista, que responderam que tal limitação era ilegal, conforme consta dos documentos de fls.09 e seguintes, sendo que o declarante entregou referido documento a Diretoria da Unimed Guarapuava aduzindo que não iria assinar o documento; Nesse período, até o ano de 2008, o médico que extrapolasse a cota de exames autogerados não era penalizado, apenas não ganhava uma bonificação; Que houve uma Assembléia Geral no ano de 2008, sendo que a maioria dos cooperados aprovaram a limitação dos exames autogerados, que começou a viger inclusive no ano de 2008, tendo estipulado que o cooperado que extrapolasse a cota seria multado na hipótese da “câmara de compensação” entender pelo excesso de exames; Que a Unimed Guarapuava implantou um sistema de compensação de exames autogerados, alegando que se existe uma extrapolação na cota em um mês e no outro não, eles acabam por fazer uma compensação, contudo o declarante não tem condições de aceitar essa câmara de compensação, posto que o médico acaba por não pedir os exames necessários (...) Que o declarante afirma que essa limitação de exames autogerados prejudica o paciente, posto que se o médico pedir acima da cota acaba por ser penalizado; Que psicologicamente o médico fica preocupado com a limitação do número de exames autogerados e pode acabar deixando de realizar ou solicitar exames essenciais (...) Que o declarante pediu o seu descredenciamento da cooperativa, vez que, por

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exemplo, se atendia 160 paciente por mês e só poderia solicitar exames em 10% dos pacientes atendidos, a chance de se “cometer um erro médico era muito grande, o que motivou o declarante a se descredenciar da cooperativa, a Unimed continua limitando o número de exames que podem ser solicitado pelos médicos; (...) Que o declarante ingressou com ação judicial visando a nulidade da assembléia que limitou a solicitação de exames autogerados, solicitando seu retorno aos quadros da Unimed sem esta limitação de exames, além da indenização por lucros cessantes (...)” fls. 121/124. (g.n.)

Desta forma, estando plenamente caracterizados os danos sofridos e, ainda, que estão expostos os consumidores usuários da operadora do plano de saúde em questão, não restando alternativa ao Ministério Público senão a de promover a presente ação.

IV – OS DIREITOS PROTEGIDOS E OBJETIVO DA AÇÃO

O objetivo da presente ação é a condenação da requerida à obrigação de não fazer, qual seja, não limitar o número ou percentual de exames que podem ser solicitados pelos médicos conveniados, por violação das normas do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/90), a regulamentação da Saúde Suplementar (Lei n.º 9.656/98 e Lei n.º 9.961/2000), atingindo direitos coletivos e individuais homogêneos dos consumidores/usuários do plano de saúde, que não estão tendo ou não terão sua avaliação de saúde diagnosticada corretamente, em razão dessa limitação do número de solicitação de

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exames. Veja-se que a prática adotada pela UNIMED

GUARAPUAVA, ora requerida, de adoção de mecanismos de redução de procedimentos e exames de investigação diagnóstica é prática ilegal e abusiva, que fere o exercício profissional do médico e afronta – de forma extremamente grave – o direito dos pacientes, na condição de destinatários finais dos serviços médicos, ou seja – os consumidores.

A utilização de fator redutor é coibida pelo

Código de Ética Médica e caracteriza grave conduta de abuso de poder econômico pela requerida, já que o alvo de toda a atenção médica é o doente, em benefício do qual deverá agir com o máximo zelo e o melhor de sua capacidade profissional, sendo obrigação do médico e direito do paciente, ter sua sintomatologia e patologia investigadas satisfatoriamente, com a utilização de toda a técnica e tecnologia disponíveis ao profissional médico.

Assim agindo, a requerida vem adotando

método discriminatório de mecanismos de redução de procedimentos e exames de investigação diagnóstica, visando a redução de gastos e com finalidade unicamente lucrativa, em prejuízo dos pacientes, ora consumidores.

Reitere-se, novamente, que são duas situações

distintas: a) a primeira diz respeito aos reflexos negativos que a limitação da quantidade de exames autogerados acarreta ao consumidor; b) a outra diz respeito aos prejuízos financeiros havidos pelos médicos em face da redução dos honorários por parte dos planos de saúde em decorrência da extrapolação da cota de exames autogerados.

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No primeiro caso (consumidor x planos de saúde) há relação de consumo e, portanto, este é o objeto desta Ação Civil Pública.

No segundo caso (plano de saúde x médicos)

não há relação de consumo e, portanto, a defesa dos médicos não está sendo feita por meio desta actio proposta pelo Ministério Público na defesa do consumidor, pois neste caso os médicos não são consumidores.

O objetivo desta ação é, em resumo,

demonstrar os prejuízos sofridos pelo usuário do plano de saúde – consumidor, com a limitação dos exames autogerados, posto que, no fim, os médicos cooperados escolhem quais pacientes serão diagnosticados corretamente, numa seletividade absolutamente indesejável, e que coloca em risco, sem sombra de dúvidas, a vida dos pacientes/usuários do plano de saúde, tratando-se, portanto, de prática abusiva que deve ser repelida e coibida pelo Poder Judiciário.

Ou seja, a conduta da operadora em restringir

e limitar exames autogerados aos médicos cooperados, com o consequente desconto no pagamento da produção relativa aos exames que excedem a cota franqueada, implica na INIBIÇÃO À SOLICITAÇÃO DE EXAMES DIAGNÓSTICOS, PREJUDICANDO OS PACIENTES BENEFICIÁRIOS DE PLANOS DE SAÚDE EM FUNÇÃO DA NÃO EXECUÇÃO DOS EXAMES NECESSÁRIOS À INVESTIGAÇÃO DIAGNÓSTICA, uma vez que estes médicos não estão sendo remunerados pelos exames excedentes ao limite pré-definido contratualmente, podendo, inclusive, serem penalizados com a proibição de autogerarem exames caso a cota seja ultrapassada, que ao passar pelo crivo da Diretoria e Auditoria da Operadora não seja aprovada.

Outrossim, tal situação restou mais do que

evidenciada dos autos, posto que consta do documento de fls. 52/75, a

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confirmação pela requerida da adoção da prática de limitação dos exames autogerados, sendo que na ocasião a Diretoria Executiva da UNIMED GUARAPUAVA informou que os cooperados deliberaram pela regulamentação, insista-se no âmbito da autonomia da vontade, e, ainda, no que concerne a direitos disponíveis, deliberar sobre a maneira de gestão e controle dos exames autogerados, em prol de todos os cooperados, naquilo que efetivamente significa a expressão cooperativista.

Não restam dúvidas de que esta atitude

coloca em risco a saúde do consumidor, ou seja, do usuário do plano de saúde, que sem sequer saber dos mandos e desmandos da Cooperativa, acaba por não ter a avaliação de saúde efetivada de forma plena, eis que os médicos conveniados, em razão dessa prática da limitação dos exames sob pena de penalização (desconto no pagamento), acabam por escolher ou eleger para quais pacientes solicitarão os exames.

Consta do Termo de Compromisso enviado

pela UNIMED GUARAPUAVA a todos os seus médicos cooperados (fls. 03/08), a seguinte cláusula:

“4.2. O cooperado neste ato assume o compromisso de solicitar exames autogerados somente nos casos em que o diagnóstico realmente exigir, sendo que na ocasião de ultrapassarem a cota estabelecida, o médico responsável não receberá sua produção relativa àqueles exames excedentes, salvo quando apresenta justificativa plausível, que será devidamente analisada pela Diretoria e Auditoria da Unimed.”

Outrossim, tal prática abusiva é

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expressamente VEDADA, constando da Súmula 16 de 12 de abril de 2011, da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) o seguinte:

“É vedado às operadoras de planos privados de assistência à saúde adotar e/ou utilizar mecanismos de regulação baseados meramente em parâmetros estatísticos de produtividade os quais impliquem inibição à solicitação de exames diagnósticos complementares pelos prestadores de serviços de saúde, sob pena de incorrerem em infração ao artigo 42 da Resolução Normativa – RN N.º 124, de 30 de março de 2006.”

Douto Julgador, tal prática ilegal, além de

restringir a atividade do profissional médico, a prática pode gerar dificuldades de acesso dos pacientes ao tratamento adequado. Tal conduta também é considerada RESTRIÇÃO DA ATIVIDADE DO PRESTADOR, com pena prevista no art. 42 da Resolução Normativa 124/2006:

“Art. 42. Restringir, por qualquer meio, a liberdade do exercício de atividade profissional de prestador de serviço: Sanção – advertência; Multa de R$ 35.000,00.”

A prática de bonificação adotada pela

UNIMED GUARAPUAVA é, portanto, ilegal, abusiva, contrariando o Código de Defesa do Consumidor, Código de Ética Médica e resoluções da Agência Nacional de Saúde.

IV. 1 – DA IRREGULARIDADE DA LIMITAÇÃO DOS EXAMES AUTOGERADOS

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Compulsando detidamente o presente

Inquérito Civil, que instrui esta ação, depreende-se que a requerida UNIMED GUARAPUAVA utilizando-se da chamada Câmara de Compensação, também denominado de meta gerencial ou matriz gerencial, está limitando/restringindo exames autogerados aos médicos cooperados, com o conseqüente desconto no pagamento da produção relativa aos exames que excedem a cota franqueada, o que por sua vez implica na inibição à solicitação de exames diagnósticos, prejudicando os pacientes beneficiários do plano de saúde em função da não execução dos exames necessários à investigação diagnóstica.

Segundo argumenta a requerida os

cooperados deliberaram sobre a maneira de gestão e controle dos exames autogerados em prol de todos os cooperados. Afirma ainda, que à regulamentação destes exames, decorreu de decisão tomada em Assembléia Geral Extraordinária, realizada em 12 de junho de 2008, cujos parâmetros estão em consonância com os estudos do Colégio Brasileiro de Auditores, Sociedades de Especialidades Médicas, bem como na medicina baseada em evidências, fls. 52/54.

Ao final, relata que os médicos cooperados

aprovaram a criação da Câmara de Compensação de Exames Autogerados, com os percentuais naquela oportunidade apresentados, sem qualquer bonificação ao médico cooperado, fls. 53/75.

Todavia, em que pese à requerida alegue que

a decisão de limitar o número de exames autogerados adveio dos próprios médicos cooperados e que tal conduta não impede a realização do exame prescrito, CONSTATA-SE QUE A CONDUTA ADOTADA PELA OPERADORA DE PLANO DE SAÚDE PREJUDICA OS PACIENTES

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BENEFICIÁRIOS, NOTADAMENTE EM RAZÃO DA NÃO REALIZAÇÃO DOS EXAMES NECESSÁRIOS À INVESTIGAÇÃO DIAGNÓSTICA.

Veja-se, Excelência, que não paira dúvidas

acerca do caráter cooperativo da Unimed Guarapuava. Todavia, a atividade desenvolvida pela Operadora está sujeita à Lei nº. 9.656/98 ao disponibilizar plano de saúde à terceiras pessoas, atuando no mercado e comercializando produtos como qualquer outra operadora.

A Lei nº. 9.656 de 3 de Junho de 1998, que

dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde veda a prática do sistema adotado pela requerida, conforme vejamos:

“Art. 18. A aceitação, por parte de qualquer prestador de serviço ou profissional de saúde, da condição de contratado, credenciado ou cooperado de uma operadora de produtos de que tratam o inciso I e o §1º do art. 1º desta Lei, implicará as seguintes obrigações e direitos: (...) II – a marcação de consultas, exames e quaisquer outros procedimentos deve ser feita de forma a atender às necessidades dos consumidores (..); III – a manutenção de relacionamento de contratação, credenciamento ou referenciamento com número ilimitado de operadoras, sendo expressamente vedado às operadoras, independente de sua natureza jurídica constitutiva, impor contratos de exclusividade ou de RESTRIÇÃO À ATIVIDADE PROFISSIONAL. (...)” (g.n.)

Ademais, cumpre mencionar que a Resolução

do Conselho de Saúde Suplementar – CONSU nº. 08/1998 que dispõe

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sobre os mecanismos de regulação nos Planos e Seguros Privados de Assistência à Saúde e o artigo 32 da Resolução do Conselho Federal de Medicina nº. 1.931/2009 foram infringidas pela requerida, conforme vejamos:

Resolução CONSU nº. 08/1998:

“Art. 2º. Para adoção de práticas referentes à regulação de demanda da utilização dos serviços de saúde, estão vedados: I – qualquer atividade ou prática que infrinja o Código de Ética Médica ou o de Odontologia; (...)”

Resolução do Conselho Federal de Medicina nº. 1.931/2009:

“Art. 32. Deixar de usar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente”.

Assim sendo, a partir dessa conduta a

requerida atinge e prejudica os consumidores usuários deste plano de saúde, colocando-os em risco, pois não terão sua avalição médica realizada convenientemente, posto que o médico cooperado ficará inibido em realizar os exames necessários, ante a penalização pecuniária que sofrerá, sendo sua prática danosa à saúde do consumidor.

Tal prática abusiva vem sendo prontamente

atacada e desconstituída pelos Tribunais de Justiça pátrios, valendo destacar, por exemplo, alguns julgados:

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“Honorários profissionais. Médico cooperado que tem parte de sua remuneração retidas por conta de requisições de exames que excederam a diretriz traçada pelo denominado ‘Plano de Meta Referencial’. Ausência de prova conclusiva sobre não serem necessários os exames requisitados e que deram origem à glosa. Existência de resto de mecanismos legais e disciplinares que desautorizam a adoção do referido plano para validar a retenção dos honorários médicos. Pretensão de cobrança dos honorários retidos procedentes. Apelação da ré improvida.” (APELAÇÃO 818.818-0/01, TJSP, 33.ª CÂMARA, D.J. 26/04/06). (g.n.) “Apelação. Médico-autor que propôs ação contra a ré, da qual é cooperado, para excluir a limitação de exames autogerados impostos por meta referencial, bem como pugnou a vedação de descontos em seu pagamento gerados pela meta, e pelo ressarcimento dos valores já descontados. (...) Exclusão de limitação ao numero de exames autogerados que é prejudicial ao exercício da medicina além de não ser benéfico aos pacientes. Colocação de tarja no nome do autor no Manual de Usuário que restou comprovada. Danos morais e materiais configurados. Sentença que fixou o valor da indenização por dano moral dentro do critério de razoabilidade, equacionando corretamente os pedidos condenatórios. Sentença mantida. Recurso improvido.” (Apelação Cível 9250712-76.2008.8.26.0000, TJSP, 2.ª Câmara Cível, D.J. 03/02/2012). (g.n.)

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IV. 2 – DAS PRÁTICAS ABUSIVAS E OS DANOS AOS CONSUMIDORES O art. 4º, incisos II e VI, do Código de Defesa

do Consumidor ao tratar da Política Nacional de Relações de Consumo, consagrou como princípios: a proteção do consumidor pelo Estado e o da coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado.

Já em seu art. 6º, inciso I, o mesmo estatuto

consagra como direito básico do consumidor “a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos”. No mesmo dispositivo, em seu inciso VI, também vem garantida "a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos".

Ademais dispõe em seu art. 20 a

responsabilidade do fornecedor de serviços o qual: “responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha (...)”.

Verificou-se no inquérito civil, de forma

clara, a utilização de práticas abusivas pela operadora de plano de saúde UNIMED GUARAPUAVA, porquanto na condição de fornecedora de serviço restringe/limita os exames autogerados aos consumidores e usuários do plano de saúde, impedindo que estes tenham acesso a todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento, cientificamente reconhecidos e a seu alcance.

A aplicação da Câmara de Compensação pela

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qual os médicos cooperados da requerida só podem solicitar e realizar eles próprios exames diagnósticos até certo número, em prejuízo dos demais consumidores se já extrapolada esta cota numérica, realmente afigura-se prática abusiva, vedada pelo Código de Defesa do Consumidor.

Outrossim, argumento da requerida de que a

limitação de exames autogerados visa coibir abusos em sua solicitação por parte dos médicos não merece prosperar.

Insta salientar que possíveis excessos

porventura praticados por alguns médicos, a má-fé e a prática de fraudes pelos profissionais cooperados devem ser apuradas e sancionadas casuisticamente.

O que não pode se admitir é que, com o

escopo de preveni-las, a requerida acabe prejudicando a vida e saúde dos consumidores (usuários do plano de saúde) impondo restrição geral à realização de exames pelos próprios médicos solicitantes, comprometendo o exercício de sua atividade profissional e, frise-se mais uma vez, comprometendo à saúde do paciente, ora consumidor e beneficiário do plano de saúde.

Ainda, note-se que a imposição de uma cota

de exames autogerados implica, em suma, que o médico tenha de escolher quais pacientes quer diagnosticar ele próprio, numa seletividade absolutamente indesejável e contrária aos imperativos éticos de sua profissão.

Ora, o consumidor não pode ficar refém da

vontade da requerida que, a seu bel prazer, restringe os exames autogerados a fim de alcançar benefícios financeiros, porquanto sua instituição através de deliberação da Assembléia Geral Extraordinária,

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realizada em 10 de julho de 2006, busca o gerenciamento de custo assistencial, conforme consta do Termo de Compromisso e Ata da Assembléia Geral Extraordinária do dia 30/06/2008, fls. 02/08 e 55/75, verbis:

Termo de Compromisso: (...) “CONSIDERANDO que, por deliberação da Assembléia Geral Extraordinária, realizada em 10 de julho de 2006, restou implantada a Matriz Gerencial, que consiste na utilização de mecanismos de gerenciamento de custo assistencial”. Ata da Assembléia Geral Extraordinária de 30/08/2008: (...) “item 5 e 6) Custos Assistenciais e Exames Auto Gerados, Dr. Wagner mostra o aumento do custo assistencial e os estudos realizados para detectar possíveis causas, entre as causas estão os exames auto gerados, (...) A autogeração de exames tem sido algo de debates em todo o sistema Unimed e diversas práticas estão sendo adotadas para minimizar este vilão do custo assistencial. (...) Colocados para aprovação da plenária de compensação de exames auto gerados com os índices preconizados apresentados”.

Portanto é evidente que a conduta adotada

pela operadora de plano de saúde IMPORTA EM RISCO OU CONSEQUÊNCIA DANOSA À SAÚDE DO CONSUMIDOR, cuja proteção à saúde é um dos direitos básicos do consumidor previsto no inciso I do art. 6º do Código de Defesa do Consumidor.

Não restam dúvidas quanto à prática abusiva

exercida pela requerida, colocando na medida em que presta ao

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consumidor serviço sem a qualidade adequada, qual seja, ter em contrapartida o direito de realizar todos os exames necessários e previstos em seu contrato, confrontando com o disposto no artigo 4º, inciso II, alínea d do Código de Defesa do Consumidor.

Sobre a definição das práticas comerciais

abusivas, é importante mencionar a definição de Ricardo Hasson Sayeg2: [...] é de se definir práticas comerciais abusivas como os atos de fornecimento ou aqueles ocorridos em razão deles, realizados irregularmente por empresas com abuso de direito do fornecedor, violação ao direito do consumidor ou infração à lei, desde que dentro dos limites da relação de consumo. Ressalta-se que as práticas abusivas não são portanto aquelas únicas e exclusivamente elencadas no artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor, mas sim estão espalhadas por todo ele, tanto quanto estão também definidas e reprimidas em legislações diversas, dentro do sistema positivo de proteção do consumidor. Ainda, mesmo que não haja previsão legal de uma dada prática comercial, se a mesma enquadrar-se no conceito supra de prática comercial abusiva, deve ser tida como tal, face a impossibilidade de exaustão legislativa, posto que a criatividade e imaginação humana não têm limites, principalmente estando

2 Revista de Direito do Consumidor, Editora RT, volume nº 07, página 37.

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aguçada pelo objetivo do lucro.” As práticas comerciais abusivas, portanto, não

se esgotam na relação estabelecida no artigo 39 do CDC, que é meramente exemplificativa. De acordo com o ensinamento de Antônio Herman de Vasconcelos e Benjamin3, prática abusiva é a desconformidade com os padrões mercadológicos de boa conduta em relação ao consumidor. São condições irregulares de negociação nas relações de consumo. O mesmo autor, citando Gabriel Stiglitz, diz que ferem a ordem jurídica, seja pelo prisma da boa-fé, seja pela ótica da ordem pública e dos bons costumes.

O fato da requerida limitar os exames

autogerados aos beneficiários e aliada ao desconhecimento destes encontra-se em violenta desconformidade com o art. 39, incisos II e IV do CDC:

“Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (...) II – recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes; (...) IV – prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços.”

A restrição/limitação de exames autogerados

nessas condições configura a existência de disparidade com as indicações 3 Código de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto. 6. ed. São Paulo: Forense, 1999. p. 307.

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constantes da oferta (daquelas contratadas pelo beneficiário), incidindo, na hipótese, a norma do art. 20 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (CDC), que dispõe sobre a responsabilidade do fornecedor.

Em suma, o fornecedor tem o dever de

lançar no mercado de serviços isentos de qualquer disparidade, sob pena de responder objetivamente pelos danos que causar aos consumidores. Ou, no dizer de Zelmo Denari4, o fornecedor tem a obrigação de assegurar a boa execução do contrato, colocando o serviço no mercado de consumo em perfeitas condições de uso, o que não foi observado no caso em pauta.

IV. 3 – DOS INSTRUMENTOS DE FACILITAÇÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – A INVERSÃO DO ÔNUS PRA PROVA

Conforme já explanado anteriormente, a operadora UNIMED GUARAPUAVA COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO LTDA., está restringindo/limitando exames autogerados aos médicos cooperados, com o conseqüente desconto no pagamento da produção relativa aos exames que excedem a cota franqueada, o que implica na inibição à solicitação de exames diagnósticos, prejudicando a saúde dos pacientes beneficiários de planos de saúde em função da não execução dos exames necessários à investigação diagnóstica e ao correto prognóstico e tratamento da doença que eventualmente possuem.

4 Código de Defesa do Consumidor Comentado. 6. ed. Forense, 1999. p. 178.

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Frise-se, mais uma vez, que se está diante de PRÁTICAS ABUSIVAS AO CONSUMIDOR os quais beneficiários do plano de saúde em questão não estão tendo a sua demanda (exames médicos autogerados) atendida em conformidade. Constata-se que a operadora prevalecendo-se da ignorância do consumidor impingi-lhes a limitação/restrição aos exames que teriam direito para a investigação diagnóstica.

Ademais, no caso vertente, é imprescindível

que se reconheça a INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA em favor dos consumidores destinatários desta ação, aplicando-se assim o disposto no artigo 6º, inciso VIII do Código de Defesa do Consumidor:

“São direitos básicos do consumidor a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova a seu favor, no processo civil, quando, a critério do Juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência”. João Batista de Almeida, em sua obra “A

Proteção Jurídica do Consumidor”, Ed. Saraiva, 3ª edição, 2002, p. 103, leciona:

“Sabe-se que o consumidor, por força de sua situação de hipossuficiência e fragilidade, via de regra enfrentava dificuldade invencível de realizar a prova de suas alegações contra o fornecedor, mormente em se considerando ser este o controlador dos meios de produção, com

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acesso e disposição sobre os elementos de provas que interessam à demanda. Para inverter esse quadro francamente desfavorável ao consumidor, o legislador alterou, para as relações de consumo, a regra processual do ônus da prova, atento à circunstância de que o fornecedor está em melhores condições de realizar a prova de fato ligado à sua atividade. Compreensivelmente limitou-a ao processo civil e as seguintes situações: quando houver verossimilhança nas alegações, a critério do Juiz e segundo as regras ordinárias de experiência, ou quando houver comprovação da condição de hipossuficiência do consumidor. O deferimento da inversão deverá ocorrer entre a propositura da ação e o despacho saneador, pena de prejuízo para a defesa do réu”. Mas incide no caso, também, como

instrumento processual de facilitação de defesa do consumidor, a regra da inversão do ônus da prova prevista no art. 6°, inc. VIII, do CDC, cujos pressupostos encontram-se presentes para a sua aplicação.

A verossimilhança dos fatos e do direito é

manifesta, estando expressas pelas informações obtidas no inquérito civil, estando presente, também, a hipossuficiência dos consumidores, substituídos, aqui, pelo Ministério Público.

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Está pacificado no Superior Tribunal de Justiça que a defesa dos interesses e direitos dos consumidores deverá ser facilitada com a inversão do ônus da prova, seja nas demandas individuais, ou seja, nas coletivas (art. 81 do CDC5).

Não restam assim dúvidas que o Ministério

Público, no âmbito de ação consumerista, faz jus à inversão do ônus da prova, "a considerar que o mecanismo previsto no art. 6º, inc. VIII, do CDC busca concretizar a melhor tutela processual possível dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos e de seus titulares - na espécie, os consumidores -, independentemente daqueles que figurem como autores ou réus na ação. Precedentes" (REsp 1.253.672/RS, Ministro Mauro Campbell Marques, DJe de 9.8.2011).

Em igual sentido, confiram-se:

“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OMISSÃO, OBSCURIDADE E CONTRADIÇÃO. NÃO-OCORRÊNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. SÚMULA N. 7/STJ. INVERSÃO ÔNUS DA PROVA. DIREITO DO CONSUMIDOR. POSSIBILIDADE. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE COTEJO ANALÍTICO. [...] 5. É possível, em ação civil pública, a inversão do ônus da prova em favor do Ministério Público quando o feito versar sobre direito do consumidor. [...] 7. Recurso especial não-conhecido”. (REsp 736.308/RS, Ministro João Otávio de Noronha, DJe de 2.2.2010). (g.n.)

5 Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

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“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ABUSIVIDADE NA COMERCIALIZAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA A FAVOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO. POSSIBILIDADE. TUTELA DE DIREITOS E DE SEUS TITULARES, E NÃO PROPRIAMENTE DAS PARTES DA AÇÃO. 1. Trata-se, na origem, de ação civil pública movida pelo recorrido em face da recorrente em que se discute abusividade na comercialização de combustíveis. Houve, em primeiro grau, inversão do ônus da prova a favor do Ministério Público, considerando a natureza consumerista da demanda. Esta conclusão foi mantida no agravo de instrumento interposto no Tribunal de Justiça. 2. Nas razões recursais, sustenta a recorrente ter havido violação aos arts. 535 do Código de Processo Civil (CPC), ao argumento de que o acórdão recorrido é omisso, e 6º, inc. VIII, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), pois o Ministério Público não é hipossuficiente a fim de que lhe se permita a inversão do ônus da prova. Quanto a este último ponto, aduz, ainda, haver dissídio jurisprudencial a ser sanado. 3. Em primeiro lugar, é de se destacar que os órgãos julgadores não estão obrigados a examinar todas as teses levantadas pelo jurisdicionado durante um processo judicial, bastando que as decisões proferidas estejam devida e coerentemente fundamentadas, em obediência ao que determina o art. 93, inc. IX, da Constituição da República vigente. Isto não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC. Precedentes. 4. Em segundo lugar, pacífico nesta Corte Superior o entendimento segundo o qual o Ministério Público,

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no âmbito de ação consumerista, faz jus à inversão do ônus da prova, a considerar que o mecanismo previsto no art. 6º, inc. VIII, do CDC busca concretizar a melhor tutela processual possível dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos e de seus titulares - na espécie, os consumidores -, independentemente daqueles que figurem como autores ou réus na ação. Precedentes. 5. Recurso especial não provido.” (REsp 1253672/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/08/2011, DJe 09/08/2011) (g.n.) “CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. JULGAMENTO MONOCRÁTICO. LEGALIDADE. ART. 557 DO CPC. POSSIBILIDADE DE AGRAVO INTERNO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. POSSIBILIDADE. 1. Não há óbice a que seja invertido o ônus da prova em ação coletiva - providência que, em realidade, beneficia a coletividade consumidora -, ainda que se cuide de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público. 2. Deveras, "a defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas" - a qual deverá sempre ser facilitada, por exemplo, com a inversão do ônus da prova - "poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo" (art. 81 do CDC). 3. Recurso especial improvido.” (REsp 951.785/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 15/02/2011, DJe 18/02/2011) (g.n.)

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É fundamental, portanto, que seja reconhecida a incidência da regra até o despacho saneador, como forma, até, de oportunizar aos requeridos à produção de provas de seu interesse.

V – DOS PEDIDOS LIMINARES Os elementos coligidos no inquérito civil

indicam a existência de danos aos beneficiários do plano de saúde UNIMED GUARAPUAVA e para aqueles que possuem a pretensão de contratar os serviços da mencionada operadora de plano de saúde, os quais estão sendo prejudicados pela restrição/limitação dos exames autogerados aos médicos cooperados.

A restrição/limitação gera como

conseqüência o desconto aos médicos cooperados no pagamento da produção relativa aos exames que excedam a cota franqueada, implicando na inibição à solicitação de exames diagnósticos, prejudicando os consumidores beneficiários do plano de saúde em função da não execução dos exames necessários para investigar o diagnóstico, colocando em risco a vida e a saúde dos usuários do plano de saúde/consumidores.

Impõe-se, portanto, a concessão de medidas

liminares de modo a se evitar a ocorrência de novos danos aos consumidores.

O fumus boni iuris caracteriza-se pela farta

documentação juntadas ao inquérito civil e que integralmente compõe a presente ação, comprovando as lesões aos consumidores, porquanto a própria requerida confirma a adoção da Câmara de Compensação, também denominada de Matriz Gerencial ou Meta Referencial, para

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restringir/limitar os exames autogerados aos beneficiários do plano de saúde.

O periculum in mora está presente diante da

natural demora de tramitação de uma ação coletiva, a qual poderá oportunizar o desvio de patrimônio, dificultando o ressarcimento dos prejuízos. Além disso, novas lesões poderão ser perpetradas a outros consumidores, o que deve ser prevenido.

Ademais, a seletividade imposta pela

operadora de plano de saúde ao restringir/limitar a prescrição dos exames autogerados pode implicar, no fim, que o médico tenha de escolher quais pacientes quer diagnosticar ele próprio, numa seletividade absolutamente indesejável e contrária aos imperativos éticos de sua profissão, fazendo com que o beneficiário não tenha uma investigação adequada ao seu diagnóstico e o correto tratamento da sua patologia.

O art. 4º da Lei nº 7347/85 prevê a

possibilidade de medida cautelar, com o conseqüente deferimento de medida liminar nos termos do art. 12 da mesma lei, objetivando evitar o dano ao consumidor. De outra parte, o art. 84 do Código de Defesa do Consumidor estabelece que, na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá tutela específica, ou determinará providências que assegurem o seu resultado prático.

Assim, não havendo dúvidas quanto à

relevância da matéria, requer o Ministério Público a concessão de medidas liminares, sem a oitiva da parte contrária, nos seguintes termos:

a) que seja determinado à requerida, em

atenção ao princípio da prevenção, a suspensão imediata da CÂMARA

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DE COMPENSAÇÃO (MATRIZ GERENCIAL OU META REFERENCIAL) via de consequência suspensão de qualquer restrição ou limitação aos exames autogerados aos consumidores beneficiários do plano de saúde ‘sub judice’;

b) que seja determinado à requerida a

suspensão imediata de qualquer tipo de meta de número de exames prescritos, em determinado período, a ser seguida por seus médicos cooperados, como forma de contenção de custos, gastos ou busca de equilíbrio econômico-financeiro e de modo que venha a tolhê-los, de qualquer forma, no exercício da medicina, em franco prejuízo e desrespeito ao consumidor usuário do plano de saúde que não tem sua avaliação diagnóstica realizada corretamente, colocando em risco sua vida e saúde;

c) que seja determinado à requerida a

suspensão imediata dos descontos de honorários médicos de seus cooperados, quando vierem a ultrapassar algum tipo de limite de exames prescritos em determinado período, fixado por quem quer que seja;

d) que seja determinada a parte requerida

que informe de forma pessoal e por escrito, no prazo de 72 horas, a todos os beneficiários do plano de saúde o inteiro teor da decisão favorável aos consumidores/adquirentes, a fim de que possam tomar conhecimento da irregularidade apontada e promover o que entender de direito;

e) a fixação de multa pecuniária e diária

equivalente a R$ 10.000,00 (dez mil reais), corrigidos pelo IGPM, por hipótese de descumprimento das medidas acima requeridas.

f) seja determinada a parte requerida que

comprove, documentalmente, o cumprimento integral da decisão liminar

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no prazo máximo de 48 horas a contar do término do prazo para sua efetivação;

VI – DOS PEDIDOS DEFINITIVOS Em face de todo o exposto e por tudo mais

que dos autos de Inquérito Civil MPPR 0059.11.000493-0 constam, requer o Ministério Público do Estado do Paraná, a PROCEDÊNCIA INTEGRAL DA AÇÃO, nos seguintes termos:

a) sejam concedidos e tornados definitivos os

provimentos liminares pleiteados no item anterior; b) seja a requerida condenada a obrigação

de não fazer, consistente em não adotar, de nenhum modo, direta ou indiretamente, o sistema conhecido como câmara de compensação, meta referencial, meta gerencial, matriz gerencial ou matriz referencial, que consistem em métodos utilizados por operadoras de planos de saúde e cooperativas médicas, com o objetivo de monitorar e, frequentemente punir, pecuniariamente ou não, o médico que solicita determinado número de exames complementares, ultrapassando uma média mensal, que é estimada pelo número de exames similares solicitados pelos demais médicos da mesma especialidade, complementada por um desvio padrão correspondente àquela média, bem como, em sua modalidade variante ou indireta, premiar com bônus financeiro ou de outra espécie, o médico que se mantém na meta estabelecida, em franco prejuízo e desrespeito ao usuário do plano de saúde que não tem sua avaliação diagnóstica realizada corretamente, colocando em risco sua vida e saúde;

c) seja a requerida condenada a obrigação de

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não fazer, consistente em não instituir nenhum tipo de meta de número de exames prescritos, em determinado período, a ser seguida por seus médicos cooperados, como forma de contenção de custos, gastos ou busca de equilíbrio econômico-financeiro e de modo que venha a tolhê-los, de qualquer forma, no exercício da medicina;

d) seja a requerida condenada a obrigação

de não fazer, consistente em não efetuar nenhum desconto de honorários médicos de seus cooperados, quando vierem a ultrapassar algum tipo de limite de exames prescritos em determinado período, fixado por quem quer que seja;

e) seja a requerida condenada a obrigação de

não fazer, consistente em não conceder nenhum tipo de bônus, premiação ou bonificação, pecuniária ou de qualquer outra natureza, a seus médicos cooperados que venham a cumprir algum tipo de meta de exames prescritos em determinados períodos;

f) após o cumprimento dos itens anteriores (a,

b, c, d, e), notifique, por escrito, todos os consumidores beneficiários do plano de saúde, no prazo de 72 horas, acerca da efetiva não adoção da Câmara de Compensação, Meta Gerencial ou Matriz Referencial para restringir/limitar os exames autogerados;

g) seja a requerida condenada ao pagamento de indenização aos consumidores lesados, nos termos do artigo 18, § 1º e incisos I, II e III do CDC, sendo que tais alternativas sejam exercidas pelos consumidores individualmente considerados, em sede de liquidação de sentença, uma vez que estas escolhas devem ser exercidas levando-se em consideração a situação individual de cada consumidor lesado;

h) requer, outrossim, nos termos do artigo 11

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da Lei nº 7347/85, a imposição de multa diária a requerida no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), por hipótese de descumprimento, todos os valores corrigidos pelo IGPM ou índice similar, cujos valores serão destinados ao FECON foi criado pela Lei Estadual nº 14.975/2005 e regulamentado pelo Decreto Estadual 1308/2007;

i) requer, por fim, a condenação da requerida

aos ônus da sucumbência.

VII – DOS REQUERIMENTOS

Para tanto, reque o Ministério Público do

Estado do Paraná:

a) a citação da requerida, a fim de que, querendo, apresente resposta, no prazo legal, sob pena de revelia e confissão;

b) a publicação de edital no órgão oficial, sem

prejuízo de publicações na imprensa falada, escrita e em outros órgãos, a fim de que os interessados possam se habilitar no processo, a teor do que dispõe o art. 94 do CDC;

c) a produção de todas as provas em direito

admitidas, inclusive o depoimento pessoal do representante legal da empresa ré, acaso necessário, e, desde já, que seja reconhecida e declarada à inversão do ônus da prova, com base no art. 6º, inc. VIII, do CDC.

Dá-se à causa valor de R$ 100.000,00 (cem

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mil reais), meramente para os efeitos legais, embora esta ação seja de natureza economicamente inestimável.

Termos em que, Pede e Espera Deferimento. Guarapuava, 17 de setembro de 2012. MICHELE NADER Promotora de Justiça