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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO – SÃO JOSÉ CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA SETOR DE MONOGRAFIA
AÇÃO CIVIL PÚBLICA E CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito na Universidade do Vale do Itajaí
ACADÊMICO(A): FERNANDA ALMEIDA COELHO DE BEM.
São José (SC), junho de 2004.
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO – SÃO JOSÉ CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA SETOR DE MONOGRAFIA
AÇÃO CIVIL PÚBLICA E CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob orientação da Profª. MSc. Renata Benedet.
ACADÊMICO(A): FERNANDA ALMEIDA COELHO DE BEM.
São José (SC), junho de 2004.
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA
AÇÃO CIVIL PÚBLICA E CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
FERNANDA ALMEIDA COELHO DE BEM
A presente monografia foi aprovada como requisito para a obtenção do grau de bacharel em Direito no curso de Direito na Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI.
São José, 08/07/04.
Banca Examinadora:
_______________________________________________________ Prof. ª RENATA BENEDET - Orientadora
_______________________________________________________ Prof. º Luiz Magno Pinto Bastos Júnior – Membro
_______________________________________________________ Prof. º Samuel Martins dos Santos – Membro
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, pelo apoio e compreensão com que sempre pude contar.
Ao Ayrton de Souza, meu namorado e amigo, pelo incentivo nos momentos de
desânimo e pela ajuda na finalização deste trabalho.
À professora Renata Benedet, por ter me auxiliado na realização desta pesquisa,
conciliando as tarefas de mãe e professora.
Ao professor Ruy Samuel Espíndola, por ter compartilhado seus conhecimentos nas
aulas de Direito Processual Constitucional e por sua dedicação ao magistério.
A todos aqueles que confiaram no meu trabalho e, direta ou indiretamente,
contribuíram para a sua realização.
SUMÁRIO
RESUMO..............................................................................................................................6
LISTA DE ABREVIATURAS............................................................................................. 7
INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 8
1 AÇÃO CIVIL PÚBLICA .............................................................................................. 12
1.1 DIREITOS FUNDAMENTAIS E AÇÃO CIVIL PÚBLICA......................................... 12
1.1.1 Direitos Coletivos, Difusos e Individuais Homogêneos ........................................... 17
1.2 LEGISLAÇÃO APLICÁVEL....................................................................................... 20
1.3 NOMEN IURIS ........................................................................................................... 22
1.4 OBJETO....................................................................................................................... 24
1.4.1 Imediato.................................................................................................................... 24
1.4.2 Mediato..................................................................................................................... 26
1.5 LEGITIMIDADE ATIVA............................................................................................. 28
1.5.1 Ministério Público .................................................................................................... 30
1.5.2 Associações Civis ...................................................................................................... 32
1.6 COISA JULGADA ....................................................................................................... 34
1.6.1 Limites Objetivos e Subjetivos................................................................................. 35
1.6.2 O Art. 16 da LACP................................................................................................... 36
1.6.3 A Coisa Julgada no CDC ......................................................................................... 39
2 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO BRASIL................................. 41
2.1 SUPREMACIA CONSTITUCIONAL E CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE41
2.2 ESPÉCIES DE INCONSTITUCIONALIDADE ........................................................... 44
2.3 HISTÓRICO................................................................................................................. 45
2.4 CONTROLE DIFUSO.................................................................................................. 52
2.4.1 O Princípio da Reserva de Plenário......................................................................... 53
2.4.2 Efeitos da Decisão..................................................................................................... 54
2.4.3 A Suspensão pelo Senado Federal ........................................................................... 55
2.5 CONTROLE CONCENTRADO................................................................................... 56
2.5.1 Ação Direta de Inconstitucionalidade...................................................................... 58
2.5.1.1 Efeitos da Decisão ................................................................................................... 61
2.5.2 Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão................................................ 64
2.5.2.1 Efeitos da Decisão ................................................................................................... 66
2.5.2.2 ADIn por Omissão e Mandado de Injunção ............................................................. 67
2.5.3 Ação Declaratória de Constitucionalidade.............................................................. 68
2.5.3.1 Efeitos da Decisão ................................................................................................... 71
3 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA ..... 73
3.1 AS CRÍTICAS AO CONTROLE DIFUSO NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA .................... 73
3.2 A INCONSTITUCIONALIDADE COMO QUESTÃO INCIDENTAL ........................ 80
3.3 AÇÃO CIVIL PÚBLICA E AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE....... 81
3.4 A ANÁLISE DO CASO EM JUÍZO ............................................................................. 84
3.5 O ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL................................... 87
3.6 A AÇÃO CIVIL PÚBLICA COMO INSTRUMENTO DO CONTROLE DIFUSO DE
CONSTITUCIONALIDADE ............................................................................................... 95
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 99
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................ 103
6
RESUMO
O problema investigado no presente trabalho aborda o tema ação civil pública e controle de constitucionalidade, e consiste em saber se é possível o controle difuso de constitucionalidade na ação civil pública, sem que haja a usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal para o controle abstrato de constitucionalidade. É que o efeito erga omnes, próprio da ação coletiva, é o mesmo das decisões do Supremo Tribunal Federal em sede de controle abstrato de constitucionalidade, o que faria da ação coletiva verdadeiro substituto da ação direta. Contudo, esta não foi a conclusão a que se chegou ao final do presente estudo. Isto porque o controle de constitucionalidade que se exerce na ACP é o controle difuso, com todas as características inerentes a este tipo de controle, a não ser no que diz respeito à coisa julgada, que em virtude da natureza dos interesses tutelados na ACP, opera-se erga omnes e não inter partes. Ocorre que, na ação civil pública, a questão constitucional é incidental, de maneira que não faz coisa julgada. A ação civil pública e a ação direta de inconstitucionalidade são substancialmente distintas. O objeto da primeira é a tutela do bem da vida tutelado pela ordem jurídica, ao contrário do que ocorre na ação direta de inconstitucionalidade, cujo objeto é a própria declaração de inconstitucionalidade da norma, posta como questão principal. Respeitadas as diferenças entre a ACP e a ADIn, incluindo-se aí, e principalmente, a finalidade de cada ação, não há que se falar em usurpação da competência do STF. Contudo, o que pode ocorrer, na prática, é que seja proposta ação civil pública desconectada de uma verdadeira lide, tendo como único objeto a declaração de inconstitucionalidade de norma, caso em que se tem como evidente o desvirtuamento da ação coletiva e a usurpação da competência do Supremo. Mas esta é situação que só poderá se verificar a partir da análise do caso em juízo. A jurisprudência do STF, nesse sentido, vem diferenciando a ação civil pública que tenha como objeto a tutela de um interesse metaindividual da ação civil pública que, indevidamente, tenha como único objeto a declaração de inconstitucionalidade de texto de lei. A não ser neste último caso, sempre será possível o controle difuso de constitucionalidade na ACP. Isto porque a ação civil pública é um importante mecanismo de efetividade das normas constitucionais.
7
LISTA DE ABREVIATURAS
ACP - ação civil pública
ADC – ação declaratória de constitucionalidade
ADPF – argüição por descumprimento de preceito fundamental
ADIn – ação direta de inconstitucionalidade
CDC – Código de Defesa do Consumidor
CPC – Código de Processo Civil
CRFB/88 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
EC – Emenda Constitucional
LACP – Lei da Ação Civil Pública
LAP – Lei da Ação Popular
MP – Ministério Público
MPF – Ministério Público Federal
STF – Supremo Tribunal Federal
STJ - Superior Tribunal de Justiça
8
INTRODUÇÃO
O processo civil clássico, de índole eminentemente individualista, vem dando lugar
a novas teorias processuais que buscam se adequar aos novos mecanismos de tutela coletiva,
próprios da sociedade contemporânea, em que os direitos pertencem não mais e somente às
pessoas individualmente consideradas, mas a grupos de pessoas. E entre estes mecanismos
insere-se a ação civil pública, também chamada de ação coletiva, como importante e eficaz
meio de acesso à justiça e tutela de direitos fundamentais.
A ação civil pública traz à baila novas questões, ligadas principalmente aos institutos
da legitimidade ativa e da coisa julgada na ACP, o que tem reclamado a atenção dos juristas e
ensejado acalorados debates. Uma destas questões, objeto do presente estudo, diz respeito à
viabilidade do controle de constitucionalidade na ação civil pública.
Segundo o entendimento de alguns juristas, a ação coletiva não pode ser utilizada
como instrumento do controle difuso de constitucionalidade, em virtude dos efeitos erga
omnes da coisa julgada na ACP, próprios do controle abstrato de constitucionalidade exercido
pelo Supremo Tribunal Federal. Argumenta-se que tais efeitos fazem da ACP verdadeiro
substituto da ação direta, havendo, no caso, usurpação da competência do STF e
desvirtuamento da própria ação civil pública.
O tema é de extrema relevância em virtude do papel que assume hoje a ACP como
meio de defesa dos direitos fundamentais e importante e eficaz meio de atuação do Ministério
Público na defesa dos interesses da sociedade, apesar de este não ser o único legitimado a
propô-la.
Importante lembrar aqui a lição de Paulo José Leite Farias, para quem “considerar
que na ação civil pública não pode ser tratado o tema controle de constitucionalidade, como
9
questão prejudicial, equivale a minimizar ou mesmo destruir a eficácia desse mecanismo de
proteção de direitos fundamentais”1. E assim, tem-se o quão perigoso é o entendimento de
alguns juristas que não admitem, sob qualquer hipótese, a alegação de inconstitucionalidade
de lei no bojo da ação civil pública. Mas, ao mesmo tempo, não se pode admitir também um
desvirtuamento da ação coletiva que tenha como único objetivo a declaração de
inconstitucionalidade de uma lei, que não mais poderá ser aplicada na prática, gerando efeitos
erga omnes.
Convém lembrar ainda que a ACP vive período atribulado, em razão das investidas
que sofre por parte do Poder Executivo, que por meio de medidas provisórias, vem tentando
lhe restringir o âmbito de abrangência2. Com efeito, a Medida Provisória n.º 2.180-35, de 24
de agosto de 2001, acrescentando o parágrafo único ao art. 1º da Lei n.º 7.347/85, dispôs que
não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos,
contribuições previdenciárias, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) ou outros
fundos de natureza institucional cujos beneficiários possam ser individualmente
determinados. E o art. 16 da Lei da ACP sofreu modificação substancial com a redação que
lhe foi dada pela Medida Provisória n.º 1.570, de 26 de março de 1997, convertida na Lei n.º
9.494, de 10 de setembro de 1997, restringindo a coisa julgada erga omnes aos limites da
competência territorial do órgão prolator. Todavia, esse dispositivo, com a sua nova redação,
vem sofrendo fortes críticas doutrinárias, deixando, muitas vezes, de ser aplicado na prática. E
também a Medida Provisória n.º 1798/1, de 11 de fevereiro de 1999, acrescentou o dispositivo
do art. 2º- A à já malfadada Lei n.º 9.494/97, buscando senão intimidar a atuação das
associações civis no plano da tutela judicial coletiva.
1 FARIAS, Paulo José Leite. Ação civil pública e controle de constitucionalidade. Jornal da Associação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Brasília, n.16, p. 3, jan. /fev./mar. 2001. 2 Cf. SÁ, José Adonis Callou de Araújo. Ação civil pública e controle de constitucionalidade. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 146/147.
10
Por outro lado, também a jurisprudência das instâncias superiores do nosso Poder
Judiciário vem adotando posicionamentos que restringem o âmbito de abrangência da ACP,
como é o caso das decisões que dão por ilegítimo o Ministério Público para a defesa de
interesses individuais homogêneos. E no que diz respeito ao objeto do presente estudo, o
Supremo, assim como outros tribunais pátrios, já decidiram no sentido da inadmissibilidade
do uso da ACP como mecanismo de controle de constitucionalidade.
O objetivo deste trabalho é verificar se é possível o controle de constitucionalidade
na ACP, sem que haja a usurpação da competência do Supremo para o controle abstrato de
constitucionalidade. Para tanto, utilizar-se-á o método indutivo, partindo-se de várias idéias e
conceitos, que permitirão chegar a uma conclusão geral sobre o tema.
A presente monografia está estruturada em três capítulos. No primeiro deles, tratará
de definir a ação civil pública, analisar o seu objeto e os entes legitimados à sua propositura,
bem como os efeitos da coisa julgada na ACP. No decorrer do capítulo 1, serão analisadas
também, ainda que de forma breve, as principais discussões que envolvem o estudo do tema,
enfatizando-se o regime da coisa julgada na ação coletiva, de fundamental importância para o
deslinde do problema a que se propôs estudar.
No segundo capítulo, analisar-se-á a sistemática do controle de constitucionalidade
no Brasil, que de forma peculiar, prevê, a um só tempo, o controle difuso e concentrado de
constitucionalidade. Serão analisadas as principais características destas duas modalidades de
controle, estudando-se também as principais ações por meio das quais o Supremo exerce o
controle abstrato de normas no direito brasileiro, enfatizando-se, ainda, os diferentes efeitos
das decisões em sede de controle difuso e concentrado.
No terceiro capítulo, intitulado o controle de constitucionalidade na ação civil
pública, cerne do problema a que se propôs estudar, serão analisadas as críticas doutrinárias
ao controle de constitucionalidade na ACP e o entendimento do Supremo Tribunal Federal
11
sobre a matéria. Mais especificamente, neste terceiro capítulo, serão analisadas, ainda, a
questão da inconstitucionalidade como questão incidental na ação coletiva, a importância da
análise do caso em juízo para se chegar a qualquer conclusão sobre o assunto, as diferenças
entre a ação civil pública e a ação direta de inconstitucionalidade e, por fim, a ação civil
pública como instrumento do controle difuso de constitucionalidade.
12
1 AÇÃO CIVIL PÚBLICA
O tema ação civil pública será analisado neste capítulo à luz da teoria dos direitos
fundamentais e de sua inserção na ordem constitucional.
Tratar-se-á, primeiro, de definir a ação civil pública e delimitar o seu objeto,
comentando ainda a respeito do nome jurídico que a define e verificando qual a legislação a
ela aplicável.
Na seqüência, analisar-se-á a legitimidade ativa da ACP, trazendo alguns pontos
específicos a respeito da legitimidade do Ministério Público e das associações civis.
Ao final, será estudado o regime da coisa julgada na ação civil pública, de suma
importância para a resposta do problema a que se propôs elucidar.
No decorrer deste capítulo, serão analisadas, ainda que de forma breve, também as
principais questões controversas que envolvem o estudo da ação civil pública.
1.1 DIREITOS FUNDAMENTAIS E AÇÃO CIVIL PÚBLICA
Na esfera terminológica, cumpre distinguir-se a expressão “direitos fundamentais” de
“direitos humanos” e “direitos do homem”, expressões comumente utilizadas como sinônimas
pela doutrina. Enquanto os direitos humanos são aqueles reconhecidos nos documentos
internacionais, válidos para todos os povos, os direitos fundamentais são os assim
reconhecidos na ordem jurídica- constitucional de um determinado Estado. Direitos do
homem, por sua vez, são aqueles que decorrem da própria natureza humana 3.
Os direitos fundamentais, na acepção hoje conhecida, como direitos de defesa dos
indivíduos frente ao Estado, são fruto dos movimentos revolucionários do século XVIII, que
deram origem ao Estado Constitucional. Por isso, a intrínseca relação entre as noções de
13
Estado de Direito, Constituição e direitos fundamentais, conforme lembra Ingo Wolfgang
Sarlet, para quem tais direitos não só limitam o poder estatal, como o legitimam 4.
Sobre a função de defesa ou de liberdade dos direitos fundamentais, as palavras de
Gilmar Ferreira Mendes:
[...], enquanto direitos de defesa, os direitos fundamentais asseguram a esfera de liberdade individual contra interferências ilegítimas do Poder Público, provenham elas do Executivo, do Legislativo, ou mesmo, do Judiciário. Se o Estado viola esse princípio, então dispõe o indivíduo da correspondente pretensão que pode consistir, fundamentalmente, em uma: (1) pretensão de abstenção (Unterlassungsanspruch); (2) pretensão de revogação (Aufhebungsanspruch), ou, ainda, em uma; (3) pretensão de anulação (Beseitigungsanspruch) 5.
Tais direitos correspondem aos conhecidos direitos fundamentais da primeira
geração, ou o que seria o termo mais adequado, dimensão, porquanto os novos direitos não
excluem os anteriores. Com o passar do tempo e as mudanças das concepções do Estado,
outros direitos vão sendo incorporados aos textos constitucionais, e por isso se pode falar em
dimensões de direitos fundamentais, que se transformam, “tanto no que diz respeito com o seu
conteúdo, quanto no que concerne com a sua titularidade, eficácia e efetivação” 6. Norberto
Bobbio, já em 1951, ressaltava “que os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam,
são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em
defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de
uma vez e nem de uma vez por todas” 7.
Ainda sobre os direitos fundamentais da primeira dimensão:
Os direitos da primeira geração ou direitos da liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e
3 Nesse sentido: José Afonso da Silva, Ingo Wolfgang Sarlet, José Adonis Callou de Araújo Sá. 4 Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 62/63. 5 MENDES, Gilmar Ferreira Mendes. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito constitucional. 2 ed. São Paulo: Celso Ribeiro Bastos Editor, 1999. p. 37. 6 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, p. 48/49. 7 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. de Carlos Nelson Coutinho. 10 ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 5.
14
ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim , são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado 8.
São estes os direitos civis e políticos9, dos quais exemplifica-se o direito à liberdade,
o direito à vida, à igualdade perante a lei e à propriedade.
Mas os problemas sociais que decorreram das duas grandes guerras e da Revolução
Industrial acabaram por levar o Estado liberal à decadência, surgindo, então, um novo modelo
de Estado, o Estado Social, de cunho intervencionista, consolidando os direitos fundamentais
da segunda dimensão. Nesse sentido:
O impacto da industrialização e os graves problemas sociais e econômicos que a acompanharam, e as doutrinas socialistas e a constatação de que a consagração formal de liberdade e igualdade não gerava a garantia do seu efetivo gozo acabaram, já no decorrer do século XIX, gerando amplos movimentos reivindicatórios e o reconhecimento progressivo de direitos atribuindo ao Estado comportamento ativo na realização da justiça social. A nota distintiva destes direitos é a sua dimensão positiva, uma vez que se cuida não mais de evitar a intervenção do Estado na esfera da liberdade individual, mas, sim, na lapidar formulação de C. Lafer, de propiciar um “direito de participar do bem - estar social” 10.
São estes os direitos sociais, culturais e econômicos, que conferem ao indivíduo o
direito de exigir do Estado uma atuação positiva, que lhe confira o direito à saúde, à
alimentação, ao trabalho, à educação e etc 11.
Ingo Wolfgang Sarlet acrescenta a estes, as chamadas “liberdades sociais”, das quais
são exemplos os direitos de sindicalização, direito de greve, direito a férias, ao repouso
semanal remunerado, entre outros direitos dos trabalhadores 12.
O mesmo autor salienta que estes direitos sociais – no sentido amplo da expressão-
têm como titular o indivíduo, de modo que não se confundem ainda com os direitos difusos
e/ou coletivos da terceira dimensão. Ao revés, Paulo Bonavides já trata dos direitos de 2ª
dimensão como direitos coletivos 13, orientação que parece mais adequada, porquanto tais
8 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 11 ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 517. 9 Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 517. 10 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, p. 51. 11 Cf. SÁ, José Adonis Callou de Araújo. Ação civil pública e controle de constitucionalidade, p. 11. 12 Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, p. 52. 13 Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 518.
15
direitos, ainda que preservando uma perspectiva individual, já aparecem com forte traço
coletivo. Ainda que a liberdade de associação profissional ou sindical, do ponto de vista do
trabalhador, possa ser considerada um direito individual, do ponto de vista da entidade, que
tem assegurados, entre outros direitos, o direito à autonomia estatutária e à não- intervenção
do Poder Público, a liberdade de associação é, sim, um direito coletivo. Também, o direito de
greve, típico direito fundamental de 2º dimensão, não pode ser considerado senão um direito
coletivo, que representa a possibilidade de ação coletiva para a proteção e reivindicação de
direitos laborais14.
Os direitos fundamentais da terceira dimensão, por sua vez, são fruto de “novas
exigências humanas em uma sociedade marcada pelos impactos dos avanços tecnológicos,
pelo esgotamento dos recursos naturais, por cicatrizes de graves conflitos bélicos e extremas
desigualdades econômicas no plano internacional” 15.
São direitos fundamentais da terceira dimensão, sem exclusão de outros, os direitos à
paz, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, ao desenvolvimento, à qualidade de vida,
ao patrimônio comum da humanidade e à comunicação.
Segundo Bonavides, estes direitos “são dotados de altíssimo teor de humanismo e
universalidade” 16, que não buscam a proteção de interesses individuais, tendo como
destinatário primeiro o gênero humano17.
Assim é que os direitos fundamentais da terceira dimensão são direitos de
titularidade difusa ou coletiva, qualidade que os diferem dos demais, na lição de Ingo
Wolfgang Sarlet:
A nota distintiva desses direitos da terceira dimensão reside basicamente na sua titularidade coletiva, muitas vezes indefinida e indeterminável, o que se revela, a
14 Cf. ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 176. 15 SÁ, José Adonis Callou de Araújo. Ação civil pública e controle de constitucionalidade, p. 12. 16 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 523. 17 Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 523.
16
título de exemplo, especialmente no direito ao meio ambiente e qualidade de vida, o qual, em que pese ficar preservada sua dimensão individual, reclama novas técnicas de garantia proteção18.
Se a terceira dimensão dos direitos fundamentais está ligada à idéia de fraternidade e
solidariedade, a segunda e a primeira estão, respectivamente, ligadas à noção de igualdade e
liberdade19.
O constitucionalista Paulo Bonavides sugere ainda uma quarta dimensão de direitos
fundamentais, que seriam o resultado da globalização desses direitos, dos quais podemos
exemplificar o direito à democracia direta, à informação e ao pluralismo20. Todavia, estes
direitos ainda não foram reconhecidos no direito positivo brasileiro e nem internacional21.
Os direitos fundamentais de primeira, segunda e terceira dimensões estão
consagrados na CRFB/88 22, que segundo Flávia Piovesan, valorizou a consagração de tais
direitos, não se limitando a assegurar apenas direitos individuais, mas, sobretudo,
consagrando também os novos direitos difusos e coletivos, em título sob o nome “Dos direitos
e deveres individuais e coletivos” 23. A autora assinala que a nossa Carta abre-se “ao fenômeno
da reorganização e articulação da sociedade civil, marcado pela emergência de novos
movimentos sociais, portadores de direitos constitucionais coletivos e difusos” 24.
Mas estes últimos e novos direitos não poderiam existir sem as garantias de sua
efetividade, partindo-se aqui da clássica distinção entre direito e garantia, sendo que esta
existe “sempre em face de um interesse que demanda proteção e de um perigo que se deve
conjurar” 25. E assim, estão consagrados na CRFB/88, as seguintes ações constitucionais de
18 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, p. 52. 19 Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 516-523. 20 Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 524. 21 Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, p. 55. 22 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1998. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. 23 Cf. PIOVESAN, Flávia. A atual dimensão dos direitos difusos na Constituição de 1988. Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. São Paulo, n. 38, p. 76-88, dez. 1992. 24 PIOVESAN, Flávia. A atual dimensão dos direitos difusos na Constituição de 1988, p. 76-88. 25 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 481.
17
garantia da ordem jurídica difusa e/ou coletiva: o mandado de segurança coletivo, o mandado
de injunção coletivo, a ação popular e a ação civil pública.
A ação civil pública está prevista na CRFB/88 em seu art. 129, inciso III, entre as
funções institucionais do Ministério Público, e apesar de não constar em seu Título II,
intitulado Dos Direitos e Garantias Fundamentais, segundo a professora Renata Benedet, a
ACP é ação constitucional típica:
Sob o ponto de vista material, a Ação Civil Pública está intimamente relacionada à Constituição, e não apenas pela não contrariedade com as normas constitucionais, mas também, mais importante, por conferir eficácia e concretização aos direitos assegurados na Constituição. Configura-se a Lei n.º 7.347/85, instrumento indispensável à realização dos Direitos Fundamentais, entre eles: do meio ambiente, do consumidor, da criança e do adolescente, dos idosos, da ordem econômica, da livre concorrência, das pessoas portadoras de deficiências, entre outros. Pela sua indispensabilidade no ordenamento jurídico brasileiro não há de se considera- lá, simplesmente, uma ação com assento constitucional, mas sim uma Ação Constitucional típica. Mesmo que, formalmente, não esteja elencada no rol dos Direitos e Garantias Fundamentais, é um instrumento processual que garante a realização dos Direitos Fundamentais assegurados pela Constituição 26.
A ACP, portanto, é ação constitucional típica que visa tutelar direitos fundamentais.
1.1.1 Direitos Coletivos, Difusos e Individuais Homogêneos
A doutrina costuma conceituar e classificar os direitos fundamentais coletivos (latu
sensu) – metaindividuais ou transindividuais - em coletivos, difusos e individuais
homogêneos, conceituação encontrada também na legislação infraconstitucional, art. 81,
parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor 27.
A delimitação e o estudo de tais conceitos mostra-se relevante porque delimitam o
âmbito de incidência da ação civil pública, uma vez que os direitos/interesses tutelados pela
ACP não são numerus clausus, ou seja, não são aqueles expressamente previstos pela
legislação, como é o caso do meio ambiente, do consumidor, patrimônio público e social e
26 BENEDET, Renata. A ação civil pública como ação constitucional típica e a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Itajaí: Dissertação (Mestrado em Ciência Jurídica). Universidade do Vale do Itajaí, 2002.
18
etc, mas todos os direitos que, por suas características, possam ser considerados difusos,
coletivos ou individuais homogêneos.
Os direitos coletivos strictu sensu estão definidos no inciso II, parágrafo único, art.
81, do CDC, como sendo “os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular
grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação
jurídica base”. Transindividuais, porque se manifestam em razão da própria coletividade; de
natureza indivisível, “porque a satisfação de um só implica, por força, a satisfação de todos,
assim como a lesão de um só implica a lesão da inteira comunidade”28. E a principal
característica destes direitos é a determinabilidade dos seus sujeitos através da relação jurídica
base que os une ou pelo vínculo que os liga à parte contrária, dos quais são exemplos,
respectivamente, na lição de Kazuo Watanabe, os membros de uma associação de classe e os
contribuintes de um mesmo tributo 29.
Sobre as características destes direitos, Antônio Hermam V. Benjamin:
Têm eles o seguinte perfil: a) transindividualidade real ou essencial restrita (limitada que está ao “grupo, categoria ou classe de pessoas”); b) determinabilidade dos sujeitos; c)divisibilidade externa e indivisibilidade interna (possibilidade de apartar aquilo que pertence aos membros do grupo, categoria ou classe e o que é domínio de sujeitos alheios; impossível tal exercício no contexto interior dos próprios sujeitos agregados); d) disponibilidade coletiva e indisponibilidade individual (ou seja, a associação pode, em princípio, dispor dos interesses e direitos decorrentes do associativismo, enquanto que tal possibilidade é negada aos membros do grupo; e) relação jurídica base a unir os sujeitos; f) irrelevância da unanimidade social; g)organização ótima- viável; e h) reparabilidade indireta 30.
Os direitos difusos, por sua vez, estão definidos no inciso I, parágrafo único, art. 81,
do CDC, como sendo “os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares
27 BRASIL. Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Brasília: Ministério da Justiça, 2001. 28 MOREIRA, José Carlos Barbosa, Apud. SCHÄFER, Gilberto. Ação civil pública e controle de constitucionalidade. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002. p. 40. 29 Cf. GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. p. 744. 30 BENJAMIN, Antônio Herman V. A insurreição da aldeia glogal contra o processo civil clássico: apontamentos sobre a opressão e a libertação judiciais do meio ambiente e do consumidor. In MILARÉ, Édis (Org.). Ação civil pública: lei 7347/85 – reminiscências e reflexões após dez anos de aplicação. São Paulo: Revista dos Tribunais. p. 70 - 151.
19
pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato”. A característica essencial desses
direitos, que os diferencia dos direitos coletivos strictu sensu, é a indeterminabilidade dos
sujeitos, uma vez que não há um vínculo jurídico a agregá-los, mas circunstâncias fáticas, que
no dizer de Ada Pellegrini Grinover, são freqüentemente acidentais e mutáveis, como habitar
a mesma região, consumir o mesmo produto, sujeitar-se a determinados empreendimentos 31.
Caracterizando tais direitos, o mesmo autor supra citado:
Na apreciação do interesse difuso resultam os seguintes traços: no plano da subjetividade ativa, a) a transindividualidade real ou essencial ampla e b) a indeterminação de seus sujeitos; na perspectiva da objetividade, c) a indivisibilidade ampla e d) a indisponibilidade; no campo relacional jurídico, e) o vínculo meramente de fato a unir os sujeitos; no âmbito político, f) ausência de unanimidade social, dado fundamental para apartá-los do interesse público, e g) organização possível, mas sempre subotimal, traço este atribuível a característica fática (dispersão) da argamassa que une os sujeitos titulares; por derradeiro, na esfera da reparação, ressarcibilidade indireta (os sujeitos individualmente não são aquinhoados com o quantum debeatur, que vai para um fundo)32.
Os direitos individuais homogêneos, “assim entendidos os decorrentes de origem
comum”, nos termos do inciso III, parágrafo único do art. 81 do CDC, são chamados pela
doutrina de acidentalmente coletivos latu sensu ou transindividuais 33. Isto porque são
metaindividuais apenas pela possibilidade de tutela coletiva e não em sua essência. Em muito
diferindo-se dos direitos coletivos e difusos, os direitos individuais homogêneos são direitos
tuteláveis pelo processo civil tradicional, de titularidade determinada ou determinável e objeto
divisível.
Mais uma vez, sobre direitos individuais homogêneos, as palavras de Antônio
Herman V. Benjamin:
Os interesses e direitos individuais homogêneos assim se caracterizam: a) transindividualidade artificial (ou legal) e instrumental (ou pragmática); b) determinabilidade dos sujeitos; c) divisibilidade (os benefícios aceitam fruição individual); d) disponibilidade (quando a lei não determina o contrário); e) núcleo comum de questões de direito ou de fato a unir os sujeitos; f) irrelevância da
31 GRINOVER, Ada Pellegrini Apud BRANDÃO, Paulo de Tarso. Ação civil pública. Florianópolis: Obra Jurídica, 1996. p. 93. 32 BENJAMIN, Antônio Herman V. A insurreição da aldeia glogal contra o processo civil clássico: apontamentos sobre a opressão e a libertação judiciais do meio ambiente e do consumidor, p. 70-151. 33 Nesse sentido: Antônio Herman V. Benjamin, José Carlos Barbosa Moreira e Rodolfo de Camargo Mancuso.
20
unanimidade social; g) organização- ótima viável e recomendável; e, h) reparabilidade direta, com recomposição pessoal dos bens lesados (permitindo-se, excepcionalmente, a fluid recovery)34.
O trato coletivo desses direitos é criação legal, por razões de acesso à justiça e
priorização da eficiência e economia processuais35. Rodolfo de Camargo Mancuso, nesse
sentido, afirma que o expressivo número de lesados inviabiliza o trato processual via
litisconsórcio, principalmente em virtude do litisconsórcio facultativo recusável, previsto no
parágrafo único do art. 46 do Código de Processo Civil, e o ajuizamento de ação coletiva é
recomendado para prevenir eventuais decisões contraditórias e evitar sobrecarga no volume
do serviço judiciário36.
1.2 LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
No ordenamento jurídico brasileiro, a ACP teve sua origem voltada para a defesa do
meio ambiente, uma vez que foi prevista, inauguralmente, pela Lei n.º 6.938, de 31 de agosto
de 1981, que dispõe sobre a política nacional do meio ambiente, ao conferir legitimidade ao
Ministério Público da União e dos Estados para “propor ação de responsabilidade civil e
criminal, por danos causados ao meio ambiente” (art. 14, § 1º, segunda parte)37. No mesmo
ano, a ACP foi prevista também pela Lei Complementar n.º 40, de 13 de dezembro de 1981 –
Lei Orgânica do Ministério Público.
34 BENJAMIN, Antônio Herman V. A insurreição da aldeia global contra o processo civil clássico: apontamentos sobre a opressão e a libertação judiciais do meio ambiente e do consumidor, p. 70-151. 35 Cf. BENJAMIN, Antônio Herman V. A insurreição da aldeia global contra o processo civil clássico: apontamentos sobre a opressão e a libertação judiciais do meio ambiente e do consumidor, p. 70-151. 36 Cf. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Sobre a legitimação do Ministério Público em matéria de interesses individuais homogêneos. In MILARÉ, Édis (Org.). Ação civil pública: lei 7347/85- reminiscências e reflexões após dez anos de aplicação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 438 - 450. 37 BRASIL, Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outra providências. Disponível em http/: www.planalto.gov.br. Acesso em 20 set. 2003.
21
Em 24 de julho de 1985, entrou em vigor a Lei n.º 7.347/85, disciplinando a ação
civil pública38, o que pode ser considerado um verdadeiro marco da tutela coletiva no Brasil.
A Lei n.º 7.347/85 - Lei da Ação Civil Pública - sofreu várias alterações posteriores,
principalmente através da Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990 - Código de Defesa do
Consumidor - , que entre outros acréscimos, admitiu o litisconsórcio entre Ministérios
Públicos e o compromisso de ajustamento; ampliou o rol de legitimados, ao conferir
legitimidade ativa às entidades e órgãos da Administração indireta, sem personalidade
jurídica, destinados à proteção e defesa do consumidor, para ação intentada com tal fim;
possibilitou ao juiz a dispensa do requisito da pré- constituição legal das associações, quando
haja manifesto interesse social; ampliou o objeto da ACP para outros interesses difusos e
coletivos, redação que havia sido vetada do projeto que deu origem à Lei n.º 7.347/85. A
LACP e o CDC são aplicados de forma mútua e recíproca, por força do art. 21 da LACP,
com redação determinada pelo art. 117 do CDC.
De toda a legislação que, posteriormente à Lei n.º 7.347/85, veio a regulamentar a
ação civil pública, merecem referência: Lei n.º 7.853, de 24 de outubro de 1989, que dispõe
sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, sobre a
Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência- CORDE,
institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos e difusos dessas pessoas, disciplina a
atuação do Ministério Público, define crimes e dá outras providências; Lei n.º 7.913, de 7 de
dezembro de 1989, que dispõe sobre a ação civil pública de responsabilidade por danos aos
investidores no mercado de valores mobiliários; Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990,
Estatuto da Criança e do Adolescente; Lei n.º 8.884, de 11 de junho de 1994, que transforma o
Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) em Autarquia, dispõe sobre a
38 BRASIL, Lei 7.347/85, de 24 de julho de 1985. Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístuco e
22
prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica e dá outras providências; Lei
n.º 9.008, de 21 de março de 1995, que criou o Conselho Federal Gestor do Fundo de Defesa
de Direitos Difusos- CFDD, Lei n.º 10.741, de 1º de outubro de 2003, Estatuto do Idoso.
Mas se houve avanços para a tutela coletiva no Brasil, houve também retrocessos,
oriundos, principalmente, de alterações legislativas feitas através de medidas provisórias. A
Medida Provisória n.º 1.570, de 26 de março de 1997, convertida na Lei n.º 9.494, de 10 de
setembro de 1997, restringiu os efeitos erga omnes39 da sentença aos limites da competência
territorial do órgão prolator, alterando o art. 16 da LACP 40, dispositivo que tem sofrido
várias críticas. Mais recentemente, outra investida do Poder Executivo contra a ação civil
pública foi a Medida Provisória n.º 2.180, de 24 de agosto de 2001, que acrescentou o
parágrafo único ao art. 1º da LACP, vedando o uso da ação civil pública em matéria tributária.
Outra infeliz alteração foi a introduzida na já mencionada Lei n.º 9.494/97, através da Medida
Provisória n.º 1.798/1, de 11 de fevereiro de 1.999, que busca senão intimidar a atuação das
associações civis no plano da tutela judicial coletiva 41.
1.3 NOMEN IURIS 42
O primeiro diploma legislativo a utilizar o termo ação civil pública foi a Lei
Complementar n.º 40, de 13 de dezembro de 1981 – Lei Orgânica do Ministério Público-, de
onde se vê que a sua origem está intimamente relacionada com a atuação do parquet. Por
paisagístico (Vetado) e dá outra providências. Código de Processo Civil: lei n.º 5.869, de 11- 1 – 1973, atualizada e acompanhada de legislação complementar, súmulas e índices. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2003. 39 Erga omnes é locução latina que se traduz: “contra todos, a respeito de todos ou em relação a todos”. SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 17 ed. Rio de Janeiro, 2000, p. 312. 40 BRASIL, Lei 9.494, de 10 de setembro de 1997. Disciplina a aplicação da tutela antecipada contra a Fazenda Pública, altera a Lei 7.347, de 24 de julho de 1985, e dá outra providências. Código de Processo Civil: lei n.º 5.869, de 11- 1 – 1973, atualizada e acompanhada de legislação complementar, súmulas e índices. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2003. 41 Todas estas alterações serão melhor estudadas no decorrer deste capítulo, nos tópicos 1.5, que trata da coisa julgada na ação civil pública1; 4.2, sobre o objeto mediato da ação; 1.5.2, sobre a legitimidade ativa das associações civis.
23
isso, o nomem iuris ação civil pública significa, no dizer de Hugo Nigro Mazzilli, “ação não
penal proposta pelo Ministério Público” 43, de onde resulta a impropriedade do termo usado
para defini-la, porquanto o Ministério Público não é o único legitimado a propô-la.
Rodolfo de Camargo Mancuso observa que o critério de legitimação ativa não serve
para justificar o nome “ação civil pública” e o critério objetivo, em referência aos bens
tutelados, também não é adequado, porquanto os bens objeto da ACP não são, a rigor,
públicos. Nessa esteira, o autor conclui, tentando dar uma explicação razoável para a
utilização do nomen iuris ação civil pública:
[...] a ação da Lei n.º 7.347/85 objetiva a tutela de interesses metaindividuais, de início compreensivos dos difusos e dos coletivos em sentido estrito, aos quais na seqüência se agregaram os individuais homogêneos (Lei 8.078/90, art. 81, III, c/c os arts. 83 e 117); de outra parte, essa ação não é ‘pública’ porque o Ministério Público pode promovê-la, a par de outros co- legitimados, mas sim porque ela apresenta um largo espectro social de atuação, permitindo o acesso à justiça de certos interesses meta- individuais que, de outra forma, permaneceriam num certo ‘limbo jurídico’44.
A Lei da Ação Civil Pública, que entrou em vigor em 1985, manteve o uso do termo,
e é fato que a expressão “ação civ il pública”, hoje, está consagrada no meio forense.
De outra banda, com mais propriedade, o CDC utilizou a denominação ação coletiva
para designar a ação intentada em defesa dos interesses metaindividuais. Desta forma, como
denominaremos tal ação? Hugo Nigro Mazzilli responde a questão por ele colocada nos
seguintes termos: sob enfoque puramente doutrinário, se a ação estiver sendo intentada pelo
Ministério Público, o mais correto será chamá-la de ação civil pública, enquanto a ação
movida por qualquer outro co- legitimado, denominar-se-á ação coletiva. Por outro lado, sob
ponto de vista estritamente legal, tratar-se-á de ação civil pública qualquer ação movida com
base na Lei n.º 7.347/85, independentemente de seu autor ser o Ministério Público ou outro
42 Nomen Iuris é locução latina utilizada pela técnica jurídica no sentido de denominação legal; assinalando, pois, o nome atribuído pela lei a qualquer fato, ato ou ação. Cf. SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico, p. 558. 43 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 15 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 61. 44 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores. 8 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 18/19.
24
legitimado e tratar-se-á de ação coletiva qualquer ação para a defesa de interesses
metaindividuais fundada no CDC 45. Entretanto, deixando de lado as questões terminológicas,
sem importância para o presente estudo, até mesmo porque a expressão ação civil pública
está consagrada pelo uso, utilizar-se-ão, ao longo deste trabalho, as expressões ação civil
pública e ação coletiva como sinônimas.
1.4 OBJETO
Segundo Rodolfo de Camargo Mancuso, “o objeto, nas ações civis é exteriorizado
através do pedido, que permite múltiplas formulações: simples, cumulado, sucessivo,
alternativo, eventual” 46.
O objeto da ação costuma ser classificado pela doutrina em imediato e mediato,
representando o primeiro o tipo de prestação jurisdicional pretendida e o segundo o próprio
bem da vida a ser tutelado47.
1.4.1 Imediato
Para a defesa dos interesses e direitos transindividuais, nos termos do art. 83 do
CDC, “são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva
tutela”. Ou seja, para a defesa dos direito s coletivos latu sensu admite-se qualquer tipo de
ação, incluindo aí as ações condenatória, cautelar, executiva, mandamental e executiva latu
sensu.
45 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses, p. 61. 46 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores, p. 28. 47 Cf. SÁ, José Adonis Callou de Araújo. Ação civil pública e controle de constitucionalidade, p. 103.
25
Para a proteção de interesses transindividuais, a tutela específica da obrigação, com o
retorno do bem lesado ao status quo ante sempre será preferível à qualquer outra. Segundo
Hely Lopes Meirelles:
[...] a imposição judicial de fazer ou não fazer é mais racional que a condenação pecuniária, porque na maioria dos casos o interesse público é o de obstar a agressão ao meio ambiente ou obter a reparação direta e in specie do dano, do que receber qualquer quantia em dinheiro para a sua recomposição, mesmo porque quase sempre a consumação da lesão ambiental é irreparável, como ocorre no desmatamento de uma floresta natural, na destruição de um bem histórico, artístico ou paisagístico, assim como no envenenamento de um manancial com a mortandade da fauna aquática48.
O princípio aplicável ao caso é o da “maior coincidência possível entre o direito e
sua realização” 49, de forma que, ordinariamente, não se admitirá a substituição da obrigação
pela indenização respectiva50.
Nos termos do art. 3º da LACP, “a ação civil poderá ter por objeto a condenação em
dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer”. Ness a esteira, o § 1º do art.
84 do CDC, dispõe que “a conversão da obrigação em perdas e danos somente será admissível
se por elas optar o autor ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado
prático equivalente”. E buscando garantir a efetiv idade da tutela específica, o legislador
ordinário ampliou os poderes do juiz, que poderá, independentemente de requerimento do
autor, cominar multa diária ao réu, desde que suficiente e compatível com o objeto da ação,
conforme dispõem o art. 11 da LACP e o § 4º do art. 84 do CDC.
Nos casos de condenação em dinheiro e em se tratando de direitos ou interesses
indivisíveis, a indenização reverterá a um Fundo Federal ou Estadual a que faz referência o
art. 13 da LACP, conforme haja ou não interesse da União, empresa pública federal ou
48 MEIRELLES, Hely Lopes Apud MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores, p. 30. 49 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, p. 772 50 Cf. GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, p. 772.
26
autarquia federal. No plano federal, a Lei n.º 9.008, de 21 de março de 1985, criou o Fundo
Federal gestor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos.
A lei admite que os valores arrecadados pelo Fundo sejam usados de forma bastante
flexível, de modo que, se não utilizado para a recuperação do próprio bem lesado ou outros
bens compatíveis, poderão ser utilizados na “promoção de eventos educativos e científicos,
edição de material informativo relacionado com a lesão, modernização administrativa dos
órgãos públicos responsáveis pela execução da política relacionada com o interesse
envolvido” 51.
1.4.2 Mediato
Quanto ao objeto mediato, são tutelados pela ACP: a) o meio ambiente, o
consumidor, o patrimônio cultural, a ordem econômica e economia popular, patrimônio
público e social e ordem urbanística (LACP, art. 1º, incisos I a III, V, VI); b) populações
indígenas (CRFB, art. 129, V); c) portadores de deficiência (Lei n.º 7853/89); d) investidores
do mercado imobiliário; e) crianças e adolescentes (ECA, art. 208); f) idosos (Lei n.º
10.741/03). Além destes interesses, que contam com expressa previsão legal, são tuteláveis
pela ação civil pública quaisquer interesses difusos e coletivos, por força da norma de
extensão do inciso III do art. 129 da CRFB, repetida no inciso IV do art. 1º da LACP, com
redação dada pelo CDC. Assim, é certo que o objeto mediato da ACP é o mais amplo
possível, abrangendo qualquer interesse coletivo, difuso ou individual homogêneo. E apesar
de esta última espécie de interesse metaindividual não ter sido mencionada no texto
constitucional e na LACP, por força da integração desta e do CDC, qualquer interesse que se
caracterize como individual homogêneo, não só o dos consumidores, pode ser objeto de
tutela coletiva.
27
Todavia, quando o objeto da ação contrariar interesse do Governo, não será cabível
ação civil pública. É o que dispõe o parágrafo único do art. 1º da LACP, com redação
determinada pela Medida Provisória n.º 2.180-35, de 24 de agosto de 2001:
Parágrafo único. Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados.
A inconstitucionalidade de tal dispositivo é flagrante, por afronta ao princípio do
acesso à justiça, num momento em que se busca, através da tutela coletiva, dar agilidade e
eficácia às decisões judiciais, efetivando os direitos fundamentais previstos em nossa Lei
Maior. Nesse sentido, as palavras de Cassio Scarpinella Bueno:
O dispositivo quer evitar o acesso coletivo à Justiça, o que permite, com uma só penada jurisdicional, ver reconhecido o direito de um sem número de pessoas afetadas por atos governamentais. Que tira do anonimato o indivíduo e transforma-o em cidadão. Que permite realizar as diretrizes constitucionais, tornando efetivas e concretas as promessas que lá se lê.52
E como assevera Kazuo Watanabe, para o governo é lucrativo cobrar tributos
inconstitucionais, porque mesmo depois de reconhecida a inconstitucionalidade, são poucas as
pessoas que ingressam em juízo para receber o que lhes foi cobrado indevidamente, até
mesmo porque, às vezes, a lesão do ponto de vista individual pode ser insignificante, não
justificando o ônus de uma ação judicial53.
Cassio Scarpinella Bueno salienta que, antes mesmo da edição da Medida Provisória
que acrescentou o parágrafo único ao art. 1º da LACP, a jurisprudência já vinha caminhando
para o reconhecimento da ilegitimidade do MP para ACP’s em matéria tributária. Mas não
bastava para resguardar os interesses do Governo, pois outros entes legitimados poderiam
ainda propor ação com tal objeto. Então, o Governo Federal acabou de vez com a ACP que
51 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses, p. 393. 52 BUENO, Cassio Scarpinella. Réquiem para a ação civil pública. Boletim dos Procuradores da República. São Paulo, ano 3, n. 31, p. 3-11, nov. 2000.
28
discutia matéria tributária e fundos de natureza institucional. E o fez por Medida Provisória,
sem que fossem atendidos os pressupostos da relevância e urgência, a não ser com relação
aos interesses do Governo, que perderia bilhões de reais caso julgadas procedentes as ações
que discutiam correção monetária dos depósitos do FGTS correspondente a diferentes planos
econômicos 54.
Também sobre o assunto, Hugo Nigro Mazzilli:
[...] é como se o governante dissesse assim: como a Constituição e as leis instituíram um sistema para defesa coletiva de direitos, e como esse sistema pode ser usado contra o governo, então impeço o funcionamento desse sistema para não ser acionado em ações coletivas, onde posso perder tudo de uma só vez. Sim, o fundamento é esse, pois, se, em vez da ação coletiva tiver de ser usada a ação individual, cada lesado terá de contratar individualmente um advogado para lutar em juízo. Em caso de danos dispersos na coletividade, isso só será bom para o causador do dano, nunca para os lesados, já que, na prática, a grande maioria dos lesados não buscará acesso individual à jurisdição, diante das dificuldades práticas supervenientes (honorários de advogados, despesas processuais, demora, pequeno valor do dano individual, decisões contraditórias etc.). E é com isso que contam os governantes, quando cobram “empréstimos compulsórios” jamais devolvidos, criam contribuições provisórias que se tornam definitivas; cobram impostos confiscatórios sobre salários [...]55
Enfim, muito embora os direitos dos contribuintes possam ser considerados direitos
coletivos, difusos ou individuais homogêneos, seguindo a redação do parágrafo único do art.
1º da LACP, não podem ser objeto de ação coletiva.
1.5 LEGITIMIDADE ATIVA
Pelas regras do processo civil tradicional, de índole individualista, tem legitimidade
para a propositura da ação o titular do direito material violado, o que se entende por
legitimação ordinária. Mas quando se fala em tutela coletiva, de outro lado, diz- se que a
legitimação para agir é extraordinária, porquanto os entes legitimados defendem interesse
53 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, p. 758. 54 Cf. BUENO, Cassio Scarpinella. Réquiem para a ação civil pública, p. 3-11. 55 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses, p. 120.
29
alheio, em nome próprio, mediante expressa autorização legal, em regime de substituição
processual.
Todavia, esta não é questão pacífica na doutrina, havendo juristas que entendem
tratar-se de legitimação ordinária ou autônoma56. Isto porque as entidades legitimadas
estariam também a defender direito próprio, como por exemplo, “a defesa judicial de
interesses coletivos dos membros de uma associação de classe coincide com a defesa de
interesse próprio da entidade, pois está em conformidade com os seus fins sociais; a defesa
judicial do meio ambiente pelo Estado confunde-se com os fins gerais do próprio ente
público” 57.
Por seu turno e em que pese tal argumento, Hugo Nigro Mazzili entende que há, no
caso, “a predominân cia do fenômeno da legitimação extraordinária ou da substituição
processual, pois esse fenômeno processual só não ocorreria se o titular da pretensão
processual estivesse agindo apenas na defesa de interesse material dele próprio, por ele
mesmo invocado” 58.
Abstraindo-se da questão pertinente à natureza da legitimação ativa na ACP,
puramente acadêmica, estão legitimados à sua propositura o Ministério Público, a União, os
Estados, os Municípios, as autarquias, as empresas públicas, as sociedades de economia mista,
as associações civis, bem como os órgãos da administração que, mesmo sem personalidade
jurídica, tenham finalidade institucional compatível com o objeto da ação (arts. 5º, LACP, 82,
CDC). Trata-se de legitimação concorrente- disjuntiva, uma vez que todos os co- legitimados
podem propor a ação em litisconsórcio ou isoladamente59.
56 Nesse sentido: Paulo de Tarso Brandão, Humberto Theodoro Júnior, Nelson Nery e Rosa Nery. 57 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses, p 55. 58 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses, p. 55. 59 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses, p. 251.
30
1.5.1 Ministério Público
Embora não seja o único legitimado, o MP é, indubitavelmente, o órgão que mais
tem feito uso da ação civil pública, após a Lei n.º 7347/85, passando de mero interveniente à
parte no processo civil, atuação que modificou, consideravelmente, o perfil da instituição.
Segundo José A. C. de Araújo Sá, embora não haja dados estatísticos precisos, em 15 anos de
vigência da LACP, o MP exerceu quase que um monopólio na titularidade ativa das ACP’s 60.
Isto porque, infelizmente, a nossa sociedade civil ainda não está suficientemente organizada e
voltada para a defesa dos interesses metaindividuais.
Em se tratando de interesses individuais homogêneos, a legitimidade do MP tem
sofrido fortes críticas, no sentido de sua restrição. Tais críticas foram assim sintetizadas por
Rodolfo de Camargo Mancuso:
[...] a) que a CF, na parte reservada ao MP, fala em interesses difusos e coletivos, não se referindo, ao menos nomeadamente, a “individuais homogêneos”; b)que o texto constitucional, quando legitima o MP à defesa de interesses individuais, acrescenta o qualificativo “indisponíveis”; c) que a isolada circunstância do número porventura expressivo de sujeitos abrangidos num dado interesse “individual homogêneo” não seria motivo suficiente para imprimir a nota de “relevância social” à espécie, de onde pudesse exsurgir a legitimação do parquet.
O mesmo autor rebate tais argumentos nos seguintes termos: a expressão utilizada no
art. 129, inciso III, da CRFB, “outros interesses difusos e coletivos”, refere -se a todos os
interesses metaindivudais, em acepção genérica; o inciso IX do mesmo art. 129 legitima o MP
a exercer outras funções, desde que compatíveis com sua finalidade; e a expressão
“individuais homogêneos” foi introduzida, no ordenamento jurídico brasileiro, pelo CDC, em
1990, não sendo correto dizer que a Carta Magna, em 1988, foi omissa a esse respeito61.
Em se tratando de interesses individuais homogêneos, a doutrina e a jurisprudência
têm caminhado no sentido do reconhecimento da legitimidade do parquet pela nota da
60 SÁ, José Adonis Callou de Araújo. Ação civil pública e controle de constitucionalidade, p. 43. 61 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Sobre a legitimação do Ministério Público em matéria de interesses individuais homogêneos, p. 438-450.
31
relevância social. Isto porque, em princípio, somente os interesses individuais indisponíveis
poderiam ser protegidos pelo MP.
A relevância social, por sua vez, pode ser “do bem jurídico tutelado ou da própria
tutela coletiva”, na lição de Kazuo Watanabe 62. Quando a ação tiver por objeto o direito à
educação , à saúde e à segurança das pessoas, o MP tem legitimidade em função da relevância
social do bem jurídico tutelado63. Mas também, quando há um número expressivo de lesados,
exsurge a relevância social da tutela coletiva, seja por razões de acesso à justiça, quando o
dano individualmente considerado seja pequeno, desmotivando a propositura de ação
individual; seja por razões de eficiência e economia processuais, evitando decisões
contraditórias e sobrecarga no serviço judiciário.
Quando não atuar como parte, o MP oficiará no processo como custus legis, por
força do disposto no § 1º do art. 5º da LACP, sob pena de nulidade. Na qualidade de fiscal da
lei, o MP poderá exercer todos os poderes que competem às partes 64, e inclusive, manifestar-
se contrariamente à procedência da ação proposta por outro co- legitimado.
Havendo desistência infundada ou abandono da ação, também injustificado, por
qualquer outro co- legitimado, o MP assumirá a titularidade ativa, segundo interpretação do §
3º, art. 5º, da LACP.
Os Ministérios Públicos da União e dos Estados podem atuar em litisconsórcio ativo,
por força do disposto no § 5º, do art. 5º, da LACP, acrescentado pelo art. 113 do CDC.
Tecnicamente, talvez haja uma certa impropriedade na utilização do termo litisconsórcio entre
62 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, p. 757. 63 A súmula 7 do Ministério Público Paulista prescreve o seguinte: “O Ministério Público está legitimado à defesa de interesses individuais homogêneos que tenham expressão para a coletividade, como a) os que digam respeito à saúde ou à segurança das pessoas, ou ao acesso às crianças e adolescentes à educação; b) aqueles em que haja extraordinária dispersão dos lesados; c) quando convenha à coletividade o zelo pelo funcionamento de um sistema econômico, social ou jurídico.” In: NERY JR., Nelson, NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil Comentado e legislação processual civil extravagante em vigor. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 1564.
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diversos órgãos ministeriais, porquanto ambos fazem parte da mesma instituição, de onde
seria mais correto falar-se em representação. Com efeito, justifica-se a possibilidade de
litisconsórcio ministerial por ser a instituição regida pelos princípios da unidade e
indivisibilidade. Segundo Nelson Nery, “o titular do direito de ação é o MP como instit uição,
e não por seus órgãos fragmentados” 65. Para Rodolfo de Camargo Mancuso, a atuação
conjunta dos diferentes órgãos do MP é possível e desejável, para que se garanta a eficácia da
tutela coletiva, eis que “a natureza mesma dos interesses difusos ense ja que muita vez a
matéria não possa ficar circunscrita a limites geográficos, nem a restrições de organização
judiciária” 66.
Sobre a legitimação do MP, importante lembrar ainda que o parquet tem à sua
disposição o inquérito civil, procedimento investigatório que permite a colheita das provas
necessárias ao ajuizamento da ação. E a LACP, reconhecendo a relevância das informações
que devem ser prestadas ao MP, tipificou penalmente a conduta daquele que recusar, retardar
ou omitir dados técnicos requisitados pelo parquet, quando indispensáveis à propositura da
ação civil.
1.5.2 Associações Civis
A CRFB de 1988 incentiva a criação de associações (incisos XVII, XVIII, XIX, XX,
XXI, do art. 5º) como forma de se buscar uma sociedade mais participativa, justa e solidária67.
Para a propositura de ACP’s, como forma de garantir a representatividade adequada
do grupo, as associações civis devem estar legalmente constituídas há pelo menos um ano e
64 NERY JR., Nelson, NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor, p. 1527. 65 NERY JR., Nelson, NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor, p. 1527. 66 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores, p.112. 67 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, p. 759.
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incluir entre seus fins institucionais a defesa dos interesses objeto da ação, caso em que será
dispensada a autorização assemblear, por força do inciso IV, art. 82, do CDC. A pré-
constituição legal, entretanto, é requisito que pode ser dispensado pelo juiz em casos de
manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou relevância
do bem jurídico a ser tutelado (§1º, art. 82 do CDC, § 4º, art. 5º, LACP). Estas regras valem
para os sindicatos, cooperativas e todas as demais formas de associativismo68.
O art. 2º-A da famigerada Lei n. 9.494/97, em dispositivo acrescentado pela Medida
Provisória n.º 1798/1, de 11 de fevereiro de 1999, especifica outras exigências para a
propositura de ações coletivas por associações:
Art. 2º - A. A sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta por entidade associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados, abrangerá apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator.
Em se tratando de interesses difusos, a regra não tem aplicação, uma vez que seus
titulares são indeterminados e indetermináveis, de modo que não se tem como saber onde
estão domiciliados. E com relação aos interesses coletivos e individuais homogêneos, segundo
Ada Pellegrini Grinover, a regra é ineficaz, pois “o que determina o âmbito de abrangência da
coisa julgada é o pedido, e não a competência. Esta nada mais é do que uma relação de
adequação entre o processo e o juiz” 69, de modo que a competência territorial segue as regras
do art. 93 do CDC. De outro lado, Hugo Nigro Mazzilli afirma o seguinte:
[...] é inconstitucional a proibição de que uma entidade associativa defenda interesses transindividuais de seus associados que não tenham domicílio “no âmbito da competência territorial do órgão prolator”. Essa proibição equivale à própria denegação de seu acesso coletivo à jurisdição ou, pelo menos, seria o mesmo que exigir a propositura de uma ação coletiva em cada comarca do país. Isso
68 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, p. 760. 69 GRINOVER, Ada Pellegrini. A Ação Civil Pública Refém do Autoritarismo. Revista de Processo, São Paulo, ano 24, n. 96, p. 28-36, out./dez. 1999.
34
inviabilizaria a defesa coletiva do direito, negando ao grupo lesado o efetivo acesso à justiça 70.
Como se já não bastasse, o Executivo ainda tentou limitar o acesso coletivo à justiça
nos casos em que o Poder Público seja réu, através do parágrafo único do mesmo artigo 2º-A,
em redação dada pela Medida Provisória n.º 1798/1, de 11 de fevereiro de 1999:
Parágrafo único. Nas ações coletivas propostas contra entidades da administração direta, autárquica e fundacional da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, a petição incial deverá obrigatoriamente estar instruída com a ata da assembléia da entidade associativa que a autorizou, acompanhada da relação nominal dos seus associados e indicação dos respectivos endereços.
Este dispositivo também não se aplica aos interesses difusos, em virtude da
indeterminabilidade de seus titulares. Tal exigência não tem razão de ser, a não ser conferir
um privilégio ao Poder Público nas demandas contra o particular, em afronta ao acesso
coletivo à justiça. Nesse diapasão, Ada Pellegrini Grinover ensina que a exigência:
[...] é uma clara demonstração de privilégio que não se coaduna com o princípio da igualdade processual, decorrente da isonomia garantida pela Contituição. Não se trata de prerrogativa, que poderia se justificar em face da complexa organização dos órgãos estatais ou paraestatais e que autoriza que se tratem desigualmente os desiguais. Nenhuma facilitação da atividade defensiva surgirá para o Estado dessa exigência, que tem apenas o intuito de dificultar o acesso à justiça das associações que contra ele litigam71.
Ademais, como observa Mazzilli, a legitimidade das associações para a propositura
de ações coletivas o é em regime de substituição processual, e não representação, motivo pelo
qual é desarrazoada a exigência de relação nominal dos associados e respectivos endereços 72.
1.6 COISA JULGADA
A coisa julgada “é a qualidade que torna imutável e indiscutível” 73 o dispositivo da
sentença após o seu trânsito em julgado, impedindo que a causa seja novamente apreciada
70 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 15 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 236. 71 GRINOVER, Ada Pellegrini. A ação civil pública refém do autoritarismo, p. 28-36. 72 Cf. MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses, p. 236.
35
pelo juiz. Não se confunde a coisa julgada com os efeitos da sentença, que têm eficácia desde
o momento em que a decisão é prolatada. No dizer de Liebman, “a autoridade da coisa
julgada não é efeito da sentença, como postula a doutrina unânime, mas sim, modo de
manifestar-se e produzir-se dos efeitos da própria sentença, algo que a esses efeitos se ajunta
para qualificá-los e reforçá-los em sentido bem determinado” 74. Aos efeitos da sentença, que
em regra são declaratórios, constitutivos e condenatórios, soma-se, em determinadas
circunstâncias, a qualidade da coisa julgada, que representa a imutabilidade, a intangibilidade
e a incontestabilidade da sentença75.
A imutabilidade dos efeitos da sentença, a que chamamos de coisa julgada, é uma
necessidade política, que “deve ser entendida como uma técnica vo ltada a garantir a
estabilidade das relações jurídicas” 76. De fato, os litígios não podem se perpetuar eternamente,
sob pena de se instalar o caos social.
1.6.1 Limites Objetivos e Subjetivos
Os limites objetivos da coisa julgada são determinados pelo dispositivo, de modo que
as questões prejudiciais, os motivos da sentença e a verdade dos fatos estabelecida como
fundamento não fazem coisa julgada, nos termos do art. 469 e seus incisos do CPC.
Quanto aos limites subjetivos, a regra do processo civil tradicional é que a coisa
julgada alcança apenas as partes do processo, não prejudicando nem beneficiando terceiros.
Mas em se tratando de ações coletivas, tendo em vista a natureza e as características dos
direitos tutelados, a coisa julgada apresenta traços muito peculiares, que a distingue
73 NERY JR., Nelson, NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor, p. 1539. 74 LIEBMAN, Apud MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores, p. 289. 75 MIRRA, Álvaro Luiz Valery. A Coisa Julgada nas Ações para a Tutela de Interesses Difusos. Revista dos Tribunais. São Paulo, ano 77, vol. 631, p. 71-82, maio 1988. 76 SÁ, José Adonis Callou de Araújo. Ação civil pública e controle de constitucionalidade, p. 120.
36
substancialmente da coisa julgada nas ações individuais, próprias de uma teoria processual
classicamente individualista, como veremos a seguir.
Regra geral, da aplicação conjunta da LACP e do CDC, a ação civil pública faz coisa
julgada erga omnes, desde que o processo não tenha sido julgado improcedente por
insuficiência de provas.
1.6.2 O Art. 16 da LACP
Seguindo a mesma regra já prevista no art. 18 da Lei n.º 4717/65, Lei da Ação
Popular, o art. 16 da LACP adotou o sistema da coisa julgada erga omnes secundum eventm
litis, o que significa dizer que a ação civil pública faz coisa julgada contra todos, a não ser
quando tiver sido julgada improcedente por falta de provas.
Mantendo a regra da coisa julgada segundo o resultado do litígio, o art. 2º da Lei n.º
9.494/97, com o intuito de restringir os efeitos erga omnes da sentença coletiva, alterou o art.
16 da LACP, que passou a vigorar com a seguinte redação:
Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.
Tal dispositivo é objeto de fortes críticas doutrinárias porque, nas palavras de
Gilberto Schäfer, “foi decorrente de razões de governo, especialmente o pagamento de
parcelas devidas a funcionários públicos e correção monetária do FGTS” 77. Com efeito, trata-
se de modificação operada pelo Presidente da República através da Medida Provisória n.º
1570, de 26.03.1997, que deu origem à famigerada Lei n.º 9.494/97, em matéria que não se
verifica o requisito constitucional da urgência, para que o Executivo possa, excepcionalmente,
legislar através de medidas provisórias.
Segundo Nelson Nery e Rosa Nery, a nova redação do art. 16 da LACP é:
37
Inconstitucional por ferir os princípios do direito de ação (CF 5º, XXXV), da razoabilidade e da proporcionalidade e porque o Presidente da República a editou, por meio de medida provisória, sem que houvesse autorização constitucional para tanto, pois não havia urgência ( o texto anterior vigorava há doze anos, sem oposição ou impugnação) , nem relevância, requisitos exigidos pela CF 62 caput 78.
Para Ada Pellegrini Grinover, o Executivo, seguido do Legislativo, equivocou-se
pela intenção e incompetência:
Em primeiro lugar pecou pela intenção. Limitar a abrangência da coisa julgada nas ações civis públicas significa multiplicar demandas, o que, de um lado, contraria toda a filosofia dos processos coletivos, destinados justamente a resolver molecularmente os conflitos de interesses, ao invés de atomizá- los e pulverizá-los; e de outro lado, contribui para a multiplicação de processos, a sobrecarregarem os tribunais, exigindo múltiplas respostas jurisdicionais quando uma só poderia ser suficiente. No momento em que o sistema brasileiro busca saída até nos precedentes vinculantes, o menos que se pode dizer do esforço redutivo do Executivo é que vai na contramão da história. Em segundo lugar, pecou pela incompetência. Desconhecendo a interação entre a Lei da Ação Civil Pública e o Código de Defesa do Consumidor, assim como muitos dos dispositivos deste, acreditou que seria suficiente modificar o art. 16 da Lei 7.347/85 para resolver o problema. No que se enganou redondamente. Na verdade, o acréscimo introduzido ao art. 16 da LACP é ineficaz 79.
Como já se afirmou supra, a LACP e o CDC, em tema de tutela coletiva, são
aplicados de forma integrada, de modo que a alteração do art. 16 da LACP, sem a alteração da
disciplina da coisa julgada no CDC, resta inoperante.
E quando se tentou restringir o âmbito da coisa julgada ao limite da competência
territorial do órgão prolator, esqueceu-se que esta pode ser local, regional ou nacional, nos
termos do art. 93 do CDC, aplicável a qualquer tipo de interesse coletivo latu sensu. Também
por este motivo, é ineficaz a nova redação do mencionado dispositivo80.
A alteração do art. 16 trouxe consigo impropriedades técnicas, que resultam da
confusão feita entre institutos jurídicos diversos. Uma coisa são os limites subjetivos da coisa
julgada, que diz respeito às pessoas atingidas pelo decisium. Outra coisa é a competência do
77 SCHÄFER, Gilberto. Ação civil pública e controle de constitucionalidade, p. 57. 78 NERY JR., Nelson, NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor, p. 1540/1541. 79 GRINOVER, Ada Pellegrini. A ação civil pública refém do autoritarismo, p. 28-36. 80 GRINOVER, Ada Pellegrini. A ação civil pública refém do autoritarismo, p. 28-36.
38
juízo, que “nada mais é do que uma relação de adequação entre o processo e o juiz” 81. Na
lição de Nery e Nery, confundir tais institutos leva ao equívoco de se imaginar que um casal
divorciado no estado de São Paulo possa continuar casado nos outros estados da Federação82.
Na verdade, o que delimita a abrangência da coisa julgada é o pedido e não a
competência. Do pedido, exterioriza-se o próprio objeto da ação, que representa, em mediato,
o bem da vida a ser tutelado. Assim, se o dano é de abrangência nacional ou regional, também
deverá o ser a abrangência da coisa julgada na ação coletiva. Nessa esteira, Rodolfo de
Camargo Mancuso exemplifica casos em que a delimitação da coisa julgada nos termos do
novo art. 16 acabaria por destituir de eficácia a própria tutela coletiva:
[...] se o pedido numa ação civil pública em curso perante juiz competente (Lei 7347/85, art. 2º, c/c CDC, art. 93) é que se interdite a fabricação de medicamento tido como nocivo à saúde humana, a resposta judiciária (inclusive como liminar) não pode, a nosso ver, sofrer condicionamento geográfico, seja porque não caberia falar numa “saúde paulista” , distinta de uma “saúde gaúcha”, seja porque, de outro modo, se teria que admitir a virtualidade de outra ação coletiva concomitante, em outra sede, ao risco da prolação de julgados porventura contraditórios, gerando caos e perplexidade. [...] No campo ambiental, suponha-se uma ação civil pública onde se pede a interdição do uso de mercúrio no garimpo de ouro, atividade realizada ao longo de um rio que atravessa dois Estados; figure-se, ainda, que essa ação vem proposta no Estado banhado pelo trecho do rio que está a jusante: de que modo poderia a decisão judicial que acolhe a ação ser realmente eficaz, se os seus efeitos práticos ficassem circunscritos aos limites territoriais do Juízo prolator da decisão? No exemplo, nenhuma eficácia – muito menos erga omnes – teria a coisa julgada, porque o inquinamento do rio, continuaria ocorrendo no Estado banhado pelo trecho do rio postado a montante, e daí desceria até alcançar – e poluir – o trecho do rio situado a jusante, supostamente protegido pela coisa julgada83.
Segundo o mesmo autor, quando os titulares dos direitos são sujeitos indeterminados
e o objeto é, no mais das vezes, indivisível, o critério de delimitação da coisa julgada deve
“atentar pa ra a projeção social do interesse metaindividual de que se trata” 84.
Na prática, a norma do art. 16 da LACP tem sido rechaçada por alguns julgados85.
81 GRINOVER, Ada Pellegrini. A ação civil pública refém do autoritarismo, p. 28-36. 82 Cf. NERY, Nelson Jr., NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil Comentado e legislação processual civil extravagante em vigor, p. 1540/1541. 83 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores, p. 296/297. 84 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores, p. 296.
39
1.6.3 A Coisa Julgada no CDC
O CDC, em seu artigo 103, estabeleceu um modelo tripartite para a coisa julgada nas
ações coletivas, segundo a categoria de interesse metaindividual a ser tutelado, disciplinando
o assunto de forma mais detalhada e coerente do que a disciplina da LACP.
Em se tratando de interesses difusos e coletivos, o CDC manteve a regra da coisa
julgada secundum eventum litis, já prevista na LACP e na LAP, o que significa que não se
formará a coisa julgada quando a ação for julgada improcedente por falta de provas, hipótese
em que outra ação poderá ser proposta por qualquer legitimado, desde que munido de nova
prova.
A coisa julgada será erga omnes, no caso de interesses difusos, ou seja, valerá para
todo o grupo social, e ultra partes, no caso de interesses coletivos, o que significa que a coisa
julgada abrangerá apenas o grupo, classe ou categoria de pessoas atingidas, ligadas entre si ou
com a parte contrária por uma relação jurídica base. Quando uma entidade associativa propõe
ação para defesa de seus filiados, a sentença de procedência a todos abrangerá, ainda que
alguns não tenham dado autorização expressa. De outro lado, importante lembrar que o
julgado ultra partes, em algumas situações, tendo em vista a própria indivisibilidade do
objeto, estenderá os efeitos da sentença a todos os lesados, ainda que não associados à
entidade autora86.
Os efeitos erga omnes ou ultra partes da coisa julgada não atingirão o direito de ação
individual, do qual poderão valer-se todos os lesados, ainda que a ação coletiva tenha sido
julgada improcedente, conforme dispõe o § 1º do mencionado art. 103.
85 No julgamento da Apelação Cível n.º 235858 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, a Juíza Relatora Maria Lúcia Luz Leiria consignou que: “ Na ação coletiva, a extensão e os limites da coisa julgada são informados pelo pedido e não pela competência”. BRASIL, TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO (Quinta Turma). Apelação Cível n. 235858. Relator (a) Juíza Maria Lúcia Luz Leiria. J. 11 set. 2000. Disponível em http:/www.cjf.gov.br. Acesso em 10 set. 2003. 86 GRINOVER, Ada Pellegrini, et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, p. 856/857.
40
Seguindo as regras da coisa julgada para interesses difusos e coletivos, pode-se
visualizar três situações distintas: a) se o pedido for julgado procedente, haverá coisa julgada
erga omnes ou ultra partes, beneficiando, inclusive, os sujeitos individualmente considerados;
b) se o pedido for julgado improcedente pelo mérito, haverá coisa julgada, que abrangerá
todos os legitimados à ação civil pública, não afastando, todavia, a possibilidade de ações
individuais; c) se o pedido for julgado improcedente por falta de provas, não haverá coisa
julgada, podendo qualquer legitimado intentar outra ação coletiva, com mesmo fundamento,
desde que imbuído de nova prova 87.
Em se tratando de interesses individuais homogêneos, a imutabilidade da sentença
será erga omnes, apenas quando o pedido for julgado procedente, o que a doutrina tem
chamado de coisa julgada in utilibus.
Se procedente o pedido da ACP, as vítimas e seus sucessores, individualmente
considerados, poderão proceder a liquidação e execução da sentença, segundo as disposições
do CDC, valendo-se do resultado favorável. Entretanto, se o pedido da ACP for julgado
improcedente, a coisa julgada não lhes prejudicará, segundo dispõe o § 3º, do art. 103, do
CDC.
Seguindo as regras da coisa julgada para os interesses individuais homogêneos,
pode-se visualizar duas situações: a) se a ACP for julgada improcedente, não prejudicará o
direito de ação individual; b) se a ACP for julgada procedente, por uma questão de economia
processual, as vítimas e seus sucessores serão beneficiados pela decisão, devendo apenas
promover a liquidação e execução da sentença, sem a necessidade do processo de
conhecimento88.
87 Cf. GRINOVER, Ada Pellegrini, et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, p. 855/856. 88 Cf. GRINOVER, Ada Pellegrini, et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, p. 855/856.
41
2 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO BRASIL
O controle de constitucionalidade no Brasil segue um sistema muito particular, em
virtude da existência conjunta dos sistemas de controle difuso e concentrado, que serão
estudados neste capítulo.
Mas antes de se estudar tais sistemas, como não poderia deixar de ser, buscar-se-á
compreender o significado do controle de constitucionalidade, diretamente ligado à idéia de
supremacia constitucional, em tópico no qual se introduzirá o estudo do tema no Brasil.
Na seqüência, serão analisadas as principais espécies de inconstitucionalidade e um
histórico do controle de constitucionalidade nas constituições brasileiras, a fim de se entender
como o país adotou os dois sistemas de controle.
Sobre o controle difuso, serão analisadas as suas principais características e os efeitos
de suas decisões. Também, no que diz respeito ao controle concentrado, serão estudadas as
suas principais características e as ações por meio das quais é exercido, bem como os efeitos
de suas decisões.
2.1 SUPREMACIA CONSTITUCIONAL E CONTROLE DE
CONSTITUCIONALIDADE
A idéia de supremacia constitucional está ligada à própria idéia de constituição,
enquanto norma fundamental do Estado de Direito. José Afonso da Silva, após indicar
variados conceitos da palavra constituição, conclui que:
A constituição do Estado, considerada sua lei fundamental, seria, então, a organização dos seus elementos essenciais: um sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos, os limites de sua ação, os direitos fundamentais do homem e as respectivas garantias. Em
42
síntese, a constituição é o conjunto de normas que organiza os elementos constitutivos do Estado 89.
A seu turno, Luís Roberto Barroso ressalta que a constituição é o primeiro
documento do Estado, dando origem a este e estando acima de todas as demais normas
produzidas por este mesmo Estado:
A Constituição é, tanto do ponto de vista cronológico como do ponto de vista hierárquico, o primeiro documento do Estado. Cronologicamente, porque é a Constituição que cria ou recria um Estado, constituindo o marco inaugural da ordem jurídica. Hierarquicamente, porque desfruta de superioridade jurídica em relação a todas as outras normas. A Constituição é dotada de um atributo que lhe é peculiar e que rege todo o processo de interpretação constitucional: a hierarquia90.
No ápice do ordenamento jurídico, a superioridade da constituição impõe a
observância de todos os seus preceitos, legitimando e limitando o poder estatal e garantindo
os direitos fundamentais nela consagrados.
O princípio da supremacia constitucional é próprio das constituições rígidas, ou seja,
daquelas que prevêm um procedimento legislativo mais dificultoso para a sua modificação do
que o procedimento previsto para as leis ordinárias. No ponto, José Afonso da Silva:
A rigidez constitucional decorre da maior dificuldade para sua modificação do que para a alteração das demais normas jurídicas da ordenação estatal. Da rigidez emana, como primordial conseqüência, o princípio da supremacia da constituição que, no dizer de Pinto Ferreira, “ é reputado como uma pedra angular, em que assenta o edifício do moderno direito político”. Significa que a constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do país, a que confere validade, e que todos os poderes estatais são legítimos na medida em que ela os reconheça a na proporção por ela distribuídos. É, enfim, a lei suprema do Estado, pois é nela que se encontram a própria estruturação deste e a organização de seus órgãos; é nela que se acham as normas fundamentais de Estado, e só nisso se notará sua superioridade em relação às demais normas jurídicas91.
Assim, o controle de constitucionalidade busca garantir e tornar efetiva a supremacia
da Constituição. O controle de constitucionalidade ou a fiscalização de constitucionalidade,
como prefere Clèmersom Merlin Clève, é “o principal mecanismo de defesa ou de garantia da
89 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 18 ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 39/40. 90 BARROSO, Luís Roberto. Conceitos fundamentais sobre o controle de constitucionalidade e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. In SARMENTO, Daniel (Org.). O controle de constitucionalidade e a lei 9.868/99. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2001. p. 233 – 268. 91 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo, p. 47.
43
Constituição” 92, tendo como objetivo a censura dos atos normativos contrários aos ditames
constitucionais.
Segundo Alexandre de Moraes, “controlar a c onstitucionalidade significa verificar a
adequação (compatibilidade) de uma lei ou de um ato normativo com a constituição,
verificando seus requisitos formais e materiais” 93.
No Brasil, o controle de constitucionalidade é exercido pelo Poder Judiciário, o que
significa afirmar que o país adotou o modelo jurisdicional de controle, em contraposição ao
modelo político, que é exercido, como o próprio nome já diz, por um órgão político,
normalmente ligado ao Poder Legislativo 94.
Mas o modelo jurisdicional de controle, que é a regra no Brasil, comporta algumas
exceções, por meio das quais se pode afirmar que há também mecanismos de controle político
no país.
Quanto ao sistema de controle exercido pelo Judiciário, o Brasil segue um modelo
em muito peculiar, “cara cterizando-se pelo fato de ser um controle eclético” 95, uma vez que
se processa por duas vias: de exceção ou difusa, e por via de ação ou concentrada. Estes dois
mecanismos formam o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade, que é um misto
dos sistemas de controle adotado nos Estados Unidos e na Áustria.
92 CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 34. 93 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 7 ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 555. 94 Cf. BARROSO, Luís Roberto. Conceitos fundamentais sobre o controle de constitucionalidade e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, p. 233 – 268. 95 BARROSO, Luís Roberto. Conceitos fundamentais sobre o controle de constitucionalidade e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, p. 233 – 268.
44
2.2 ESPÉCIES DE INCONSTITUCIONALIDADE
A inconstitucionalidade decorre de um comportamento positivo ou negativo do
Poder Público contrário à Constituição, dando origem a duas espécies de
inconstitucionalidade, por ação ou omissão, respectivamente.
A inconstitucionalidade por ação decorre da prática de atos legislativos que
contrariem normas ou princípios da constituição e pode se manifestar sob dois aspectos:
formal ou material96.
Há inconstitucionalidade formal quando a norma inferior não observa o
procedimento legislativo previsto na Lei Maior para sua criação. Paulo Bonavides ensina que
o controle de constitucionalidade formal:
Confere ao órgão que o exerce a competência de examinar se as leis foram elaboradas de conformidade com a Constituição, se houve correta observância das formas estatuídas, se a regra normativa não fere uma competência deferida constitucionalmente a um dos poderes, enfim, se a obra do legislador ordinário não contravém preceitos constitucionais pertinentes à organização técnica dos poderes ou às relações horizontais e verticais desses poderes, bem como dos ordenamentos estatais respectivos, como sói acontecer nos sistemas de organização federativa do Estado97.
A inconstitucionalidade material, de outro lado, ocorre quando há uma afronta ao
conteúdo mesmo da norma constitucional. E mais uma vez, utilizando as palavras do ilustre
jurista, o controle material de constitucionalidade “desce ao fundo da lei, outorga a quem o
exerce competência com que decidir sobre o teor e a matéria da regra jurídica, busca
acomodá-la aos cânones da Constituição, ao seu espírito, à sua filosofia, aos seus princípios
políticos fundamentais” 98.
No capítulo 1, transcreveu-se lição de Nelson Nery e Rosa Nery sobre a
inconstitucionalidade da Medida Provisória n.º 1570, de 26.03.1997, que modificando o art.
16 da LACP, restringiu o âmbito de abrangência da coisa julgada nas ações coletivas. Para
96 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo, p. 49. 97 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 268.
45
referidos autores, a nova redação do art. 16 da LACP é inconstitucional “por ferir os
princípios do direito de ação (CF 5º, XXXV), da razoabilidade e da proporcionalidade”99,
referindo-se a inconstitucionalidade material. É inconstitucional também, na visão dos
mesmos autores, a nova redação do dispositivo “porqu e o Presidente da República a editou,
por meio de medida provisória, sem que houvesse autorização constitucional para tanto, pois
não havia urgência ( o texto anterior vigorava há doze anos, sem oposição ou impugnação),
nem relevância, requisitos exigidos pela CF 62, caput”, referindo -se, neste ponto, a
inconstitucionalidade formal.
Além da inconstitucionalidade por ação, que decorre da produção de atos normativos
que contrariem regras ou princípios constitucionais, a CRFB/88 introduziu no direito
brasileiro a inconstitucionalidade por omissão, que ocorre quando o Poder Público deixa de
praticar ato que a Constituição determina. Com efeito, há normas constitucionais que
dependem de regulamentação infraconstitucional para serem plenamente aplicáveis, como é
exemplo o direito dos trabalhadores nos lucros e na gestão da empresa, lembrado por José
Afonso da Silva 100.
2.3 HISTÓRICO
A Constituição Imperial, outorgada por D. Pedro I em março de 1824 não previu
qualquer mecanismo judicial de controle de constitucionalidade, inspirada no
constitucionalismo europeu101, especialmente o francês e inglês:
Em função da influência francesa, o Judiciário não poderia atuar no controle constitucional uma vez que, na França, historicamente, ele foi um apêndice do poder imperial. A Revolução Francesa pôs fim a esse estado de coisas, mas enfraqueceu o
98 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 268/269. 99 NERY JR., Nelson, NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor, p. 1540/1541. 100 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo, p. 49/50. 101 Cf. CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 80.
46
Poder Judiciário. Com o novo regime, o princípio da legalidade se tornou dogma imperativo para o ordenamento jurídico, consolidando o prestígio do Poder legislativo, órgão que tem a incumbência de realizar a produção normativa. Pela influência inglesa, o Parlamento é considerado o órgão supremo do poder estatal, e, portanto, não poderia o Judiciário declarar a inconstitucionalidade de uma norma feita por um órgão que representava a mais alta esfera de governo. 102
Consagrando tais valores, previa a Carta de 1824 que cabia à Assembléia Geral velar
pela guarda da Constituição. E também o Poder Moderador inviabilizava qualquer tipo de
controle jurisdicional de constitucionalidade, uma vez que este Poder dava ao Imperador a
função de “resolver os conflitos envolvendo os Poderes, e não ao Judiciário” 103.
Com a Constituição de 1891, sob influência da doutrina norte- americana, a ordem
constitucional brasileira sofreu profunda reformulação, ao adotar “a República, o
presidencialismo, o legislativo bicameral com um senado composto por representantes dos
Estados, a federação, a judicial review e a estruturação judicial com a Suprema Corte e a
justiça federal”. 104
O célebre caso Marbury vs. Madison, que deu origem ao modelo da jurisdição
universal (judicial review), “julgado em 1803 pela Suprema Corte dos Estados Unidos, entrou
para a história como o primeiro precedente da proclamação do poder dos juízes de deixar de
aplicar as leis votadas pelo Congresso quando incompatíveis com a Constituição” 105.
Tal modelo, instituindo no Brasil o controle difuso e incidental de
constitucionalidade, foi adotado pela Constituição de 1891, que assim previa a possibilidade
de recurso para o Supremo Tribunal Federal, no § 1º de seu art. 59, nas seguintes hipóteses:
§ 1º Das sentenças das justiças dos Estados em última instância haverá recurso para o Supremo Tribunal Federal:
102 AGRA, Walber de Moura. Manual de Direito Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 493. 103 CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, p. 81. 104 CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 82. 105 BINENBOJM, Gustavo. A nova jurisdição constitucional brasileira: legitimidade democrática e instrumentos de realização. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 123.
47
a)quando se questionar sobra a validade ou aplicação de tratados e leis federais, e a decisão do tribunal do Estado for contra ela; b)quando se contestar a validade de leis ou de atos dos governos dos Estados em face da Constituição, ou das leis federais, e a decisão do Tribunal do Estado considerar válidos esses atos, ou essas leis impugnadas 106.
Antes mesmo da Carta de 1891, a Constituição Provisória, estabelecida pelo Decreto
n.º 510, de 26 de junho de 1890, e o Decreto n.º 848, de 11 de outubro de 1890, que instituiu
a Justiça Federal, já dispunham sobre o controle judicial e difuso de constitucionalidade dos
atos normativos. E posteriormente à promulgação da Carta de 1891, a Lei Federal n.º 221, de
10 de novembro de 1894, dispôs em seu art. 13, § 10: “os juízes e tribunais apreciarão a
validade das leis e regulamentos e deixarão de aplicar aos casos correntes as leis
manifestamente inconstitucionais e os regulamentos manifestamente incompatíveis com as
leis ou com a Constituição” 107. Com a contribuição de Rui Barbosa, tal dispositivo buscou
melhor delinear o instituto, ainda pouco utilizado pelos juízes da época108.
Mas o sistema de controle puramente difuso adotado no Brasil trouxe consigo alguns
inconvenientes, como a discrepância de entendimentos entre os diversos órgãos do Judiciário,
gerando incerteza e insegurança jurídica, além da multiplicidade de demandas. Buscando
corrigir tais deficiências, a Constituição de 1934 deu ao Senado Federal competência para
suspender, no todo ou em parte, a execução de atos declarados inconstitucionais pelo Poder
Judiciário 109, com o claro intuito de dar eficácia erga omnes às decisões definitivas do STF.
A Constituição de 1934 inovou ainda com o princípio da Reserva de Plenário,
exigindo quorum especial para a declaração de inconstitucionalidade pelos Tribunais, e a
representação interventiva, mediante a “provocação do Procurador - Geral da República para
que a Corte Suprema tomasse conhecimento de lei federal que houvesse decretado a
106 SLAIBI FILHO, Nagib. Breve História do Controle de Constitucionaliade. In: ANDRADE, André. A constitucionalização do direito: a constituição como locus da hermenêutica jurídica. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2003, p. 43- 79. 107 CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, p. 84. 108 SLAIBI FILHO, Nagib. Breve História do Controle de Constitucionaliade, p. 43- 79.
48
intervenção da União no Estado- membro em caso de inobservância de certos princípios
constitucionais, e lhe declarasse a constitucionalidade” 110.
A representação interventiva pode ser considerada um marco que iniciou a
introdução no país do controle de constitucionalidade por via de ação. Nas palavras do mestre
Bonavides, “o exame de constitucionalidade pelo Pretório supremo j á não ocorreria apenas
incidentalmente, no transcurso de uma demanda, mas por efeito de uma provocação cujo
objeto era a declaração mesma de constitucionalidade da lei que decretara a intervenção
federal” 111.
A Constituição de 1937, outorgada no período da ditadura do Estado- Novo, de
caráter autoritário e centralizador, manteve apenas o princípio da Reserva de Plenário, das
inovações introduzidas pela Carta de 34. Inferiorizando o Judiciário, a Constituição de 37
dispôs, no parágrafo único de seu art. 96:
Parágrafo único. No caso de ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei que, a juízo do Presidente da República, seja necessária ao bem- estar do povo, à promoção ou defesa de interesse nacional de alta monta, poderá o Presidente da República submetê-la novamente ao exame do Parlamento; se este a confirmar por dois terços de votos em cada uma das Câmaras, ficará sem efeito a decisão do Tribunal.
Referido dispositivo não passou de um mecanismo de fortalecimento do Executivo,
na medida em que tal faculdade era exercida pelo próprio Presidente da República, que
legislava mediante decreto-lei, sendo que o Poder Legislativo não chegou sequer a ser
convocado durante o período do Estado Novo112.
A Constituição de 1946, restaurando a democracia no país, retomou o controle difuso
de constitucionalidade em sua plenitude, dando ao Poder Judiciário a palavra final em matéria
constitucional, ao contrário do que acontecia sob a égide da Carta anterior. As inovações da
109 Cf. BINENBOJM, Gustavo. A nova jurisdição constitucional brasileira: legitimidade democrática e instrumentos de realização. p. 123. 110 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 296. 111 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 297. 112 Cf. CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, p. 86.
49
Carta de 1934 foram mantidas, junto com o aperfeiçoamento do sistema de controle de
constitucionalidade 113.
A representação interventiva, na Constituição de 1946, assume nova configuração,
segundo demonstra Oswaldo Aranha Bandeira de Mello:
O texto da Constituição de 1946 sobre esse caso de intervenção é distinto do da de 1934, embora este seja a sua fonte inspiradora. No da de 1934, como se viu, a execução de intervenção, que competia ao Presidente da República, só se efetuaria no caso de decretação da intervenção pelo Poder Legislativo, a quem cabia tomar essa medida, na hipótese de violação dos princípios constitucionais da União, se o Supremo Tribunal Federal, mediante provocação da Procuradoria- Geral da República, tomasse conhecimento dessa lei de decretação de intervenção e declarasse a sua constitucionalidade. E essa provocação seria de moto próprio, ou por determinação do Presidente da República, ao qual se achava subordinado, e a quem competia executar dita intervenção. Já na de 1946, o procedimento era diferente. O Procurador- Geral da República submeteria ao exame do Supremo Tribunal Federal o ato argüido de inconstitucional, em virtude de petição de terceiro, com o seu pronunciamento, pró ou contra; e se aquele órgão judicante declarasse a inconstitucionalidade do ato impugnado, o Congresso Nacional decretaria a intervenção federal. Porém, antes de o Executivo efetivá-la, se limitaria o Congresso a suspender a execução do ato considerado inconstitucional, caso essa medida bastasse para estabelecer a normalidade do Estado federado, evitando-se, assim, a concretização da intervenção.114
Evoluía, assim, o sistema de controle concentrado no Brasil. Mas profunda mudança
no sistema brasileiro de fiscalização de constitucionalidade foi a introduzida pela Emenda
Constitucional n.º 16, de 26 de novembro de 1965, que “alargou o âmbito material do controle
por via de ação.” 115 Estava criada a ação direta de inconstitucionalidade. Nas palavras de
Gustavo Binenbojm, “era, portanto, introduzido no Brasil o sistema de controle abstrato da
constitucionalidade, inspirado no modelo idealizado pelo gênio de Hans Kelsen e
consubstanciado na Constituição austríaca de 1920” 116.
113 Cf. CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, p. 86/ 87. 114 MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Apud CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, p. 87/ 88. 115 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 2000 , p. 298. 116 BINENBOJM, Gustavo. A nova jurisdição constitucional brasileira: legitimidade democrática e instrumentos de realização, p. 126/127.
50
Clèmerson Merlin Clève, com propriedade, traça a distinção entre a ação direta
instituída pela Emenda Constitucional n.º 16/65 e a representação com fins de intervenção
federal, nos seguintes termos:
A representação instituída pela Emenda Constitucional 16/65 não se confunde com a representação interventiva. Consiste esta em mecanismo de solução de conflito entre a União e uma coletividade política estadual. Por isso, apenas a violação dos princípios constitucionais sensíveis pode autorizar a sua propositura pelo Procurador- Geral da República. Cuida-se, ao contrário, o mecanismo instituído pela Emenda 16/65, de representação genérica, apta a garantir a observância de todos os dispositivos da Constituição. A representação interventiva implica uma fiscalização concreta da constitucionalidade, embora realizada em sede de ação direta; presta-se exatamente para a solução de um conflito federativo. Com a representação genérica, ao contrário, manifesta-se modo de fiscalização abstrata da constitucionalidade, já porque em semelhante situação estará em jogo a compatibilidade, em abstrato (em tese), de um dispositivo normativo infraconstitucional contrastado com a lei Fundamental da República.117
Também a Emenda Constitucional n.º 16/65 possibilitou a instituição pelos Estados-
membros de processo de competência originária dos Tribunais de Justiça dos Estados para a
declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual ou municipal em conflito
com a Constituição estadual118.
A Constituição outorgada de 1967 e a Emenda Constitucional n.º 01/69 mantiveram
o sistema de fiscalização de constitucionalidade até então existente, combinando o modelo
difuso- incidental com o modelo concentrado- principal119.
Promulgada a Constituição de 1988, a 5 de outubro daquele ano, houve significativo
aperfeiçoamento do sistema brasileiro de controle de constitucionalidade.
A nova Carta trouxe como uma das principais inovações “a desmonopolização da
iniciativa para a deflagração do controle abstrato da constitucionalidade” 120, ampliando
sobremaneira o rol de legitimados à propositura da ação direta, que, no regime anterior, cabia
única e exclusivamente ao Procurador- Geral da República.
117 CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro. p. 88/ 89. 118 Cf. BINENBOJM, Gustavo. A nova jurisdição constitucional brasileira: legitimidade democrática e instrumentos de realização, p. 126. 119 Cf. SÁ, José Adonis Callou de Araújo. Ação civil pública e controle de constitucionalidade, p. 68.
51
A Constituição de 1988 estabeleceu também mecanismos de controle contra
omissões legislativas, ao instituir a ação direta de inconstitucionalidade por omissão
(CRFB/88, art. 102, § 2º), instrumento de controle concentrado, e o mandado de injunção
(CRFB/88, art. 5º, LXXI ), instrumento de controle difuso121. Criou ainda, a Carta de 88,
mecanismo de argüição de descumprimento de preceito fundamental decorrente da
Constituição, previsto em seu art. 102, § 1º, cuja dicção lacônica “permaneceu como um
enigma na doutrina constitucional brasileira até a edição da Lei n.º 9.882, de 3 de dezembro
de 1999, que pretendeu regulamentá-lo” 122.
Posteriormente, a Emenda Constitucional n.º 3, de 18 de março de 1993, instituiu a
ação declaratória de constitucionalidade, sobre a qual leciona Gustavo Binenbojm:
Tal instituto, simetricamente à ação direta de inconstitucionalidade, tem por escopo propiciar a prolação de uma decisão do Supremo Tribunal Federal que reafirme, com eficácia erga omnes e efeito vinculante, a constitucionalidade de determinada lei ou ato normativo. Por tal decidsão, a presunção de constitucionalidade da lei, que é relativa (juris tantum), torna-se absoluta (jure et de jure), impedindo a sua inobservância, sob o argumento de inconstitucionalidade, por quem quer que seja, inclusive pelos demais órgãos do Poder Judiciário e pelo Poder Executivo123.
Por fim, podem ser enumeradas ainda as seguintes inovações da Carta de 1988: a)
autorização aos Estados- membros para instituição de ação direta de inconstitucionalidade de
leis municipais ou estaduais em face da Constituição Estadual (CRFB/88, art. 125, § 2º), o
que havia sido abolido pela Carta de 1967; b) recurso extraordinário restrito a questões de
constitucionalidade; c) manifestação obrigatória do Procurador- Geral da República em todos
os processos da competência do Supremo Tribunal Federal (CRFB/88, art. 103, § 1º) 124.
120 BINENBOJM, Gustavo. A nova jurisdição constitucional brasileira: legitimidade democrática e instrumentos de realização. p. 130. 121 Cf. SLAIBI FILHO, Nagib. Breve história do controle de constitucionalidade, p. 43- 79. 122 BINENBOJM, Gustavo. A nova jurisdição constitucional brasileira: legitimidade democrática e instrumentos de realização, p. 132. 123 BINENBOJM, Gustavo. A nova jurisdição constitucional brasileira: legitimidade democrática e instrumentos de realização, p. 131/ 132. 124 Cf. SÁ, José Adonis Callou de Araújo. Ação civil pública e controle de constitucionalidade, p. 68, 69.
52
2.4 CONTROLE DIFUSO
O controle difuso é também designado pela doutrina constitucional de controle
concreto, incidental e por via de exceção ou indireta. Não está previsto de forma expressa em
nossa Lei Maior, seguindo a tradição da nossa primeira Constituição republicana. O controle
difuso resulta de nosso sistema constitucional, que prevê o recurso extraordinário para o
Supremo Tribunal Federal, quando a decisão recorrida versar matéria constitucional,
conforme dispõe o art. 102, III e alíneas, da CRFB/88 125.
O controle difuso de constitucionalidade é inerente à atividade jurisdicional de
aplicação e interpretação das leis aos casos concretos. Esta foi a conclusão do juiz americano
John Marshal, na decisão do histórico caso Marbury vs. Madison:
Enfaticamente, é a província e o dever do Poder Judiciário dizer o que é lei. Aqueles que aplicam a regra aos casos particulares devem necessariamente expor e interpretar essa regra. Se duas leis colidem uma com a outra, os tribunais devem julgar acerca da eficácia de cada uma delas. Assim, se uma lei está em oposição com a Constituição; se, aplicadas elas ambas a um caso particular, o Tribunal se veja na contingência de decidir a questão em conformidade com a lei, desrespeitando a lei, o Tribunal deverá determinar qual destas regras em conflito regerá o caso. Esta é a verdadeira essência do Poder Judiciário. Se, pois, os Tribunais têm por missão atender à Constituição e observá-la e se a Constituição é superior a qualquer resolução ordinária da legislatura, a Constituição, e nunca essa resolução ordinária, governará o caso a que ambas se aplicam126.
Assim é que o controle por via de exceção só ocorre quando, “no curso de um pleito
judiciário, uma das partes levanta, em defesa de sua causa, a objeção de inconstitucionalidade
da lei que se lhe quer aplicar.” 127
Com efeito, a primeira característica deste tipo de controle, segundo Luís Roberto
Barroso, é a necessidade de uma lide posta à apreciação do Poder Judiciário. E ao decidir o
litígio, a questão constitucional é decidida incidentalmente, uma vez que o objeto da ação não
é a constitucionalidade ou não do ato normativo, mas apenas questão imprescindível ao
125 Nesse sentido: Luís Roberto Barroso, Walber de Moura Agra, José Adonis Callou de Araújo Sá. 126 Apud POLETTI, Ronaldo. Controle da constitucionalidade das leis. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 37.
53
julgamento de mérito128. Para Alexandre de Moraes, esta é a principal característica do
controle difuso:
O controle difuso caracteriza-se, principalmente, pelo fato de ser exercitável somente perante um caso concreto a ser decidido pelo Poder Judiciário. Assim, posto um litígio em juízo, o Poder Judiciário deverá solucioná-lo e para tanto, incidentalmente, deverá analisar a constitucionalidade ou não do ato normativo. A declaração de inconstitucionalidade é necessária para o deslinde do caso concreto, não sendo pois objeto principal da ação.” 129
O controle difuso, e por isso o nome, é exercido por qualquer juiz ou Tribunal, “que
poderá deixar de aplicar uma lei a um caso concreto ao considerá-la inconstitucional” 130. E a
questão da inconstitucionalidade pode ser suscitada por todos que integrem a relação
processual, ainda que na qualidade de terceiros, bem como o Ministério Público, na qualidade
de fiscal da lei, ressaltando-se que o próprio órgão judicial poderá suscitar e analisar a
questão, no silêncio das partes131.
2.4.1 O Princípio da Reserva de Plenário
Previsto na CRFB/88, em seu art. 97, o princípio da Reserva de Plenário determina
que os Tribunais somente poderão declarar a inconstitucionalidade de ato normativo estatal
pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros de seu órgão especial.
Este princípio é aplicável a todos os tribunais, inclusive ao Supremo, quando no
exercício do controle concentrado 132.
Questão já superada pela doutrina e jurisprudência é a relativa à possibilidade da
declaração de inconstitucionalidade pelos juízos monocráticos, sem ofensa ao art. 97 da Lei
Maior. Assim o é porque a Constituição, com tal preceito, não dispôs sobre competência, mas
127 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 272. 128 BARROSSO, Luís Roberto. Conceitos Fundamentais sobre o Controle de constitucionalidade e a Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, p. 233-268. 129 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p. 562. 130 BARROSSO, Luís Roberto. Conceitos Fundamentais sobre o Controle de Constitucionalidade e a Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, p. 247. 131 Cf. CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, p. 98. 132 Cf. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. p.562, 563.
54
estabeleceu uma condição de eficácia para a declaração de inconstitucionalidade pelos
Tribunais 133.
Flexibilizando o princípio da Reserva de Plenário, a Lei n.º 9.756/98 acrescentou
parágrafo único ao art. 481 do CPC, com a seguinte redação: “Os órgãos fracionários dos
tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a argüição de
inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do Plenário do Supremo
Tribunal sobre a questão.”
Muito embora já se tenha alegado a inconstitucionalidade de tal dispositivo, é certo
que tal prescrição seguiu orientação jurisprudencial e o próprio STF já se manifestou no
sentido da constitucionalidade da norma 134.
2.4.2 Efeitos da Decisão
A decisão que afastar a aplicação da lei inconstitucional a determinado caso concreto
não induz à anulação do ato normativo, que continua plenamente válido no ordenamento
jurídico, podendo ser aplicado em casos semelhantes. Esta é a lição de Paulo Bonavides, nos
seguintes termos:
A lei que ofende a Constituição não desaparece assim da ordem jurídica, do corpo ou sistema das leis, podendo ainda ter aplicação noutro feito, a menos que o poder competente a revogue. De modo que o julgado não ataca a lei em tese ou in abstracto, nem importa o formal cancelamento das suas disposições, cuja aplicação fica unicamente tolhida para a espécie demandada. É a chamada relatividade da coisa julgada. Nada obsta a que noutro processo, em casos análogos, perante o mesmo juiz ou perante outro, possa a mesma lei ser eventualmente aplicada135.
Os efeitos dessa decisão beneficiam apenas as partes do litígio e alcançam o ato
normativo inconstitucional desde sua origem, o que significa dizer que são inter partes e ex
133 Cf. CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, p. 100. 134 HARTUNG, Sidney. Incidente de Inconstitucionalidade. O alcance da norma contida no art. 481, parágrafo único, do CPC. In: ANDRADE, André (Org.). A constitucionalização do direito: a constituição como locus da hermenêutica jurídica, p. 505 - 509. 135 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 273/274.
55
tunc 136. Este último efeito deve-se ao que Gilmar Ferreira Mendes afirma tratar-se mesmo de
um princípio constitucional implícito, o da nulidade da lei inconstitucional. Segundo
entendimento do Supremo exposado pelo autor “o reconhecimento da validade de uma lei
inconstitucional – ainda que por tempo limitado – representaria uma ruptura com o princípio
da supremacia da Constituição” 137. Tal princípio foi adotado no Brasil por influência do
constitucionalismo norte- americano138.
2.4.3 A Suspensão pelo Senado Federal
Declarada a inconstitucionalidade de ato normativo pelo Supremo Tribunal Federal,
em sede recursal ou de sua competência originária, cabe ao STF comunicar a decisão ao
Senado Federal, para efeitos do art. 52, X, da CRFB/88, segundo o qual compete ao órgão
legislativo “suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por
decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal”.
Fazendo-o por meio de resolução, o Senado suspende a eficácia da lei considerada
inconstitucional pelo STF, estendendo os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, que
passa a ser erga omnes e ex nunc 139, “atingindo, a partir de então, todos qu e se encontrem na
mesma situação” 140. E como a resolução suspensiva do Senado tem efeitos meramente ex
nunc, “aqueles que quiserem ser protegidos pelos efeitos retroativos deverão recorrer ao
Judiciário para terem direitos resguardados integralmente, pela via difusa.” 141
136 Ex tunc significa “de então, ou desde então; com efeito retroativo”. SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico, p. 329. 137 MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional: o controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 263/264. 138 Sobre a nulidade da norma inconstitucional, vide tópico 2.5.1.1 deste trabalho, sobre os efeitos da decisão em sede de ADIn. 139 Ex nunc significa “de agora em diante; a partir do presente momento, sem efeito retroativo”. SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico, p. 329. 140 AGRA, Walber de Moura. Manual de Direito Constitucional, p. 520. 141 AGRA, Walber de Moura. Manual de Direito Constitucional, p. 521.
56
O ato do Senado que suspende a eficácia da norma inconstitucional é ato
discricionário, o que significa afirmar que o órgão legislativo não está obrigado a editá-lo,
mas o faz segundo critérios políticos. No ponto, a doutrina de Clèmerson Merlim Clève:
O Senado Federal dispõe, no caso da suspensão da execução, de uma competência genérica e não de um dever constitucionalmente determinado de agir. A competência do Senado “consiste em atividade discricionária” de natureza política. Cuida-se, a resolução suspensiva, de “ato político que empresta eficácia erga omnes à decisão do Supremo Tribunal Federal proferida em caso concreto”. Ao Senado “cabe examinar da conveniência e oportunidade de considerar, em tese, suspensos os seus efeitos, de retirar dispositivo legal ou regulamentar do ordenamento jurídico”. Não está ele obrigado a editar a resolução suspensiva. Tem-se hoje como certo, estando portanto praticamente esgotada a polêmica travada pela doutrina a respeito da questão, que “o Senado é o juiz e xclusivo do momento em que convém exercer a competência, a ele e só a ele atribuída, de suspender lei ou decreto declarado inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal”. 142
E como assinala Alexandre de Moraes, esta é a posição do STF e do Senado, no
sentido da discricionariedade do ato de suspensão da eficácia da norma inconstitucional 143.
2.5 CONTROLE CONCENTRADO
O controle concentrado de constitucionalidade, e por isso o nome que o define, é
exercido perante o Supremo Tribunal Federal, que tem competência privativa e originária para
o julgamento das ações diretas de controle de constitucionalidade.
A principal característica do controle concentrado, por via principal ou por via de
ação “é o fato de ser um controle em tese, abst rato, independente de um caso concreto, de
uma lide” 144. Segundo Luís Roberto Barroso, o controle principal ou por via de ação é um
exercício anormal da atividade jurisdicional:
O controle de constitucionalidade por ação direta ou por via principal, conquanto também seja jurisdicional, é um exercício atípico de jurisdição, porque não há litígio ou situação concreta a ser solucionada pela aplicação da lei pelo juiz. Controle por via principal tem por objeto não o litígio entre as partes, mas um pronunciamento sobre a própria lei. Diz-se controle em tese porque não há caso concreto subjacente à
142 CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, p. 121/ 122. 143 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 7 ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 564. 144 BARROSO, Luís Roberto. Conceitos fundamentais sobre o controle de constitucionalidade e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, p. 233-268.
57
manifestação judicial. Dessa forma, não se trata de uma via adequada para a tutela de direitos subjetivos, mas para a proteção do próprio ordenamento, evitando a presença de um corpo não harmônico, incompatível com a Constituição145.
Não havendo litígio, as partes do processo são meramente formais, desenvolvendo-
se o controle concentrado por meio de um processo objetivo. Assim o é porque as ações
genéricas não buscam a tutela de direitos subjetivos, mas a defesa da ordem constitucional.
Paulo Bonavides, sobre o controle por via de ação ou abstrato, leciona que:
Caracteriza-se esse processo por seu teor sumamente enérgico, pela sua agressividade e radicalismo, pela natureza fulminante da ação direta. Consente aos governados e com mais freqüência a certas autoridades públicas a iniciativa de promover o ataque imediato e ofensivo ao texto eivado de inconstitucionalidade. Uma vez declarada inconstitucional, a lei é removida da ordem jurídica com a qual se apresenta incompatível146.
O controle por via de ação, principal, direto e concentrado, processa-se por meio das
seguintes ações genéricas: ações diretas de inconstitucionalidade por ação e omissão e ação
declaratória de constitucionalidade.
Muito embora a ação direta interventiva tenha dado origem ao controle abstrato de
normas no direito brasileiro, suas características não se confundem com as características
próprias das ações genéricas. Tal ação não desencadeia um processo objetivo, em que não há
partes e interesse jurídico específico. “O objeto do processo não é a declaração da
inconstitucionalidade em tese de um ato estadual, mas antes a solução de um conflito entre a
União e o Estado- membro que pode desembocar numa intervenção” 147.
Por sua vez, a ADPF é de ser considerada instrumento do controle concentrado, na
medida em que, nesta ação, a matéria constitucional é decidida pelo Supremo, que, entretanto,
não o faz de forma principal, mas incidental, segundo adverte Luís Roberto Barroso148. A
argüição por descumprimento de preceito fundamental trata-se de instituto que, mesmo após a
145 BARROSO, Luís Roberto. Conceitos fundamentais sobre o controle de constitucionalidade e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, p. 233-268. 146 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 277. 147 CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, p. 161/162.
58
edição da Lei n.º 9.882, de 3 de dezembro de 1999, permanece como uma incógnita na
doutrina e jurisprudência brasileiras, diante das críticas e entendimentos divergentes sobre o
instituto.
Por tais razões, a ação direta interventiva e a argüição por descumprimento de
preceito fundamental não serão objeto do presente estudo, até mesmo porque não guardam
relação de pertinência com o problema a que se propôs elucidar.
2.5.1 Ação Direta de Inconstitucionalidade
Nos termos da CRFB/88, é da competência originária do STF o processo e
julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou
estadual, competindo ao Supremo a guarda da Constituição (art. 102, I, a, CRFB/88). O
procedimento da ADIn está regulado na Lei n.º 9.868, de 10 de novembro de 1999149, e no
Regimento Interno do STF, aplicado subsidiariamente.
Democratizando o acesso à jurisdição constitucional abstrata, a Carta de 1988
ampliou de forma considerável o rol de legitimados à propositura da ADIn, que até então
estava restrita ao Procurador Geral da República. Nos termos do art. 103 e seus incisos da
CRFB/88, estão legitimados à propositura da ação direta, além do Chefe do Ministério
Público Federal, o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara
dos Deputados, a Mesa de Assembléia Legislativa, o Governador de Estado, o Conselho
Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso
Nacional, confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
148 Cf. BARROSSO, Luís Roberto. Conceitos Fundamentais sobre o Controle de constitucionalidade e a Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, p. 233-268. 149 BRASIL, Lei 9.868, de 10 de novembro de 1999. Dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. Disponível em http:/ www.planalto.gov.br. Acesso em 14 maio 2004.
59
Segundo Clèmerson Merlin Clève, sob a vigência da Carta de 1988, o número de
ações diretas ajuizadas aumentou de forma significativa, o que se deve à ampliação da
legitimação ativa e ao fenômeno da “inflação legislativa”, próprio dos Estados
contemporâneos 150.
A jurisprudência do STF exige de alguns legitimados a pertinência temática, ou
seja, a demonstração de interesse na lei que está sendo objeto de impugnação, requisito que
deve ser observado pelos legitimados especiais, que são os seguintes: Governador de Estado,
Mesa de Assembléia Legislativa, Confederação sindical e entidade de classe de âmbito
nacional. Em contraposição a estes, os demais são chamados de legitimados universais, dos
quais não se exige a prova da pertinência temática151.
Seguindo o disposto no § 3º do art. 103 da CRFB/88, o Advogado- Geral da União
deve ser ouvido em todas as ações diretas para a defesa da constitucionalidade da norma
impugnada, ainda que esta seja uma norma estadual. Nas ADIn’s, o Advogado - Geral da
União “atua como curador especial do princípio da presunção da constitucionalidade das leis e
atos normativos, não lhe competindo opinar nem exercer a função fiscalizadora já atribuída ao
Procurador- Geral da República, mas a função eminentemente defensiva” 152. Caso a defesa da
constitucionalidade da norma impugnada seja contrária aos interesses da União, Walber de
Moura Agra assinala que o Advogado- Geral poderá deixar de defendê-la, não se
manifestando a respeito, mas sendo-lhe vedado concordar com o pedido de
inconstitucionalidade153.
A possibilidade de pedido cautelar nas ações diretas infere-se do art. 102, I, p, da
CRFB/88, disciplinada nos arts. 10, 11 e 12, da Lei n.º 9.868/99. Ressaltando o caráter de
150 Cf. CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, p. 129. 151 Cf. CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, p. 161/ 162. 152 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p. 591.
60
excepcionalidade da medida, Gilberto Schäfer traça os requisitos para a sua concessão,
segundo a jurisprudência do Supremo:
A medida reveste-se de excepcionalidade, pois os atos estatais gozam de presunção juris tantum de legitimidade, ou no caso, de constitucionalidade. Ao examinarmos a jurisprudência do STF, podemos identificar como requisitos gerais: a) plausibilidade da tese exposta (fumus boni iuris); b) emergencialidade (periculum in mora); e como requisitos específicos o interesse público prevalente e a garantia da ulterior eficácia da decisão 154.
A concessão da medida cautelar suspende a eficácia da norma impugnada, com
efeitos, via de regra, ex nunc, ou seja, não retroativos. Todavia, seguindo entendimento
pacífico do Supremo, a Lei n.º 9.868/99, no § 1º de seu art. 11, estabelece que o STF poderá
dar eficácia retroativa a decisão, caso entenda necessário. E em se tratando de controle
abstrato de normas, a medida cautelar, assim como a decisão de mérito, produz efeitos erga
omnes 155.
Tendo em vista as razões de ordem pública que envolvem a expurgação do
ordenamento de uma norma inconstitucional, proposta a ação, não se admitirá desistência do
pedido, com fulcro no art. 5º, da Lei n.º 9.868/99.
Estão sujeitos ao controle concentrado de normas perante o Supremo Tribunal
Federal a lei ou ato normativo federal ou estadual (art. 102, I, a, CRFB), o que exclui a
possibilidade de ação direta impugnando lei municipal em face da Constituição Federal.
E poderão ser objeto de ADIn perante o STF apenas os atos normativos estaduais e
federais editados pelo Poder Público, e desde que revestidos do caráter de generalidade e
abstração156. Este é o entendimento do Supremo sobre o assunto, não admitindo o uso das
ações diretas para impugnação de atos de efeitos concretos, conforme lição trazida por Luís
Roberto Barroso:
153 Cf. AGRA, Walber de Moura. Manual de Direito Constitucional, p. 511. 154 SCHÄFER, Gilberto. Ação civil pública e controle de constitucionalidade, p. 92. 155 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 7 ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 589/ 590. 156 Cf. CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro. p. 183-189.
61
O objeto do controle normativo abstrato perante o Supremo Tribunal Federal são, em nosso sistema de direito positivo, exclusivamente, os atos normativos federais e estaduais. Refogem a essa jurisdição os atos materialmente administrativos, ainda que incorporados ao texto de lei formal. Os atos estatais de efeitos concretos – porque despojados de qualquer coeficiente de normatividade ou de generalidade abstrata – não são passíveis de fiscalização jurisprudencial constitucional concentrada do STF, em sede de ação direta de inconstitucionalidade (STF, RDA 191/171)157.
Em suma, são passíveis de controle abstrato de constitucionalidade, segundo rol não
taxativo elencado por José Adonis Callou de Araújo Sá:
1) emendas constitucionais; 2) disposições de constituições estaduais; 3) leis complementares e ordinárias, federais e estaduais; 4) medidas provisórias; decretos legislativos; 5)decretos e outros atos do Poder Executivo que tenham força normativa e não sejam meramente regulamentadores; 6) regimentos e outras resoluções de tribunais 158.
Por outro lado, não são objeto de ação direta, muito embora dotadas de conteúdo
normativo, as sentenças normativas da Justiça do Trabalho, bem como as convenções
coletivas de trabalho. Isto porque as primeiras são atos judiciais, impugnáveis através dos
recursos próprios; enquanto as convenções coletivas não são editadas pelo Poder Público. Os
atos normativos anteriores à constituição também não são objeto do controle abstrato de
normas, por entender o Supremo que no caso não há relação de inconstitucionalidade, mas de
revogação; bem como os regulamentos ou atos normativos que exorbitam os parâmetros da
lei, por tratar-se a hipótese de ilegalidade e não inconstitucionalidade, segundo entendimento
do Supremo159.
2.5.1.1 Efeitos da Decisão
Influenciado pelo direito norte- americano, o dogma da nulidade da lei
inconstitucional já se tornou tradição no direito brasileiro160. Rui Barbosa, à sua época, já
dizia que “toda medida legislativa, ou executiva, que desrespeitar preceitos constitucionais, é,
157 BARROSSO, Luís Roberto. Conceitos fundamentais sobre o controle de constitucionalidade e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, p. 233-268. 158 SÁ, José Adonis Callou de Araújo. Ação civil pública e controle de constitucionalidade, p. 75. 159 Cf. CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 215 - 218.
62
de sua essência, nula” 161. Nessa esteira, a lição de Ronaldo Poletti, parafraseando Alfredo
Buzaid:
A doutrina afirma que a lei inconstitucional não tem nenhuma eficácia, nem jamais teve, nem terá. A doutrina da inconstitucionalidade repousa na oposição entre a lei e a Constituição, antinomia meramente aparente, pois a supremacia da Constituição a resolve. Não se poderá, por isso, atribuir à lei “inconstitucional” uma e ficácia transitória, enquanto não fulminada pela presença judicial. Isto seria como negar, durante o tempo em que não houve a declaração de inconstitucionalidade, a autoridade da Constituição162.
Sendo assim, a decisão que reconhece a inconstitucionalidade do ato normativo é
uma decisão declaratória, o que significa afirmar que esta decisão não desconstitui a norma
inconstitucional como se a revogasse, mas apenas declara um estado preexistente, produzindo
efeitos ex tunc 163. Daniel Sarmento afirma que “se a decisão que reconhece a
inconstitucionalidade de uma norma fosse dotada apenas de efeitos desconstitutivos, gozando
de eficácia ex nunc, isto importaria no reconhecimento da validade dos efeitos da lei
inconstitucional, produzidos até o advento da decisão” 164.
O efeito ex tunc da declaração de inconstitucionalidade é a regra no direito brasileiro.
Contudo, esta regra foi relativizada pela Lei n.º 9.868/99, que em seu art. 27, sobre a eficácia
temporal das decisões nas ações diretas de inconstitucionalidade e ações declaratórias de
constitucionalidade, assim dispôs:
Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir do seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.
160 Cf. MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional: o controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha, p. 257. 161 BARBOSA, Rui Apud SARMENTO, Daniel. A eficácia temporal das decisões no controle de constitucionalidade. In: SARMENTO, Daniel (Org.). O controle de constitucionalidade e a lei 9.868/99. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2001, p. 101- 138. 162 POLETTI, Ronaldo. Controle da constitucionalidade das leis, p. 120. 163 Cf. CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro. p. 244. 164 SARMENTO, Daniel. A eficácia temporal das decisões no controle de constitucionalidade, p. 101- 138.
63
Com efeito, “o Supremo Tribunal Federal, no exercício da sua magna função de
protetor da Constituição, não pode quedar-se indiferente às conseqüências de seus
julgados” 165. Isto porque a aplicação de efeito retroativo a todas as decisões do Supremo que
julgassem inconstitucional determinada norma acabaria por gerar situações de flagrante
injustiça, ofendendo o princípio da segurança jurídica, devendo-se atentar para o fato de que a
ADIn pode ser proposta a qualquer tempo, quando muitos atos já foram praticados com base
na norma inconstitucional. Ilustra bem o caso o exemplo trazido por Luiz Alberto David
Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior, ao qual é aplicável o dispositivo supra transcrito, da Lei
n.º 9.868/99:
Imaginemos uma hipótese de lei de criação de cargos públicos julgada inconstitucional depois de providos e depois de seus ocupantes entrarem em exercício. Foram praticados atos que seriam, pelo efeito ex tunc, julgados inexistentes e, portanto, nulos. Com a decisão com efeito apenas ex nunc, os atos praticados ficam validados, as verbas recebidas são mantidas – pois houve trabalho – produzindo efeitos apenas a partir da decisão, com o reconhecimento da inexistência dos cargos públicos. Em resumo: os atos praticados são válidos, as verbas pagas foram válidas, mas os funcionários perderão seus cargos a partir do trânsito em julgado do acórdão166.
Desta feita, com base no dispositivo mencionado, o STF, em caráter excepcional -
por razões de interesse social ou em nome da segurança jurídica - poderá determinar, desde
que com o voto da maioria de 2/3 dos membros do Tribunal, a partir de quando a decisão que
declarar a inconstitucionalidade de uma norma produzirá seus efeitos: se a partir do trânsito
em julgado da decisão ou outro momento fixado pelo Tribunal.
Por outro lado, tem-se relativizado também a regra dos efeitos ex tunc das
declarações de inconstitucionalidade tendo em vista o respeito à coisa julgada. Segundo
Daniel Sarmento, “a declaração de inconstitucionalidade de uma norma não tem o condão de
165 SARMENTO, Daniel. A eficácia temporal das decisões no controle de constitucionalidade, p. 101- 138. 166 ARAÚJO, Luiz Alberto David, NUNES JR., Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional, p. 46.
64
desconstituir sentenças transitadas em julgado, baseadas na regra inconstitucional” 167. E
Gilmar Ferreira Mendes, manifestando-se conforme esse entendimento:
[...] o sistema de controle da constitucionalidade brasileiro parece contemplar uma ressalva expressa a essa rigorosa doutrina da retroatividade: a coisa julgada. Embora a doutrina não se refira a essa peculiaridade, tem-se por certo que a pronúncia da inconstitucionalidade não faz tábula rasa da coisa julgada, erigida pelo constituinte em garantia constitucional (CF, art. 153, § 3º). Ainda que se não possa cogitar de direito adquirido ou de ato jurídico perfeito, fundado em lei inconstitucional, afigura-se evidente que a nulidade ex tunc não afeta a norma concreta contida na sentença ou no acórdão168.
No âmbito cível, o caso poderá ser objeto de ação rescisória, por violação à literal
disposição de lei, desde que respeitado o prazo decadencial de 2 anos contados a partir do
trânsito em julgado da sentença. No âmbito penal, o caso enseja a propositura de revisão
criminal, não sujeita à prazo decadencial.
A decisão nas ADIn’ s produz ainda eficácia erga omnes, ou seja, contra todos, em
virtude da própria natureza do processo e provimento judicial nas ações diretas. Aqui, não
vale a regra do controle difuso, segundo a qual deve-se submeter a decisão ao Senado Federal
para que este dê eficácia erga omnes à decisão, através de resolução 169.
Inovação da Lei n.º 9.868/99, foi a extensão do efeito vinculante às decisões em sede
de ADIn (parágrafo único, art. 28, Lei n.º 9.868/99), eis que a EC n.º 3/93 havia conferido
efeito vinculante apenas às decisões de ADC 170.
2.5.2 Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão
A ação direta de inconstitucionalidade por omissão encontra previsão constitucional
no § 2º, do art. 103, da nossa Lei Maior, segundo o qual “declarada a inconstitucionalidade
por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder
167 SARMENTO, Daniel. A eficácia temporal das decisões no controle de constitucionalidade, p. 101- 138. 168 MENDES, Gilmar Ferreira Apud CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, p. 252. 169 MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional: o controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha, p. 260.
65
competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão
administrativo, para fazê-lo em trinta dias”.
Como se vê do dispositivo transcrito, o constituinte brasileiro não instituiu uma ação
especial para o controle da omissão inconstitucional, mas criou um outro tipo de
inconstitucionalidade a ser atacado por ADIn, dando ao STF “competência para proferir novo
tipo de provimento judicial ” 171.
Com relação ao objeto da ADIn por omissão, Walber de Moura Agra assinala que
não são apenas as omissões do Poder Legislativo que ensejam a sua propositura, mas também
as omissões do Executivo, quando este deixar de exercer o seu poder regulamentar,
inviabilizando o exercício de direitos constitucionais 172. Clèmerson Merlin Clève, a seu
turno, leciona que a omissão inconstitucional deve ser em relação a medidas de cunho
normativo dos Poderes Públicos, incluindo aí as normativas de cunho administrativo, como
regulamentos e instruções 173.
O objetivo da ação direta por omissão é “viabilizar o alcance de eficácia plena de
toda e qualquer norma constitucional” 174. No mesmo sentido, as palavras de Michel Temer:
A primeira afirmação que se deve fazer é aquela referente à finalidade desse controle: é a de realizar, na sua plenitude, a vontade constituinte. Seja: nenhuma norma constitucional deixará de alcançar eficácia plena. Os preceitos que demandarem regulamentação legislativa ou aqueles simplesmente programáticos não deixarão de ser invocáveis e exeqüíveis em razão da inércia do legislador. O que se quer é que a inação (omissão) do legislador não venha a impedir o auferimento de direitos por aqueles a quem a norma constitucional se destina. Quer-se – com tal forma de controle – passar da abstração para a concreção; da inação para a ação; do descritivo para o realizado. O legislador constituinte de 1988 baseou-se nas experiências constitucionais anteriores, quando muitas normas não foram regulamentadas por legislação integrativa e, por isso, tornaram-se ineficazes. Ou
170 Sobre o efeito vinculante, vide tópico 2.5.3.1 deste trabalho, que trata dos efeitos das decisões em sede de ação declaratória de constitucionalidade. 171 CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, p. 338/339. 172 AGRA, Walber de Moura. Manual de Direito Constitucional, p. 512. 173 Cf. CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, p. 343/344. 174 SÁ, José Adonis Callou de Araújo. Ação civil pública e controle de constitucionalidade, p. 83.
66
seja: o legislador ordinário, omitindo-se inviabilizou a vontade do legislador constituinte.175
Os legitimados ativos e o procedimento da ADIn por Omissão são os mesmos da
ação de inconstitucionalidade positiva, salvo, no que diz respeito ao procedimento, o que for
incompatível 176. Uma das diferenças entre as ADIn’s por ação e por omissão é o não
cabimento de medida cautelar nesta última, conforme entendimento do Supremo, segundo o
qual, nesta ação “nem mesmo o provimento judicial último pode implicar o afastamento da
omissão” 177. Outra diferença importante entre as duas ações diz respeito aos efeitos da
decisão, conforme será visto no próximo tópico.
2.5.2.1 Efeitos da Decisão
A decisão que julgar a ADIn por Omissão terá eficácia erga omnes e ex tunc 178,
declarando ou não a inconstitucionalidade da omissão. Nesse ponto, cumpre ressaltar que a
omissão só será reconhecidamente inconstitucional quando o lapso temporal em que se
manteve “silente” o órgão responsável pela prática do ato normativo ultrapassar os limites do
razoável 179.
Em sendo julgada procedente a ação, o STF dará ciência ao órgão administrativo
competente para a edição do ato, que deverá fazê-lo em 30 dias, sob pena de
responsabilização do Poder Público, caso em que a decisão tem natureza mandamental. Por
outro lado, se a omissão que se declarou inconstitucional foi do Poder Legislativo, o STF dará
ciência ao Congresso Nacional para adoção das providências necessárias, sem, no entanto,
fixar prazo para o fazê-lo, caso em que a decisão tem natureza simplesmente declaratória.
Poder-se-á falar em efeito mandamental, neste último caso, apenas quando da omissão
175 TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 17 ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 51. 176 Cf. CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, p. 339. 177 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p. 178 Cf. AGRA, Walber de Moura. Manual de Direito Constitucional, p. 512.
67
decorrer prejuízo, quando será cabível a responsabilização do ente governamental por perdas
e danos180.
Tendo em vista o princípio democrático e da separação de poderes, é que o
Congresso Nacional não poderá ser obrigado a legislar por decisão do Poder Judiciário, eis
que o Legislativo “tem a oportunidade e a conveniência de legislar, no e xercício
constitucional de sua função precípua” 181. Para Walber de Moura Agra, com esse
entendimento, o Supremo “retirou a eficácia do mencionado instituto jurídico, tornando -o
figura decorativa” 182. O mesmo autor afirma que “a finalidade do legislador constit uinte era
que o Supremo regulamentasse a matéria até que o Legislativo, cumprindo seu dever
constitucional, garantisse eficácia ao dispositivo” 183.
Com efeito, a declaração da inconstitucionalidade da omissão constitui “verdadeira
censura constitucional ao Poder omisso”, utilizando expressão de Paulo Modesto 184.
2.5.2.2 ADIn por Omissão e Mandado de Injunção
O mandado de injunção está previsto no inciso LXXXI, do art. 5º da CRFB/88, com
a seguinte redação: “conceder -se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma
regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das
prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”.
O mandado de injunção difere-se da ADIn por Omissão por ser instrumento de
controle de constitucionalidade que se realiza diante de um fato concreto. Trata-se de
instrumento jurídico posto à disposição de qualquer interessado que se achar impedido de
exercer direito constitucionalmente garantido pela falta de norma regulamentadora. O objetivo
179 Cf. CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, p. 346. 180 AGRA, Walber de Moura. Manual de Direito Constitucional, p. 512, 513. 181 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p. 603. 182 AGRA, Walber de Moura. Manual de Direito Constitucional, p. 512. 183 AGRA, Walber de Moura. Manual de Direito Constitucional, p. 513.
68
do mandado de injunção é “fazer com que a norma constitucional seja aplicada em favor do
impetrante, independentemente de regulamentação, e exatamente porque não foi
regulamentada” 185. Assim, competiria ao juiz estabelecer as condições de aplicação da norma
constitucional ao caso concreto186, caso em que não exerceria função normativa genérica.
Todavia, a interpretação que o Supremo tem dado ao instituto o equipara à ADIn por
Omissão, esvaziando em muito o seu sentido. É que segundo o entendimento do STF a
decisão que conceder o mandado de injunção tem apenas o efeito de dar ciência ao Congresso
Nacional da mora legislativa, sem qualquer outra providência187.
2.5.3 Ação Declaratória de Constitucionalidade
A ação declaratória de constitucionalidade está prevista na alínea a, do inciso I, do
art. 102, da CRFB/88, com redação determinada pela Emenda Constitucional n.º 3/93.
Quando de sua instituição no direito brasileiro, a ADC sofreu fortes críticas, que
foram assim resumidas por Walber de Moura Agra:
Afirmam que ela quebra o contraditório e a ampla defesa porque não há parte para se contrapor ao pedido; que veda o acesso ao Judiciário porque a decisão tem efeito vinculante; acusam-na de esfacelar a autonomia dos juízes e gerar uma hierarquia entre os escalões judiciários , obrigando as instâncias inferiores a respeitar as superiores; arrefece o controle de constitucionalidae por via difusa, dando primazia ao controle concentrado, entre outras teratologias 188.
Tais argumentos já foram afastados pelo Supremo que, conhecendo da ação,
declarou, incidentalmente, a constitucionalidade e legitimidade do instituto. No julgamento da
primeira ação declaratória de constitucionalidade, o Ministro Relator Moreira Alves
consignou que, em um processo objetivo como a ADC, não se aplicam as regras processuais
184 MODESTO, Paulo Apud CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, p. 347. 185 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo, p. 452. 186 CF. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo, p. 454. 187 ARAÚJO, Luiz Alberto David, NUNES JR., Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional, p. 56- 58. 188 AGRA, Walber de Moura. Manual de Direito Constitucional, p. 516.
69
dos processos de ordem subjetiva, não sendo correto falar também em violação ao princípio
do acesso à justiça, uma vez que este decorreria do próprio controle concentrado189.
Com efeito, segundo Gilmar Ferreira Mendes, a ADC “nada mai s é do que uma ação
direta de inconstitucionalidade com o sinal trocado” 190. Assim, as críticas apontadas deveriam
o ser também em relação à ADIn, o que, entretanto, nunca foi feito pelos doutrinadores 191.
A ADC foi instituída no Brasil como resposta ao fenômeno da explosão de
litigiosidade, ligado à falta de segurança jurídica e descrédito da atividade judicial em virtude
das decisões divergentes 192.
Nas palavras de Alexandre de Moraes, a ADC tem como finalidade precípua
“transformar a presunção relativa de constitucionalidade em presunção absoluta, em virtude
de seus efeitos vinculantes” 193. Sobre a finalidade e o objeto da ação declaratória, a lição de
José Afonso da Silva:
A ação declaratória de constitucionalidade, como lembrado, “pressupõe controvérsia a respeito da constitucionalidade da lei, o que é aferido diante da existência de um grande número de ações onde a constitucionalidade da lei é impugnada” e sua finalidade imediata consiste na rápida solução dessas pendências. Esse o pressuposto de sua criação, daí a idéia que deixamos expressa acima de que ela se caracteriza como um meio de paralização de debates em torno de questões jurídicas de interesse coletivo, precisamente porque seu exercício pressupõe a existência de decisões generalizadas em processos concretos reconhecendo a inconstitucionalidade de lei em situações opostas a interesses governamentais. Visa ela, pois, solucionar esse estado de controvérsia generalizado por via da coisa julgada vinculante, quer confirme as decisões proferidas, concluindo-se, em definitivo, pela inconstitucionalidade da lei, como o que se encerram os processos concretos em favor dos autores, quer reforme essas decisões com a declaração da constitucionalidade da lei. O termo reformar não é sem propósito, porque a declaração de constitucionalidade, no caso, tem o efeito de inverter o sentido daquelas decisões 194.
189 ALVES, Moreira Apud AGRA, Walber de Moura. Manual de Direito Constitucional, p. 517. 190 MENDES, Gilmar Ferreira. Apud CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, p. 284 - 285. 191 Cf. BROSSARD, Paulo Apud CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, p. 284/285. 192 SÁ, José Adonis Callou de Araújo. Ação civil pública e controle de constitucionalidade. p. 81- 83. 193 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p. 604. 194 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo, p. 60.
70
Nos termos do dispositivo constitucional que a prevê (art. 102, I, a, segunda parte,
CRFB/88), a ação declaratória só e cabível para impugnação de leis e atos normativos
federais, tendo, portanto, objeto mais restrito que a ADIn.
Com relação ao procedimento da ADC, este guarda bastante semelhança com o
procedimento da ADIn, sendo que ambos são regulados pela Lei n.º 9.868/99 195.
A legitimidade ativa para a ADC é mais restrita que a legitimidade da ADIn, estando
legitimados à propositura daquela, nos termos do § 4º, do art. 103, da CRFB/88, acrescentado
pela EC n.º 3/93, o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara
dos Deputados e o Procurador- Geral da República.
Requisito indispensável à propositura da ação é a controvérsia judicial relevante
sobre a norma impugnada, conforme dispõe o inciso III, do art. 14, da Lei n.º 9868/99. Como
afirmou o Ministro Carlos Velloso, tal requisito pressupõe a “existência de inúmeras ações em
andamento em juízos ou tribunais, em que a constitucionalidade da lei é impugnada” 196. Esta
exigência deve-se ao fato de que é vedado ao STF deliberar sobre consultas em tese,
exercendo função meramente consultiva 197.
O Advogado- Geral da União não é ouvido na ação declaratória, eis que a função de
curador da constitucionalidade da norma impugnada, que ele exerce na ADIn, é incompatível
com o objetivo da ação declaratória.
A possibilidade de medida cautelar na ADC está expressa no art. 21 da Lei n.º
9868/99, “consistente na determinação de que os juízes e os Tribunais suspendam o
julgamento dos processos que envolvam a aplicação da lei ou do ato normativo objeto da ação
até seu julgamento definitivo”. Esta decisão t erá eficácia de até 180 dias, período no qual o
Supremo deverá julgar a ação, com base no parágrafo único do mesmo artigo.
195 Cf. ARAÚJO, Luiz Alberto David, NUNES JR., Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional, p. 49. 196 VELLOSO, Carlos Apud MORAES, Alexandre de. Curso de Direito Constitucional, p. 605. 197 CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, p. 297.
71
2.5.3.1 Efeitos da Decisão
Os efeitos produzidos pela decisão definitiva de mérito na ADC são ex tunc, erga
omnes e vinculante a todos os órgãos do Poder Executivo e Judiciário. E muito embora a EC
n.º 3/93, ao acrescentar o § 2º ao art. 102 da CRFB/88, não o tenha feito, a Lei n.º 9.868/99,
no parágrafo único de seu art. 28, conferiu efeito vinculante também às decisões de mérito nas
ações diretas de inconstitucionalidade.
Sobre o efeito vinculante, inovação da EC n.º 3 /93, a lição de José Afonso da Silva:
Para entender esta vinculação, um esclarecimento é necessário, qual seja o de que a decisão que profere a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo importa na supressão erga omnes da eficácia do ato normativo seu objeto. Mas não alcança outro ato de igual teor produzido posteriormente, de sorte que, para objetar-se a declaração de sua inconstitucionalidade, mister se faz propor outra ação. Pois bem, o efeito vinculante da ação declaratória de constitucionalidade atinge também os atos de igual teor produzidos no futuro, “para o fim de, independentemente de nova ação, serem tidos como constitucionais ou inconstitucionais, adstrita esta eficácia aos atos normativos emanados dos demais órgãos do Poder Judiciário e do Poder Executivo, uma vez que ela não alcança os atos editados pelo Poder Legislativo” 198.
Assim, o efeito vinculante veda a edição de atos normativos com o mesmo teor de
atos já declarados inconstitucionais, sob pena de nulidade, independentemente da propositura
de nova ação direta. E no caso de o Supremo declarar a constitucionalidade de uma norma em
sede de ADIn ou ADC, ato normativo de mesmo teor posteriormente editado não poderá ser
apreciado pelo Supremo199. Contudo, neste ponto convém lembrar-se da possibilidade de
alteração das circunstâncias fáticas, que geram um processo de inconstitucionalização da
norma.
Outra diferença que enseja o efeito vinculante às decisões de mérito do STF é o
desafio de reclamação perante o Supremo200, com fulcro no art. 156 do Regimento Interno do
STF, segundo o qual “caberá reclamação do Procurador - Geral da República, ou do
198 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. p. 63. 199 Cf. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. p. 63. 200 Cf. ARAÚJO, Luiz Alberto David, NUNES JR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional, p. 50.
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interessado na causa, para preservar a competência do Tribunal ou garantir a autoridade das
suas decisões”. Tal instituto encontra previsão constitucional no art. 102, I, l , da CRFB/88.
73
3 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA
O controle difuso de constitucionalidade é, em princípio, manejável em sede de
qualquer ação posta à apreciação do Poder Judiciário.
Todavia, o exercício do controle difuso em sede de ação civil pública não é questão
pacífica. Argumenta-se que os efeitos erga omnes da decisão na ACP fariam da ação coletiva
verdadeiro substituto da ação direta, cuja competência é privativa do Supremo Tribunal
Federal, havendo, no caso, usurpação da competência do STF e desvirtuamento da própria
ação civil pública. Este é o cerne do problema a que se propôs estudar e será objeto deste
último capítulo.
Para tanto, analisar-se-ão as críticas ao controle difuso na ACP, para depois estudar a
questão da inconstitucionalidade na ACP como questão incidental, analisando-se, a seguir, as
diferenças entre a ação civil pública e a ação direta de inconstitucionalidade.
Na seqüência, será vista a importância da análise do caso em juízo para se chegar a
qualquer conclusão sobre o assunto, bem como o entendimento do Supremo.
Ao final, estudar-se-á a ação civil pública como instrumento do controle difuso de
constitucionalidade, atentando-se para o fato de que a ACP é um importante mecanismo de
tutela de direitos fundamentais.
3.1 AS CRÍTICAS AO CONTROLE DIFUSO NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA
Alguns doutrinadores têm criticado de forma veemente o controle difuso de
constitucionalidade na ação civil pública, cujo problema reside na coisa julgada da ACP, em
que o efeito erga omnes é o mesmo do controle concentrado de constitucionalidade, com o
gravame de que este deve ser exercido, exclusivamente, perante o Supremo Tribunal Federal,
em se tratando de leis federais, através das ações diretas. Estas seguem rito próprio definido
74
por lei ordinária e os legitimados à sua propositura estão taxativamente elencados no art. 103
da CRFB/88. Gilmar Ferreira Mendes ressalta ainda o caráter político das decisões do
Supremo em sede de controle concentrado, para afirmar que a ACP não pode ser utilizada
como instrumento de controle de constitucionalidade 201.
No âmbito do controle difuso, quando o STF, por meio de recurso extraordinário,
decide pela inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, esta decisão tem efeitos apenas
inter partes, dependendo de resolução suspensiva do Senado Federal para ter efeito erga
omnes, e sendo que o órgão legislativo não está obrigado a fazê-lo, pois age segundo critérios
de oportunidade e conveniência. E de forma paradoxal e absurda, como assinala Arruda
Alvim, nas ações coletivas, exercendo controle difuso de constitucionalidade, o juiz de
primeiro grau que decide pela inconstitucionalidade de determinada norma suspende sua
aplicação na área de sua jurisdição ou em todo o território nacional, independentemente de
qualquer providência ulterior 202. Esta é a lição também de Gilmar Ferreira Mendes, para
quem:
[...] admitida a utilização da ação civil pública como instrumento adequado de controle de constitucionalidade, tem-se ipso iure a outorga à jurisdição ordinária de primeiro grau de poderes que a Constituição não assegura sequer ao Supremo Tribunal Federal. É que, como visto, a decisão sobre a constitucionalidade de lei proferida pela Excelsa Corte no caso concreto tem, necessária e inevitavelmente, eficácia inter partes, dependendo a sua extensão de atuação do Senado Federal.
Nesse ponto, convém ressaltar que a decisão do STF em sede de recurso
extraordinário de ação coletiva terá, por óbvio, também efeitos erga omnes,
independentemente de resolução suspensiva do Senado Federal.
201 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito constitucional, p. 398. 202 Cf. ALVIM, Arruda. A declaração concentrada de inconstitucionalidade pelo STF e os limites impostos à ação civil pública e ao código de proteção e defesa do consumidor. Revista de Processo, São Paulo, ano 21, n. 81, p. 127 – 134, out./dez. 1999.
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Arnold Wald, em artigo intitulado Usos e Abusos da Ação Civil Pública,
posicionando-se pela inviabilidade do controle de constitucionalidade no bojo da ACP, assim
se manifesta sobre o assunto:
Essa impossibilidade decorre da inviabilidade das duas conseqüências alternativas: a) ou a inconstitucionalidade é “declarada localmente”, tão somente na área de competência do Juiz” e, aplicando -se erga omnes, cria “um Direito subtantivo estadual diferente do nacional” e viola a constituição que estabelece a unidade do Direito substantivo, havendo até a possibilidade de se criar um direito específico aplicável em determinada localidade, e não em todo o Estado, quando a área de jurisdição do Juiz Federal é inferior à do Estado, situação que ocorre no Estado do Paraná; b) ou a inconstitucionalidade é declarada, pelo magistrado de primeira instância, para ter efeitos no plano nacional e há usurpação, pelo Juiz, da função do Supremo Tribunal Federal203.
Nessa esteira, Arruda Alvim afirma que, se declarada a inconstitucionalidade para
parte do território nacional, “infringidos estariam os princípios da própria igualdade jurídica,
como ainda, isto envolveria insuperável contradição, pois que a lei valeria para parte do
território e para outra seria nula” 204. O mesmo autor continua afirmando que a competência
exclusiva do STF para o julgamento das ações diretas assim o é para que “se possa
concretizar no ordem empírica essa unidade de juízo sobre uma lei e unidade de eficácia da
decisão: é ou não constitucional, e se não o for, a decisão deve atingir a lei, em si mesma, e,
pois, todo e qualquer destinatário” 205.
Em que pese o entendimento dos eminentes juristas, parece que eles incorreram no
mesmo vício da Lei n.º 9.494/97, que alterando o art. 16 da LACP, confundiu jurisdição com
competência. Na verdade, como visto no primeiro capítulo, a competência é determinada em
razão do local em que ocorreu o dano, e a coisa julgada, em razão do pedido. Entretanto,
admitindo-se que uma mesma lei possa ser julgada constitucional em um Estado e
inconstitucional em outro, haveria, no caso, a velha e antiga problemática inerente ao controle
203 WALD, Arnold. Usos e abusos da ação civil pública (análise de sua patologia). Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, ano 21, n. 61. p. 74- 98, jul. 1994. 204 ALVIM, Arruda. A declaração concentrada de inconstitucionalidade pelo STF e os limites impostos à ação civil pública e ao código de proteção e defesa do consumidor, p. 127 – 134. 205 ALVIM, Arruda. A declaração concentrada de inconstitucionalidade pelo STF e os limites impostos à ação civil pública e ao código de proteção e defesa do consumidor, p. 127 – 134.
76
difuso, a da divergência nas decisões judiciais. E se esta não pode ser suprimida do sistema, o
recurso extraordinário para o Supremo, “como forma de unificar o entendimento a respeito da
interpretação do ato normativo” 206, minimiza o problema.
Por outro lado, se uma lei é de aplicabilidade em todo o território nacional e o dano
por ela causado é de âmbito nacional, o juiz de 1º grau que decidir a questão deverá declarar,
incidenter tantum, a inconstitucionalidade da norma com efeitos erga omnes em todo o
território nacional, e aí seria o caso da segunda conseqüência colocada por Arnold Wald, a de
usurpação da competência do STF.
Para Alexandre de Moraes, não será admissível o controle de constitucionalidade na
ação civil pública toda vez que a decisão da ACP tiver efeitos erga omnes:
Assim, o que se veda é a obtenção de efeitos erga omnes nas declarações de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo em sede de ação civil pública, não importa se tal declaração consta como pedido principal ou como pedido incidenter tantum, pois mesmo nesse a declaração de inconstitucionalidade poderá não se restringir somente às partes daquele processo, em virtude da previsão dos efeitos nas decisões em sede de ação civil pública dada pela Lei n.º 7.347 de 1985207.
Na mesma linha, o entendimento de André Ramos Tavares:
[...] não se pode conceber que se tenha engendrado um sistema próprio, criado pela Constituição, com uma instituição também própria (Supremo Tribunal Federal) para tratar da questão da constitucionalidade das leis com decisões erga omnes e, paralelamente, admitir que qualquer órgão da Justiça realize, por via da ação civil pública, essa tão delicada tarefa, muitas fezes fazendo-o também em abstrato, ou seja, sem qualquer referibilidade a um caso concreto específico (tal como deveria ocorrer apenas no exercício da jurisdição constitucional concentrada). Assim, embora se possa afirmar que, teoricamente, não há usurpação de competência própria do Supremo Tribunal Federal, já que o objeto da ação civil pública não é propriamente a declaração de incnstitucionalidade, na prática, admitir-se de modo amplo a possibilidade de controle difuso em sede de ação civil pública pode desembocar em situações que só se deveriam alcançar por força das ações de controle concentrado da constitucionalidade, perante o Supremo Tribunal Federal208.
Sobre o assunto, é de ser transcrito julgado do Tribunal de Alçada do Rio Grande do
Sul, colacionado por Arnold Wald:
206 SCHÄFER, Gilberto. Ação civil pública e controle de constitucionalidade, p. 133. 207 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p. 566. 208 TAVARES, André Ramos. Apud STRECK, Lênio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 383.
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Admitida, portanto, ação civil pública para obstar a cobrança de tributo havido por inconstitucional, abre-se a possibilidade de prolação de sentenças contraditórias, com efeitos igualmente erga omnes, o que resulta absurdo. Imagine-se, no caso do Rio Grande do Sul, uma ação civil pública, julgada pelo Tribunal de Alçada, afirmando a inconstitucionalidade de um tributo municipal e uma outra ação, direta de inconstitucionalidade, julgada improcedente pelo Tribunal de Justiça. Qual decisão prevalecerá erga omnes? A proferida em primeiro grau? A proferida por último? A proferida pelo Tribunal Superior ? A simples possibilidade desse caos está a demonstrar a impossibilidade de admitir a ação civil pública quando possível ação direta de inconstitucionalidade 209.
No ponto, Oswaldo Luiz Palu afirma que “se houver ação civil pública ou coletiva
fundada em lei declarada inconstitucional incidenter tantum, nada obsta a que o STF entenda
de modo contrário quanto à constitucionalidade da norma” 210. Isto porque, segundo o autor,
os pedidos das duas ações não são incompatíveis, uma vez que a ADIn busca unicamente a
declaração de inconstitucionalidade da norma, enquanto a ACP busca provimentos, além de
declaratórios, também constitutivos, condenatórios e etc211.
A seu turno, Gilmar Ferreira Mendes afirma que “a ação civil pública aproxima -se
muito de um típico processo sem partes ou de um processo objetivo, no qual a parte autora
atua não na defesa de situações subjetivas, agindo, fundamentalmente, com escopo de garantir
a tutela do interesse público” 212. E mais adiante, o autor sustenta a inviabilidade total do uso
da ação civil pública como instrumento de controle de constitucionalidade, uma vez que, em
ACP, não seria o caso de se afastar a aplicação da lei a determinado caso concreto:
Já o entendimento exposado pelo Supremo Tribunal Federal no sentido de que essa espécie de controle genérico das constitucionalidade das leis constituiria um afazer político de determinadas Cortes realça a impossibilidade de utilização da ação civil pública com esse escopo. Em verdade, ainda que se pudesse acrescentar algum outro desiderato adicional a uma ação civil pública destinada a afastar a incidência de dada norma infraconstitucional, é certo que o seu objetivo precípuo haveria de ser a impugnação direta e frontal da legitimidade de ato normativo. Não se trataria de discussão sobre aplicação de lei a caso concreto, porque de caso concreto não se cuida. Ao revés, a própria parte autora ou requerente legitima-se não em razão da necessidade de proteção de um interesse específico, mas exatamente de um interesse
209 Julgados do Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul 81/ 216 – 219. Apud WALD, Arnold. Usos e abusos da ação civil pública (análise de sua patologia), p. 74- 98. 210 PALU, Oswaldo Luiz. Controle de constitucionalidade: conceitos, sistemas e efeitos. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 281. 211 Cf. PALU, Oswaldo Luiz. Controle de constitucionalidade, p. 282. 212 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito constitucional, p. 397.
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genérico amplíssimo, de um interesse público. Ter-se-ia, pois, uma decisão (direta) sobre a legitimidade da norma213.
Todavia, não se pode concordar com o entendimento do nobre jurista, uma vez que a
ação civil pública inaugura processo de ordem subjetiva, em que o ente legitimado em regime
de substituição processual age buscando a tutela de interesses metaindividuais, que não se
confundem com o interesse público de ver resguardada a supremacia constitucional. Na ACP,
há partes não apenas no sentido formal, de modo que no pólo passivo da demanda estão os
causadores do dano, que podem ser pessoas físicas ou jurídicas, incluindo aí as pessoas
jurídicas de direito público 214. Este é o entendimento de Gilberto Schäfer, concluído nos
seguintes termos:
Na ACP, há partes e pode haver condenação, reparação e multa. Se a ACP fosse processo objetivo, não poderia haver a defesa de um interesse jurídico, que pode não ser próprio, mas é difuso, coletivo ou individual homogêneo. Nessa ação, não são tutelados os interesses públicos, mas interesses difusos e individuais homogêneos. O interesse público objeto da Adin é diferente do interesse concreto de agir da ACP. Diferente é o interesse público objetivo da declaração de (in)constitucionalidade e o interesse concreto de agir (necessidade, adequação, utilidade) que deve estar presente na disputa de um determinado bem da vida na ACP215.
Com efeito, há interesse jurídico concreto a ser perseguido na ACP, que tem como
objeto imediato uma “condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou
não fazer”, e como ob jeto mediato, a tutela de interesses coletivos, difusos ou individuais
homogêneos, tais como o meio ambiente, o consumidor, o patrimônio cultural, entre outros.
Entretanto, as objeções ao controle de constitucionalidade na ação civil pública já
encontraram repercussão na jurisprudência dos nossos tribunais. Senão, veja-se a seguinte
decisão do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria:
A ação civil pública não se presta ao sustamento de pagamento de tributo mediante a declaração incidental de inconstitucionalidade da norma que o instituiu, uma vez que
213 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito constitucional, p. 398. 214 SCHÄFER, Gilberto. Ação civil pública e controle de constitucionalidade, p. 126/127. 215 SCHÄFER, Gilberto. Ação civil pública e controle de constitucionalidade, p. 126/127.
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ao admitir-se tal possibilidade, estar-se-ia fazendo uso de via inadequada (ação civil pública), para substituir a ação direta de inconstitucionalidade216.
No mesmo sentido, veja-se o seguinte acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE NA DEFESA DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS ( DIREITOS PREVIDENCIÁRIOS). INCOMPATIBILIDADE DA A.C.P. PARA DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI OU ATO NORMATIVO. [...] 2. Mercê do efeito erga omnes atribuído pelo art-16 da Lei-7345/85 ( LACP ) à coisa julgada produzida na ação civil pública, esta não é a via adequada à obtenção da declaração de inconstitucionalidade, incidenter tantum, de lei ou ato normativo. Isso porque, pela identidade dos seus veredictos, haveria confusão com o objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade, bem como usurpação da competência privativa do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais de Justiça, para fazer desaparecer o comando legal colidente com a Constituição Federal e Estaduais, respectivamente 217.
Esta decisão não foi unânime, e o juiz com voto vencido Nelson Paim de Abreu
ressaltou que “o fato do juiz afastar incidentalmente a aplicação do Art. 20, Inc-1, Par- 2 da
Lei 8880/94, para a defesa de direitos individuais homogêneos dos segurados, não fica imune
do controle de constitucionalidade afeto ao STF, compatibilizando -se, assim, ambos os
sistemas” 218. Neste ponto, parece que o juiz ressalta o fato de que a inconstitucionalidade
declarada em sede de ação civil pública não afasta a possibilidade de o Supremo conhecer da
matéria, em sede de controle abstrato de constitucionalidade, uma vez que a questão é
decidida na ACP como incidental, de modo que não faz coisa julgada.
216 BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial n.º 140.368 - MG, Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros. Apud BARROSO, Luís Roberto. Conceitos Fundamentais sobre o Controle de Constitucionalidade e a Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, p. 233-268. 217 BRASIL. TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO (Sexta Turma). Apelação Cível n.º 9604383884- RS, Relator Carlos Sobrinho. J. 23 mar. 1999. Disponível em http/: www. cjf.gov.br. Acesso em 14 maio 2004. 218 BRASIL. TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO (Sexta Turma). Apelação Cível n.º 9604383884, Relator Carlos Sobrinho. Disponível em http/: www. cjf.gov.br. Acesso em 14 maio 2004.
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3.2 A INCONSTITUCIONALIDADE COMO QUESTÃO INCIDENTAL
Insurgindo-se contra as objeções ao controle difuso na ACP, a doutrina tem afirmado
que a inconstitucionalidade na ação coletiva é decidida como fundamento da lide,
constituindo questão prejudicial ao julgamento do mérito e, deste modo, não fazendo parte do
dispositivo da sentença, não faz coisa julgada, com fulcro no art. 469, III, do CPC. Assim, a
mesma questão constitucional pode ser apreciada e discutida em outras ações, com pedidos e/
ou partes diversos 219. Nessa linha, o entendimento de Gilberto Schäfer:
Portanto, a coisa julgada erga omnes a que se refere a LACP envolve apenas o bem da vida em discussão. A questão constitucional, que pode ser alegada em ação ou defesa, é apenas prejudicial e não integra o conteúdo da coisa julgada (não se torna imutável e indiscutível a constitucionalidade da norma. Submete-se à regra das questões prejudiciais que não fazem coisa julgada material (art. 469, III, do CPC). A lei continua constitucional e eficaz, podendo qualquer juiz ou Tribunal, inclusive o Supremo Tribunal, aplicá-la, enquanto o Senado não decidir, por meio de resolução, suspendê-la (“ suspende a execução”) 220.
Para o autor, que entende ser ineficaz a nova redação do art. 16 da LACP, a coisa
julgada da ação coletiva tem efeitos erga omnes em razão da natureza dos bens por ela
tutelados, de modo que a coisa julgada envolve apenas o bem da vida em discussão e não a
questão constitucional221.
José Adonis Callou de Araújo Sá, a título de ilustração, traz casos de ações civis
públicas propostas pelo Ministério Público Federal, em que a inconstitucionalidade da norma
é a causa de pedir, posta como prejudicial à questão principal. Este é o caso de ação ajuizada
pelo MPF perante a Justiça Federal de Mato Grosso do Sul, em que o órgão postulou o direito
de todos os portadores de deficiência e idosos de obterem um salário mínimo de benefício
mensal, desde que não tenham condições de prover, por si, ou por seus familiares, a própria
manutenção, sem a exigência imposta no § 2º do art. 20 da Lei n.º 8.742/93 e no art. 6º do
Decreto n.º 1.744/95. A inconstitucionalidade destes dispositivos, que exigem ser a renda
219 FARIAS, Paulo José Leite. Ação civil pública e o controle de constitucionalidade, p. 3. 220 SCHÄFER, Gilberto. Ação civil pública e controle de constitucionalidade, p. 128/129.
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familiar inferior a ¼ do salário mínimo para a obtenção do benefício, é alegada na ação como
questão incidenter tantum, como fundamento do pedido222.
Em ações como esta, no dizer de José Adonis Callou de Araújo Sá, é evidente que
“há situações concretas a serem resolvidas e que, neste particular, não diferem de situações
discutidas em outras ações, como o mandado de segurança, em que também se exercita o
controle incidental de constitucionalidade” 223. No controle difuso, as decisões não declaram a
inconstitucionalidade da norma, mas apenas afastam a sua incidência da situação concreta
discutida no processo224.
3.3 AÇÃO CIVIL PÚBLICA E AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
A ação civil pública e a ação direta de inconstitucionalidade são ações
constitucionais típicas, atuando a primeira no plano da jurisdição constitucional das
liberdades, e a segunda, no plano da jurisdição constitucional orgânica. A primeira tutela
valores constitucionais do ponto de vista do indivíduo, enquanto a segunda tem por fim a
garantia da ordem jurídica positiva.
Na ACP, a inconstitucionalidade só pode ser argüida como questão incidental,
prejudicial ao julgamento de mérito. Isto porque a ação civil pública pressupõe uma lide
coletiva a ser resolvida pelo Poder Judiciário. De outro lado, a inconstitucionalidade como
questão principal deve ser objeto de ADIn, a ser proposta pelos legitimados do art. 103 da
CRFB/88 perante o Supremo Tribunal Federal. Nesse sentido, José Adonis Callou de Araújo
Sá, fazendo a devida distinção entre o objeto das duas ações, conclui que:
O objeto da ação civil pública é a proteção do bem da vida tutelado pela ordem jurídica, podendo ter como fundamento a inconstitucionalidade de lei ou ato
221 SCHÄFER, Gilberto. Ação civil pública e controle de constitucionalidade, p. 128/129. 222 Cf. SÁ, José Adonis Callou de Araújo. Ação civil pública e controle de constitucionalidade, p. 128. 223 SÁ, José Adonis Callou de Araújo. Ação civil pública e controle de constitucionalidade, p. 129. 224 Cf. SÁ, José Adonis Callou de Araújo. Ação civil pública e controle de constitucionalidade, p. 129.
82
normativo, posta como questão prejudicial, premissa necessária ao julgamento da questão de mérito. O objeto da declaração de inconstitucionalidade é a declaração, em abstrato, da inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, com a retirada destes do sistema225.
Como questão prejudicial, a declaração incidental de inconstitucionalidade de uma
norma em ACP não faz coisa julgada, com fulcro no art. 469, III, do CPC, ao contrário do que
ocorre na ação direta, em que, sobre a declaração de inconstitucionalidade da norma há coisa
julgada, porque esta é o próprio objeto da ação.
E sobre o efeito erga omnes próprio das duas ações, é certo que na ação coletiva tal
efeito pode ser de âmbito nacional, regional ou local, conforme a extensão e a indivisibilidade
do dano ou ameaça de dano, não alcançando a questão prejudicial da inconstitucionalidade.
Por sua vez, a declaração de inconstitucionalidade na ação direta faz coisa julgada erga omnes
no âmbito de vigência espacial da lei ou ato normativo impugnado (nacional ou estadual)226.
No controle abstrato feito através da ação direta, a decisão que declara a
inconstitucionalidade da norma tem o efeito de retirá-la do ordenamento jurídico. Todavia,
“não alcança o bem da vida pleiteado às partes” 227, como observa Gilberto Schäfer, que
exemplificando a questão afirma que o Fisco não será obrigado a devolver tributo declarado
inconstitucional em sede de ADIn, uma vez que desta ação não resulta qualquer tipo de
determinação mandamental ou condenatória. Nesse sentido, as palavras do referido autor
sobre o assunto:
A decisão em ADIn não alcança à parte o bem da vida almejado. Ela tem o significado de que todos os juízes e tribunais, bem como o Poder Público, devem se comportar de modo como se a lei não existisse (de fato não existe), eis que assim foi declarado. Sá até aí vai a eficácia do comando, pois apenas isso pode ser submetido ao pedido abstrato perante o Tribunal. Assim, o Judiciário não mais poderá aplicar a lei declarada inconstitucional ou deixar de aplicar a lei declarada constitucional. Isso não quer dizer que tenha que chegar ao resultado do Supremo, pois ainda poderá aplicar ao caso concreto outra norma, até com resultado semelhante, pois não houve imposição de resultado. Assim, se uma determinada norma é declarada inconstitucional, por um vício
225 SÁ, José Adonis Callou de Araújo. Ação civil pública e controle de constitucionalidade, p. 144. 226 Cf. QUINTO, Joseane Ribeiro Viana. Da declaração incidental de constitucionalidade em ação civil pública. Disponível em http/:www.jus.com.br. Acesso em 14 maio 2004. 227 SCHÄFER, Gilberto. Ação civil pública e controle de constitucionalidade, p. 126/127.
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formal, é possível que o sistema alcance a mesma solução da lei declarada inconstitucional através de outras normas 228.
Ao revés, a ação civil pública alcança às partes o bem da vida pleiteado, pois este é o
seu objetivo, e a declaração de inconstitucionalidade na ação coletiva tem apenas o efeito de
afastar a aplicação da norma inconstitucional do caso em litígio, mas não retirá-la do
ordenamento jurídico. Somente por resolução suspensiva do Senado Federal é que a norma
declarada inconstitucional em ACP, julgada em recurso extraordinário pelo STF, poderá ter a
sua execução suspensa.
Nessa linha, diferença crucial entre as duas ações é que:
[...] a ação civil pública atua no plano dos fatos, através, notadamente, das tutelas condenatória, executiva e mandamental, que lhe assegurem eficácia material. A ação direta de inconstitucionalidade, ao seu turno, tem natureza meramente declaratória, limitando-se a suspender a eficácia da lei ou ato normativo em tese 229.
A ACP pode ser proposta perante qualquer juízo, que será competente para a
apreciação da questão constitucional, observadas as regras de competência, enquanto a ADIn,
no plano federal, só poderá ser proposta perante o STF.
A ação coletiva está sujeita a toda a ordem de recursos previstos na legislação
processual e na Constituição, que inclui o recurso extraordinário para o Supremo Tribunal
Federal, submetendo-se ao crivo do guardião precípuo de nossa Lei Maior, enquanto a ADIn é
julgada em grau único de jurisdição pelo Supremo 230.
A legitimidade ativa na ACP é ampla em comparação com o rol de legitimados
expressamente previstos na CRFB/88 para a ação direta, sendo que o rol de legitimados à
ação coletiva pode ainda ser acrescentado por lei ordinária, o que é vedado em relação à
ADIn. Nessa esteira, José Adonis Callou de Araújo Sá afirma que “o controle difuso de
constitucionalidade confere maiores possibilidades de proteção a direitos e individuais e
228 SCHÄFER, Gilberto. Ação civil pública e controle de constitucionalidade, p. 126/127. 229 QUINTO, Joseane Ribeiro Viana. Da declaração incidental de constitucionalidade em ação civil pública. Disponível em http/:www.jus.com.br. Acesso em 14 maio 2004.
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coletivos, inclusive em razão da limitação de legitimidade para as vias do controle abstrato de
constitucionalidade” 231.
Desta forma, assentadas as diferenças entre a ação civil pública e a ação direta de
inconstitucionalidade, é certo que a ACP não deve ser interposta no lugar da ADIn, devendo
ser respeitadas as diferenças e a finalidade de cada ação. E nestes termos, não é correto
afirmar, de ordinário, que haja usurpação da competência do STF para o julgamento das ações
diretas quando na ACP for argüida a inconstitucionalidade de texto normativo.
3.4 A ANÁLISE DO CASO EM JUÍZO
É certo, pois, que a ACP não deve ter como objeto a declaração de
inconstitucionalidade em si mesma. Hugo Nigro Mazzilli assinala que “a
inconstitucionalidade de um ato normativo pode ser causa de pedir (não o próprio pedido) de
uma ação civil pública ou coletiva das Leis n. 7.347/85 ou 8.078/90” 232. E mais adiante, o
autor conclui:
O que não se tem admitido, porém, é que se use da ação civil pública ou coletiva para atacar, em caráter abstrato, os efeitos erga omnes, atuais e futuros, de uma norma supostamente inconstitucional, pois, com isso, em última análise, estaria o juiz da ação civil pública ou coletiva invadindo atribuição constitucional dos tribunais aos quais compete, com exclusividade, declarar a inconstitucionalidade em tese de lei ou ato normativo, para a seguir ser provocada, a suspensão de sua eficácia, com imutabilidade erga omnes 233.
Seguindo esse entendimento, só haverá usurpação da competência do STF para o
controle abstrato de constitucionalidade dos atos normativos quando a ação civil pública,
ainda que disfarçadamente, tenha como único objeto a declaração de inconstitucionalidade da
norma, sem que haja um interesse jurídico específico a ser tutelado.
230 QUINTO, Joseane Ribeiro Viana. Da declaração incidental de constitucionalidade em ação civil pública. Disponível em http/:www.jus.com.br. Acesso em 14 maio 2004. 231 SÁ, José Adonis Callou de Araújo. Ação civil pública e controle de constitucionalidade, p. 145/146. 232 MAZZILLI, Hugo Nigro Mazzilli. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses, p. 116.
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Arruda Alvim assinala que não é incomum a propositura de ações civis públicas
desconectadas de um verdadeiro litígio, “com insurgência, exclusivamente, contra um ou mais
de um texto legal, e o que se pretende na ordem prática ou pragmática é que, declarada a
inconstitucionalidade de determinadas normas, não possam mais elas vir a ser aplicadas, no
âmbito da jurisdição do magistrado ou do Tribunal a esse sobrepostos” 234. E as críticas do
doutrinador à declaração de inconstitucionalidade no bojo da ACP parecem voltar-se a tais
casos.
Por outro lado, não é correto afirmar que pelo simples fato de a coisa julgada na
ação civil pública ter efeitos erga omnes estaria configurada a usurpação da competência do
STF. Isto porque, como dito alhures, os efeitos erga omnes da decisão em ACP tratam-se de
uma imposição lógica em virtude da natureza de seu objeto.
Gilberto Schäfer afirma que o caso concreto é que irá determinar a série de situações
em que se deve admitir o controle de constitucionalidade na ação civil pública 235. Assinala o
autor que a questão passou a ser discutida a partir de ação interposta em conjunto por
empresas cinematográficas contra a Fazenda Pública do Estado de São Paulo, com pedido de
liminar baseado na inconstitucionalidade de lei estadual que determinava a venda do ingresso
pela metade do preço para estudantes. Pretendia a parte autora ser desobrigada da venda do
ingresso designado meia entrada, sob o pretexto da inconstitucionalidade da lei que o
estabelecia, por violação dos artigos. 5º, I e IV, 170, da CRFB/88. O caso foi assim analisado
pelo Min. Relator da Reclamação n.º 434- SP, Francisco Rezek:
Quanto à questão essencial, estimo exato o parecer da procuradoria- Geral da República, de autoria do Chefe do Ministério Público. A leitura do acervo aqui produzido faz ver que o objeto precípuo das ações em curso na 2ª e 3ª Varas de Fazenda Pública do Estado da Comarca de São Paulo é, ainda que de forma
233 MAZZILLI, Hugo Nigro Mazzilli. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses, p. 117. 234 ALVIM, Arruda. A declaração concentrada de inconstitucionalidade pelo STF e os limites impostos à ação civil pública e ao código de proteção e defesa do consumidor, p. 127 – 134. 235 Cf. SCHÄFER, Gilberto. Ação civil pública e controle de constitucionalidade, p. 126/127.
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dissimulada, a declaração de inconstitucionalidade da lei estadual em face da Carta da República. As requerentes, ao proporem a providência cautelar, preparatória da ação principal, deixam claro que esta visa a ‘decretar a ilegalidade da medida...’ (fl.34). Ocorre que a ‘medida’ tida por ilegal é a própria lei. E o juízo de inconstitucionalidade da lei só se produz como incidente no processo comum – controle difuso – ou como escopo precípuo do processo declaratório de inconstitucionalidade da lei em tese – controle concentrado. No caso em análise, não indicaram as empresas autoras um conflito de interesses que sirva de cenário ao juízo incidental de inconstitucionalidade. Menos ainda se entende a razão de figurar no pólo passivo da ação ordinária a Fazenda do Estado de São Paulo. Esta não tem, na hipótese, litígio a ser resolvido. Não praticou ato algum baseado na lei. Não tem relação com a norma votada na Assembléia Legislativa e chancelada pelo Governador; e muito menos com sua execução, posto que não é responsável pela sua aplicação, nada implementa, nada fiscaliza, nada sanciona. Não possui, desse modo, legitimidade passiva para a ação. Como observou o advogado da União Nacional dos Estudantes (UNE), a Fazenda do Estado figura como ré ‘unicamente, porque era preciso haver parte contrária para a ação de cognição, embora a lide não tenha objeto contra o demandado, posto que o pedido dirige-se contra a lei em tese, consumada, assim e sem a menor sombra de dúvida, a usurpação da competência concentrada do (...) Supremo Tribunal Federal’(fl. 15) 236.
Gilberto Schäfer, analisando o caso por ele colocado, assinala que muito dificilmente
houve um verdadeiro conflito de interesses a ser resolvido pelo Poder Judiciário, pois “não é
narrado um conflito subjetivo, nem sequer, ao que parece, tinha a Fazenda Pública do Estado
um dever de fiscalização e, finalmente, havia um pedido para que a lei fosse declarada
inconstitucional” 237. De fato, apenas quando a lei produzir efeitos concretos é que se poderá
questionar a sua inconstitucionalidade incidenter tantum, pois caso contrário, tratar-se-ia da
impugnação de lei em tese, que parece ser o caso em análise, em que a ré “não praticou ato
algum baseado na lei” 238. Aplicável, neste ponto, a Súmula 266 do STF, que veda a utilização
do mandado de segurança contra lei em tese, que só poderá ser impugnada pelas ações diretas,
que têm como objeto a análise da constitucionalidade da norma em si mesma. Desta forma, no
236 BRASIL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (Tribunal Pleno). Reclamação n.º 434-SP, Min. Procurador – Geral da República e Juízes de Direito de Direito da 2ª e 3ª Varas da Fazenda Pública da Comarca de São Paulo. Relator Ministro Francisco Rezek. J. 10 dez. 1993. Revista Trimestral de Jurisprudência, Brasília, v. 154, n. 1, p. 13-21. 237 SCHÄFER, Gilberto. Ação civil pública e controle de constitucionalidade, p. 121. 238 BRASIL, BRASIL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (Tribunal Pleno) . Reclamação n.º 434-SP, Relator Ministro Francisco Rezek. Revista Trimestral de Jurisprudência, Brasília, v. 154, n. 1, p. 13-21.
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caso em comento afigura-se caracterizada a usurpação da competência do Supremo Tribunal
Federal para o controle abstrato de constitucionalidade 239.
O mesmo autor, fazendo um paralelo com o caso analisado, exemplifica situações
em que seria imperioso admitir o controle difuso de constitucionalidade nas ações ordinárias
como a ação civil pública. Caso a Administração Pública fiscalizasse a aplicação da lei e, em
função disso, viesse a multar as empresas que não estivessem cobrando dos estudantes apenas
a meia entrada, poderiam as empresas cinematográficas ingressar em juízo requerendo a
anulação da multa aplicada com base na lei inconstitucional. Neste caso, restaria evidente a
alegação da inconstitucionalidade da lei estadual incidenter tantum, como prejudicial à
questão de mérito posta em juízo. Caso também os estudantes, por seus órgãos
representativos, ajuizassem ação civil pública para obrigar as empresas cinematográficas a
cobrar a meia entrada, com preceito cominatório, as rés poderiam alegar, em sua defesa, a
inconstitucionalidade da lei estadual que a estabeleceu. Nestas duas situações, não se poderia
falar em usurpação de competência do Supremo para o controle abstrato de
constitucionalidade, eis que haveria litígio a ser solucionado com a afastamento ou aplicação
da lei inconstitucional 240.
Nesse diapasão, é certo que só a partir do caso em juízo será possível afirmar se é
legítimo ou não o controle de constitucionalidade na ação civil pública.
3.5 O ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
As críticas ao controle de constitucionalidade na ACP já tiveram forte repercussão na
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Contudo, hoje, o entendimento segundo o qual
239 Cf. SCHÄFER, Gilberto. Ação civil pública e controle de constitucionalidade. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor. p. 121. 240 Cf. SCHÄFER, Gilberto. Ação civil pública e controle de constitucionalidade, p. 121/122.
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não é admissível o controle de constitucionalidade na ACP, por seus efeitos erga omnes, tem
sido visto com muitas ressalvas.
Ao julgar a reclamação n.º 434-SP, supra citada, o Pretório Excelso julgou-a
procedente e declarou, conseqüentemente, a nulidade das ações em curso perante os juízos da
2ª e 3ª Varas da Fazenda do Estado de São Paulo, que haviam, em decisão liminar,
desobrigado empresas cinematográficas da cobrança de meia entrada para estudantes, sob o
argumento da inconstitucionalidade da lei estadual que assim determinava. Transcreve-se,
nesse ponto, outro trecho do voto do Ministro Relator Francisco Rezek:
Observara-se, na representação encaminhada à Procuradoria- Geral da República, que é impressionante “a insensibilidade ge ral para com a competência do Supremo Tribunal Federal. Todos discutem a possibilidade ou não de prejuízos aos cinemas com a venda da meia entrada, isto é, discutem o possível acerto ou desacerto da lei, mas não se firmam, não debatem, nem sequer contestam a competência do Supremo Tribunal Federal para a declaração da inconstitucionalidade, em tese, da lei estadual. Os processos tramitam com a maior naturalidade, como se não existisse o comando constitucional e as alegações da Fazenda do Estado de São Paulo, a este respeito, não são sequer rebatidas”.(FL.13). Tenho, afinal, como evidenciado que as ações em curso não visam ao julgamento de uma relação jurídica concreta, mas ao da validade da lei em tese, de competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal, nos termos do artigo 102, I, a, da Carta da República241.
No julgamento da Reclamação n.º 1414-BA, ajuizada pelo Estado da Bahia, o
Supremo Tribunal Federal concedeu medida liminar para suspender os efeitos das medidas
cautelares deferidas pelo Juízo Federal da 6ª Vara da Seção Judiciária da Bahia, bem como o
curso da ação civil pública em que foram proferidas, sob o argumento da usurpação da
competência do STF para o controle concentrado de constitucionalidade. A ACP havia sido
proposta pelo Ministério Público Federal para obstar a implantação, no Estado, do programa
de Incentivo às Organizações Sociais instituído por lei federal e estadual cuja
constitucionalidade se questionava. No despacho que deferiu a liminar, o Ministro Relator
Ilmar Galvão ressaltou a existência de duas ADIn’ s em trâmite no STF questionando
241 BRASIL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (Tribunal Pleno). Reclamação n.º 434-SP, Rel. Min. Francisco Rezek. Revista Trimestral de Jurisprudência, Brasília, v. 154, n. 1, p. 13-21.
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dispositivos da mesma lei federal, asseverando que “o ato da autoridade reclamada, portanto,
acabou por se tornar prevalente em relação à decisão que vier a ser proferida pelo Supremo
Tribunal Federal” 242.
Este foi também o entendimento do STF no julgamento da Reclamação n.º 554-MG,
que, todavia, excetuou as ações civis públicas em defesa de interesses individuais
homogêneos, casos em que a decisão só alcançaria este grupo de pessoas. Ressaltando que os
efeitos da decisão da ACP proposta no Estado de Minas Gerais atingiriam apenas os
mutuários do sistema financeiro de habitação perante os agentes financeiros e nos limites
territoriais daquele Estado, o Ministro Relator Maurício Corrêia negou seguimento ao pedido
da Reclamação. Segundo o Relator:
6.2 Situação diversa ocorreria se a ação civil pública estivesse preordenada a defender direitos difusos ou coletivos (incisos I e II do citado art. 81), quando, então, a decisão teria efeito erga omnes, na acepção usual da expressão e, aí sim, teria os mesmos efeitos de uma ação direta, pois alcançaria todos, partes ou não, na relação processual estabelecida na ação civil 243.
A respeito de tal decisão, José Adonis Callou de Araújo Sá entende que, embora
acertada, para efeito de controle de constitucionalidade de ato normativo, não se deve
distinguir entre as ações que defendem interesses difusos e coletivos das que defendem
interesses individuais homogêneos. Segundo o autor, na ACP que versar sobre interesses
individuais homogêneos, a coisa julgada será erga omnes, assim como na ACP que versar
sobre interesses difusos, sendo que a expressão ultra partes, usada pelo CDC para definir a
coisa julgada na ACP que versar sobre interesses coletivos, não traz qualquer diferença
ontológica entre os dois regimes da coisa julgada erga omnes e ultra partes. O mesmo autor
conclui o seu posicionamento nos seguintes termos:
242 BRASIL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Reclamação n.º 1414-BA. Estado da Bahia e Juiz da 6ª vara Federal da Seção Judiciária do Estado da Bahia. Relator Ministro Ilmar Galvão. j. 17 fev. 2000. Apud SÁ, José Adonis Callou de Araújo. Ação civil pública e controle de constitucionalidade, p. 174 – 176. 243 BRASIL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Reclamação n.º 554-MG. Relator Ministro Maurício Corrêia. J. 13 nov. 1997. Apud SÁ, José Adonis Callou de Araújo. Ação civil pública e controle de constitucionalidade, p. 133/135.
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[...] falar de coisa julgada erga omnes não significa necessariamente dizer que atingiria a “todos”, ma s apenas “a comunidade titular do direito lesado – e somente esta”. A eficácia contra todos refere -se, por óbvio, àqueles cujas situações ajustam-se ao resultado favorável da demanda. Ademais, a abrangência subjetiva da decisão não é necessariamente maior nos casos de interesses difusos e coletivos do que nos de interesses individuais homogêneos. A resposta depende da matéria de que se cuida. É possível ocorrer situações em que o número de atingidos pela decisão em ação civil pública sobre interesses individuais homogêneos seja maior do que em matérias atinentes a interesses difusos.
Parece-nos, assim, que a indeterminação dos titulares dos interesses difusos, ou, ainda, a extensão numérica dos membros da coletividade beneficiada não são condições essenciais para concluir-se que a decisão em ação civil pública, com controle incidental de constitucionalidade, usurparia a competência do Supremo Tribunal Federal 244.
Contudo, o entendimento do STF segundo o qual só é possível o controle de
constitucionalidade na ACP quando esta tiver por objeto a tutela de interesses individuais
homogêneos, foi, aos poucos, sendo revisto.
Quando do julgamento da Reclamação n.º 597-6, de São Paulo, o Ministro Sepúlveda
Pertence, que entende ser óbvia a possibilidade de controle difuso na ACP, assim se
manifestou sobre o assunto:
É curial que o exercício por qualquer outro órgão jurisdicional do controle difuso e incidente de inconstitucionalidade – no nosso difícil e complexo sistema de convivência quase paralela entre controle concentrado e o controle difuso – não usurpa a competência do Supremo Tribunal para o controle direto e abstrato mediante ação direta de inconstitucionalidade. Raras vezes temos aformado tal obviedade, mas tivemos oportunidade de fazê-lo na Reclamação n.º 410, de 11/92, Relator o Ministro Moreira Alves (RJT 144/713). A meu ver, com todas as vênias, nada no sistema permite afirmar, e a minha inteligência não alcaça onde estaria a fonte da proibição – que, numa ação civil pública de natureza condenatória – que se distingue, ademais, da ação direta de inconstitucionalidade, pela legitimação para agir, de outro, pelos efeitos da coisa julgada - esteja vedado o controle incidental da constitucionalidade da lei que constitua questão prejudicial do provimento condenatório que se postula 245.
O Ministro Relator Celso de Mello, em decisão de liminar na Reclamação n.º 1.733-
SP, asseverou que as críticas ao controle de constitucionalidade na ACP têm encontrado
reflexos na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, “que , no entanto, somente exclui a
possibilidade do exercício da ação civil pública, quando, nela, o autor deduzir pretensão
244 SÁ, José Adonis Callou de Araújo. Ação civil pública e controle de constitucionalidade, p. 139. 245 BRASIL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Reclamação n.º 597-6-SP, Min. Sepúlveda Pertence. Apud STRECK, Lênio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito, p. 385.
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efetivamente destinada a viabilizar o controle abstrato de constitucionalidade de determinada
lei ou ato normativo” 246. A ementa da decisão, nos seguintes termos:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONTROLE INCIDENTAL DE CONSTITUCIONALIDADE. QUESTÃO PREJUDICIAL. POSSIBILIDADE INOCORRÊNCIA DE USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
O Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a legitimidade da utilização da ação civil pública como instrumento idôneo de fiscalização incidental de constitucionalidade, pela via difusa, de quaisquer leis ou atos do Poder Público, mesmo quando contestados em face da Constituição da República, desde que, nesse processo coletivo, a controvérsia constitucional, longe de identificar-se como objeto único da demanda, qualifique-se como simples questão prejudicial, indispensável à resolução do litígio principal. Precedentes. Doutrina247.
Na Reclamação n.º 1.733 se alegava a usurpação da competência do Supremo por
magistrado de 1ª instância que, julgando procedente ação civil pública proposta pelo
Ministério Público do Estado de São Paulo, veio a declarar, incidentemente, a
inconstitucionalidade de lei municipal que fixara em vinte e um o número de vereadores à
Câmara Municipal. O objeto da referida ação era a redução do número de vereadores que a
Câmara Municipal de Sorocaba poderia ter na próxima legislatura.
A reclamação n.º 602-6, de São Paulo, na qual se alegava a usurpação da
competência do STF pelo Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, foi
julgada improcedente, nos seguintes termos:
RECLAMAÇÃO. DECISÃO QUE, EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA, CONDENOU INSTITUIÇÃO BANCÁRIA A COMPLEMENTAR OS RENDIMENTOS DE CADERNETA DE POUPANÇA DE SEUS CORRENTISTAS, COM BASE EM ÍNDICE ATÉ ENTÃO VIGENTE, APÓS AFASTAR A APLICAÇÃO DA NORMA QUE O HAVIA REDUZIDO, POR CONSIDERÁ-LA INCOMPATÍVEL COM A CONSTITUIÇÃO. ALEGADA USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, PREVISTA NO ART. 102, I, A, DA CF. Improcedência da alegação, tendo em vista tratar-se de ação ajuizada, entre partes contratantes, na persecução de bem jurídico concreto, individual e perfeitamente definido, de ordem patrimonial, objetivo que jamais poderia ser alcançado pelo reclamado em sede de controle in abstracto de ato normativo.
246 BRASIL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, Reclamação n.º 1733-SP, Relator Ministro Celso de Mello. J. 24 nov. 2000. Apud SÁ, José Adonis Callou de Araújo. Ação civil pública e controle de constitucionalidade, p. 179- 187. 247 BRASIL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, Reclamação n.º 1733-SP, Relator Ministro Celso de Mello. Apud SÁ, José Adonis Callou de Araújo. Ação civil pública e controle de constitucionalidade, p. 179- 187.
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Quadro em que não sobra espaço para falar em invasão, pela Corte reclamada, da jurisdição concentrada privativa do Supremo Tribunal Federal. Improcedência da alegação 248.
Tal acórdão é paradigmático por diferenciar a ACP da ADIn, tendo em vista que só
através da primeira as partes alcançam o bem da vida por elas pleiteado.
Em decisões mais recentes, o STF tem seguido este posicionamento, admitindo o
controle difuso de constitucionalidade na ação civil pública. Senão, veja-se da seguinte
decisão em sede de recurso extraordinário:
O controle difuso de constitucionalidade das leis pode ser exercido em sede de ação civil pública, no juízo de primeiro grau, quando for necessário para a decisão da hipótese concreta, sendo legitimado para a propositura da ação o Ministério Público. Com esse entendimento, a Turma deu provimento a recurso extraordinário para determinar o regular processamento de ação civil pública - cuja inicial havia sido liminarmente indeferida sob o fundamento de não constituir a mesma meio idôneo para o questionamento da inconstitucionalidade de lei ou ato normativo - proposta pelo Ministério Público em defesa do patrimônio público, na qual se pleiteia a declaração de nulidade de ato normativo municipal que majorou os subsídios de vereador, com a conseqüente restituição aos cofres públicos das quantias indevidamente recebidas. Precedentes citados: RCL 600-SP e RCL 602-SP 249.
Com efeito, este é o posicionamento atual do STF sobre a matéria, admitindo o
controle difuso de constitucionalidade na ACP, desde que a questão constitucional seja posta
como incidental, preliminar ao julgamento de mérito, sendo indispensável para a decisão do
caso concreto.
Lênio Streck não diverge do entendimento do Supremo no sentido da admissibilidade
do controle de constitucionalidade na ação civil pública, mas critica que seja colocado como
condicionante desta possibilidade “a discussão da constitucionalidade do ato normativo
enquanto questão prejudicial, e não o próprio objeto da demanda” 250. Isto porque, segundo
ele, “em sede de controle difuso, não há como separar a questão prejudicial daquilo que se
248 BRASIL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (Tribunal Pleno). Reclamação n.º 602-6- SP. Banco Mercantil de São Paulo e Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo. Relator Ministro Ilmar Galvão. J. 03 set. 1997. Apud SÁ, José Adonis Callou de Araújo. Ação civil pública e controle de constitucionalidade, p.177. 249 BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (Segunda Turma). Recurso Extraordinário n.º 227.159-GO. Ministério Público do Estado de Goiás e Câmara Municipal de Pirenópolis e outros. Relator Ministro Néri da Silveira. J. 12 mar. 2002. Disponível em http:/ www.stf.gov.br. Acesso em 14 maio 2004. 250 STRECK, Lênio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito, p. 388.
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poderia denominar de ‘o próprio objeto da demanda’” 251. O jurista exemplifica caso de
impugnação pelo Ministério Público através de ACP de lei municipal que estabeleça um
número X para a Câmara de Vereadores. Segundo ele, diante da posição do Supremo,
facilmente poder-se-ia dizer que a declaração de inconstitucionalidade da norma, neste caso, é
o próprio objeto da demanda, o que seria uma decisão equivocada 252.
Entretanto, analisando caso em juízo idêntico à hipótese colocada por Lênio Streck,
ao julgar a Reclamação n.º 1733-SP, não foi esta a conclusão do Supremo, como já visto
acima.
Por sua vez, o Superior Tribunal de Justiça tem seguido o entendimento do Supremo,
admitindo, portanto, o controle difuso de constitucionalidade na ACP, desde que a questão
constitucional seja, de fato, incidental ao julgamento de mérito. Senão, veja-se o seguinte
acórdão do STJ, que julgou Recurso Especial no qual se alegava a impossibilidade de o MP
argüir a inconstitucionalidade de lei municipal que instituíra taxa de iluminação pública:
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE INCIDENTER TANTUM. LEGITIMIDADE ATIVA. MINISTÉRIO PÚBLICO. TAXA DE TAXA DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA. DIREITOS DE CONTRIBUINTES. 1. Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público anteriormente à MP 2.180-35 de 24.08.2001. Legitimatio ativa ad causam. A legitimidade, como uma das condições da ação, rege-se pela Lei vigente à data da propositura da ação. À época da propositura vigorava no E. STJ e no E. STF o entendimento acerca da legitimação do Ministério Público, por força do art. 129, III, da CF/88, para promover qualquer espécie de ação na defesa de direitos transindividuais, nestes incluídos os direitos dos contribuintes de Taxa de Iluminação Pública, ainda que por Ação Civil Pública, cuja eficácia da decisão acerca do objeto mediato é erga omnes ou ultra partes. A soma dos interesses múltiplos dos contribuintes constitui o interesse transindividual, que possui dimensão coletiva, tornando-se público e indisponível, apto a legitimar o Parquet a velá-lo em juízo. 2. Deveras, a argüição, in casu, é incidental de inconstitucionalidade de norma tributária em sede de Ação Civil Pública, porquanto nesses casos a questão da ofensa à Carta Federal tem natureza de "prejudicial", sobre a qual não repousa o manto da coisa julgada. Precedente do E. STF. 3. Recurso Especial improvido253.
251 STRECK, Lênio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito, p. 388. 252 STRECK, Lênio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito, p. 388. 253 BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Turma). Recurso Especial n.º 522827, Relator Ministro Luiz Fux. J. 20 nov. 2003. Disponível em http/: www. cjf.gov.br. Acesso em 14 maio 2004.
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No mesmo sentido, o seguinte acórdão ressalta que o pedido da ACP em discussão
não era, em si, a declaração de inconstitucionalidade da norma:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EFICÁCIA ERGA OMNES. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE INCIDENTER TANTUM. POSSIBILIDADE. ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. É possível a propositura de ação civil pública com base na inconstitucionalidade de lei. Nesse caso, não se trata de controle concentrado, mas sim de controle difuso de constitucionalidade. Somente se exclui a possibilidade do exercício da ação civil pública quando nela o autor deduzir pretensão efetivamente destinada a viabilizar o controle abstrato de constitucionalidade de determinada lei ou ato normativo. In casu, o pedido formulado pelo Parquet diz respeito à proteção do meio ambiente e do patrimônio público, cultural, estético, paisagístico, arquitetônico e social, em face da ocupação de áreas públicas localizadas no SCLRN, Quadra 706. A inconstitucionalidade da Lei Distrital n. 754/94, nada mais é do que o fundamento da ilegitimidade dessa ocupação e sequer faz coisa julgada, nos termos do artigo 469 do Código de Processo Civil. Recurso especial provido254.
E referindo-se expressamente à jurisprudência do Supremo sobre o assunto, a
seguinte decisão do Superior Tribunal de Justiça:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EFICÁCIA ERGA OMNES. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE INCIDENTER TANTUM. POSSIBILIDADE. ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. O Supremo Tribunal Federal admite a propositura de ação civil pública com base na inconstitucionalidade de lei, ao fundamento de que, nesse caso, não se trata de controle concentrado, mas sim controle difuso de constitucionalidade, passível de correção pela Suprema Corte pela interposição do recurso extraordinário. Na verdade, o que se repele é a tentativa de burlar o sistema de controle constitucional para pleitear, em ação civil pública, mera pretensão de declaração de inconstitucionalidade, como se de controle concentrado se tratasse. In casu, o pedido formulado pelo Parquet diz respeito ao direito individual homogêneo do contribuinte de não recolher tributo, que, segundo seu entendimento, é ilegítimo. A inconstitucionalidade da lei criadora do "complemento de taxa de serviços públicos", instituído pela Municipalidade de Campos do Jordão, nada mais é do que o fundamento dessa ilegitimidade e sequer faz coisa julgada, nos termos do artigo 469 do Código de Processo Civil. Admitida a declaração incidenter tantum da inconstitucionalidade de lei municipal em ação civil pública, devem os autos retornar à Corte a quo para que examine as demais preliminares argüidas, incluído o exame da legitimidade do Parquet para a defesa dos contribuintes, e, se for o caso, prossiga no exame do mérito da demanda. Recurso especial parcialmente provido255.
Por fim, é certo que o STJ vem adotando o mesmo posicionamento do STF sobre a
matéria, no sentido da admissibilidade do controle difuso de constitucionalidade na ACP,
254 BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Turma). Recurso Especial n.º 327206, Relator Ministro Franciulli Netto. J. 06 maio 2003. Disponível em http/: www. cjf.gov.br. Acesso em 14 maio 2004. 255 BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Turma). Recurso Especial n.º 175222, Relator Ministro Franciulli Netto. J. 19 mar. 2002. Disponível em http/: www. cjf.gov.br. Acesso em 14 maio 2004.
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desde que a questão constitucional seja, de fato, incidental ao julgamento de mérito. E esta é
análise que só poderá ser feita a partir do caso em juízo, conforme dito alhures.
3.6 A AÇÃO CIVIL PÚBLICA COMO INSTRUMENTO DO CONTROLE DIFUSO DE
CONSTITUCIONALIDADE
Conforme observa José Adonis Callou de Araújo Sá, a ação civil pública “vive
período atribulado, em razão das investidas que sofre por parte do Poder Executivo, com
edições sucessivas de medidas provisórias, tendentes a reduzir-lhe o âmbito de
abrangência” 256. Para o autor, a objeção ao controle de constitucionalidade na ação civil
pública trata-se de obstáculo político à utilização da ACP, traduzido em obstáculo técnico-
processual, “a partir de uma interpretação viciada da Constituição à luz de institutos da
legislação inferior e que a ela se deviam amoldar” 257. Nas palavras do autor:
A resistência que surge em algumas decisões dos tribunais refletem manifestações de juristas mais comprometidos com a advocacia dos interesses das altas esferas do poder político e econômico, do que com alguma possibilidade científica de indicação da mais adequada interpretação dos direitos fundamentais, em moldes a conferir-lhe a máxima efetividade 258.
Diante desse quadro, qualquer interpretação da ACP que acabe por restringir o seu
âmbito de abrangência deve ser vista com ressalvas, analisando-se a questão a luz dos ditames
constitucionais, devendo prevalecer sempre a interpretação que melhor assegure a efetividade
dos direito fundamentais consagrados em nossa Lei Maior.
Por outro lado, é certo que num período de profundas transformações na área da
ciência processual, novas questões vão surgindo e reclamando a atenção dos juristas. A coisa
julgada nas ações coletivas é uma destas questões, pois juntamente com a legitimidade ad
causam, o regime da coisa julgada é o que mais sofreu reformulações com os novos
256 SÁ, José Adonis Callou de Araújo. Ação civil pública e controle de constitucionalidade, p. 146. 257 SÁ, José Adonis Callou de Araújo. Ação civil pública e controle de constitucionalidade, p. 48. 258 SÁ, José Adonis Callou de Araújo. Ação civil pública e controle de constitucionalidade, p. 48.
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mecanismos de tutela coletiva, nos quais se insere a ação civil pública. E de fato, é o caráter
erga omnes da coisa julgada na ACP que dá origem a problemática objeto deste estudo.
Analisando o problema, tem-se que a ação civil pública é ação constitucional típica
que visa tutelar direitos fundamentais previstos em nossa Carta Constitucional. Como tal, a
sua interpretação deve buscar sempre a efetividade das normas constitucionais, que segundo
Luís Roberto Barrosso, é “a mais notável preocupação do constitucionalismo nos últimos
tempos” 259. Paulo José Leite Farias, nesse mesmo sentido, com amparo na doutrina do mestre
Canotilho, assinala que:
Trata-se, a ação civil pública, de um writ constitucional de efetivação de direitos fundamentais, devendo, nesse sentido, ser aplicado o “princípio da máxima efetividade” na sua interpretação. Conforme assinala J. J. Gomes Canotilho (Direito Constitucional, Coimbra: Almedina, 1993, p. 227): “ Este princípio , também designado por princípio da eficiência ou princípio da interpretação efectiva, pode ser formulado da seguinte maneira: a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê. (...) é hoje sobretudo invocado no âmbito dos direitos fundamentais ( no caso de dúvida, deve preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais).” 260
Por tal motivo é que se faz imperioso reconhecer a admissibilidade do controle
difuso de constitucionalidade em sede de ação civil pública. Nessa linha, as palavras
conclusivas de Paulo José Leite Farias:
Assim, deve-se buscar uma interpretação constitucional que reconheça à ação civil pública o seu relevante papel constitucional de direito- garantia, aquele que instrumentaliza a proteção dos direitos fundamentais. Considerar que na ação civil pública não pode ser tratado o tema controle de constitucionalidade, como questão prejudicial, equivale a minimizar ou mesmo destruir a eficácia desse mecanismo de proteção de direitos fundamentais. Diante do exposto, deve-se ressaltar a busca de uma interpretação que não prejudique a utilização da ação civil pública na defesa dos direitos coletivos e difusos, nos termos da Constituição Federal, razão pela qual a ação civil pública, como toda a ação ordinária, deve poder tratar do controle de constitucionalidade difuso, sem que a decisão proferida nessa questão prejudicial tenha eficácia erga omnes261.
259 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição, São Paulo: Saraiva, 1996.p. 218. 260 FARIAS, Paulo José Leite. Ação civil pública e controle de constitucionalidade, p. 3. 261 FARIAS, Paulo José Leite. Ação civil pública e controle de constitucionalidade, p. 3.
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Deste modo, não se tem como afastar a possibilidade de apreciação de
inconstitucionalidade de ato normativo em sede ação civil pública. Esta é a lição também de
Gilberto Schäfer, nos seguintes termos:
Ao entregar a prestação jurisdicional, nos instrumentos de tutela coletiva como a Ação Civil Pública ou ação coletiva para a defesa do consumidor, pode o Estado- julgador declarar, incidentemente, a inconstitucionalidade de normas. O controle difuso é anterior, cronologicamente, ao próprio controle abstrato, e fazê-lo não significa usurpar a competência do Supremo ou do Tribunal de Justiça. Não se pode negar a realização desse controle em toda e qualquer ação, sob pena de deixar de realizar o princípio constitucional de realizar o controle difuso. Outra coisa que não se pode fazer é confundir efeitos de uma medida com a própria medida. O ordenamento jurídico põe à disposição das pessoas diversas medidas para atingir um determinado fim. O Mandado de Segurança não retira do ordenamento a via ordinária, que permite à parte pleitear a antecipação de tutela e utilizar uma cognição mais ampla. O nosso sistema prestigia diversas formas individuais e coletivas de acesso à justiça e procura colocar à disposição dos cidadãos, meios para combater qualquer inconstitucionalidade, que prestigia o controle difuso e concentrado, induzindo, por vezes, a uma aproximação dos efeitos dos dois modelos262.
Com efeito, muito embora os efeitos práticos de uma decisão em ACP que declare,
incidenter tantum, a inconstitucionalidade de ato normativo possam ser muito próximos dos
efeitos de uma ADIn, convém ressaltar que tal proximidade não significa o mesmo que a
equivalência entre as ações. Esta proximidade entre os resultados práticos das duas ações
“constitui decorrência lógica do regime constitucional vigente, que prestigia, a um só tempo, a
defesa coletiva de direitos, de um lado, e os sistemas de controle difuso e concentrado, de
outro” 263.
Como assinala José Adonis Callou de Araújo Sá, a declaração de
inconstitucionalidade de ato normativo, em sede de controle difuso, tem o efeito apenas de
afastar a aplicação da norma inconstitucional ao caso concreto em juízo, o que não prejudica o
exame da questão em possível ADIn ou ADC. E muito embora o nosso sistema de controle
de constitucionalidade venha prestigiando os instrumentos de controle concentrado, é certo
262 SCHÄFER, Gilberto. Ação civil pública e controle de constitucionalidade, p. 121/122. 263 BARBOZA, Márcia Noll, COSTA, Maria Emília Corrêa da. Apud SCHÄFER, Gilberto. Ação civil pública e controle de constitucionalidade, p. 121/122.
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que “a via - difuso incidental é a regra geral vigente no Brasil, desde a Constituição de 1891,
podendo ser exercitada sem restrições, inclusive na ação civil pública” 264.
Enfim, cumpre enfatizar que o controle de constitucionalidade que se exerce na ação
civil pública é o controle difuso, passível de exercício por meio de qualquer ação posta à
apreciação do Poder Judiciário.
A não ser que, a partir da análise do caso em juízo, esteja evidente que a ACP
interposta busca subverter o nosso sistema de controle de constitucionalidade, objetivando
única e exclusivamente, perante a justiça de 1º grau, a declaração de inconstitucionalidade de
ato normativo, sempre será possível o controle de constitucionalidade na ACP.
264 SÁ, José Adonis Callou de Araújo. Ação civil pública e controle de constitucionalidade, p. 160.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A ação civil publica é ação constitucional típica que visa tutelar os direitos
fundamentais coletivos latu sensu ou transindividuais, definidos na legislação
infraconstitucional como direitos coletivos strictu sensu, difusos e individuais homogêneos.
O objeto da ACP é o mais amplo possível, abrangendo qualquer interesse que, por
suas características, possa ser enquadrado em uma das categorias acima mencionadas. Estes
interesses são, juntamente com o meio ambiente, o consumidor, o patrimônio público e social
e outros que contam com expressa previsão legal, o objeto mediato da ação civil pública.
No que diz respeito à legitimidade ativa, a ação civil pública quebra a idéia
tradicional de que tem legitimidade o titular do direito violado, gerando discussões a respeito
de sua natureza, se extraordinária ou ordinária. Deixando de lado esta questão, estão
legitimados à propositura da ACP, o Ministério Público, a União, os Estados, os Municípios,
as autarquias, as empresas públicas, as sociedades de economia mista, as associações civis,
bem como os órgãos da administração que, mesmo sem personalidade jurídica, tenham
finalidade institucional compatível com o objeto da ação.
No que diz respeito à coisa julgada na ACP, esta segue regime próprio, em razão da
natureza dos interesses por ela tutelados, podendo-se afirmar que, via de regra, a coisa julgada
na ação coletiva tem efeitos erga omnes.
Ao mesmo tempo em que prevê, entre outros, a ação civil pública como instrumento
de tutela coletiva, a CRFB/88 segue um modelo em muito peculiar no que diz respeito ao
controle de constitucionalidade exercido no país, em face da convivência do controle difuso-
incidental e concentrado- principal.
O controle difuso de constitucionalidade é próprio da atividade jurisdicional, uma
vez que pode ser realizado por qualquer juiz ou tribunal para a solução de um conflito de
100
interesses posto a sua apreciação. A questão constitucional, neste caso, é indispensável ao
julgamento da lide e deve ser decidida como preliminar de mérito. Reconhecida a
inconstitucionalidade da norma, esta decisão atingirá apenas as partes do processo e produzirá
efeitos ex tunc, ou seja, retroativos, fulminando de nulidade toda a relação jurídica fundada na
norma inconstitucional desde o seu início. A norma inconstitucional deixa de ser aplicada ao
caso posto em juízo, mas continua plenamente válida dentro do ordenamento jurídico.
Por sua vez, o controle abstrato de constitucionalidade é exercido pelo Supremo
Tribunal Federal, a quem compete o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade por
ação e omissão e da ação declaratória de constitucionalidade, ações genéricas por meio quais
se opera o controle abstrato de constitucionalidade.
A principal característica deste tipo de controle é que ele é exercido
independentemente da existência de um litígio, caracterizando-se como controle em tese,
abstrato, em que a questão constitucional é o próprio objeto da ação. Não havendo litígio, as
partes do processo são meramente formais, desenvolvendo-se o controle concentrado por
meio de um processo objetivo, que não busca a tutela de um direito subjetivo, mas a defesa da
ordem constitucional.
Declarada a inconstitucionalidade da norma pelo STF em sede de controle
concentrado, a norma é retirada do ordenamento jurídico, produzindo efeitos ex tunc e erga
omnes.
O controle difuso de constitucionalidade na ação civil pública tem sido objeto de
fortes críticas doutrinárias, com repercussão na jurisprudência. Argumenta-se que os efeitos
erga omnes da decisão na ACP fariam da ação coletiva verdadeiro substituto da ação direta,
cuja competência é privativa do Supremo Tribunal Federal, havendo, no caso, usurpação da
competência do STF e desvirtuamento da própria ação civil pública.
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Todavia, não foi esta a conclusão a que se chegou no presente trabalho. Dos efeitos
erga omnes da coisa julgada na ação civil pública não decorre, lógica e necessariamente, a
usurpação da competência do STF para o controle abstrato e concentrado de
constitucionalidade. Isto porque o controle de constitucionalidade que se exerce na ACP é o
controle difuso, com todas as características inerentes a este tipo de controle, a não ser no que
diz respeito à coisa julgada, que em virtude da natureza dos interesses tutelados na ACP,
opera-se erga omnes e não inter partes. A questão constitucional é decidida na ACP como
questão incidental, de forma que não faz coisa julgada, motivo pelo qual o Supremo poderá
decidir, inclusive, contrariamente à decisão na ACP, em sede de controle abstrato.
A única semelhança que se pode apontar entre a ação civil pública e a ação direta de
inconstitucionalidade é que ambas são ações constitucionais típicas. No mais, as duas ações
são substancialmente distintas, atuando a primeira no plano da jurisdição constitucional das
liberdades, e a segunda, no plano da jurisdição constitucional orgânica.
O objeto da ação civil pública é a tutela do bem da vida tutelado pela ordem jurídica,
ao contrário do que ocorre na ação direta de inconstitucionalidade, cujo objeto da ação é a
própria declaração de inconstitucionalidade da norma, posta como questão principal. No que
diz respeito aos efeitos erga omnes, próprio das duas ações, é certo que na ACP, este efeito
pode ser de âmbito nacional, regional ou local, conforme a extensão e a indivisibilidade do
dano ou ameaça de dano, enquanto a declaração de inconstitucionalidade na ADIn faz coisa
julgada erga omnes no âmbito de vigência espacial da norma impugnada.
Respeitadas as diferenças entre a ACP e a ADIn, incluindo-se aí, e principalmente, a
finalidade de cada ação, não há que se falar em usurpação da competência do STF para o
controle abstrato de constitucionalidade quando na ação coletiva argüir-se a
inconstitucionalidade de texto normativo.
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O que pode ocorrer, na prática, é que seja proposta ação civil pública desconectada
de uma verdadeira lide, tendo como único objeto a declaração de inconstitucionalidade de lei
ou ato normativo, caso em que se tem como evidente o desvirtuamento da ação coletiva e a
usurpação da competência do Supremo. Mas esta é situação que só poderá se verificar a partir
da análise de cada caso posto em juízo.
A jurisprudência do Supremo, nesse sentido, vem diferenciando a ação civil pública
que tenha como objeto a tutela de um interesse metaindividual da ação civil pública que,
indevidamente, tenha como único objeto a declaração de inconstitucionalidade de texto de lei.
A não ser neste último caso, sempre será possível o controle difuso de constitucionalidade na
ACP. Isto porque a ação civil pública é um importante mecanismo de efetividade das normas
constitucionais.
Ao final, espera-se que o presente trabalho tenha servido para incentivar novas
pesquisas sobre o tema, uma vez que este não teve a pretensão de exaurir o seu estudo, e
sequer colocar um ponto final a respeito da controvérsia que envolve a viabilidade do controle
de constitucionalidade na ação civil pública.
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