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PATRICIA FERREIRA COIMBRA PIMENTEL AÇÃO COLETIVA EM ORGANIZAÇÕES COOPERATIVAS: UM ESTUDO DE CASO NA COOPERATIVA DE LATICÍNIOS VALE DO MUCURI LTDA. EM CARLOS CHAGAS-MG. Dissertação apresentada à Universidade Federal de Viçosa, como parte das exigências do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural, para obtenção do título de Magister Scientiae. VIÇOSA MINAS GERAIS - BRASIL 2008

AÇÃO COLETIVA EM ORGANIZAÇÕES COOPERATIVAS: UM … · nos estudos e aspirar crescimento. Ao Prof. Newton Paulo Bueno pela oportunidade. ... Ação coletiva em organizações cooperativas:

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  • PATRICIA FERREIRA COIMBRA PIMENTEL

    AO COLETIVA EM ORGANIZAES COOPERATIVAS: UM ESTUDO DE CASO

    NA COOPERATIVA DE LATICNIOS VALE DO MUCURI LTDA. EM CARLOS

    CHAGAS-MG.

    Dissertao apresentada Universidade Federal de Viosa,como parte das exigncias doPrograma de Ps-Graduao emExtenso Rural, para obteno do ttulo de Magister Scientiae.

    VIOSA MINAS GERAIS - BRASIL

    2008

  • Ficha catalogrfica preparada pela Seo de Catalogao e Classificao da Biblioteca Central da UFV

    T Pimentel, Patrcia Ferreira Coimbra, 1973- P644a Ao coletiva em organizaes cooperativas: um estudo 2008 de caso da cooperativa de laticnios Vale do Mucuri Ltda em Carlos Chagas-MG / Patrcia Ferreira Coimbra Pimentel. Viosa, MG, 2008. xi, 128f.: il. (algumas col.) ; 29cm. Inclui apndices. Orientador: Jos Ambrsio Ferreira Neto. Dissertao (mestrado) - Universidade Federal de Viosa. Referncias bibliogrficas: f. 115-122. 1. Cooperativas agrcolas. 2. Cooperativismo - Carlos Chagas, (MG). 3. Produtos agrcolas - Comercializao cooperativa. 4. Economia agrcola. I. Universidade Federal de Viosa. II.Ttulo. CDD 22.ed. 334.683

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  • ii

    Ao meu querido esposo, Jbson, pelo amor e por ser to presente e amigo. Te amo!

    s minhas filhas Flvia, Laura e Marina, pelo amor incondicional. Que me inspiram e por terem convivido com minhas ausncias nesta fase e ainda assim, serem to maravilhosas. Amo vocs!

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    AGRADECIMENTOS

    Obrigada Senhor por este trabalho, pela fora da superao e por me conduzir sempre para o melhor caminho. Aos meus pais, Zeca, 84 anos, cheio de vida, sempre dedicado simplicidade do viver rural. Exemplo de pacincia e coragem. minha me Vilma, obrigada pela semente que plantou na minha formao como pessoa. Meu exemplo de carter, fora e dedicao. Aos meus irmos que, cada um ao seu modo, me acompanham e apiam, mesmo sem entender muito o porqu de estudar tanto. Aos meus sobrinhos, Carol, Rodrigo e Ricardo por quem esforo para acreditarem nos estudos e aspirar crescimento. Ao Prof. Newton Paulo Bueno pela oportunidade. Ao Prof. Jos Ambrsio Ferreira Neto, por aceitar o desafio e acreditar em mim, pelo apoio e amizade no momento mais difcil. Pela orientao e dedicao. UFV e aos professores do DER, que contriburam para uma percepo diferente do rural. Aos funcionrios, em especial Carminha e Cida, pelo carinho e ateno de sempre. Aos membros da banca examinadora. Aos produtores rurais, dirigentes e funcionrios da COOLVAM, pela acessibilidade e apoio. Aos amigos da Incubadora de Base Tecnolgica CENTEV/UFV, pela oportunidade de aprendizado no desafio do empreendedorismo, grande contribuio na minha carreira profissional. Aos amigos do Centro Vocacional Tecnolgico de Viosa (CVT), pela convivncia. A Flvia Moreira, pela considerao e pelo apoio de sempre. A Cris Xavier por ter cuidado to bem das minhas filhas e da minha casa enquanto no estava presente. A Kmila, Ndma e Wiliam, por terem acompanhado toda essa caminhada. Aos colegas, pela famlia que formamos em ERU 623, pela amizade, companheirismo, consolo, superao e por todas as vezes que pudemos compartilhar momentos de descontrao e alegria. A toda famlia IPV, pela amizade crist.

  • iv

    Fizeste-me avanar a largos passos (Sl 18.36)

  • v

    SUMRIO

    LISTA DE TABELAS ................................................................................................. ix

    RESUMO.................................................................................................................... x

    ABSTRACT ............................................................................................................... xi

    1. INTRODUO .......................................................................................................1

    1.1 Definio do Problema.......................................................................................4 1.2. Objetivos...........................................................................................................7

    1.2.1. Objetivo Geral ............................................................................................7 1.2.2. Objetivos Especficos .................................................................................7

    1.3. Metodologia ......................................................................................................7 2. O MOVIMENTO COOPERATIVISTA ...................................................................12

    2.1. O cooperativismo............................................................................................12 2.1.1. Caracterizao das cooperativas .............................................................15 2.1.2 O cooperativismo agropecurio ................................................................16 2.1.3 O Cooperativismo agropecurio de leite e a participao de produtores rurais. .................................................................................................................18

    2.2. A tomada de deciso na gesto da organizao cooperativa.........................22 2.3 Perfil do Produtor de Leite de cooperativas. ....................................................25

    3. REFERENCIAL CONCEITUAL E ARGUMENTATIVO.........................................29

    3.1. Ao Coletiva..................................................................................................29 3.1.1 Ao Coletiva e benefcios pblicos..........................................................29 3.1.2 Dilemas de ao coletiva ..........................................................................34 3.1.3. A Tragdia dos Comuns e Cooperativismo..............................................36 3.1.4 O Tamanho, coerncia, eficcia e atratividade do grupos ........................38 3.1.5 Dilemas do Cooperativismo: ....................................................................43

    3.2 A Participao..................................................................................................53 3.2.1 Reflexes sobre Participao....................................................................53 3.2.2 A Participao em cooperativas. ...............................................................58 3.3.3. Os cuidados com o absolutismo da participao .....................................62

    3.3 Cooperao, confiana e capital social: recursos para o dilema .....................65 4. ESTUDO DE CASO E DISCUSSO: A PRXIS DA PARTICIPAO NO

    COOPERATIVISMO.................................................................................................72

    4.1 Caracterizao do Municpio de Carlos Chagas..............................................72 4.2 Histrico e caracterizao scio-econmica da COOLVAM. ...........................74

    4.2.1 Estrutura Organizacional...........................................................................76 4.2.2 Quadro Social ...........................................................................................77 4.2.3 Organizao do Quadro Social (OQS): estratgia de participao ...........77 4.2.3A Implantao do Comit Educativo na Coolvam ......................................78 4.2.5 Atividades industriais e comercializao de produtos ...............................79 4.2.6 Servios prestados aos associados ..........................................................80 4.2.7 Perfil dos produtores associados da Coolvam ..........................................81

    4.3. Resultados da Pesquisa: a prxis da participao na COOLVAM..................85 5. CONSIDERAES FINAIS ...............................................................................113

  • vi

    6. REFERNCIA BIBLIOGRFICA........................................................................118

    APENDICE A..........................................................................................................126

    APENDICE B..........................................................................................................127

    APENDICE C .........................................................................................................129

    APENDICE D .........................................................................................................131

  • vii

    LISTA DE FIGURAS

    1. Composio da amostra da pesquisada, COOLVAM, 2008. ..................8

    2. Distribuio de produtores rurais por volume de leite entregue em

    cooperativas ...........................................................................................25

    3. Estao da Ferrovia Bahia e Minas ainda existente na Comunidade de

    Mangal..................................................................................................71

    4. Mapa de localizao do municpio de Carlos Chagas ...........................71

    5. Organizao de produtores por faixa de produo.................................79

    6. Organizao de Produtores por Estrato Social ......................................80

    7. Amostra de produtores por comunidades rurais ................................... 81

    8. Residncia principal de produtores .......................................................82

    9. Motivo da associao cooperativa ......................................................84

    10. Diferencial da cooperativa em relao a outros laticnios ......................85

    11. Freqncia de produtores em assemblias............................................86

    12. Motivao para participao em assemblias ......................................86

    13. Liberdade para manifestao em reunies de comunidade...................88

    14. Liberdade para manifestar em assemblias ..........................................88

    15. Considerao sobre a presena em reunies .......................................89

    16. Freqncia que vai sede da cooperativa ............................................89

    17. Utilizao de servios da cooperativa ...................................................91

    18. Participao da famlia em atividades educativas .................................91

    19. Pr-assemblia com comunidades de Crrego Seco e Corao de

    Minas...................................................................................................... 92

    20. Atendimento a reivindicaes pessoais..................................................93

    21. Participao da Cooperativa no desenvolvimento da propriedade ........93

    22. Informaes sobre a cooperativa ...........................................................94

    23. Opinio sobre melhor mtodo para aprovao de decises ..................97

    24. Participao em Assemblias ................................................................97

    25. Interesse de produtores em participar dos rgos de gesto ................98

    26. Participao de produtores por estrato social nos rgos de gesto ....99

    27. Aprovao sobre atuao do Conselho Administrativo

    .........................1019

  • viii

    28. Aprovao sobre atuao do Conselho Fiscal .....................................101

    29. Participao dos produtores na fixao do preo pago produo ....102

    30. Participao em outra organizao coletiva ........................................103

    31. Participao em atividade festiva na comunidade ...............................104

    32. Participao em atividade festiva na cooperativa ................................104

    33. Hbito de visitar outros produtores ......................................................105

    34. Motivao do produtor em relao sua propriedade rural ................108

  • ix

    LISTA DE TABELAS

    1. Diferena entre organizao cooperativa e empresa mercantil......................22

    2. Organizao de produtores por faixa de produo ........................................79

    3. Organizao de produtores por estrato social ................................................80

    4. Perfil do Produtor.............................................................................................82

  • x

    RESUMO

    PIMENTEL, Patrcia Ferreira Coimbra, MS., Universidade Federal de Viosa, julho de 2008. Ao coletiva em organizaes cooperativas: um estudo de caso na Cooperativa de Laticnios Vale do Mucuri Ltda. em Carlos Chagas -MG. Orientador: Prof. Jos Ambrosio Ferreira Neto. Co-Orientadores: Nora Beatriz Presno Amodeo e Marcelo Min Dias.

    Esta dissertao apresenta uma anlise sobre o processo de participao de

    produtores rurais em cooperativas agropecurias, tomando como referncia a

    heterogeneidade existente no quadro social dessas organizaes, que

    supostamente levam ao surgimento de problemas de ao coletiva, como sugerido

    pela Teoria da Escolha Racional. Portanto buscou-se identificar e compreender

    estratgias de ao coletiva em cooperativas e analisar o comportamento de

    diferentes grupos existentes nessas organizaes e como lidar com a complexa

    forma de gesto e controle, dadas as dificuldades impostas pelo mercado cada vez

    mais exigente e competitivo. Por meio de uma discusso fundamentada na literatura

    sobre participao e cooperativismo, pode-se associ-la s discusses

    concernentes ao coletiva e instituies bem como aos estudos sobre confiana,

    cooperao e valorizao de capital social, mostradas como instrumentos potenciais

    para soluo dos dilemas de ao coletiva.

  • xi

    ABSTRACT

    PIMENTEL, Patrcia Ferreira Coimbra, M. Sc., Federal University of Viosa, July of 2008. Class action in cooperative organizations: a study of case in the Cooperative of Laticnios Valley of the Mucuri Ltda. in Carlos Chagas - MG. Adviser: Prof. Jos Ambrosio Ferreira Neto. Co-advisers: Nora Beatriz Presno Amodeo and Marcelo Min Dias.

    This dissertation presents an analysis on the process of participation of rural

    producers in agricultural cooperatives, taking as reference the existent heterogeneity

    in the social picture of those organizations that supposedly take to the appearance of

    problems of collective action, as suggested by the Theory of the Rational Choice.

    Therefore it was looked for to identify and to understand strategies of collective

    action in cooperatives and to analyze the behavior of different existent groups in

    those organizations and how to work with the complex administration form and

    control, given the difficulties imposed more and more by the market demanding and

    competitive. Through a discussion based in the literature on participation and

    cooperativism, it can associate it to the concerning discussions to the collective

    action and institutions as well as to the studies about trust, cooperation and

    valorization of social capital, shown as potential instruments for solution of the

    dilemmas of collective action.

  • 1

    1. INTRODUO

    Nas ltimas dcadas a abertura econmica proporcionou novas

    oportunidades e restries de mltiplas naturezas para grande parte da populao.

    A sociedade civil tem assumido responsabilidades que antes eram obrigaes

    majoritariamente do Estado. Em vrios setores tem havido diferentes manifestaes

    de pessoas, oriundas de motivaes variadas, seja na conquista pela terra, pelo

    teto, por menos impostos, por melhores estradas, alimentos saudveis, enfim, as

    pessoas tm buscado defender de vrias formas melhores condies em seus

    meios de vida. As organizaes se viram em ambientes mais competitivos com

    clientes e consumidores mais exigentes por qualidade. nesse cenrio que pessoas

    encontram no cooperativismo uma forma para defender seus interesses, coletivo e

    solidariamente. Deste modo, no meio rural, muitos produtores se fortalecem nas

    cooperativas para comercializar sua produo e melhorar tambm suas condies

    de vida. Neste panorama, o presente trabalho apresenta uma anlise sobre o

    processo de participao em cooperativas rurais, tomando como referncia a

    heterogeneidade existente no quadro social dessas organizaes, o que leva ao

    surgimento de problemas de ao coletiva.

    Para fundamentao conceitual dessa pesquisa, optou-se pela Teoria da

    Escolha Racional, enfatizada por Mancur Olson (1999), em sua obra A lgica da

    ao coletiva que, dentre outros argumentos, analisa os custos e benefcios

    provenientes da participao individual em atividades coletivas, que motivam a

    participao, bem como problematiza as possveis relaes entre o tamanho, a

    coerncia, a eficcia e a atratividade dos grupos nesse processo. Dada a

    importncia da participao, Amman (1980) a apontada como uma estratgia para a

    superao do subdesenvolvimento. Neste contexto, sugere que para atingir o

    desenvolvimento as pessoas do meio rural devem se unir em grupos de forma a

    juntar foras para busca de solues de seus problemas. Assim como argumenta

    Bordenave (1983), a participao indicada como caminho natural para o homem

    exprimir sua tendncia inata de realizar, fazer coisas e afirmar-se a si mesmo,

    tratando-se de uma necessidade humana e, por conseguinte, um direito das

    pessoas. uma prtica transformadora e libertadora, que leva o indivduo a discutir,

  • 2

    analisar e assumir atitudes, conforme corrobora Freire (1982). O processo

    participativo se materializa em vrias reas, portanto, para entender como se d a

    participao de associados em cooperativas, face ao complexo funcionamento

    dessas organizaes, optou-se por estudar o cooperativismo de produtores rurais, a

    fim de identificar e compreender como se constroem as estratgias de ao coletiva

    nessas cooperativas.

    De forma geral, a necessidade de ser economicamente eficiente sem perder a

    finalidade social pe o cooperativismo num dilema, onde os desafios esto divididos

    entre, de um lado, sustentar a originalidade proposta por essa forma de organizao

    social, cujos princpios se reforam ao resistir a vrias transformaes econmicas e

    sociais ocorridas desde a sua fundao, em meados do sculo XIX, e por outro lado,

    competir no mercado, cumprindo as exigncias impostas pelo capitalismo no que se

    refere eficincia da organizao e gesto de seus processos.

    As questes sociais esto entre os desafios competitivos de qualquer

    empreendimento, independente do ramo de atividade ou pblico alvo, por isso

    crescente o nmero de projetos sociais patrocinados por empresas de diversos

    segmentos, assim como aes voltadas para o bem estar da equipe de trabalho. As

    cooperativas esto inseridas nesse contexto, porm, sua funo social no deve se

    realizar como diferencial competitivo, mas como compromisso estatutrio com seus

    scios que a razo de ser do cooperativismo. Deste modo, uma cooperativa ,

    simultaneamente, uma associao de pessoas e uma organizao econmica.

    Para tanto, com o objetivo de atingir sua finalidade social, o cooperativismo

    tem como base os Princpios Cooperativos (Anexo 1), que so as regras de conduta

    (CARNEIRO, 1981), linhas orientadoras da prtica cooperativista (OCB, 2007).

    Dentre outros, prope igualdade no Princpio da Adeso Voluntria para funcionar

    sem discriminao social e no Princpio da Gesto Democrtica, a participao ativa

    na formulao de polticas internas e tomada de decises. No entanto, no h uma

    efetividade desses princpios se no houver participao dos associados em suas

    respectivas cooperativas.

    Conforme Braga e Reis (2002), o cooperativismo est presente em quase

    todos os pases do mundo e cerca de 40% da populao mundial est, de alguma

    forma, ligada a esse movimento. Embora no Brasil esse nmero no passe de 10%,

    grande parte dos resultados apresentados pela produo agropecuria mrito das

  • 3

    cooperativas. Este setor o terceiro em nmero de cooperados, Braga e Reis (2002)

    estimam um pblico aproximado de seis milhes de pessoas envolvidas nesse

    segmento, considerando cooperados, empregados, familiares e agregados.

    Este trabalho teve como objeto de anlise a Cooperativa de Laticnios Vale do

    Mucuri Ltda COOLVAM sediada em Carlos Chagas, cidade de 24.000 habitantes,

    localizada regio nordeste do estado de Minas Gerais, conhecida entre os

    municpios da regio como cidade do cooperativismo, assim tambm reconhecida

    por outras instituies do mesmo segmento.

    Atualmente o municpio de Carlos Chagas conta com outras trs

    cooperativas, sendo: a Cooperativa de Crdito Rural (CREDICAR); a Cooperativa

    Educacional (COOEDUCAR) e Cooperativa de Produtos Artesanais de Carlos

    Chagas (COOPAC). A Coolvam exerce importante atuao na organizao scio-

    econmica do municpio, pois a segunda maior empregadora de mo-de-obra, o

    que demonstra a sua forte participao na economia local. O setor produtivo no

    municpio focado essencialmente na agropecuria, principalmente na pecuria

    leiteira, que tem na cooperativa uma forma de organizar e comercializar a produo,

    principalmente no caso de pequenos produtores rurais. Essa conjuntura corrobora a

    afirmao de Graziano da Silva (2000) sobre o cooperativismo, como sendo a nica

    forma de organizar e comercializar a produo dos pequenos produtores rurais em

    certos municpios.

    Como forma de organizao do quadro social, funciona h dezoito anos o

    comit educativo, que atua como um rgo de assessoria da administrao e dos

    cooperados, constitudo por um grupo de lideranas que se renem para identificar e

    discutir problemas, analis-los e sugerir propostas que atendam aos interesses da

    comunidade cooperativista. H uma diviso do quadro social em seis comunidades

    distribudas geograficamente na rea de ao da COOLVAM, onde acontecem

    reunies bimestrais com os associados e uma reunio mensal com as lideranas

    das comunidades na sede da Cooperativa. Outras formas de contato entre a

    administrao e os associados so: torneio leiteiro de comunidades realizados

    anualmente, os dias-de-campo geralmente duas vezes ao ano, a veiculao mensal

    do jornal Informativo COOLVAM, campanhas de vacinao e nas assemblias

    gerais realizadas nos fins de cada exerccio.

  • 4

    Considerando a forma estrutural, como a COOLVAM lida com os associados,

    essa cooperativa se qualificaria como exemplo de organizao cooperativa,

    conforme aspectos referentes prioridade e importncia dadas aos associados e

    suas diferenas em relao a uma sociedade comercial tpica, sugerido em

    literaturas sobre o relacionamento cooperativa e cooperados. Por isso o interesse

    desse trabalho se configura em pesquisar como se d a participao em

    cooperativas rurais, com base na proposta da Teoria da Escolha Racional sobre os

    dilemas da ao coletiva.

    A composio desta dissertao est estruturada em quatro captulos, a partir

    desta introduo que faz a apresentao geral da finalidade da pesquisa, os

    objetivos, o problema levantado e a metodologia utilizada para realizao do

    trabalho. O primeiro captulo faz uma apresentao histrica e do contexto

    econmico-social que perpassam a construo do cooperativismo e o enfrentamento

    de seus dilemas. O segundo captulo composto pelo referencial conceitual e

    argumentativo que orienta o trabalho e tem o propsito de dar sustentao s idias

    e argumentos. Inicia-se com uma discusso sobre ao coletiva e como se

    fundamenta a Teoria da Escolha Racional, conforme proposta de Mancur Olson

    (1999), que direciona as outras discusses do trabalho. Na seo seguinte, h uma

    abordagem conceitual e prtica sobre participao. Em seguida, uma discusso

    sobre cooperao e capital social, apresentados como correes para os dilemas

    de ao coletiva.

    No terceiro captulo, apresenta-se o estudo de caso da COOVAM e a anlise

    dos resultados dos questionrios e entrevistas realizadas durante a pesquisa. No

    quarto e ltimo captulo desta dissertao apresentam-se as consideraes finais.

    1.1 Definio do Problema

    Dados da OCB (2001) citados em Braga e Reis (2002) mostram que cerca de

    83% dos associados s cooperativas agropecurias possuem propriedades com

    dimenso de at 50 hectares ao passo que pouco mais de 5% so grandes

    produtores, cujas propriedades so superiores a 500 hectares1. Apesar da

    1 Para fins desta pesquisa, a referncia de grande e pequeno produtor rural ter como parmetro o volume de produo.

  • 5

    significativa diferena em nmero de pequenos produtores, a dinmica das relaes

    sociais no interior das cooperativas marcada por acentuada diferenciao social,

    que beneficia, sobretudo, grandes produtores em detrimento dos pequenos, pois os

    grandes produtores conseguem ter uma atuao mais efetiva nas decises dessas

    organizaes (PEREIRA, 2002). Isso retratado em estudos sobre o quadro social

    das cooperativas agropecurias brasileiras onde se verifica grande diferenciao

    scio-econmica entre os associados, j que as cooperativas abrigam grandes e

    pequenos produtores rurais. Este fato causa o que Pereira (2002) classifica dilemas

    do cooperativismo, que geram implicaes de diversas naturezas tais como:

    Grupos ou indivduos que possuem maior informao, maior disponibilidade de tempo e que esto articulados com o poder local, geralmente conduzem as cooperativas; os associados esperam que as lideranas exeram o papel de tutor ou de bom patro, resolvendo seus problemas e trazendo benefcios (PEREIRA, 2002 P.136);

    De acordo com Campanhola e Graziano da Silva (2000), as associaes e

    cooperativas so formas tradicionais de organizao dos produtores rurais que

    facilitam o seu acesso ao mercado, aos programas de fomento oficiais, assistncia

    tcnica, s informaes, entre outros. Teoricamente constituem uma forma

    participativa de tomada de deciso, partindo-se do princpio de que a unio dos

    produtores nessas organizaes os fortalece tanto quanto a sua representatividade

    para a participao em conselhos, comits, comisses, bem como no seu poder de

    barganha com os setores pblico e privado. Do mesmo modo, h uma importncia

    social atribuda a essas organizaes, que so em certos municpios e regies, a

    nica forma de organizar e comercializar a produo obtida por produtores rurais.

    No entanto, essa proposta de ao participativa restrita a uma minoria, que

    geralmente, exerce diferentes papis na comunidade, e deste modo consegue ter

    maior acesso a diversos benefcios. Instala-se tambm uma condio hierrquica

    verificada na sociedade, que causa distanciamento entre as organizaes

    cooperativas e os associados, prejudicial ao desenvolvimento econmico e social

    dos produtores rurais. Isto sucinta questionamentos sobre a universalidade dos

    princpios do cooperativismo que enfatizam somente os fatores benficos dessas

    organizaes sem levar em conta contradies internas das diferenas scio-

    econmicas.

    Tomando como referncia as argumentaes de Olson (1999) para a anlise

    de cooperativas, v-se que uma minoria se organiza e conquista posies nas quais

  • 6

    conseguem defender interesses prprios. Por outro lado, grande parte dos

    associados, principalmente pequenos produtores, em maior nmero, tm dificuldade

    em se mobilizar para defesa de seus interesses. Baseado nos princpios do

    cooperativismo, seria de se esperar que as decises tomadas em cooperativas

    fossem no sentido de atender aos interesses da maioria dos associados, o que nem

    sempre ocorre devido concentrao do poder de deciso nas mos do pequeno

    grupo dominante.

    A esse respeito Duarte, citado em Pereira (2002), destaca que a prtica do

    cooperativismo tem conferido aos pequenos produtores associados somente a

    condio de usurios, eliminando o seu papel de dono, o que enfraquece tanto o

    propsito de seus princpios quanto a funo de organizao para a ao coletiva.

    Dessa maneira, conforme sugerido por Ramirez e Berdegu (2003), a

    compreenso das causas dos xitos e fracassos de estratgias de ao coletiva

    deve ser uma fonte de aprendizagem para melhorar as intervenes orientadas a

    modificar os sistemas de excluso e promover o desenvolvimento rural sustentvel.

    Nessa perspectiva, a participao apontada por Amman (1980) como uma

    estratgia para a superao do subdesenvolvimento. Dentro do cooperativismo,

    conforme Pereira (2000), no so oferecidos mecanismos para diminuir ou amenizar

    as diferenas entre os grupos e a heterogeneidade dos associados, o que impede

    uma efetiva participao.

    Portanto, conforme mostram os dados oficiais e a literatura, h falhas das

    associaes e cooperativas em atender aos interesses da maioria de seus membros

    j que muitas dessas passaram a atuar sem a participao dos seus associados nas

    tomadas de decises, as quais se apiam apenas nas opinies de sua

    administrao superior (CAMPANHOLA E GRAZIANO DA SILVA, 2000).

    A partir deste panorama, que mostra a dificuldade de participao de

    pequenos produtores nas cooperativas, torna-se oportuno questionar sobre a

    controvrsia do cooperativismo ser instrumento criado para esse fim e ao mesmo

    tempo permitir um distanciamento entre estes e os que o gerenciam. Assim sendo,

    indaga-se: como se constri a participao no ambiente de cooperativas rurais,

    tendo em vista a heterogeneidade do quadro social dessas organizaes?

    Deste modo, se na proposta do cooperativismo h um diferencial que a

    nfase dada igualdade de participao dos associados, cabe questionar sobre as

  • 7

    dificuldades das pessoas que no participam assim como os motivos que levam

    outros a participar.

    1.2. Objetivos

    1.2.1. Objetivo Geral

    Verificar as dificuldades de participao em cooperativas e a heterogeneidade

    relacionada s diferenas sociais existentes no quadro social que levam a

    problemas de ao coletiva, como sugerido pela Teoria da Escolha Racional,

    utilizando o estudo de caso da Cooperativa de Laticnios Vale do Mucuri -

    COOLVAM no municpio de Carlos Chagas MG.

    1.2.2. Objetivos Especficos

    a. Identificar e compreender estratgias de ao coletiva em cooperativas;

    b. Identificar mecanismos que dificultam a participao de pequenos produtores rurais associados a cooperativas rurais para o desenvolvimento local;

    c. Analisar o processo de participao dos diferentes grupos existentes em cooperativas.

    1.3. Metodologia

    Para conduo desta pesquisa, utilizou-se o mtodo qualitativo por meio de

    estudo de caso. Neste mtodo, segundo Tivins, citado em Alencar (2000), as

    posies qualitativas baseiam-se especialmente em dois enfoques especficos, o de

    compreender e analisar a realidade:

    Um enfoque o compreensivista, o outro o critico participativo com viso histrico-estrurtural e se fundamenta na dialtica da realidade social que parte da necessidade de conhecer a realidade, atravs de percepo, reflexo e intuio para transform-la em processos contextuais e dinmicos (ALENCAR, 2000, p.69).

    J o estudo de caso em particular:

  • 8

    Prope-se a investigar um fenmeno contemporneo em seu contexto real, onde os limites entre o fenmeno e o contexto no so claramente percebidos por meio do uso de mltiplas fontes de evidncias, como entrevistas, arquivos, documentos, observao, etc (Yin, 1989 citado em Lazzarini, 1999 P.6).

    Portanto, a realizao deste estudo teve como referncia emprica produtores

    rurais associados Cooperativa de Laticnios Vale do Mucuri Ltda Coolvam, no

    municpio de Carlos Chagas MG, onde se buscou coleta de dados e informaes

    realizadas por meio de aplicao de questionrios e entrevistas semi-estruturadas.

    Os questionrios foram elaborados com questes estruturadas, de perguntas

    e respostas padronizadas e questes semi-estruturadas, exatamente como sugere

    Alencar (2000): nas questes semi-estruturadas as perguntas so padronizadas,

    mas as respostas ficam a critrio do entrevistado, ou seja, o seu discurso.

    A populao para aplicao dos questionrios foi escolhida por amostragem

    probabilstica estratificada, neste caso:

    O universo subdividido (estratificado) em grupos mutuamente exclusivos, escolhendo-se uma amostra probabilstica simples de cada estrato. A amostragem estratificada conduz a estimativas mais verdadeiras do que as obtidas por outros mtodos, j que interessante conhecer caractersticas do universo, o que ela revela mais claramente (ALENCAR, 2000, p.64).

    A pesquisa foi desenvolvida no perodo entre os anos de 2006 e 2008, sendo

    que o trabalho de campo foi realizado durante o ms de Janeiro de 2008. Foram

    aplicados 62 questionrios. Foi possvel, conforme planejado, envolver a populao

    de 20% dos produtores associados Cooperativa estudada. Dos diferentes estratos

    de associados, ou seja, do total de 176 pequenos produtores foram entrevistados

    35; do total de 58 mdios produtores foram aplicados 17 e aos 35 grandes

    produtores foram aplicados sete questionrios.

  • 173

    35

    58

    12

    35

    7

    0

    20

    40

    60

    80

    100

    120

    140

    160

    180

    Pequenos (0 a 200 lts) Mdios (201 a 499 lts) Grandes (Mais de 500 lts)

    Associados Entrevistados

    Figura 01 Composio da amostra da pesquisada, Coolvam, 2008.

    A aplicao de questionrios foi feita durante o perodo da pesquisa em dois

    pontos escolhidos pelo pesquisador: na Farmcia Veterinria da Coolvam e na

    Cooperativa de Crdito Rural. O primeiro foi considerado um local apropriado, pois

    diariamente, s sete horas da manh, os produtores passam para comprar insumos

    para levar s fazendas. Aproveitou-se da constante presena de associados para

    serem abordados e aplicar os questionrios. Neste local foi solicitado autorizao

    da gerente da loja para permanncia da pesquisadora.

    O outro local, a Credicar, considerado ponto de encontro dos produtores.

    Neste lugar foi solicitado ao gerente da agncia um espao para aplicao dos

    questionrios. Este autorizou utilizao de uma mesa com cadeiras, ficando um

    lugar restrito e apropriado para aplicao dos questionrios. Desta forma, medida

    que chegavam, os produtores eram abordados. O maior nmero de questionrios foi

    aplicado no dia do pagamento do leite, 20 de janeiro de 2008, pois esta foi a data de

    maior concentrao de produtores na cidade.

    Em nmero menor, alguns questionrios foram aplicados nas propriedades

    rurais, nestes casos, o pesquisador foi at as propriedades de produtores indicados

    durante a aplicao de questionrios com os demais na cidade. Foi possvel visitar

    propriedades de estratos diferentes (pequenos, mdios e grandes), o que permitiu

    ao pesquisador vivenciar estilos de vida prprios de cada um.

    9

  • 10

    A maioria dos questionrios foi aplicada pessoalmente pela pesquisadora aos

    produtores, possibilitando observar e registrar comentrios adicionais. Alguns foram

    preenchidos pelos prprios produtores. Nestes casos eles eram orientados a fazer

    os comentrios nas questes.

    Para obter informaes e percepes de associados participantes da gesto

    da cooperativa, foram feitas sete entrevistas semi-estruturadas: com o presidente,

    trs conselheiros administrativos, dois conselheiros fiscais e dois membros do

    comit educativo.

    As entrevistas semi-estruturadas foram adotadas por serem consideradas

    mais apropriadas nas pesquisas em que a compreenso de atitudes, idias e aes

    so relevantes, conforme as vantagens classificadas por Alencar (2000):

    Est centrada em torno de tpicos a serem cobertos durante a entrevista, os quais no chegam a assumir a forma de questes estruturadas; no h nenhuma restrio ao aprofundamento dos tpicos por meio de questes que emergem durante a realizao da entrevista (ALENCAR, 2000 P.63).

    Algumas entrevistas foram gravadas, quando autorizadas pelos entrevistados

    e outras foram apenas registradas no caderno de campo, respeitando a vontade do

    respondente. Percebeu-se que o gravador um aparelho que intimidou o falar,

    portanto, por sugesto de entrevistados, eram feitas anotaes das respostas, e em

    seguida fazia-se a leitura para confirmao das falas do entrevistado. Aproveitou-se

    desse recurso tambm para anotaes durante a aplicao do questionrio para

    registrar as percepes a partir das observaes da pesquisadora.

    Durante a sistematizao dos dados das entrevistas, optou-se por no

    identificar o entrevistado, por isso todas as falas sero identificadas pela funo do

    entrevistado. Nos questionrios aplicados para resguardar individualidade e obter

    informaes com maior nvel de veracidade no foi identificado o respondente. Mas

    para identificar as respostas dos diferentes estratos, todos os questionrios foram

    codificados com nmero e a letra que indica o grupo do associado. No entanto, na

    apresentao dos resultados, utiliza-se como identificao do respondente, o seu

    estrato social, idade e o ano da pesquisa.

    Utilizou-se tambm a pesquisa bibliogrfica e documental. No primeiro caso,

    recorreu-se a trabalhos tericos sobre o assunto em questo e levantamento de

    dados secundrios. Quanto pesquisa documental, foram analisadas atas de

    assemblias dos ltimos 5 anos, sendo que as atas das Assemblias Gerais

    Ordinrias, compreendeu o perodo de 2002 a 2007 e as atas de Assemblias

  • 11

    Gerais Extraordinrias, no perodo de 1996 a 2007, j que estas acontecem em

    menos freqncia. Outras atas analisadas foram de reunies das comunidades

    rurais, no mesmo perodo. Seguiu-se leitura de Informativos e outros jornais da

    cidade, com o objetivo de verificar informaes sobre a cooperativa e participao

    de associados em suas atividades, assim como a participao da cooperativa em

    aes na comunidade.

    Portanto, a busca do entendimento sobre como ocorre a participao do

    quadro social nas atividades desenvolvidas por essas organizaes, fundamentou-

    se na literatura sobre participao e cooperativismo, para associ-las a discusses

    concernentes ao coletiva e instituies bem como estudos sobre a construo e

    valorizao de capital social, interesse e individualismo, cooperao e confiana.

    Todos esses conceitos foram, portanto, utilizados na compreenso sobre as

    relaes sociais e interesses individuais que influenciam a deciso de participar ou

    no de aes coletivas.

  • 12

    2. O MOVIMENTO COOPERATIVISTA 2.1. O cooperativismo Este captulo retrata a origem do cooperativismo, o desenvolvimento e

    classificao dos ramos de atividade, enfatizando o cooperativismo agropecurio de

    leite, com apresentao da conjuntura e evoluo das organizaes cooperativas

    desse segmento, seu posicionamento mediante o esforo de sobrevivncia e

    atuao no mercado cada vez mais competitivo, alm dos desafios pertinentes sua

    firmeza no compromisso com a funo social.

    As cooperativas so formas de aes coletivas organizadas por pessoas que

    reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou servios para o exerccio de

    uma atividade econmica, de proveito comum, sem objetivo de lucro (MONEZI 2004

    e SEBRAE, 2003). So caracterizadas por Pinho (1977) como empresas de

    autogesto cujo nmero est diretamente relacionado com a satisfao das

    ilimitadas necessidades dos homens e consequentemente, com a complexidade do

    meio econmico, no conceito de Bialoskorski Neto (2007), cooperativas so

    estruturas intermedirias, formadas a partir da ao coletiva situadas entre as

    economias particulares dos cooperados, por um lado, e o mercado, por outro,

    O Cooperativismo portanto, um movimento, filosofia de vida e modelo

    socioeconmico capaz de unir desenvolvimento econmico e bem-estar social

    (OCB, 2007). A origem do cooperativismo est na cooperao, presente nas

    relaes humanas e reconhecida como uma prtica milenar. Mas o corolrio do

    princpio cooperativo (Co-operation) como doutrina, nasceu de Robert Owen, um

    visionrio social, que criou a concepo de uma nova forma de vida social, assim

    como descreve Carneiro (1981):

    Owen postulava que a co-operation deveria ser formada por um comportamento social no importa muito qual fosse a forma, porque somente os prprios condicionamentos, como ele adiantou, de sentimentos e sensaes, poderiam determin-la (CARNEIRO, 1981, p.72).

    Contudo, a concretizao do cooperativismo emergiu de uma reao popular

    s condies degradantes de produo e vida em meados do sculo XIX, em meio

    Revoluo Industrial. Tem seu marco em 21 de dezembro de 1844 no bairro de

    Rochdale, em Manchester, Inglaterra, como resultado da unio de 27 teceles e

    uma tecel que se reuniram e fundaram a "Sociedade dos Probos Pioneiros de

  • 13

    Rochdale", depois de uma economia mensal de uma libra de cada participante

    durante um ano. Naquele momento a constituio de uma pequena cooperativa de

    consumo no ento chamado "Beco do Sapo" (Toad Lane) estaria mudando os

    padres econmicos da poca e dando origem ao movimento cooperativista (OCB,

    2007).

    Tendo o homem como principal finalidade - e no o lucro, os teceles de

    Rochdale buscavam naquele momento uma alternativa econmica para atuarem no

    mercado, frente ao modelo capitalista que os submetiam a preos abusivos,

    explorao da jornada de trabalho de mulheres e crianas (que trabalhavam at

    dezesseis horas por dia) e do desemprego crescente advindo da Revoluo

    Industrial (SESCOOP, 2007).

    Da em diante, vrios movimentos surgiram em todos os pontos do mundo. As

    cooperativas como organizaes similares s que conhecemos, rapidamente,

    comearam a se multiplicar, no s em extenso geogrfica, mas tambm

    setorialmente (Amodeo, 2001). No Brasil, conforme Schneider (1999), h

    constatao de que antes e durante o perodo colonial e especialmente durante o

    perodo do Imprio houveram vrias experincias associativas entre africanos

    foragidos e nas confrarias de negros. A primeira cooperativa de produo

    agropecuria foi criada em 1847, numa colnia no Paran (COOPERFORTE, 2008).

    Em Minas Gerais, foi formalizada a Sociedade Cooperativa Econmica dos

    Funcionrios Pblicos de Ouro Preto no ano de 1889 (OCB, 2007). Entretanto, a

    experincia de cooperao econmica e social, no modelo rochdaleano, se originou

    com a implantao das primeiras cooperativas, de consumo em 1891 em Limeira,

    So Paulo.

    De modo geral, as cooperativas so orientadas pelos Princpios do

    Cooperativismo (Anexo I), que so as normas regulamentadoras e tm implcito os

    valores que regem todas as organizaes cooperativistas. Esses valores que

    norteiam as cooperativas so: a ajuda e responsabilidade prprias, democracia,

    igualdade, equidade e solidariedade. Pela tradio dos seus fundadores, os

    membros das cooperativas devem acreditar nos valores ticos da honestidade,

    transparncia, responsabilidade social e preocupao pelos outros (ACI, 2003).

  • 14

    Os princpios cooperativistas, vistos isoladamente pouco expressam, mas

    tomados em bloco, segundo Schneider (1999), apresentam uma grande lgica,

    coerncia interna e uma grande eficcia dessas organizaes.

    Neste trabalho, dois dentre os sete princpios, so o alvo das discusses, o

    princpio da adeso voluntria e livre e o princpio da gesto democrtica, a saber:

    1 - Adeso voluntria e livre - As cooperativas so organizaes voluntrias, abertas a todas as pessoas aptas a utilizar os seus servios e assumir as responsabilidades como membros, sem discriminaes de sexo, sociais, raciais, polticas e religiosas.

    2 - Gesto democrtica - As cooperativas so organizaes democrticas, controladas pelos seus membros, que participam ativamente na formulao das suas polticas e na tomada de decises. Os homens e as mulheres, eleitos como representantes dos demais membros, so responsveis perante estes. Nas cooperativas de primeiro grau os membros tm igual direito de voto (um membro, um voto); as cooperativas de grau superior so tambm organizadas de maneira democrtica (OCB, 2007:335).

    Essa escolha se justifica porque so estes os princpios que mais diretamente

    sustentam a forma de participao dos membros associados em organizaes

    cooperativas.

    O movimento cooperativista mundial coordenado pela Aliana Cooperativa

    Internacional (ACI), que segundo Schneider (1999), tem a responsabilidade de

    adequar os Princpios Cooperativistas a uma realidade econmica e social em

    evoluo, com o compromisso de fidelidade aos valores fundamentais da

    cooperao. Portanto, um rgo representativo dos diversos pases, que mantem e

    regulamenta esses princpios Contudo, as normas fundamentais baseadas no

    Estatuto de Rochdale so utilizadas at os dias de hoje no sistema cooperativista,

    buscando enfrentar a dinmica da desigualdade socioeconmica persistente em

    vrios setores da sociedade.

    O rgo mximo de representao das cooperativas no pas a Organizao

    das Cooperativas Brasileiras (OCB), responsvel pela promoo, fomento e defesa

    do sistema cooperativista, em todas as instncias polticas e institucionais (OCB,

    2007). de sua responsabilidade tambm a preservao e o aprimoramento desse

    sistema. J em mbito estadual, existem as OCEs, que so as Organizaes

    Cooperativas Estatuais, num total de 27 unidades, que passaram a ser os agentes

    polticos e representativos que zelam e divulgam a doutrina cooperativista em seus

    respectivos estados.

  • 15

    A legislao cooperativista regulamenta um nmero mnimo de vinte pessoas,

    para constituio de uma cooperativa. Embora os princpios primitivos de Rocdale,

    reafirmavam a livre adeso estes fixavam provisoriamente um limite de 250

    associados (Schneider, 1999). Nesse aspecto, houve evoluo para o carter

    indiscriminativo de participao, pois o princpio da livre adeso no impe nenhum

    limite em nmero de associados. No entanto, analogamente, conforme exposto na

    teoria dos grupos, medida que organizaes cooperativas crescem em nmero de

    associados, aumentar tambm as dificuldades de se organizar e defender os

    interesses individuais dos seus membros.

    Em face dessa evoluo, conforme Tauk Santos e Lima (2004), na dinmica

    da cooperativa em relao ao ambiente externo h desafios tanto para a

    participao do indivduo quanto a sua capacidade de delegar poder ao coletivo.

    Estes desafios so assim classificados por esses autores:

    a)o desafio dos valores cooperativos: que reagrupar pessoas que tenham uma necessidade comum em um projeto segundo os valores do cooperativismo; b) o desafio da relao de uso: refere-se s vantagens cooperativas de seus membros; c) o desafio do desenvolvimento da coletividade: oferecer melhores produtos e servios aos membros, promovendo o desenvolvimento harmonioso da comunidade; d) o desafio daeducao cooperativa: que d nfase s diferenas cooperativas, seus papis e suas responsabilidades, no sentido de manter uma coeso no seu desenvolvimento; e) e finalmente, o desafio do servio/produto materializado no esforo de ofertar um produto ou servio no quadro de desenvolvimento cooperativo ressaltando as vantagens em relao ao desenvolvimento tradicional (TAUK SANTOS E LIMA, 2004, p.3).

    Mas o desafio ainda maior assegurar a identidade cooperativa com a

    vitalidade dos princpios colocados como condicionantes s organizaes

    cooperativas. Dessa forma, as cooperativas seguem superando as modificaes e

    constante evoluo nos diversos segmentos da sociedade, com vistas ao

    crescimento em seu ramo de atividade.

    2.1.1. Caracterizao das cooperativas

    Uma caracterizao para identificao das cooperativas, a classificao por

    ramos de atividades conforme os segmentos de atuao. No Brasil, a OCB os dividiu

    em treze, onde esto agrupados um nmero de 7518 cooperativas com 6.791.054

    associados e a respectiva gerao de aproximadamente 200.000 empregos. Em

    todos os ramos no difcil encontrar modelos e exemplos de sucesso de

  • 16

    empreendimentos cooperativos que se tornaram gigantes na economia nacional e

    mundial, a exemplo, o reconhecimento da Mondragn Corporacin Cooperativa

    MCC, frequentemente citada como modelo de sucesso de cooperativismo:

    a MCC rene 104 cooperativas e est estruturada em trs grandes grupos: financeiro,industrial e distribuio, alm de contar com onze centros de pesquisa e desenvolvimento, uma universidade e um centro de formao cooperativa e empresarial Otalora. O grupo industrial sub dividido em (automotivo, componentes, construo, equipamentos industriais, eletrodomsticos, mveis e bens de capital).Com sede no pas Basco, Espanha, a MCC 7 maior grupo econmico espanhol. (AZEVEDO, 2007 p.2).

    Essa conjuntura ilustra o que faz cada vez mais cooperativas planejarem

    crescimento para atender competitivamente os desafios e demandas de mercado.

    Nesse sentido, mesmo quando globalizadas, devem, teoricamente ser fiis misso

    do cooperativismo com seus scios, ainda que atuem de forma corporativa como as

    empresas tradicionais, em locais distantes de seus cooperados. Contudo, da certeza

    da importncia e resultados do cooperativismo, visto a dimenso que essas

    organizaes tm tomado, no h duvida de que seja difcil manter racionalmente a

    fidelidade aos princpios e atuar com a participao ativa dos cooperados diante da

    complexidade de aes exigida por esse direcionamento.

    Tomadas essas propores, crescente tambm a necessidade de

    profissionais competentes em diferentes reas para participarem da elaborao de

    metas e defesa dos interesses da organizao cooperativa, conforme descreve

    Amodeo (2001):

    Os apelos para profissionalizar a gesto e buscar melhorar a competitividade podem ser considerados o eixo que orienta as transformaes recentes das cooperativas (AMODEO, 2001 p.11).

    Surge em resposta ao atendimento dessa necessidade uma complexa

    estrutura de gesto, se visualizar que dentre as diferentes reas em que o

    movimento cooperativista atua, elas cumprem papis distintos em todas as fases de

    um processo de produo, quais sejam, nas funes de fornecedoras ou

    consumidoras e transformadoras de bens ou servios. Nesse aspecto, o ramo

    agropecurio um dos mais complexos do segmento cooperaivista.

    2.1.2 O cooperativismo agropecurio

    Os trabalhadores pioneiros de Rochdale visualizaram nas cooperativas uma

    forma de propiciar ajuda mtua entre eles. Do mesmo modo, os produtores rurais

  • 17

    esperam no cooperativismo agropecurio um meio de apia-los no enfrentamento

    dos inmeros desafios desse segmento.

    No Brasil o Ramo Agropecurio tem o maior nmero de cooperativas, em

    torno de 1514, com 879.918 associados e maior gerador de emprego, com

    aproximadamente 124.000 empregados, o que define sua importncia em

    participao no desenvolvimento econmico do pas. Este ramo caracterizado pela

    OCB da seguinte forma:

    O Ramo Agropecurio definido por cooperativas formadas por produtores rurais e tm como finalidade organizar a produo dos seus associados em maior escala, garantindo um melhor preo na comercializao de seus produtos. Visa tambm integrar e orientar suas atividades, bem como facilitar a utilizao recproca dos servios, como: adquirir insumos, dividir custos de assistncia tcnica, difundir o uso de novas tecnologias produtivas, comercializar a produo e, em muitos casos, beneficiar e industrializar as matrias-primas, eliminando o atravessador e vendendo a produo dos cooperados diretamente ao consumidor (OCB, 2007 p.334)

    Das aes desenvolvidas pelas cooperativas, no segmento agropecurio, as

    mais comuns conforme Amodeo (2001), so venda de insumos (fertilizantes,

    sementes, agrotxicos etc.), ferramentas e maquinaria agrcola; pesquisa e

    assistncia tcnica aos produtores; processamento, industrializao e distribuio da

    produo; exportao; classificao, padronizao e embalagem de produtos in

    natura; servios de crditos, seguros e administrao.

    Segundo Amodeo (2001), na interface entre a agricultura e a indstria que

    as cooperativas agropecurias crescem, a montante e a jusante, a fim de obter

    melhores resultados para os seus cooperados, na medida em que, paralelamente,

    so intensificados os processos de modernizao da agricultura, tanto na indstria

    de insumos ou bens para a agricultura quanto na indstria que compra a oferta

    agrcola para o seu processamento e distribuio.

    Os produtores rurais tambm so pressionados nessa mesma direo e por

    meio da mediao dessas cooperativas que as demandas por especializao de

    produtores vm sendo atendidas, principalmente no grupo dos pequenos. Os

    processos produtivos no campo esto cada vez mais pautados nas particularidades

    dos processos industriais. Da a amplitude do cooperativismo agropecurio, pois

    participa do desenvolvimento e especializao da produo de seus associados,

    transferindo tecnologia, melhorando a renda e possibilitando o desenvolvimento

    rural.

  • 18

    Deste modo, grande o nmero de atividades econmicas abrangidas, pois

    conforme a OCB (2007), essas cooperativas geralmente cuidam de toda a cadeia

    produtiva, desde o preparo da terra at a industrializao e comercializao dos

    produtos. De modo geral, conforme Braga e Reis (2002) as cooperativas de

    produtores tem desempenhado importante papel na fixao do homem no campo e

    na distribuio de renda. O resultado econmico, portanto, a significativa

    participao na economia. Conforme a OCB (2008), cooperativas agropecurias

    movimentam cerca de 6% do PIB nacional e tm uma participao entre 35% a 40%

    no PIB agrcola.

    Desde o incio dos anos 90, as cooperativas sofreram fortes impactos

    macroeconmicos, conforme registros de Lopes et alli (2002), estabilizao

    econmica com o Plano Real, abertura comercial acelerada, desregulamentao dos

    mercados agrcolas e imposies de maior disciplina fiscal. Nesse cenrio, a

    consolidao do cooperativismo agropecurio na economia brasileira, conforme

    OCB (2007), foi resultado do esforo de produtores pela modernizao do sistema,

    incorporao de tecnologia s suas atividades e profissionalizao da gesto. Essa

    postura vem permitindo que cooperativas permaneam atuando no mercado

    competitivamente.

    Deste modo, a dinmica de operacionalizao dessas organizaes vai alm

    das intenes que estavam implcitas no desejo de associao, que impulsionou o

    surgimento das cooperativas. nessa perspectiva que as cooperativas de laticnios

    atuam. Portanto, a seo seguinte tem a finalidade de demonstrar o que vem

    ocorrendo na evoluo do cooperativismo agropecurio de leite e a atuao dos

    produtores rurais no setor.

    2.1.3 O Cooperativismo agropecurio de leite e a participao de

    produtores rurais.

    Para se ter a dimenso e extenso do cooperativismo agropecurio de leite

    dentro da economia global, apresenta-se as perspectivas atuais e futuras dessas

    cooperativas no mercado face ao cenrio dos resultados desse segmento. Para isso,

    recorreu-se a estudos sobre o setor leiteiro, pois esta atividade a maior geradora de emprego no mercado nacional de trabalho e responsvel por grande parte da

    fixao e sobrevivncia de famlias no meio rural.

  • 19

    Em muitos pases, a participao das cooperativas na captao de leite

    relativamente alta, chegando a 80% na Austrlia, 83% na Holanda e EUA, mais de

    95% na Nova Zelndia (Chaddad, 2004), e na ndia, sede do maior movimento

    cooperativo do mundo, 94% dos laticnios provm de cooperativas (Amodeo, 2001).

    Nesse cenrio, o crescimento dessas organizaes no tem ficado restrito a

    uma atuao no mercado local, na funo de intermediar o produtor rural. As

    cooperativas tm apresentado um crescimento cada vez mais acelerado e

    conseguido atuar na economia mundial, haja vista alguns exemplos de grandes

    cooperativas de leite, reconhecidas neste setor:

    Fonterra: lder absoluta no mercado da Nova Zelndia, com mais de 95% do leite do pas (14 bilhes de litros/ano) a cooperativa mais globalizada do mundo(...) seu lema "nossa casa o mundo controla, hoje, cerca de 30% do mercado internacional de lcteos, possui alianas em diversos continentes, inclusive com potenciais concorrentes.

    Arla Foods: a maior cooperativa de laticnios da Europa, com cerca de 8,4 bilhes de litros anuais. Foi a primeira grande fuso entre cooperativas transnacionais: a sueca Arla e a dinamarquesa MD Foods. Apesar do porte gigantesco, sabe que precisa crescer mais, precisa olhar para alm de suas fronteiras europias (CARVALHO, 2008, P.1).

    A Cooperativa Daiy Farmers of Amrica (DFA) participa de treze joint-ventures com empresas americanas e multinacionais, visa ganhar competitividade num mercado global, por meio de rpido reposicionamento (MARTINS ET ALLI, 2004 P. 58).

    Nesse segmento, o Brasil o sexto maior produtor mundial de leite,

    entretanto, ainda h uma baixa participao de cooperativas na captao e

    comercializao deste produto. Conforme Chaddad (2004), no pas, essa

    participao est em torno de 22% da captao do volume total do leite produzido e

    40% do leite comercializado no mercado formal, ou seja, captado por laticnios

    legalmente inspecionados.

    Grandes mudanas tm ocorrido em torno das cooperativas de laticnios

    brasileiras. Recentemente, importantes decises foram registradas para assumir

    formatos que sejam competitivos entre cooperativas e entre outras empresas. A

    Itamb - Cooperativa Central de Produtores Rurais de Minas Gerais um exemplo

    da importncia crescente das cooperativas na economia nacional:

    A Itamb a maior cooperativa brasileira de laticnios, quer ampliar sua linha de produtos, expandir a atuao no mercado interno e, aos poucos, aumentar as exportaes. Com 58 anos de atividade, a cooperativa alcanou faturamento bruto de 1,3 bilhes de reais em 2005. So 8 000 produtores rurais cadastrados na cooperativa, responsveis pelo fornecimento dirio de 2,7 milhes de litros de leite (OCEMG. 2008, P.1).

  • 20

    Por outro lado, a Cooperativa do Vale do Rio Doce (Cooperriodoce), a maior

    cooperativa regional, no leste de Minas Gerais, recentemente teve seu parque

    industrial vendido para Parmalat, um grupo privado.

    Este cenrio ilustra o desafio das cooperativas em permanecer no mercado,

    frente misso que desempenham como promotoras de desenvolvimento social.

    Em artigo com o ttulo o capital encontrou o leite, Carvalho (2008) mostra como

    empresas de outros ramos tm investido no setor de laticnios, o que ameaa

    diretamente as cooperativas:

    A compra dos Laticnios Morrinhos, dona da marca LeitBom, pela GP investimentos, no deixa mais dvidas: o capital finalmente descobriu o leite. Em meio a uma onda de aquisies protagonizadas pela Laep (Parmalat), Perdigo, Bom Gosto e Lder, nada mais emblemtico para representar a "corrida ao leite" do que a investida de um grupo conhecido pela sua habilidade de multiplicar o capital dos negcios em que investe.

    O ponto que se trata de uma inovao considervel, feita por quem chega de fora, olha para o setor sem os vieses criados por quem j est nele h tempos e faz perguntas que os participantes tradicionais, com suas posies de liderana, no precisam fazer... essa descoberta traz ameaas ainda maiores para as cooperativas.(CARVALHO, 2008 p.1)

    O extrato da entrevista, transcrito a seguir, ilustra uma preocupao da

    liderana da cooperativa, objeto deste estudo, no que se refere a perspectivas de

    longo prazo quanto sua sobrevivncia:

    Temos a necessidade para os prximos 10 anos muito grande de crescer, de unir. Vem crescendo, mas ainda pequena, em relao ao mundo globalizado, precisa unir, j fez incorporao de So Domingos do Prata, precisa juntar mais cooperativas, ser forte para disputar mercado. Se no crescer com outras cooperativas, se no acontecer uma unio de cooperativas, vai sair de circulao (Diretor Presidente, COOLVAM, 2008)

    Desse mesmo modo, a preocupao quanto continuidade e sobrevivncia

    comum nas pequenas cooperativas devido, principalmente, presso que sofrem do

    mercado na comercializao de produtos, pois concorrem com cooperativas maiores

    e com grandes empresas privadas.

    Esse quadro vem progredindo desde a dcada de 90 com a abertura de

    mercado, onde a entrada de produtos, como o leite, tiveram condies de

    financiamento mais favorveis do que nas indstrias nacionais, que foram obrigadas

    a reduzir preos (FAVERET FILHO, 2002). Nesse perodo milhares de produtores

    abandonaram a atividade e empresas regionais e cooperativas fecharam ou foram

    vendidas.

  • 21

    Conforme Faveret Filho (2002 p.240), tais mudanas levaram empresas a

    buscar mecanismos de aumento da eficincia produtiva. Portanto, h grandes

    desafios para as cooperativas de laticnios brasileiras, principalmente as pequenas

    cooperativas, em atuar nesse mercado. por esse motivo que a forma de conduzi-

    las discutida em diferentes perspectivas. Sob o ponto de vista de Chaddad (2004),

    o desempenho dessas organizaes se d em funo de:

    poltica agrcola, regulamentao do setor leiteiro, barreiras importao de leite e derivados, estrutura do setor produtivo, polticas de apoio a organizaes cooperativas, nvel tecnolgico e educacional dos produtores e ambiente institucional, entre outros (CHADDAD, 2004 p.36),

    Outro trabalho realizado com cooperativas de leite de outros paises identificou

    pontos comuns indicados como responsveis pelo sucesso dessas organizaes:

    Consolidao por meio de fuses e incorporaes;

    Alianas estratgicas;

    Sistema profissional e representativo de governana corporativa;

    Estrutura centralizada;

    Esforos de fidelizao do cooperado;

    Novos mecanismos de capitalizao;

    Estratgia competitiva alinhada com estrutura corporativa;

    (CHADDAD, 2004 p.37), Esses pontos corroboram Faveret Filho (2002) ao mostrar que mudanas no

    ambiente competitivo, devido globalizao e avanos tecnolgicos, foram as

    cooperativas a buscar ganhos de eficincia a fim de no perder relevncia no

    mercado. Segundo Chaddad (2004), essa busca resultou em alianas estratgicas

    com outras cooperativas ou mesmo com empresas privadas. O termo aliana

    estratgica expressa a deciso de uma ou mais empresas cooperarem para atingir

    objetivos comuns. Para Lewis, citado em Rola e e Sobral (2002), numa aliana

    estratgica as empresas cooperam em nome de suas necessidades mtuas e

    compartilham os riscos para alcanar um objetivo comum.

    Todos os pontos indicados para o sucesso das cooperativas de lacticnios

    devem ser cuidadosamente discutidos e avaliados para adequada aplicao,

    conforme a realidade de cada cooperativa. Para isso, os gestores devem ter uma

    viso ampla da organizao e conhecer o ambiente onde a empresa est inserida

    (SANTOS, 2000). Deste modo o planejamento e execuo de diferentes formas de

  • 22

    atuao do cooperativismo frente conjuntura apresentada passam a ser a busca

    pelo aperfeioamento das ferramentas de gesto. Isso exige dos dirigentes, assim

    como dos scios, conhecimento e constante aperfeioamento.

    2.2. A tomada de deciso na gesto da organizao cooperativa

    Na operacionalizao das atividades gerenciais da cooperativa, assim como

    em outro tipo de empresa, o corpo diretivo deve estar atento aos objetivos

    especficos misso da organizao. Isso facilita a busca do consenso e

    potencializa os esforos das partes em benefcio do todo (Santos, 2000),

    Deste modo, para que as tomadas de decises sejam compartilhadas de

    forma oportuna e adequada na cooperativa, os dirigentes e associados devem ter

    claro seu papel no processo administrativo.

    A tabela 01 que segue, mostra as diferenas tpicas entre uma empresa

    mercantil e uma organizao cooperativa:

    Empreendimento cooperativo Empresa mercantil

    sociedade simples, regida por

    legislao especfica; nmero de associados limitado

    capacidade de prestao de servios; controle democrtico: cada pessoa

    corresponde a um voto; objetiva a prestao de servios; quorum de uma assemblia

    baseado no nmero de associados; no permitida a transferncia de

    quotas-parte a terceiros; retorno dos resultados proporcional

    ao valor das operaes.

    sociedade de capital - aes; nmero limitado de scios; cada ao um voto; objetiva o lucro; quorum de uma assemblia

    baseado no capital; permitida a transferncia e a venda

    de aes a terceiros; dividendo proporcional ao valor de

    total das aes.

    Tabela 1: Diferena entre organizao cooperativa e empresa mercantil. Fonte: OCB ( 2007)

    Portanto, os dirigentes devem dar maior ateno a pontos que merecem mais

    cuidado na gesto cooperativa. Conforme Chiavenato (1993), no funcionamento das

    organizaes, as vrias funes do administrador, consideradas como um todo

    formam o processo administrativo, composto pelo planejamento, organizao,

    direo e controle. Consideradas separadamente constituem as funes

    administrativas, mas quando visualizadas na sua abordagem total para o alcance de

    objetivos elas formam esse processo. De acordo com Chiavenato (1993), o processo

  • 23

    administrativo implica que os acontecimentos e as relaes sejam dinmicos com

    mudanas contnuas uma vez que este no algo parado, esttico: mvel, no

    tem um comeo, nem um fim, nem uma seqncia fixa de eventos.

    Neste caso, o papel da direo dinamizar a empresa com atuao sobre

    todos os recursos e orientao a ser dada s pessoas por meio de uma adequada

    comunicao, habilidade de liderana e motivao. Na gesto da organizao

    cooperativa, conforme Schneider (1999), cabe aos gestores encontrar mecanismos

    de deciso que sejam conformes ao mesmo tempo s exigncias essenciais da

    democracia cooperativa e aos da eficcia-eficincia da empresa orgnica.

    Deste modo, em nvel de coordenao da empresa, as decises se ordenam

    segundo uma hierarquia, em decises estratgicas, decises tticas e decises

    tcnicas ou operacionais. De acordo com Chiavenato (1993), o nvel estratgico

    corresponde ao nvel mais elevado da empresa, cuida das atividades da

    organizao e seu ambiente. Situam-se as decises fundamentais, de ordem geral

    ou econmica e que envolvem os objetivos de mdio e longo prazo. Conforme

    Schneider (1999) em cooperativas deve ser realizada de forma soberana pelos

    associados tendo em vista os seus interesses, seguindo determinados planos.

    As decises tticas so do nvel gerencial coordenam e unificam o

    desempenho das tarefas pelo sistema operacional. Cabem aos gestores ou tcnicos

    decidir pela melhor conduta ou tcnica de produo. Neste nvel, conforme

    Schneider (1999), em cooperativas cabe um papel maior aos membros do Conselho

    de Administrao, que concretizam as diretrizes gerais do nvel estratgico.

    O nvel tcnico operacional diz respeito ao desempenho das tarefas na

    organizao, relacionadas produo e distribuio de produtos. Conforme

    Chiavenato (1993) est relacionado execuo cotidiana e eficiente das tarefas e

    operaes da organizao. Segundo Schneider, em cooperativas essa fase est

    acessvel a um nmero limitado de scios, atribuio predominante do quadro

    executivo e tcnico da cooperativa.

    importante considerar tambm que um fator que influencia particularmente

    a forma de ao na tomada de decises o tamanho da empresa. Em cooperativas,

    Schneider (1999) faz a seguinte observao:

    Quando se trata de uma cooperativa pequena, geralmente os associados compreendem mais facilmente a natureza dos problemas e de suas solues. Por isso tm melhores condies de eles mesmos tomarem as decises em todos os nveis, at mesmo as de carter tcnico. Porm numa cooperativa maior

  • 24

    e mais complexa a estrutura de poder se apresenta com clara distino entre a estrutura de fins e a estrutura de meios: os fins se asseguram pela assemblia de scios, que expressa de forma soberana seus objetivos e interesses, pelos fiscais eleitos e pelo presidente. Os meios so realizados atravs da direo, os executivos contratados, os tcnicos e os funcionrios (SCHNEIDER, 1999, p.188)

    Na evoluo do processo administrativo em cooperativas, portanto, as

    tomadas de decises tm a participao dos scios efetivadas nas instncias de

    poder conforme descrito por Schneider (1999):

    a) Assemblia Geral ordinria ou extraordinria o rgo soberano, que expressa a vontade soberana dos scios sobre todos os assuntos essenciais da organizao. Tem analogia com a assemblia de acionistas de uma sociedade annima;

    b) O Conselho de Administrao: a democracia no significa o governo de todos de forma direta e imediata em todos os nveis de atividade da organizao. Reivindicar a democracia direta, onde os scios participariam de todos os nveis de decises, levaria perda da agilidade e eficincia, imprescindveis em cada empresa. Ela s possvel em unidades muito pequenas.

    c) Outras instncias de poder so: o Conselho Diretor, escolhido dentre os membros do Conselho de Administrao, quando este muito grande e dificulta a coeso e o razovel grau de informao. Sua funo exercer, por delegao as atribuies outorgadas pelo Conselho de Administrao. um rgo de tutela permanente do presidente, ao qual devem submeter-se as principais decises, ou um organismo colegiado de decises (SCHNEIDER, 1999 P.189 - 190).

    Vinculado ao Conselho de Administrao criado em cooperativas o Comit

    Educativo, segundo Valadares (1995), este assume as atividades vinculadas ao

    desenvolvimento social e poltico dos associados, preparando e capacitando-os para

    agirem decisivamente na organizao cooperativa. Este mecanismo possibilita aos

    associados atuarem em grupo e constitui-se de um canal, por meio do qual, podem

    expressar suas necessidades, desejos e inquietudes, alm de constituir um meio de

    comunicao e informao importante entre os dirigentes e as bases sociais .

    Portanto, o seu funcionamento est orientado pelos objetivos de estruturar um

    espao de poder na cooperativa, viabilizando a participao democrtica do maior

    nmero de associados na gesto cooperativa (VALADARES, 2005). .

    Ao tratar do processo administrativo, no mbito interno das cooperativas,

    devem ser estimuladas interaes entre os cooperados, alm da participao

    nessas instncias de poder. Nesse sentido, uma das condies colocadas por

    Schneider (1999) a necessidade de superar a impessoalidade nas interaes entre

    a cooperativa e os associados, mais comum em cooperativas grandes, e conseguir

    articulao de todos por meio de um variado circuito de informaes, livres de

    quaisquer manipulaes, que ser ao mesmo tempo um estmulo ao conhecimento e

    discusso.

  • 25

    O risco da falta de informao do produtor nesse processo pode acarretar um

    conseqente sentimento de desconfiana que, de acordo com a observao de

    Perius (1983) a esse respeito, nasce assim um conflito entre scios e

    administradores. Para este autor: A informao completa e apropriada aos scios essencial tarefa da educao cooperativista. Sendo a atividade cooperativa uma atividade essencialmente econmica, esses conhecimentos devem incluir definitivamente informaes completas e exatas sobre os programas, as polticas, as operaes e as estruturas da cooperativa, como empresa comercial (JOACHIM, CIT IN PERIUS, 1983 p. 73).

    Com essas observaes, confirma-se que a comunicao deve ter

    importncia vital no processo de gesto cooperativa, pois esta quando utilizada em

    diferentes canais acessveis ao produtor vai materializar a participao de

    cooperados nos diferentes nveis de tomadas de decises.

    2.3 Perfil do Produtor de Leite de cooperativas. Grande parte da produo de leite no pas realizada por pequenos produtores que, em sua maioria, tm na atividade a nica fonte de renda. Conforme

    Gomes (2005), a produo de leite em Minas Gerais configura-se como uma das

    atividades mais importantes para a economia do Estado. tambm significativa face

    ao seu percentual de participao no volume total da produo nacional.

    Nesse segmento a referncia tpica a produtores rurais se d em funo do

    volume produzido identificando-os como pequeno, mdio e grande produtor.

    Conforme Gomes (1987 e 2005), o perfil do produtor de leite em Minas Gerais segue

    as seguintes caractersticas:

    o pequeno produtor trabalha com produtividade mdia de 2,5 L/dia/vaca em lactao e, a produo diria 12 litros de leite. Cerca de 90% da mo-de-obra utilizada na atividade leiteira predominantemente familiar.

    O mdio produtor trabalha com uma produtividade mdia 4,0 L/dia/vaca em lactao e, a produo mdia diria 100 L de leite. A mo-de-obra utilizada na atividade leiteira , predominantemente, contratada, e a mo-de-obra familiar corresponde a 30%.

    J o grande produtor trabalha com uma produtividade mdia 6 L/dia/vaca em lactao e, a produo diria 360 litros de leite. A mo-de-obra familiar corresponde a apenas 8% do total (Gomes, 1987);

    A Idade mdia de 52 anos para os pequenos produtores, sendo constatado um envelhecimento neste grupo, fenmeno tpico da pequena produo familiar, isto , o chefe da famlia suporta conviver com pequena lucratividade;

  • A escolaridade mdia de 5,17 anos, o que aumenta medida que aumentam os estratos de produo.

    Os produtores de mais de 1.000 litros tm 6,58 anos de escolaridade,

    Em mdia os produtores tm 20 anos de experincia na atividade leiteira;

    Predominantemente a origem do produtor do prprio municpio, num percentual de 73%;

    Em mdia, tm 2,64 filhos, havendo maior nmero de filhos e filhas que trabalham na cidade do que na atividade leiteira;

    Quanto residncia do produtor, prevalece a propriedade rural, com 77% dos entrevistados;

    As esposas pouco participam de algum trabalho na produo de leite, at mesmo entre os produtores at 50 litros de leite/dia (GOMES 2005 P. 40-41).

    Essa estatstica no varia muito para a atividade nos outros estados.

    Nogueira Netto et all (2004) mostram que no Brasil cerca de dois a cada trs

    produtores de leite so associados a cooperativas que captam leite acima de 55,5

    mil litros por dia. A mdia diria de leite obtida por esses produtores est

    representada na Figura 2. Conforme este autor, os produtores com entrega diria

    at 100 litros/dia formam 60,5% de todos os cooperados, enquanto 16,8% entregam

    entre 100 e 200 litros/dia. Na faixa de 200 a 500 litros, encontram-se 10,9% dos

    cooperados e entre 500 a 1000 litros, somente 5,0%. Acima de 1000 litros esto

    6,8% dos cooperados.

    60,5%

    16,8%10,9% 5,0% 6,8%

    0,0%

    10,0%

    20,0%

    30,0%

    40,0%

    50,0%

    60,0%

    70,0%

    Produtores

    at 100

    100 a 200 lts

    200 a 500 lts

    500 a 1000 lts

    acima de 1000 lts

    Figura 2: Distribuio de produtores rurais por volume de leite entregue em cooperativas.

    Fonte de dados: Nogueira Netto et all (2004 p.74)

    Comparativamente, o perfil da produo em outros pases apresenta um

    quadro diferente. Conforme Nogueira Netto et all (2004), na Unio Europia por

    exemplo, os produtores considerados de pequena produo so os que produzem

    26

  • 27

    um volume inferior mdia de 545 litros/dia, ou seja muito distante da realidade

    apresentada no Brasil.

    De modo semelhante ao que ocorre com as cooperativas, que tm sido

    pressionadas para especializao e crescimento, acontece com o produtor rural.

    Este pressionado da porteira para dentro por produtividade e ainda vivencia

    crticas sobre a forma de produo:

    Dentro da porteira, um dos maiores problemas ainda o de gesto. Muitos produtores so eficientes, mas no esto preparados para gerir os negcios (...) as receitas anuais na propriedade (incluindo descartes) so de R$ 0,56 por litro, 27% a mais do que os custos totais de R$ 0,44 (inclui terra e pr-labore) (...) vo ficar no mercado apenas os profissionais (EMATER E AGROINFORME, 2008 P.2)

    Esse quadro corrobora outra caracterstica do perfil dos produtores, que o

    sistema de produo. Estes trabalham distintamente, pois conforme Fellet e Galan

    (2000), existem na atividade produtores com os sistemas de produo

    completamente especializados, com elevados pacotes tecnolgicos modernos para

    a produo de leite. Enquanto outros encontram-se com sistemas nitidamente

    extrativistas, com baixos investimentos e ndices de produo. Isso retrata e

    distancia os produtores dos diferentes estratos apresentados. No primeiro caso,

    esto os produtores de maiores volumes e no segundo modo de produo encontra-

    se os produtores de pequena produo.

    Essa realidade de pequenos produtores vai de encontro s cooperativas de

    laticnios que, conforme visto anteriormente, tm como opo de sobrevivncia s

    presses de mercado, o crescimento. De modo geral, o aumento da captao mdia

    por produtor tem sido estimulado por todas as empresas de laticnios, mas conforme

    Favoret Filho (2000) os grandes produtores so os mais incentivados tendo em

    vista o pagamento diferenciado de preos aos produtores de maior volume. O que

    aumenta sua rentabilidade e viabiliza novas expanses, cada vez mais difceis para

    os pequenos.

    Nos dados apresentados em Gomes (1987 e 2005) que retrata o perfil do

    produtor de leite e em Nogueira Netto et alli (2004) que mostra a participao de

    produtores rurais em cooperativas por estrato de produo, reafirma portanto, a

    relevncia social do cooperativismo de leite.

    Portanto, na funo de mediadoras dos produtores a montante e a jusante na

    cadeia produtiva as cooperativas devem ainda apoiar a criao de mecanismos para

    mudar a realidade instalada na produo de pequenos produtores afim de superar

  • 28

    as diferenas tratadas em Favoret Filho (2000). Certamente no se conseguir

    mudar essa realidade com a ao isolada desses produtores.

    Esse quadro confirma a heterogeneidade qualitativa, em volume de produo

    de produtores rurais, que reflete na oportunidade de participao nas diferentes

    instncias da gesto cooperativa.

    Portanto, se na autogesto cooperativa a representatividade entre os

    produtores equilibrada, j que cada associado tem direito a um voto independente

    do seu volume de produo, espera-se que esteja a a oportunidade do pequeno

    produtor defender os seus interesses por meio de uma maior participao nas

    tomadas de decises. Uma maior participao deste grupo seria tambm uma forma

    de mudar o status quo de grande parte de pequenos produtores de leite. Portanto,

    espera-se que a cooperativa incentive a participao de produtores na sua estrutura

    de gesto para que essas diferenas sejam melhor niveladas.

  • 29

    3. REFERENCIAL CONCEITUAL E ARGUMENTATIVO

    A construo do conhecimento requer um domnio conceitual bsico para que

    a decodificao dos dados identificados possa se sustentar. Deste modo, Kopnin

    (1978) argumenta que:

    A teoria descreve e explica um conjunto de fenmenos, fornece o conhecimento dos fundamentos reais de todas as teses lanadas e reduz os descobrimentos em determinado campo e as leis a um princpio unificador nico sendo que a unificao do conhecimento em teoria realizada antes de tudo pelo prprio objeto e suas leis, determinando a relao entre juzos isolados, conceitos e dedues na teoria (KOPNIN, 1978, p.237).

    Portanto, esta etapa tem o propsito de dar sustentao s idias e

    argumentos para interpretar as prticas presentes no caso e nos discursos

    vivenciados durante a pesquisa de campo. Primeiramente, faz-se uma reviso sobre

    ao coletiva e como se fundamenta a Teoria da Escolha Racional, conforme

    proposta de Mancur Olson (1999), de forma a dar base e direcionamento s outras

    discusses do trabalho. Em seguida, h uma abordagem conceitual e prtica sobre

    participao e ao final completa-se com argumentos sobre cooperao e capital

    social, apresentados como correes para os dilemas de ao coletiva.

    3.1. Ao Coletiva 3.1.1 Ao Coletiva e benefcios pblicos

    Dificilmente conseguiramos que as pessoas participassem com igual

    dedicao, empenho e motivao em algo que venha a ter o mesmo benefcio e

    resultados para todos. Pois o indivduo age segundo seu prprio interesse, com o

    fim de maximizar seus benefcios. Essa suposio est fundamentada na Teoria da

    Escolha Racional proposta por Olson (1999) e corroborada por Elster (1994) ao

    afirmar que os problemas de ao coletiva surgem porque difcil conseguir que as

    pessoas cooperem para benefcio mtuo. Segundo Olson (1999), o comportamento

    centrado nos prprios interesses em geral considerado a regra pelo menos quando

    h questes econmicas criticamente envolvidas. Neste raciocnio, justifica-se que

    numa cooperativa no h de se esperar que todos os scios tenham o mesmo

    empenho para o seu desenvolvimento, assim como, difcil que todos consigam

  • 30

    usufruir dos resultados alcanados. Isso um dilema vivenciado no cooperativismo

    que se origina por diversas situaes, as quais sero discutidas neste captulo.

    Esta seo inicia-se por apresentar a definio do termo ao coletiva e bem

    pblico, cujos sentidos sero trabalhados no decorrer desta dissertao.

    O termo ao coletiva foi difundido por Olson (1999), em sua obra A lgica

    da ao coletiva que, dentre outros argumentos, analisa os custos e benefcios

    provenientes da participao individual em atividades coletivas, bem como

    problematiza as possveis relaes entre o tamanho, a coerncia, a eficcia e a

    atratividade dos grupos nesse processo.

    Uma ao coletiva surge basicamente para solucionar necessidades geradas

    por dois fatores, oportunidades e desejos, ou seja, pelo que as pessoas podem fazer

    e pelo que querem fazer (ELSTER, 1994). Deste modo, mesmo que as pessoas

    difiram em seus desejos, assim como em suas oportunidades, os desejos humanos

    podem ter pontos comuns aos apresentados individualmente.

    Quando estes pontos comuns so reconhecidos pelos indivduos, ocorre o

    que Marx chamaria de adquirir "conscincia" (OLSON, 1999). A partir desses pontos

    comuns os homens planejam uma ao coordenada conforme seus prprios

    interesses. Essa atuao, portanto, recebe o nome de ao coletiva. A ao coletiva,

    desta forma, seria a maneira pela qual o individuo se faz presente nos sistemas

    abstratos, reforando a sua capacidade transformadora desde que consiga agir em

    coletividade. (ASENSI, 2006).

    Para Olson (1999), h trs tipos de situaes tericas (ou ideais) em que os

    indivduos podem estar frente ao coletiva. No primeiro caso, em que grupos de

    indivduos j adquiriram ou no a conscincia do interesse que partilhado por

    todos, mas os custos de empreenderem na ao so maiores em relao aos

    benefcios que tero. Neste caso, a ao coletiva invivel. De outra forma, os

    indivduos j compartilham objetivos, mas os custos para consecuo do benefcio

    so da mesma proporo que tero de retorno se empreenderem a ao. Neste

    caso, a possibilidade de ao coletiva baixa. Emoutra situao, os benefcios da

    ao coletiva so muito maiores do que os custos individuais. Neste caso, h

    existncia de grupos sociais com potencialidade de ao coletiva, que so os grupos

    organizados.

  • 31

    A ao coletiva necessria para a conquista de espaos da cidadania e da

    democracia que requerem mobilizao social. Com esse objetivo, h aes coletivas

    que vm sendo desenvolvidas por diferentes atores e sujeitos sociais: movimentos

    de mulheres, de jovens, de direitos humanos, ecolgicos e as mobilizaes

    pacifistas so exemplos de aes coletivas, cujas formas de articulao, mobilizao

    e luta expressam as caractersticas prprias dos movimentos e aes coletivas da

    contemporaneidade (QUEIROZ, 2003).

    Ramirez e Berdegu (2002) entendem a ao coletiva como uma estratgia

    instrumental, orientada a alcanar resultados. Neste enfoque estes autores

    destacam trs objetivos da ao:

    (a) melhorar os ingressos ou outra dimenso do bem-estar material imediato aos grupos envolvidos; (b) modificar as relaes sociais no interior de uma populao especfica e, particularmente, as relaes de poder e, (c) influenciar sobre as polticas pblicas, para ampliar as oportunidades de desenvolvimento e enfraquecer ou superar os sistemas de excluso e de discriminao (RAMIREZ E BERDEGU, 2002, p.2)

    Outros elementos que os autores supracitados entendem ser de uma viso

    realista sobre ao coletiva so:

    (1) a ao coletiva no se justifica por si s, o que faz pertinente e necessrio nos perguntarmos pela sua eficcia; (2) a ao coletiva no substitui a ao e a responsabilidade individual, mas precisa dela e, ao mesmo tempo, a pertencia e, (3) a ao coletiva no ubqua e permanente, mas sim acidental. (RAMIREZ E BERDEGU, 2002, p.2).

    A ao coletiva, portanto, capaz de promover:

    (a) desenvolvimento das capacidades dos indivduos (capital humano); (b) fortalecimento organizacional; (c) construo de redes e alianas sociais e, (d) profundizao de normas e valores (tais como a solidariedade, a reciprocidade, a confiana) que contribuem ao alcance do bem comum (capital social). (RAMIREZ E BERDEGU, 2002, p.3,).

    Mas de modo geral, o envolvimento dos indivduos que vai dar maior ou

    menor potencialidade consecuo dos objetivos pretendidos numa ao coletiva.

    Portanto, importante o entendimento sobre o comportamento dos indivduos. E

    nessa direo que Olson (1999) iniciou sua investigao sobre a participao

    individual na ao coletiva, conforme exposto neste trecho da sua obra:

    A idia de que grupos sempre agem para promover seus interesses supostamente baseada na premissa de que, na verdade, os membros de um grupo agem por interesse pessoal, individual. Se os indivduos integrantes de um grupo altruisticamente desprezassem seu bem-estar pessoal, no seria muito provvel que em coletividade eles se dedicassem a lutar por algum egostico objetivo comum ou grupal. Tal altrusmo de qualquer maneira, considerado uma exceo, e o comportamento centrado nos prprios interesses em geral

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    considerado a regra, pelo menos quando h questes econmicas criticamente envolvidas.(OLSON, 1999, p.13).

    Essa viso caracteriza o individualismo metodolgico ou comportamento

    utilitarist