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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO 26.ª Promotoria de Justiça Cível de Vitória 1 Rua Raulino Gonçalves nº 200, Enseada do Suá, CEP: 29.050-405 - Tel: (27) 3145-5000 www.mpes.mp.br EXCELENTÍSSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA _ VARA DA FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL DA COMARCA DA CAPITAL – JUÍZO DE VITÓRIA – ES. Ref.: IC nº 2017.0017.7707-12 O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, por seu presentante legal infra-assinado, em pleno exercício de suas atribuições legais junto à 26.ª Promotoria Cível de Vitória, com base na Constituição da República, na Constituição do Estado, na Lei Complementar Estadual n.º 95/97 e nos artigos 3.º e 5.º, caput, da Lei n.º 7.347/85, vem, respeitosamente, perante V.Exa., promover a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA c/c PEDIDO DE LIMINAR em face do ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, pessoa jurídica de direito público interno, com sede na Praça João Clímaco, s/n, Palácio Anchieta, Centro, Vitória, ES., podendo as citações e intimações serem realizadas na Procuradoria Geral do Estado, sito na Avenida Nossa Senhora da Penha, 1590, Ed. Petrovix, Barro Vermelho, Vitória, ES., CEP 29057-550; o fazendo pelos seguintes motivos de fato e de Direito:

AÇÇÃÃOO P CCIIVV IILL EPÚÚBBLLICAA cc//cc ... · interno, com sede na Praça João Clímaco, ... AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ... SÚMULA N. 284 DO STF. 1. O

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EXCELENTÍSSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA _ VARA DA

FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL DA COMARCA DA CAPITAL – JUÍZO DE

VITÓRIA – ES.

Ref.: IC nº 2017.0017.7707-12

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, por seu

presentante legal infra-assinado, em pleno exercício de suas atribuições

legais junto à 26.ª Promotoria Cível de Vitória, com base na Constituição

da República, na Constituição do Estado, na Lei Complementar Estadual

n.º 95/97 e nos artigos 3.º e 5.º, caput, da Lei n.º 7.347/85, vem,

respeitosamente, perante V.Exa., promover a presente

AAÇÇÃÃOO CCIIVVIILL PPÚÚBBLLIICCAA cc//cc PPEEDDIIDDOO DDEE LLIIMMIINNAARR

em face do

ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, pessoa jurídica de direito público interno, com sede na Praça João Clímaco, s/n, Palácio Anchieta, Centro, Vitória, ES., podendo as citações e intimações serem realizadas na Procuradoria Geral do Estado, sito na Avenida Nossa

Senhora da Penha, 1590, Ed. Petrovix, Barro Vermelho, Vitória, ES., CEP 29057-550;

o fazendo pelos seguintes motivos de fato e de Direito:

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DDOO SSUUPPOORRTTEE FFÁÁTTIICCOO

O presente inquérito civil foi instaurado a partir de manifestação

protocolizada perante esta Promotoria de Justiça acerca das condições

do Setor de Balística da Polícia Civil do Estado do Espírito Santo com o

seguinte teor (fls. MPES 01):

A Seção de Balística da Polícia Civil do Estado do Espírito

Santo é um ambiente totalmente insalubre, com riscos

ocupacionais aos seus servidores. Não há medidas de

proteção coletiva, de ordem geral e nem fornecimento de EPI.

Há riscos químicos, com exposição ao chumbo; riscos f ísicos,

como ruído excessivo; riscos biológicos, com a manipulação

sem o devido cuidado de projetis retirados de cadáveres sem

a devida assepsia.

Por requisição deste Órgão de Execução veio aos autos, então, o

RELATÓRIO DE INSPEÇÃO do Núcleo Especial de Vigilância em Saúde

do Trabalhador da própria Secretaria de Estado da Saúde (fls. MPES

16/24), datado de 12 de dezembro de 2017, o qual traz a seguinte

conclusão técnica:

“Constatada a veracidade das denúncias que motivaram a realização da

inspeção, a saber: condições ambientais insalubres devido à exposição a

riscos ocupacionais: físico (ruído), químico (chumbo e outros produtos

químicos especificados no relatório) e biológico; ausência de medidas

de proteção coletiva (capela de exaustão de gases para manuseio de

produtos químicos; exaustão e proteção acústica da sala de tiros) e

não fornecimento de equipamentos de proteção individual – EPI

adequados”.

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No mesmo relatório de inspeção a Secretaria de Estada da Saúde emitiu

uma série de RECOMENDAÇÕES para que o local pudesse funcionar

dentro da legalidade e sem exposição dos funcionários públicos a

qualquer tipo de risco.

Ainda por requisição desta Promotoria de Justiça, a Gerência de

Vigilância Sanitária da Secretaria de Saúde do Município de Vitória

apresentou RELATÓRIO DE INSPEÇÃO DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE DO

TRABALHADOR, datado de 29 de dezembro de 2017 (fls. 27/59), no qual

também foram apontadas uma série de gravíssimas irregularidades que

expõem os funcionários públicos a riscos. Por isso, foram indicadas dez

RECOMENDAÇÕES a serem observadas pelo Estado do Espírito Santo

para regularização daquele local de trabalho e preservação da

incolumidade física dos servidores públicos.

Buscando-se a via extrajudicial para correção das irregularidades e a

celebração de termo de ajustamento de conduta, foram expedidos dois

ofícios – os de fls. 65 e, posteriormente, o de fls. 87 – os quais, após o

decurso dos respectivos prazos neles estabelecidos, não mereceram

sequer resposta por parte da autoridade responsável.

DDOOSS FFUUNNDDAAMMEENNTTOOSS JJUURRÍÍDDIICCOOSS

1 – CONSERVAÇÃO DOS PRÉDIOS PÚBLICOS E SALUBRIDADE NO MEIO

AMBIENTE DO TRABALHO

O art. 110 da Lei nº 8.078/90, ao acrescentar mais um inciso ao art. 1º

da Lei nº 7.347/85, alargou consideravelmente o objeto da ação civil

pública, tornando-a instrumento idôneo à apuração de

responsabilidades e reparação de danos causados não apenas ao meio

ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético,

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histórico, turístico e paisagístico, mas também, a teor do seu inciso IV, a

“qualquer outro interesse difuso ou coletivo”.

A Constituição da República, por sua vez, conferiu ao Ministério Público

a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses

sociais e individuais indisponíveis, conforme se verifica no artigo 127 da

CF, atribuindo-lhe diversas funções institucionais, inclusive a promoção

do inquérito civil e da ação civil pública para a proteção do patrimônio

público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e

coletivos (art. 129, CF).

A legitimação para atuação do Órgão Ministerial, in casu, decorre, assim,

do direito coletivo ao meio ambiente do trabalho seguro e saudável, o

qual encontra-se amparado constitucionalmente pelo artigo 7º, inciso

XXII, e traz consigo, inclusive, o direito à redução dos riscos inerentes

aos trabalhadores urbanos e rurais.

Já o artigo 39, § 3º, da mesma Constituição Federal garante idêntica

garantia aos ocupantes de cargos públicos e, se tal direito for lesado ou

estiver ameaçado de lesão, será impositiva a atuação ministerial.

A esse respeito é importante destacar que o meio ambiente do trabalho

corresponde a um conjunto de fatores que envolve o adequado local de

trabalho, as máquinas e equipamentos, os agentes físicos, químicos e

biológicos, enfim, todos os aspectos que se relacionam às condições de

trabalho.

Essa proteção ao meio ambiente laboral deve ser sempre ampla, de modo

a compreender não apenas a redução e eliminação de agentes insalubres

ou perigosos, mas também a implementação de toda e qualquer medida

que tenha o objetivo imediato ou mediato de garantir a saúde e a

segurança dos trabalhadores.

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A esse respeito o Brasil ratificou diversas Convenções da Organização

Internacional do Trabalho (OIT) relativas à saúde e segurança do

trabalho, abrangendo as mais variadas temáticas, dentre as quais

destaca-se a Convenção n.º 155, a qual estabelece a obrigatoriedade de

formulação e implementação de uma política nacional coerente em

matéria de segurança e saúde dos trabalhadores e do meio ambiente de

trabalho, com o intuito de prevenir os acidentes e os danos à saúde que

forem consequência do trabalho, tenham relação com o trabalho ou se

apresentarem durante o trabalho.

Já a Convenção n.º 81 trata da inspeção laboral, incumbindo-lhe, além

de outras funções, a de assegurar a aplicação das disposições legais

relativas às condições de trabalho e à proteção dos trabalhadores no

exercício de sua profissão, tais como as normas referentes à duração do

trabalho e à segurança, higiene e bem estar dos trabalhadores.

Merece destaque, ainda, o art. 200, inc. VIII, da Constituição Federal, in

verbis: “Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições,

nos termos da lei: colaborar na proteção do meio ambiente, nele

compreendido o do trabalho”.

Isso significa, em outras palavras, que a Carta Magna confirma o íntimo

liame existente entre a proteção ao meio ambiente de trabalho e o direito

à saúde. A manutenção de um meio ambiente laboral seguro e adequado

é imprescindível à higidez da saúde e da integridade física dos

trabalhadores, inclusive os servidores públicos.

Por isso, a valorização do trabalho humano está intrinsecamente

condicionada ao devido respeito às normas de saúde e segurança do

trabalho, razão pela qual o trabalho seguro, hígido e saudável, mais do

que um princípio, constitui-se em uma obrigação de todo empregador.

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Todas essas normas bem demonstram que a Constituição Federal

instituiu um novo marco da tutela do meio ambiente de trabalho, uma

vez que enfatiza a importância da prevenção, com a redução dos riscos

ambientais. O objetivo das normas referentes à saúde e segurança do

trabalho deixa de ser eminentemente reparatório e passa a ser

preventivo.

Resta óbvio, assim, que as condições do meio ambiente do trabalho estão

diretamente relacionadas ao estado do prédio onde laboram os servidores

públicos.

2 - VIOLAÇÃO DE DIREITOS SOCIAIS FUNDAMENTAIS E O

CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS

Dentre os serviços públicos de interesse social por óbvio se enquadra a

segurança pública e a conservação dos prédios públicos, vez que ambos

envolvem prestações absolutamente imprescindíveis aos interesses

imediatos da coletividade, garantidoras que são do direito de ir e vir, de

circulação de pessoas e coisas e, principalmente, do direito à segurança

e ao resguardo da integridade física das pessoas.

Assim, considerando que o objeto da presente ação coletiva diz respeito à

prestação de serviços públicos de natureza essencial (condições do meio

ambiente do trabalho e segurança pública) e de titularidade de um

universo indeterminado de pessoas, patente a legitimidade do Ministério

Público1 para tutelar tais interesses, inclusive pelos seguintes motivos:

1 ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO

ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SANEAMENTO SANITÁRIO. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO

PÚBLICO. PRECEDENTES DO STJ. PRETENSÃO RECURSAL QUE ENCONTRA ÓBICE NA SÚMULA N. 7 DO STJ. ALEGAÇÃO GENÉRICA DE VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. SÚMULA N. 284 DO STF. 1. O

Ministério Público detém legitimidade ativa para o ajuizamento de ação civil pública que objetiva a implementação de

políticas públicas ou de repercussão social, como o saneamento básico ou a prestação de serviços públicos. Nesse

sentido: REsp 743.678/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 28/09/2009; REsp

855.181/SC, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 18/09/2009; REsp 137.889/SP, Rel. Ministro Francisco

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[...] o ajuizamento da ação civil pública pelo Ministério Público

proporciona a superação da desigualdade natural existente entre o

indivíduo isolado e o poderoso Estado, quando se enfrentam numa

batalha judicial. A defesa coletiva, por envolver grande número de

pessoas, às vezes até indeterminado, incorpora um componente

psicológico que equilibra a correlação de força entre as partes,

mormente quando presente o Ministério Público como legitimado

ativo, até porque a instituição é estruturada pela legislação de forma que

lhe dá algumas prerrogativas para bem conduzir, sem ônus para os

mandatários, demandas dessa natureza.2

No caso merece atenção o fato de que, nos moldes do artigo 6º da

Constituição Federal3, os direitos difusos tutelados nesta ação estão

amparados por normas de ordem pública e de interesse social. Além

disso, a legislação em vigor exige ainda que os serviços públicos sejam

prestados de “modo adequado”, conforme previsão contida no § 1º do

artigo 6º da Lei Federal n.º 8.987/95, que dispõe sobre o regime de

concessão e permissão da prestação de serviços públicos, in verbis:

Art. 6º, § 1º. Serviço adequado é o que satisfaz as condições de

regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade,

generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.

Hely Lopes Meirelles, em sua obra4, cuidou de definir as características

do “serviço adequadamente prestado”:

a) continuidade, o que significa dizer que não pode ser interrompido; b) regularidade, que se refere à obediência às regras, normas,

condições de prestação que informam os serviços públicos; c)

uniformidade e igualdade, ou seja, os serviços públicos devem atender aos padrões de uniformidade e igualdade, para que todos sejam

atendidos igualmente; d) generalidade, que consiste em reconhecer-se o

direito que todos têm de utilizar os serviços públicos; e e) obrigatoriedade, pelo qual o prestador de serviço público não pode deixar

de prestá-lo.

Peçanha Martins, Segunda Turma, DJ 29/05/2000. [...] (STJ, AgRg no AREsp 50.151/RJ, Rel. Ministro BENEDITO

GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 03/10/2013, DJe 16/10/2013). 2 GOMES, Luís Roberto. O Ministério Público e o controle da omissão administrativa. Rio de Janeiro : Forense

Universitária, 2003, p. 264/265. 3 São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência

social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição – grifos

nossos. 4 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 19ª ed. São Paulo : Malheiros Editores, p. 299.

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A toda evidência, diante das provas coletadas, não é o que se verifica no

presente caso.

O Código de Defesa do Consumidor, por sua vez, no inciso X de seu

artigo 6º, prescreve ser direito básico do consumidor a adequada e

eficaz prestação dos serviços públicos. Mais adiante, no caput e no

parágrafo único de seu artigo 22, estabelece que

Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias,

permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos

essenciais, contínuos. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas

compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma

prevista neste código.

É a partir de dispositivos como o que se apresenta que o Superior

Tribunal de Justiça consagra o entendimento no sentido de que os

direitos prestacionais essenciais previstos em lei não se sujeitam à

discricionariedade administrativa e, por isso, não podem ser desprezados

pelo Poder Judiciário:

“[...] a partir da consolidação constitucional dos direitos sociais, a

função estatal foi profundamente modificada, deixando de ser

eminentemente legisladora em pró das liberdades públicas, para se

tornar mais ativa com a missão de transformar a realidade social. Em

decorrência, não só a administração pública recebeu a incumbência de criar e implementar políticas públicas necessárias à satisfação dos

fins constitucionalmente delineados, como também, o Poder Judiciário

teve sua margem de atuação ampliada, como forma de fiscalizar e velar pelo fiel cumprimento dos objetivos constitucionais” (STJ, REsp

1.041.197/MS, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe

16.9.2009).

Diante dos fatos narrados e do amplo acervo probatório que é parte

integrante do inquérito civil que acompanha a exordial, resta evidente

que, no tocante à adequação, à segurança, às condições de trabalho e à

integridade física das pessoas, o Estado do Espírito Santo, no tocante a

Seção de Balística da Secretaria de Segurança Pública / Polícia Civil,

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vem descumprindo as obrigações referidas no precitado artigo 22 do

CDC.

Deve, por consequência, ser compelido pelo Poder Judiciário a cumpri-

las, conforme autoriza o CDC de forma expressa (parágrafo único do art.

22), com eco na jurisprudência, em caso muito assemelhado ocorrido no

Estado do Rio Grande do Sul, julgado em sede de REPERCUSSÃO

GERAL pelo Supremo Tribunal Federal:

REPERCUSSÃO GERAL. RECURSO DO MPE CONTRA ACÓRDÃO DO

TJRS. REFORMA DE SENTENÇA QUE DETERMINAVA A EXECUÇÃO

DE OBRAS NA CASA DO ALBERGADO DE URUGUAIANA. ALEGADA

OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES E

DESBORDAMENTO DOS LIMITES DA RESERVA DO POSSÍVEL.

INOCORRÊNCIA. DECISÃO QUE CONSIDEROU DIREITOS

CONSTITUCIONAIS DE PRESOS MERAS NORMAS PROGRAMÁTICAS.

INADMISSIBILIDADE. PRECEITOS QUE TÊM EFICÁCIA PLENA E

APLICABIILIDADE IMEDIATA. INTERVENÇÃO JUDICIAL QUE SE

MOSTRA NECESSÁRIA E ADEQUADA PARA PRESERVAR O VALOR

FUNDAMENTAL DA PESSOA HUMANA. OBSERVÂNCIA, ADEMAIS, DO

POSTULADO DA INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO. RECURSO

CONHECIDO E PROVIDO PARA MANTER A SENTENÇA CASSADA

PELO TRIBUNAL. I - É lícito ao Judiciário impor à Administração

Pública obrigação de fazer, consistente na promoção de medidas ou na execução de obras emergenciais em estabelecimentos prisionais. II -

Supremacia da dignidade da pessoa humana que legitima a

intervenção judicial. III - Sentença reformada que, de forma correta, buscava assegurar o respeito à integridade física e moral dos

detentos, em observância ao art. 5º, XLIX, da Constituição Federal. IV -

Impossibilidade de opor-se à sentença de primeiro grau o

argumento da reserva do possível ou princípio da separação dos

poderes. V - Recurso conhecido e provido. (STF, RE 592581, Relator Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em

13/08/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL -

MÉRITO DJe-018 DIVULG 29-01-2016 PUBLIC 01-02-2016)

DDAA TTUUTTEELLAA DDEE UURRGGÊÊNNCCIIAA PPRREETTEENNDDIIDDAA

É da própria natureza das demandas coletivas a utilização dos

instrumentos previstos para as denominadas “tutelas de urgência”,

notadamente a concessão da medida prevista nos parágrafos 3.º, 4.º e

5.º do artigo 84 da Lei n.º 8.078/90:

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Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de

fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou

determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

[...]

§ 3° Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo

justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz

conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu. § 4° O juiz poderá, na hipótese do § 3° ou na sentença, impor multa

diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente

ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito. § 5° Para a tutela específica ou para a obtenção do resultado prático

equivalente, poderá o juiz determinar as medidas necessárias, tais

como busca e apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazimento de

obra, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial.

A medida liminar pretendida está autorizada, ainda, pela própria Lei n.º

7.347/85, a qual, em seus artigos 11 e 12, prevê o seguinte:

Art. 11. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da

atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de

execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do

autor.

Art. 12. Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem

justificação prévia, em decisão sujeita a agravo.

Todas as normas legais acima transcritas são frutos de evoluções

legislativas que demonstram a clara preocupação do legislador com a

efetividade das decisões judiciais e a consequente observância ao

princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição e do devido

processo legal.

Assim, torna-se possível o deferimento da liminar diante da relevância do

fundamento da demanda e em razão de justificado receio de ineficácia do

provimento final, requisitos estes plenamente demonstrados: o primeiro

está evidenciado pelos elementos constantes do inquérito civil, que bem

demonstram a omissão do Poder Público em relação as condições

precárias e insalubres que expõem a risco os servidores públicos e

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frequentadores da Seção de Balística da Secretaria de Segurança Pública

/ Polícia Civil, em afronta a dispositivos de ordem pública e de interesse

social; o segundo (“periculum in mora”), está comprovado pela

necessidade de se preservar bens maiores – o meio ambiente do trabalho

e a integridade física daqueles que trabalham no prédio público em

questão.

Diante do exposto, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL seja

concedido o prazo de 15 (quinze) dias para que o requerido regularize

completamente o funcionamento da Seção de Balística da Secretaria de

Segurança Pública / Polícia Civil, sob pena de imediata interdição

daquele prédio público, até que sejam cumpridas as recomendações

constantes dos Relatórios de Inspeção carreados aos autos.

DDOOSS PPEEDDIIDDOOSS

Diante de todo o exposto, requer o Ministério Público do Estado do

Espírito Santo:

1. seja dispensado o pagamento de custas, emolumentos e outros

encargos, desde logo, à vista do disposto no artigo 18 da Lei nº

7.347/85;

2. sejam as intimações do autor feitas pessoalmente, dado o disposto

no artigo 236, § 2º, do CPC e no artigo 14 do Provimento nº 14/99,

de 08/03/99, da Corregedoria Geral da Justiça do Estado do

Espírito Santo, com a redação que lhe foi dada pelo Provimento nº

15/99, de 14/04/99;

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3. com base no § 3.º do artigo 84 da Lei n.º 8.078/90 c/c artigo 21

da Lei n.º 7.347/85, seja concedida liminarmente a tutela

antecipada pretendida, na forma discriminada no item acima;

4. seja determinada a citação dos requeridos, para, querendo,

contestarem a presente;

5. seja julgado procedente o pedido formulado na presente ação,

transformando-se em definitiva a liminar que, se espera, será

concedida initio litis, condenando-se o requerido em obrigações de

fazer (artigo 84, ‘caput’, da Lei n.º 8.078/90 c/c artigo 21 da Lei n.º

7.347/85), qual seja, de implementar todas as providências

necessárias para regularização do funcionamento da Seção de

Balística da Secretaria de Segurança Pública / Polícia Civil,

nos moldes apresentados nas sugestões constantes dos

Relatórios de Inspeção que acompanham a inicial.

Protesta pela produção de prova documental, pericial e oral.

Dá-se à causa o valor de R$1.000,00 (hum mil reais).

Vitória, ES., 27 de junho de 2018.