ACCIOLY, Maria Inês. Isto é simulação

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    Maria Ins Accioly

    Isto simulaoA estratgia do efeito de real

    Rio de Janeiro, 2010

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    Maria Ins Accioly/E-papers Servios Editoriais Ltda., 2010.Todos os direitos reservados a Maria Ins Accioly/E-papers Servios EditoriaisLtda. proibida a reproduo ou transmisso desta obra, ou parte dela, porqualquer meio, sem a prvia autorizao dos editores.Impresso no Brasil.

    ISBN 978-85-7650-244-9

    Projeto grfico, diagramao e capaLivia Krykhtine

    RevisoHel Castro

    Imagem de capaEraxion

    Esta publicao encontra-se venda no sitedaE-papers Servios Editoriais.http://www.e-papers.com.brE-papers Servios Editoriais Ltda.Rua Mariz e Barros, 72, sala 202Praa da Bandeira Rio de JaneiroCEP: 20.270-006Rio de Janeiro Brasil

    CIP-Brasil. Catalogao na FonteSindicato Nacional dos Editores de Livro, RJ

    A155iAccioly, Maria Ins

    Isto simulao: a estratgia do efeito do real/Maria Ins Accioly.Rio de Janeiro : E-papers, 2010.170p. :Inclui bibliografiaISBN 978-85-7650-244-9

    1. Realidade. 2. Subjetividade. 3. Verdade e falsidade. 4. Representao(Filosofia). 5. Mtodos de simulao. I. Ttulo.

    10-0131. CDD: 306CDU: 316.7

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    Sumrio

    Prefcio 5

    Introduo 9

    1 Dilogos 11Do poder diablico da simulao 15

    Do poder mgico da realidade virtual 31

    2 Entre a razo e os sentidos 47

    Teorias complexas da cognio 49A recursividade e a vertigem do fundamento 52

    O rudo organizador 54

    A cognio e a dualidade do cdigo 57

    Da simulao cientfica inteligncia artificial 59

    Verdades microfsicas 63

    As lgicas e a verdade 68

    A inteligncia artificial e o acaso 74

    Estratgia cognitiva complexa 79

    3 A arte de simular 83O poder dos modelos 84

    A imagem-simulacro 89

    O efeito de real 101

    O problema da iluso 114

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    4 Do efeito de real ao efeito no real 125Parecer real para ser real 126

    Controle: o poder da vida 135

    A lgica do jogo 146

    5 A cultura da simulao 159

    Referncias bibliogrficas 165

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    Prefcio 5

    Prefcio

    Viajando por entre simulaes

    Acordo ainda assustado, lembro-me confusamente do que, en-quanto dormia, me assustava, como se fosse real, e era. Eu es-tava l, dentro de mim morava um mundo e eu nesse mundo

    vivia seus detalhes precisos, risos, pensamentos. L as pessoasque amo, l os desconhecidos. Acordo ainda assustado, meupai, j morto h tempo, ainda jovem conversava comigo e eu,menino, ainda de dentro de mim, corria um destino sem tem-po. Acordo ainda assustado e menino, corro os ladrilhos friosat a pia, olho o espelho que a mim me olha e, por um momen-to fugaz, me desconheo. Sou eu este velho grisalho que aindano se parece comigo para alm do semblante assustado queambos carregamos? Sim, sou ele e no eu. Sou, embora aindaduvide, apenas a verdade que nele transparece. Ou no?

    Por que seria meu sonho menos real do que o que ali, dep, frente a frente a esse eu envelhecido, a contragosto, viviaentre os odores da manh? Talvez um tempo bem construdopor apressados ponteiros assim o estabelecesse. Sim, eu sei, euj sabia, real o mundo onde os relgios rodam seus pontei-ros e os interruptores comandam as luzes dos acontecimentos.Mas por que a imagem refletida sabe de mim, do meu tempo,melhor do que eu? Por que ela eu e no apenas eu sou eu? Porque no posso ser eu, assim como me sinto, o real que em mimhabita? Que espelho este cujo reflexo em mim no se adequaao pensamento?

    Como saber ao certo sobre o Real, como defini-lo e classifi-c-lo?

    Antes do caf, j pouco me recordo dos sonhos que meacompanharam pela noite, como se suas prprias lembran-as se apagassem ao serem lembradas. Talvez a esteja todo o

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    6 Prefcio

    segredo. O Real, que tanto se busca, se caracterizaria, quemsabe, pelo fato de no se deixar esquecer. Mas, assim, por essecritrio, um tanto autoritrio, pouco nos sobraria para cham-lo real. O futuro excludo totalmente, posto que dele nada serecorda nos deixaria apenas com o passado fugidio e incertoque no poderia mesmo se responsabilizar por tudo o que cha-mamos de Real. No, do real tambm nos esquecemos. Realapenas o momento presente, o tudo que se atualiza, um tudosempre agora.

    Como saber ao certo sobre o Real, como defini-lo e classi-fic-lo?

    Ao caminhar pela cidade, um vazio me toma os pensamen-tos e, talvez pela repetio dos passos percutidos nas caladasde pedras brancas, ou pelos rudos das conversas sem sentidoque me invadem enquanto caminho, sonho uma espcie dife-rente de sonho, onde controlo os acontecimentos e ordeno otempo decorrido entre minhas percepes do dia. Mas aindaassim algo me escapa. o Real que em mim, nesse delrio des-perto, no reconheo. Invento verdades que ressoam dentro efora de mim. Sou eu, novamente com meus mundos. Sero re-ais os meus peripatticos projetos, os problemas que resolvo, asequaes que descrevo, mentalmente, semi-hipnotizado pelaspassadas sincopadas do meu corpo itinerante? No, o Real sersempre o que me escapa ao pensamento, o que s se apresentapor meio das sensaes que sinto, nas imprecises que o corpome revela. Mas como sab-las seno vivenciando-as em suasaparncias?

    Como saber ao certo sobre o Real, como defini-lo e classi-fic-lo?

    Imitando as sensaes que sinto, invento o ser que ora cami-nha e s vezes sonha, invento as imagens que o espelho insisteem revelar-me, invento as mentiras em que acredito e que len-tamente se transformam no concreto que me limita, invento omundo e o real que nele habita.

    Ora, no me venha com poesias. Nem tudo pode ser, conti-nuamente, inventado, h que se descobrir os fatos que resisteme preexistem ao tempo, l que o Real enfim se nos revela, nos

    intervalos, nos vazios, nas perguntas e suas respostas.

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    Prefcio 7

    Ora, no me venha com fatos. O Real que busco mora na de-sistncia da matria e na inexistncia do tempo. H que ser livre

    de vazios para tornar-se apenas perguntas, sem respostas.

    Enfim, entre poesia e fatos, se instaura o Real que procura-

    mos, feito de meias-verdades e meias-medidas e s o percebe-

    mos no jogo de contrrios entre o nmero e a espera, entre a

    mentira e o poema, entre o destino e o agora, na previso e na

    farsa a que chamamos simulao.

    Palavra de sentido vrio e mutante, que oscila entre a distn-

    cia e o verbo a simulao que nos revela e esconde simulta-

    neamente o Real que em vo buscamos e se dele nos aproxima-

    mos, graas a ela e suas delicadezas.

    Ao nos perguntarmos o que simulao, podemos primei-

    ra vista pensar naquilo que no , pois o que , no se simula, e

    estaremos certos. Uma simulao mente, ao fingir ser, tapean-

    do aos olhos desatentos um real inexistente que em si mesmo

    inventa. O que simula, tapeia, engana, imita e trapaceia, mas,

    para faz-lo, h que desvendar os mistrios daquilo que quer

    ser ou imitar ou parecer. H que saber, pelo menos um pouco

    daquilo que se imita; e uma boa simulao, requer em si, um

    profundo conhecimento do objeto ou coisa simulado. Estranho

    afazer esse que pela farsa alcana o conhecimento. Mas se con-

    tinuarmos atentos aos nossos pensamentos que aparecem e

    reaparecem ao destrincharmos os modos possveis das simula-

    es, nos pegaremos perguntando se de fato poder existir co-

    nhecimento que no seja pela via de farsas? Quando fingimos

    ser real o que nos atravessa os sentidos, quando acreditamos

    serem do Real as mensagens que recebemos do mundo.

    Simular, numa segunda vista, pode nos parecer, distante das

    farsas que geraram o termo na antiguidade, e mais perto do seu

    significado moderno computacional, um modelo, um modelo

    maneira cientfica, onde a imitao se d seguindo um pr-en-

    tendimento. Como se j sabendo, ou suspeitando fortemente,

    como as coisas vo acontecer, imitamo-las para nos certificar

    dos seus comportamentos, imitando-as para perceber detalhes

    que se nos escaparam, imitando-as para ver de perto o que, no

    fundo, j era sabido, seguindo, nestes casos, equaes que, pre-

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    8 Prefcio

    viamente determinadas, j conheciam os caprichos daquilo emque se debruam pela simulao.

    O caprichoso livro de Ins Accioly passeia poeticamente pe-las veredas histricas e filosficas das simulaes, entre farsase cincias, sinnimos que se opem e contradizem, quebra aslgicas em busca das diferenas que as constituem e encontrana sua procura as lgicas da diferena. Simula, acredita e des-confia das verdades que inventa. Penetra corajosamente nasintersees auto-referentes que toda simulao revela. Delicio-samente escrito, o texto simula ser fcil o emaranhado comple-xo onde navega e quando nos damos conta, j nem somos osmesmos que nossas prprias simulaes nos faziam crer, nemsomos to diferentes a ponto de j no mais nos reconhecer-mos. Percebemos o jogo do Real e seus efeitos e nos deliciamoscom eles. Rapidamente embarcamos na viagem que Ins nosguia, vivendo a cada instante a certeza de estarmos dentro efora simultaneamente e de fazermos parte de uma grande si-mulao. Vamos ao texto.

    Ricardo Kubrusly

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    Introduo 9

    Introduo

    Fingindo e aprendendo

    A popularizao das tecnologias informacionais pe disposi-o de nossa vida cotidiana um amplo arsenal de recursos desimulao. Mas o que simular? Para o senso comum, at pou-cas dcadas atrs, era sinnimo de fingir. Hoje experimentarum modelo, geralmente computacional, para prever situaes,aprender tarefas ou talvez principalmente para se divertir.Pela Internet podemos simular provas do Detran, emprsti-mos bancrios, viagens, mudanas de identidade enfim, umaenorme variedade de situaes: das mais triviais s mais extra-vagantes. Quase no se usa mais o termo simulao para desig-nar uma tramoia, uma armao montada para ludibriar.

    H quem diga que simulao-fingimento nada tem a vercom simulao-experimento, ou seja, que se trata de um casode homonmia. Este livro postula o duplo sentido em vez doduplo significado, o que muito diferente; e trabalha com a hi-ptese de que a palavra simulao est sofrendo uma recon-figurao semntica porque temos dificuldades para lidar coma ambiguidade.

    Tanto a segregao quanto a reconfigurao so atitudessimplistas, posto que nos dispensam de enfrentar a problem-tica relao entre experimento e fingimento. A primeira arbitrauma fronteira de cunho estritamente moral, enquanto a se-gunda nos induz a uma positivao prematura e irrefletida daacepo tecnocientfica da simulao. A primeira nos venda osolhos, ao passo que a segunda tira o sof da sala.

    O objetivo principal deste livro analisar as implicaes ti-cas e estticas da reconfigurao em curso e reunir elementospara uma definio robusta do conceito de simulao, que su-pere o evidente antagonismo sem desprezar a tenso ineren-

    te s diferenas entre aprendizado e farsa. A simetria da opo-

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    10 Introduo

    sio que se estabelece entre as duas acepes enquanto ofingimento se refere falsidade, o experimento, na sua acepocientfica original, tem como meta a verdade sugere a exis-tncia de um eixo conceitual comum. Um eixo sobre o qual asimulao desliza, irredutivelmente ambgua.

    A construo desse eixo demanda uma comunicao trans-disciplinar, dado que as acepes de farsa e experimento seconsolidaram, respectivamente, nas cincias humanas e nascincias duras. E conceber a simulao como um conceitotransdisciplinar nos leva, de sada, a problematizar tanto a po-sitividade do experimento quanto a negatividade da farsa. Ouseja, questionar a existncia de simulaes intrinsecamentepositivas, inocentes ou incuas, assim como a de simulaesintrinsecamente negativas ou perniciosas. Toda simulao-far-sa tem uma dimenso experimental, e toda simulao-experi-mento tem uma dimenso mimtica que a aproxima da farsa.

    A simulao trabalha com antagonismos clssicos das teoriasdo conhecimento, tais como razo-sentidos, natureza-artifcio erealidade-fico, mas segundo uma perspectiva no excludenteque s o paradigma da complexidade pode oferecer. No intuitode ilustrar como essas dualidades podem se articular de modocomplexo, uso amplamente como metfora, ao longo do texto, adualidade analgico-digital da teoria da informao.

    Este livro se baseia numa tese de doutorado em Comuni-cao, e por isso contm referncias tericas que talvez sejamestranhas para leitores no familiarizados com os temas dessarea. No entanto, na medida do possvel procurei apresentartais referncias em linguagem simples, por vezes acompanha-das de notas explicativas,1 para que a proposta da comunicao

    transdisciplinar no esbarre nos costumeiros obstculos do jar-go e da terminologia intraduzvel.

    Agradeo aos professores Fernanda Bruno, Ieda Tucherman, Ri-cardo Kubrusly, Maria Cristina Ferraz e Paulo Vaz pelas sugestes,crticas e incentivo; ao Programa de Ps-Graduao em Comunica-o da Universidade Federal do Rio de Janeiro pelo apoio prestadono decorrer da pesquisa, e ao CNPq pela bolsa de doutorado.

    1. minha a traduo para o portugus de todas as citaes que constam dolivro referentes a obras consultadas em idiomas estrangeiros.

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    Dilogos 11

    1

    Dilogos

    Os discursos devem ser tratados como prticasdescontnuas, que se cruzam por vezes, mas

    tambm se ignoram ou se excluem.Michel Foucault

    Entre os pensadores que abordam diretamente o tema da si-mulao vemos menos contribuies conceituais do que juzosde valor, motivados por uma disputa pelo domnio semnticodo termo. So discursos apaixonados e politicamente engaja-dos. Refiro-me especialmente a Simulacres et Simulation, deJean Baudrillard, e loge de la simulation, de Philippe Quau.O primeiro reergue o estandarte da teoria crtica da Escola deFrankfurt2 e atualiza o libelo de Guy Debord contra a sociedadedo espetculo,3 da qual a era da simulao seria uma espciede sucessora. A segunda, sem combater frontalmente essa po-sio, faz um desagravo simulao, baseado nas virtudes dosmodelos computacionais como ferramentas de aprendizagem,e lhe atribui o statusde estratgia cognitiva privilegiada da cul-tura contempornea.

    O espetculo persiste como um conceito relevante e gera-dor de polmica entre os pensadores da comunicao e da cul-tura. Uns acreditam que a emergncia da cibercultura tornouobsoleto o modelo cultural do espetculo, e outros, como Mu-niz Sodr,4 entendem que ela apenas lhe conferiu novas modu-laes, at porque a mdia televisiva, geradora desse modelo,

    2. HORKHEIMER e ADORNO, 2000.

    3. DEBORD, 1997.4. SODR, 2006.

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    conserva um poder significativo na vida cultural e j est intei-ramente integrada s mdias digitais.

    H quem diga que vivemos hoje muito alm do espetculo,5

    e h tambm aqueles que, embora concordando generica-

    mente com a tese de Debord, lhe fazem objees especficas.

    Bucci, por exemplo, questiona a concepo do inconsciente de

    Debord como uma deformao produzida pelo espetculo,6

    ressaltando que essa perspectiva indevidamente ignora o pos-

    tulado, j consagrado na teoria psicanaltica de sua poca, do

    inconsciente como dimenso constitutiva do sujeito. A defini-

    o do inconsciente como falta de conscincia lastreia as no-

    es de alienao e iluso frequentemente empregadas pela te-

    oria crtica para desqualificar a indstria cultural.

    Tanto os discursos contemporneos sobre simulao quan-

    to seus precursores, sejam os de crtica ou os de adeso in-

    dstria cultural, apresentam-se, sem subterfgios, como armas

    do pensamento. Por isso, o formato de dilogo me pareceu o

    mais apropriado para mostrar a fora e por vezes a violncia

    desses discursos. Outro motivo da escolha desse formato a

    afinidade com o estilo de dois consagrados estrategistas da si-

    mulao Plato e Galileu, inventores respectivamente da teo-

    ria clssica do simulacro e do mtodo cientfico de simulao.

    Ambos expuseram suas ideias em forma de dilogos, cada um

    incorporando sua maneira, em memorveis contendas ver-

    bais, as tenses do pensamento de sua poca.

    No pretendi fazer as vezes do Scrates de Plato nem do

    Salviati de Galileu.7 Minha personagem procura atuar como

    advogado do diabo, questionando verdades estabelecidas e

    abrindo caminho para a crtica de concepes reducionistas

    da simulao e conceitos conexos. Os dilogos que se seguemtm como objetivo criar tenso tanto com o pensamento crtico

    quanto com os discursos de adeso cultura da simulao.

    5. Ttulo de coletnea organizada por Adauto Novaes (Ed. Senac So Paulo,2005) em que 16 pensadores contemporneos discutem a validade da teoria doespetculo para explicar fenmenos culturais contemporneos.

    6. BUCCI, 2005.

    7. Scrates e Salviati so os personagens que nas obras de Plato e Galileu, res-

    pectivamente, desafiam o senso comum e atuam como porta-vozes do saberinstaurado por esses pensadores.

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    Dilogos 13

    O primeiro dilogo, Do poder diablico da simulao, re-ne personagens de diferentes pocas porm ligados por ideiascomuns, tais como a crtica ao capitalismo tardio e particular-mente sua capacidade de manipulao do domnio simblico;a eliminao das tenses da representao relativas condiotrgica do humano; o monoplio da realidade pelo modelo depoder dominante e a aniquilao de tudo aquilo que lhe esca-pa. Esses discursos denunciam, direta ou indiretamente, estra-tgias de simulao-farsa que se desenvolvem sob a gide daindstria cultural.

    O tom passional faz parte da estratgia desses autores. Naspalavras de Baudrillard,8 diante da liquidao do referente realem proveito dos confortveis jogos de realidade, o nico recursoque resta a violncia terica. Niilista confesso, sua convico a de que na cultura da simulao somos seres para os quais, embreve, j no haver morte, nem representao da morte, nemsequer o que pior iluso da morte.9

    O segundo dilogo, Do poder mgico da realidade virtual,pe em cena personagens que abordam a simulao no con-texto da cibercultura e que formam uma comunidade de pen-samento. So os entusiastas da simulao-experimento, qualatribuem as virtudes de dar acesso a uma aprendizagem intui-tiva e no dirigida do real e de suplement-lo com intervenescriativas. Tambm eles ressaltam o poder da simulao na ins-tncia simblica, mas para enaltecer o enriquecimento e a ex-panso dos limites da linguagem.

    recorrente entre os personagens do segundo dilogo aideia de que a linguagem natural, com suas impuras e impre-cisas metforas, obsoleta e deve ceder espao linguagem

    formal dos modelos computacionais. Mais eficaz e produtiva,neutra e transparente, esta ltima seria a linguagem mais ade-quada para a transmisso de informao e a evoluo da apren-dizagem. Alm disso, os construtos que ela permite elaborar ambientes virtuais seriam potentes o bastante para, com seusdispositivos de simulao de presena e contato, dar corpo

    8. BAUDRILLARD, 1981.9. Id., 1992, p. 147.

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    imaginao e ampliar as possibilidades da experincia huma-na, superando as limitaes fsicas do corpo e da mente.

    Os dilogos foram construdos com as falas mais expressi-vas do vis de cada personagem e transmitem, inevitavelmen-te, uma falsa impresso de uniformidade. A obra de Baudrillardtem passagens onde a trama sedutora da simulao apre-sentada como algo muito mais complexo e ambguo do quenos seus ataques furiosos contra o simulacro de simulao.10Quau modera o tom de louvor ao alertar para o perigo de umaeventual overdose de simulao se tomarmos indevidamenteos signos pelas coisas.11 Lvy pe entre parnteses a tese positi-va da transparncia da linguagem dos modelos quando admiteque a simulao computacional s pode se aproximar da intera-o sensrio-motora direta porque mquinas de escrita muitoabstratas esto trabalhando no mais secreto de indispensveiscaixas-pretas.12

    Mas a escolha do formato de dilogo para apresentar os em-bates tericos em torno do tema da simulao serve principal-mente para mostrar que a montagem, o discurso editado, tempoder de produzir sentido. Baudrillard afirma que o processocontraditrio do verdadeiro e do falso, do real e do imaginrio, abolido na lgica hiper-real da montagem.13 Entendo, ao con-trrio, que tal processo conduzido frequentemente por mon-tagem. Plato e Galileu foram mestres na produo de verdadesa partir dessa tcnica, e me proponho a experiment-la nos di-logos simulados que se seguem.

    10. BAUDRILLARD, 1991.11. QUAU, 1986.

    12. LVY, 1998a, p. 32.13. BAUDRILLARD, 1996, p. 84.

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    Dilogos 15

    Do poder diablico da simulao

    Personagens: Jean Baudrillard (JB), Guy Debord (GD), Max

    Horkheimer (MH), Theodor Adorno (TA), Walter Benjamin (WB),

    e Ins Accioly (IA)

    IA Na era das tecnologias informacionais no faz mais sentidoa distino entre original e cpia, e o valor de autenticidade se

    volatiliza. Tu que presenciaste a exploso da indstria cultural,WB, podes falar sobre os primrdios desse processo.

    WB A esfera da autenticidade, como um todo, escapa re-produtibilidade tcnica, e naturalmente no apenas tcnica.

    Mas, enquanto o autntico preserva toda a sua autoridade com

    relao reproduo manual, em geral considerada uma falsi-

    ficao, o mesmo no ocorre no que diz respeito reproduo

    tcnica, e isso por duas razes. Em primeiro lugar, relativamen-

    te ao original a reproduo tcnica tem mais autonomia que

    a reproduo manual. Ela pode, por exemplo, pela fotografia,

    acentuar certos aspectos do original acessveis objetiva

    ajustvel e capaz de selecionar arbitrariamente o seu ngulo de

    observao mas no acessveis ao olhar humano. Em segundo

    lugar, a reproduo tcnica pode colocar a cpia do original em

    situaes impossveis para o prprio original.14

    IA A cpia ganha, ento, certa autonomia em relao ao seumodelo. Que problemas ou danos para a cultura decorrem des-

    sa mudana?

    WB Mesmo que essas novas circunstncias deixem intato ocontedo da obra de arte, elas desvalorizam de qualquer modo

    o seu aqui e agora. A autenticidade de uma coisa a quintes-

    sncia de tudo o que foi transmitido pela tradio, a partir de

    sua origem, desde sua durao material at o seu testemunho

    14. BENJAMIN, 1994, p. 168.

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    histrico. Como este depende da materialidade da obra, quan-do ela se esquiva do homem por meio da reproduo, tambmo testemunho se perde. Sem dvida, s esse testemunho desa-parece, mas o que desaparece com ele a autoridade da coisa,seu peso tradicional. O conceito de aura permite resumir essascaractersticas: o que se atrofia na era da reprodutibilidade tc-nica da obra de arte a sua aura.15

    IA O que o leva a diagnosticar essa atrofia?

    WB Fazer as coisas ficarem mais prximas uma preocupa-o to apaixonada das massas modernas como sua tendnciaa superar o carter nico de todos os fatos atravs da sua re-produtibilidade. Cada dia fica mais irresistvel a necessidade de

    possuir o objeto, de to perto quanto possvel, na imagem, ouantes, na sua cpia, na sua reproduo.16

    IA Mas o que perdemos com isto?

    WB Retirar o objeto do seu invlucro, destruir sua aura, acaracterstica de uma forma de percepo cuja capacidade decaptar o semelhante no mundo to aguda que, graas re-produo, ela consegue capt-lo at no fenmeno nico. Assimse manifesta na esfera sensorial a tendncia que na esfera te-

    rica explica a importncia crescente da estatstica. Orientara realidade em funo das massas e as massas em funo darealidade um processo de imenso alcance, tanto para o pen-samento como para a intuio.17

    IA Percebes, ento, uma tendncia padronizao onde mui-tos enxergam diversificao. A indstria evoluiu no sculo XX,em todos os campos, visivelmente de maneira a atender a umavariedade cada vez maior de demandas. Onde est a homoge-neidade da indstria cultural? Como explicas isto, MH?

    MH A unidade da indstria cultural atesta a unidade em for-mao da poltica. Distines enfticas, como entre filmes declasse A e B, ou entre histrias em revistas a preos diversifica-dos, no so to fundadas na realidade quanto, antes, servempara classificar e organizar os consumidores a fim de padroni-

    15. Ibid, p. 168.

    16. Ibid, p. 170.17. Ibid, p. 170.

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    z-los. Para todos, alguma coisa prevista a fim de que nenhumpossa escapar; as diferenas vm cunhadas e difundidas arti-

    ficialmente. O fato de oferecer ao pblico uma hierarquia de

    qualidades em srie serve somente quantificao mais com-

    pleta. Cada um deve portar-se, por assim dizer, espontanea-

    mente, segundo o seu nvel, determinado a prioripor ndicesestatsticos, e dirigir-se categoria de produtos de massa que

    foi preparada para o seu tipo.18

    TA As qualidades e as desvantagens discutidas pelos conhece-dores servem to s para manifestar uma aparncia de concor-

    dncia e possibilidade de escolha.19

    IA Tudo se resume, ento, a aparentar diferenas inexisten-

    tes? Como se inserem nesse quadro a arte, o estilo, a diferenareal?

    MH Aquilo que os expressionistas e dadastas afirmavam po-lemicamente, a falsidade do estilo como tal, hoje triunfa no jar-

    go canoro do crooner, na graa esmerada da estrela de cinema,por fim na magistral tomada fotogrfica do barraco miservel

    do trabalhador rural.20

    TA O movimento pelo qual a obra de arte transcende a reali-

    dade , com efeito, inseparvel do estilo, mas no consiste naharmonia realizada, na problemtica unidade de forma e con-

    tedo, interno e externo, indivduo e sociedade, mas sim nos

    traos em que aflora a discrepncia na falncia necessria da

    apaixonada tenso para com a identidade. Em vez de se expor

    a essa falncia, na qual o estilo da grande obra de arte sempre

    se negou, a obra medocre sempre se manteve semelhana

    de outras pelo libi da identidade. A indstria cultural por fim

    absolutiza a imitao. Reduzida a puro estilo, trai o seu segredo:a obedincia hierarquia social.21

    MH A indstria cultural continuamente priva seus consumi-dores do que continuamente lhes promete. O assalto ao prazer

    que ao e apresentao emitem indefinidamente prorroga-

    18. HORKHEIMER e ADORNO, 2000, p.172.

    19. Ibid, p. 172.

    20. Ibid, p. 179.21. Ibid, p. 179.

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    do: a promessa a que na realidade o espetculo se reduz, ma-lignamente significa que no se chega ao quid, que o hspedeh de se contentar com a leitura do menu. Ao desejo suscitadopor todos os nomes e imagens esplndidos serve-se, em suma,apenas o elogio da opaca rotina da qual se queria escapar.22

    IA Espetculo e divertimento se fazem presentes em toda cul-tura. O que haveria de to abominvel no espetculo oferecidopela indstria cultural?

    TA Pode-se sempre constatar no amusementa manipulaocomercial, o sales talk, a voz do camel.23

    MH Divertir-se significa que no devemos pensar, que deve-mos esquecer a dor, mesmo onde ela se mostra. Na base do di-

    vertimento planta-se a impotncia. , de fato, fuga, mas no,como se pretende, fuga da realidade perversa, e sim do ltimogro de resistncia que a realidade ainda pode haver deixado.A libertao prometida pelo amusement a do pensamentocomo negao. A impudncia da pergunta retrica que que agente quer? consiste em se dirigir s pessoas fingindo trat-lascomo sujeitos pensantes, quando seu fito, na verdade, o dedesabitu-las ao contato com a subjetividade.24

    GD Tudo o que era vivido diretamente tornou-se uma repre-sentao.25

    IA Percebo que estamos indo alm do mero entretenimento. Apropsito, vale repetir que o espetculo no foi inventado pelaindstria cultural.

    GD Estamos falando do espetacular integrado, cujo sentido fi-nal o fato de ter se integrado prpria realidade medida que

    falava dela e de t-la reconstrudo ao falar sobre ela. Agora essarealidade no aparece diante dele como coisa estranha. Quan-do o espetacular era concentrado, a maior parte da sociedadeperifrica lhe escapava; quando era difusa, uma pequena parte.Hoje, nada lhe escapa. O espetculo confundiu-se com toda arealidade, ao irradi-la. Como era teoricamente previsvel, a ex-

    22. Ibid, p. 187.23. Ibid, p. 192.

    24. Ibid, p. 192.25. DEBORD, 1997, p. 13.

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    perincia prtica da realizao sem obstculos dos desgnios darazo mercantil logo mostrou que, sem exceo, o devir-mundoda falsificao era tambm o devir-falsificao do mundo.26

    IA Trata-se ento de uma lgica circular, que rompe com a l-

    gica clssica da causalidade?GD O espetculo , ao mesmo tempo, o resultado e o proje-to do modo de produo existente. No um suplemento domundo real, uma decorao que lhe acrescentada. o magodo irrealismo da sociedade real. Sob todas as suas formas parti-culares informao ou propaganda, publicidade ou consumodireto de divertimentos o espetculo constitui o modelo atualda vida dominante na sociedade.27

    IA Tua tese, GD, parece atribuir ao espetculo um poder quaseabsoluto sobre a vida social. No seria uma perspectiva dema-siado totalizante? A vida e a inteligncia no se deixam aprisio-nar a tal ponto...

    GD Mas o espetculo nada mais que o sentido da prticatotal de uma formao econmico-social, o seu emprego dotempo. o momento histrico que nos contm. O espetcu-lo se apresenta como uma enorme positividade, indiscutvel

    e inacessvel. No diz nada alm de o que aparece bom, oque bom aparece. A atitude que por princpio ele exige a daaceitao passiva que, de fato, ele j obteve por seu modo deaparecer sem rplica, por seu monoplio da aparncia. O ca-rter fundamentalmente tautolgico do espetculo decorre dosimples fato de seus meios serem, ao mesmo tempo, seu fim.28

    IA Julgas mesmo factvel uma sujeio to radical, que redu-ziria tudo ao consumo passivo? Onde entra a produo nessequadro?

    GD O espetculo a principal produo da sociedade atual.29

    IA De que forma o consumo mobiliza a produo na socieda-de do espetculo?

    26. Ibid, p. 173.27. Ibid, p. 14-15.

    28. Ibid, p. 16-17.29. Ibid, p. 17.

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    GD O indivduo que foi marcado pelo pensamento espetacu-lar empobrecido, mais do que por qualquer outro elemento desua formao, coloca-se de antemo a servio da ordem estabe-lecida, embora sua inteno subjetiva possa ser o oposto disso.Nos pontos essenciais, ele obedecer linguagem do espetcu-lo, a nica que conhece, aquela que lhe ensinaram a falar. Elepode querer repudiar essa retrica, mas vai usar a sintaxe dessalinguagem. Eis um dos aspectos mais importantes do sucessoobtido pela dominao espetacular.30

    IA Mas como, precisamente, o espetculo se relaciona com ocapitalismo, que o principal objeto de tua crtica?

    GD O espetculo a outra face do dinheiro: o equivalente

    geral abstrato de todas as mercadorias. O dinheiro dominou asociedade como representao da equivalncia geral, isto , docarter intercambivel dos bens mltiplos, cujo uso permane-cia incomparvel. O espetculo seu complemento modernodesenvolvido, no qual a totalidade do mundo mercantil apare-ce em bloco, como uma equivalncia geral quilo que o con-junto da sociedade pode ser e fazer. O espetculo o dinheiroque apenas se olha, porque nele a totalidade do uso se troca

    contra a totalidade da representao abstrata. O espetculo no apenas o servidor do pseudo-uso, mas j em si mesmo opseudo-uso da vida.31

    IA Pareces menosprezar possveis atitudes de resistncia, re-volta ou escape frente a esse quadro.

    GD aceitao dcil do que existe pode juntar-se a revoltapuramente espetacular: isso mostra que a prpria insatisfaotornou-se mercadoria, a partir do momento em que a abun-

    dncia econmica foi capaz de estender sua produo at otratamento dessa matria-prima.32

    IA Em que a tua perspectiva se diferencia de uma revolta pu-ramente espetacular?

    GD Sem dvida, o conceito crtico de espetculo pode tam-bm ser divulgado em qualquer frmula vazia da retrica socio-

    30. Ibid, p. 191.

    31. Ibid, p. 34.32. Ibid, p. 39-40.

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    lgico-poltica para explicar e denunciar abstratamente tudo, e

    assim servir defesa do sistema espetacular. Para destruir de

    fato a sociedade do espetculo, preciso que homens ponham

    em ao uma fora prtica.33

    IA No haveria discurso capaz de desestabilizar a lgica doespetculo? Ou subverso possvel pela via da palavra? Esque-ces que discursos tambm so atos, so armas com poder de

    mudar o rumo dos acontecimentos.

    GD O poder do espetculo, to essencialmente unitrio, cen-tralizador das coisas pela fora e de esprito perfeitamente des-

    ptico, costuma ficar indignado quando v constituir-se sob

    seu reino uma poltica-espetculo, uma justia-espetculo,

    uma medicina-espetculo, ou outros tantos surpreendentesexcessos miditicos. O espetculo nada mais seria que o exa-

    gero da mdia, cuja natureza, indiscutivelmente boa, visto que

    serve para comunicar, pode s vezes chegar a excessos. Fre-

    quentemente, os donos da sociedade declaram-se mal servidos

    por seus empregados miditicos; mais ainda, censuram a plebe

    de espectadores pela tendncia de entregar-se sem reservas, e

    quase bestialmente, aos prazeres da mdia. Assim, por trs de

    uma infinidade de pseudodivergncias miditicas, fica dissi-mulado o que exatamente oposto: o resultado de uma con-

    vergncia espetacular buscada com muita tenacidade. Assim

    como a lgica da mercadoria predomina sobre as ambies

    concorrenciais dos comerciantes, ou como a lgica da guerra

    predomina sobre as modificaes do armamento, tambm a

    rigorosa lgica do espetculo comanda em toda parte as extra-

    vagncias da mdia.34

    JB Todo sistema unitrio, caso deseje sobreviver, deve encon-trar uma regulao binria. Isso em nada altera o monoplio,

    pelo contrrio: o poder s absoluto quando sabe se difratar

    em variantes equivalentes, quando sabe se desdobrar para se

    duplicar.35

    33. Ibid, p. 131-132.

    34. Ibid, 171.35. BAUDRILLARD, 1996, p. 89-90.

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    IA Vivemos ento, JB, segundo tua tese, num sistema de po-der unitrio onde se encena uma pseudodialtica que garantea perpetuao desse sistema. Mas tudo na vida tem um lado defora. O que h fora disso?

    JB Tudo o que produz contradio, relao de foras, energiaem geral, no faz seno voltar ao sistema e impeli-lo, de acordocom uma distoro circular semelhante ao anel de Mebius. Ja-mais o venceremos segundo sua prpria lgica, a da energia, doclculo, da razo e da revoluo, a da histria e do poder, a dealguma finalidade ou contrafinalidade, seja qual for a pior vio-lncia nesse nvel incua e se volta contra si mesma. Jamaisvenceremos o sistema no plano real: a que todos lanam

    suas energias, sua violncia imaginria, que uma lgica impla-cvel incorpora constantemente ao sistema.36

    IA No parece contraditrio que o sculo XX, to fecundo emtransformaes, seja ao mesmo tempo o palco desse eterno re-torno do mesmo?

    GD O que o espetculo oferece como perptuo fundado namudana e deve mudar com sua base. O espetculo abso-lutamente dogmtico e, ao mesmo tempo, no pode chegar a

    nenhum dogma slido. Para ele, nada para; este seu estadonatural e, no entanto, o mais contrrio sua propenso.37

    IA Devemos concluir que impossvel tirar frias do onipre-sente espetculo?

    GD Momentos de lazer e de frias so momentos represen-tados distncia e desejveis por definio, como toda merca-doria espetacular. Essa mercadoria explicitamente oferecidacomo o momento da vida real, cujo retorno cclico deve seraguardado. Mas, mesmo nesses momentos concedidos vida,ainda o espetculo que se mostra e se reproduz, atingindo umgrau mais intenso. O que foi representado como a vida real re-vela-se apenas como a vida mais realmente espetacular.38

    IA Tua observao provoca uma reflexo sobre o tempo. Comopassa o tempo na vida do sujeito-espectador?

    36. Ibid, p. 50.

    37. DEBORD, 1997, p. 47.38. Ibid, p. 106.

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    GD Imobilizada no centro falsificado do movimento de seumundo, a conscincia espectadora j no reconhece em suaprpria vida uma passagem para a realizao e para a morte.Quem desistiu de despender sua vida j no deve reconhecersua morte. A publicidade dos seguros de vida insinua que o in-divduo culpado de morrer sem ter garantido a regulao dosistema depois dessa perda econmica; e a do american wayof death insiste na capacidade de manter nessa conjuno amaior parte das aparncias da vida. Nos bombardeios publici-trios restantes, nitidamente proibido envelhecer. como sehouvesse uma tentativa de manter, em todo indivduo, um ca-pital-juventude que, por ter sido usado de um modo medocre,no pode pretender adquirir a realidade durvel e cumulativado capital financeiro. Essa ausncia social da morte idntica ausncia social da vida.39

    IA O advento das redes digitais de comunicao, muito maisinterativas do que o cinema e a televiso, modifica a arquiteturado olhar social e pe um limite teoria do espetculo. Talvezno se possa mais explicar da mesma forma a lgica do capitalna cibercultura.

    JB Assistimos ao fim do espao perspectivo e panptico (hi-ptese moral ainda, e solidria com todas as anlises clssicassobre a essncia objetiva do poder) e, portanto, prpria abo-lio do espetacular. J no estamos na sociedade do espetcu-lo nem no tipo de alienao e de represso especficas que elaimplicava.40

    IA Onde estamos, ento?

    JB Em toda parte, os dispositivos de fora e de forar cedem

    lugar aos dispositivos de criao de ambiente, com a operacio-nalizao das noes de necessidade, percepo e desejo. Fas-cnio espao-dinmico, como esse teatro total estabelecidode acordo com um dispositivo circular hiperblico que gira emtorno de um fuso cilndrico: nada de cena, nada de corte, nada

    39. Ibid, p. 108-109.40. BAUDRILLARD, 1981, p. 51-52.

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    de olhar: fim do espetculo e fim do espetacular, rumo ao am-biental total, fusional, ttico, estsico e no mais esttico.41

    IA Como um nada to radical pode se afirmar no mundocontemporneo, em que as pessoas vivem permanentemente

    conectadas?JB Todo o sistema de comunicao passou de uma estruturasinttica complexa de linguagem a um sistema binrio e sina-

    ltico de pergunta/resposta de teste perptuo. Ora, os testes

    e os referendos so, como se sabe, formas perfeitas de simu-

    lao: a resposta induzida pela pergunta, determinada de

    antemo. Cada mensagem um veredicto, como aquele que

    advm das estatsticas de sondagem. O simulacro de distncia

    (talvez mesmo de contradio) entre os dois polos no passa,tal como o efeito de realno interior mesmo do signo, de umaalucinao ttica.42

    IA Que efeito subjetivo tu atribuis a essa reconfigurao?

    JB Quando o real j no o que era, a nostalgia assume todoseu sentido. Supervalorizao dos mitos de origem e dos signos

    de realidade. Sobrevalorizao de verdade, de objetividade e de

    autenticidade segundas. Escalada do verdadeiro, do vivido, res-

    surreio do figurativo onde o objeto e a substncia desapare-ceram. Produo desenfreada de real e de referencial, paralela e

    superior ao desenfreamento da produo material: assim surge

    a simulao na fase que nos concerne uma estratgia de real,

    de neo-real e de hiper-real, que replica por toda parte uma es-

    tratgia de dissuaso.43

    IA Com tanto estmulo interatividade e iniciativa indivi-dual, como conceber uma primazia da dissuaso? A que esp-

    cie de dissuaso te referes?

    JB A dissuaso uma forma muito particular de ao; aquiloque faz com que uma coisa no acontea. Domina todo o nos-

    so perodo contemporneo, que, em vez de tender a produzir

    41. Id, 1996, p. 94.

    42. Ibid, p. 81-82.43. Id, 1981, p. 17.

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    acontecimentos, faz com que uma coisa no acontea, embora

    tendo a aparncia de um acontecimento histrico.44

    IA De que forma isto se manifesta na vida social?

    JB As pessoas j no se olham, mas existem institutos para

    isso. J no se tocam, mas existe a contactoterapia. J no an-dam, mas fazemjoggingetc. Por toda parte se reciclam as facul-dades perdidas, ou o corpo perdido, ou a sociabilidade perdida,ou o gosto perdido pela comida.45

    IA O indivduo contemporneo, como sabes, pressionadopor um sistema de produo que lhe exige ampla disponibili-

    dade.

    JB Este indivduo no de modo algum um indivduo. umarrependido da subjetividade e da alienao, da apropriao

    herica de si. No pensa seno na apropriao tcnica do eu. um convertido religio sacrificial do desempenho, da eficcia,do stresse do timing liturgia bem mais feroz do que a da pro-duo, modificao total e sacrifcio incondicional s divinda-des da informao, explorao total de si por si mesmo, ltimoestdio da alienao.46

    IA Queres dizer que estamos perdendo a capacidade de pen-sar?

    JB Hoje o simulacro j no passa mais pelo duplo e pela redu-plicao, mas pela miniaturizao gentica.47

    IA Que nexo se pode estabelecer entre o simulacro de simula-o e a engenharia gentica?

    JB Estamos na era das tecnologias brandas, software genti-co e mental. As prteses da era industrial, as mquinas, ainda

    voltavam ao corpo para modificar-lhe a imagem, elas mesmaseram metabolizadas no imaginrio, e esse metabolismo faziaparte da imagem do corpo. Mas, quando se atinge um pontosem volta na simulao, quando as prteses infiltram-se no co-rao annimo e micromolecular do corpo, quando se impem

    44. Id, 1992, p. 31.45. id, 1981, p. 27.

    46. Id, 1992, p. 156.47. Id, 1997, p. 172.

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    ao prprio corpo como matriz, queimando todos os circuitossimblicos ulteriores, sendo qualquer corpo possvel nada mais

    que sua imutvel repetio, ento o fim do corpo e de sua his-tria, e o indivduo no mais que uma metstase cancerosa desua frmula de base.48

    IA D-nos tua verso sobre o fim da histria.

    JB Sair da histria para entrar na simulao apenas umaconsequncia de a prpria histria no ser, no fundo, mais doque um imenso modelo de simulao. No no sentido de sexistir pelo relato que feito ou pela interpretao que dada,mas em relao ao tempo em que se desenvolve esse tempolinear que , simultaneamente, o do fim e de uma suspenso

    ilimitada do fim.49

    IA Eu diria que enquanto existe imaginrio social existe hist-ria. O imaginrio se constri no tempo, e na era da simulaoele parece mais frtil do que nunca.

    JB O imaginrio era o libi do real, num mundo dominadopelo princpio de realidade. Hoje em dia, o real que se tornalibi do modelo, num universo regido pelo princpio de simula-o. E paradoxalmente o real que se tornou a nossa verdadeira

    utopia, mas uma utopia que j no da ordem do possvel spodemos fantasi-la como um objeto perdido.50

    IA Distingues trs ordens de simulacros tomando como pon-to de partida a contrafaco surgida na Renascena. Conta-nosessa histria, ento...

    JB nas proezas do estuque e da arte barroca que se decifraa metafsica da contrafaco, e as ambies novas do homem

    renascentista so as de uma demiurgia mundana, de uma tran-substanciao de toda natureza numa nica substncia, teatralcomo a sociabilidade unificada sob o signo dos valores burgue-ses, para alm das diferenas de sangue, de posio ou de casta.O estuque a democracia triunfal de todos os signos artificiais,a apoteose do teatro e da moda, ele traduz a possibilidade,para a nova classe, de tudo fazer, uma vez que ela pde abalar

    48. Id, 1991, p. 196.

    49. Id, 1992, p. 16.50. Id, 1981, p. 179.

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    a exclusividade dos signos. o caminho aberto a combinaesinauditas, a todos os jogos, a todas as contrafaces o olharprometico da burguesia dedicou-se de incio imitao danatureza, antes de lanar-se produo. Nas igrejas e nos pal-cios, o estuque aceita todas as formas, imita todas as matrias,as cortinas de veludo, as cornijas de madeira, as rotundidadescarnais dos corpos. O estuque exorciza a inverossmil confusode matrias numa s substncia nova, espcie de equivalentegeral de todos os outros, e propicia a todos prestgios teatrais,por ser ela mesma substncia representativa, espelho de todasas outras.51

    IA Mas por que a contrafaco teria mais valor cultural do que

    a produo?JB O simulacro de primeira ordem nunca abole a diferena: elesupe a altercao sempre sensvel do simulacro e do real (jogoparticularmente sutil na pintura em trompe loeil, mas a arteinteira vive dessa distino). O simulacro de segunda ordemsimplifica o problema por meio da absoro das aparncias ouda liquidao do real, como se preferir. Ele erige, seja como for,uma realidade sem imagem, sem eco, sem espelho, sem apa-

    rncia: assim o trabalho, a mquina, o sistema de produoindustrial inteiro, no sentido de que se ope radicalmente aoprincpio da iluso teatral. Nada de semelhana nem desseme-lhana, de Deus nem de homem, mas uma lgica imanente doprincpio operacional.52

    IA Insisto: que virtudes ticas ou estticas tu atribuis con-trafaco?

    JB O trompe loeilno se confunde com o real. Trata-se de pro-

    duzir um simulacro em plena conscincia do jogo e do artifcio imitando a terceira dimenso, instaurar a dvida sobre a rea-lidade dessa dimenso e, ultrapassando o efeito do real, instau-rar uma dvida radical sobre o princpio de realidade.53

    51. Id, 1996, p. 66.

    52. Ibid, p. 70.53. Id, 1991, p. 73.

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    IA A produo industrial mobiliza e coordena foras sociais,alm de estar ligada noo moderna de progresso. Isto no

    vale nada?

    JB As fabulosas energias que esto em jogo na tcnica, na in-

    dstria e na economia no deviam esconder que no se trata nofundo seno de atingir essa reprodutibilidade indefinida que

    com certeza um desafio ordem natural, mas em ltima an-

    lise um simulacro de segunda ordem e uma soluo imaginria

    bem pobre para o domnio do mundo. Com relao era da

    contrafaco, do duplo, do espelho, do teatro, do jogo de ms-

    caras e de aparncias, a era serial e tcnica da reproduo , em

    suma, uma era de menor envergadura a que se segue, a era

    dos modelos de simulao, a dos simulacros de terceira ordem,tem uma dimenso bem mais considervel.54

    IA Explica-nos a dimenso dessa mudana.

    JB Desde agora tudo est fadado maldio da tela, maldi-o do simulacro. Estamos num mundo onde a funo essencial

    do signo consiste em fazer desaparecer a realidade e ao mesmo

    tempo colocar um vu sobre esse desaparecimento.55

    IA Se tomarmos a tela como emblema do desaparecimento

    do real, devemos recuar at o surgimento da tela do cinema. Deacordo, MH?

    MH Na face dos heris do cinema e do homem da rua, con-feccionada segundo os modelos das capas das grandes revistas,

    desaparece uma aparncia em que ningum mais cr, e a paixo

    por aqueles modelos vive da satisfao secreta de, finalmente,

    estarmos dispensados da fadiga da individualizao, mesmo

    que seja pelo esforo ainda mais trabalhoso da imitao.56

    IA A progressiva hipertrofia da imagem, que percebeis comoum sintoma de rarefao do real, no poderia ser interpretada

    como uma demanda cultural por maior diversidade de nveis

    de realidade? Parece-me uma atitude um tanto niilista fechar

    questo em torno de um nico efeito perverso, ignorando ou-

    tros possveis.

    54. Id, 1996, p. 71-72.

    55. Id, 1999, p. 80.56. HORKHEIMER e ADORNO, 2000, p. 203.

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    JB Se ser niilista levar, at ao limite insuportvel dos siste-mas hegemnicos, este gesto radical de irriso e de violncia,este desafio em que o sistema convocado a responder por suaprpria morte, ento eu sou terrorista e niilista em teoria, comooutros o so pelas armas. A violncia terica, no a verdade, onico recurso que nos resta.57

    IA Este um gesto tipicamente nietzscheano. Todavia, em l-tima instncia a filosofia de Nietzsche nos indica um caminhode retomada da potncia contra a impotncia.

    JB intil dizer que a transmutao dos valores segundoNietzsche no chegou a ocorrer, a no ser precisamente nosentido oposto no alm, mas aqum do bem e do mal; no

    alm, mas aqum do verdadeiro e do falso, do belo e do feioetc. Transmutao involutiva rumo a uma indiferena, a umaindefinio dos valores, ela prpria fetichista numa esttica dapluralidade, da diferena etc. Fetichizao j no das divinda-des, das grandes ideias ou dos grandes feitos, mas das diferen-as mnimas e das partculas.58

    IA Para onde foi o trgico em nossa cultura?

    TA O trgico torna interessante o tdio da felicidade consa-

    grada e torna o interessante acessvel a todos. Oferece ao con-sumidor que viu culturalmente dias melhores o sucedneoda profundidade h muito tempo liquidada, e, ao espectadorcomum, a escria cultural de que deve dispor por motivos deprestgio.59

    IA At mesmo o trgico foi anexado e domesticado? Devemosconcluir ento, JB, que a era da simulao no nos permite pen-sar um lado de fora?

    JB Isto a simulao naquilo em que se ope representao.Esta parte do princpio da equivalncia do signo e do real (mes-mo sendo essa equivalncia utpica, trata-se de um axioma fun-damental). A simulao parte na contramo da utopia do prin-cpio de equivalncia, parte da negao radical do signo comovalor, parte do signo como reverso e aniquilamento de toda re-

    57. BAUDRILLARD, 1981, p. 233.

    58. Id, 1992, p. 141.59. HORKHEIMER e ADORNO, 2000, p. 199.

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    ferncia. Enquanto a representao tenta absorver a simulaointerpretando-a como falsa representao, a simulao envolvetodo o edifcio da representao como simulacro.60

    60. BAUDRILLARD, 1981, p.16.

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    Do poder mgico da realidade virtual

    Personagens: Pierre Lvy (PL), Philippe Quau (PQ), Edmond

    Couchot (EC), Stefania Garassini (SG), Barbara Gasparini (BG) e

    Ins Accioly (IA)

    IA Vivemos numa cultura que privilegia o simulacro e a rea-lidade virtual em detrimento do real imediato. No seria esta

    uma verso atualizada da sociedade do espetculo, PL?PL Cessemos de diabolizar o virtual como se fosse o contrriodo real! A escolha no entre a nostalgia de um real datado e

    um virtual ameaador ou excitante, mas entre diferentes con-

    cepes do virtual. A alternativa simples. Ou o ciberespao re-

    produzir o miditico, o espetacular, o consumo de informaomercantil e a excluso numa escala ainda mais gigantesca quehoje esta , grosso modo, a tendncia natural das supervias dainformao ou da televiso interativa; ou acompanhamos astendncias mais positivas da evoluo em curso e criamos umprojeto de civilizao centrado sobre os coletivos inteligentes:recriao do vnculo social mediante trocas de saber, reconhe-cimento, escuta e valorizao das singularidades, democraciamais direta, mais participativa, enriquecimento das vidas indi-viduais, inveno de formas novas de cooperao aberta pararesolver os terrveis problemas que a humanidade deve enfren-

    tar, disposio das infraestruturas informticas e culturais dainteligncia coletiva61.

    IA At mesmo os terrveis problemas da humanidade so es-petacularizados. Consomem-se imagens de guerra e genocdiocomo se consome uma mercadoria qualquer.

    PL A imprensa e a televiso criam o acontecimento, produ-zem a realidade miditica, evoluem em seu prprio espao em

    61. LVY, 1996, p. 117-118.

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    vez de nos enviar os sinais das prprias coisas. A referncia sremete midiasfera. A grande loja do signo, ou o Espetculo,torna-se uma espcie de super-realidade pela qual toda fala, outoda imagem, deve passar, caso pretenda ter alguma eficcia.A passagem nos circuitos miditicos destrona a representao:Visto na TV...62

    IA Queres dizer que a lgica do espetculo se esgota na mdiatelevisiva? Por que a cibercultura seria imune a ela?

    PL A sociedade do espetculo o momento intermedirio emque a esfera computacional j adquiriu um incio de consistn-cia, sem ter ainda adquirido sua autonomia em relao mer-cadoria. preciso imaginar a potncia das tecnologias digitais e

    miditicas a servio da imaginao coletiva, da produo cont-nua de subjetividade, da inveno de novas qualidades de ser.63

    IA A imaginao coletiva no pode ser concebida como maisum ato do espetculo?

    PL O coletivo inteligente passou pelo Espetculo, teve a ex-perincia e usufruiu uma realidade reduzida ao signo. No movido, portanto, pela nostalgia do autntico, mas engaja-seresolutamente em um jogo de artifcios, de simulaes e de

    imaginao criativa ainda mais livre.64

    IA E este, na tua opinio, um jogo inocente?

    PL Certamente a tecnocincia, o dinheiro e o ciberespaofazem do homem um caador, um proprietrio, um domina-dor mais aterrorizante do que nunca. Mas os grandes objetoscontemporneos s lhe conferem esses poderes forando-o asubmeter-se experincia propriamente humana da renncia

    presa, da desero do poder e do abandono da propriedade. Aexperincia da virtualizao.65

    IA A utopia do virtual a servio do social...

    PL Utopia? Sim. Reivindicamos a utopia em detrimento dapreguia e do realismo conformista.66

    62. Id, 1998b, p. 144.63. Ibid, p. 198.64. Ibid, p. 147.

    65. Id, 1996, p. 130.66. Id, 1998a, p. 16.

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    IA Qual a base dessa utopia?

    PL A realidade virtual a mais recente de uma longa linha-gem de utopias semiticas que tm em comum o fato de visar auma comunicao transparente, sem interferncia ou resduo.

    Trata-se certamente de curto-circuitar as lnguas naturais, per-cebidas como obstculos, mdias deformantes ou canais insu-ficientes.67

    PQ A lngua no somente vaga e imprecisa, ela engana-dora... No somente a palavra crucifica a coisa como ela criaquimeras, simulacros de coisas.68

    IA Mas a linguagem formal dos softwarespode escapar a essasimprecises e enganos?

    PQ A linguagem j nos habituou a descartar as coisas mes-mas e a entrar num certo jogo formal de combinaes mais oumenos livres. A dobra , ento, j dada, mesmo se as bases dasestruturas realistas da lngua continuam a se fazer sentir. Aocontrrio, um espao formal, permeado por operaes simb-licas, relativamente livre do intuicionismo naif da linguagempoderia dar espao a um campo ideal de manobra abstrata, demanipulao calculada, em suma, um espao de simulao.69

    IA As linguagens formais no derivam de abstraes operadasa partir das linguagens ditas naturais?

    PQ As linguagens simblicas no so simples prolongamentosdas linguagens naturais. Elas oferecem espontaneamente a pos-sibilidade de realizar operaes simblicas que so mais do queagenciamentos passivos de cdigos e convenes. De fato, todalinguagem contm certa dose de arbitrariedade que a estrutura

    de modo imanente. Na medida em que se pode tornar evidenteessa estrutura, pode-se ento experiment-la e eventualmentetorn-la produtiva. isso que explica a diferena radical entreas linguagens formais e a lngua natural. Aquelas distinguemclaramente os cdigos e as estruturas que esta tende a confun-dir com o tecido mesmo do real. Essa distino permite uma

    67. Ibid, p. 36.

    68. QUAU, 1986, p. 14.69. Ibid, p. 131.

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    manipulao efetiva de formas, ou seja, um empreendimento

    experimental.70

    IA Isto que vs apontais como transparncia intrnseca daslinguagens formais me parece uma variante da mesma utopia.

    Tal como as linguagens ditas naturais, as formais tambm os-cilam entre mostrar e esconder, entre a transparncia e a opa-cidade. O custo dessa pretensa transparncia das linguagensformais a incapacidade de pensar o rudo e a ambiguidade,como se nem um nem outra fizessem parte da comunicao.

    PQ sempre possvel tirar partido do poder de renovao dossistemas simblicos, dos modelos. Uma vez que nossa apre-enso do real limitada pelos modelos que estruturam (geral-

    mente sem o sabermos) a lngua, torna-se possvel ter em vistaampliar nosso campo de percepo e de concepo trabalhan-do diretamente esses modelos.71

    PL A linguagem foi adotada pela espcie humana como meiode comunicao privilegiado em vista de certas limitaes fsi-cas particulares, mas certamente no o modo de comunica-o ideal.72

    PQ Hoje, diante da constatao repetida das insuficincias

    da linguagem, partimos em busca de um novo sistema simb-lico ao qual dever corresponder uma nova prtica de clculo

    e combinao, uma filosofia dos modelos, uma racionalizao

    cultural da simulao.73

    PL A simulao, que podemos considerar como uma imagi-nao auxiliada por computador , portanto, ao mesmo tempo,uma ferramenta de ajuda ao raciocnio muito mais potente quea velha lgica formal que se baseava no alfabeto.74

    IA No s com clculo que se faz simulao. tambm comanalogias, que pertencem ao universo das linguagens naturais.

    70. Ibid, p. 139.71. Ibid, p. 158.72. LVY, 1998a, p. 29.

    73. QUAU, 1986, p. 155.74. LVY, 1993, p. 124.

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    PQ Se no podemos nos dotar de instrumentos de anlise ede avaliao, a analogia recai na pura retrica, decididamenteopacificante, ocultadora, obscurantista.75

    IA Mas a dita objetividade da anlise e da avaliao no ,

    tambm, uma fico do pensamento?PQ O que a metfora na linguagem potica o modelo nalinguagem cientfica. Metforas e modelos so fices que noscomprazemos em construir, seja pelo prazer esttico seja paradescrever mais adequadamente o real. O poeta conduz suasmetforas aos confins do indecidvel. O cientista deve cons-truir seus modelos em funo dos estritos limites da rede deconexes que eles geram. Se a metfora potica pode sempre

    ser expandida, ela no tem necessariamente que se submeter aessa prova de coerncia, de consistncia. Por outro lado, o mo-delo cientfico que, em princpio, no seria mais do que umasimples metfora, deve inevitavelmente passar pelo teste desua propagao no mundo real. A tese que defendo a de quese pode agir sobre as condies de propagao dos modelosconferindo-lhes uma forma potica. O modelo uma metfo-ra calculvel e continuada. Somente a referncia ao real limita

    sua generosidade simblica. Se cai essa referncia, o modeloadquire uma capacidade de representao equivalente da ln-gua natural.76

    IA Se estamos tratando de fices, por que seriam necessriasprovas de propagao no mundo real?

    PQ O uso de metforas, assim como o de modelos, deriva deuma ideia implcita: a crena na unidade e na continuidade doreal. Mais precisamente, h um ato de f no ato mesmo da ge-

    neralizao que torna possvel as metforas e os modelos.77

    IA Conjugando metforas e modelos temos, ento, uma estra-tgia mais eficaz para abordar o real?

    PQ Um sistema simblico no deve ter por tarefa reproduziro real, o que seria acima de tudo ilusrio. Trata-se, isto sim, detentar compreender melhor certos aspectos do real, de suas es-

    75. QUAU, 1986, p. 21.

    76. Ibid, p. 21.77. Ibid, p. 82.

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    truturas ou de seus comportamentos. Em particular, uma pro-

    priedade fundamental dos sistemas simblicos deve ser a defavorecer a emergncia de novas noes, de conceitos surpre-endentes. nesse sentido que se pode falar de produtividadede tal ou qual sistema de smbolos.78

    PL A proliferao contempornea dos instrumentos de simu-lao, seu baixo custo e sua facilidade de uso representam, semdvida, o melhor antdoto contra a confuso entre modelo erealidade. Um modelo determinado, entre cem outros que po-deriam ter sido criados sem muito esforo, aparece como aqui-lo que ele : uma etapa, um instante dentro de um processoininterrupto de bricolagem e de reorganizao intelectual.79

    PQ simplesmente uma operao de metfora. As formasabstratas servem de matrizes para as formas reais. Conhece-mos o uso intensivo do deslocamento metafrico no interior dalinguagem natural. O que se prope aqui estender o uso dasmetforas ao intercmbio entre diferentes sistemas simblicos.Pensamos que as matemticas e as cincias fsicas no somenteconstituem um reservatrio de metforas inditas como per-mitem verdadeiras exploraes por suas estruturas.80

    IA Devemos trocar em midos a relao que vs estabeleceisentre o conhecimento por simulao e o real.

    PL O que nos interessa , em primeiro lugar, o benefciocognitivo. A manipulao dos parmetros e a simulao detodas as circunstncias possveis do ao usurio do programauma espcie de intuio sobre as relaes de causa e efeitopresentes no modelo. Ele adquire um conhecimento por simu-lao do sistema modelado, que no se assemelha nem a um

    conhecimento terico nem a uma experincia prtica, nem aoacmulo de uma tradio oral.81

    PQ O papel dos modelos cientficos ajudar a pensar. Obje-tivando as hipteses, inspirando estruturas, tornando possvela predio quantitativa ou qualitativa de resultados, exploran-

    78. Ibid, p. 81-82.79. LVY, 1993, p. 125.

    80. QUAU, 1986, p. 133.81. LVY, 1993, p. 122.

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    do as consequncias implcitas dos formalismos matemticos,a simulao cumpre seu papel de ferramenta heurstica. A efi-ccia desse empreendimento no precisa mais ser demonstra-da. Seu sucesso tal que a simulao se tornou ela mesma umparadigma. No mais um simples instrumento metodolgico,mas uma imagem do funcionamento mesmo de nossos corposou do pensamento.82

    PL Nossa capacidade de simular mentalmente os movimentose reaes possveis do mundo exterior nos permite antecipar asconsequncias de nossos atos. A imaginao a condio daescolha ou da deciso deliberada. (O que aconteceria se fizs-semos isso ou aquilo?) Tiramos proveito de nossas experincias

    passadas, usando-as para modificar nosso modelo mental domundo que nos cerca.83

    IA Queres dizer que a noo de simulao ajuda a definir oprocesso do conhecimento?

    PL Levantamos a hiptese de que a construo e a simulaode modelos mentais constituem o principal processo cognitivosubjacente ao raciocnio, ao aprendizado, compreenso e comunicao. Raciocinar sobre uma situao equivaleria, pri-

    meiramente, a recordar ou construir certo nmero de modelosmentais referentes a ela; em segundo lugar, a fazer funcionarou a simular esses modelos, a fim de observar o que se tornamem outras circunstncias, verificando se permanecem adequa-dos aos dados da experincia; em terceiro lugar, a selecionar omelhor modelo.84

    PQ A meio caminho do real e do racional, a simulao toma omodelo como objeto de experincia. A simulao ento uma

    ferramenta experimental, ligada explorao no mais do realmas de modelos que dele se formam. Trata-se, por exemplo, desimular as experincias que seriam difceis ou impossveis derealizar na prtica. Pode-se tambm simular o comportamentode sistemas matemticos abstratos, a prioriexcludos de todaaplicao real. Entretanto, nos prprios modos de conceitua-

    82. QUAU, 1986, p. 162.

    83. LVY, 1993, p. 124.84. Id, 1998a, p. 19.

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    lizao que se deve esperar um uso inovador da simulao. En-

    tre a teoria e a experincia, entre a formalizao matemtica e aobservao fenomenolgica, a simulao abre uma terceira via:a explorao algortmica.85

    IA Que grau de legitimidade tu atribuis ao conhecimento pormodelos?

    PQ da responsabilidade dos criadores de modelos e dos ex-perimentadores avaliar a distncia autorizada entre o modelo

    e o real.86

    PL O conhecimento por simulao s tem validade dentro deum quadro epistemolgico relativista. Se no, o criador de mo-

    delos poderia se deixar levar pela crena de que seu modelo

    verdadeiro, que ele representa no sentido forte a realidade,esquecendo que todo modelo construdo para determinado

    uso de determinado sujeito em um momento dado.87

    PQ Renunciamos totalidade do real, contentamo-nos comaproximaes mais elpticas, mais resumidas, porm em pro-

    veito de uma configurao do saber mais estruturada, mais

    operatria. A posio respectiva dos objetos vale mais que sua

    descrio. Visamos a uma representao de certa forma carto-

    grfica do mundo; ela visualiza e memoriza os fenmenos e ahistria de sua organizao. Ela maximiza o contedo de reali-

    dade traduzida, dando a ver os cnones do mtodo.88

    PL O declnio da verdade crtica no significa que a partir deagora qualquer coisa ser aceita sem uma anlise, mas que ire-

    mos lidar com modelos de pertinncia varivel, obtidos e simu-lados de forma mais ou menos rpida, e isto de forma cada vezmais independente de um horizonte da verdade, uma qualpudssemos aderir firmemente. Se h cada vez menos contra-

    dies, porque a pretenso verdade diminui. No se critica

    mais, corrigem-se os erros.89

    85. QUAU, 1986, p. 147.86. Ibid, p. 16.87. LVY, 1993, p. 15.

    88. QUAU, 1986, p. 107.89. LVY, 1993, p. 12.

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    PQ Com a simulao nos dotamos de um novo instrumentode escrita com o qual se pode justamente dar conta daquilo que

    nos era inacessvel, informulvel com as ferramentas prece-dentes. Os sistemas de escrita clssicos procuram apreendero mundo na preciso do traado, na acuidade da observao.Eles procuram dissecar o real, cerc-lo, com seu jogo de sombrae de luz. Com a simulao, muda-se a tica. A escrita de um sis-tema de simulao, de um simulador, visa a criar as condiesde produo de um pequeno mundo em si. Da objetivao re-finada dos fins passamos reconstruo eficaz dos meios. Nose busca mais a reproduo do real, mas as condies de suaproduo. Simular se colocar como demiurgo, definindo oconjunto de leis necessrias ao estabelecimento e ao funciona-mento de um microuniverso, geralmente com estrutura mate-mtica, e gozando aps sua concepo de uma espcie de auto-nomia e liberdade intrnseca de comportamento.90

    PL O conhecimento por simulao e a interconexo em tem-po real valorizam o momento oportuno, a situao e as circuns-tncias relativas, por oposio ao sentido molar da histria ou verdade fora do tempo e espao, que talvez fossem apenas

    efeitos da escrita.

    91

    IA A noo de escrita nos traz de volta o tema da linguagem ou melhor, das linguagens. Ora vos referis simulao sim-plesmente como linguagem, ora como uma evoluo das tec-nologias intelectuais.

    PQ A linguagem um simulador de sentido. Ela provoca osentido pelo jogo fluido e aleatrio das combinaes que en-seja formalmente. As experincias de escrita automtica gene-

    ralizam at o absurdo um princpio fundamentalmente ligado estrutura da linguagem. Com os simuladores formais, assiste-se de fato a uma ampliao da noo de combinatria, e a umaascenso dos instrumentos de manipulao simblica.92

    PL As mudanas das ecologias cognitivas devidas, entre ou-tros fatores, apario de novas tecnologias intelectuais ativam

    90. QUAU, 1986, p. 116.

    91. LVY, 1993, p. 126.92. QUAU, 1986, p. 136.

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    a expanso de formas de conhecimento que durante muitotempo estiveram relegadas a certos domnios, bem como o en-fraquecimento relativo de certo estilo de saber, mudanas deequilbrio, deslocamentos de centros de gravidade. A ascensodo conhecimento por simulao deve ser entendida de acordocom uma modalidade aberta, plurvoca e distribuda.93

    PQ A simulao um sistema de escrita receptivo experi-mentao formal. O sonho de Condillac era o de reduzir o pen-samento a signos manipulveis. A simulao retoma este sonhoe o torna possvel, indo mais longe: ela permite tornar esses sis-temas de signos explorveis, organizveis, auto-orientveis. Asimulao mais que uma escrita condensada e sinaltica do

    real: ela prpria constitutiva de real e criadora de sentido.94

    IA Vimos que nenhum modelo tem o direito de se pretenderverdadeiro, e tu agora dizes que a simulao constitutiva dereal. Se ela cria real, no seria um desdobramento natural criartambm verdades?

    PQ A simulao permite uma explorao eficaz do real, mastambm um empreendimento puramente criativo, um passeiopor mundos imaginrios. Ela uma arte dos modelos, que so

    por vezes realistas, mas no necessariamente. possvel con-ceber modelos sem referentes reais por exemplo, por suabeleza formal. A simulao permite aos signos matemticosproliferar automaticamente, podemos mesmo dizer biologica-mente; eles constituem assim uma espcie de matria expe-rimental prpria a todo tipo de tratamento. Mas, sobretudo,a metfora biolgica d conta de uma das propriedades maiscuriosas da simulao: a possibilidade de um comportamento

    auto-orientado, de uma evoluo auto-organizada, com irrup-es qualitativas as catstrofes e com surpresas aleatrias as bifurcaes.95

    IA A vida prpria do simulacro, sua autonomia em relaoao real, um tema instigante. Porm, at que ponto se podeconceber vida num universo estritamente computacional?

    93. LVY, 1993, p. 129.

    94. QUAU, 1986, p. 123-124.95. Ibid, p. 123.

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    PQ Se um sistema complexo a ponto de ser capaz de trans-formar suas prprias leis, ou suas regras de aprendizagem, sua

    estrutura no pode ser reduzida a uma forma sensivelmente

    mais simples: ela o seu prprio programa. Para conhec-la

    preciso faz-la viver simbolicamente. As tcnicas matemti-

    cas e informticas de simulao permitem criar universos to

    ricos e variados quanto se queira.96

    IA O que significa para ti viver simbolicamente?

    PQ H, por vezes, mais coisas no mundo dos smbolos quena inteno daqueles que os criam. Com efeito, longe de serem

    entidades passivas, simples tradues de um desejo de repre-

    sentao, de denominao, pode-se falar metaforicamente de

    uma certa vida dos smbolos. Como os insetos e as molculas,certas classes de smbolos podem se conjugar e se pr a produ-

    zir. Produzir o qu? Formas novas, imagens, s vezes sentido. As

    matemticas so um exemplo ideal da capacidade dos smbo-

    los de aceder a uma espcie de vida prpria.97

    IA No est claro se o que propes uma metfora ou umaextenso do conceito de vida.

    PQ Temos tudo a ganhar nos dedicando redefinio do vivo,

    porque isto nos conduzir a um melhor conhecimento de nos-so prprio pensamento, de nosso pensamento vivo. Nesse

    contexto, o conceito de simulao representa um papel estra-

    tgico, suscetvel de traar fronteiras mais legveis entre o vivo

    e o no-vivo.98

    IA Certo, a inteligncia artificial promete a reproduo dopensamento vivo. Mas como imaginas a realizao disto?

    PQ No impensvel que algum possa pr em funcionamen-to um sistema autnomo de metforas se engendrando umass outras, o que se aproxima do velho sonho jamais satisfeito:

    simular o pensamento no processo de pensar, observar a gne-

    se da ideia, capturar a luz material da criao.99

    96. Ibid, p. 28.

    97. Ibid, p. 125.

    98. Ibid, p. 28.99. Ibid, p. 129.

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    IA Bem, parece que a metfora acaba de ganhar vida pr-pria...

    PQ Se nos liberamos por um momento da necessidade da re-presentao ou da transformao de situaes realistas, abre-se

    de repente um campo totalmente virgem. Com efeito, pode-se apartir da combinar abstraes, fazer funcionar livremente os al-

    goritmos, fazer proliferar os signos. Colocamo-nos nas condies

    do sonho, da explorao imaginativa, da invocao de possveis

    e do acaso. O excesso simblico produz uma matria-prima, um

    material do qual concebvel esperar extrair riquezas inditas.

    Para nos assegurarmos de atingir resultados interessantes pre-

    ciso criar as condies para uma necessria superabundncia de

    signos, de smbolos, de estruturas, de formas.100

    IA Mas estaremos ainda lidando com representaes.

    EC Se a representao buscava, ao penetrar na natureza paraalm das aparncias, remontar at o inteligvel para, por sua

    vez, torn-lo visvel, a simulao s pode tornar visvel o que

    de antemo inteligvel. Ela no tolera opacidade alguma, ne-

    nhum mistrio.101

    SG A lgica da representao fica assim definitivamente su-

    perada: o objeto duplicado, ou produzido somente a partir deum processo interno mquina mesma; mas no represen-

    tado e sim recriado, depois de terem sido desveladas as suas

    caractersticas intrnsecas e suas regras de comportamento.102

    IA Donde, ento, o clssico parentesco entre simulao e iluso?

    SG O termo simulao evidencia, numa primeira anlise su-perficial, uma profunda ambivalncia semntica: simular sig-

    nifica enganar, iludir, mas tambm reproduzir diretamente,imitar. E estes dois componentes so inerentes, ao menos po-

    tencialmente, a qualquer manifestao sgnica. Podemos dizer,

    com Eco, que signo tudo aquilo que pode ser usado para men-

    tir. Toda linguagem simula, ou seja, constri um modelo da rea-

    lidade da qual pretende falar e esse modelo pode inclusive no

    corresponder ao objeto a que se refere. Precisamente porque

    100. Ibid, p. 136.

    101. COUCHOT, 1993, p. 46.102. GARASSINI e GASPARINI, 1995, p. 89.

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    qualquer linguagem, para descrever a realidade, deve afastar-se

    dela e simul-la, so possveis a mentira e o engano, que no se-riam evidentemente configurveis em uma perspectiva de totaldeterminismo e de forada referencialidade.103

    IA Se o ato de simular faz parte do universo da linguagem eimplica reproduo, seria correto afirmar que a lgica da repre-sentao possa ser por ele inteiramente superada? O que h deespecfico na simulao computacional e nas imagens de snte-se que possa justificar tal afirmao?

    EC Hibridao entre a imagem e o objeto, a imagem e o sujeito a imagem interativa o resultado da ao do observador so-bre a imagem ele (o ato de simular) se mantm na interface do

    real e do virtual, colocando-as mutuamente em contato. Hibri-dao ainda entre o universo simblico dos modelos, feito delinguagem e de nmeros, e o universo instrumental dos utens-lios, das tcnicas, entre logose techn. Hibridao enfim entreo pensamento tecnocientfico, formalizvel, automatizvel, e opensamento figurativo-criador, cujo imaginrio nutre-se numuniverso simblico da natureza diversa, que os modelos nuncapodero anexar. Desta forma, a ordem numrica torna possvel

    uma hibridao quase orgnica das formas visuais e sonoras,do texto e da imagem, das artes, das linguagens, dos saberesinstrumentais, dos modelos de pensamento e de percepo.104

    IA Hibridaes entre escrita e imagem no so uma exclusi-vidade da linguagem computacional. vlido atribuir aos dis-positivos de realidade virtual, e a seus idealizadores, tamanhopoder de recriao do mundo?

    BG De fato, os pesquisadores que se dedicam a esse tipo de

    animao esto muito longe tanto do objetivo entusiasta daconstruo de uma realidade sinttica, dubl da concreta, comodo temor injustificado da criao antinatural de um mundo fi-gurado que ocupe o lugar da realidade.105

    IA Tua observao parece encobrir um receio diante da am-bivalncia semntica da simulao. Mas no h como garantir

    103. Ibid, p. 82.

    104. COUCHOT, 1993, p. 46-47.105. GARASSINI e GASPARINI, 1995, p. 58.

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    imunidade a. A mesma tecnologia que possibilita a produo deuma realidade sinttica legtima abre caminho para a iluso.

    SG A realidade virtual se coloca ao final de uma parbola quecaracterizou a arte imitativa e todas as tcnicas de ilusionismo

    pictrico e arquitetnico, estudadas para comunicar ao obser-vador a sensao de encontrar-se imerso em uma experincia,de ser ele mesmo um elemento insubstituvel da cena.106

    PQ Impotentes para aceder verdade eterna, nossas imagensso o lugar por excelncia de todas as perverses. O simblico tambm o instrumento mais diablico. A luz imperativamenteproduz a sombra.107

    IA A iluso um efeito desejvel no contexto dessas tcnicas?

    SG O objetivo obter uma implicao que leve o espectador auma voluntria suspenso da incredulidade, ou seja, disponi-bilidade para participar emocionalmente no que est suceden-do no mundo virtual.108

    IA Este me parece um ponto importante, se considerarmos aambiguidade do conceito de simulao. At que ponto se podeter controle sobre a prpria crena?

    SG No caso da realidade virtual o objetivo no interpretarcomo real o que est sucedendo, coisa que seria impossvel aomenos no estado atual das tecnologias, mas sim suspender aatitude de distanciamento tradicionalmente mantida frente simagens.109

    IA Mas o simulacro clssico j provocava esse efeito. Insistoem que no h como distinguir um objetivo nobre para a reali-dade virtual produzida por computador, em detrimento da si-

    mulao que engana. Nenhuma tecnologia carrega em si mes-ma essa distino moral.

    SG Os mundos virtuais recolocam a distino entre verdadeiroe falso em um universo independente, onde o juzo de verdadese qualifica segundo modalidades novas. Segundo PQ, esses en-

    106. Ibid, p. 91-92.107. QUAU, 1986, p. 256.

    108. GARASSINI e GASPARINI, 1995, p. 93.109. Ibid, p. 93.

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    tornos testemunham um desejo prprio no homem: o desejo deverdade da iluso. Trata-se de uma verdade que se mede pela ca-

    pacidade da dita imagem de envolver seu espectador, de emo-

    cion-lo, de faz-lo sentir-se realmente noutra dimenso.110

    IA A que iluso te referes? de viver novas experincias senso-riais sem correr riscos?

    SG Volta a tomar forma um sonho nunca desaparecido na his-tria da produo intelectual: o de reduzir o conhecimento auma combinao de ideias abstratas, a uma deduo, eliminan-do a necessria confrontao com a experincia. Pode-se falara respeito de iluso combinatria, ou seja, do desejo de umaforma de aproximao realidade completamente apriorstica

    e, por conseguinte, submetida ao controle humano; ou de ten-tao cartesiana, aludindo teoria do filsofo francs sobre apossibilidade de um conhecimento claro e distinto, orientadoacima de tudo para as ideias e no contaminado pela expe-rincia sensvel, fonte de confuses e erros. A realidade virtualparece satisfazer, em certos aspectos, semelhante desejo, postoque se apresenta como um mundo artificial no qual tudo estde algum modo previsto e dominado pelo homem, que conhe-

    ce suas leis e seu funcionamento at nos seus mais remotosmecanismos. O mundo virtual no tem segredos: cada objetocarrega em si as regras da sua constituio.111

    PQ No se trata, verdadeiramente, do velho sonho de mani-pular o mundo ou as coisas pelos signos, mas antes de colocar-se decididamente a favor de manipular os signos como coisas,de edificar mundos simblicos.112

    IA Mas a literatura, a filosofia e a prpria cincia fazem isto

    desde sempre, cada uma sua maneira.PQ A simulao de sistemas formais pe o programador numasituao de demiurgo. Mas muito rpido, e a complexidade aju-dando, o sopro do acaso anima essas formas incompletamenteparametrizadas e faz surgir uma exuberncia de possveis, decomportamentos, de atitudes, de trajetrias, de imagens. Resta

    110. Ibid, p. 95.

    111. Ibid, p. 99.112. QUAU, 1986, p. 137.

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    ento procurar tirar partido disso, jogar com essas formas e es-ses modelos, como s vezes o filsofo ou o poeta se permitem

    jogar com as palavras.113

    IA Exato. Cada um sua maneira trabalha com metforas e

    modelos.PQ Assim como a linguagem uma mquina de produo demetforas, o crebro um instrumento de simulao origin-rio. o primeiro dos simuladores.114

    113. Ibid, p. 87.114. Ibid, p. 255.

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    Entre a razo e os sentidos

    Confrontando as concepes de simulao apresentadas nos

    dilogos do primeiro captulo, chegamos a uma situao an-

    loga a do pessimista e do otimista diante do mesmo copo. O

    pessimista diria que a simulao um copo meio vazio, umreal empobrecido. O otimista veria, ao contrrio, um copo meio

    cheio, pois se onde nada havia agora h, temos um real expan-

    dido e, portanto, enriquecido. H uma ideia comum entre essas

    concepes a de que a simulao concerne nossa percepo

    do real mas h tambm uma evidente oposio: enquanto o

    primeiro dilogo privilegia o sentido negativo associado ao en-

    gano e iluso, o segundo reala o sentido positivo de experi-

    mentao com modelos.A ambiguidade farsa-experimento concerne diretamente

    problemtica relao entre mente e corpo na atividade cogniti-

    va. Pela raiz etimolgica da palavra simul, que expressa uma

    conjuno pode-se inferir que a simulao implica uma ao

    conjunta, simultnea, da razo e da sensibilidade, misturando

    clculo com sensao e confundindo ou evidenciando que

    so mesmo confusos os limites entre a razo e os sentidos.

    O entendimento desse tipo de conjuno escapa categoriaclssica da teoria do conhecimento a representao. Desde a

    segunda metade do sculo XIX e em todo o sculo XX, a sufici-

    ncia da representao foi questionada sob diversos ngulos.115

    Tornou-se insustentvel a tese do conhecimento-representa-

    o puro e absoluto, desligado do desejo, do corpo e do tempo.

    Os limites entre o real e o imaginrio passaram a ser tratados

    115. Ver, por exemplo, PEIRCE, 2005; BERGSON, 1999; FOUCAULT, 1967; DE-LEUZE, 1988; e MATURANA e VARELA, 2001.

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    nas cincias naturais como inevitavelmente imprecisos e nascincias humanas como histricos, culturalmente produzidos.A percepo e o pensamento foram redefinidos como proces-sos hbridos e instveis, que misturam continuamente subje-tividade e objetividade, conscincia e inconscincia, vontade eautomatismo.

    O paradigma cientfico da complexidade, que substitui comvantagens o paradigma mecanicista na abordagem de sistemasdinmicos distantes do equilbrio por exemplo, a vida ajudaa entender esses emaranhamentos operados a partir de potn-cias irredutivelmente distintas, ou at antagnicas. Segundo oterico da complexidade Edgar Morin, esse conceito coloca oparadoxo do uno e do mltiplo: a complexidade o tecido deacontecimentos, aes, interaes, retroaes, determinaes,acasos, que constituem nosso mundo fenomnico.116

    Assim como a simulao, complexus designa uma conjun-o algo entrelaado, tramado junto. Por isso proponho oenquadramento da simulao no campo das teorias complexasda cognio, isto , aquelas que tm em comum o interesse peladinmica e pelas hibridaes constituintes da atividade cogni-tiva, mais do que por suas categorias estticas e supostamentepuras.

    O foco principal deste captulo a simulao como ferra-menta de conhecimento, mas com nfase nos aspectos em queela se aproxima da farsa. surpreendente verificar que, mesmono terreno do mtodo cientfico, onde se supe imperar o rigorlgico, a fico se insinua, de maneira discreta porm inequ-voca. Nas chamadas cincias duras lgica, matemtica e f-sica, basicamente possvel encontrar elementos para uma

    abordagem da simulao como estratgia cognitiva complexa.Destaco a noo de interpretante de Peirce,117 o teorema da in-completude de Gdel,118 as objees de Penrose ao programaforte da IA (Inteligncia Artificial)119 e a tese de Sampaio sobre o

    116. MORIN, 2007, p. 13.117. PEIRCE, 2005.

    118. Apud KUBRUSLY, 2003.119. PENROSE, 1991.

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    estatuto fundamental da lgica da diferena na estruturao dopensamento formal.120

    Como as cincias contemporneas da cognio e a IA for-

    mam um par complexo, que incessantemente redesenha as

    fronteiras entre o humano e suas criaturas inteligentes, fiz tam-

    bm uma breve incurso nesse campo. Por entender que nem

    mesmo a simulao mais perfeita torna o futuro previsvel, de-

    liberadamente deixei de lado a polmica entre tericos e tecn-

    logos da IA em torno das possibilidades e limites da reproduo

    tecnolgica do simulador-mestre a mente humana. Meu obje-

    tivo nessa incurso foi entender, recorrendo inclusive ao imagi-

    nrio da IA, o lugar que se atribui simulao na configurao

    atual dessas fronteiras.

    Teorias complexas da cognio

    Embora a obra do filsofo Henri Bergson seja pouco citada pe-