41
Bernardo Almeida Achados e Perdidos © 2005 Bernardo Almeida É permitida a reprodução parcial ou total desta obra, desde que citada a fonte. Foto (capa): Bernardo Almeida Editoração eletrônica: Bernardo Almeida Edição e Distribuição: Bernardo Almeida Contato: [email protected] www.bernardoalmeida.jor.br

Achados e Perdidos LivroOK - rl.art.br fileSe com mil orgasmos pudesse presenteá-la Se de mil paixões pudesse abastar seu peito Se mil amores eu pudesse renunciar Se com mil sons,

  • Upload
    ledung

  • View
    222

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Bernardo Almeida

Achados e Perdidos

© 2005 Bernardo Almeida

É permitida a reprodução parcial ou total desta obra, desde que citada a fonte.

Foto (capa): Bernardo Almeida

Editoração eletrônica: Bernardo Almeida

Edição e Distribuição: Bernardo Almeida

Contato: [email protected] www.bernardoalmeida.jor.br

Em um mundo onde tudo vira produto e o ser humano é visto, na maioria das vezes, como mero consumidor, é importante que algumas coisas sejam oferecidas sem preço, taxa ou imposto. Que este pequeno gesto seja entendido como um sinal de resistência, uma prova de que o desenvolvimento de novos valores, assentados em bases mais sólidas e humanas, ainda é possível.

Bernardo Almeida

Índice

1. Devoção 01

Poema Página

3. Carne, osso e memórias 02

5. Anônimo 03

7. Deveras, homem! 06

9. Atemporal 07

11. Novo de novo 08

13. Retorno 10

15. Crença e aparência 11

17. Leito 13

19. Amor perdido 14

21. Abalo sísmico 16

23. Despedida 18

25. É 19

27. Perdedor 20

29. Imundo 22

31. Menina 24

33. Beijo amargo 25

35. Incógnita 26

37. Sem destino 28

39. Plyocte Rhar 29

2. Sem sentidos 01

4. Perda 03

6. Fruto apodrecido 05

8. À venda 06

10. Segredos 08

12. O escolhido 09

14. Dez integrado no infinito 11

16. A chuva e o absurdo 12

18. Despretensão 14

20. Cuspe 15

22. Desagrado 17

24. Devassa 18

26. Envolva-me 20

28. Falibilidade 21

30. Ladrão de percevejos 23

32. Adeus 24

34. Dez encontros 25

36. O resto 27

38. Pacífico 28

Índice

40. Precipício 30

Poema Página

42. Vira folha 31

44. Aquele 33

46. Imperceptível 34

48. Palavra 36

41. Recolher 30

43. Sensibilidade 32

45. Descoberta 34

47. Inadequado 36

Se com mil toques pudesse agraciar a sua beleza

Se com mil palavras pudesse definir suas curvas

Se com mil passos pudesse percorrer entre seus mistérios

Se entre mil pessoas o seu olhar fosse somente meu

Se com mil orgasmos pudesse presenteá-la

Se de mil paixões pudesse abastar seu peito

Se mil amores eu pudesse renunciar

Se com mil sons, pudesse cantar sua carne

Se ao meu amor terno estivesse tu entregue

Beberia mil jarras do seu sorriso

Se em mil versos pudesse ler a sua alma

Se em mil encarnações pudesse entregar-lhe a minha

Se com mil destinos tivesse escolha

Minha rota seria seu caminho

Se em mil sonhos, apenas você

Se em mil sensações, suas mãos

Se em mil delírios, seus lábios

Se em mil crenças, devoção a você

Se em mil desejos, suas fantasias a realizar

Se em mil perfumes, seu aroma

Se em mil tentações, a sua presença

Que inebria e irradia vida

Que ilumina e salva

Desperta e liberta

Amém, amém!

1. Devoção

Lampejos de alegria

Minutos de mágoa

Quando não dói

Apenas machuca

Rios sem correnteza

Uma maré mansa

Uma lágrima que cai

Em fundo raso descansa

2. Sem sentidos

01Achados e Perdidos - Bernardo Almeida

Personalidade sem cadência

Outra máscara de demência

Grandiosa inteligência

Não disfarça a soturna carência

Esconder a sua vergonha

O seu caráter frágil em vida fútil

O extremo entre a aprovação e a não aceitação

Uma ordem sem pedido de cancelamento

Vil é a disputa

Que acirra entre os homens

Seus caminhos absurdos

Suas glórias e suas posturas

Diluiu em pecados

O que um dia foi santo

Sacrificado o eterno em prol do agora

Mundano e estreito

Externo e profano

Corpo exposto

Alma fraca

Lágrimas e silêncios

Novos prantos

Gritos de sinceridade

Uma história mal contada

Difícil de decifrar

Um passado de fugas

Um presente omisso

Você não se reconhece

Nem que apodreça em frente ao espelho

Admire suas falhas

Bem de perto, profundamente

Você ainda consegue se questionar sem se sentir vazio?

Anos luz separam você de você mesmo

E não há nada além disso

Carne, osso e memórias

3. Carne, osso e memórias

02Achados e Perdidos - Bernardo Almeida

As lâminas da paixão

Fatiaram o meu coração

Que sangra e pára

Não bate, não vibra, não late

Assumirei os suspiros

Os erros e os acertos

Assumirei meus rumos

Os corretos e os falsos

As mudanças em minha mão

Ela leu, mentiu e descumpriu a missão

As promessas desse verão

Foram todas abandonadas no porão

Vítima sem súplicas e sem deslizes

Primários sentimentos e algumas cicatrizes

Uma vez ferido, sempre em fuga

Uma vez pecador, sempre culpa

Mais temido do que desejado

Mais esquecido do que lembrado

Naquele dia em que te conheci

Olhei para os lados e nunca mais te vi

4. Perda

5. Anônimo

Brincadeiras à parte

Em parto de meia luz

Banheiras secas e chão molhado

Taco e vestido velho

Trapos e lembranças

Lágrimas, manchas de sangue e inocência

Contrações despidas de sentido

Lanterna sem lâmpada e em curto

03Achados e Perdidos - Bernardo Almeida

Circuito de mentiras e despejos

Limites exaustivos e defeitos irreparáveis

Nas sombras da sua crença

O tempo perdeu sua face

Uma máscara e uma criança

Lado a lado com a avareza e o egoísmo

Este e não outro é o mundo

Esta e aquela são as qualidades

Desqualificadas como tal

Impregnadas de miséria

Você, você, mil vezes você

Condicionado e obediente

Marcha soldado, sempre em frente

Brinquedos de uma armadilha maior

Controle, remoto, controle, remorso

Radares, pontes e lanternas

Ao menos uma brilha, pisca e some

Um sinal de vida

Um vestígio de raiva

Suas prioridades e falta de compaixão

Sem evidências de respeito

Some com pesos no peito

Em agonia fala sobre escolhas

Sexo, drogas e gatilho

Pinta um mapa de liberdade

Mal criado pelo ódio

Orientado pela televisão

Um retrato da deformidade

Um sonho informal de excesso de informação

Um projeto fracassado

De um tiro que saiu pela culatra

04Achados e Perdidos - Bernardo Almeida

Um final sem cura, paz ou grandes méritos

De joelhos pelo próprio orgulho

Seu fim, enfim, sem palavras

Sem adeus nem preces

Às pressas fecham-se as cortinas

Desse ato falho final

6. Fruto apodrecido

A maturidade é cômica

Uma piada mal contada

Estranhamente sem graça

Corrupta e absurda

A maturidade é uma armadilha

Quando passa do ponto

Põe um rei em cada barriga

E atira pedra em cada diferença

A maturidade dá frutos podres

Transmite o vírus da hipocrisia

Que limita a visão propositadamente

Para criticar imprudentemente

A maturidade sentir não consegue

Seu próprio cheiro

Que a nada agrada

Além do seu próprio nariz

A maturidade tem o seu caminho

Que julga único e correto

De horizonte estreito e anacrônico

Que a tudo desdenha em tom irônico

Mas não confunda a maturidade

Com a sua prima sapiência

Que não vira as costas para o seu oposto

05Achados e Perdidos - Bernardo Almeida

Nem se incomoda diante da diferença

Não confunda a sabedoria

Com a unilateral maturidade

Que tudo sabe para si

Em sinônimo de perniciosa vaidade

7. Deveras, homem!

Ah, como difícil é ser um homem

Em um mundo tão machista e feminista

Ah, como é difícil sorrir sem ser julgado

Como é difícil chorar sem ser censurado

Ah, como difícil é ser um homem

Em um mundo tão feminino e masculino

Onde os contrários se igualam

E as verdades se anulam

Ah, como é difícil

E você nem sabe do meu esforço

Você nem quer saber

Como é difícil sobreviver entre seus preconceitos de homem

Como é difícil não padecer aos seus padrões tão femininos

Como difícil é ser um macho

Daqueles com M maiúsculo

Que chora, ama e pede colo

8. À venda

Comercialize o sexo

Seu corpo, sua nudez

Exponha o seu personagem

Três, duas ou uma vez

Seja uma garota perversa

Rime comigo

Na cavalgada viril

Revele-me o destino

Massageando o seu corpo quente

Apresento-lhe o prazer

06Achados e Perdidos - Bernardo Almeida

Venha comigo de uma vez

Você sabe o que fazer

Sua imagem sedutora

Neste ritmo veloz

Não tema a pureza

O prazer é libertino e feroz

Pode virar paixão

Que pode virar amor

Sentimento de puta não dá nó

É direto e cumpre o que promete

A felicidade já pregava

Amor de puta não degrada

Eleva e consagra

Diluo o tempo

Torno-o esparso

Vago e disperso

Fragmento meus pensamentos

Em milhares de partículas

Sopro-as e as lanço ao vento

Sem direção

Numa frequência não linear

Tão caótica e deformada

Quanto o meu próprio ego

Sem chegar a lugar algum

Toca o nada

Percebe a sua existência

E ultrapassa essa barreira

Descobre a verdade

Além das fronteiras

Que a mente humana impõe

9. Atemporal

07Achados e Perdidos - Bernardo Almeida

E esse indigesto sentimento

Que invade a minha alma

Abala o meu corpo julgando a vida

E joga fora o que é mel

E transforma a água em rocha

E corrói, corrói

Por dentro o que era casca

Agora apenas é pesadelo

Cenas fortes de um filme

Sem censura

Você está no papel principal

Mas não desce do muro

O medo fala mais alto

Então foges da verdade

Mas que outra haveria de ser senão a sua (própria)?

Uma mentira torna-se verdade desde que seja acreditada (será?)

As coisas mudam de lugar tão rapidamente

Não há mais tempo para acompanhar

Os seus passos ficaram tão tristes, lentos e confusos

Na indecisão você encontrou o alívio

Mas tudo passa, passa

Mas tudo volta, volta

Mesmo que não seja para ficar

Entre mais um segredo

Confiado a mim

Confinado em você

10. Segredos

11. Novo de novo

Da cópia

Surge a cópia da cópia

Cada vez mais distante do original

O atual é o antigo esquecido

A fonte não mais traduz o novo

Apenas reproduz

Cria o que já existe

08Achados e Perdidos - Bernardo Almeida

Como um ciclo

Torna-se repetitivo

E quando parece ter mudado

Apenas alternou de lugar

O novo é a idéia que ainda não foi publicada

A sua majestosa novidade

Já foi concebida em alguma cabeça abastada

Mas você não sabe

E forjará o novo

De novo

Como se houvesse criatividade

Em falar o que já foi dito

E em pensar o que já foi pensado

12. O escolhido

O lenço caiu das suas mãos pela última vez

O sol se pôs

A vida escureceu

Os lamentos ficaram para trás

Seis ou sete anos de penúrias

Azares de um espelho quebrado

Amparos momentâneos

Maior parte sente teu beijo

Ainda doce, mesmo que já amargo

Em minha boca escorre

O seu mel

Minha alma entreguei a ti

Pobre de mim

Fiz da sua ferida, minha cicatriz

Só por que lamentei?

A fúria dos deuses pode ser muito mais feroz

Suas leis, muito mais severas

Mas eu?

Pobre de mim

Por que escolhido dentre tantos?

Nunca tive aptidão para a dor

Mas serei a sua personificação

09Achados e Perdidos - Bernardo Almeida

Sua imagem e semelhança resplandece em um semblante triste

Banhado de sangue

Derramado impiedosamente

Por um Cristo que cala

Diante da mentira

Por um Cristo que fala

Diante da esperança

13. Retorno

Na sombra ensurdecedora

De um quarto de cabaré

Meia noite é a hora dos anjos libertinos

Das camélias e das mudanças de destino

É a hora do alerta

É a hora da vida

As prostitutas esperam por dinheiro

Esperamos pelo retorno das nossas vidas

O que a rotina não dá e o amor esconde

O puteiro aponta

Sem pudor, sem vergonha

Nossas carnes, nosso sexo

Puro e simples

Manda quem pode

Obedece quem tem juízo

Ou dá ou desce

Nesse jogo de andarilhos

O zelo vem do gozo

Do prazer e da luxúria

A lascívia e a malícia

Ela grita e grita

Mesmo em farsa

O que há muito sentia-se morto, agora reanima

10Achados e Perdidos - Bernardo Almeida

Por um descuido acreditei

Que não estava mais aqui

Pensei ter desintegrado

Nem do resto, nem do pó

Flutuei e sumi

Não havia tempo

Não havia nada

Nem o tudo, nem o talvez

A certeza também falta não fazia

E não havia ninguém

Não havia som, nem silêncio

Nem pressão, nem volume

Apenas eu

Destituído de sentidos

Desnudo da matéria

Apenas o ser

Solto no infinito

Também extinto

E como que com a força de uma explosão

Na velocidade de um momento

Pisquei de novo e retornei

Em carne e pensamento

14. Dez integrado no infinito

15. Crença e aparência

Quem crê no amor e nunca chorou

Dificilmente amou

Quem crê no amor e nunca sofreu

Dificilmente amou

Quem crê no amor e nunca perdoou

Dificilmente amou

Mas quem ainda crê no amor?

O amor foi reduzido a desejo

Passageiro, ligeiro

Um sem número de parceiros

Companheirismo é piegas

11Achados e Perdidos - Bernardo Almeida

Amar alguém é tão brega

A sinceridade está de braços cruzados

A cumplicidade tirou férias

E o compromisso se aposentou

Mas quem ainda crê no amor?

Livre de interesses materiais

Repleto de saudades e lembranças

Os corações estão trancados

Protegidos contra danos

Todo mundo é tão sério e prudente

Falta coragem para amar

É mais fácil possuir do que se entregar

Mas quem ainda crê no amor romântico?

O que era sentimento verdadeiro

Não passa hoje de um jogo entre parceiros

A morte já não separa os casais

O amor morre muito antes

O vinho é transformado em água

Sem sabor, gosto ou cheiro

Sem emoções e sem feições

Quem veio ao mundo e nunca amou

Falar sobre a vida não pode

Porque nada sabe

Porque nada aprendeu além de futilidades

Porque nada sentiu além do trivial

Porque nada entendeu além do óbvio

Porque, ainda que vivo, nunca viveu

16. A chuva e o absurdo

E eu que sou tão pobre, fraco e envergonhado

Sou aquele que tem medo do espelho

Mas nunca admite

E eu que sou tão baixo e retrógrado

Tão louco, difuso e passional

Se fosses minha, saberia...

Eu sou o absurdo mais inconcebível da humanidade

Sou cinzas e tristezas

12Achados e Perdidos - Bernardo Almeida

Sou frustrações e decepções

Sou noites em claro

Sou a ferida que não cura

Sou aquele que ama calado

Sou a décima xícara de café

E eu que sou tão parvo

Que choro escondido e peço segredo

Que sofro as decepções da humanidade

Ainda que tente firme esquivar-me

E eu que sou tão medonho

Em meio a este sonho insólito e enfadonho

Que durmo de luzes acesas

Não quero ser a sombra de ninguém

Mas como viverei daqui adiante?

A sobrevivência guarda para mim o fracasso?

Não quero saber o que me reservam os dias

Por meio tempo sou a vida que nunca quis

Sou o ano mais longo

A aventura menos fantástica

O livro mais chato

A solidão e o infortúnio de um canto de parede

Sujo e mal iluminado

E eu que me encontro neste dia de chuva

Cubro meu corpo nu

Enquanto escuto calmo a chuva cair

17. Leito

Em terreno árido, o homem padece.

Em disputas vãs, o homem se degrada.

Em dias cinzas, o homem perde a graça.

Em seu sorriso ameno, o homem encontra a paz.

Em vozes autoritárias, o homem perde a compaixão.

Em mãos agressivas, o homem perde o amor.

Em dogmas, o homem perde a liberdade.

Em seus seios, o homem conquista o direito de existir.

13Achados e Perdidos - Bernardo Almeida

A esperança morreu primeiro

Que este corpo, calado e penoso

Incrédulo, descontente e desdenhoso

Contemplo a incerteza

Do próximo segundo, da mesa farta

Da vida longa e do perdão

O amor a mim destinado, escapou

Entre os dedos, ao menos resta o seu perfume

A lembrança de que já sorri um dia

Ainda assim, vivo do momento presente

Empurro longe a saudade de tempos outros

Que não voltarão, nem deveriam

Na despreocupada busca por nada em especial

Chego, ao acaso, em qualquer lugar

E, sem pestanejar, faço aí nova morada

18. Despretensão

19. Amor perdido

O amor não fez sentido

Nesse mundo mesquinho e sem graça

Talvez porque seja ele a presa e não o predador

Não vale um latão

O amor está fora de moda

Quase ninguém o veste mais

O amor não é incentivado

E quem ama vive a ser crucificado

Quem ama é taxado de besta, otário

Sofredor, masoquista, palhaço

Muito mais fácil é não envolver-se

Usar maquiagens para disfarçar-se

14Achados e Perdidos - Bernardo Almeida

O amor que falta no mundo

Sobra em mim, sobrecarga

Mas o que isso importa

Se não encontro outros corações para reparti-lo?

O amor está velho, impotente

Está cansado e carente

O amor sente falta dos encontros

Do descompromisso nunca omisso e dos sonhos a dois

O amor sente falta do romantismo

O amor sente falta da paixão

O amor sente falta da saudade

O amor sente falta da falta que ele faz

O amor anda sozinho e chuta latas

Frequenta diariamente os becos escuros e as ruas sem saída

Esconde a sua esperança no bolso

E transita sem chamar atenção

O amor embriaga-se para esquecer a rejeição

O amor não chora para mostrar que ainda é forte

O amor está rouco e evita expressar-se

O amor está louco, a ponto de suicidar-se

20. Cuspe

Cuspo sim

Sete vezes no prato em que comi

Importa-me apenas o alimento

Da próxima vez, comerei de mão

E não dar-te-ei o prazer de humilhar-me

A sua caridade foi desmascarada

Subitamente, um olhar malicioso se forma

Sobrancelhas capciosas

Usastes da minha fraqueza para se fortalecer

15Achados e Perdidos - Bernardo Almeida

Mas em seu nutriente egoísta

Encontrarás o veneno que te espera

E sentirás a dor, mesmo que inconsciente

Como uma peste sem cura

Esta é a minha praga

Por sete gerações

E não verás a luz

Mesmo que enxergue

E sentirás a cruz

Não terás alegrias

Mesmo que insistas em sorrir

E não encontrarás a felicidade

Não terás conhecimento

Mesmo que tenhas informação

Serás um eterno ignorante

Não se sentirás acompanhado

Mesmo que cercado de centenas de pessoas

Serás a solidão e o esquecimento

Desejo-te agora boa sorte

E cuspo mais sete vezes no prato em que comi

Para que mantenha o mesmo nojo

E não volte a repetir este maldito erro

21. Abalo Sísmico

Deixei-me abater

Foram quinhentos quilos de tristezas

E mil dias de incertezas e agonias

Ofereci a ti o que me cabia

Alma, corpo e vida

Vento fresco, mimos e alegrias

16Achados e Perdidos - Bernardo Almeida

Quando jurei amor eterno, fui sincero

E nas manhãs seguintes

Confirmava com beijos e suspiros tal despautério

Mas olhando para trás

Vejo o quão fui inocente

Apaixonado, tolo e inconsequente

Entreguei-me sem as cautelas e os medos

Que separam o peito dos sentimentos

Sem conserto, sou um amante de berço

Mas continuo a vagar

Desligado, sofrendo, desolado

Sozinho, à caça de um coração para habitar

Porém o que encontro são novas desilusões

Pessoas machucadas, que agora se guardam

Para que não repitam o erro de amar

Por que se apoderar de tamanho desapego?

A indiferença e a superficialidade

Roubaram o espaço dos grandes sentimentos

Como sobreviverei se vivo de amores e poesias?

Se bato na sua porta, não me deixas entrar!

E, ao deixar, pouco tempo depois estás a me despejar

22. Desagrado

Seus lábios têm poder de fogo

E, seu peito, poder de fuga

Um gostar cínico e ardente

Despropositado e inconsequente

"As emoções são controláveis", você me diz

Sem carinho, sem consideração

Sinto-me impuro, infiel

Incapaz de manter-te comigo

17Achados e Perdidos - Bernardo Almeida

A beleza traz o gosto da felicidade passageira

Deixa saudades ao partir rumo à lembrança

Tão cruel e tão mundana, fugaz

Um dia sou

Outro, gostaria de ainda ser

Um dia tenho

Outro, gostaria de ainda ter

Um dia espelhos

Outro, distância deles

Um dia convites

Outro, esquecimento

Um dia excesso de exposição

Outro, clausura

Um dia rouba a atenção

Outro, repele olhares

Um dia orgulho

Outro, vergonha

Um dia exuberante

Outro, não mais

23. Despedida

24. Devassa

Devassa e carinhosa

Será esse o motivo pelo qual amo-te tanto?

Se para uns causas espanto, para mim, este é o seu encanto

Meus valores definharam

Mas em que eram baseados?

Para te ter, esqueço o que é certo e faço tudo errado

Sua boca sabe por onde descer

Sua língua bem sabe o que fazer

Corpo em chamas, tem doutorado em prazer

18Achados e Perdidos - Bernardo Almeida

Seu ser exala a paixão pelo que é

E, sendo, mantém a fórmula em segredo

Para não vulgarizar-se

A luz que sai de ti

É sábia e profana, rica e artística

Preenche o meu vazio

Do amor és o verdadeiro caminho

E quem carrega coragem para trilhá-lo

Mesmo sob olhares de reprovação

Não se arrepende, nem conhece tristezas

25. É

Vontade é não morrer

Desejo é amar

Pressa é não chegar

Preguiça é trabalhar

Tempo é inovar

Trilha é desviar

Velho é reciclar

Vento é navegar

Conhecer é renascer

Partilhar é cooperar

Amizade é confiar

Surpresa é desafiar

Sono é sonhar

Acordar é realizar

Tentar é persistir

Conseguir é acreditar

19Achados e Perdidos - Bernardo Almeida

Envolva-me mais uma vez

Suas mentiras me adormece

Como uma cantiga suave

Como um conto infantil

Preciso do seu bem

Necessito do seu mal

Faço parte daquela que tenta partir

E faz das minhas alegrias, prantos

Não reclamo, fique comigo

Suplico que não me abandone

Troco de lado, cozinho e lavo

Mas não me deixe

Os seus erros não precisam de perdão

Acolho todos, com graça

Seja na abundância, seja na desgraça

Rogo que fique, por favor! Não me maltrate mais

26. Envolva-me

27. Perdedor

Eu perdi

E perco quase sempre

Por opção

Mas o fracasso traz um gosto

Ao qual me familiarizo facilmente

A perda é ridícula perto da lição

Do erro faço novas escolhas

E das escolhas, encontro novas opções

Toda correção exige tempo

20Achados e Perdidos - Bernardo Almeida

Não tenho pressa

A persistência é o aprendizado

O aperfeiçoamento é constante

Sem desanimar

Vejo o quanto tudo é fútil

Sutilmente apressado e finito, solitário

Senta só este pobre

Ainda sonha, ilude-se

Vive desta crença e melhora

Um coitado aos olhos elitistas

Um forte, um bravo

Vigoroso em seus ideais

O soco contra a covardia

O arroto diante da boa educação

A revolta, a espontaneidade, a graça

Um papel, só um bilhete

Anunciando o próximo encontro

Já não será tão breve

Está de pé, ainda

Inabalado e coerente

O tal quebra-correntes

Corre a todo o tempo

Do tempo que lhe foi imposto

E não desiste

Queimando panos e papéis

Jamais se curva, jamais entoa hinos

E à autoridade oferece seu repúdio

28. Falibilidade

21Achados e Perdidos - Bernardo Almeida

Andarilho livre

Que se nega a aceitar presentes, suborno

E bebe da fonte, não do copo

Vejam, estão limpos

Mas fazem questão em rolar na lama

Gostam de emporcalhar-se

Espíritos asfaltados

Nu e cru, vasto e fértil

Um dia falecerão todos de fome

A ganância de uns

A ambição de outros

E a morte da maioria

Em resposta, a disposição em dizer não

Bater sem as mãos

E ainda assim agredir

Ferir, desagradar e continuar a sorrir

Violar, destruir, destronar

Para distribuir felicidade entre os injustiçados

Mundo vil

Cheio de seres não menos desprezíveis

Sob o comando do Imperador Egoísmo

Estão todos os condenados à existência

Mundo degradante

Extremamente frustrante é ver

As desigualdades tão frequentes

Na mão de quem pede e no bolso de quem paga

29. Imundo

22Achados e Perdidos - Bernardo Almeida

Mundo fétido

Corrompido pela ambição e pela disputa

Onde cresce a violência e o ódio

E a vida bela e pura pede para perder a inocência

Mundo catastrófico

Em que a vingança anda solta pelas ruas

E tudo é permitido desde que seja comercializável

Financeiramente multiplicável, rentável

Mundo decadente

Espera teu futuro um tanto óbvio

Da abundância à precariedade

Da vida à extinção da humanidade

Sou o palhaço

Que beija os seus lábios no escuro

Sou o mistério que invade o seu mundo

O mascarado, o descarado

Desconfiado e afiado

Que desafia e desperta ilusões

Atrás do muro deixo as malas

Para viagens futuras

Mas não derreto ao sol

Corro seguro de mim

Malabarista, circense e arredio

Roubo sorrateiro as maçãs do pé

E fujo sem tomar um tiro, sem dar um pio

30. Ladrão de percevejos

23Achados e Perdidos - Bernardo Almeida

A essa boca juvenil ofereci o pecado

A esse corpo pueril dei o prazer

A esses olhos carentes trouxe vida

A esse peito vazio apresentei o amor

A cada olhar, um novo convite

A cada dia, um novo mundo

A cada ida, um novo retorno

A cada volta, uma nova saudade

Toques libidinosos, uma sinfonia

Poesia recitada, excitação e euforia

Calafrios, tremedeiras e sonhos

Outra vez, cama, mesa e banho

O que guardava até de mim

Já não faz mistério a ninguém

E já não sou o mistério, subcutâneo

Trago na face a tradução do meu coração

31. Menina

32. Adeus

Minha inspiração

Deita morta à sete palmos do chão

Junta aos vermes que aceleram minha decomposição

O corpo, um dia célebre

Agora fede, apodrece

Não fala, não pensa, perece

Sirvo-me da companhia das criaturas subterrâneas

Que sobrevivem da fatalidade alheia

Tal qual o invejoso, de caráter desfalcado

Funesta realidade, triste sinceridade

Guarda a conclusão angustiante de um ciclo

Que se basta sem desejar mais tempo

24Achados e Perdidos - Bernardo Almeida

Não me esquecerei de você

Mesmo que implore

No entanto, não te seguirei

Devo continuar a minha vida

Por mais dolorida e irremediável

Que seja esta ferida

Abaixei a guarda

Joguei fora as minhas armas

Indefeso, tornei-me presa dos seus abusos

Suas mentiras bateram em meus ouvidos

Mais uma vez você poderia ver-me de joelhos

Com os olhos vermelhos e o peito cansado

Mas tenho que prosseguir

Duvido não poder conseguir

Procuro a volta dos dias claros e vibrantes

Aos frangalhos, ainda resta-me uma esperança

A desforra, a vingança

O reencontro futuro

E, nesse momento infame

Ao beijar a sua cautelosa mão

Sentirei o cheiro azedo e o sabor amargo do arrependimento

33. Beijo amargo

34. Dez encontros

Nossos encontros renderam-me quinze poesias

Mas isso é tudo, preciso ir-me sem titubear

Se queres que suma, assim o farei

Pude escolher entre dizer adeus por bem ou por mal

Entre sair amando triste ou com raiva

Chorando de ódio ou de alegria

25Achados e Perdidos - Bernardo Almeida

Vi o amor começar a surgir em seu olhar

Nem tinha pedido, nem tinha forçado

Percebi seu esforço inútil para tentar controlá-lo

Então a noite chegou, não para nos acolher

E as estrelas atestaram muito bem suas palavras

Nem motivos, nem nada, apenas "Não quero mais ver-te"

Fui julgado, injustamente visto como culpado

Minhas emoções foram menosprezadas

Ao rastejar, perdi a última coisa que me sobrava

Volta e meia penso em escrever-te algo

Sei que nunca estarei completamente curado

Do infortúnio do esquecimento, duro fardo da separação

Perseguirei sem fim o seu cheiro

Em qualquer mecha loira que cruzar-me a vista

Tornar-me-ei um ser mesquinho, não oferecerei além do mínimo

E quando, ao acaso, acreditar sentir a sua presença

Ainda que não faça mais diferença

Estou certo de que passarei uma semana sem dormir

A vida, então, não valerá a pena

Até que a sua voz serena volte a massagear-me

Fazendo ecoar notas sublimes em musicalidade e amor

O que tenta dizer-me esse olhar

Profundamente misterioso

Que se esconde por detrás

Dessa placa de gelo e vidro

Talvez diga que me ama

Mas poderia também zombar

Dos meus elogios óbvios

Da minha solicitude exagerada

35. Incógnita

26Achados e Perdidos - Bernardo Almeida

Quero dar o que te falta

Mas, afinal, o que te falta?

Seus olhos saltam de espanto

Escondem respostas e choram

Quem dera tivesse eu desenvolvido

Os dons espirituais da mediunidade

Atravessaria seus pensamentos

E, em meio ao veneno, encontraria o antídoto

Mas tudo o que me cabe

É sentar ao seu lado

E partilhar o silêncio cúmplice

Da incógnita dos seus sentimentos

Dias tristes

Seguem-se um após o outro

Noites chuvosas e manhãs secas

No bar, deposito as minhas incertezas amorosas

Atrás de ti, não me reconheço

Ao seu lado sou completo

Mas meus versos não rimam com o seu nome

Sou andarilho, sou permissivo

Vejo seu corpo e cobiço-o

Mesmo que finja não enxergar-me

Em punho, outro poema

Para cantar a desilusão

Os desencontros e as armadilhas

Em princípio, sou o fim

E coloco-me a sua disposição

Sempre alheio aos acontecimentos

Bata em minha face

Derrame sobre mim a mais fria água

E desperte-me deste sonho inoportuno

36. O resto

27Achados e Perdidos - Bernardo Almeida

O vento é frio e a noite tão acolhedora

Solitária e nublada como minha sorte

Leste, oeste, sul e norte

Uma bússola quebrada, desvairada

Aponta para o nada e diz tudo

Envia-me ao caminho menos oportuno

Como um beijo derradeiro inalcançado

Ou a cartada que precede a derrota

Fora de contato, escondo segredos

Que anuncio apenas à minha sombra

E nem mesmo dela guardo confiança

Quantas vezes não me traiu com certezas dúbias?

Serei o penúltimo cavalheiro

Aquele que leva as flores

Mas nunca termina com a dama

Estou fadado às despedidas e prêmios de consolação

Serei então os restos do perdão

Os ossos por trás de qualquer beleza

A segunda-feira, a ressaca, as súplicas

A humilhação, a tristeza, o medo de perder-te

Mas diziam que o amor eleva?

Conheci do paraíso às trevas

E resido na instabilidade sem prescrição

Tão perigosa quanto a própria vida

37. Sem destino

Explode dentro de mim

A necessidade de encontrar-te

Fraco e fértil, eis minha condição

38. Pacífico

28Achados e Perdidos - Bernardo Almeida

Dei as coordenadas

Para que navegasse pelo Pacífico

No entanto, preferistes a rota alternativa

Marcada por tormentas e aflições

Ondas fortes, aventuras e naufrágios

Enquanto brincas, meu peito falece de amor

Estou entre a corda, o medo e a queda

A embarcação ameaça partir

Dessa vez, de vez

Mas sou um teimoso risonho

Medonho e apaixonado

Atracado sem grandes ambições no cais da vida

Desacordado, fui raptado

Viajei pelo tempo através do espaço

Conheci novas formas e dimensões

Fiz contato com outras civilizações

Deixava um rastro por onde passava

A comunicação era telepática

Não se podia esconder intenções

Não se podia esconder pensamentos

Não fui bem recebido em algumas áreas

Por ter nascido no planeta Terra

Muitos o taxavam de agressivo, banal

De evolução lenta, por vezes, retrógrado e negativo

Indaguei sobre o futuro

Não obtive respostas

"Eu sou a resposta", pensei

Fui deportado

E quando retomei esta consciência

O dia ainda não tinha raiado

E não estava cansado

Como se poderia supor

39. Plyocte Rhar

29Achados e Perdidos - Bernardo Almeida

Fui impedido de amar-te pela razão

Esta deformidade fria e obtusa

Que faz com que carregues o peito na cabeça

E anule sentimentos e desejos

Tens medo do inexplicável

E isto é o que faz de ti ser vulnerável

Mesmo com este denso envoltório

Que promove tamanha impermeabilidade sensorial

Queres dinheiro, queres prestígio

Pusestes uma meta limite

E até lá estarás correndo em direção ao precipício

Achando que acharás, enfim, a chave da felicidade

Renegas o abstrato pelo mensurável

Mas um dia a verdade estará ao alcance dos seus belos olhos

Aí, talvez, será tarde para perceber

Que aquilo que ofereço-te é amorfo e infinito

Porém o que buscas, é regrado, insípido e mesquinho

40. Precipício

41. Recolher

Sonhar tornou-se pecado

Deita-te sob a lama que se forma

E conforma, resignação que me traz ânsia

Enojo-me dos seus beijos

Seu hálito é fétido

Diz-me que a vida é assim

Não quero entender seus propósitos

Você não tem alma

E ainda resta-me o direito de manter a minha

30Achados e Perdidos - Bernardo Almeida

Abaixo da terra, sua dignidade

Acima dela, suas futilidades

Faço parte daquilo que foges

Imagens de pedaços de nada

Que juntas sem porquê

No entanto, continuas a recolher

Papéis aos montes

Como um catador de lixo

Abutre mórbido

Comes a carniça

E a vida que conhece e prova

Vem da morte alheia

Seu corpo está deformado

E ainda consegues sentir-se belo

A soberba é a bala que carregas na testa

Se soubesses da minha dor

Falarias de forma suave

Sua voz aguda é uma gafe

Permita-me dizer

Que não mereço tal desprazer

Mesmo assim ainda desejo você

Olhe-me de frente

Estou lhe pedindo perdão

Mas que erro cometi?

Estou me humilhando

Matando sem dó o orgulho

Residente neste ser vaidoso

42. Vira folha

31Achados e Perdidos - Bernardo Almeida

Se soubesses da minha dor

Falarias de forma suave

Sua voz aguda é uma gafe

Permita-me dizer

Que não mereço tal desprazer

Mesmo assim ainda desejo você

Olhe-me de frente

Estou lhe pedindo perdão

Mas que erro cometi?

Estou me humilhando

Matando sem dó o orgulho

Residente neste ser vaidoso

Coloque-se no meu lugar

E deixe os velhos pecados para trás

Vivo em busca de femininos lábios, prazer voraz

Penteie os fios do ciúme tecidos em lã

E não mais traga a sua irmã

Senão desse amor outra vez me apoderarei

Sinto um certo cansaço

Estou opaco, denso e exausto

Por buscar e não encontrar

A sensibilidade do mundo

Mas ao seu lado

Passo a crer que tudo é possível

E desisto de desistir

Mesmo quando dói prosseguir

43. Sensibilidade

32Achados e Perdidos - Bernardo Almeida

33Achados e Perdidos - Bernardo Almeida

Seu brilho me transmite

A esperança que um dia carreguei

Os sonhos que abandonei

E as vitórias que não alcancei

Se sou mil, inconstante

Serei um, em amor

Se fujo demais, ligeiro

Lançarei uma âncora em seu peito

Traga-me o que perdi

Demais não é pedir

A quem não conhece o impossível

E concentra a sensibilidade que o mundo esqueceu

44. Aquele

Não sou do físico e estático degrau

Não sou da terra e do superficial

Sou sim dos sonhos e das ilusões

Sou dos encantos e das paixões

Vagueio simples entre caminhos

Que não levam a lugares concretos

Entre rumos e rumores sigo sincero

Obedecendo à vontades próprias

Sentindo o fogo queimar

Dentro de um peito que ama e relaxa

Que deságua e goza

Não sou das normas cretinas

Não sou das velhas rotinas

Sou mais das estrelas que perambulam em um céu infinito

Sou mais das ruas com seus segredos distintos

Não sou do vento que bate

Sou do ar que acaricia

Não sou do sol que queima

34Achados e Perdidos - Bernardo Almeida

Mas da luz que irradia

Não sou da lua que, por ser de prata

Desperta a ganância dos egos vorazes

Mas sim do seu brilho

Que alimenta paixões e

Estremece corações

45. Descoberta

Hoje não é um dia qualquer

Poderia ser o último

Poderia ser o único

Poderia eu chorar

Sofrer a perda de alguém

Ou clamar por clemência

Mas hoje pode ser uma oportunidade

Nova demais para ser certa

E velha demais se houver demora

Porque tudo é passageiro

Basta estar vivo

Para mudar

De sangue para vinho

Na ceia do pecado

No seio da perdição

Ou no cálice caloroso do amor

Que um dia me visitou

E fez-me descobrir

O que é viver

46. Imperceptível

Era tão bom quando tudo era simples

Percebo que era mais fácil e sincero

Mais louco, intenso e incerto

Hoje vejo todos os meus amigos crescerem

E tenho que aceitar esse fardo na minha vida também

Tento crescer pela metade

Manter o peito aberto

A alma viva

35Achados e Perdidos - Bernardo Almeida

Mas rapidamente percebo

As pessoas já não são as mesmas

Há muita maldade

Salve-se quem puder

Tento agarrar-me em algo

Não posso desesperar-me

Mas tudo o que encontro são paredes longínquas

Tão distantes que o meu braço

Não as consegue alcançar

Olho e fico perdido, atônito

Como se o tempo fosse o mesmo de antes

Como se não tivesse nada a perder

Como se tempo não fosse dinheiro

Tudo está resumido à rentabilidade

Egoísmo e, se deixar

Falta de sensibilidade

Sofro sem limites

Quando percebo as limitações

Que a vida adulta trouxe para o meu coração

Sei que sempre estarei novo demais para lamentar-me

Mas o que fazer se conheci cedo a dor?

Urgentemente preciso descobrir como esse feitiço se desfaz

Estou em lágrimas

Escrevo em prantos

Nem por isso ganho prêmios

Nem por isso magnânimo

Apenas continuo tentando sobreviver ao próximo segundo

Em um mundo que faz de tudo para que você sucumba

Sei das falhas

Mas sei dos acertos

Fiz a pólvora

Hoje sou a explosão

Resultado único de uma tentação

Mau correspondida

Sim, aparento decadente

Mas posso afirmar

Que mesmo em meio à desgraça

Persisto

Apesar de não entender o sentido

Mantenho-me aqui

36Achados e Perdidos - Bernardo Almeida

Eu não nasci para essa vida banal

Uma rotina e um emprego convencional

Isso me soa marasmo

Faz tudo que é belo

Se tornar igual e chato

Nada é mais estático

Do que esse pobre padrão

Que cria a cada dia um novo lunático

Ou um perigoso ladrão

Sou volátil como o álcool que bebo

Sou daqui e dali

Posso querer ser o mar

E, em segundos, desistir

Sou da vida

Sou da natureza

Sou sem pudor

Sou no frio, o calor

Sou do amor

Sou do amor

47. Inadequado

48. Palavra

Uma palavra pode ser proferida

E esquecida com o tempo

Outra pode ser aquecida e sentida

Além da eternidade

Uma palavra pode ser mantida

Pode ser vencida

Pode ser transformada

Pode ser omitida

Pode ser deturpada

Pode ser lembrada

Uma palavra

Afasta o homem da ignorância

Aponta a saída do labirinto

Fantasiosa ou realista

Carrega vida em seu sentido

37Achados e Perdidos - Bernardo Almeida

Uma palavra

Quando lançada

Não tem rumo

Não tem caminho certo

Trilha ao impulso do vento

E na velocidade do pensamento

Segue firme, vaga e veloz

Como uma flecha

Pode destronar uma certeza

E como uma chama

Pode transformar corações em brasa

Uma palavra

Simples e inútil

Pode mudar o mundo

Pode ultrapassar uma crença

Pode desatar nós e preconceitos

Pode vencer uma guerra

Aquela mesma palavra

Esquecida em meio a tantas outras

Na página amarelada de um livro qualquer

Pode ser a salvação

Ou a perdição

Na vida de alguém

Uma simples e imperfeita

Palavra