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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

    CLUDIA PRISCILA CHUPEL

    ACOLHIMENTO E SERVIO SOCIAL: um estudo em hospitais estaduais da Grande Florianpolis

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    CLUDIA PRISCILA CHUPEL

    ACOLHIMENTO E SERVIO SOCIAL: um estudo em hospitais estaduais da Grande Florianpolis

    Dissertao aprovada, como requisito parcial para obteno do grau de Mestre em Servio Social pelo ao Programa de Ps-Graduao em Servio Social Mestrado, da Universidade Federal de Santa Catarina.

    Orientadora: Prof Dr Regina Clia Tamaso Mioto

    Florianpolis 2008

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    CLUDIA PRISCILA CHUPEL

    ACOLHIMENTO E SERVIO SOCIAL: um estudo em hospitais estaduais da Grande Florianpolis

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Servio Social Mestrado, da Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre em Servio Social.

    Florianpolis, 28 de novembro de 2008.

    _______________________________

    Prof Dr Hlder Boska de Moraes Sarmento Coordenador do Programa de Ps-Graduao em Servio Social

    BANCA EXAMINADORA

    _______________________________

    Prof Dr Regina Clia Tamaso Mioto Departamento de Servio Social, UFSC

    Orientadora

    ______________________________

    Prof Dr Hlder Boska de Moraes Sarmento Departamento de Servio Social, UFSC

    membro

    ____________________________

    Prof Dr. Jussara Maria Rosa Mendes Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul

    membro

    _____________________________________

    Prof Dr Vera Maria Nogueira Universidade Catlica de Pelotas

    Suplente

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    Ana Chupel Minha BABA querida.

    Aquela que mais do que ningum soube acolher a todos.

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    AGRADECIMENTOS

    Agradecer demonstrar gratido. Mas no uma tarefa fcil porque nem sempre conseguimos expressar todo o agradecimento que sentimos.

    Quero demonstrar minha gratido renovada meus pais Irineu e Emlia. Apesar da distncia, antes incerta, agora uma realidade, sei de que vocs esto mais tranqilos quanto ao meu futuro. Isso me comove porque sei dos esforos que tiveram que envidar para que eu atingisse mais um dos meus objetivos. Agradeo pela compreenso quando da minha ausncia fsica e dos telefonemas que eu no pude dar.

    Agradeo aos meus irmos, Eduardo Max e Maria Helena. E Eduardo j morando bem distante. Foram conversas pela internet que me aproximaram mais dele e novamente me colocando desafios. J a Maria Helena, com seu jeito discreto, mas incondicional est sempre perto quando eu preciso. Muito obrigada aos dois pela disponibilidade.

    Aos meus familiares, tias, primos e primas, enfim, a todos que sempre manifestaram apoio nas minhas escolhas.

    algum especial que h pouco faz parte da minha vida, mas que parece que nos conhecemos h muito. Agradeo pela compreenso, pacincia, cumplicidade, tolerncia aos meus momentos de quase insanidade que a elaborao de uma dissertao proporciona. Agradeo por compreender quando no pude estar ao seu lado, quando tive que abdicar de aventuras ou mesmo de um simples passeio. Sei que nem sempre foi fcil, mas sei que voc tambm vai passar por isso, tenho certeza. Obrigada, Ely Antnio.

    Digo obrigada aos meus poucos, mas valorosos amigos: Fernanda Borba (pessoa eterna para mim); Patrcia Assumpo, agora professora Patrcia, fato que me orgulho muito; Valter Martins, pelas conversas produtivas; e Josi pela empolgao de sempre.

    De maneira alguma posso deixar de agradecer, com toda minha sinceridade e apreo, s pessoas que estiveram maior parte do tempo ao meu lado durante a construo dessa dissertao. s vezes, passamos a maior parte do tempo em nosso ambiente de trabalho, dividindo, portanto, boa parte de nosso tempo com as pessoas que l convivem conosco.

    Agradeo s Assistentes Sociais da Coordenadoria de Servio Social da Pr-Reitoria de Assuntos Estudantis PRAE, de maneira muito especial, pela compreenso, apoio, carinho, pacincia e generosidade. Elas que foram as primeiras a me acolherem, no

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    modo mais afetivo do termo, quando das minhas primeiras aes como profissional Assistente Social e influenciam at hoje em meu aprendizado sobre como atuar nessa profisso. Melhor agradecer a cada uma delas.

    Lilian Tedy Pereira, minha coordenadora, agradeo pelo companheirismo, pelas lies de como atuar de maneira tica e comprometida com os estudantes, pelas dicas de como conseguir ampliar aquilo que j se tem, mas tambm como ser mais humana diante das situaes e desafios. Pela calma, pelas lies de espiritualidade, amizade e discrio.

    Ctia Rocha Peixer, agradeo pelas lies de sabedoria, de pacincia, de serenidade, de alimentao e de como levar um relacionamento. Mas sem dvida, o que mais marca sua vivacidade aps 30 anos de profisso, o que me inspira apenas no comeo da minha jornada.

    Rosilene dos Anjos, agradeo pelas lies de vida, pelo dinamismo, pela descontrao que voc nos traz nos momentos mais difceis e complicados tanto da vida pessoal como profissional. com essa enorme mulher que aprendo todos os dias a ser uma profissional capacitada a trabalhar com procedimentos mais difceis exigidos pela instituio. E voc me ensina, e muito bem, diferentemente do que voc pensa.

    Elisandra dos Anjos Fortkamp de Oliveira, agradeo pelo novo que voc trouxe consigo, pelas conversas a respeito de ns e do trabalho, pela dinamicidade e lealdade, pelo apoio incondicional que demonstrou desde sua chegada. Certamente, no ser uma via de mo nica. Estou torcendo por voc.

    Corina Martins Espndola, agradeo o apoio inicial, compreenso e confiana depositada algum que voc mal conhecia. Mas tenha certeza de que isso refletiu muito sobre minha formao enquanto profissional, afinal, os primeiros passos foram dados por meio de seu apoio.

    Agradeo ao Programa de Ps-Graduao em Servio Social da Universidade Federal de Santa Catarina que me proporcionou os conhecimentos necessrios para que eu finalizasse esse trabalho. Em especial aos mestres e doutores que participaram diretamente desse processo, Professores Doutores: Maria Del Carmen Cortizo, Raul Burgos, Ivete Simionato, Cludia Maria Mazei Nogueira, Myriam Raquel Mitjavila, Vera Maria Ribeiro Nogueira, Marli Palma Souza, Teresa Kleba Lisboa e Catarina Maria Schmickler.

    Finalmente, quero agradecer verdadeiramente Regina Clia Tamaso Mioto. Alis, tenho que te agradecer muito porque h pelo menos 4 anos voc minha orientadora.

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    Acho que voc produziu legtimos milagres tentando tirar de mim o meu melhor. Nem sempre pude corresponder suas expectativas, mas fiz o que pude para te acompanhar. Muito obrigada pela pacincia, pelas orientaes sempre feitas no sentido de honrar o termo orientao, por me compreender em meus momentos de fraqueza intelectual e pessoal e por me incentivar a estudar, a me qualificar e a produzir. Voc sempre ser a minha orientadora.

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    RESUMO

    O acolhimento tem sido estudado no mbito da sade por autores que o definem como sendo responsvel pela reorganizao dos servios de sade, pela garantia de acesso e pela criao de vnculos. tratado em meio discusso da integralidade da ateno e da humanizao das relaes entre profissionais de sade e usurios. O objetivo do presente estudo analisar como o acolhimento tem sido operacionalizado pelos Assistentes Sociais. A investigao foi do tipo exploratria, de natureza qualitativa, e o universo, formado por treze Assistentes Sociais, de cinco Hospitais Estaduais situados na grande Florianpolis. Por meio de entrevistas gravadas, averiguou-se como as entrevistadas compreendem o acolhimento no tocante sua concepo, aos objetivos, operacionalizao e quais os fundamentos em que baseiam seu fazer profissional. Os resultados alcanados revelaram que as definies sobre o acolhimento contm diferentes elementos, como: fornecimento de informaes; conhecimento da demanda do usurio; escuta; postura profissional; comportamento cordial; e classificao de risco. Os objetivos estabelecidos para o acolhimento foram: garantir o acesso do paciente; estabelecer o vnculo e subsidiar decises das aes a serem empreendidas. A operacionalizao do acolhimento ocorre mediante a realizao de entrevistas, que o momento do reconhecimento entre os sujeitos envolvidos bem como da situao do usurio. Quanto s bases que sustentam o agir profissional para a realizao do acolhimento, foram identificados: conhecimento oriundo da formao interdisciplinar do Assistente Social; conhecimento das particularidades e normativas do campo da sade; apropriao dos fundamentos terico-metodolgicos da profisso; e exigncias do Cdigo de tica. Conclui-se que as bases de sustentao advindas do arsenal terico e metodolgico permearam as concepes acerca do acolhimento, com a insero de prticas calcadas na integralidade e na totalidade, entretanto, com menos fora, em oposio ao forte contedo tico e poltico. Nesse aspecto, pde ser observado que, embora os Assistentes Sociais se alinhem ao pensamento de determinados autores, esse alinhamento nem sempre demonstrado claramente. Ao contrrio, muitas vezes, parece se realizar de forma bastante intuitiva. Pode-se dizer que, para o Servio Social, o acolhimento parte integrante do processo interventivo dos Assistentes Sociais. Ele congrega trs elementos que agem em concomitncia: a escuta, a troca de informaes e o conhecimento da situao em que se encontra o usurio. Objetiva o acesso a direitos das mais diversas naturezas, bem como a criao de vnculo e a compreenso de elementos para fundamentar uma futura interveno. o momento de aproximao com o usurio, que demanda exigncias quanto ao conhecimento, desde a utilizao da entrevista at dos fundamentos terico-metodolgicos, tico-polticos da profisso, bem como das normativas do campo da sade e da rede de proteo social, a fim de melhor atender as necessidades do usurio de forma resolutiva e com vistas ao cumprimento do princpio da integralidade.

    Palavras-chaves: acolhimento, Servio Social, interveno profissional.

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    ABSTRACT

    The embracement has been studied in the scope of health care defined by writers as being responsible for the reorganization of health services, the guarantee of the access and entail creation. It is treated in the discussion of the integrality in care and humanization in relation between health employers and users. The objective of this study is to analyses how the embracement has been operated on the social workers. The research was exploratory and of qualitative nature. The universe was formed by thirteen social workers, of five public state hospitals, located in Florianpolis and surrounding areas. The recorded interview revealed how the interviewed people understood the embracement in reference to their conception, objective and developing, and which fundament their profession is based on. The results show that the embracement definitions have different elements like information supply, demand knowledge of user, listening, professional posture, cordial behavior and risk classification. The objectives established for the embracement was: to guarantee the user access, to establish the entail and subsidize the action decision to be attempted. The operate on the embracement happen through the interview execution on that it is the moment of recognize between the subjects evolved and the user situation. The bases that support the professional act for the embracement development are: knowledge derived from the interdisciplinary formation of the Social Workers, knowledge and rules of the health field particularities, professional appropriation of the bases theoretical and metrological, and the Ethical Code exigencies. It was concluded that the bases established coming from the theories and methodologies arsenal permeated the conceptions about the embracement, with the insertion of the practices treaded upon on the integrality and totality, in opposition to the strong ethical and politician content. In this aspect it can be observed that, even through the Social Workers agree with determinate writers thoughts, this agreement is not manifested clearly, but some times, it seems to happen in an intuitive way. It is possible to affirm that for the Social Workers, the embracement is part of the intervention process of the Social Workers. Embracement meets three elements that act in concomitance: the listening, the information exchange and the knowledge of the users situation. Embracement also focus in allow access to the different nature of rights, as the entail creation and the understanding of elements to find a future intervention. Embracement is an approximate moment with the user, that demands knowledge, since the interview utilized the theory and methodological, ethical and politician bases of the profession, likewise the field health rules and the protection social guard in order to better attend the user needs the resolute form and for the integrality principal accomplishment.

    Key words: embracement, Social Work, professional act.

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    LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    CAPs - Caixas de Aposentadorias e Penses CFESS - Conselho Federal do Servio Social CNS - Conselho Nacional de Sade CONASS - Congresso Nacional de Servio Social na Sade ENPESS - Encontro Nacional dos Pesquisadores de Servio Social FNEPAS - Frum Nacional de Educao das Profisses da rea da Sade FMI - Fundo Monetrio Internacional HU Hospital Universitrio IAPs - Instituto de Aposentadorias e Penses INAMPS - Instituto Nacional de Medicina e Previdncia Social INPS - Instituto Nacional de Previdncia Social LAPPIS - Laboratrio de Pesquisas sobre Prticas de Integralidade em Sade LOS - Lei Orgnica da Sade OMS - Organizao Mundial da Sade PACS - Programa de Agentes Comunitrios da Sade PAIS - Programa de Aes Integradas em Sade PNH Poltica Nacional de Humanizao PNHAS Programa Nacional de Humanizao na Ateno Hospitalar PSF - Programa Sade da Famlia PREV-SAUDE - Programa Nacional de Servios Bsicos de Sade SESP - Servio Especial de Sade Pblica SIMPAS - Sistema Nacional de Previdncia Social SUDS - Sistema nico e Descentralizado de Sade SUS - Sistema nico de Sade UERJ - Universidade Estadual do Rio de Janeiro UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina UNICAMP - Universidade de Campinas USP - Universidade de So Paulo

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    LISTA DE TABELAS E GRFICOS

    Tabela 1: Instituio, nmero de assistentes sociais e participantes ............................77 Tabela 2: Perodo de Formao .......................................................................................83

    Grfico 1: Idade ..............................................................................................................83 Grfico 2: Ano de Ingresso na rea da Sade ...............................................................85 Grfico 3: Atuao Profissional no incio da carreira ...................................................86 Grfico 4: Ps-Graduao ..................................................................................................86

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    SUMRIO

    INTRODUO.......................................................................................................................13

    1 CAPTULO I A POLTICA DE SADE NO BRASIL: do Movimento de Reforma Sanitria Poltica Nacional de Humanizao....................................................................22 1.1 A Poltica de Sade no Brasil............................................................................................24 1.2 A integralidade como princpio norteador de novas prticas em sade..........................30 1.3 A Poltica Nacional de Humanizao...............................................................................34

    1.3.1 O debate da Humanizao no campo da sade coletiva....................................34 1.3.2 A institucionalizao da Humanizao como estratgia governamental.........36 1.3.3 O debate da humanizao no Servio Social.....................................................41

    2 CAPTULO II ACOLHIMENTO: DIFERENTES PERSPECTIVAS PARA O DEBATE .................................................................................................................................45 2.1 O acolhimento na estratgia de reorganizao dos servios............................................45 2.2 O acolhimento na estratgia de reorganizao dos servios............................................53 2.3 A insero do acolhimento na rede de conversaes e a mudana do modelo tecnoassistencial......................................................................................................................57 2.4 O acolhimento como postura, como tcnica e como princpio de orientao de servios......................................................................................................................................60 2.5. O acolhimento a partir do referencial da tica...............................................................61 2.6. O acolhimento como diretriz da Poltica de Humanizao.............................................65 2.7. O acolhimento na produo bibliogrfica do Servio Social..........................................67

    3 CAPTULO III - ACOLHIMENTO E SERVIO SOCIAL...........................................75 3.1. O contexto da pesquisa......................................................................................................77 3.2. Caracterizao dos sujeitos de pesquisa...........................................................................83 3.3 A prtica do acolhimento...................................................................................................88

    3.3.1Concepo de acolhimento..................................................................................88 3.3.2Objetivos do acolhimento.....................................................................................99 3.3.3Operacionalizao do acolhimento....................................................................112

    3.4. Bases profissionais para a prtica do acolhimento.......................................................124 3.4.1. Formao interdisciplinar do Assistente Social (e a perspectiva da

    totalidade)...............................................................................................................................124 3.4.2 Conhecimento das particularidades da ao profissional no campo da

    sade.......................................................................................................................................128 3.4.3 A apropriao dos fundamentos terico-metodolgicos da profisso.............135 3.4.4 As exigncias do Cdigo de tica da profisso................................................136

    4 CONSIDERAES FINAIS...........................................................................................147 5 REFERNCIAS.................................................................................................................152 6 ANEXO...............................................................................................................................157

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    INTRODUO

    O acolhimento tem sido discutido de maneira emblemtica no campo da sade, constatando-se uma variedade de interpretaes a seu respeito. Assim, o acolhimento vem sendo tratado no campo das prticas fundamentadas no princpio da integralidade, no campo da tica e no mbito da prpria poltica de sade, particularmente, como diretriz da atual Poltica Nacional de Humanizao.

    No campo da sade coletiva, o acolhimento tem sido compreendido como um dispositivo capaz de alterar o modelo tecno-assistencial na assistncia sade, pautado no desenvolvimento de prticas que contemplem o princpio da integralidade, com a garantia de acesso, a criao de vnculo e do atendimento humanizado (FRANCO, BUENO e MERHY, 2003); (CAMPOS, 1997). Imbudo desse discurso que o acolhimento vem ganhando ressonncia nas experincias que objetivam reorganizar o processo de trabalho e modificar a lgica de atendimento, agora centrada no usurio que acessa o sistema de sade. Nessa direo, muitos so os estudos desenvolvidos que abordam o tema no mbito da ateno bsica.

    Foi a partir da discusso de novos modelos de assistncia sade que contemplassem os princpios norteadores do SUS que, segundo Merhy et al (1997), tornou-se necessrio repensar como os servios de sade estavam sendo ofertados e tambm a respeito da qualidade dos servios prestados pelos trabalhadores em sade. Dessa maneira, seria necessria uma nova forma de pensar e de executar a Poltica de Sade, por meio de uma forma inovadora de agir socialmente na gesto dos cuidados e no desenvolvimento de novas tecnologias assistenciais em sade e, conseqentemente, de uma forma inovadora de garantia e efetivao dos direitos dos cidados. Foi neste momento que a integralidade comeou a ser pensada no apenas como um princpio almejado, mas como aes prticas, concretas, no cotidiano dos servios de sade, de seus profissionais e de usurios que, em conjunto, formam o SUS.

    Em meio discusso da integralidade em sade que se iniciou o debate sobre a humanizao. A justificativa para este movimento foi a de que seria necessria uma transformao nas relaes estabelecidas, nos servios de sade, entre os profissionais e usurios deste mesmo sistema. Porm, foi no nvel tercirio de ateno que esta discusso se adensou e acabou por originar, a partir de 2001, o Programa Nacional de Humanizao na Ateno Hospitalar. Este Programa possua um conjunto de aes que tinham em vista melhorar a qualidade dos atendimentos hospitalares com investimentos centralmente

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    destinados recuperao das instalaes fsicas e da renovao de equipamentos e aparelhagens tecnolgicas. Apenas timidamente que comearam a ser desenvolvidas aes que contemplassem a capacitao de recursos humanos, visando a qualidade dos servios prestados.

    Em 2004, aps substantivas modificaes quanto aos princpios e contedos, este programa foi discutido no mbito da Poltica Nacional, apresentando como uma de suas diretrizes o acolhimento. Dessa forma, o acolhimento vem sendo apresentado, principalmente, em forma de relatos da implantao de servios em estabelecimentos de sade, como sendo a porta de entrada dos usurios para acessar tais servios, e tambm so relatadas formas dspares de execut-lo, a partir de aes profissionais cotidianas, pelas vrias profisses que compem o campo da sade (MERHY, 1997), (MERHY et al, 1997), (FRANCO, BUENO e MERHY, 2003), (CAMPOS, 1997).

    Nessa perspectiva, sendo visto como uma das expresses de prticas integrais que se apresentam, tanto como uma forma de recepo dos usurios que acessam o SUS quanto como a garantia do acesso ao mesmo, o acolhimento responsvel por promover a criao de vnculo entre profissionais da sade e usurios, possibilitando a melhoria da qualidade dos servios, conforme apontam estudos realizados sobre o tema (MERHY et al, 1997; CAMPOS, 1997).

    Nesse contexto que se delineia o objeto de estudo desta investigao: o acolhimento no campo da prtica profissional dos assistentes sociais no mbito da ateno terciria em sade. Historicamente, a rea da sade tem se constitudo como um campo de prtica para o Servio Social e, no Brasil, iniciou no ano de 1943, com o Servio Social Mdico, no Hospital das Clnicas da Faculdade de Medicina de So Paulo. A partir dessa data, ocorreu uma significativa expanso do mercado de trabalho para os Assistentes Sociais neste campo. Bravo e Matos (2004) atribuem isso adoo do conceito de sade1 da Organizao Mundial de Sade (OMS), que focaliza aspectos biopsicossociais e enfatiza o trabalho multidisciplinar, e ainda amplia a abordagem em sade atravs da incluso de contedos educativos e voltados para a preveno. Mas um grande impulso ao debate do Servio Social no campo da sade foi dado na dcada de 1980, com o fortalecimento do movimento da reforma sanitria e a construo do projeto tico-poltico do Servio Social, pautado na perspectiva crtico-dialtica (BRAVO, 1996). Assim, em 06 de maro de 1997, o Assistente

    1 O conceito de sade adotado pela OMS naquele perodo referia-se a sade como um estado de total

    bem-estar fsico, mental e social e no simplesmente a ausncia de doena ou fraqueza", proposta por r Andrija Stampar, em 1946. Posteriormente este conceito foi ampliado culminando com o adotado aps a Declarao de Alma-Ata, em 1978 (RIVERO, 2006).

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    Social foi reconhecido como profissional da sade atravs da Resoluo n 218 do Conselho Nacional de Sade. Essa normativa foi elaborada a partir das deliberaes da VIII Conferncia Nacional de Sade, em que se reconhece a importncia da ao interdisciplinar e da imprescindibilidade das aes realizadas pelos diferentes profissionais da sade, tendo em vista a integralidade da ateno.

    O interesse em estudar o acolhimento e compreend-lo no bojo da discusso da Reforma Sanitria, da integralidade e da humanizao das relaes entre profissionais e usurios no campo da sade surgiu no decorrer do desenvolvimento do Estgio Curricular Obrigatrio, realizado no perodo de maro a julho de 2005, no Hospital Universitrio - HU/UFSC. Constatou-se, no transcorrer do estgio, que o Assistente Social realizava uma rotina j institucionalizada de reconhecer a chegada de um novo usurio, diariamente, na instituio hospitalar. Desse modo, o profissional realizava uma entrevista, para obter os primeiros dados referentes ao paciente e para orient-lo quanto rotina de atendimento do Hospital Universitrio e do Servio Social e ainda para esclarecer dvidas, em especial, quanto primeira internao, previdencirias, dentre outras. Quando da deteco de possveis vulnerabilidades sociais, tomavam-se providncias para o posterior processo de acompanhamento. Verificou-se que, com estes procedimentos, os profissionais buscavam trabalhar em dois sentidos: o primeiro, relacionado com o acesso do usurio aos servios de sade; e o segundo, relacionado s entrevistas, que se constituam em espaos privilegiados para a criao de vnculo de confiana entre os profissionais e os usurios. Tais procedimentos, vistos como uma rotina institucional e, de certa forma, naturalizados pelos profissionais, comearam a ser reconhecidos como acolhimento, j que seu proceder, seus objetivos e suas finalidades estavam muito prximos daquilo que os autores vm a assinalar como sendo acolhimento.

    Essa observao pautou a elaborao do Trabalho de Concluso de Curso, que foi a primeira aproximao para refletir sobre o tema. A partir disso, brotou a curiosidade e a inteno de aprofundamento terico acerca do acolhimento, pois uma pergunta permaneceu em aberto: os Assistentes Sociais tm trabalhado com a categoria acolhimento? Como ela vem sendo discutida, ou no, pelos Assistentes Sociais? Os Assistentes Sociais se reconhecem como profissionais que realizam acolhimento?

    Para tentar responder a essas perguntas que se definiu como lcus da pesquisa os hospitais estaduais situados na Grande Florianpolis, portanto, referentes ao nvel de alta complexidade. A esfera da alta complexidade foi escolhida por duas razes: primeiro, porque,

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    apesar de fortemente estudado no nvel primrio de ateno, o acolhimento tem sido pouco estudado no tocante ao nvel de alta complexidade, j que entre ele e a humanizao h uma inter-relao considervel; segundo, devido insero histrica do profissional Assistente Social nesse espao e devido experincia que se tem, pessoalmente, neste campo, alm da exigidade de um debate mais aprofundado sobre o tema nesse nvel de ateno.

    Intenta-se, com este estudo, oferecer algumas contribuies, especialmente para os profissionais Assistentes Sociais, que atuam nas mais diversos espaos scio-ocupacionais. Primeiramente, quando da reviso terica acerca do tema, com a visita a autores que tm discutido o tema sob as mais diferentes perspectivas. E posteriormente, quando se identifica e se analisa a forma como o acolhimento tem sido pensado, qual sua finalidade e como ele realizado pelos Assistentes Sociais.

    Considera-se que a problematizao do fazer profissional e, conseqentemente, sua reflexo, vem se mostrando escassa no campo das produes tericas da profisso. A literatura corrobora este fato quando demonstra que, durante os movimentos ocorridos no mbito do Servio Social, com apropriao de diferentes tendncias e perspectivas que direcionavam os rumos da profisso, em momentos significativos, este debate diminuiu, porm, sem se extinguir totalmente, tendo em vista o avano conquistado pelos conhecimentos tericos e tico-polticos (SARMENTO, 1994) 2.

    Historicamente, o debate da prtica profissional foi influenciado pela corrente conservadora, voltada para o tecnicismo, no qual esto relacionadas as vises de mundo oriundas do pensamento funcionalista, psicologista3 e cientificista. Nem mesmo a formao baseada no humanismo4, que enfatizava os aspectos ticos morais, foi suficiente para promover um debate requintado acerca da prtica profissional. Embora tenha privilegiado

    2 Apesar da obra deste autor estar enfocada para a discusso de instrumentos e tcnicas no Servio

    Social, esta compreenso no se descola do debate aqui empreendido uma vez que ambos fazem parte da discusso da interveno desta profisso. 3 No tocante s linhas funcionalistas e psicologista, Sarmento (1994, p. 92) diz que so reconhecidas

    como o psicologismo filosfico, que se traduz, por um lado, em ocupar-se primordialmente dos problemas individuais e por outro, em tratar de adaptar o individuo sociedade sem considerar a justia ou injustia do sistema predominante nesta. O psicologismo se caracteriza por seu empenho em explicar o mundo e a histria pelo comportamento individual do homem, confrontando-se com as teses historicistas que tratam de explicar o homem por suas relaes com o mundo a partir do desenvolvimento na histria social. 4 Esta perspectiva foi rechaada por Marx. Isto explicitado por Iamamoto (1998, p. 221), quando cita

    um fragmento da obra do autor. A escola humanitria toma peito o lado mau das relaes de produo atuais. Ela procura, para desencargo de conscincia, amenizar, ainda que minimamente, os contrastes reais; deplora sinceramente a infelicidade do proletariado, a concorrncia desenfreada dos burgueses entre si; aconselha aos operrios a sobriedade, o trabalho consciencioso e a limitao dos filhos; recomenda aos burgueses dedicarem-se produo com entusiasmo refreado.

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    uma formao enfatizando os mtodos em Servio Social, ficou estabelecia uma dependncia educativa e cultural quando maneira de pensar e conceituar, bem como uma dependncia cientfica no desenvolvimento das aes. Referindo-se ainda formao humanista, Sarmento (1994, p.156) lembra que,

    de qualquer forma, inegvel que isto aconteceu no que se refere ao ensino, este se direcionou e contemplou prioritariamente os aspectos scio-polticos da realidade, desenvolvendo uma formao profissional predominantemente preocupada com um projeto de sociedade futura, concebida dentro de um universo tico-poltico, como melhor e comprometida ao nvel do dever-ser. Desconsiderando as prprias particularidades funcionais da profisso e desconectando-a dos determinantes scio-institucionais, conseqentemente propiciando uma desqualificao de sua ao, como profissional.

    A influncia do pensamento positivista tambm teve repercusso indubitavelmente significativa para a profisso, apesar de ser alvo de fortes crticas pela herana que esta corrente deixou. Montao (2000) atribui a separao profissional entre o cientista e o que atua no campo profissional segmentao oriunda do positivismo. Neste caso, claramente se exclui a investigao social da elaborao terica da atividade especfica do Servio Social. Assim, o Assistente Social seria apenas um profissional da prtica. Aqui, o conhecimento terico excludo e h a separao da profisso que investiga e conhece daquela que atua. O resultado disso que o conhecimento crtico separado das possibilidades de interveno transformadoras. Assim, a ao prtica interventiva se isola de qualquer possibilidade crtica e a prxis se reduz prtica cotidiana. Para o Servio Social, isso tem um efeito nefasto: a no superao dos pressupostos positivistas e o no estabelecimento da relao teoria-prtica.

    O Movimento de Reconceituao, iniciado em meados da dcada de 1960, buscou adotar uma nova perspectiva, crtica, de questionamento quanto ao campo da formao profissional. Intentava-se redefinir o processo interventivo unindo a fragmentada relao entre a teoria e a prtica estabelecida pela viso positivista. Sob o ponto de vista de Sarmento (1994), esta empreitada no obteve sucesso por uma razo plausvel: nesse momento, a teoria acabou por receber maior relevo na formao profissional sem, no entanto, preencher o esvaziamento da prtica profissional, substituindo o aparato construdo.

    Apesar de no deixar de existir, a produo terica acerca do fazer profissional recebeu pouca nfase em oposio ao avano terico e poltico. Isto no quer dizer que ela deixou de ser abordada no Servio Social, somente, que passou por certo esvaziamento, ao contrrio do que ocorreu no perodo mais conservador do Servio Social, ou seja, na incipincia do Servio Social como profisso (SARMENTO, 1994). Logo, pode-se dizer que

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    no temos nos dado conta da carncia do acervo de conhecimentos tcnico-operativos que o Servio Social vem acumulando em sua prtica histrica, e se no dispusermos deste no visualizaremos as possibilidades de ao (SARMENTO, 1994, p. 206).

    Este fato tem se mostrado problemtico em dois sentidos que influenciam sobremaneira o fazer profissional: num primeiro plano, falar sobre a prtica comeou a tornar-se um desprestgio, no mbito da academia, desmotivando estudos e o enriquecimento terico e conceitual sobre aquilo que as profissionais realizavam em seu cotidiano. Isso se mostra complexo, uma vez que, se a academia no embasa teoricamente o que se faz na prtica, no existe cho para avanar na discusso e esta permanece empobrecida. Em segundo plano e no sem conexo com o primeiro, ficou estabelecida a ciso entre teoria e prtica. Ora, se a teoria no embasa a prtica e a prtica no oferece subsdios para novas teorias, estas no se encontram e no formam um elo possvel de mediaes e da efetividade da prxis.

    Contrria a essa tendncia, uma rea do Servio Social tem se mostrado mais ativa no tocante discusso da prtica profissional. a rea da sade, cujo espao tem realizado contribuies significativas no tocante ao adensamento no apenas terico, mas tambm no que se refere prtica profissional. Isso no est ocorrendo por acaso. urgente uma insero cada vez mais qualificada dos Assistentes Sociais nos debates que vm acontecendo no mbito da sade.

    Assim como Nogueira e Mioto (2006) sugerem, os Assistentes Sociais tm enfrentado desafios importantes no cotidiano profissional colocados pelo SUS. Primeiro, com a incluso da concepo ampliada de sade, que faz entrar em cena o debate dos determinantes sociais da sade, o que confere aos Assistentes Sociais um novo estatuto no campo da sade. Em seguida, com a considerao de que a promoo da sade e a viso de integralidade, com o trabalho entre as profisses bem como realizado entre as demais polticas setoriais, interferem nas condies de sade dos usurios.

    Entretanto, pontua-se que existe outro importante desafio colocado para os Assistentes Sociais desta rea. Verifica-se, historicamente, entretanto, de maneira mais acentuada a partir da dcada de 1990, com o retrocesso do conceito de Reforma Sanitria e todo seu campo de lutas e conquistas, que o campo da sade est em meio disputa entre dois antagnicos projetos societrios: o projeto privativista e o projeto de Reforma Sanitria. Considera-se que o projeto privativista aquele em que h o avano do complexo mdico-industrial em direo retrao dos direitos referentes sade, transformao dos bens e servios de sade em mercadorias e fonte de lucro, bem como a precarizao da sade em seu mbito pblico. Diante dele, atende-se um determinado projeto construdo e embasado por um

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    vis conservador e de cunho neoliberal, na qual os interesses capitalistas possuem extrema relevncia para sua manuteno.

    Apontando para outra direo, est o projeto de Reforma Sanitria, que baliza, justamente, a inverso deste modelo, ao propor o acesso universal e pblico, a justa e eqitativa distribuio de bens e servios de sade, de maneira integral, e no qual h o comprometimento com a transformao e modificao do status quo e com a qualidade dos servios prestados.

    Mais do que falar em diferentes projetos em disputa na esfera da sade, so diferentes vises de mundo que apontam para qual interesse est se atendendo. Essas vises de mundo esto ancoradas em distintas fundamentaes tericas que so utilizadas com a finalidade de balizar as polticas pblicas setoriais, as estratgias de atendimento e, na linha de ponta, as prticas cotidianas adotadas pelos profissionais da sade. Aponta-se para o fato de que fundamentaes tericas utilizadas de forma acrtica podem refletir sob qual projeto societrio est se atendendo, mesmo que a mistura de correntes tericas, que se verifica atualmente, no deixe claro o que, na verdade, est se defendendo.

    imbudo destes contedos que o Servio Social necessita adentrar as discusses que esto ocorrendo neste campo. Esta necessidade se expressa no momento em que se torna importante fazer uma distino, atravs da definio do posicionamento poltico a ser tomado e do projeto a ser defendido. Por isso, categorias que atualmente esto ganhando ressonncia nesta rea, tais como humanizao, integralidade e acolhimento, necessitam de uma reflexo, pela profisso, antes de serem incorporadas, no raras vezes, de maneira acrtica. Este contedo reflexivo necessrio para que os profissionais no se deixem levar por definies que comprometam o compromisso com o cdigo de tica profissional e no se percam, mergulhados numa discusso superficial, sem se dirigir verdadeiramente essncia do que est se discutindo.

    Neste sentido, considera-se o discurso empreendido por Nogueira e Mioto (2006, p. 22):

    Reafirma-se a posio segundo a qual refletir a ao profissional do assistente social no campo da sade importa em fazer opes sobre os recortes a serem abordados, uma vez que o caminho percorrido e os desdobramentos atuais da interface Servio Social e Sade so amplos e diversificados. Reafirma-se, tambm, o entendimento que as questes colocadas unicamente so possveis em face da trajetria entre Servio Social e Sade, por se considerar que as aes profissionais atuais incorporam e aprimoram prticas realizadas ao longo do tempo, na maioria das vezes com persistncia no eixo da prtica clnica (BRAVO, 1996), adequando-as s exigncias atuais. Esse recorte permite reconhecer a tradio do Servio Social e a riqueza do arsenal terico e tcnico da experincia acumulada na interface com a rea da sade e,

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    partindo desse patamar, contribuir para a densidade terico-metodolgica das aes desenvolvidas.

    Levando em conta os aspectos aqui analisados, este trabalho intenta oferecer subsdios para a qualificao do fazer profissional aos Assistentes Sociais que atuam na rea da sade, mas no somente para eles, uma vez que so muitos os desafios colocados para a profisso. Considera-se, assim, que, circunscritas a esse espao scio-ocupacional, muitas so as atribuies do Assistente Social, principalmente, quanto defesa dos direitos dos usurios, tarefa que j est bem consolidada no tocante construo terica forjada pela profisso.

    desse modo que fica delineada a preocupao com a dimenso do fazer profissional j que o desenvolvimento do acolhimento pressupe uma dimenso da prtica. Vale lembrar que o Servio Social possui um carter eminentemente interventivo no seu trabalho. Para a realizao de processos interventivos expressos nas aes profissionais, necessria a concomitncia de saberes que, conjuntamente, potencializam e qualificam esta ao. Para tanto, segundo a tica desta profisso, as bases de conhecimento consistem no conhecimento terico-metodolgico, tico-poltico e tcnico-operativo. O equilbrio destas trs bases proporciona, em tese, a consistncia da interveno. O privilegiamento de um conhecimento em detrimento de outro pode comprometer sua qualidade. Pelo carter interventivo, pressupe-se que qualificada deveria estar a base advinda dos conhecimentos tcnico-operativos. Entretanto, historicamente, este mbito vem se conformando como um campo de tenso para o Servio Social no que toca ao seu estudo e aprofundamento cientfico (SARMENTO, 1994; NOGUEIRA e MIOTO, 2006).

    No pode ser questionada a importncia da apropriao das bases de conhecimentos oriundos dos eixos terico-metodolgico e tico-poltico, adquirindo significativa relevncia para fundamentar o processo interventivo. O primeiro oferece as bases tericas relativas ao pensar e ao teorizar, e o segundo oferece a viso poltica, condio sine qua non para uma leitura crtica pautada na viso tica da sociedade e do ser humano (IAMAMOTO, 1998). Entretanto, negligenciar o aspecto caracterstico da profisso, no tocante ao contedo tcnico e operativo, negligenciar o que esta profisso possui de mais significativo: a riqueza de seu fazer profissional, o como fazer (NOGUEIRA e MIOTO, 2006).

    Portanto, o tema aqui abordado refere-se ao estudo do acolhimento em sade, realizado pelos profissionais do Servio Social, tendo como objetivo verificar como ele est sendo operacionalizado. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, realizada junto a treze

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    Assistentes Sociais que trabalham no nvel tercirio de ateno, segundo a hierarquizao do Sistema nico de Sade (SUS), em sete Hospitais Estaduais situados na regio da Grande Florianpolis. Os Assistentes Sociais foram abordados individualmente, por meio de entrevistas, realizadas a partir de questionrio pr-elaborado, gravadas e posteriormente transcritas. O tratamento analtico foi dado baseado na indicao de Minayo (1992), cuja prerrogativa a significao do discurso.

    Assim sendo, prope-se estudar o como fazer do acolhimento para os profissionais do Servio Social, quer dizer, como os profissionais esto trabalhando com o acolhimento, com relao: s perspectivas tericas adotadas; aos objetivos atribudos ao acolhimento; sua operacionalizao; e quais as bases que fundamentam esse acolhimento segundo o ponto de vista da Poltica de Sade, do referencial terico Servio Social e das exigncias do Cdigo de tica Profissional.

    Com essa finalidade, optou-se por dividir esta dissertao em trs captulos. O primeiro tratar de situar a discusso no contexto da Poltica de Sade, enfatizando a questo da humanizao. O segundo captulo revelar as diferentes concepes e idias sobre acolhimento, gestadas a partir das matrizes de pensamento no campo da sade. No terceiro captulo, sero apresentados os resultados de pesquisa, que mostraro, alm do contexto estudado e dos sujeitos que dela participaram, como os Assistentes Sociais entrevistados pensam acerca da concepo de acolhimento, quais os seus objetivos, como se d sua operacionalizao e quais as bases que sustentam sua fundamentao.

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    CAPTULO I: A POLTICA DE SAUDE NO BRASIL: do Movimento de Reforma

    Sanitria Poltica Nacional de Humanizao

    A biomedicina ocupava um espao relevante no campo da sade at a metade do sculo XVIII. Aps esse perodo, foi intensificada a discusso acerca da medicina social com o advento, por um ngulo, do higienismo, atravs do disciplinamento dos corpos, de normatizaes e preceitos na ordem individual, e por outro, de uma fiscalizao ou poltica que atendia as responsabilidades do Estado, o que designava uma prtica de sade referente instncia jurdico-poltica. No sculo XIX, o debate da Medicina Social comeou a influenciar as prticas em sade. O contexto vivenciado era o do desenvolvimento de um processo poltico e social oriundo da crise sanitria iniciada com as marcas da Revoluo Industrial, na qual a medicina poltica aplicada no campo da sade individual [...] curando-se os males da sociedade (PAIM e ALMEIDA FILHO, 1998, p. 302). Concomitantemente a este processo, em especial na Inglaterra e nos Estados Unidos, surgiu um movimento, em resposta s dificuldades encontradas na poca no campo da sade e que se conectava com a ao do Estado, denominado Sanitarismo. Com relao a este movimento, Paim e Almeida Filho (1998, p. 303) esclarecem que

    [...] os sanitaristas produzem um discurso e uma prtica sobre as questes da sade fundamentalmente baseados em aplicaes de tecnologia e em princpios da organizao racional para a expanso de atividades profilticas [...] destinadas principalmente aos pobres e setores excludos da populao. O advento do paradigma microbiano nas cincias bsicas da sade representa um grande reforo ao movimento sanitarista que, em um processo de hegemonizao, e j ento batizado de sade pblica, praticamente redefina as diretrizes da teoria e prtica no campo da sade social no mundo ocidental.

    O saber baseado na epidemiologia passou a ser reconhecido como uma cincia a partir do sculo XIX, adentrando os espaos pblicos da sade para que se reconhecessem os eventos fisiopatolgicos dos agravos sade. Assim, iniciou-se um processo de intercorrelao entre fenmenos orgnicos e oriundos do meio externo, sobressaindo-se a idia de que os fenmenos extra-orgnicos teriam maior determinao. No incio do sculo XX, ganhou fora outro marco conceitual baseado na clara separao entre individual e coletivo, privado e pblico, biolgico e social, curativo e preventivo, e que resultou na redefinio do ensino e da prtica mdica a partir de princpios tecnolgicos rigorosos

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    (AYRES, 1995, p. 14). Esse marco foi claramente explicitado nos Estados Unidos, no ano de 1910, com o Relatrio Flexner (PAIM e ALMEIDA FILHO, 1998, p. 303). Esse modelo,

    [...] baseado num paradigma fundamentalmente biolgico e quase mecanicista para a interpretao dos fenmenos vitais, gerou, entre outras coisas, o culto doena e no sade, e a devoo tecnologia, sob a presuno ilusria de que seria o centro de atividade cientfica e de assistncia sade (SCHERER, MARINO e RAMOS, 2005).

    Como apontam Scherer, Marino e Ramos (2005), apoiadas na idia de Mendes (1996) e Novaes (1990),

    a formao mdica e o modelo de assistncia em proposio neste modelo revelavam diversas influncias, como o mecanicismo, o biologismo, o individualismo, a especializao e o curativismo. O mecanicismo tomou o corpo humano em analogia a uma mquina, cujas estruturas e funes pudessem ser meticulosamente analisadas e tratadas de modo instrumental, isolando-se a parte adoecida do resto do corpo. O biologismo ocultou a causalidade social da doena ao reconhecer a natureza biolgica de suas causas e conseqncias, dada a nfase na microbiologia e nas teorias dos germes e da histria natural das doenas. O individualismo constituiu o objeto individual da sade, ao considerar o paciente como abstrao parte da coletividade e, portanto, excludo de todos os demais aspectos sociais da vida. Associada ao individualismo, a especializao imps a parcializao abstrata do objeto global, cuja preocupao dirigia-se principalmente para a excelncia tcnica de especialidades clnicas orientadas ao indivduo, alm da tecnificao do ato mdico, que estruturou a engenharia biomdica, mediadora da ao entre profissional de sade e paciente. Finalmente, o curativismo, que centrou a prtica sanitria, em todos os seus nveis, nos aspectos curativos, prestigiando o processo fisiopatolgico, em detrimento da(s) causa(s) geradoras do processo.

    No entendimento de Canesqui (1995, p. 20 - 21), este quadro, comeou a ser modificado timidamente no perodo aps a Segunda Guerra Mundial, quando as cincias sociais adentraram na esfera da sade, ainda por meio das Cincias da Conduta, mas j indicando que o olhar e o pensar social comeavam, novamente, a permear o campo da sade. Os campos de conhecimento mais difundidos na poca eram o da sociologia, da antropologia e da psicologia social. Entretanto, a partir da dcada de 1970, esta insero foi alvo de fortes criticas por estar embasada na corrente funcionalista, incapaz de realizar uma leitura analtica da estrutura e da dinmica da sociedade capitalista e estabelecer sua correlao com a rea da sade.

    Institucionalmente, uma das primeiras manifestaes que anunciou a ampliao do conceito de sade foi a Carta de Otawa, elaborada em 1986, na I Conferncia Internacional sobre Promoo da Sade. Nela, a promoo da sade definida como o processo de capacitao da comunidade para atuar na melhoria da qualidade de vida e sade, incluindo

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    uma maior participao no controle deste processo (BRASIL, 2002, p. 19 apud BUSS, 2003, p. 25). na Carta de Ottawa que se estabelece que

    [...] as condies e os recursos fundamentais para a sade so: paz, habitao, educao, alimentao, renda, ecossistema estvel, recursos sustentveis, justia social e eqidade, afirmando que o incremento nas condies de sade requer uma base slida nestes pr-requisitos bsicos (BUSS, 2003, p. 25).

    Com o questionamento do modelo de ateno preventivista adotado tanto pelas cincias da conduta quanto pela Medicina Preventiva, buscava-se outro paradigma a fim de nortear estudos e pesquisas referentes sade. Assim, segundo Canesqui (1995, p. 23),

    [...] o recurso do materialismo histrico, nas suas diferentes verses, reorientaram parcela do ensino e da produo acadmica nas reas de Sade Pblica/Medicina Preventiva/Medicina Social e denominaes congneres, tendo oferecido reflexo sociolgica e epidemiolgica importantes suportes para repensar os determinantes do processo sade e doena, mediante a anlise da produo social, historicidade e distribuio desigual da doena na sociedade, bem como da organizao social da prtica mdica.

    Foi sob esta orientao que se desenrolaram as discusses do conceito ampliado de sade e a abordagem dos determinantes sociais da sade. A concepo de sade, at ento formada pelo binmio sade/doena, em que a falta de sade sugeria a presena da doena, comeava a ser abandonada.

    No contexto brasileiro, esse debate sustentaria o Movimento de Reforma Sanitria e os reflexos deste debate podem ser observados na configurao das Polticas de Sade, no final da dcada de 1970.

    1.1. A Poltica de Sade no Brasil

    A Poltica de Sade brasileira comeou a ser delineada na dcada de 1920, mais precisamente em 1923, com o estabelecimento das Caixas de Aposentadoria e Penses CAPs, cuja finalidade era atender os trabalhadores que possuam um vnculo formal de trabalho em categorias trabalhistas mais engajadas politicamente. Mais tarde, no ano de 1932, passaram a ser denominadas de Institutos de Aposentadoria e Penses IAPs, porm, persistindo com a lgica de direcionamento do atendimento aos trabalhadores formais. Os primeiros a possurem este direito foram os ferrovirios e operrios, que na poca, tinham grande fora e engajamento poltico.

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    Dessa forma, a poltica de sade estava vinculada poltica de previdncia social, uma vez que limitava o atendimento s necessidades de sade de algumas categorias profissionais e exclua aquelas que ainda no possuam direitos previdencirios. Portanto, a poltica de sade ainda no era universal, sobretudo porque grande parte da populao estava, evidentemente, excluda do direito sade, pelo menos em seu mbito mais amplo. Cabe salientar que novas categorias profissionais foram ganhando legitimidade no tocante a estas polticas medida que foram conquistando direitos sociais e sendo incorporados pelos institutos que representavam os direitos previdencirios. Isto ocorreu, por exemplo, com as empregadas domsticas e com os trabalhadores rurais na dcada de 1970.

    Apesar das transformaes ocorridas ao longo de quase 40 anos, como, por exemplo, a incorporao do modelo do sanitarismo campanhista, na dcada de 1960, a criao do Instituto Nacional de Previdncia Social INPS, em 1967, a instituio do Sistema Nacional de Previdncia Social SIMPAS, em 1977, no houve avanos significativos, por que estes sistemas ainda estavam subordinados aos rgos da Previdncia Social.

    Na tentativa de modificar tal quadro, buscou-se forjar, na sociedade brasileira, um movimento de questionamento e de apontamento de novas propostas e estratgias no campo da sade, no incio da dcada de 1970, movimento este reconhecido como Reforma Sanitria. Encabeado por intelectuais e militantes de um grupo que defendia a transformao da sociedade em que se estava vivendo na poca e tambm por parte da sociedade civil, o movimento teve origem num perodo de ditadura militar e de particular especulao de empresas multinacionais que detinham o monoplio dos servios de sade, ou seja, o complexo mdico-industrial. Aquele era tambm um momento de direcionamento das polticas sociais, por enfocar setores mais engajados e organizados politicamente, portanto, sem atender totalidade da populao.

    Alm disso, somam-se, nas palavras de Teixeira (1989, p. 27), outras especificidades da poltica de sade adotada at ento:

    No caso brasileiro, desde o incio dos anos 70, acentuaram-se algumas tendncias relativas organizao do sistema de sade: a) extenso da cobertura previdenciria, de forma a abranger a qualidade total da populao urbana e ainda parte da populao rural; b) reorientao da poltica nacional de sade para uma prtica mdica curativo-individual, especializada e sofisticada, em detrimento de medidas de sade pblica, de carter preventivo e interesses coletivos; c) desenvolvimento de um padro de organizao da prtica mdica orientada em termos da lucratividade, propiciando a mercantilizao e empresariamento da medicina atravs da alocao preferencial dos recursos previdencirios para compra de servios

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    aos prestadores privados; d) viabilizao de um complexo mdico-industrial com a crescente expanso da base tecnolgica da rede de servios e do consumo de medicamentos.

    Comeou-se, ento, a observar e a reconhecer que esta orientao determinava um processo de assistencialismo sociedade, o que no estava sendo suficiente para o atendimento de toda a populao, especialmente quanto ao modelo assistencial5 ou de ateno medicocntrico, curativo e hospitalocntrico, cuja eficcia tornou-se duvidosa.

    O Movimento de Reforma Sanitria caracterizava-se por possuir um contedo envolto em um vis democrtico que, alm de propor o deslocamento efetivo de poder, desde um setor especfico, mas sem se reduzir a ele, trata de formular propostas contra-hegemnicas e organizar uma aliana entre as foras sociais comprometidas com a transformao (TEIXEIRA, 1989, p. 42).

    Fazendo referncia a esse tema, Dmaso (1989, p.71) declara que

    a proposta do Movimento Sanitrio nascente , assim, bifronte: a) Ela representa uma repercusso, no prprio aparelho de Estado, do deslocamento de foras da sociedade civil j ensaiada pela frente popular de oposio ao regime. Democratizar a sade como parte da estratgia maior de democratizao da sociedade. O primeiro ato neste mise-em-scene do movimento sanitrio , pois, uma resposta solidria, no setor sade, ao esforo de construo da libertao do pas. Este primeiro ato no levanta uma bandeira sanitria com vocao contra-hegemnica, mas um incisivo gesto contra-hegemnico com vocao sanitria. a sociedade civil que pode libertar o Estado e no o Estado que pode libertar a sociedade civil. Esta correspondncia poltica do setor sade constitui o que podemos denominar o brao estatal do movimento sanitrio. b) O movimento encontra, porm, o seu brao civil na instituio do CEBES (Centro Brasileiro de Estudos de Sade) em 1976.

    Este movimento iniciou, ento, uma profunda reviso de conceitos e de estratgias para repensar a sade em sua totalidade. Desse modo, o conceito de sade foi ampliado em seu entendimento e alcance, tendo como referncia a Carta de Otawa, com a insero do debate sobre os determinantes sociais da sade6.

    5 Para Paim (1994, p. 476) modelos assistenciais so combinaes tecnolgicas para o enfrentamento

    de problemas de sade individuais e coletivos em determinados espaos-populaes, incluindo aes sobre o ambiente, grupos populacionais, equipamentos comunitrios e usurios de servios de sade. 6 Torna-se relevante apontar para o fato de que no incio do movimento de reforma sanitria a

    discusso sobre os determinantes sociais da sade foi o motor para as demais discusses e um importante referencial para as transformaes sociais e polticas ocorridas naquele momento. Entretanto, essa discusso tornou-se escassa devido aos rumos que o setor sade tomou, em especial

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    Na busca por um conceito de Reforma Sanitria, Teixeira (1989, p. 39) revela :

    A meu ver, o conceito de Reforma Sanitria refere-se a um processo de transformao da norma legal e do aparelho institucional que regulamenta e se responsabiliza pela proteo sade dos cidados e corresponde a um efetivo deslocamento do poder poltico em direo s camadas populares, cuja expresso material se concretiza na busca do direito universal sade e na criao de um sistema nico de servios sob a gide do Estado.

    Dentre outros importantes elementos7 do processo de Reforma Sanitria (TEIXEIRA, 1989), surgiu a preocupao com a universalidade, equidade e integralidade (princpios do SUS) e isto suscitou a discusso acerca dos determinantes sociais da sade. Uma discusso na qual se verificou a existncia de iniqidades e desigualdades de sade, e que os principais determinantes dessas disparidades estavam em estreita correlao com as formas nas quais a vida social era organizada e mais, com o abandono da noo de causalidade e sua substituio pelo conceito de determinao. (TEIXEIRA, 1989, p. 18-19).

    Assim sendo, no desenvolver deste debate e da difuso de ideais levantados por este movimento, foram acatadas reivindicaes que tiveram profundo impacto junto sociedade, pela transformao que sofreu o conceito de sade, adicionalmente, ao estabelecer a sade como centro de uma poltica de Estado. Isto revela conquistas importantes obtidas pelo Movimento de Reforma Sanitria.

    Porm, foi a Constituio Federal de 1988 que instituiu uma nova Poltica Nacional de Sade, atribuindo novas responsabilidades ao Estado em relao sociedade, destacando-se a sade como direito do cidado. Ao Estado caberia a garantia do direito de acesso universal e igualitrio s aes e servios de sade, almejando o fortalecimento dos direitos sociais, da cidadania e da incluso social. Dessa forma, a nova Constituio enuncia a concepo de direito, que tem na satisfao das necessidades de sade o seu foco, independente de contribuio ou requisitos prvios. Para a execuo desta Poltica de Sade, foi institudo o Sistema nico de Sade SUS, que teve sua elaborao a partir de demandas

    na dcada de 1990, cujo momento foi desfavorvel para este movimento e seu contedo permaneceu, de certa forma, estagnado. Todavia, no incio da presente dcada, o tema dos determinantes sociais da sade retorna ao cenrio mundial com forte influncia nas formulaes de algumas polticas pblicas e numa retomada da defesa de princpios do Movimento de Reforma Sanitria. 7 Os outros elementos seriam: a ampliao da conscincia sanitria; a construo de um paradigma

    analtico oriundo do campo disciplinar denominado Medicina Social ou Sade Coletiva, organizada a partir das noes de determinao social do processo sade-doena e da organizao das prticas; o desenvolvimento de uma nova tica profissional; a construo de um arco de alianas polticas na luta pelo direito sade; a criao de instrumentos de gesto democrtica e controle social sobre o sistema de sade (TEIXEIRA, 1989, p. 39-40).

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    sociais, amplamente discutidas em Conferncias Nacionais, com forte participao social, e foi resultado de lutas favorveis democratizao e descentralizao do Sistema de Sade (WESTPHAL e ALMEIDA, 2001).

    O SUS emergiu enunciando como princpios doutrinrios: a universalidade, que estende a todos o direito do atendimento das necessidades de sade, indiscriminadamente; a equidade, pela qual todo cidado igual perante o Sistema nico de Sade e ser atendido conforme as suas necessidades, devendo os servios de sade considerar as diferenas dos grupos populacionais e trabalhar para cada necessidade, oferecendo mais a quem mais precisa, diminuindo as desigualdades existentes; e a integralidade, na qual as aes de sade devem ser combinadas e voltadas, concomitantemente, para a preveno e a cura, cabendo aos servios de sade funcionar atendendo o indivduo como um ser humano integral, submetido as mais diferentes situaes da vida e de trabalho, entendido como um ser social, cidado que biolgica, psicolgica e socialmente est sujeito a riscos de vida, sendo necessria a garantia do acesso s aes de: Promoo, Proteo e Recuperao (WESTPHAL e ALMEIDA, 2001).

    Apesar do contedo desses princpios revelar a ampliao do conceito de sade, eles permanecem sendo um desafio constante no que toca a sua efetivao material. evidente que, ao levar em conta aspectos sociais e polticos, possvel a identificao de indicadores, tais como a desigualdade na distribuio de renda. Nessa forma de pensar, entende-se que a pobreza pode ser considerada um dos fatores que determinam as condies de sade de uma populao. Ou seja, a situao de iniqidade em sade est correlacionada com a efetivao da justia social, com a eqitativa distribuio de renda e com as condies econmicas e sociais de determinada populao. Estes fatores exercem importante efeito sobre a sade e a doena. Pesquisas revelam que pases com uma grande iniqidade de renda, baixos nveis de coeso social e pouca participao poltica so aqueles que menos realizam investimentos em capital humano e em redes de apoio social, relevantes para que ocorram a promoo e proteo sade, seja individual ou coletiva (CNDSS, 2006).

    A fim de combater a iniqidade social e tornar equnime a distribuio de melhores condies de sade, segundo estudo realizado pela Comisso Nacional sobre Determinantes Sociais da Sade, relevante que se invista na idia de fortalecimento do processo democrtico na definio das polticas de sade. Isto colabora para a consolidao efetiva da poltica de sade e de interesse pblico, uma vez que, como conseqncia, ocorrer a multiplicao dos atores comprometidos, a ampliao dos espaos de discusso, a interao

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    e a instrumentalizao da participao desses atores para garantir o acesso eqitativo s informaes e aos conhecimentos relacionados sade (CNDSS, 2006).

    Mais recentemente, em maro de 2006, foi instituda, no Brasil, a Comisso Nacional sobre Determinantes Sociais da Sade (CNDSS), seguindo uma recomendao da Organizao Mundial de Sade (OMS), sendo o pas um dos primeiros a participar dessa iniciativa. Cabe salientar que a CNDSS fruto de um processo iniciado pela Reforma Sanitria. Essa Comisso visa, dentre seus vrios objetivos, implantar aes de enfrentamento dos determinantes sociais em sade, diminuir as iniqidades e tambm realizar estudos e pesquisas que possibilitem aumentar os conhecimentos acerca dos determinantes sociais em sade e incorpor-los na definio e implantao das polticas (CNDSS, 2006).

    Entretanto, apesar do debate ter avanado significativamente, ainda existem resqucios do recuo sofrido pela Poltica de Sade na dcada de 1990. Atualmente, so observadas continuidades referentes precarizao, terceirizao dos recursos humanos, desfinanciamento e focalizao. Exemplo disso trazido por Bravo (2006, p. 104-105) quando cita o Programa Sade da Famlia (PSF), que revela problemas relevantes quanto sua estratgia de organizao e cobertura, na viso da universalidade e integralidade. O autor destaca, prioritariamente, os problemas quanto aos recursos humanos que compem a linha de frente do programa cujo despreparo e impreciso das funes vm revelando um ponto frgil e comprometedor quanto leitura dos determinantes sociais da sade em sua totalidade, o que vem a interferir na qualidade dos servios prestados.

    Mesmo com as dificuldades na implementao da Poltica de Sade, considera-se que a discusso sobre os determinantes sociais amplia o conceito de sade e, por consequncia, a viso das necessidades que precisam ser atendidas por esta via. A integralidade da ateno sade, anunciada pelo SUS, um princpio que prev o alargamento do atendimento dessas necessidades. Por isso, atualmente, esse princpio acabou se tornando o centro das atenes no apenas das estratgias governamentais no que diz respeito poltica de sade, mas tambm em discusses e estudos junto s mais diversas profisses da rea da sade.

    Dessa forma, a integralidade se desenha como fio condutor do debate dos processos de assistncia sade, medida que se torna o eixo norteador das prticas profissionais em sade (MERHY, 1997; CAMPOS, 1997; FRANCO, BUENO e MERHY, 2003).

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    1.2. A Integralidade como princpio norteador de novas prticas em sade

    Por meio das leituras realizadas, constata-se que a integralidade tem se revelado um conceito polissmico, com a instituio de conceitos e sentidos os mais diversos, oriundos de fundamentaes tericas as mais distintas, seguindo concepes procedentes dos projetos polticos em disputa no mbito da sade (MERHY, 1997; MERHY et al, 1997; CAMPOS, 1997; PINHEIRO, 2005; TEIXEIRA, 2005).

    A integralidade vem sendo estudada mais enfaticamente por pesquisadores que constituram o Laboratrio de Pesquisas sobre Praticas de Integralidade em Sade (LAPPIS), com sede na Universidade de Campinas (UNICAMP). O LAPPIS constitui-se em um programa de estudos que rene um colegiado multidisciplinar de pesquisadores a fim de identificar e construir prticas de ateno integral sade, tendo como ponto de partida o conhecimento que construdo na prtica dos sujeitos nas instituies de sade e na sua relao com a sociedade civil8.

    Para Mattos (2001), a integralidade pode ser considerada como uma imagem objetivo, imbuda de um contedo de lutas, valores, ideal de justia e transformao social. Nas palavras do autor,

    enuncia-se uma imagem objetivo com o propsito principal de distinguir o que se almeja construir, do que existe. Toda imagem objetivo tenta indicar a direo que queremos imprimir transformao da realidade. De certo modo, uma imagem objetivo [...] parte de um pensamento crtico, um pensamento que se recusa a reduzir a realidade ao que existe, que se indigna com algumas caractersticas do que existe, e almeja supera-las. [...] Ao enunciar aquilo, que segundo nossa inspirao, existir, a imagem objetivo tambm fala, embora sinteticamente, daquilo que criticamos no que existe, e que nos levou a sonhar com uma outra realidade (IBIDEM, p. 41).

    J para Pinheiro (2001), a integralidade pode ser compreendida como uma ao social que resulta da interao dos atores na relao entre demanda e oferta, em diferentes planos de ateno sade, individual ou sistmica, em que so considerados os aspectos subjetivos e objetivos.

    Por sua vez, Ceclio (2005, p. 115-116) entende que, para que haja uma definio mais ampliada de integralidade, preciso, primeiramente, detectar as necessidades de sade dos usurios. Em vista disto, o autor trabalha com a integralidade em duas dimenses: a integralidade focalizada e a integralidade ampliada. Sobre a primeira, ele assim se pronuncia:

    8 Fonte: www.lappis.org.br

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    Numa primeira dimenso, a integralidade deve ser fruto do esforo e confluncia dos vrios saberes de uma equipe multiprofissional, no espao concreto e singular dos servios de sade [...] Poderamos denomin-la integralidade focalizada, na medida em que seria trabalhada no espao bem delimitado (focalizado) de um servio de sade.

    No tocante a segunda dimenso, o mesmo autor destaca: Chamemos, pois, de integralidade ampliada esta articulao em rede, institucional, intencional, processual, das mltiplas integralidades focalizadas que, tendo como epicentro cada servio de sade, se articulam em fluxos e circuitos, a partir das necessidades reais das pessoas - a integralidade no micro refletida no macro; pensar a organizao do macro que resulte em maior possibilidade de integralidade no micro. [...] A integralidade ampliada seria esta relao articulada, complementar e dialtica, entre a mxima integralidade no cuidado de cada profissional, de cada equipe e da rede de servios de sade e outros (CECLIO, 2005, p. 119-120).

    No entanto, Mattos (2001) considera que no se deve tentar cristalizar apenas um conceito de integralidade, pois assim um de seus sentidos poderia ser abortado, silenciando indignaes dos atores sociais que lutaram conjuntamente com a Reforma Sanitria e buscaram construir a integralidade em suas prticas.

    Segundo documento elaborado pelo Frum da Reforma Sanitria Brasileira (2006), a integralidade ainda no se difundiu em sua totalidade, nas mais diversas reas profissionais, apesar dos avanos ocorridos nos ltimos anos no sistema de sade.

    Ainda conforme este mesmo documento, a lgica que deve orientar a organizao dos servios de ateno e atuao dos profissionais de sade a de tornar mais fcil a vida do cidado-usurio, no usufruto de seus direitos. Trata-se de organizar o SUS em torno dos preceitos da promoo da sade, do acolhimento, dos direitos deciso sobre alternativas teraputicas, dos compromissos de amenizar o desconforto e o sofrimento dos que necessitam assistncia e cuidados (FRUM DA REFORMA SANITRIA BRASILEIRA, 2006).

    Dentre as estratgias programticas para o desenvolvimento de prticas baseadas na integralidade, encontra-se a mudana radical do modelo de ateno sade e o aumento da cobertura e da resolutividade. Essa mudana estaria centrada na identificao do usurio como foco principal de ateno, compreendendo-o como um ser humano integral, abandonando a fragmentao do cuidado que transforma as pessoas em rgos, sistemas ou pedaos de gente. (FRUM DA REFORMA SANITRIA BRASILEIRA, 2006). Isto se reflete, portanto, na priorizao da ateno em nvel primrio e no abandono da idia de que o centro do modelo assistencial seria constitudo pelos hospitais e pelas especialidades isoladas.

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    Alm da mudana do foco da interveno, deve-se destacar o debate sobre os determinantes sociais da sade. Neste debate situa-se a idia de que a totalidade da ateno realizada quando so considerados os aspectos sociais, econmicos e polticos que envolvem o cotidiano dos cidados, por conseguinte, a integralidade pode ser compreendida como um dos princpios fundamentais a serem cumpridos.

    Nesse sentido, cabe salientar a relevncia que tal princpio possui se fizer parte do contedo terico-metodolgico e do arsenal tcnico-operativo na interveno realizada pelos profissionais do Servio Social. Dentre as contribuies do campo do Servio Social para o debate da integralidade encontra-se o estudo de Assumpo (2007). Esta autora realiza sua anlise tendo como base a Poltica de Sade e seus princpios doutrinrios, bem como a literatura j apresentada sobre o tema a partir de autores que a abordam, realizando, por assim dizer, uma distino conceitual.

    Tendo como ponto de partida a assistncia sade, Assumpo (2007) discute a integralidade, em sua anlise do exerccio profissional, e a enfoca em trs sentidos: como prtica profissional no fragmentada; como trabalho em equipe interdisciplinar; e dentro da formao profissional.

    Para inserir este tema na esfera do Servio Social, a autora explicita os aportes tericos e metodolgicos desta profisso ao tecer sua anlise. Assim, para ela, o Servio Social,

    [...] ao se inserir nas discusses sobre Integralidade em sade deve partir de sua prpria construo profissional para alicerar suas contribuies, fazendo referncia a seu projeto tico-poltico, o qual se fundamenta na perspectiva crtica. Retomar tais balizas se faz sempre necessrio para responder a questes advindas frente a novos temas, afinal compreendemos que a profisso tem referenciais bem firmados que como bssolas apontam o caminho a ser seguido (IDEM, IBIEM, p. 71).

    neste mbito que so inseridos os elementos da perspectiva crtico-dialtica, com destaque para a categoria da totalidade, presente no debate da profisso desde o Movimento de Reconceituao, ou seja, aproximadamente na dcada de 1970.

    Guiada por este ponto de vista, Assumpo (2007, p. 94) pensa que, para o Servio Social, a integralidade

    [...] implica necessariamente considerar a categoria da totalidade como pedra angular na compreenso da realidade social e no desvendamento da mesma com as lentes apropriadas para tal. Lembrando que a totalidade uma categoria ontolgica que representa o concreto (sntese de determinaes), a qual Lukcs (1979) descreve como um complexo constitudo de complexos subordinados, ou seja, toda parte tambm um todo, sem eliminar o carter de elemento.

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    A viso crtico-dialtico contribui no somente com a discusso da totalidade, mas tambm inclui o pensar sobre as necessidades de sade. Essa discusso abrange duas perspectivas: o debate sobre a integralidade em sade e o debate sobre as necessidades humanas realizadas pelo Servio Social. Para Assumpo (2007), no exerccio profissional dos Assistentes Sociais, a integralidade privilegiada no campo das aes profissionais de cunho interdisciplinar e intersetorial. Esta ltima corresponde articulao de setores e polticas, organizadas em rede de servios e acessveis ao usurio, ao passo que a interdisciplinaridade refere-se diviso e socializao de conhecimentos e saberes aplicados ao atendimento do usurio. A autora associa a possibilidade da efetivao de aes integrais presena indissocivel da perspectiva de totalidade e superao da ciso entre teoria e prtica. Assim, a integralidade, que depende especialmente da formao profissional, deixaria de tornar-se uma imagem-objetivo para ser incorporada ao fazer profissional.

    Para que seu contedo faa parte da formao profissional, necessrio um adensamento terico capaz de clarificar a compreenso e o entendimento acerca da integralidade. Mas at ento, o que Assumpo (2007) identificou foi uma escassa produo terica acerca do tema. Entretanto, na defesa do projeto tico-poltico da profisso que a autora apresenta uma provvel sada, com a retomada da perspectiva crtico-dialtica, a fim de que a compreenso da integralidade esteja imbuda de seus elementos.

    Tomar a integralidade como prtica pressupe a realizao de uma leitura que observe os determinantes sociais do processo sade e doena, como tambm sugere a instituio de modificaes nos processos de trabalho em sade com o trabalho intersetorial e interdisciplinar (MERHY, 1997; CAMPOS, 1997; PINHEIRO, 2001). Enfim, tratar a integralidade como princpio do SUS, dentro da perspectiva crtica instaurada pelo movimento de reforma sanitria que pressupe um projeto societrio, universalizante e participativo, voltado para a equidade em sade, implica em pens-la em todas as suas dimenses, abarcando, inclusive, a perspectiva da qualidade dos servios de sade.

    Imbuda do discurso da integralidade, sendo um facilitador da modificao dos processos de trabalho e das relaes nele estabelecidas, que emergiu a estratgia da humanizao. Julga-se relevante destacar que essa estratgia no tem um discurso nico e que tampouco sua utilizao est voltada para um nico objetivo. Verifica-se que existem outros fundamentos que norteiam suas anlises, conformando um espao de disputas conceituais que interferem sobremaneira nos projetos polticos em disputa na sade. Justamente por este motivo que o item subseqente ser dedicado discusso da questo da humanizao e sua institucionalizao, cujo marco foi a elaborao da Poltica Nacional de Humanizao.

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    1.3. A Poltica Nacional de Humanizao

    O debate sobre a Poltica Nacional de Humanizao (PHN) s poder ser realizado mediante a exposio de algumas perspectivas que tm se tornado referncia pela polmica que despertam. Para tanto, a humanizao ser abordada sob trs perspectivas, a saber: dentro da sade coletiva, sua institucionalizao no mbito governamental e o debate realizado pelo Servio Social.

    1.3.1. O debate da Humanizao no campo da sade coletiva

    A Sade Coletiva no Brasil foi um espao de debate organizado no cerne do Movimento de Reforma Sanitria. Na acepo de Fleury (apud PAIM & ALMEIDA FILHO 1998, p. 309), discutida na Amrica Latina, a sade coletiva definida como rea de produo de conhecimentos que tem como objeto as prticas e os saberes em sade, referidos ao coletivo enquanto campo estruturado de relaes sociais onde a doena adquire significado.

    Para Canesqui (1995, p. 26), no entanto,

    inegavelmente Sade Coletiva uma inveno brasileira. A origem dessa denominao partiu de um grupo de profissionais, durante o processo de distenso do regime militar e do reordenamento de um conjunto de prticas relacionadas com a questo da sade, no fim da dcada de 70, combinando com preocupaes de conferir maior organicidade formao de pessoal no nvel de ps-graduao stricto sensu e lato sensu, produo de conhecimentos, formulao da poltica de sade e de reunir corporativamente distintos profissionais, pertencentes ao tradicional campo institucionalizado da Sade Pblica e das reas acadmicas de Medicina Preventiva e Social, Medicina Social e outras denominaes congneres.

    Segundo Silva Junior (2006), no bojo da discusso da Sade Coletiva, em meio crise do governo militar, surgiram trs relevantes propostas referentes poltica de sade, ancoradas em trs vertentes tericas. Estas vertentes vm influenciar o debate sobre sade e, subseqentemente, sobre a integralidade, a humanizao e o acolhimento.

    A primeira proposta citada por Silva Junior (2006) a da Silos. Originariamente baiana, tinha como eixo central

    as recomendaes da Comisso Nacional de Reforma Sanitria (1986), que indicavam um processo de regionalizao das aes de sade por meio de Distritos Sanitrios como uma forma de descentralizar decises, compreender os problemas locais e permitir maior acesso da populao aos servios de sade (PAIM, 1995, apud SILVA JUNIOR, 2006).

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    Como concepo de sade, esta corrente utilizou-se das propostas da epidemiologia social latino-americana, correlacionando a sade com as condies de vida, ou seja, suas dimenses biolgicas, ecolgicas, da conscincia, da conduta e dos processos econmicos, com base no conceito de reproduo social (CASTELLANOS, 1990, apud SILVA JUNIOR, 2006, p. 77). So adicionadas, ainda, as reflexes de Mario Testa, com a incorporao do Pensamento Estratgico em Sade e, mais tarde, as diretrizes da Carta de Otawa, de 1986.

    A segunda proposta a da Saudicidade, de Curitiba, com origem no final da dcada de 1970, e que tem como lema: Saudicidade: Sade para a cidade, sade para os cidados que nela possam potencializar a plenitude da vida, isto , o oposto da patogenicidade, embasada pela

    [...] discusso de Ateno Primria Sade e de Medicina Comunitria, foram propostas modificaes na atuao das Unidades Municipais de Sade [...] A sade era entendida como determinao social e seus determinantes deveriam ser discutidos. As Unidades de Sade foram organizadas segundo reas de abrangncia e seus servios tomaram a forma de Programas (SILVA JUNIOR, 2006).

    A tradio da epidemiologia social latino-americana forneceu o pensamento inicial sobre sade e doena, e posteriormente, com a aproximao com a proposta baiana, essa concepo foi ampliada, justapondo-se, portanto, s diretrizes da Carta de Otawa e do Movimento de Cidades Saudveis da Organizao Mundial da Sade-OMS (SILVA JUNIOR, 2006).

    A terceira proposta foi lanada pelo Laboratrio de Planejamento e Administrao em Sade-LAPA, no final da dcada de 1980, por um grupo de profissionais que ali desenvolviam suas atividades. Autores, como Emerson Merhy e Gasto Wagner Campos, iniciaram discusses acerca do processo de trabalho em sade, do conceito de humanizao em sade, da necessidade da criao do vnculo e da responsabilidade pelos usurios, bem como do acolhimento como forma de humanizar as relaes entre usurios e profissionais (SILVA JUNIOR, 2006).

    Essa corrente teve como influncia pensamentos diversos, tais como os de Carlos Matus, Mario Testa, Foucault, Guatari, Deleuze, da teoria da ao comunicativa de Habermas e Castoriadis. Mas no tocante concepo de sade, a terceira proposta utilizou-se de discusses que vinham ocorrendo na Amrica Latina, levantando, entretanto, dois questionamentos acerca desta concepo:

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    Um, com relao subjetividade e individualidade, uma vez que essas no so valorizadas na percepo dos problemas de sade. Refere-se limitao da epidemiologia em perceber os aspectos individuais do adoecer, os desejos e interesses articulados na composio da demanda aos servios. [...] O outro [...] diz respeito aos usurios e incorporao de novos sujeitos sociais na luta em Defesa da Vida (SILVA JUNIOR, 2006, p. 103).

    Assim, a corrente em Defesa da Vida recebe destaque no mago da Sade Coletiva, com suas publicaes referentes, primeiramente, integralidade, e posteriormente, discusso da humanizao. Esta ltima comeou a ser discutida em meados da dcada de 1990, quando se iniciou o debate sobre o modo como estava se configurando o atendimento dos profissionais de sade e aos usurios que acessavam este mesmo sistema. Uma vez que esta corrente determinou como um de seus princpios norteadores: o servio pblico de sade voltado para a defesa da vida individual e coletiva, foi defendida a idia de que a humanizao das relaes seria condio essencial para a melhoria da qualidade do atendimento prestado. Para este grupo, a humanizao conceituada como a garantia de acesso ao servio e a todos os recursos tecnolgicos necessrios para defesa da vida, de forma imediata; informao individual e coletiva, e equidade no atendimento a todos os cidados (SILVA JUNIOR, 2006).

    1.3.2. A institucionalizao da Humanizao como estratgia governamental

    A temtica da humanizao foi introduzida como ponto de discusso na XI Conferncia Nacional de Sade, no ano de 2000. A partir desse debate, o Ministrio da Sade props como estratgia governamental, concretizada atravs do Programa Nacional de Humanizao da Ateno Hospitalar PNHAH, que vigorou entre os anos de 2000 a 2002 (BENEVIDES e PASSOS, 2005; ALVES, MIOTO e GERBER, 2007).

    O PNHAH (2000) teve como justificativa identificar o nmero significativo de queixas dos usurios referentes aos maus tratos nos hospitais, e para tanto, foram convidados profissionais da rea de sade mental a fim de elaborarem uma proposta de trabalho voltada humanizao dos servios hospitalares pblicos de sade.

    Foi neste programa que a discusso acerca da ambincia recebeu respaldo, quando o Ministrio da Sade se props a desenvolver um

    [...] conjunto de aes integradas, na rea da assistncia hospitalar, visando melhoria da qualidade de atendimento nos hospitais da rede SUS. Este

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    conjunto de aes inclui grandes investimentos para a recuperao das instalaes fsicas das instituies, a renovao de equipamentos e aparelhagem tecnolgica moderna, o barateamento dos medicamentos, a capacitao do quadro de recursos humanos etc. (PNHAH, 2000).

    Portanto, a iniciativa governamental j apontava para duas importantes caractersticas que originaram a atual PNH: sua ligao com o nvel tercirio de ateno (hospitais) e o tom da discusso marcado pela mescla do vis humanista e da ambincia. O programa tentava qualificar o atendimento ao usurio e, mais tarde, surgiram propostas relativas melhoria da ateno destinada ao trabalhador de sade, porm, calcados nos vieses anteriormente citados.

    Neste contexto que Benevides e Passos (2005, s/p) afirmam ter ocorrido uma tenso entre dois atores includos no processo: os usurios e os profissionais da sade. Os autores explicam:

    Tais iniciativas encontravam um cenrio ambguo em que a humanizao era reivindicada pelos usurios e alguns trabalhadores e, no mnimo, secundarizada (quando no banalizada) pela maioria dos gestores e dos profissionais. Os discursos apontam para a urgncia de se encontrar outras respostas crise da sade, identificada por muitos, como falncia do modelo SUS. A fala era de esgotamento. De fato, cada posio neste debate se sustenta com as suas razes. Por um lado, os usurios por reivindicarem o que de direito: ateno com acolhimento e de modo resolutivo. Os profissionais, por lutarem por melhores condies de trabalho. Por outro lado, os crticos s propostas humanizantes no campo da sade denunciavam que as iniciativas em curso se reduziam, grande parte das vezes, a alteraes que no chegavam efetivamente a colocar em questo os modelos de ateno e de gesto institudos.

    Aps o ano de 2003, o PNHAH foi elevado ao status de Poltica, quando em 2004, o Ministrio da Sade instituiu a Poltica Nacional de Humanizao, conhecida como HumanizaSUS, que apresenta como princpios norteadores:

    1. Valorizao da dimenso subjetiva e social; 2. Estmulo a processos comprometidos com a produo de sade e com a produo de sujeitos; 3. Fortalecimento de trabalho em equipe multiprofissional, estimulando a trandisciplinaridade e a grupalidade; 4. Atuao em rede com alta conectividade, de modo cooperativo e solidrio, em conformidade com as diretrizes do SUS; 5. Utilizao da informao, da comunicao, da educao permanente [...] (MINISTRIO DA SADE, 2004, p. 9-10).

    Embora tenham permanecido traos significativos do PNHAH, a Poltica de Humanizao trouxe algumas aproximaes com o que vinha sendo discutido no campo da

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    sade coletiva, mais precisamente, pela corrente de Defesa da Vida. Um avano expressivo observado quando fica reconhecida a necessidade de adotar a humanizao como uma poltica transversal, um conjunto de princpios e diretrizes que se traduzem em aes nos vrios servios e prticas de sade. O debate acerca das relaes entre profissionais e usurios tambm foi qualificado com a introduo de princpios e modos de operar no conjunto das relaes entre estes, entre os prprios profissionais e dos profissionais com as unidades e servios de sade. Outro princpio que tambm buscou modificar a lgica dos processos de trabalho foi o de que a humanizao poderia transformar-se numa estratgia de interferncia no processo de produo de sade (MINISTRIO DA SADE, 2004).

    A tentativa de instituir a PNH como uma poltica transversal pressupunha que a sua efetivao seria realizada a partir de um conjunto de princpios e diretrizes que se traduzem em aes nos diversos servios, nas prticas de sade e nas instncias do sistema, caracterizando uma construo coletiva (MINISTRIO DA SADE, 2004).

    Para Benevides e Passos (2005, s/p), isto proporcionou uma indicao no tocante ao desafio metodolgico a ser enfrentado quando se falava em humanizao. Esta indicao era a de que essa transversalidade poderia

    superar a organizao do campo assentada em cdigos de comunicao e de trocas circulantes nos eixos da verticalidade e horizontalidade: um eixo vertical que hierarquiza os gestores, trabalhadores e usurios e um eixo horizontal que cria comunicaes por estames. Ampliar o grau de transversalidade produzir uma comunicao multivetorizada construda na intercesso dos eixos vertical-horizontal.

    Ainda que a PHN no tenha revelado um conceito especfico, ela apresentava apenas um entendimento sobre humanizao. Assim, segundo o Ministrio da Sade (2004, p.7),

    aumentar o grau de co-responsabilidade dos diferentes atores que constituem a rede SUS, na produo de sade, implica mudana na cultura da ateno dos usurios e da gesto dos processos de trabalho. Tomar a sade como valor de uso ter como padro na ateno o vnculo com os usurios, garantir os direitos dos usurios e seus familiares, estimular a que eles se coloquem como atores do sistema de sade por meio de sua ao de controle social, mas tambm ter melhores condies para que os profissionais efetuem seu trabalho de modo digno e criador de novas aes e que possam participar como co-gestores de seu processo de trabalho.

    O fato de a PNH no apresentar uma definio sobre o que seria humanizao fez com que Deslandes (2005) apontasse algumas conseqncias j que isso balizava a criao de

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    um espao indefinido. Uma das conseqncias apontadas era a proposio de no encerrar a humanizao como uma definio programtica. Outra era que seu entendimento (e no conceito) revelaria a utilizao dos princpios desta mesma poltica. Isso poderia indicar a ampliao do desejo da transversalidade da poltica porque o conceito estipulado seria um conceito-princpio presente em muitos nveis da produo de cuidados. Mas o dilema colocado o seguinte: se uma poltica construda de forma to genrica, pode ser estabelecida uma confuso entre os seus princpios e os princpios do SUS. Entretanto, o seu oposto tambm no visto como uma soluo plausvel, pois ela, igualmente, no pode ser to especfica que recaia numa definio ortopedicamente reguladora.

    Em outras palavras, uma compreenso no to definida de humanizao pode revelar-se preocupante uma vez que passvel de influenciar na direo dada PNH em sua concretizao diria. Deslandes (2005, s/p) corrobora este entendimento quando menciona claramente:

    Suas possibilidades interpretativas variam desde o senso comum do ser bom com o outro que sofre, num mix de altrusmo caritativo e humanismo n