17
ACOLHIMENTO FAMILIAR: O Direito à Individualidade e ao Amor SILVA, Dirlene Joceli Colla da. 1 RESUMO: A convivência com a família é o meio como construímos nossa identidade, caráter e personalidade; trata-se do espaço em que nos sentimos protegidos de todos os perigos, como se estivéssemos em um redoma intocável. Esse é o pensamento que temos, de modo geral, acerca da instituição família, porém, para muitas crianças e/ou adolescentes, esse espaço pode significar um espaço de violência física, psíquica e/ou sexual. Em casos excepcionais como esses, em que pode ocorrer o afastamento da criança e/ou adolescente do convívio familiar, cabe ao Estado atuar de modo incisivo, com o intuito de assegurar que os danos causados por esse afastamento sejam reduzidos ao máximo, assim, no município de Camapuã-MS há um trabalho muito sério sendo desenvolvido com essa finalidade, neste ano, o município comemora 15 anos de implantação do Serviço de Acolhimento Familiar, em que as crianças e/ou adolescentes são acolhidos por Famílias Acolhedoras que são selecionadas, acompanhadas e capacitadas pela Equipe da Alta Complexidade, da Secretaria Municipal de Assistência Social, bem como pelo Poder Judiciário, de modo que as Famílias Acolhedoras consigam oferecer aos acolhidos todo o carinho, amor e a proteção de que eles necessitam em um momento de extrema fragilidade. Enxergar o Acolhimento Familiar como a única possibilidade viável de a criança e/ou adolescente se verem como membros de uma família que os ampara e luta para defendê-los de situações de risco, ainda que não seja sua família de origem, faz com que esses pequenos tenham seu direito fundamental assegurado, pois é muito bom ver o sorriso de uma criança/adolescente em situação de acolhimento indo a uma festa ou à igreja com a Família Acolhedora em que vive e ser tratado como igual, isso é algo que não tem preço. Palavras-chave: Acolhimento Familiar Direito Proteção Amor. 1 Assistente Social no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. Graduada em Letras pela Universidade Federal da Grande Dourados UFGD; graduada em Pedagogia pelo Centro Universitário da Grande Dourados UNIGRAN; graduada em Serviço Social pelo Centro Universitário da Grande Dourados UNIGRAN; pós- graduada em Variação Linguística pela UEMS, Dourados-MS e Mestre em Sociologia pela Universidade Federal da Grande Dourados UFGD; pós-graduanda em Direito de Família pela Universidade Cândido Mendes (Feira de Santana-BA). E-mail: [email protected]. Anais do XIV Congresso Internacional de Direitos Humanos. Disponível em http://cidh.sites.ufms.br/mais-sobre-nos/anais/

ACOLHIMENTO FAMILIAR: O Direito à Individualidade e ao Amor · pois é muito bom ver o sorriso de uma criança/adolescente em situação de acolhimento indo a uma festa ou à igreja

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: ACOLHIMENTO FAMILIAR: O Direito à Individualidade e ao Amor · pois é muito bom ver o sorriso de uma criança/adolescente em situação de acolhimento indo a uma festa ou à igreja

ACOLHIMENTO FAMILIAR: O Direito à Individualidade e ao Amor

SILVA, Dirlene Joceli Colla da.1

RESUMO:

A convivência com a família é o meio como construímos nossa identidade, caráter e

personalidade; trata-se do espaço em que nos sentimos protegidos de todos os perigos, como

se estivéssemos em um redoma intocável. Esse é o pensamento que temos, de modo geral,

acerca da instituição família, porém, para muitas crianças e/ou adolescentes, esse espaço

pode significar um espaço de violência física, psíquica e/ou sexual. Em casos excepcionais

como esses, em que pode ocorrer o afastamento da criança e/ou adolescente do convívio

familiar, cabe ao Estado atuar de modo incisivo, com o intuito de assegurar que os danos

causados por esse afastamento sejam reduzidos ao máximo, assim, no município de

Camapuã-MS há um trabalho muito sério sendo desenvolvido com essa finalidade, neste

ano, o município comemora 15 anos de implantação do Serviço de Acolhimento Familiar,

em que as crianças e/ou adolescentes são acolhidos por Famílias Acolhedoras que são

selecionadas, acompanhadas e capacitadas pela Equipe da Alta Complexidade, da Secretaria

Municipal de Assistência Social, bem como pelo Poder Judiciário, de modo que as Famílias

Acolhedoras consigam oferecer aos acolhidos todo o carinho, amor e a proteção de que eles

necessitam em um momento de extrema fragilidade. Enxergar o Acolhimento Familiar como

a única possibilidade viável de a criança e/ou adolescente se verem como membros de uma

família que os ampara e luta para defendê-los de situações de risco, ainda que não seja sua

família de origem, faz com que esses pequenos tenham seu direito fundamental assegurado,

pois é muito bom ver o sorriso de uma criança/adolescente em situação de acolhimento indo

a uma festa ou à igreja com a Família Acolhedora em que vive e ser tratado como igual, isso

é algo que não tem preço.

Palavras-chave: Acolhimento Familiar – Direito – Proteção – Amor.

1 Assistente Social no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. Graduada em Letras pela Universidade

Federal da Grande Dourados – UFGD; graduada em Pedagogia pelo Centro Universitário da Grande Dourados

– UNIGRAN; graduada em Serviço Social pelo Centro Universitário da Grande Dourados – UNIGRAN; pós-

graduada em Variação Linguística pela UEMS, Dourados-MS e Mestre em Sociologia pela Universidade

Federal da Grande Dourados – UFGD; pós-graduanda em Direito de Família pela Universidade Cândido

Mendes (Feira de Santana-BA). E-mail: [email protected].

Anais do X

IV C

ongresso Internacional de Direitos H

umanos.

Disponível em

http://cidh.sites.ufms.br/m

ais-sobre-nos/anais/

Page 2: ACOLHIMENTO FAMILIAR: O Direito à Individualidade e ao Amor · pois é muito bom ver o sorriso de uma criança/adolescente em situação de acolhimento indo a uma festa ou à igreja

2

1 INTRODUÇÃO

Discutir um tema como o acolhimento de crianças e adolescentes em situação de

vulnerabilidade/risco é algo complicado por envolver seres humanos que estão em pleno

desenvolvimento físico e emocional, sobretudo pelo fato de que nesse momento tão

importante de sua formação, eles se veem sendo retirados do convívio familiar e, ainda que

seja por medida de proteção, esse afastamento gera medo, incerteza e angústia por não

saberem se ocorrerá o retorno ao convívio familiar. Por mais que a medida de proteção venha

para garantir a preservação de seus direitos, é difícil para as crianças/adolescentes se verem

longe daqueles que os acompanharam até o presente momento e não se pode desconsiderar

os vínculos existentes entre eles. Assim, acabam por tentarem, por vezes, negar as agressões,

os abusos, a negligência, com o intuito de voltarem para suas casas. O trabalho realizado

pela equipe técnica da rede de serviços é fundamental no momento do acolhimento, pois

esses profissionais têm o papel de intervir de modo a demonstrar à criança/adolescente seus

direitos e, principalmente, são capazes de levá-los a entender que nada justifica uma atitude

de violência extrema, de abuso ou de abandono.

O acolhimento familiar é, de acordo com as novas legislações que tratam do assunto

“acolhimento”, o modo que deve ser priorizado, devido aos benefícios que

comprovadamente podem oferecer àqueles(as) em situação de acolhimento, visto que pode

proporcionar o acompanhamento individualizado, conseguindo atender de modo integral as

necessidades apresentadas pelo(a) acolhido(a). Ainda há a necessidade latente de pesquisas

e estudos direcionados à comprovação das vantagens do acolhimento familiar frente ao

acolhimento institucional (nos abrigos), de modo que os gestores públicos busquem

implementar o acolhimento familiar em todo o território brasileiro, ainda que de modo

gradual, mas que seja dado início ao processo de modificação da forma de acolhimento, pois

as crianças/adolescentes têm o direito a serem protegidos, cuidados e amados em ambiente

familiar, onde eles se sintam pertencentes a uma família, ainda que seja por um curto período

de tempo, visto que o acolhimento tem caráter excepcional e temporário.

Nesse sentido, o acolhimento de crianças e adolescentes em situação de risco

representa hoje um espaço de amplas discussões, envolvendo profissionais de diversas áreas

como equipes multiprofissionais de técnicos municipais, de funcionários que atuam nos

abrigos, do Poder Judiciário, visto que todos atuam dentro do Sistema de Garantia de

Anais do X

IV C

ongresso Internacional de Direitos H

umanos.

Disponível em

http://cidh.sites.ufms.br/m

ais-sobre-nos/anais/

Page 3: ACOLHIMENTO FAMILIAR: O Direito à Individualidade e ao Amor · pois é muito bom ver o sorriso de uma criança/adolescente em situação de acolhimento indo a uma festa ou à igreja

3

Direitos de seus municípios. As discussões acerca desse assunto se fazem cada vez mais

necessárias, sobretudo, pelo fato de que envolve seres humanos em pleno período de

formação física e emocional, que se veem expostos a situações de risco e, por isso, são

afastados de suas famílias de origem e precisam receber atenção, carinho e amparo para que

consigam superar as marcas deixadas pelas agressões, abusos e/ou abandono sofridos.

Este artigo tem o objetivo trazer à tona um princípio de discussão acerca do

acolhimento familiar, considerando as legislações pertinentes, bem como ponderações sobre

a experiência vivida durante os 15 anos de serviço de acolhimento familiar, em Famílias

Acolhedoras, no município de Camapuã-MS.

2 ACOLHIMENTO FAMILIAR E SUAS ESPECIFICIDADES

2.1 A POSSIBILIDADE DE INTERVENÇÃO NA CONVIVÊNCIA FAMILIAR

A convivência com a família é o meio como construímos nossa identidade, caráter e

personalidade; trata-se do espaço em que nos sentimos protegidos de todos os perigos, como

se estivéssemos em um redoma intocável. Assim muitas gerações definiram a instituição

família, porém, hoje, para muitas crianças e/ou adolescentes, a realidade familiar é bem

diferente disso e a família pode significar um espaço de violência física, psíquica e/ou sexual.

Pensar nessa possibilidade de que a família pode expor um ser em desenvolvimento a uma

situação de risco pode parecer repugnante, mas é preciso enxergarmos que isso acontece e

que os casos são inúmeros e, mais que isso, que esses sujeitos de direitos, conforme

preconiza o ECA, que deveriam ser protegidos, amados e cuidados, por vezes, sofrem com

a violência em casa e, caso sejam afastados da família, com o intuito de acabar com seu

sofrimento, podem, muitas vezes, passar por um sofrimento ainda maior, ao serem colocados

em instituições de acolhimento (abrigos), onde serão apenas mais um dentre os tantos que lá

estão.

Isso pode ser confirmado pela própria legislação e pelas normatizações existentes,

como, por exemplo, quando o Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária, de

2006, traz em sua redação:

Anais do X

IV C

ongresso Internacional de Direitos H

umanos.

Disponível em

http://cidh.sites.ufms.br/m

ais-sobre-nos/anais/

Page 4: ACOLHIMENTO FAMILIAR: O Direito à Individualidade e ao Amor · pois é muito bom ver o sorriso de uma criança/adolescente em situação de acolhimento indo a uma festa ou à igreja

4

Desde o seu nascimento, a família é o principal núcleo de

socialização da criança. Dada a sua situação de vulnerabilidade e

imaturidade, seus primeiros anos de vida são marcados pela

dependência do ambiente e daqueles que dela cuidam. A relação com

seus pais, ou substitutos, é fundamental para sua constituição como

sujeito, desenvolvimento afetivo e aquisições próprias a esta faixa

etária. A relação afetiva estabelecida com a criança e os cuidados

que ela recebe na família e na rede de serviços, sobretudo nos

primeiros anos de vida, têm consequências importantes sobre sua

condição de saúde e desenvolvimento físico e psicológico.

(BRASIL, 2006, p.26)

Segundo o mesmo documento, quando aborda a questão do desenvolvimento da

criança e/ou do adolescente, defende que:

O desenvolvimento da criança e, mais tarde, do adolescente,

caracteriza-se por intrincados processos biológicos, psicoafetivos,

cognitivos e sociais que exigem do ambiente que os cerca, do ponto

de vista material e humano, uma série de condições, respostas e

contrapartidas para realizar-se a contento. O papel essencial

desempenhado pela família e pelo contexto sócio-comunitário no

crescimento e formação dos indivíduos justifica plenamente o

reconhecimento da convivência familiar e comunitária como um

direito fundamental da criança e do adolescente. (BRASIL, 2006, p.

25-6)

Pensando em assegurar o pleno desenvolvimento de crianças e/ou adolescentes,

vários são os estudos e pesquisas desenvolvidas, com o intuito de vislumbrar meios que

possam contribuir com a garantida dos direitos desses seres humanos em plena fase de

desenvolvimento, buscando reduzir ao máximo a possibilidade de sequelas físicas e/ou

emocionais geradas quando se dá o afastamento da família de origem. Cabendo ressaltar que

esse afastamento deve ser evitado com todos os esforços possíveis, mas vale lembrar que,

como traz a redação do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), em seu Art. 5º:

“nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência,

discriminação, exploração, crueldade e opressão (...)”, sendo dever constitucional da família,

da sociedade e do Estado colocá-los a salvo de tais condições. Ainda nos valendo da redação

do referido Estatuto, em seu Art. 18, o mesmo coloca que: “é dever de todos velar pela

dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano,

Anais do X

IV C

ongresso Internacional de Direitos H

umanos.

Disponível em

http://cidh.sites.ufms.br/m

ais-sobre-nos/anais/

Page 5: ACOLHIMENTO FAMILIAR: O Direito à Individualidade e ao Amor · pois é muito bom ver o sorriso de uma criança/adolescente em situação de acolhimento indo a uma festa ou à igreja

5

violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”. Apesar de ser, por vezes, algo

impensado, as violações trazidas nos artigos citados podem vir a se dar dentro da própria

família, por meio das relações estabelecidas entre os pais, responsáveis e/ou outras pessoas

que possam compor o grupo familiar e a criança e/ou adolescente.

De acordo com o Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária (BRASIL,

2006, p. 37):

[...] é importante lembrar que condições de vida tais como pobreza,

desemprego, exposição à violência urbana, situações não assistidas

de dependência química ou de transtorno mental, violência de gênero

e outras, embora não possam ser tomadas como causas de violência

contra a criança e/ou adolescente, podem contribuir para a sua

emergência no seio das relações familiares.

Seguindo o exposto pelo texto do Plano Nacional de Convivência Familiar e

Comunitária citado acima, apenas a situação de pobreza extrema não pode ser motivo para

o afastamento da criança e/ou adolescente de sua família, mas caso essa situação de pobreza

acarrete situações de risco como apresenta o trecho acima, nesse caso a criança e/ou

adolescente precisa ser protegido e, caso seja necessário, é realizado o acolhimento. As

formas de negligência são muitas e segundo Azevedo e Guerra (apud TERRA DOS

HOMENS, 2003) podem vir a ocorrer situações de descaso quanto à saúde da criança, como,

por exemplo, ao deixar de vaciná-la; o descuidado com a higiene da mesma; com o

compromisso de oferecer-lhe educação, nesse caso, deixando de cumprir com o dever de

encaminhá-la ao ensino regular obrigatório; deixando-a sozinha, exposta a riscos;

negligência com sua alimentação; entre outras possibilidades. Segundo os autores, bem

como na própria legislação, o abandono, pelo fato de deixar a criança à própria sorte, e

consequentemente, em extrema vulnerabilidade, configura-se como a forma mais severa de

negligência.

Para reforçar ainda mais a ideia de que as famílias que têm seus filhos acolhidos não

são essencialmente as únicas responsáveis por isso, cabe ponderar sobre o que versa Muniz

(et al 2007, p. 12) ao expor que, segundo o Centro de Estudos da Metrópole (Cem), tanto os

riscos quantos as vulnerabilidades não são resultado da responsabilidade individual, mas,

sobretudo, do resultado de um conjunto de desigualdades estruturais, bem como políticas,

socioeconômicas e ainda como fruto da ausência de proteções sociais, devendo-se considerar

Anais do X

IV C

ongresso Internacional de Direitos H

umanos.

Disponível em

http://cidh.sites.ufms.br/m

ais-sobre-nos/anais/

Page 6: ACOLHIMENTO FAMILIAR: O Direito à Individualidade e ao Amor · pois é muito bom ver o sorriso de uma criança/adolescente em situação de acolhimento indo a uma festa ou à igreja

6

a composição demográfica das famílias, suas relações cotidianas, suas condições de saúde,

bem como a possibilidade de exposição a situações de violência.

Segundo Yazbek (2004) o risco social configura-se como grave ameaça ou ainda

perigo iminente, ou seja, coloca-o como responsável por trazer consigo consequências

diretas sobre as condições de vida dos indivíduos, bem como de suas respectivas famílias.

Desse modo, Yazbek argumenta que para que se torne possível pensar politicamente as

políticas públicas, exige que se leve em consideração as relações sociais concretas como um

dos componentes presentes na resposta do Estado às expressões da “questão social” que é

parte presente tanto no confronto de interesses de grupos e classes sociais. Assim, a autora

defende que a questão social pode ser representada como “Questão que se reformula e se

redefine, mas permanece substantivamente a mesma por se tratar de uma questão estrutural

que não se resolve numa formação econômico-social por natureza excludente” (YAZBEK,

2008, p.4).

Valente (2013, p. 69) afirma que ao se considerar a excepcionalidade do acolhimento

de uma criança e/ou adolescente é necessário ponderar que isso só deve ocorrer em situações

em que seja imprescindível e, caso isso ocorra, faz-se necessário ter o devido cuidado para

que se mantenha a convivência entre os acolhidos e suas respectivas famílias de modo que

se propicie meios para estimular o fortalecimento dos vínculos, com o intuito de viabilizar o

retorno do acolhido ao seu lar (quando houver a possibilidade de retorno).

2.2 DIREITO DA CRIANÇA/ADOLESCENTE AO CONVÍVIO FAMILIAR E

COMUNITÁRIO

Para dar origem a um verdadeiro “sistema de garantia de direitos”, o Art. 86 do ECA

determina que “A política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á

através de um conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais, da União,

dos estados, do Distrito Federal e dos municípios” (BRASIL, 1990).

As crianças e adolescentes ganharam muito com a legislação criada para defender

seus interesses e assegurar sua proteção integral, porém, como bem afirma Hoppe (apud

VERONESE e COSTA, 2006), apenas a legislação não basta para que os direitos das

crianças e adolescentes se efetivem, para isso muitos esforços são necessários, bem como

Anais do X

IV C

ongresso Internacional de Direitos H

umanos.

Disponível em

http://cidh.sites.ufms.br/m

ais-sobre-nos/anais/

Page 7: ACOLHIMENTO FAMILIAR: O Direito à Individualidade e ao Amor · pois é muito bom ver o sorriso de uma criança/adolescente em situação de acolhimento indo a uma festa ou à igreja

7

muito compromisso por parte daqueles que atuam diretamente na materialização desses

direitos. Isso se reforça em:

O Estatuto da Criança e do Adolescente tem a relevante função, ao

regulamentar o texto constitucional, de fazer com que este último

não se constitua em letra morta. No entanto, a simples existência de

leis que proclamem os direitos sociais, por si só não consegue mudar

as estruturas. Antes há que se conjugar aos direitos uma política

social eficaz, que de fato assegure materialmente os direitos já

positivados. (HOPPE apud VERONESE e COSTA, 2006, p. 132)

De acordo com o Projeto de Diretrizes das Nações Unidas Sobre Emprego e

Condições Adequadas de Cuidados Alternativos com Crianças, elaborado no ano de 2006, é

fundamental que sejam empreendidos todos os esforços em busca de assegurar que a criança

e/ou adolescente possa ser mantido no convívio familiar, sendo essa família a nuclear e/ou a

extensa, assim, possibilitando que seja garantido o afastamento da criança e/ou adolescente

somente ocorra em casos excepcionais, sendo aplicado apenas quando houver grave risco à

integridade dos mesmos, sendo essa física ou psíquica (BRASIL, 2006).

Para reforçar ainda mais essa ideia de excepcionalidade, trazemos o texto do Art. 19

do ECA que afirma: “Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio

de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar

e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias

entorpecentes” (BRASIL, 1990).

Antes de afastar uma criança de sua família, faz-se necessário analisar com o máximo

de cuidado a situação existente e para isso é primordial que se estabeleça a:

[...] avaliação diagnóstica, é importante ouvir todas as pessoas

envolvidas, em especial a própria criança ou adolescente, através de

métodos adequados ao seu grau de desenvolvimento e capacidades.

É preciso, ainda, ter em mente que a decisão de retirar uma criança

de sua família terá repercussões profundas, tanto para a criança,

quanto para a família. Trata-se de decisão extremamente séria e

assim deve ser encarada, optando-se sempre pela solução que

represente o melhor interesse da criança ou do adolescente e o menor

prejuízo ao seu processo de desenvolvimento. (BRASIL, 2006, p.

39-40)

Anais do X

IV C

ongresso Internacional de Direitos H

umanos.

Disponível em

http://cidh.sites.ufms.br/m

ais-sobre-nos/anais/

Page 8: ACOLHIMENTO FAMILIAR: O Direito à Individualidade e ao Amor · pois é muito bom ver o sorriso de uma criança/adolescente em situação de acolhimento indo a uma festa ou à igreja

8

Ainda para reafirmar a necessidade da avaliação de cada caso, citamos Melo (apud

CURY, 2010, p. 418-21) quando afirma em sua análise referente ao Art. 100 do ECA “[...]

as medidas de proteção são interventivas por essência e, assim sendo, elas devem ser

aplicadas apenas após exame detalhado do caso”.

Em casos excepcionais de afastamento da criança e/ou adolescente do convívio

familiar, cabe ao Estado atuar de modo incisivo com o intuito de assegurar que os danos

causados por esse afastamento sejam reduzidos ao máximo.

2.3 O ACOLHIMENTO EM “FAMÍLIAS ACOLHEDORAS”

Segundo a tipificação de serviços socioassistenciais, o Acolhimento em Família

Acolhedora é definido como:

[...] aquele que organiza o acolhimento de crianças e adolescentes,

afastados da família por medida de proteção, em residência de

famílias acolhedoras cadastradas. É previsto até que seja possível o

retorno à família de origem ou, na sua impossibilidade, o

encaminhamento para adoção. O serviço é o responsável por

selecionar, capacitar, cadastrar e acompanhar as famílias

acolhedoras, bem como realizar o acompanhamento da criança e/ou

adolescente acolhido e sua família de origem. (BRASIL, 2009)

Considerando o disposto pela tipificação de serviços socioassistenciais, de 2009,

associamos a mesma ao trabalho realizado no município de Camapuã-MS, que neste ano

completa 15 anos de implantação do Serviço de Acolhimento Familiar, em que as crianças

e/ou adolescentes são acolhidos por Famílias Acolhedoras que são selecionadas,

acompanhadas e capacitadas pela Equipe Técnica da Alta Complexidade, da Secretaria

Municipal de Assistência Social, bem como pelo Poder Judiciário, de modo que as Famílias

Acolhedoras consigam oferecer aos acolhidos todo o carinho, amor e a proteção de que eles

necessitam em um momento de extrema fragilidade. Cabe aqui salientar que no município

não há abrigos.

Hoje, o acolhimento familiar ainda representa um tipo de acolhimento pouco

empregado, até mesmo pela cultura histórica gerada em torno dos abrigos como sendo “o

lugar para crianças abandonadas”, porém, com os relatos de Famílias Acolhedoras, do

Anais do X

IV C

ongresso Internacional de Direitos H

umanos.

Disponível em

http://cidh.sites.ufms.br/m

ais-sobre-nos/anais/

Page 9: ACOLHIMENTO FAMILIAR: O Direito à Individualidade e ao Amor · pois é muito bom ver o sorriso de uma criança/adolescente em situação de acolhimento indo a uma festa ou à igreja

9

município de Camapuã, bem como pela fala de jovens que passaram pelo acolhimento

familiar nesse município e, atualmente, já atingiram a maioridade, constituíram suas próprias

famílias, alguns já têm seus filhos e se mostram gratos à oportunidade de terem vivido em

Famílias Acolhedoras, isso se deve ao fato de que nesse tipo de acolhimento, a criança e/ou

adolescente tem a oportunidade de estar inserido em uma família, em uma comunidade,

embora que “de modo excepcional”, mas que se torna sua família, pois lhe dá carinho, amor,

atenção, acompanha em consultas médicas, na escola, na igreja, em comemorações, fato esse

que, no caso do acolhimento institucional (em abrigos) torna-se inviável pelo número de

crianças e/ou adolescentes acolhidos, bem como pela quantidade de colaboradores que os

atendem, tornando-se muito mais difícil a construção de vínculos de afeto e de confiança, o

que para a criança e/ou adolescente, que está afastado da família de origem, faz-se

extremamente necessário.

Pela legislação, o acolhimento familiar, assim como o institucional, também deve ter

caráter excepcional e provisório, bem como deve ser realizado todo o trabalho de

acompanhamento da família de origem, com o intuito de buscar sanar os problemas que

levaram ao afastamento da criança e/ou adolescente e, caso isso se concretize, possa haver a

reintegração da criança/adolescente acolhido à sua família ou ainda que a equipe possa

buscar na família extensa alguém que assuma a responsabilidade de cuidar e proteger a

criança/adolescente acolhido.

O fator mais interessante para a criança e/ou adolescente acolhido em família

acolhedora é que cada família acolhe apenas uma criança e/ou adolescente por vez, com

exceção de quando se dá o acolhimento de um grupo de irmãos, caso em que as famílias

acolherem ficam com mais de uma criança e/ou adolescente para que não ocorra a separação

dos mesmos. Assim, fica evidenciado que isso se torna um facilitador na construção de laços

entre a família que acolhe e as crianças/adolescentes acolhidos, visto que o número é

reduzido e abre a possibilidade de maior contato, maior proximidade entre ambos. Isso se

confirma na definição de Costa (2009 apud VALENTE, 2013), quando coloca que o

acolhimento familiar é uma:

[...] alternativa de proteção que se distingue do acolhimento

institucional (do abrigo), especialmente pela atenção individualizada

à criança; pela possibilidade de construção de novos vínculos

afetivos; pelo favorecimento de uma convivência familiar que traz

experiência à criança de uma rotina de família e um sentimento de

Anais do X

IV C

ongresso Internacional de Direitos H

umanos.

Disponível em

http://cidh.sites.ufms.br/m

ais-sobre-nos/anais/

Page 10: ACOLHIMENTO FAMILIAR: O Direito à Individualidade e ao Amor · pois é muito bom ver o sorriso de uma criança/adolescente em situação de acolhimento indo a uma festa ou à igreja

10

pertencimento; pela inserção comunitária que a família proporciona.

(COSTA, 2009 apud VALENTE, 2013, p. 105)

No município de Camapuã esse serviço começou por meio da Lei Municipal nº.

1.262/2002, ainda como um projeto, posteriormente, alguns pontos da legislação foram

sendo adequados, com o intuito de melhorá-lo e torná-lo um “serviço” e, assim, vieram as

leis de nº 1.476/200; lei 1.686/2010; lei 1.850/2013 e a última foi a lei 1.983, de 26 de junho

de 2015. Todas as modificações na legislação tiveram o intuito de aprimorar o serviço e,

sobretudo, assegurar às Famílias Acolhedoras alguns benefícios como uma remuneração

mensal de 1 salário mínimo, que as famílias recebem estando ou não com uma

criança/adolescente acolhido consigo; recebem 1 salário mínimo para cada

criança/adolescente acolhido e caso esse tenha alguma necessidade especial, esse valor passa

para 1 e 1/2 salário mínimo; a isenção de IPTU; direito ao descanso anual de 30 dias.

O serviço de acolhimento familiar em Camapuã-MS se perpetua com cada vez mais

evidências de que essa é a única maneira de tornar menos doloroso e traumático o

afastamento da família de origem, visto que a criança e/ou adolescente recebe atenção

integral da Família Acolhedora, bem como da Equipe Técnica da Alta Complexidade e do

Poder Judiciário, fato que transmite à criança e/ou adolescente maior confiança de que há

alguém fazendo realmente algo por ele, fato que no acolhimento institucional fica mais

difícil para a criança e/ou adolescente notar, visto que a equipe que a atua com os acolhidos

é rotativa, pois trabalham por turnos, o que torna mais complicado o estabelecimento dos

vínculos.

Seguindo a redação do Art. 227 da Constituição Federal, as crianças e/ou

adolescentes podem ter a oportunidade de ter acesso ao convívio familiar não apenas na

família de origem, mas também na Família Acolhedora, que tem como principal finalidade

proporcionar aos acolhidos amor, carinho e atenção que, por vezes, chega a ser maior do que

o recebido nas famílias de origem, já que se encontram afastados das mesmas por

consequências da violação de direitos.

Com a Lei 12.010, de 03 de agosto de 2009, já vinha sendo reforçada a ideia de que

o acolhimento em Famílias Acolhedoras deve ser priorizado em todo o Brasil, ficando claro

isso, em sua redação, quando traz:

Anais do X

IV C

ongresso Internacional de Direitos H

umanos.

Disponível em

http://cidh.sites.ufms.br/m

ais-sobre-nos/anais/

Page 11: ACOLHIMENTO FAMILIAR: O Direito à Individualidade e ao Amor · pois é muito bom ver o sorriso de uma criança/adolescente em situação de acolhimento indo a uma festa ou à igreja

11

Art. 34. O poder público estimulará, por meio de assistência jurídica,

incentivos fiscais e subsídios, o acolhimento, sob a forma de guarda,

de criança ou adolescente afastado do convívio familiar.

§ 1o A inclusão da criança ou adolescente em programas de

acolhimento familiar terá preferência a seu acolhimento

institucional, observado, em qualquer caso, o caráter temporário e

excepcional da medida, nos termos desta Lei. (grifo nosso)

A Lei 13.257, de 08 de março de 2016, intitulado Estatuto da Primeira Infância, vem

reforçar com a adição dos §§ 3º e 4º ao Art. 34 do ECA, com a seguinte redação:

§ 3o A União apoiará a implementação de serviços de acolhimento

em família acolhedora como política pública, os quais deverão

dispor de equipe que organize o acolhimento temporário de crianças

e de adolescentes em residências de famílias selecionadas,

capacitadas e acompanhadas que não estejam no cadastro de adoção.

§ 4o Poderão ser utilizados recursos federais, estaduais, distritais e

municipais para a manutenção dos serviços de acolhimento em

família acolhedora, facultando-se o repasse de recursos para a

própria família acolhedora. (BRASIL, 2016)

Pensar em acolhimento familiar é algo que possibilita, quando bem trabalhadas as

Famílias Acolhedoras, pela equipe técnica que as acompanha, o desenvolvimento do

trabalho com as famílias de origem, pois esta pode ver de perto o como seus filhos estão

sendo bem cuidados e protegidos por aquelas e, mais que isso, as visitas à casa das Famílias

Acolhedoras dão a oportunidade de conversas entre pais e aqueles que acolhem, de modo

que, muitas vezes, os “conselhos” que surgem nesses espaços de diálogo, conduzem a

mudanças de atitudes das famílias que, às vezes, necessitam de estímulos para alterar sua

postura e demonstrar, de modo efetivo, que podem ter seus filhos sob seus cuidados

novamente.

Isso pode ser confirmado no documento denominado como “Subsídios para

Elaboração do Plano Nacional de Promoção, Defesa e Garantia do Direito de Crianças e

Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária” (2005) quando se refere ao

acolhimento familiar afirmando que:

Anais do X

IV C

ongresso Internacional de Direitos H

umanos.

Disponível em

http://cidh.sites.ufms.br/m

ais-sobre-nos/anais/

Page 12: ACOLHIMENTO FAMILIAR: O Direito à Individualidade e ao Amor · pois é muito bom ver o sorriso de uma criança/adolescente em situação de acolhimento indo a uma festa ou à igreja

12

Trata-se da mudança do olhar e do fazer, não apenas das políticas

públicas focalizadas na infância e na juventude, mas extensiva aos

demais atores do chamado Sistema de Garantia de Direitos e de

Proteção Social, implicando a capacidade de ver as crianças e

adolescentes de maneira indissociável do seu contexto sócio-

familiar, percebendo e praticando a centralidade da família enquanto

objeto de ação e de investimento. (BRASIL, 2005, p. 8)

Levando em consideração a necessidade apresentada pelas famílias que chegam a ter

seus filhos afastados de seu convívio, Rizzini (et al 2006) defendem a proposta de que essas

famílias podem receber apoio e serem bem trabalhadas pela rede de proteção sem que

necessariamente sejam rompidos os vínculos afetivos que existem entre as crianças e/ou

adolescentes e seus familiares e, nesses casos, pelas experiências vividas no município de

Camapuã-MS, as Famílias Acolhedoras atuam como parte crucial nesse processo de trabalho

da rede de proteção, bem como, oferecem às famílias de origem a certeza de que seus filhos

estão sendo bem cuidados e protegidos ainda que estejam em situação de acolhimento, mas

para as famílias que buscam meios para sanar os problemas que conduziram ao acolhimento

de seus filhos, ter essa certeza de que eles estão bem é fundamental para que tenham ainda

mais forças para buscar resolver as questões que conduziram ao afastamento e ter seus filhos

sob seus cuidados o mais breve possível.

Ao pensar na possibilidade do acolhimento de uma criança e/ou adolescente, é

necessário concomitantemente lembrar que essa família deve ter demonstrado (em algum

momento) fragilidades que não foram percebidas/trabalhadas pela rede de proteção, ou

então, mesmo com os esforços da rede de proteção, há casos em que as famílias não

demonstram interesse em reverter as situações que indicam a exposição de seus filhos a risco.

Pensando que, de acordo com a Política Nacional de Assistência Social (2004), as situações

que levam ao afastamento estão vinculadas à vulnerabilidade e exposição a risco que devem

ser vistos como:

[...] famílias e indivíduos com perda ou fragilidade de vínculos de

afetividade, pertencimento e sociabilidade; ciclos de vida;

identidades estigmatizadas em termos étnico, cultural e sexual;

desvantagem pessoal resultante de deficiências; exclusão pela

pobreza e, ou, no acesso às demais políticas públicas; uso de

substâncias psicoativas; diferentes formas de violência advindas do

núcleo familiar, grupos e indivíduos; inserção precária ou não

inserção no mercado de trabalho formal e informal; estratégias e

Anais do X

IV C

ongresso Internacional de Direitos H

umanos.

Disponível em

http://cidh.sites.ufms.br/m

ais-sobre-nos/anais/

Page 13: ACOLHIMENTO FAMILIAR: O Direito à Individualidade e ao Amor · pois é muito bom ver o sorriso de uma criança/adolescente em situação de acolhimento indo a uma festa ou à igreja

13

alternativas diferenciadas de sobrevivência que podem apresentar

risco pessoal e social. (MDS/CNAS, 2004, p. 27)

Seguindo essa caraterização definida pelo MDS (2004), Rizzini (et al 2006) chamam

a atenção para uma reflexão muito importante, ponderando que as crianças, bem como os

adolescentes que são acolhidos precisam imensamente de proteção e, sobretudo, de afeto,

pois, muitas vezes, eles vêm de famílias onde além das vulnerabilidades sociais ainda há a

ausência de afeto e acolhimento em seu sentido pleno. Ainda seguindo a mesma reflexão,

faz-se necessário pontuar que há casos em que as famílias realmente não apresentam

condições de permanecer com os filhos, mas também há situações em que as famílias

apresentam potencial para criar seus filhos, caso venham a contar com o apoio e atendimento

efetivo da equipe da rede de proteção, bem como da Família Acolhedora que pode vir a

contribuir imensamente nesse momento.

Não há como julgar todas as famílias que têm seus filhos acolhidos como incapazes

de reverter a situação que conduziu ao acolhimento, pois muitos são os casos em que o

auxílio da equipe técnica da rede de serviços, o apoio e trabalho da Família Acolhedora, bem

como o trabalho efetivo do Poder Judiciário, podem juntos levar à reversão do acolhimento

e à reintegração da criança e/ou adolescente ao seu núcleo familiar. Nesse sentido é

importante enfatizar o potencial valor do trabalho bem articulado entre os entes que

compõem a rede de serviços, seja na assistência social, bem como na saúde, educação,

habitação, entre outros, visto que, quando a rede de serviços que atua em sintonia, o trabalho

pode ser efetivamente realizado e, assim, a possibilidade de auxílio às famílias em situação

de vulnerabilidade se torna uma realidade e sai das mesas de discussões indo para a prática

e contribuindo para a melhoria na qualidade de vida das pessoas.

Hoje, no município de Camapuã, as Famílias Acolhedoras são fundamentais não

somente no cuidado e proteção das crianças/adolescentes que se encontram acolhidos, mas

como parceiras da equipe técnica nos processos de encaminhamento à adoção, pois são elas

que auxiliam no momento da apresentação dos pretendentes à adoção para a

criança/adolescente; são os técnicos da equipe, bem como as Famílias Acolhedoras que

auxiliam os pretendentes no momento de esclarecer todas as perguntas que eles geram em

torno daquele(a) que será seu(sua) futuro(a) filho(a), visto que essas Famílias Acolhedoras

conhecem cada característica das crianças/adolescentes que elas acolhem, assim, sabem

dizer quais os medos, quais as angústias, quais os anseios que elas trazem consigo e isso tem

Anais do X

IV C

ongresso Internacional de Direitos H

umanos.

Disponível em

http://cidh.sites.ufms.br/m

ais-sobre-nos/anais/

Page 14: ACOLHIMENTO FAMILIAR: O Direito à Individualidade e ao Amor · pois é muito bom ver o sorriso de uma criança/adolescente em situação de acolhimento indo a uma festa ou à igreja

14

ajudado enormemente nos períodos de aproximação, nos estágios de convivência e leva a

crer que essas são o suporte ideal para os futuros pais conseguirem estabelecer os laços de

afetividade, desde o início do processo de aproximação com o(a) futuro(a) filho(a). É

necessário ressaltar que o trabalho dessas famílias acolhedoras não se dá efetivamente

apenas nos casos de adoção, mas que elas contribuem de modo incisivo no trato com as

famílias de origem, quando a equipe técnica verifica a possibilidade de reinserção da

criança/adolescente.

Com base no trabalho realizado no município de Camapuã e nas experiências

registradas pelo serviço de acolhimento familiar local, fica evidente que para priorizar o

melhor interesse da criança/adolescente, como determina a legislação, deve-se trilhar o

caminho do acolhimento familiar, sempre que se fizer necessário o afastamento da família

de origem, visto os benefícios trazidos àqueles(as) que precisaram ser retirados do seu

espaço, ainda que como medida de proteção, mas ainda assim isso lhes trará danos

emocionais por deixar suas referências para trás e iniciar uma nova etapa, diante desse

momento de sofrimento vivido por aqueles(as) que estão em situação de acolhimento, o

melhor é que tenham como receber atenção integral e muito amor e isso as Famílias

Acolhedoras fazem com muito empenho e dedicação.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao pensar no acolhimento familiar como a melhor alternativa de proteção e

acolhimento para crianças/adolescentes em situação de risco, que estão passando por uma

situação de violação de direitos, obrigatoriamente precisa-se discutir as concepções

existentes quanto à infância/adolescência, acerca do papel exercido pelas famílias, sobre as

perspectivas de construção de vínculos afetivos envolvendo seres humanos em pleno estágio

de desenvolvimento físico e emocional. Acredita-se que, hoje, é necessário estimular as

discussões acerca da cultura de acolhimento, visto que a desinstitucionalização é importante

para que as crianças/adolescentes tenham respeitado o seu direito à convivência familiar e

comunitária, algo que não há como ser ofertado pelo acolhimento institucional.

É irrelevante o arranjo familiar em que a criança/adolescente esteja inserido, desde

que seja um ambiente que saiba assegurar o direito à proteção integral que essa

Anais do X

IV C

ongresso Internacional de Direitos H

umanos.

Disponível em

http://cidh.sites.ufms.br/m

ais-sobre-nos/anais/

Page 15: ACOLHIMENTO FAMILIAR: O Direito à Individualidade e ao Amor · pois é muito bom ver o sorriso de uma criança/adolescente em situação de acolhimento indo a uma festa ou à igreja

15

criança/adolescente tem e que, contribua para que essa tenha garantido seu pleno

desenvolvimento.

De acordo com Fonseca (2004), ainda é uma novidade no Brasil pensar na família

acolhedora como aquela que complementa a família de origem. A mesma autora defende

que, ainda que o ECA traga em sua redação a denominação “famílias substitutas”, ele

enfatiza um tipo em particular como família substituta, que é a família adotiva. É importante

ressaltar que em muitas situações é dada a prioridade à adoção, ainda que o ECA afirme a

necessidade de se buscar a realização de um efetivo trabalho com a família de origem, com

a finalidade de chegar à possibilidade reintegração familiar da criança/adolescente acolhido.

Faz-se necessário neste momento repensar as práticas de acolhimento, pois disso

depende a seguridade do direito das crianças e adolescentes à convivência familiar e

comunitária, para que essa não se limite a estar prevista em lei, mas que tenha reais condições

de ser posta em prática. A realidade social brasileira exige que as equipes técnicas, que atuam

no serviço de acolhimento destinado a crianças/adolescentes, estejam preparadas,

capacitadas e determinadas a assegurarem os direitos desses que são os únicos inocentes

dentro do processo que culminou em seu acolhimento e, ainda assim, são os que mais sofrem

com as consequências de seu afastamento do convívio com a família de origem. Acolher

essas crianças/adolescentes por meio de Famílias Acolhedoras, pela prática vivida no

município de Camapuã, leva a crer que essa é a maneira menos traumática frente ao

afastamento, visto que há a possibilidade de assegurar o atendimento e atenção

individualizados e, consequentemente, fazer com que esses pequenos percebam que são

importantes e que há pessoas empenhadas em cuidar deles e garantir que estejam protegidos

e amados.

4 REFERÊNCIAS

AZEVEDO, M.A. & GUERRA, V.N.A. Infância e violência intrafamiliar. Apud TERRA

DOS HOMENS. Série em defesa da convivência familiar e comunitária. Violência

intrafamiliar. Rio de Janeiro: ABTH, v. 4, 2003.

BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente.

Brasília-DF, 1990.

Anais do X

IV C

ongresso Internacional de Direitos H

umanos.

Disponível em

http://cidh.sites.ufms.br/m

ais-sobre-nos/anais/

Page 16: ACOLHIMENTO FAMILIAR: O Direito à Individualidade e ao Amor · pois é muito bom ver o sorriso de uma criança/adolescente em situação de acolhimento indo a uma festa ou à igreja

16

BRASIL. PNCFC – Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária. Brasília-

DF, 2006.

BRASIL. Projeto de Diretrizes das Nações Unidas Sobre Emprego e Condições

Adequadas de Cuidados Alternativos com Crianças. Brasília-DF, 2006.

BRASIL. Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais. Resolução nº 109, de 11 de

novembro de 2009. Brasília: MDS, CNAS, 2009.

BRASIL. LEI Nº 13.257, DE 8 DE MARÇO DE 2016.Estatuto da Primeira Infância.

Brasília-DF, 2016. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-

2018/2016/lei/l13257.htm. Acesso em: 24/06/2017.

COSTA, N.R.R.A. Família Acolhedora: uma análise de experiências no estado de São Paulo.

Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2009. Relatório científico de pós-doutorado. In:

VALENTE, J. Família Acolhedora: As relações de cuidado e de proteção no serviço de

acolhimento. São Paulo: Paulus, 2013.

CURY, M. Estatuto da Criança e do Adolescente – Comentado. 11ª ed. São Paulo:

Malheiros, 2010.

FONSECA, C. (2004). Fabricando família: Políticas públicas para o atendimento de jovens

em situação de risco. In C. CABRAL (Ed.), Acolhimento familiar: Experiências e

perspectivas (pp. 86-101). Rio de Janeiro, RJ: UNICEF.

HOPPE, M. O estatuto passado a limpo. Porto Alegre: Juizado da Infância e da Juventude,

1992. CD-ROM. Biblioteca Nacional dos Direitos da Criança – AJURIS / Fundação Banco

do Brasil / UNICEF apud VERONESE, J.R.P. & COSTA. M.M.M. Violência doméstica:

quando a vítima é criança ou adolescente – uma leitura interdisciplinar Florianópolis:

OAB/SC Editora, 2006, p. 132.

MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME. Conselho

Nacional de Assistência Social (CNAS). Política Nacional de Assistência Social. Brasília:

MDS/CNAS, novembro de 2004.

MUNIZ, E. et al. O conceito de serviços socioassistenciais: uma contribuição para o debate.

In: Caderno de textos da VI Conferência Nacional de Assistência Social. Brasília:

Conselho Nacional de Assistência Social. Ministério do Desenvolvimento Social, dez.,

2007.

Anais do X

IV C

ongresso Internacional de Direitos H

umanos.

Disponível em

http://cidh.sites.ufms.br/m

ais-sobre-nos/anais/

Page 17: ACOLHIMENTO FAMILIAR: O Direito à Individualidade e ao Amor · pois é muito bom ver o sorriso de uma criança/adolescente em situação de acolhimento indo a uma festa ou à igreja

17

YAZBEK, M.C. As ambiguidades da assistência social brasileira após 10 anos de Loas.

Revista Serviço Social e Sociedade, ano XXV, nº 77, março/2004, p. 11-29.

YAZBEK, M.C. Estado e políticas sociais. SUAS configurando os eixos da mudança.

Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome/IEE – PUC-SP, 2008.

Anais do X

IV C

ongresso Internacional de Direitos H

umanos.

Disponível em

http://cidh.sites.ufms.br/m

ais-sobre-nos/anais/