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Aconselhamento Focado na Transformação à Imagem de Cristo

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UM MINISTÉRIO FOCADO NA TRANSFORMAÇÃO À IMAGEM DE CRISTO Maria Cecilia Alfano

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Qual é o alvo do aconselhamento bíblico? Crescimento pessoal que glorifica a Deus. E crescimento significa inevitavelmente mudança. A Bíblia nos apresenta um processo de crescimento cristã ou transformação profunda e ampla, centrada na Pessoa de Cristo, que atinge o homem interior e também o comportamento exterior enquanto manifestação da vida interior, e resulta na própria semelhança de Cristo − “e todos nós, com o rosto desvendado, contemplando, como por espelho, a glória do Senhor, somos transformados, de glória em glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito” (2Co 3.18).

Mudança ampla e duradoura é plenamente possível em Cristo. O ideal da autonomia apresenta o homem como uma criatura autossuficiente, que tem em si mesma tudo quanto precisa para ser o que deve ser e fazer o que deve fazer. O homem apenas precisa acionar estes recursos. A Bíblia contradiz este ideal. A mudança cristocêntrica não é resultado de um empreendimento autônomo, “porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade” (Fp 2.13). Por outro lado, cabe ao homem um esforço pessoal ativo em obediência à ordem “desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor” (Fp 2.12).

Para passar por um processo profundo e abrangente de mudança, é preciso inicialmente dar-se conta da natureza do problema e entender que muito do que hoje é identificado como hábitos disfuncionais ou mesmo transtornos psiquiátricos envolve, de fato, o pecado e testemunha da atuação de uma natureza pecaminosa.

Contrário ao que o mundo ensina, o ser humano não é naturalmente bom. As Escrituras ensinam que o homem anda na desobediência (Ef 2.1-3), é inimigo de Deus (Rm 5.8, 10), alienado e hostil em sua mente (Cl 1.21), motivado por paixões pecaminosas (Rm 7.5). Pelo pecado de Adão, este estado de morte espiritual passou a todos os homens (Rm 5.12, 19). Isso não quer dizer que o ser humano sempre se comporta tão mal como poderia (Lc 6.33, Rm 2.14); no entanto, quer dizer que qualquer expressão de bondade, honestidade ou excelência, independentemente de Deus, não tem qualquer mérito diante de Deus.

Muito do que lemos e ouvimos atualmente no meio cristão, sob influência do pensamento secular, além de mostrar sutilmente o homem como bom, coloca em segundo plano a santidade e a justiça de Deus com o propósito de ressaltar o Seu amor para com a pessoa vitimada pelo ambiente, a tal ponto que cristãos chegam a pensar no caráter de Deus como nada mais que amor. O processo de encarar o próprio pecado está ligado a não perder de vista a santidade de Deus e Seu desejo de santidade em nossa vida: “Sede santos, porque eu sou santo” (1Pe 1.16). Sim, Deus é santo, e Ele odeia o pecado: “Tu és tão puro de olhos, que não podes ver o mal” (Hb 1.13). A falta desta perspectiva produz a tolerância para com o pecado e um foco centrado no homem e não na cruz de Cristo. O caminho de mudança requer, portanto, que os comportamentos e atitudes que expressam a natureza pecaminosa sejam vistos e odiados como pecado e não apenas algo inconveniente e prejudicial à pessoa e àqueles que a cercam.

Acordar para a verdadeira natureza do problema traz esperança, pois “Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores” (1Tm 1.15). Na carta aos Romanos, depois de retratar o homem como totalmente depravado, o apóstolo Paulo aponta para a salvação que vem pela cruz de Cristo (Rm 5.19-21). Apenas Cristo é o Salvador suficiente, poderoso para libertar dos falsos sistemas de valores que tendemos a absorver do meio ambiente, dos ídolos a que servimos e do estilo de vida resultante.

Na cruz de Cristo o poder do pecado foi quebrado − aquele que está em Cristo, pela fé, está morto para o pecado. No capítulo 6 da Carta aos Romanos, Paulo quer se certificar de que sabemos que em Cristo estamos mortos para o pecado, repetindo esta verdade várias vezes (v. 6, 9, 16). Isso não quer dizer que estamos distanciados do pecado, que somos perfeitos e paramos de pecar, que a velha natureza se foi (cf. Gl 5.17). O que Paulo quer dizer é que

1 Este texto é parte da dissertação apresentada no programa Master in Arts of Biblical Counseling em The Master’s College, Santa Clarita, Califórnia, em 2004.

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antes de estarmos em Cristo o pecado era senhor e éramos seus escravos. Não tínhamos escolha a não ser pecar. Em Cristo, porém, temos escolha entre continuar servindo ao pecado ou agradar a Deus:

Não reine, portanto, o pecado em vosso corpo mortal, de maneira que obedeçais às suas paixões; nem ofereçais cada um os membros do seu corpo ao pecado, como instrumentos de iniqüidade; mas oferecei-vos a Deus, como ressurretos dentre os mortos, e os vossos membros, a Deus, como instrumentos de justiça. Porque o pecado não terá domínio sobre vós; pois não estais debaixo da lei, e sim da graça. (Rm 6.12-14)

A velha natureza continua a provocar lutas, e Paulo retrata a própria luta em Romanos 7. Ela nos dirigia antes da regeneração pessoal em Cristo. Agora, embora morta − o que significa que não estamos mais entregues a ela − continua a influenciar com sua pecaminosidade e não será erradicada até estarmos um dia com Deus. Ela nos faz suscetíveis ao pecado, embora sejamos participantes da natureza divina. Ela não reina em nós, mas permanece em nós. Ela está destronada, mas não destruída. Estamos livres de sua tirania, mas somos responsáveis por nos opor a ela. Olhando para si mesmo, o apóstolo Paulo exclama : “Desventurado homem que sou!” (Rm 7.24). A palavra desventurado (talaipōros) traz o sentido de aflito, cansado, miserável, exausto devido a trabalho duro − Paulo estava exausto de lutar e tentar mudar a si mesmo. No entanto, no verso seguinte ele encontra a resposta “Graças a Deus por Jesus Cristo, nosso Senhor” (Rm 7.25).

Cristo é quem opera a mudança em nosso coração. Confiar no esforço humano para alcançar alguma mudança é pretensão de “insensatos”, como Paulo diz aos gálatas (Gl 3.3). Cristo é quem nos capacita a viver o dia-a-dia de modo agradável a Deus. Isto inclui não apenas o perdão ganho na cruz, mas também o poder para viver a vida de Cristo, baseado em sua ressurreição. “Estou crucificado com Cristo; logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse viver que, agora, tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim.” (Gl. 2:19, 20).

Após declarar vitória sobre o pecado em Romanos 6, e descrever a luta em Romanos 7, Paulo descreve no capítulo 8 a experiência triunfante do cristão dirigido pelo Espírito. É o Espírito Santo que, como agente de Deus, livra-nos do pecado e da morte (v. 2,3), capacita-nos a viver em retidão (v. 4-13), conforta-nos nas aflições (v. 14-19), preserva e sustenta em Cristo (v. 20-28), e garante a vitória final na glória eterna (v. 29-39). No entanto, Paulo não promete uma liberdade imediata da pressão do pecado. Ele não descreve uma santificação instantânea que resulta em perfeição imediata. Ele não diz aos Romanos que deixem tudo com Deus e fiquem ociosos. Ele não sugere que uma decisão é um ponto marcante onde o problema será resolvido uma vez por todas.

Paulo fala em uma luta contínua com o pecado. Em Romanos 8.13, o apóstolo declara que o comportamento que distingue aqueles que são guiados pelo Espírito é a mortificação contínua dos feitos da carne. John MacArthur destaca que “Paulo não está chamando os crentes à privar-se de alimentos, torturar seu corpo ou privar-se daquilo que é básico para a vida... A mortificação de que Paulo fala não tem nada a ver com punição exterior”.2 Mortificar a carne envolve o cultivo de novos hábitos de santidade, ao mesmo tempo que os velhos hábitos pecaminosos são eliminados, e é um processo que se estende ao longo da vida.

Mais adiante, em Romanos 13.14, Paulo diz: “revesti-vos do Senhor Jesus Cristo e nada disponhais para a carne no tocante às suas concupiscências”. Em outras palavras, para aqueles que lutam com hábitos que os escravizam, não fazer provisão para a carne significa que nem mesmo devem chegar perto de onde podem escorregar. Também devem recusar entreter a sua mente com pensamentos que os preparem para a possibilidade de pecar.

O aconselhamento bíblico cristocêntrico precisa chamar ao abandono de uma vida autodirigida e autoindulgente, em benefício de uma vida voltada para Cristo. Trata-se de uma mudança de rumo.

Mudança de rumo

2 MacARTHUR, John F. Jr. The vanishing conscience: drawing the line in a no-fault, guilt-free world.

Dallas: Word, 1994, p. 156.

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O verbo grego metanoeō, traduzido por arrepender-se, significa literalmente repensar ou passar por uma mudança de mente.3 Embora arrependimento envolva a identificação de uma resposta cognitiva habitual às circunstâncias da vida, arrependimento bíblico não é a mera mudança de crenças e comportamentos proposta por algumas terapias seculares e suas derivadas cristãs, mas um repúdio total do antigo estilo de vida, vendo-o como pecado e voltando-se para Deus. Alguém que corrige seus erros de pensamento de acordo com uma nova verdade, sem se arrepender do pecado conforme apresentado na Bíblia, não muda de acordo com o método de Deus.

Sinclair Ferguson destaca três elementos característicos do arrependimento bíblico.4 O primeiro deles é uma nova atitude para com pecado. Arrependimento genuíno envolve chegar a ponto de olhar para aquilo que antes era atraente e dizer: Isto é repugnante! Certamente haverá um senso de vergonha e tristeza pelo pecado (Lc 15.18-19; Rm 6.21). No entanto, arrependimento não pode ser definido exclusivamente como vergonha e tristeza. Lemos em Mateus 27.3 que Judas foi “tocado de remorso”. Em seus caso, não se trata do arrependimento genuíno, mas de uma tristeza voltada para si mesmo que conduz ao desespero e finalmente à morte. Paulo chama isso de “tristeza do mundo [que] produz morte” (2Co 7:10). Em contraste, a tristeza segundo Deus, marcada pelo reconhecimento do pecado cometido contra Deus “produz arrependimento para a salvação” (2Co 7.9). Ver o pecado como pecado e confessá-lo humildemente a Deus, em lugar de ocultá-lo ou desculpá-lo, é um elemento básico para o arrependimento.

Em segundo lugar, arrependimento envolve uma nova atitude para consigo mesmo. Significa crucificar a carne e seus desejos pecaminosos (Gl 5.24). O arrependimento inicial é simplesmente o começo de um processo em que um estilo de vida é desmantelado e mortificado continuamente. Uma vida de arrependimento significa uma recusa constante e consistente de ceder à auto-gratificação, e uma disposição crescente para desfazer-se dos velhos maus hábitos e revestir-se de novos hábitos (Ef 4.22-24; Cl 3.8-10).

Uma nova atitude para com o pecado e para consigo mesmo não podem subsistir, porém, sem um terceiro elemento: uma nova atitude para com Deus. Trata-se de uma profunda conscientização da santidade e justiça de Deus que contrastam com o pecado, e também de um reconhecimento da Sua maravilhosa e abundante graça e misericórdia. O resultado é nos humilharmos sob a poderosa mão de Deus (1Pe 5.6) e nos arrependermos, na certeza de que temos perdão e graça em Cristo. Precisamos ver o quanto estamos afundados no pecado, e precisamos imediatamente olhar para a cruz − e isto apenas o aconselhamento cristocêntrico pode oferecer, pela atuação do Espírito de Deus por meio da Palavra.

Ao ajudar um aconselhado, é importante também estabelecer uma distinção clara entre arrependimento verdadeiro e penitência. “É da maior importância que se entenda o que é arrependimento verdadeiro e que ele não seja confundido com os esforços humanos para salvar a si mesmo pelo sofrimento autoimposto. Estes são penitência e não arrependimento”, destaca John Miller.5 Penitência não é apenas um sacramento da igreja católico-romana, mas uma atitude religiosa profundamente enraizada no coração humano que impulsiona o homem a tentar pagar pelos próprios pecados por meio de obras e sofrimento. O evangelho não pede um ato de penitência, mas uma transformação profunda centrada em Cristo que passa pelo arrependimento para poder produzir frutos.

O verdadeiro arrependimento produz transformação, ou mudança, no inteiro estilo de vida − ”frutos” ou “obras dignas” de arrependimento (Mt 3.8; At 26.20). Os frutos facilmente identificáveis no cotidiano derivam sua vida e força de raízes transformadas − não mais orgulho e rebeldia, mas submissão a Deus.

Mudança de coração 3 ARNDT, William F., GINGRICH, F. Wilburg. A Greek-English lexicon of the New Testament and other

early Christian literature. 4. ed. Chicago: The University of Chicago Press, 1974, p. 513.

4 FERGUSON, Sinclair B. The grace of repentance. Wheaton, Ill.: Crossway, 2000.

5 MILLER, C. John. Repentance and the 20th century man. 2.ed. Fort Washington, Pa.: Christian

Literature Crusade, 1998, p. 19.

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O pecado engana o coração e deixa-o entregue às próprias racionalizações, preso ao autoengano e cegado à verdadeira sabedoria. Tiago explica melhor este processo quando diz que: “cada um é tentado pela sua própria cobiça, quando esta o atrai e seduz. Então, a cobiça, depois de haver concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, uma vez consumado, gera a morte (Tg 1.14-15). Há cobiça no coração, ou seja, fortes anseios e desejos que motivam o comportamento. “Não vos enganeis, meus amados irmãos”, Tiago prossegue no verso 16. Paulo também nos alerta para “as inclinações da nossa carne” e “a vontade da carne e dos pensamentos” (Ef 2.3). Faz-se necessária uma mudança cristocêntrica de coração, ao lado de uma mudança de comportamento.

É do coração rebelde para com Deus que vêm os problemas, e é o coração que deve ser atingido no aconselhamento bíblico. Devemos, porém, ter alguns cuidados aqui. O primeiro deles é que apenas Deus pode conhecer plenamente o coração (Jr 17.9-10). O homem que se dispõe sozinho a conhecer o próprio coração ou o de outra pessoa revela sua pretensão de igualar-se a Deus.

O segundo cuidado é que, embora não possamos julgar o coração, precisamos estar familiarizados com a dinâmica interior do homem que se reflete em seu comportamento visível. O aconselhamento bíblico tem-se mantido cauteloso em dar explicações para a dinâmica do coração, evitando cair no erro das teorias psicodinâmicas e das ênfases em autoestima, necessidades emocionais ou autopapo. Durante muito tempo, os conselheiros bíblicos deram maior atenção ao comportamento. Entretanto, há o perigo de nos afastarmos da Bíblia se ignoramos as motivações do coração e andarmos em direção a uma perspectiva apenas exterior do homem. E também damos espaço à idéia de que o aconselhamento bíblico é superficial e necessita da ajuda das psicologias para tratar das questões profundas.

A ênfase em atos obedientes e desobedientes é certamente clara nas Escrituras, mas esta não é a totalidade da perspectiva bíblica. A Bíblia refere-se à dinâmica interior usando categorias relevantes como orgulho, temor ao homem, concupiscência da carne, idolatria, entre outros, em contraste com o temor a Deus. Quando o comportamento é o único termômetro da vida cristã, o aconselhamento torna-se passível de falhar em detectar um comportamento bom praticado por razões erradas.

O terceiro cuidado é que não podemos nos reduzir ao papel de investigadores que procuram identificar este ou aquele ídolo no coração de outra pessoa. Podemos ver evidência de idolatria, mas devemos ser cuidadosos para não cair em julgamentos especulativos e pecaminosos. A tarefa do conselheiro é de ajudar a pessoa enquanto ela mesma, à luz da Palavra de Deus e dirigida por Deus (Sl 139.23-24), busca identificar quais os ídolos que está cultuando em seu coração − aquilo em que de fato confia, o que espera, o que teme, em que se refugia, e a que obedece. Aconselhamento é ajudar a pessoa a examinar seu coração à luz da Bíblia, não é dar um veredicto ao aconselhado.

A Palavra, aplicada pelo Espírito Santo, faz o que ninguém pode fazer: ela penetra no coração e expõe suas motivações (Hb 4.12). Se quisermos saber o que de fato está acontecendo, precisamos nos olhar no espelho da Palavra. Por exemplo, a Palavra ajuda-nos a identificar e nos dá a solução para motivações como aceitação social (Jo 12.42-43), ganhar status e poder (Lc 22.24-27), salvar a própria vida (Lc 9.23-24), evitar a dor e ter prazer (Lc 8.14, 15)6.

O quarto cuidado é que não se trata de um trabalho de imersão introspectiva. Um aconselhamento baseado em pura especulação humana da vida interior tem o potencial para distrair significativamente do caminho da santificação. Pessoas crescem à medida que olham para Cristo e para si mesmas através de Cristo, e permitem que o Espírito Santo aplique a verdade objetiva da Palavra para expor à luz o seu coração e realizar um processo de santificação ou mudança em direção à semelhança de Cristo. “Se queremos entender a natureza e causa das dificuldades que afligem uma pessoa, precisamos entender como esta

6 Anotações de aula do Dr. John Street em Introduction to Biblical Counseling - The Master’s College,

julho 2003.

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pessoa está se afastando do modelo de Cristo em seus valores, aspirações, desejos, pensamentos, sentimentos, escolhas, atitudes, ações e respostas.”7 (Mack, 1997, p. 27)

Olhar para o próprio coração, com base na intuição e sabedoria humana, em busca de respostas acerca do que motiva uma prática compulsiva, uma disposição ansiosa ou uma resposta irada pode resultar em muita frustração e confusão devido à própria capacidade de autoengano. O estudo sério e intensivo da Palavra, em oração, conduz-nos a um pensar bíblico que nos faz crescer na capacidade de identificar pensamentos e motivações que precisam de mudança. Tudo quanto pode ocupar no coração o lugar de Deus − por exemplo, gratificação pessoal, controle, perfeccionismo ou orgulho − precisa ser substituído pela adoração ao verdadeiro Deus e serviço ao próximo.

Quando nos ordena amar a Deus e ao próximo, a Bíblia presume que já amamos a nós mesmos. O que ela não garante é que o tipo de amor-próprio que desenvolvemos seja sempre apropriado e aprovado por Deus. Com exceção de Efésios 5.28-29, que se refere ao desejo natural e apropriado de bem-estar fisco e mental, as demais ilustrações bíblicas sobre amor-próprio apontam para pessoas que já amam a si mesmas excessivamente, como expressão de uma natureza pecaminosa (Rm 1.18; 2Tm 3.1-5)8. A razão por que desenvolvemos hábitos escravizadores não é porque não amamos suficientemente a nós mesmos, ou odiamos a nós mesmos, mas porque amamos demais a nós mesmos, e de maneira pecaminosa, desenvolvemos uma percepção distorcida do que é o melhor para nós e centramos a vida em coisas criadas em lugar de adorar e obedecer ao Criador.

Em resumo, a transformação bíblica não é uma opção, mas uma ordem para o cristão, e consiste de um processo de mudança abrangente em que temos participação ativa. Não é dirigida por nós, mas pelo Espírito que opera em nós, encoraja e ajuda na aplicação dos princípios da Palavra de Deus.

7 MACK, Wayne. What is biblical counseling? In: HINDSON, Edward, EYRICH, Howard (edits.). Totally sufficient: the Bible and Christian counseling. Eugene, Ore.: Harvest, 1997, p. 27. 8 Com base no texto de Mateus 22.37-39, “amar a si mesmo” é comumente considerado como um

imperativo a cumprir e não como a simples afirmação de um fato. Biblicamente, porém, o amor-próprio é instintivo, inato e básico a todos os seres humanos, em todo lugar (cf. Ef 5.29). Poderíamos ler a ordem do Senhor Jesus como: “Busque o melhor para seu próximo como você naturalmente o busca para si”.