Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 214/2011, D.R. n.º 94, Série I de 2011-05-16

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    MODELO II

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    MODELO III

    Auto de eliminao de documentos

    TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

    Acrdo do Tribunal Constitucional n. 214/2011

    Processo n. 283/11

    Acordam em plenrio no Tribunal Constitucional:I Relatrio

    1 O Presidente da Repblica requereu, nos termos dodisposto no artigo 278., n. 1, da Constituio da Rep-

    blica Portuguesa (CRP) e nos artigos 51., n. 1, e 57., daLei n. 28/82, de 15 de Novembro (LTC), que o Tribunalaprecie preventivamente a constitucionalidade de toda asnormas constantes do Decreto n. 84/XI da Assembleia daRepblica, recebido na Presidncia da Repblica no dia 31

    de Maro de 2011, para ser promulgado como lei.2 O pedido de fiscalizao de constitucionalidadeapresenta a seguinte fundamentao:

    1. Pelo Decreto n. 84/XI, a Assembleia da Rep-blica aprovou a suspenso do actual modelo de avalia-

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    o do desempenho de docentes atravs da revogaodo Decreto Regulamentar n. 2/2010, de 23 de Junho.

    2. No artigo 1. do mesmo decreto determinou que oGoverno deve iniciar o processo de negociao sindicaltendente aprovao do enquadramento legal e regu-lamentar que concretize um novo modelo de avaliao

    do desempenho de docentes, produzindo efeitos a partirdo incio do prximo ano lectivo.3. Estabeleceu, ainda, um regime transitrio nos

    termos do qual, at entrada em vigor do novo modelode avaliao, so aplicveis os procedimentos previs-tos no despacho n. 4913-B/2010, de 18 de Maro, nombito da apreciao intercalar, at ao final de Agostode 2011.

    4. Dispe-se no artigo 4. que a presente lei entraem vigor no dia seguinte ao da sua publicao.

    5. Coloca-se, em primeiro lugar, a questo de saberse ser conforme Constituio a revogao do DecretoRegulamentar n. 2/2010, de 23 de Junho, operada pelanorma contida no artigo 3. do decreto em anlise.

    6. Com efeito, a norma em apreo limita-se a de-terminar a revogao do decreto regulamentar sem quetenha procedido revogao da respectiva norma ha-

    bilitante.7. Na verdade, o referido decreto regulamentar foi

    emitido ao abrigo do disposto no n. 4 do artigo 40. doEstatuto da Carreira dos Educadores de Infncia e dosProfessores dos Ensinos Bsico e Secundrio, aprovado

    pelo Decreto-Lei n. 139-A/90, de 28 de Abril, alteradopelos Decretos-Leis n.os 105/97, de 29 de Abril, 1/98, de2 de Janeiro, 35/2003, de 27 de Fevereiro, 121/2005,de 26 de Julho, 229/2005, de 29 de Dezembro, 15/2007,de 19 de Janeiro, 35/2007, de 15 de Fevereiro, 270/2009,

    de 30 de Setembro, e 75/2010, de 23 de Junho.8. Deste modo, a revogao do regulamento peloacto legislativo sem que haja tambm sido retirada daordem jurdica a norma habilitante poder constituiruma apropriao indevida da esfera de actuao do

    poder administrativo.9. De acordo com o disposto na citada norma do

    Estatuto da Carreira dos Educadores de Infncia e dosProfessores dos Ensinos Bsico e Secundrio, a regu-lamentao do sistema de avaliao do desempenhoestabelecido no presente Estatuto definida por decretoregulamentar.

    10. O citado Estatuto atribuiu, assim, expressa-

    mente ao poder administrativo a tarefa de regulamentaro sistema de avaliao do desempenho dos docentes.Tratando-se de matria que se integra nas funes degesto escolar, entendeu-se que a concretizao dos pro-cedimentos tendentes a essa avalizao s poderia caber Administrao.

    11. Ora, na revogao agora operada, como ficouafirmado, no se contesta esta deciso do legisladoruma vez que ficou intocada a norma de remisso paradecreto regulamentar.

    12. Deste modo, sem cuidar de revogar o quadrolegal aplicvel, o diploma agora aprovado interfere di-rectamente no mbito do regulamento, revogando-o.

    13. No se questiona a possibilidade, no quadro da

    hierarquia de normas, de, em abstracto, uma lei revogarum regulamento. To-pouco deve atender-se existn-cia, em geral, de uma reserva de regulamento. J no

    pode deixar de relevar o respeito devido pelo legislador margem prpria de interveno administrativa.

    14. Com efeito, afirmou o Tribunal Constitucional,no Acrdo n. 24/98: tambm para quem entenda que,podendo haver, em determinadas situaes, reservasespecficas de regulamentao detidas pelo Governo,mas que, porm, ainda nelas no totalmente vedadauma actuao legislativa por parte da Assembleia da

    Repblica, contanto que o Parlamento, ao efectu-la, re-vogue, derrogue ou abrogue, directa ou implicitamente,a competncia de regulamentao que, nessas situaes,se encontrava deferida ao Governo [...]

    15. Ora, ao contrrio do que havia sucedido no casoem anlise no acrdo citado, o presente decreto no

    procedeu revogao do regime que deferia ao Governoa competncia para a regulamentao.

    16. Tal actuao pode configurar um quadro difusode exerccio dos poderes, permitindo ao legislador in-terferir na funo administrativa ao revogar o regula-mento, determinando, simultaneamente, a adopo deum regime intercalar, de idntica natureza.

    17. Ao faz-lo, o decreto pode enfermar de incons-titucionalidade material por violao do princpio daseparao de poderes.

    18. Afirma Paulo Otero (Legalidade e Administra-o Pblica O Sentido da Vinculao Administra-tiva Juridicidade, Coimbra, 2003, pp. 753 e 754) quese o princpio da separao de poderes [...] garante Administrao Pblica um espao de execuo nor-mativa da lei, a verdade que tambm dever inibiro legislador de se transformar em executor individuale concreto das prprias leis: a Assembleia da Rep-

    blica encontra-se proibida, precisamente por carecer decompetncia administrativa externa, de se substituirao Governo.

    19. O decreto em apreciao vai mais longe e, nanorma contida no artigo 1., determina que o Governoinicie o processo de negociao sindical tendente aprovao do enquadramento legal e regulamentar queconcretize um novo modelo de avaliao do desempe-nho de docentes, produzindo efeitos a partir do inciodo prximo ano lectivo.

    20. Esta norma refora o sentido assumido pelo le-gislador segundo o qual o Governo o rgo competente

    para elaborar e aprovar a regulamentao concretizadorade um novo modelo de avaliao de desempenho dedocentes, uma vez que lhe cabe o poder negocial. Torna--se, assim, ainda mais evidente a invaso do campo de

    actuao do poder administrativo.21. O legislador no se limita, pois, a reconhecer estacompetncia do Governo facto que, em si mesmo,no seria inconstitucional mas aprova uma injunoao Governo para que actue em determinado prazo.

    22. O incio de um procedimento negocial matriade natureza administrativa uma vez que envolve juzosde mrito e de oportunidade. Admitir-se-ia, em tese, a

    previso legislativa de um prazo para a aprovao do qua-dro regulamentar. J mais duvidosa a imposio de um

    prazo para dar incio e concluir os mecanismos negociaissobre os quais s Administrao cabe decidir.

    23. Por fim, a norma contida no artigo 2. prev umregime transitrio por recurso aplicao do despacho

    n. 4913-B/2010, de 18 de Maro, no mbito da aprecia-o intercalar, at ao final de Agosto de 2011.

    24. Mais uma vez, no est em causa a possibilidadede a lei operar a recepo do contedo normativo deum regulamento, atribuindo-lhe fora de lei. Tal pode

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    justificar-se, desde logo, por razes prticas e de eco-nomia de meios.

    25. Todavia, o contedo do mencionado despachoemitido pelo Secretrio de Estado Adjunto e da Edu-cao no parece ter sido concebido para ser aplicadoa um universo mais vasto de situaes por lhe faltar,

    claramente, um princpio de generalidade subjacente.Com efeito, estava ali em causa, para um universo bemdelimitado de destinatrios, num perodo concreto, aaplicao das regras transitrias de progresso na car-reira.

    26. A propsito daquele princpio de generalidade,afirma Jorge Miranda (Manual de Direito Constitucio-nal, t. V, Coimbra, 2010, p. 147) que s so admiss-veis as leis individuais contanto que, por detrs desteou daquele comando aplicvel a certa pessoa, possaencontrar-se uma prescrio ou um princpio geral e queno se criem privilgios ou discriminaes.

    27. Dificilmente poder o legislador, sem invaso daesfera administrativa, transformar o contedo do despa-cho num princpio geral, aplicvel a todos os docentes,em substituio de um regulamento administrativo cujanorma habilitante no revoga.

    28. Tal substituio concita ainda uma dvida deconformidade constitucional que importa, a final, di-lucidar.

    29. De acordo com o disposto no artigo 4. do de-creto, a presente lei entra em vigor no dia seguinte aoda sua publicao.

    30. Porm, estando o regime, agora revogado, emvigor desde 24 de Junho de 2010, pode argumentar-seque os seus destinatrios modularam os seus compor-tamentos para o ano lectivo em curso em funo do ali

    disposto.31. De igual modo, estando o ano lectivo a aproximar--se do fim, podem os docentes ter firmado as suas leg-timas expectativas de carreira em funo destas regras eda avaliao que delas resultaria.

    32. Ora, a revogao pura e simples do regime e asua substituio por um outro, intercalar, que no foiconcebido para os mesmos efeitos, com eficcia retroac-tiva ou, ao menos, retrospectiva susceptvel de afectara confiana dos destinatrios da norma,

    33. Tal afectao pode configurar uma violao in-constitucional do princpio da proteco da confiana,

    previsto no artigo 2. da Constituio, nsito ao princpiodo Estado de direito.

    34. Conclui-se, pois, que, entre outros eventuaisfundamentos de inconstitucionalidade, designadamentede natureza formal ou procedimental, pode legitima-mente questionar-se a constitucionalidade material dasnormas objecto do pedido, por violao do princpio daseparao de poderes, previsto nos artigos 2. e 111. daConstituio, da esfera de interveno da Administra-o, prevista na alnea c) do artigo 199. da Constitui-o e do princpio da proteco da confiana, nsito no

    princpio da Estado de direito, consagrado no artigo 2.da Constituio.

    E o pedido de fiscalizao preventiva da constituciona-

    lidade termina nos seguintes termos:Ante o exposto, requer-se, nos termos do n. 1 do

    artigo 278. da Constituio, bem como do n. 1 doartigo 51. e n. 1 do artigo 57. da Lei n. 28/82, de15 de Novembro, a fiscalizao preventiva da cons-

    titucionalidade das normas dos artigos 1., 2., 3. e4. constantes do Decreto n. 84/XI da Assembleia daRepblica, por violao dos artigos 2., 199., alnea c),e 111. da Constituio.

    3 Notificado para se pronunciar sobre o pedido, nos

    termos do artigo 54. da LTC, o Presidente da Assembleiada Repblica ofereceu o merecimento dos autos e juntouos elementos do processo legislativo.

    4 Discutido o Memorando apresentado pelo relatororiginrio, cumpre formular a deciso em conformidadecom o entendimento que prevaleceu.

    II Fundamentao

    5 O diploma em questo do seguinte teor:

    Decreto n. 84/XI. Suspenso do actual modelode avaliao do desempenho de docentes e revogaodo Decreto Regulamentar n. 2/2010, de 23 de Junho.

    A Assembleia da Repblica decreta, nos termos daalnea c) do artigo 161. da Constituio, o seguinte:

    Artigo 1.

    Novo modelo de avaliao do desempenho de docentes

    At ao final do presente ano lectivo, o Governo iniciao processo de negociao sindical tendente aprovaodo enquadramento legal e regulamentar que concretizeum novo modelo de avaliao do desempenho de do-centes, produzindo efeitos a partir do incio do prximoano lectivo.

    Artigo 2.

    Perodo transitrio

    Para efeitos de avaliao do desempenho de docentes,e at entrada em vigor do novo modelo de avaliao,so aplicveis os procedimentos previstos no despachon. 4913-B/2010, de 18 de Maro, no mbito da aprecia-o intercalar, at ao final de Agosto de 2011.

    Artigo 3.

    Norma revogatria

    revogado o Decreto Regulamentar n. 2/2010, de23 de Junho.

    Artigo 4.

    Entrada em vigor

    A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao dasua publicao.

    6 Desenvolvendo a previso do n. 2 do artigo 39.da Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n. 46/86, de14 de Outubro, alterada pelas Leis n.os 115/97, de 19 deSetembro, 49/2005, de 30 de Agosto, e 85/2009, de 27 deAgosto), o Estatuto da Carreira dos Educadores de Infnciae dos Professores dos Ensinos Bsico e Secundrio (dora-vante Estatuto, aprovado pelo Decreto-Lei n. 139-A/90,

    de 28 de Abril, alterado pelos Decretos-Leis n.os 105/97,de 29 de Abril, 1/98, de 2 de Janeiro, 35/2003, de 27 deFevereiro, 121/2005, de 26 de Julho, 229/2005, de 29 deDezembro, 224/2006, de 13 de Novembro, 15/2007,de 19 de Janeiro, 35/2007, de 15 de Fevereiro, 270/2009,

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    de 30 de Setembro, e 75/2010, de 23 de Junho) estabelecea sujeio do pessoal docente a que se aplica a um sistemade avaliao do desempenho. Sistema esse que reflecte

    para esta categoria especial de trabalhadores os objectivosda poltica prosseguida com a avaliao do desempenho naAdministrao Pblica pelo SIADAP (Sistema Integrado

    de Gesto e Avaliao do Desempenho na AdministraoPblica), ao qual se considerou adaptado [cf. artigo 86.,n. 4, alnea c) da Lei n. 66-B/2007, de 28 de Dezembro].

    Na verso resultante da ltima reviso do Estatuto,caracterizam-se os objectivos da avaliao do desempe-nho (artigo 40.), estabelece-se a sua relevncia obrigatria(artigo 41.), o seu mbito e periodicidade (artigo 42.),indicam-se os intervenientes no procedimento de avaliao(artigo 43.) e os domnios em que esta incide (artigo 45.),fixa-se o sistema de classificao (artigo 46.), disciplinam--se garantias de reclamao e recurso (artigo 47.) e regulam--se os efeitos na carreira e as vantagens pecunirias doresultado da avaliao individual (artigo 48.). Segundoo prembulo do Decreto-Lei n. 75/2010, esta reviso doEstatuto concretiza o acordo de princpios celebrado nodia 8 de Janeiro de 2010, com as organizaes sindicaisrepresentativas do pessoal docente, visando a melhoriada escola pblica, procurando proporcionar s escolas ea todos os intervenientes no processo educativo um climade tranquilidade que favorea o cumprimento da elevadamisso da escola pblica, promover o mrito e assegurar a

    prioridade ao trabalho dos docentes com os alunos, tendoem vista o interesse das escolas, das famlias e do Pas.

    Porm, a regulao por via legislativa da avaliao dodesempenho do pessoal docente nunca foi exaustiva, de-volvendo o Estatuto a sua concretizao, sobretudo quantoaos aspectos procedimentais ou de adaptao a situaes

    particulares, para diplomas regulamentares do Governo.Disso se incumbiram sucessivamente, para s consideraro perodo posterior s novas polticas de avaliao dedesempenho na Administrao Pblica, os Decretos Re-gulamentares n.os 2/2008, de 10 de Janeiro, 11/2008, de23 de Maio, 1-A/2009, de 5 de Janeiro, 14/2009, de 21 deAgosto, e, por ltimo, 2/2010, de 23 de Junho.

    Este ltimo diploma regulamentar foi publicado paradesenvolver os princpios que presidiram alterao doEstatuto que foi introduzida pelo Decreto-Lei n. 75/2010,de 23 de Junho, tendo como norma habilitante o n. 2 doartigo 40. do Estatuto que dispe que a regulamentaodo sistema de avaliao do desempenho estabelecida no

    presente Estatuto definida por decreto regulamentar.7 Foi sobre o modelo de avaliao disciplinado poreste ltimo diploma regulamentar que veio incidir a ini-ciativa legislativa que deu origem ao Decreto 84/XI, daAssembleia da Repblica, publicado noDirio da Assem-bleia da Repblica, 2. srie-A, n. 115, de 29 de Marode 2011, p. 2, cujas normas o Presidente da Repblicasubmete, na totalidade, a apreciao preventiva de cons-titucionalidade. Este decreto resultou da aprovao dotexto de substituio que foi apresentado aps discussona generalidade dos projectos de lei n.os 571/XI/(PCP), e575/XI (PSD), publicados no Dirio da Assembleia da

    Repblica, 2. srie-A, n. 112, de 25 de Maro de 2011,pp. 13 a 15 e 27 e 28, respectivamente.

    Fazendo um juzo negativo sobre o processo de avaliaodo desempenho dos docentes dos ensinos bsico e secun-drio das escolas pbicas que se encontra em aplicao,

    por constituir um encargo burocrtico para os professorese para a gesto do sistema escolar, sem reflexos positivos

    na melhoria da prestao do servio pblico cometido sescolas pblicas, juzo esse que bem patente na exposi-o de motivos de cada um dos projectos de que o textofinal resultou e nas intervenes dos deputados que ossuportaram durante a discusso (cf.Dirio da Assembleiada Repblica, 1. srie, n. 69, de 26 de Maro de 2011,

    pp. 45 a 58 e 70), o Parlamento suspendeu-o, procedendo revogao do Decreto Regulamentar n. 2/2010, queo disciplina (artigo 3. do Decreto n. 84/XI) e determi-nando que o Governo inicie o processo de negociaocom as associaes sindicais tendente aprovao doenquadramento legal e regulamentar que concretize umnovo modelo, em ordem a produzir efeitos a partir do

    prximo ano lectivo. Para avaliao do desempenho du-rante o perodo transitrio at ao final de Agosto de2011 (artigo 2. do decreto) determina-se a aplica-o do despacho n. 4913-B/2010, de 15 de Maro, doSecretrio de Estado Adjunto e da Educao, relativo avaliao intercalar para efeitos de progresso na carreira, publicado noDirio da Repblica, 2. srie, de 18 deMaro de 2010.

    Interessa ainda referir que, na mesma data, a Assembleiada Repblica aprovou, nos termos do n. 5 do artigo 166.da Constituio, duas resolues sobre a mesma matria:as Resolues n.os 93/2011 e 94/2011, ambas publicadasnoDirio da Repblica, 1. srie, de 27 de Abril de 2011.A primeira, sobre a aplicao da apreciao intercalarda avaliao do desempenho docente e consequente al-terao dos mecanismos de avaliao, corresponde ao

    projecto de resoluo n. 470/XI (2.), publicado noDirioda Assembleia da Repblica, 2. srie-A, n. 111, de 24 deMaro de 2011, pp. 60 e seguintes. A segunda, sobre osprincpios a que deve obedecer o novo quadro legal da

    avaliao e da classificao do desempenho das escolas edos docentes, resulta da aprovao do projecto de reso-luo n. 497/XI (2.), publicado noDirio da Assembleiada Repblica, 2. srie-A, n. 112, de 25 de Maro de 2011,

    pp. 73 e seguintes.8 O primeiro fundamento do pedido a violao do

    princpio da separao e interdependncia dos rgos desoberania, consagrado no n. 1 do artigo 111. da Constitui-o, que resultaria de, na medida em que a Assembleia daRepblica procedeu revogao do decreto regulamentarmediante o qual fora dado cumprimento ao disposto no Es-tatuto, sem simultaneamente revogar a norma habilitante,antes impondo ao Governo que inicie negociaes com as

    associaes sindicais com vista a nova regulamentao demodo a entrar em vigor no incio do prximo ano lectivo, seter invadido a margem prpria da competncia adminis-trativa cometida ao Governo pela alnea c) do artigo 199.da Constituio para fazer os regulamentos necessrios boa execuo das leis.

    Embora a apreciao do pedido por parte do Tribunaltenha, em regra, de incidir sobre cada uma das normas quelhe so submetidas, perante um pedido em que todas elasesto impugnadas com um mesmo e essencial fundamentoe em que essas normas, sobretudo as dos artigos 1. e 3. dodecreto, constituem um bloco que d resposta ao problemade funcionamento das escolas pblicas e de gesto dorespectivo pessoal docente que, no entender do legislador

    parlamentar, justifica a iniciativa legislativa, nada obsta aoseu confronto conjunto com os parmetros de constitucio-nalidade que lhes so problematicamente comuns.

    9 Nos termos do n. 1 do artigo 111. da Constitui-o, os rgos de soberania devem observar a separao

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    e interdependncia estabelecidos na Constituio. Esteprincpio de separao e interdependncia de poderes, queanteriormente apenas aparecia formulado no captulo daorganizao do poder poltico (o actual preceito constitu-cional corresponde ao anterior n. 1 do artigo 114.), passoutambm a figurar, com a reviso operada pela Lei Cons-

    titucional n. 1/97 (RC97), no artigo 2. da Constituio.Com a diferena de que, enquanto na caracterizao doEstado de direito democrtico se menciona, de modo maisabrangente, a separao e interdependncia de poderes,no captulo relativo organizao do poder poltico a se-

    parao e interdependncia que a lei fundamental mandaobservar respeita aos poderes dos rgos de soberania.Esta dupla referncia reafirma a posio do princpio daseparao de poderes simultaneamente como um princpiofundamental do momento organizatrio da Constituioe como um dos princpios definidores da comunidade

    poltica e do Estado. Como se disse no Acrdo n. 24/98(disponvel, como os demais citados em www.tribunalcons-titucional.pt), o princpio ficou explicitado inequvoca eclaramente como um dos essentialia do Estado de direitodemocrtico.

    Admite-se modernamente que o princpio da separaode poderes no cumpre apenas o papel, com que entrouna histria do constitucionalismo, de repartio orgnico--funcional dos poderes do Estado com vista protecodas liberdades e direitos fundamentais dos cidados. De-sempenha uma pluralidade de funes constitucionais:funo de medida, funo de racionalizao, funo decontrolo e funo de proteco. Como salientam GomesCanotilho e Vital Moreira (Constituio da RepblicaPortuguesa Anotada, vol. I, 4. ed. rev., Coimbra, 2007,p. 209), o texto constitucional articula a ideia de separao

    com a ideia de interdependncia de poderes, apontando afundamentalidade do princpio para a ideia de ordenaodos rgos de soberania pautada pela adequao orgnica,de modo a que as medidas e decises do poder pblico

    para cumprimento das tarefas do Estado sejam preferen-cialmente adoptadas pelos rgos que, segundo a sua or-ganizao, funo, atribuio e procedimento de actuaoesto em melhor posio para analisar os pressupostos, os

    juzos e os resultados indispensveis a medidas ou deci-ses constitucionalmente ajustadas. Ele implica, comorefere Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional,t. VII, Coimbra, 2007, p. 83, a necessidade de um ncleoessencial de competncia de cada rgo, apurado a partir

    da adequao da sua estrutura ao tipo ou natureza decompetncia de que se cuida.Com efeito, enquanto instrumento de inibio da actua-

    o dos poderes pblicos, atravs do modelo tradicionalde checks and balances, em salvaguarda da liberdadeindividual dos cidados a chamada dimenso negativado princpio da separao de poderes , o princpio cedeucampo operativo a um conjunto de institutos garantidoresdos preceitos materiais da Constituio e dos direitos,liberdades e garantias. Designadamente, centrando desde

    j a ateno no mbito relacional entre o poder legisla-tivo do Parlamento e o poder executivo porque nessembito que se situa a questo que o Tribunal tem pararesolver, perante a aplicabilidade directa dos direitos

    fundamentais e a tendencial plenitude de acesso ao direitoe aos tribunais para proteco contra qualquer leso dosdireitos e interesses individuais, incluindo a garantia detutela jurisdicional efectiva dos direitos e garantias dosadministrados.

    A maior virtualidade ou dimenso operativa do princ-pio, ao menos em termos de justiciabilidade o que, numsistema de justia constitucional como a portuguesa, releva

    pela via da apreciao de constitucionalidade de normasjurdicas , a que respeita sua dimenso de elemento deinterpretao e de delimitao funcional das normas cons-

    titucionais de competncia no sentido da racionalizaodo exerccio das funes do Estado. Nesta sua dimensopositiva, o princpio da separao de poderes assegurauma justa e adequada ordenao das funes do Estadoe, consequentemente, intervm como esquema relacionalde competncias, tarefas, funes e responsabilidades dosrgos constitucionais de soberania (Gomes Canotilho,

    Direito Constitucional e Teoria da Constituio, 7. ed.,Almedina, 2003, p. 250).Como diz Jorge Reis Novais, Se-

    parao de Poderes e Limites da Competncia Legislativada Assembleia da Repblica, Lisboa, 1997, p. 37, o prin-cpio hoje essencialmente invocvel napraxisjurdicano seu significado de princpio organizatrio estruturantede uma organizao racional dos poderes do Estado.

    No, obviamente, de uma racionalidade aprioristicamenteconcebida mas daquela racionalidade que est presente nadistribuio de competncias constitucionais para prosse-cuo das funes do Estado pelos diversos rgos de so-

    berania ([...] a separao e interdependncia estabelecidosna Constituio), de modo que no binmio separao--interdependncia possa sobreviver o ncleo essencialdas atribuies e responsabilidade constitucional de cadaum deles. No essencial, o princpio significa ordenaoadequada de funes, proibio da confuso e da diluiodos nexos de imputao e responsabilidade (AssunoEsteves, Os limites do poder do Parlamento e o procedi-mento decisrio da co-incinerao, inEstudos de Direito

    Constitucional, Coimbra, 2001, p. 17).Postas estas genricas consideraes quanto ao seu al-cance, da constelao problemtica que o referido princpioconvoca, no presente pedido de fiscalizao preventivade constitucionalidade interessa, apenas, o que respeitas relaes entre o poder legislativo do Parlamento e opoder regulamentar do Governo no domnio do regimeda funo pblica. este o horizonte de referncia daapreciao que se segue.

    10 No artigo 3. do Decreto n. 84/XI, a Assembleiada Repblica pretende revogar o Decreto Regulamentarn. 2/2010.

    No pe o Tribunal em dvida, como o Presidente da

    Repblica no pe, que um acto de natureza regulamentarpossa ser revogado por um acto de natureza legislativa.No estando em causa um acto provindo de um rgointegrado na administrao autnoma, em que da auto-nomia normativa podem decorrer limites ao poder regu-lador e consequentemente tambm ao poder revogatriodo legislador (cf. J. C. Vieira de Andrade, Autonomiaregulamentar e reserva de lei, inEstudos em Homenagemao Prof. Doutor Afonso Rodrigues Queir, I, Coimbra,1984, p. 21; Vital Moreira, Auto-Regulao Profissio-nal e Administrao Pblica, Almedina, 1997, pp. 186 a191, e Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituio da

    Repblica Portuguesa Anotada,II vol., 4. ed., CoimbraEditora, 2010, p. 2010), essa aptido inerente ao prin-

    cpio da hierarquia das fontes normativas implcito noartigo 112. da Constituio.

    E, como o pedido reconhece, tambm no question-vel esse poder revogatrio do Parlamento, atravs de actolegislativo, mediante a mera afirmao de uma reserva

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    de regulamento por parte do Governo, que assim seriainvadida.

    Como o Tribunal vem afirmando, a Constituio norestringe o mbito da competncia legislativa em geral nemconfere ao Governo uma reserva de competncia originriaregulamentar em certas matrias. O poder regulamentar

    conferido ao Governo pela alnea c) do artigo 199. parafazer os regulamentos necessrios boa execuo daleis no corresponde a qualquer reserva de regulamento,no sentido de a lei no poder ultrapassar um determinadonvel de pormenorizao ou particularizao de modoa deixar sempre ao Governo, enquanto titular do poderregulamentar, um nvel de complementao normativarelativamente a cada uma das leis. Como se afirmou noAcrdo n. 461/87, o legislador dispe de uma omn-moda faculdade constitucionalmente reconhecida de

    planificar e racionalizar a actividade administrativa, pr--conformando-a no seu desenvolvimento, e definindo oespao que ficara liberdade de critrio e autonomia dosrespectivos rgos ou agentes, ou antes pr-ocupando-o(preferncia de lei). De outro modo, como se realou noAcrdo n. 1/97, a reserva de competncia regulamen-tar do Governo redundaria necessariamente num limiteda competncia legislativa da Assembleia da Repblicaquanto a certas matrias, limite que a Constituio no

    permite deduzir perante um preceito como o da alnea c) doartigo 161. que expressamente atribui Assembleia da Re-

    pblica competncia para fazer leis sobre todas as matrias,salvo as reservadas ao Governo. E estas, as competnciaslegislativas reservadas ao Governo, no so outras senoas respeitantes sua prpria organizao e funcionamento(n. 2 do artigo 198. da Constituio).

    Mas mesmo para quem levante objeces a este enten-

    dimento (v. Jorge Miranda e Rui Medeiros, ConstituioPortuguesa Anotada, t. II, Coimbra, 2006, p. 719), combase na ideia de que a dimenso positiva do princpioda separao de poderes dificilmente tolera que o Parla-mento seja um rgo constitucionalmente adequado paranormao de pormenor ou essencialmente tcnica, ou queo respectivo procedimento legislativo no se adequa aotratamento de certas matrias como, v. g., as de planea-mento urbanstico, ter de convir que a matria agora emcausa no oferece esse tipo de resistncia interveno dolegislador parlamentar, seja pelo procedimento legislativoseja pela menor capacidade em meios de apoio deciso,ou pela menor imediao ou capacidade para auscultar

    os interesses envolvidos. Pelo contrrio, quanto a essesfactores, a matria em causa perfeitamente susceptvelde regulao por acto legislativo parlamentar. Do que setrata de estabelecer pormenores de regulao de um

    procedimento administrativo especial, em que as opesnormativas, a mais do conhecimento das especificidadesda realidade sobre que versa, suscitam essencialmentequestes de tcnica jurdica. Alis, o regime jurdico doprocedimento comum de avaliao do desempenho naAdministrao Pblica actualmente objecto de lei par-lamentar (cf. artigos 61. a 75. da Lei n. 66-B/2007, de28 de Dezembro).

    11 No assentam, porm, na pressuposio de umareserva de regulamento as dvidas de constitucionalidade

    do requerente. O que censura norma do artigo 3. do de-creto ter o legislador parlamentar procedido revogaodo regulamento sem que ao efectu-la, revogue, derrogueou abrogue, directa ou implicitamente, a competncia deregulamentao que nessas situaes se encontrava defe-

    rida ao Governo. Evoca-se, assim, um argumento presenteno Acrdo n. 24/98, embora a a hiptese figurada nose verificasse.

    Com efeito, num dos projectos que esto na origem doDecreto n. 84/XI, da Assembleia da Repblica, o projectode lei n. 575/XI (PSD), previa-se no s a revogao

    dos artigos 40. a 49. do Estatuto na sua verso actual(artigo 1., n. 1, desse projecto) como a repristinao,durante o perodo transitrio que decorreria at entradado novo modelo de avaliao, dos artigos 39. a 53. doEstatuto, na verso anterior ao Decreto-Lei n. 15/2007, de19 de Janeiro (artigo 3.). A revogao do Decreto Regula-mentar n. 2/2010 (artigo 1., n. 2, do projecto) era, nesse

    projecto, corolrio da supresso da norma habilitante e daalterao da lei regulamentada. No texto de substituioque veio a ser aprovado, a opo legislativa foi diversa,mantendo-se todo o teor da lei objecto de regulamentao(o Estatuto) e a norma habilitante, apenas se suprimindoo diploma regulamentar.

    Ora, o Governo o rgo superior da AdministraoPblica (artigo 182. da CRP), nessa qualidade lhe com-

    petindo desempenhar uma srie de funes constitucionais,designadamente no exerccio da funo administrativaem matria de direco dos servios e da actividade daadministrao directa do Estado [artigo 199., alnea e),da CRP], praticar todos os actos exigidos pela lei respei-tantes aos funcionrios e agentes do Estado [artigo 199.,alnea d), da CRP] e fazer, para tanto, os regulamentosnecessrios boa execuo das leis [artigo 199., alnea c),da CRP]. Ao abrigo e com recurso aos correspondentesinstrumentos normativos, cabe-lhe conduzir, de acordocom os princpios de precedncia e prevalncia da lei, as

    polticas pblicas legalmente definidas e por cuja execuo

    responsvel. Uma destas a poltica de avaliao siste-mtica do desempenho na Administrao Pblica, exten-svel ao pessoal docente dos ensinos bsico e secundrio,visando a melhoria da qualidade do servio educativo edas aprendizagens dos alunos e proporcionar orientaes

    para o desenvolvimento pessoal e profissional no quadro deum sistema de reconhecimento do mrito e da excelncia,na fraseologia do artigo 40. do Estatuto. A Assembleiada Repblica pode, mediante um acto legislativo, no smodificar essas opes fundamentais como at pr-ocupara regulao do procedimento atravs do qual se procede avaliao (o modelo). Se assim proceder, o Governo noexerccio do poder regulamentar, se ainda for necessrio

    ou restar qualquer margem de complementao, de acordocom o princpio da prevalncia de lei, e a administraoescolar, em obedincia ao princpio da legalidade, estarovinculados a agir em conformidade (artigo 266. da CRP).

    Mas, no espao no ocupado por acto legislativo, cabeao Governo determinar qual o contedo do acto regula-mentar exigido pela boa execuo da lei. E isso s aele compete no exerccio da competncia administrativa[artigo 199., alnea c), da CRP], embora sob controlo delegalidade e constitucionalidade por parte dos tribunais.

    Relativamente a esse exerccio do poder administrativoregulamentar, a Assembleia da Repblica s pode exer-cer as suas competncias de fiscalizao [artigo 162.,alnea a), da CRP] atravs de uma variedade de actos e

    procedimentos de muito diversa natureza, que vo desdeintervenes e votos antes da ordem do dia, perguntas einterpelaes ao Governo, apreciao de peties, at aosinquritos parlamentares, mas tem de respeitar a separaoentre rgos de soberania, no podendo usurpar as funes

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    prprias do Governo, designadamente as de direco daadministrao directa do Estado, que o mbito que agorainteressa (cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, op. cit.,vol. II, p. 299).

    Um acto legislativo do Parlamento que, mantendo in-tocados os parmetros legais em funo dos quais deter-

    minada actividade administrativa h-de ser prosseguidae a actividade normativa derivada necessria h-de serdesenvolvida, se limita a revogar a regulamentao pro-duzida ao abrigo dessa mesma legislao que o Governocontinua a ter de executar, priva este rgo de soberaniados instrumentos que a Constituio lhe reserva para pros-seguir as tarefas que neste domnio lhe esto constitucio-nalmente cometidas [maxime artigos 182., ltima parte,199., alnea e), primeira parte, e 199., alnea c), da CRP],quebrando toda a racionalidade do sistema de separaoe interdependncia entre rgos de soberania. o prprio

    pressuposto da responsabilidade poltica do Governo, naestrutura tridica de organizao do poder poltico cons-titucionalmente definida (artigo 190. da CRP), que assimo exige, porque dificilmente se concebe o funcionamentode um sistema de responsabilidade poltica de um rgo

    perante actuaes totalmente heterodeterminadas ou paracuja prossecuo foi privado dos meios instrumentais deaco autnoma.

    Procede, pois, quanto norma do artigo 3. do decretoa imputao de violao do princpio de separao e in-terdependncia dos rgos de soberania.

    12 O Presidente da Repblica questiona tambm aconformidade ao princpio da separao de poderes quantoao artigo 1. do mesmo Decreto n. 84/XI, da Assembleiada Repblica, que dispe que, at final do presente anolectivo, o Governo inicia o processo de negociao sindical

    tendente aprovao do enquadramento legal e regula-mentar que concretize um novo modelo de avaliao dodesempenho de docentes, de modo a produzir efeitos a

    partir do incio do prximo ano lectivo.Nada parece proibir que a lei fixe um prazo cngruo

    para regulamentao das leis que dela precisem para seremexequveis. O sistema jurdico contm mesmo um meiocontencioso para declarao da correspondente ilegalidade

    por omisso, pelo menos relativamente a regulamentos deexecuo e a regulamentos complementares (artigo 77.do CPTA; cf. Mrio Aroso de Almeida e Carlos Cadilha,Comentrio ao Cdigo de Processo nos Tribunais Admi-nistrativos, 3. ed., Almedina, 2010, p. 502). Mas a norma

    em presena no pode ser interpretada como de estatuiode um mero prazo para o Governo regulamentar as normasdo Estatuto que disso caream porque no houve a qual-quer alterao e a matria j estava regulamentada. O seusentido jurdico , na base de um juzo poltico no serve,faa-se outro, o de vincular o Governo a iniciar o processonegocial com vista ao estabelecimento de um novo modelode avaliao. E, em ordem a garantir esse efeito, concre-tizando uma intencionalidade juridicamente vinculante eno uma mera recomendao de cariz poltico, priva-se aAdministrao do instrumento normativo de gesto exis-tente e fixa-se um limite temporal (deadline)para que umoutro seja estabelecido: o incio do prximo ano lectivo.

    Ora, salvo naqueles aspectos em que o processo negocial

    se encontra legalmente predeterminado, designadamentepara cumprimento do disposto na alnea a) do n. 2 e non. 3 do artigo 56. da Constituio quanto elaborao doOramento (cf. artigo 7. da Lei n. 23/98, de 26 de Maio), adeciso sobre ose e o quando da iniciativa de desencadear

    negociaes com vista alterao do ordenamento comas associaes sindicais ou com outros portadores de inte-resses que devam participar uma opo poltica queum rgo de soberania no pode impor ao outro, mesmonos espaos onde ambos concorram no poder de regulaoemergente, seja este equiordenado (lei-decreto-lei) seja

    escalonado (acto legislativo-acto regulamentar).E no pode sequer invocar-se o maior apetrechamentoou relao de proximidade do Governo com a matria aregular para levar a cabo os actos propeduticos ou prepa-ratrios e a necessidade de viabilizar as opes polticas

    primrias que Assembleia, como rgo de representa-o da vontade geral, tambm competem. As relaes doGoverno com a Assembleia da Repblica so relaesde autonomia e de prestao de contas e de responsa-bilidade; no so relaes de subordinao hierrquicaou de superintendncia, pelo que no pode o Governoser vinculado a exercer o seu poder regulamentar (oulegislativo) por instrues ou injunes da Assembleia daRepblica (cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, op. cit.,vol. II, p. 415).

    Efectivamente, o Governo um rgo dotado de legi-timidade e competncias constitucionais prprias, cujoestatuto escapa deciso do legislador ordinrio. Dentrodos limites da Constituio e da lei, o Governo aut-nomo no exerccio da funo governativa e da funoadministrativa. Nas zonas de confluncia entre actos deconduo poltica e actos de administrao a cargo doGoverno, a dimenso positiva do princpio da separao einterdependncia de rgos de soberania impe um limitefuncional ao uso da competncia legislativa universal daAssembleia da Repblica [artigo 161., alnea c), da CRP],de modo que esse poder de chamar a si do Parlamento

    no transmude a forma legislativa num meio enviezadode exerccio de competncias de fiscalizao com es-vaziamento, pelo controlo democrtico-parlamentar epela regra da maioria, do ncleo essencial da posioconstitucional do Governo enquanto rgo superior daAdministrao Pblica (artigo 182. da CRP), encarre-gado de dirigir os servios da administrao directa doEstado [artigo 199., alnea d), da CRP]. A Assembleiapode rejeitar as propostas do Governo, pode negar-lheinstrumentos de governao (v. g. no aprovao do Or-amento, recusa de autorizaes legislativas), pode critic--lo e pode, em ltimo extremo, provocar a sua demissomediante moes de censura [artigos 194. e 195., n. 1,

    alneaf), da CRP]. Pode mesmo adoptar leis contrrias aoPrograma do Governo, alterando as opes primrias doregime jurdico em determinado domnio mesmo dafuno pblica, com os limites materiais e o previsto noartigo 167., n. 3, da CRP a que a Administrao temdepois de conformar a sua actuao, seja mediante actosindividuais de execuo seja no exerccio da competnciaregulamentar. Compete-lhe, como j se referiu, apreciaros actos do Governo e da Administrao, sejam eles denatureza normativa ou de aplicao individual e concreta[artigo 162., alnea a), da CRP], podendo criticar o modocomo essa actividade desenvolvida e, inclusivamente,dirigir-lhe recomendaes, o que alis fez, mediante asreferidas Resolues n.os 93/2011 e 94/2011. Mas no pode

    ordenar-lhe a prtica de determinados actos polticos ou aadopo de determinadas orientaes (cf. Gomes Cano-tilho e Vital Moreira, loc. cit., p. 414). Designadamente,no pode faz-lo sem previamente alterar os parmetroslegais dessa actividade, no domnio das competncias

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    outro modelo, impondo-lhe o reincio do procedimentoque a tal conduza.

    2 Assim entendido, na sua unidade, o acto do Parla-mento, o problema que ele coloca no nem um problemade hierarquia de normas (de relao entre lei e regulamento)nem um problema de distino substancial das funes do

    Estado (de limites da funo legislativa face a uma eventualreserva da funo administrativa). No esto em causarelaes entre normas ou entre funes. Esto em causaas relaes entre dois diferentes poderes do Estado, cadaum deles dotado de estatuto constitucional prprio. certoque a perguntaformalque a este propsito se formula a de saberse a lei pode tudo e se tudo pode ser lei. Masa perguntasubstancialque por detrs da questo formalse esconde a de saber quanto, em relao ao Governo,

    pode o Parlamento.Penso que para responder a esta questo no basta con-

    siderar que o Governo (por definio constitucional)o rgo superior da Administrao Pblica. Ou que lhecompete, enquanto tal, fazer os regulamentos necessrios boa execuo das leis e praticar todos os actos exigidos

    pela lei respeitantes aos funcionrios e agentes do Estadoe de outras pessoas colectivas pblicas. Como no est emcausa um problema atinente ao recorte material da funoadministrativa (que, como o Tribunal sempre tem dito, di-ficilmente se retirar da Constituio) mas um conflito decompetncias entre dois poderes do Estado, para se saberse o poder parlamentar invadiu ou no o campo prpriodo podergovernativo preciso que este ltimo seja visto

    precisamente como aquilo que como um poder que,para alm de administrar,governa. Ou como diz a Cons-tituio: como poder exercido pelo rgo de conduo da

    poltica geral do Pas.

    3 Entendeu a maioria do Tribunal que poderia sus-tentar, neste caso, a pronncia de inconstitucionalidade(por violao do princpio da separao dos poderes) nasimples caracterizao do Governo enquanto rgo supe-rior da Administrao Pblica, em geral, e enquanto rgodotado das competncias administrativas especiais que aConstituio, no artigo 199., alneas c) e e),lhe atribui.

    Dissenti desta fundamentao porque a entendi insu-ficiente.

    A Assembleia, por lei, decidiu vanificar uma polticaque o Governo prosseguira (atravs de um procedimentocomplexo que, como j disse, no incluiu apenas actosnormativos) sem nada colocar em seu lugar. E ordenou-lhe

    que adoptasse uma outra. Entendo que a deciso parlamen-tar violou o princpio da separao dos poderes nessasua dimenso positiva a que alude o acrdo, e que in-clui ainda a co-responsabilidade dos diferentes poderesdo Estadono cumprimento de tarefas constitucionalmentedefinidas porque invadiu o ncleo essencial do poder doExecutivo enquantopoder governativo, tornando-o nessa

    sua dimenso incapaz de responder por uma poltica que(no) escolheu. E entendo, ainda, que, ao considerar o es-tatuto constitucional do executivo apenas na sua dimensode rgo superior da Administrao Pblica, o acrdoacaba por fundir numa mesma argumentao duas questesdistintas, a que a Constituio respondeu de diferente forma:uma relativa aos limites da actuao do Parlamento face

    ao Governo em contexto de separao de poderes, a outrarelativa aos limites da lei face Administrao, mormenteao seu poder regulamentar, em contexto de distino subs-tancial das funes do Estado. No era a segunda questoque agora estava em causa. Maria Lcia Amaral.

    Declarao de voto

    Acompanhei a deciso do presente acrdo, bem como,no geral, a sua fundamentao: as normas constantes dosartigos 1. e 3. do Decreto n. 84/XI, da Assembleia daRepblica, so inconstitucionais por violao do princpioda separao e interdependncia dos rgos de soberania,e, quanto s restantes normas, a sua inconstitucionalidade consequencial. No entanto, entendo dever precisar algunspontos em que me afastei da respectiva fundamentao.

    Considero, assim como a maioria que fez vencimento,que no resulta da Constituio uma reserva de competn-cia regulamentar a favor do Governo e que no possvelextrair do texto constitucional uma predelimitao de umcampo que de modo exclusivo lhe esteja reservado (reservade administrao). A Constituio tambm no reserva aoGoverno a exclusiva definio das opes em matria de

    polticas pblicas. Tal no exclui que se deva considerarque a lei fundamental impe o respeito por um espao m-nimo e essencial de atribuies e responsabilidade prprio

    do Governo (alis, a deciso a que se chega neste acr-do disso testemunho), que se procurar na delimitaoconstitucionalmente consagrada para a actividade deste edos restantes rgos.

    Esse ncleo essencial pode extrair-se da configuraoconstitucional das atribuies do Governo (no que aquimais nos interessa, no confronto com as do Parlamento),necessariamente encarada luz da separao e interdepen-dncia de rgos de soberania. Resulta da Constituioque o Governo um rgo com legitimidade democrtica,politicamente responsvel perante o Parlamento, que ofiscaliza (exigindo-se, assim, um mnimo de responsa-

    bilidade prpria de actuao). A Constituio incumbe oGoverno da conduo da poltica geral do Pas, sendo esteo rgo superior da Administrao Pblica (artigos 182. e200. da CRP), que submete um programa ao Parlamento(artigo 192. da CRP), competindo-lhe o exerccio da fun-o administrativa em matria de direco dos servios

    pblicos e da actividade da administrao directa do Estado[artigo 199., alnea e), da CRP], assim como a prtica detodos os actos exigidos pela lei respeitantes aos funcion-rios e agentes do Estado [artigo 199., alnea d), da CRP],e a feitura dos regulamentos necessrios boa execuodas leis [artigo 199., alnea c), da CRP], sendo o Governoo nico rgo com competncia regulamentar genrica.

    Ora, ponderadas as caractersticas fundamentais, noexcluo liminarmente que, mesmo em circunstncias dife-

    rentes das que se analisam relativamente s normas quevm impugnadas, seja ainda possvel encontrar situaesde que forosamente se conclua no haver sido respeitadoo espao nuclear mnimo de responsabilidade do Governoconstitucionalmente exigido.

    No afasto, por isso, no que mais particularmente aoGoverno respeita, que da separao e interdependncia dosrgos de soberania decorra a identificao de situaes emque o desenvolvimento de aspectos da poltica geral do Pasdeva continuar entregue ao Governo democraticamentelegitimado, no lhe devendo ser amputado.

    Tal no significa que se defenda a existncia de limitesmateriais competncia legislativa da Assembleia da Re-

    pblica ou se ponha em causa que a este rgo seja con-

    ferida a possibilidade de, por lei, v. g., identificar polticaspblicas pr-ocupando um espao, regulamentando-o, at.No se pretende afirmar a subtraco de matrias ao poderlegislativo do Parlamento ou diminuira priori a sua com-

    petncia de definio da poltica do Pas. O que entendo

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    Dirio da Repblica, 1. srie N. 94 16 de Maio de 2011 2761

    que o Parlamento no pode tudo, em todas e quaisquercircunstncias. O que, no fundo e a meu ver, a deciso do

    presente acrdo confirma, ao ser disso mesmo exemplo.Ou seja, no deve afirmar-se peremptoriamente que porlei tudo se pode.

    Vejamos.

    Neste acrdo o Tribunal pronunciou-se pela inconstitu-cionalidade da norma do artigo 3. por considerar que noespao no ocupado por acto legislativo cabe ao Governodeterminar qual o contedo do acto regulamentar exigido

    para a boa execuo da lei e que um acto legislativo doParlamento que, mantendo intocados os parmetros legaisem funo dos quais determinada actividade administrativah-de ser desenvolvida, se limita a revogar a regulamen-tao produzida ao abrigo dessa mesma legislao que oGoverno continua a ter de executar, priva este rgo desoberania dos instrumentos que a Constituio lhe reservapara prosseguir as tarefas que neste domnio lhe estoconstitucionalmente cometidas.

    Concordo que no espao no ocupado por lei e que oGoverno preencheu definindo legislativamente aspectosessenciais concretizadores de polticas pblicas (aqui, emmatria de sistema de ensino), que depois regulamentou,a Assembleia da Repblica no pode aprovar uma lei querevogue a regulamentao respectiva, ordene a sua modi-ficao e imponha que sejam encetadas negociaes, demodo calendarizado.

    Mas no sustentaria, sem mais, como faz o acrdo,que a Assembleia da Repblica pode sempre modificar asopes fundamentais do Governo em matria de polticas

    pblicas, tambm elas materialmente caracterizadoras daorientao da actividade estadual.Tenho, alm do mais,

    para mim, que a situao em apreo no obrigava a que se

    esgrimisse este argumento, facto que pesou decisivamentepara que no acompanhasse a fundamentao do acrdona sua totalidade.

    Mantenho dvidas que se deva afirmar que sempre, eem qualquer circunstncia e, reforo, nem creio quefosse exigvel ir to longe, encontrada que estava a funda-mentao , a Assembleia da Repblica poder legislarcontra um programa do Governo, e, ainda que atravs delei, contrariar sempre quaisquer opes j tomadas de modofirmado, opes nucleares e estruturantes orientao daactividade daquele rgo, e que se encontram em plenaexecuo (o que se tem demonstrado acontecer algumasvezes com governos minoritrios, em situao de maio-

    rias negativas do Parlamento). Defendo que no se devefechar a porta a uma discusso (quando, e se, tal questode constitucionalidade for levantada) que verse sobre omodo e o momento da modificao das opes do Governo,

    potenciadas por uma maioria negativa, sobretudo quandoesta interveno possa ser encarada como uma sbita,no estruturada, e forte inflexo num caminho pensado,

    programado, negociado, percorrido e estabilizado.Creio dever ser possvel deixar o caminho aberto

    possibilidade de se ponderar ponderao que aqui noera j exigvel se em casos excepcionais um certo modoe momento escolhido para algumas solues normativastraduz ou no umasubalternizao, numa menorizao doGoverno, naquilo que deveria tambm ser a sua afirmao,

    conduo e execuo de opes em matria de polticaspblicas, e que possa ser entendida como uma violaoda separao e interdependncia de rgos de soberania,ao ser subtrado ao Governo o exerccio de funes queno podem deixar de configurar um seu espao mnimo e

    essencial na ordenao constitucional de funes. Era umadiscusso que no cabia aqui, por no se revelar necessria deciso, mas que no pode ser afastada e muito menosliminarmente decidida. Foi o que se fez ao afirmar-se noacrdo que a Assembleia da Repblica pode sempre, porlei, contrariar o Programa e opes polticas do Governo

    sem mais se discutir.Foram estas, em suma, as razes pelas quais dissenti,pontualmente, da fundamentao. Catarina Sarmentoe Castro.

    Declarao de voto

    Encontra-se colocada, em primeiro lugar, a questoque tem o seu ncleo fundamental na revogao operada

    pela Assembleia da Repblica do Decreto Regulamentarn. 2/2010, efectivada pelo artigo 3. do Decreto n. 84/XI,sem que tenha procedido revogao da norma habilitante(artigo 40., n. 4, do Estatuto da Carreira dos Educadoresde Infncia e dos Professores dos Ensinos Bsico e Se-

    cundrio), na redaco que lhe foi dada pelo Decreto-Lein. 270/2009, de 30 de Setembro.A matria em questo , nos termos de norma legal, de

    competncia regulamentar. O que o requerente questionano nem a possibilidade, em geral, de uma lei poder re-vogar um regulamento nem a existncia de uma eventualreserva de regulamento. O que se questiona o facto de oParlamento ter revogado a regulamentao administrativa,deixando intocada a respectiva habilitao legal. Isto ,a Assembleia da Repblica continuou a relegar para oGoverno, no mbito da sua competncia administrativa, atarefa de proceder regulamentao do regime em apreo,revogando, no entanto, a regulamentao que este, actuan-do nas fronteiras de tal espao, havia determinado.

    A situao assim colocada foi expressamente hipoteti-zada no Acrdo n. 24/98 (publicado no Dirio da Re-pblica, 2. srie, de 19 de Fevereiro de 1998), em termosque vm expressamente transcritos no pedido (v. artigo 14.do mesmo), e que, com proveito, releva que se explicite arespectiva fundamentao:

    [...] Em processo de fiscalizao preventiva recentee a propsito de uma lei parlamentar que visara criarvagas adicionais no acesso ao ensino superior pblico,

    j atrs aludida, teve ocasio o Tribunal Constitucionalde afrontar o mbito do princpio da separao e inter-dependncia de poderes e debater a questo de saber se

    poderia aceitar-se a existncia de uma verdadeira reserva

    constitucional de administrao (o Acrdo n. 1/97,publicado noDirio da Repblica, 1. srie-A, n. 54,de 5 de Maro de 1997). Entretanto, depois da data deassinatura desse acrdo ocorreu um aditamento aotexto constitucional que pertinente matria e queimporta destacar.

    Na verdade, a Lei Constitucional n. 1/97, de 20 deSetembro, veio acrescentar, no enunciado das basesem que assenta a Repblica Portuguesa, enquanto Es-tado de direito democrtico, constante do artigo 2. daConstituio, a referncia separao e interdepen-dncia de poderes. Assim, este princpio, que apareciaapenas formulado a propsito da organizao do poderpoltico (artigo 114., n. 1, a que corresponde o ar-tigo 111., n. 1, da actual verso), como que adquiriuagora um reforado reconhecimento ao ser explicitadoinequvoca e claramente, na sua dupla vertente, comoum dos essentialia do Estado de direito democrtico.Tal foi, de resto, de um ponto de vista histrico, o sen-

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    tido do aditamento em anlise, aprovado, como foi,a partir de uma proposta do PSD de explicitao noartigo 2. da lei fundamental do princpio da divisoe equilbrio de poderes (cf. Uma Constituio Mo-derna para Portugal, texto anotado por Lus MarquesGuedes, 1997, pp. 73-74; Constituio da Repblica

    Portuguesa, 4. reviso, Setembro de 1997, prefcio eanotao por Jorge Laco, Lisboa, 1997, p. 97; v., paraa compreenso da explicitao, Pedro Carlos Bacelarde Vasconcelos, Teoria Geral do Controlo Jurdico do

    Poder Pblico, Edies Cosmos, Lisboa, 1996, p. 142).Sendo agora, pois, ainda mais incontroverso se tivessesentido diz-lo assim que o princpio da diviso dos

    poderes, na sua dupla e clssica vertente da separaoe da interdependncia dos poderes, um princpio b-sico estrutural do Estado, cabe perguntar se ocorre a suadenunciada violao. 22.No Acrdo n. 1/97, o TribunalConstitucional considerou que o decreto da Assembleiada Repblica em apreciao no era inconstitucional porviolao do princpio de separao de poderes nem vio-lava uma alegada reserva geral de administrao decor-rente, segundo certas orientaes, do artigo 114., n. 1,da verso ento em vigor da Constituio. Afirmou entoo Tribunal que no decorria seguramente desse preceitoconstitucional, em conjugao com o artigo 2. da mesmaverso, tal reserva geral de administrao, pois que: [a]

    separao e interdependncia dos rgos de soberaniaa previstos exprime um esquema relacional de compe-tncias, funes, tarefas e responsabilidades dos rgosdo Estado, destinado a assegurar, simultaneamente, areferida medida jurdica do poder e um princpio de res-

    ponsabilidade dos rgos de soberania [...]. [Ponto II-B),8.] E, mais frente, afirmou-se que: ... de modo deci-

    sivo, mesmo sendo constitucionalmente atribudo aoGoverno o ncleo essencial da funo administrativa,enquanto rgo superior da Administrao Pblica ecom competncia correspondente ao ncleo essencialde funo administrativa (artigos 185. e 202.), issono significa que matria susceptvel de ser objectode actividade administrativa, como a regulamentaode leis, no possa, igualmente, ser objecto de lei da Assembleia da Repblica (ibidem). Neste acrdofez-se referncia a uma anterior deciso do Tribunal(Acrdo n. 461/87, publicado inAcrdos..., 10. vol.,pp. 181 e segs.), em que se afirmara que o legislador,mormente o parlamentar, dispunha de uma omnmoda

    faculdade constitucionalmente reconhecida deprogramar, planificar e racionalizar a actividade admi-nistrativa, pr-conformando-a no seu desenvolvimento,e definindo o espao que ficar liberdade de critrio e autonomia dos respectivos rgos e agentes, ou antes

    pr-ocupando-o (preferncia de lei). E pode ainda ler-seno Acrdo n. 1/97: Porm, mesmo que se reconheaque sempre ser inerente ao princpio do Estado de di-reito democrtico a reserva de um ncleo essencial daAdministrao ou do Executivo como condio dalimitao do exerccio dos poderes pelos rgos de so-berania e da prpria necessidade de responsabilizaodo Governo , ainda assim a coliso com tal ncleohaveria de implicar uma pura substituio funcional do

    Executivo, no preciso espao da sua actividade normal,pelo Parlamento, sem qualquer justificao especial(cf., sobre a referida doutrina do ncleo essencial, Pa-receres n.os 16/79 e 26/79, em Pareceres da ComissoConstitucional, 8. vol., pp. 205 e segs., e 9. vol., pp. 131

    e segs., respectivamente) cf. ainda sobre o tema asdeclaraes de voto juntas ao acrdo. Daqui decorreque, mesmo havendo sempre que considerar constitu-cionalmente um espao prprio e tpico de actuao doGoverno, como rgo superior da Administrao P-blica (artigo 182., e cf. artigo 199.), tal no significa

    que o legislador parlamentar no possa pr-ocupar esseespao no uso dos seus amplos poderes de conformao aludidos no citado Acrdo n. 461/87. Ponto que secontenha no limite funcional que representa a proibiode uma pura substituio funcional do Executivo, no

    preciso espao da sua actividade normal (nas palavrasdo Acrdo n. 1/97).

    Na situao em apreo, de harmonia com a formulaoque vem explicitada no pedido, o que se considera violado o respeito devido pelo legislador margem prpria deinterveno administrativa. Considera-se igualmente que aactuao do Parlamento em anlise culmina na existnciade um quadro difuso de exerccio de poderes, permitindo-seao legislador intervir na funo administrativa, revogandoregulamentao e determinando a aplicao intercalar deum regime de idntica natureza.

    Importa comear por assinalar que existe violao doprincpio da separao e interdependncia de poderes quandoum dos rgos/poderes invade as reas que a Constituioexpressa e absolutamente reserva a outro poder ou quandoum dos poderes invade, sistematicamente, as fronteiras deoutro. Como se referiu no Acrdo n. 1/97 (publicado no

    Dirio da Repblica, 1. srie-A, de 5 de Maro de 1997),[...] no ser uma espordica e excepcional limitao doespao de manobra do Governo, sem qualquer deliberadae reiterada substituio funcional pela Assembleia da Re-

    pblica, que poder violar o artigo 185. da Constituio.Encontrando-se o Governo sujeito fiscalizao pol-tica da sua actividade por parte da Assembleia, no mbitodesta actividade de fiscalizao, expressamente previstano artigo 162., alnea a), segunda parte, encontra-se, se-guramente, a possibilidade de o Parlamento revogar aregulamentao administrativa de determinada lei, maximequando esse espao de actuao remetido pelo prpriolegislador ao Governo. Com efeito, a prpria Constituioque configura um denominado quadro difuso de exercciode poderes: o que existe separao e interdependnciae no uma absoluta diviso de poderes.

    As formulaes clssicas da separao de poderes (Mon-

    tesquieu/Locke), tpicas da concepo liberal, no encontrameco, nos seus termos puristas, nas hodiernas Constituies.Deste modo, o que encontramos uma frmula normativaque distribui os vrios poderes por diferentes rgos. Comorefere Reis Novais, [...] verifica-se uma progressiva diluiode fronteiras entre as reas do legislativo e do executivo.(Os Princpios Constitucionais Estruturantes da Repblica

    Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, p. 34).Como sustenta Nuno Piarra, no Estado de direito

    contemporneo, o princpio da separao de poderes apenaspode ser entendido numa acepo orgnico-funcional ounormativa. Apenas pode referir-se a funes estaduais eno, directamente, a foras ou potncias poltico-sociais,como em Montesquieu (cf.A Separao de Poderes comoDoutrina e Princpio Constitucional, Coimbra Editora,1989, p. 245). Com efeito, continua o mesmo autor, ganhaprogressiva importncia na actualidade o entendimentodo princpio da separao dos poderes como princpio deorganizao ptima das funes estaduais, cujo contributo

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    tem sido significativo para a determinao do seu valornormativo. Ela vai no sentido de precisar a capacidadedo princpio para fornecer critrios de soluo quanto exacta delimitao de competncias entre os rgos cons-titucionais, sobretudo em casos to problemticos comoo direito judicial, o controlo jurisdicional da discricio-

    nariedade administrativa e dos vrios tipos da chamadadiscricionariedade imprpria, a inconstitucionalidade poromisso [...]. Recorre-se, para este efeito, aos conceitos deestrutura orgnica funcionalmente adequada, de legitima-o para a deciso e de responsabilidade para a deciso.(ob. cit., p. 262).

    Se a Assembleia se apresenta,prima facie, como rgolegislativo, ela no o em exclusivo: nem detm, por umlado, o monoplio do poder de legislar nem as suas fun-es se restringem criao normativa, cabendo-lhe, nostermos da Constituio, nomeadamente, a fiscalizao emgeral da actividade do Governo que se encontra sujeito aocontrolo poltico por parte daquele rgo. Este controlo

    poltico, que assume a sua mxima expresso na possibi-lidade extrema de o Parlamento poder aprovar moes decensura ao Governo, comporta possibilidades como a quese apresenta nos autos.

    Situaes destas so o resultado da arquitectura consti-tucional do sistema de governo portugus, podendo ocorrerem caso de governos que encontram um suporte minoritriono parlamento. Retomando o j citado Acrdo n. 1/97,[o] papel do Governo como rgo de conduo da polticae rgo superior da Administrao Pblica postula actuaeslegalmente fundamentadas e o exerccio de uma discricio-nariedade dentro do espao legalmente consentido o queter de depender dos necessrios apoios parlamentares e node qualquer reserva de executivo.

    Efectivamente, a nica verdadeira reserva de execu-tivo a que se consigna no artigo 198., n. 2, da CRP.

    Para que no saia afectado o princpio da separao depoderes necessrio aferir da no afectao do ncleoessencialdo princpio que constitucionalmente protegido.A disperso de poderes por vrios rgos no comporta aabsoluta confuso dos mesmos, salvaguardada a reservade jurisdio. Com efeito, no se pode negar que existir,ainda assim, uma rea limite, em que cada poder no pode,sem violao do princpio fundamental, interferir na actua-o de outro. Como salienta Gomes Canotilho, o princpioda separao exige, a ttulo principal, a correspondnciaentre rgo e funo e s admite excepes quando no

    for sacrificado o seu ncleo essencial. (cf.Direito Cons-titucional e Teoria da Constituio, 7. ed., Almedina,Coimbra, 2003, p. 559). O problema reside, no entanto,como assinala o mesmo autor, na determinao de qualseja o ncleo essencial de uma determinada funo. Umavez apuradas tais fronteiras, pode-se ento aferir se, emcada caso concreto, as mesmas foram ou no ultrapassadas.Parece seguro, no entanto, afirmar que, respeitado o ncleoessencial, os diferentes rgos podem desempenhar com-

    petncias e funes que no se reconduzam quelas que, deforma principal, a Constituio lhes reserva (cf. GomesCanotilho e Vital Moreira, Constituio da Repblica Por-tuguesa Anotada Volume II, 4. ed. revista, Coimbra,Coimbra Editora, 2010, p. 47).

    No cumpre agora ao Tribunal a delimitao exaustivadesse campo inviolvel de actuao do Executivo. O queinteressa, para a resposta ao pedido que vem formulado, apurar se a Assembleia usurpou, ou no, pelo decreto emapreciao, funes que se enquadrem no ncleo essencial

    da funo governativa. Ou, noutra formulao, retomandoGomes Canotilho, verificar se no foram violados os li-mites constitucionais de natureza funcional liberdade eextenso de conformao do legislador (cf. a anotaodo autor ao Acrdo n. 1/97, publicada na Revista de

    Legislao e Jurisprudncia, ano 130., n.os 3875 e 3876,

    p. 81).V. o j longnquo parecer n. 16/79, da Comisso Cons-titucional (in Pareceres da Comisso Constitucional,vol. VIII, pp. 222 e seg.), em que o conselheiro Lus Nunesde Almeida aps um voto de vencido, convocvel para otema que nos ocupa. Disse ento o ilustre conselheiro, aodistinguir decises polticas de actos administrativos, oseguinte:

    Na realidade, nas democracias de hoje, a separaode poderes , mais do que nunca, um verdadeiro mito.O que no quer dizer, obviamente, que no continue aser, isso sim, fundamental encontrar novas formas que

    permitam assegurar que o Parlamento, o Governo e ostribunais se controlem e limitem mutuamente; s que,tendo em vista a evoluo verificada, e no que respeitas relaes Parlamento-Governo, tal ter de se traduzirnecessariamente no reforo da capacidade de actuaodo primeiro sobre o segundo e no no contrrio: portodas as razes apontadas, o perigo est no esvaziamentodas competncias parlamentares e no na emergnciade regimes convencionais ou de assembleia.

    Assim, os que consideram novamente actual a pro- blemtica da separao de poderes fundam-se paratanto nos riscos de uma concentrao de funes noExecutivo, sem que o Parlamento disponha de meioseficazes de controlo. [...] Nem se diga que [...] se trata dedeciso poltica mas de acto administrativo reservado aoGoverno, tendo em conta o preceituado na alnea g) doartigo 202. da Constituio, na medida em que estamos

    perante actos ou providncias necessrias promoodo desenvolvimento econmico-social e satisfaodas necessidades colectivas. E isto porque tais actose providncias s tero natureza meramente adminis-trativa quando, pela sua relevncia e considerado ocontexto poltico-social, no assumem uma evidentenatureza poltica; e nesta ltima hiptese se enquadramas desintervenes, como desde logo inculca o factode a definio dos seus meios e formas ser reservada Assembleia da Repblica.

    Como decises polticas que so, as medidas de de-sinterveno podem e devem ser fiscalizadas pelo Parla-mento; fiscalizao ou controlo que pode assumir a formade rejeio. V. o que a este propsito diz Loewenstein:Evidentemente, de um ponto de vista tcnico, o primeiromeio para a realizao da deciso poltica a legisla-o. [...] Quando a iniciativa de uma tal deciso partedo Governo, o que constitui a regra, a aprovao peloParlamento expresso da distribuio do poder: o Par-lamento assume a responsabilidade da referida medida.Se o Parlamento rejeita ou modifica a medida, exercecontrolo poltico sobre a liderana do Governo.

    No parece, assim, que se possa considerar incons-

    titucional a imposio legal do decreto-lei como formade efectuar desintervenes, tendo em vista o dispostonos artigos 164., alnea l), 200., alnea d), e 167.,alnea q), uma vez que se no faa recurso concepoclssica do princpio da separao de poderes.

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    Na situao dos autos, e, na sequncia da distino aca-bada de ser efectivada entre decises polticas e actos admi-nistrativos, no se est, perante a edio, pelo Parlamento,de um acto administrativo. Revoga-se, sim, a actividadegovernamental mas, por um lado, trata-se de actividadeproduzida no mbito de competncia normativa (embora

    no legislativa), e, por outro, a Assembleia no substituia matria revogada por outra, de contedo diverso e porsi institudo. Ao revogar a regulamentao administrativa,o Parlamento no emitiu a regulamentao administrativada matria, limitando-se somente a repristinar, em ordema garantir a segurana jurdica e evitar o vazio jurdico,a regulamentao administrativa anteriormente em vigor.

    No resto, devolve a competncia ao Governo, exortando-oa editar nova regulamentao, o que, alis viria a ocorrer,mais tarde, atenta a recente Resoluo da Assembleia daRepublica n. 93/2011, in Dirio da Republica, 1. srie,n. 81, de 27 de Abril de 2011.

    Portanto, o que se verifica no caso sob apreciao que o Parlamento decidiu afastar o bloco regulamentaranteriormente aprovado pelo Executivo no desenvolvi-mento da habilitao legal relevante, devolvendo-lhe, noentanto, o espao para que possa, relativamente mesmamatria, aprovar nova regulamentao de contedo di-verso embora no predefinido pela Assembleia no de-creto em anlise, mas, no entanto, mais tarde, atravs datambm recente Resoluo da Assembleia da Republican. 94/2011, in Dirio da Republica, 1. srie, n. 81, de27 de Abril de 2011.

    No se constata, por conseguinte, apropriao indevida,pelo legislador, da esfera de actuao do poder administra-tivo, razo pela qual no acompanho o juzo de inconstitu-cionalidade imputado ao artigo 3. do decreto em apreo

    e, consequentemente, tambm, ao artigo 2. do mesmodiploma. Jos Borges Soeiro.

    Declarao de voto

    Divergi do julgamento de inconstitucionalidade dasnormas constantes dos artigos 2., 3. e 4., constantesdo Decreto n. 84/XI, da Assembleia da Repblica, pelasrazes que passo a expor.

    Atravs da aprovao do referido diploma, a Assembleiada Repblica visou suspender o processo de avaliao dodesempenho dos docentes dos ensinos bsico e secundriodas escolas pblicas que se encontra em aplicao, porentender que o mesmo constitua um encargo burocrtico

    para os professores e para a gesto do sistema escolar, semreflexos positivos na melhoria da prestao do serviopblico cometido s escolas pblicas. F-lo, revogandoo Decreto Regulamentar n. 2/2010, de 23 de Junho, quedisciplinava esse processo de avaliao (artigo 3.); deter-minando que o Governo iniciasse um processo de nego-ciao com as associaes sindicais tendente aprovaodo enquadramento legal e regulamentar que concretizasseum novo modelo, em ordem a produzir efeitos a partir do

    prximo ano lectivo (artigo 1.), e impondo a aplicao doregime previsto no despacho n. 4913-B/2010, de 15 deMaro, do Secretrio de Estado Adjunto e da Educao,relativo avaliao intercalar para efeitos de progressona carreira, publicado no Dirio da Repblica, 2. srie,

    de 18 de Maro de 2010, para avaliao do desempenhodurante o perodo transitrio que decorresse at aprova-o do novo modelo de avaliao (artigo 2.). Determinoua entrada em vigor destas normas no dia seguinte ao dasua publicao (artigo 4.).

    Na mesma data, a Assembleia da Repblica aprovouduas resolues (93/2011 e 94/2011), em que efectuourecomendaes ao Governo sobre a aplicao da apre-ciao intercalar da avaliao do desempenho do pessoaldocente, e consequente alterao dos mecanismos de ava-liao, e sobre os princpios a que deve obedecer o novo

    quadro legal da avaliao e da classificao do desempe-nho das escolas e dos docentes. Nesta ltima resoluo, aAssembleia da Repblica recomendou ao Governo que,at ao final do presente ano lectivo, aprovasse um novoenquadramento legal e regulamentar que concretizasseum modelo de avaliao do desempenho docente, paraentrar em vigor a partir do incio do prximo ano lectivo(n. 1), devendo para o efeito previsto no nmero anteriordesenvolver todas as diligncias no sentido de gerar omais amplo consenso possvel com os diferentes agenteseducativos (n. 2). Mais recomendou que o novo modelode avaliao se norteasse por determinados princpios queenumerou em 11 alneas (n. 3).

    A compreenso destas intervenes legislativas nopode alhear-se da conjuntura em que elas ocorreram. OGoverno tinha apresentado a sua demisso e o Presi-dente da Repblica j tinha anunciado a dissoluo daAssembleia da Repblica e a convocao de eleiesantecipadas.

    O decreto regulamentar agora revogado surgiu poropo legstica do Governo, que, ao desenvolver a Leide Bases do Sistema Educativo, no exerccio das suascompetncias legislativas [artigo 198., n. 1, alnea c),da Constituio], entendeu remeter para decreto regula-mentar a normao complementar do sistema de avaliaodo desempenho dos professores, no artigo 40., n. 4, doDecreto-Lei n. 139-A/90, de 28 de Abril, que aprovou

    o Estatuto da Carreira dos Educadores de Infncia e dosProfessores dos Ensinos Bsico e Secundrio.Em primeiro lugar, no tendo a Assembleia da Rep-

    blica atribudo expressamente competncia ao Governopara regulamentar esta matria, incompreensvel que seexija a derrogao concomitante de uma norma habilitanteinexistente para que a revogao daquele decreto regula-mentar fosse constitucionalmente conforme ao princpioda separao e interdependncia dos poderes do Estado.Tendo sido o prprio Governo quem teve a opo de re-meter para o mbito de regulamento a matria relativa ao

    processo de avaliao nele previsto, no estamos peranteuma delegao de competncia em rgo diverso mas

    apenas perante uma definio das condies formais eo espao de exerccio da competncia normativa gover-namental em causa, pelo que no tem qualquer sentidoque a Assembleia da Repblica tivesse que derrogar umadelegao de poderes que no existiu para poder intervirnaquela rea.

    No existindo, como bem refere o acrdo aprovadopela maioria, uma reserva regulamentar do Governo, esendo a matria do decreto regulamentar revogado, atentaa sua alta densidade normativa, perfeitamente susceptvelde regulao por acto legislativo parlamentar, ao abrigo dacompetncia genrica atribuda pelo artigo 161., n. 1, al-nea c), da Constituio, como j tem sucedido em lugares

    paralelos (v. a regulao do procedimento comum de ava-

    liao do desempenho dos funcionrios da AdministraoPblica nos artigos 61. a 75. da Lei n. 66-B/2007, de 28de Dezembro), facilmente se verifica que nos encontramosno amplo espao aberto interveno concorrencial doGoverno e da Assembleia da Repblica.

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    Dirio da Repblica, 1. srie N. 94 16 de Maio de 2011 2765

    Se o Governo tem competncia para fazer os regula-mentos necessrios boa execuo das leis [artigo 199.,alnea c), da Constituio], a Assembleia da Repblica tam-

    bm no est impedida de ir to longe na pormenorizaodos regimes jurdicos que no possa legislar em matria queo prprio Governo remeteu para decreto regulamentar.

    O facto de incumbir ao Governo, no mbito da suacompetncia administrativa, a direco dos servios e aactividade da administrao directa do Estado [artigo 199.,alnea d), da Constituio], no exclui do mbito de compe-tncias da Assembleia da Repblica o poder de conformarnormativamente essa actividade, nomeadamente atravsda definio das regras do processo de avaliao de partedos professores do ensino pblico, como alis fez, relati-vamente ao regime geral da avaliao dos funcionrios p-

    blicos. Uma coisa a actividade administrativa de direcodos servios pblicos outra, bem diferente, a aprovaodas regras gerais e abstractas que integram o estatuto dosfuncionrios que trabalham nesses servios.

    No espao concorrencial entre actividade legislativano reservada da Assembleia da Repblica e a actividaderegulamentadora do Governo no vigora um princpiode ocupao efectiva mas sim o princpio da hierarquiadas fontes normativas, na qual a lei prevalece sobre oregulamento, pelo que aquela no s pode pr-ocupar oespao do regulamento normativo, obrigando a Admi-nistrao sua observncia, por respeito ao princpioda legalidade, como tambm pode alterar, substituir ouderrogar a normao regulamentar anteriormente emitida

    pelo Governo. So estas as consequncias inelutveis daprevalncia da lei.

    E a revogao tout courda normao regulamentaremitida anteriormente pelo Governo, no uso das suas com-

    petncias, sem aprovao de um regime substitutivo, uma das formas possveis de a Assembleia da Repblicalegislar nesse domnio.

    Se a maioria parlamentar entende que a aplicao deuma determinada regulamentao emitida pelo Governoest a ser prejudicial aos interesses pblicos visados com alegislao regulamentada, mas no pretende, no imediato,substitu-la por um novo contedo, legislando ela prprianesse domnio, nada impede que opte pela simples revoga-o daquela regulamentao, tornando-a inoperativa.

    E para isso no necessita nem de revogar a norma dodecreto-lei que remeteu esta disciplina para diploma re-gulamentar nem de revogar os parmetros constantes do

    decreto-lei que balizam essa regulamentao. Se a As-sembleia da Repblica apenas desaprova o contedo daregulamentao, concordando com a opo legstica da suaconformao normativa em diploma regulamentar e comos parmetros estabelecidos no decreto-lei que previu essaremisso, no h qualquer justificao para que se condi-cione a admissibilidade dessa interveno revogatria, revogao da norma remissiva e alterao dos parmetroslegais que balizaram a normao regulamentar revogada.Tais normas podero continuar a subsistir, resultando umvazio regulamentar a preencher em consequncia da re-vogao da regulamentao vigente.

    E a opo por este tipo de interveno enquadra-se naconjuntura poltica em que ela ocorreu. Tendo o Governo

    j pedido a sua demisso e o Presidente da Repblicaanunciado a dissoluo da Assembleia da Repblica e amarcao de eleies, a maioria parlamentar, em desacordocom o modelo de avaliao dos professores em curso, en-tendeu que deveria suspender a sua aplicao, relegando

    para o novo governo sado das prximas eleies a tarefade aprovar nova regulamentao.

    Note-se que no se revogou um acto da competncia ex-clusiva do Governo, tendo-se antes revogado um diplomade cariz normativo cuja aprovao, alterao, substituioou revogao est no mbito da competncia quer da As-

    sembleia da Repblica quer do Governo.Uma interveno deste tipo no priva o Governo dosinstrumentos que a Constituio lhe reserva para prosseguiras tarefas que neste domnio lhe esto constitucionalmentereservadas, uma vez que mantm inclume a sua compe-tncia legislativa para desenvolver os princpios das basesgerais dos regimes jurdicos contidos em leis que a eles secircunscrevam [artigo 198., n. 1, alnea c), da Constitui-o], assim como a sua competncia administrativa parafazer os regulamentos necessrios boa execuo das leis[artigo 199., alnea c), da Constituio], podendo emitirnovo regulamento do sistema de avaliao do desempenhodos professores, complementando e pormenorizando asregras que constam do Estatuto da Carreira dos Educa-dores de Infncia e dos Professores dos Ensinos Bsicoe Secundrio, seguindo a orientao legstica definida noartigo 40., n. 4, do Decreto-Lei n. 139-A/90, de 28 deAbril, ou optando, at, por passar a inserir a respectivamatria no prprio Estatuto, atenta a sua densidade nor-mativa.

    Se certo que a possibilidade de uma intervenoda Assembleia da Repblica neste espao de compe-tncias concorrenciais que revogue, altere ou substituaanterior interveno regulamentar do Governo podeno s gerar conflitos institucionais como ser um srioembarao prossecuo das polticas definidas porum governo sem apoio parlamentar, isso no razo

    suficiente para que se limite o poder de intervenoda Assembleia da Repblica, subvertendo a repartiode competncias dos rgos de soberania, resultanteda Constituio.

    Isto no quer dizer que o pleno exerccio das compe-tncias governamentais exija necessariamente o apoioestvel de uma maioria parlamentar. Esta apenas o facilita.A um governo minoritrio exige-se uma acrescida acode dilogo e negociao permanente, com a finalidade deobter o apoio necessrio prossecuo de uma governaoeficaz.

    E no se diga que este tipo de interveno da Assembleiada Repblica, como a que ocorre com o presente decreto,

    pe em causa a responsabilizao poltica do Governona estrutura tripartida de organizao do poder polticoconstitucionalmente definida, uma vez que o Governoapenas poder ser responsabilizado pelas suas aces, nose podendo aceitar que responda quer perante outros rgosde soberania quer eleitoralmente pelas consequncias dasintervenes da Assembleia da Repblica que ocorram narea de competncia concorrencial.

    Ser, porventura, recomendvel, do ponto de vista po-ltico, que a Assembleia nesta rea utilize os seus podereslegislativos com moderao e conteno de modo a nocolocar em causa a eficincia das mltiplas tarefas doEstado. Mas esse um juzo poltico e no constitucio-nal sobre o exerccio das respectivas competncias pelos

    diferentes rgos de soberania que no cabe ao TribunalConstitucional fazer.

    Por estas razes entendi que o disposto no artigo 3. doDecreto n. 84/XI, da Assembleia da Repblica, no punhaem causa o princpio da separao e interdependncia dos

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    rgos de soberania, consagrado no n. 1 do artigo 111. daConstituio, divergindo assim da opinio da maioria.

    O requerente alegou tambm que a suspenso do pro-cesso de avaliao do desempenho dos docentes dos ensi-nos bsico e secundrio das escolas pbicas que se encontraem aplicao violava o princpio da confiana, uma vez

    que os docentes podero ter firmado as suas legtimasexpectativas de carreira em funo das regras revogadase da avaliao que delas resultaria, modulando os seuscomportamentos para o ano lectivo em curso, em funodo ali disposto.

    O Tribunal Constitucional tem dito que a afectao deexpectativas jurdicas legtimas resultantes de uma alte-rao legislativa s inadmissvel quando constitua umamutao da ordem jurdica com que, razoavelmente, osdestinatrios das normas delas constantes no possamcontar, no sendo a mesma ditada pela necessidade desalvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente

    protegidos que devam considerar-se prevalecentes.Mesmo que se admitisse, apesar de todas as vicissi-

    tudes e controvrsias que tm rodeado esse processo deavaliao, que a suspenso da sua aplicao constituiriauma surpresa para os docentes, as eventuais esperanasou at expectativas de que o mesmo seria aplicado at aoseu termo no tm relevncia jurdica e no podem pesarna delimitao da rea de liberdade de conformao dolegislador uma vez que estamos perante um procedimentoque no visa assegurar um direito dos professores a seremavaliados mas sim o bom funcionamento deste sector daAdministrao Pblica. certo que a avaliao do desem-

    penho dos professores tem influncia na sua progressona carreira, mas esse aspecto revela-se acautelado pelanorma transitria constante do artigo 2. do decreto sob

    fiscalizao.O facto de se encontrar em aplicao um determinadoprocedimento de avaliao dos professores no pode im-pedir o legislador que tenha um juzo negativo sobre omodelo em execuo de suspender essa aplicao, de modoa ponderar a introduo de alteraes ao regime vigente,com a finalidade de atingir o objectivo do bom funcio-namento do sistema educativo. Da que tambm no semostre violado pelo decreto sob fiscalizao o princpioda confiana, como emanao da ideia de Estado de direitodemocrtico.

    O requerente alegou ainda a inconstitucionalidade do ar-tigo 2. do Decreto n. 84/XI, da Assembleia da Repblica,

    por dela resultar a aplicao do contedo de um despacho,regulando a situao de um universo bem delimitado dedestinatrios, a todos os docentes, por no ter subjacenteum princpio geral, o que se traduziria numa invaso daesfera administrativa.

    Sem pr em causa que o legislador parlamentar nopode incluir em normas legislativas actos individuais econcretos reservados Administrao, neste caso ape-nas se estendeu a todos os professores um regime quehavia abrangido com caractersticas de generalidade osdocentes que, no ano de 2010, tinham perfeito o tempode servio necessrio para progredirem ao escalo se-guinte.

    Relativamente a esse universo de professores, a nor-

    mao constante do referido despacho n. 4913-B/2010,conforme resulta sem qualquer equvocos da sua leitura,era geral e abstracta, tendo sido considerada pelo legis-lador adaptvel, no mbito da apreciao intercalar, aoperodo que vai decorrer entre a revogao do Decreto

    Regulamentar n. 2/2010, de 23 de Junho, e a entrada emvigor do novo modelo de avaliao.

    Com esta opo no se transformou numa norma legisla-tiva um mero acto individual e concreto da Administraomas apenas se determinou a aplicao a uma nova situaode um regime normativo, de caractersticas gerais a abs-

    tractas, que havia sido aplicado numa situao semelhante,alargando-se apenas o mbito dos seus destinatrios, peloque, com esta opo, no se verifica qualquer invaso dareserva da administrao pela Assembleia da Repblica,no se revelando que a norma do artigo 2. do Decreton. 84/XI afronte qualquer parmetro constitucional.

    J no que respeita ao disposto no artigo 1. do decretosob fiscalizao, em que se determina que o Governo inicieum processo de negociao com as associaes sindicaistendente aprovao do enquadramento legal e regulamen-tar que concretize um novo modelo, em ordem a produzirefeitos a partir do prximo ano lectivo, concorda-se que asrelaes do Governo com a Assembleia da Repblica noso relaes de subordinao hierrquica ou de superinten-dncia mas de mera sujeio a fiscalizao e controlo, peloque no pode o Governo ser vinculado normativamentea exercer o seu poder regulamentar (ou legislativo) porinstrues ou injunes da Assembleia da Repblica.

    Note-se que no estamos perante um caso em que aAssembleia da Repblica tenha delegado competnciasno Governo, hiptese em que poder precisar o tempo e omodo de exerccio dessa delegao, mas sim perante umainterveno em rea em que o Governo tem competncia

    prpria originria.Neste campo, se a Assembleia da Repblica tem o poder

    de recomendar ao Governo que regulamente de determi-nado modo matria legislativa, atravs da aprovao de

    uma resoluo, no exerccio da sua competncia fiscaliza-dora [artigo 162., n. 1, alnea a), da Constituio], comoalis efectuou atravs da Recomendao n. 94/2011, no

    pode vincul-lo, por lei, a adoptar esse comportamento,atenta a autonomia do Governo no exerccio das suas fun-es.

    Nessa medida, o disposto no artigo 1. do Decreto n. 84/XI,viola o princpio da separao e interdependncia dos rgosde soberania, previsto no artigo 111., n. 1, da Constituio,sendo a respectiva norma inconstitucional.

    Esta inconstitucionalidade apenas afecta a norma cons-tante desse artigo 1., atenta a completa autonomia dasrestantes normas que integram o Decreto n. 84/XI rela-tivamente a ela. O presente diploma podia perfeitamentesubsistir com a mera revogao do contedo do DecretoRegulamentar n. 2/2010, e a determinao da aplicaodo regime previsto no despacho n. 4913-B/2010, de 15 deMaro, do Secretrio de Estado Adjunto e da Educao,relativo avaliao intercalar para efeitos de progresso nacarreira, para avaliao do desempenho durante o perodotransitrio que decorresse at aprovao do novo modelode avaliao, constando da Recomendao n. 94/2011 o

    pensamento da Assembleia da Repblica quanto acofutura do novo governo.

    Por estas razes entendi que deveria apenas ser proferidoum juzo de inconstitucionalidade relativamente ao conte-do da norma constante do artigo 1. do Decreto n. 84/XI,

    da Assembleia da Repblica. Joo Cura Mariano.Declarao de voto

    Dissenti do memorando apresentado pelo primitivorelator que propunha no conhecer do pedido no que toca

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    ao artigo 1. (com o fundamento de que no parece re-vestir mais que um desejo, um anseio, um apontado meiovisando um resultado. Enfim, uma recomendao) e no

    julgar inconstitucionais os artigos 2., 3. e 4. por razesque igualmente no subscrevi.

    Na verdade, votei no sentido de o Tribunal conhecer de

    todas as normas impugnadas e de julgar inconstitucionala norma do artigo 1., essencialmente pelos fundamentosque o Tribunal veio a adoptar, quanto a essa matria, no

    presente acrdo.No subscrevendo a respectiva fundamentao de-

    signadamente a que consta nos n.os10 e 11 do acrdo ,discordo da soluo que prevaleceu quanto norma doartigo 3. do diploma, norma que se limita a impor a re-vogaodo Decreto Regulamentar n. 2/2010, de 23 deJunho, e que, segundo penso,