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Acórdãos TRL Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa Processo: 486/2002.L12 Relator: ONDINA CARMO ALVES Descritores: INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE EXAMES ILICITUDE NULIDADE DEVER DE COLABORAÇÃO DAS PARTES DIREITO À INTEGRIDADE FÍSICA Nº do Documento: RL Data do Acordão: 17092009 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral: S Meio Processual: APELAÇÃO Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO Sumário: 1. Extraise do artigo 1801º do Código Civil o princípio da liberdade de prova, pelo que, no âmbito do processo de investigação da filiação é, não só admissível, como até, sempre que possível, exigível, a realização de testes de ADN, podendo o juiz, ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 265º do CPC, ordenar, oficiosamente, a realização de testes de ADN, por virtude dos amplos poderes instrutórios do julgador, o que pode ser determinado até ao encerramento da produção de prova. 2. No caso específico dos processos de investigação de filiação, a colaboração exigível impõe que a parte – o pretenso pai – ou terceiros que apresentem com aquele uma afinidade genética, nomeadamente os pretensos avós do investigante, realizem os testes de ADN. 3. A restrição dos direitos dos visados, quer à liberdade, quer à integridade física, decorrente da realização de um teste de ADN, sempre se terá de considerar proporcionada e adequada ao fim que com a restrição desses direitos se visa obter, ou seja, um resultado judicial na acção de investigação de paternidade mais compatível com a realidade, sabendo, como se sabe, que no actual estado do conhecimento científico, o teste de ADN é a melhor prova e a mais segura para o estabelecimento da filiação fundada numa derivação genética, logo, mais conforme ao interesse superior da criança, por estar em causa o direito à sua identidade pessoal. (Sumário da Relatora) Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES DA 2ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I. RELATÓRIO O MINISTÉRIO PÚBLICO, em representação do menor B...., instaurou acção de investigação da paternidade contra C...., entretanto falecido, sendo actualmente réus/habilitados, D.... e E...., através da qual pede que o menor seja reconhecido como

Acórdão Do Tribunal Da Relação de Lisboa

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processo nº 486/2002.L12

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Acórdãos TRL Acórdão do Tribunal da Relação de LisboaProcesso: 486/2002.L1­2Relator: ONDINA CARMO ALVESDescritores: INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE

EXAMESILICITUDENULIDADEDEVER DE COLABORAÇÃO DAS PARTESDIREITO À INTEGRIDADE FÍSICA

Nº do Documento: RLData do Acordão: 17­09­2009Votação: UNANIMIDADETexto Integral: SMeio Processual: APELAÇÃODecisão: CONFIRMADA A DECISÃOSumário: 1. Extrai­se do artigo 1801º do Código Civil o princípio da

liberdade de prova, pelo que, no âmbito do processo deinvestigação da filiação é, não só admissível, como até, sempreque possível, exigível, a realização de testes de ADN, podendo ojuiz, ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 265º do CPC,ordenar, oficiosamente, a realização de testes de ADN, porvirtude dos amplos poderes instrutórios do julgador, o quepode ser determinado até ao encerramento da produção deprova.2. No caso específico dos processos de investigação de filiação, acolaboração exigível impõe que a parte – o pretenso pai – outerceiros que apresentem com aquele uma afinidade genética,nomeadamente os pretensos avós do investigante, realizem ostestes de ADN.3. A restrição dos direitos dos visados, quer à liberdade, quer àintegridade física, decorrente da realização de um teste deADN, sempre se terá de considerar proporcionada e adequadaao fim que com a restrição desses direitos se visa obter, ou seja,um resultado judicial na acção de investigação de paternidademais compatível com a realidade, sabendo, como se sabe, queno actual estado do conhecimento científico, o teste de ADN é amelhor prova e a mais segura para o estabelecimento dafiliação fundada numa derivação genética, logo, mais conformeao interesse superior da criança, por estar em causa o direito àsua identidade pessoal.(Sumário da Relatora)

Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES DA 2ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DARELAÇÃO DE LISBOA

I. RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO, em representação do menor B....,instaurou acção de investigação da paternidade contra C....,entretanto falecido, sendo actualmente réus/habilitados, D.... eE...., através da qual pede que o menor seja reconhecido como

filho de C.....Alegou, para tanto, o MºPº, que B.... nasceu no dia 11 deDezembro de 1997 e foi registado apenas como filho de F..... O seunascimento ocorreu no termo normal da gravidez que sobreveio asua mãe, em consequência das relações sexuais que teve com C....,sendo que a mãe do menor e C.... iniciaram namoro em meados doano de 1994 e em Julho começaram a ter relações sexuais decópula completa, relações essas que se repetiram até Abril de 1997,altura em que a mãe do menor teve conhecimento da gravidez.Mais invoca que a mãe do menor não teve relações sexuais comoutro homem que não C...., designadamente, nos primeiros 120dias dos 300 que precederam o nascimento do menor.Imediatamente após a citação, o réu veio a falecer e asrés/habilitadas apresentaram, em momento ulterior, contestação, naqual impugnaram os factos alegados na petição inicial.Foi proferido o despacho saneador, fixados os Factos Assentes eorganizada a Base Instrutória. Face ao falecimento de C...., foramnotificados os pais do falecido para comparecerem no INML a fimde serem levados a efeito os adequados exames hematológicos. E,por estes não terem comparecido na data designada, nemjustificado as respectivas faltas, foi ordenada a comparência dosmesmos no aludido Instituto sob custódia, e nessa situação foramrealizados os exames. Levada a efeito a audiência de discussão ejulgamento, o Tribunal a quo proferiu decisão, julgando a acçãoprocedente, por provada e, em consequência, declarou C.... paibiológico de B..., nascido a 11 de Dezembro de 1997,determinando a transcrição da filiação estabelecida e respectivaavoenga na Conservatória do Registo Civil competente.Inconformadas com o assim decidido, as rés/habilitadasinterpuseram recurso de apelação, relativamente à sentençaprolatada.São as seguintes as CONCLUSÕES das recorrentes:i) A prova testemunhal deve ser posterior à produção da provapericial.ii) Há questões que deviam ter sido esclarecidas, como se osexaminados têm mais filhos para além do investigado.iii) e se este é filho biológico dos examinados, e não foramesclarecidas tais questões.iv) Os depoimentos das testemunhas G.... (acta de 27/01/2006,cassete lado A voltas 000 a 968), H.... (acta e cassete referidas,volta 969 a 2021), I... (acta e cassete referida lado A, volta 2022 a1123 lado B) e J.... (acta de 22/02/2006, lado A voltas 000­163)não consentem ou fundamentam as respostas dadas aos quesitos 2.3. 4 e 5. que deviam ser "não provado".v) A presunção do art° 1871º n° 1 al. e) não deve ser aplicada àhipótese presente.

vi) ora porque se não provam relações sexuais.vii) ora porque as recorrentes desconhecem completamente afactualidade dos autos. viii) Ora porque a situação relacional entre a recorrente D... eC.... (primitivo R) plasmada nas respostas aos quesitos 6 a 10acarreta a existência de dúvida séria sobre a paternidade do C....(art° 187. n° 2 do CC)ix) O exame ordenado pressupõe uma caracterização suficientedos fenótipos da mãe, do filho e do eventual pai, o que nãoacontece:x) Não há estudos realizados nos Açores no sentido de elaborar orespectivo mapa genético.xi) As conclusões do relatório não são aplicáveis ao investigadono sentido de definir que o mesmo é o pai do menor.xii) O exame não é conclusivo e é inútil.xiii) A submissão dos examinados a exame, sob detenção é ilegal:xiv) Não são os interessados directos.xv) Não são herdeiros.xvi) Ofende os princípios constitucionais dos art°s 25 e 26 daConstituição da Republica Portuguesa, violando a privacidade dosmesmos.xvii) Por ilegal, a prova é ilícita e não pode ser considerada.xviii) Face às conclusões anteriores as respostas a dar aosquesitos 2, 3 4 e 5 deviam ser de “não provado”.xix) Não está provado que o primitivo réu seja o pai do menor.xx) Foram violados entre outros os art°s 1871º e demais aplicáveisdo C.C., 25º e 26º da C.R.P., 561º e demais aplicáveis do C.P.C..

Terminam os apelantes pedindo a alteração das respostas aosquesitos 2º, 3º, 4º e 5º para "não provado" e absolvendo­se as résdo pedido, revogando­se a sentença recorrida.Respondeu o MºPº, defendendo a manutenção do decidido eformulando as seguintes CONCLUSÕES:

i) A lei não impõe qualquer ordem na produção de prova, peloque, nada obsta a que a prova testemunhal se produza emmomento anterior ao da prova pericial.ii) As testemunhas G...., H...., I...., J...., depuseram de forma clara,precisa, consistente, coerente e sobretudo credível, têmconhecimento de que F... e C... namoravam pois, para além destalhes ter dito, as testemunhas eram amigas de longa data daprogenitora, frequentavam a sua casa, conviveram com ambos,tendo percepcionado que estes se relacionavam como namorados,pois trocavam afectos, nesse período houve um afastamento daprogenitora em relação aos seus amigos para ficar com o pretensopai e constatavam que por vezes este pernoitava em casa desta.iii) Quanto ao momento da concepção do B.... não é exigível que

as testemunhas tenham esse conhecimento directo, de estranharseria se o tivessem.iv) As testemunhas atribuem a paternidade do B... ao C...r pois eracom este que a progenitora namorava nos meses anteriores àconcepção até, pelo menos, nos primeiros meses de gestação e nãoera conhecido outro namorado à progenitora.v) As respostas dadas aos quesitos 2 a 5 não merecem qualqueralteração.vi) A prova pericial produzida não é ilícita, mesmo tendo sidorealizada contra a vontade de K... e L...., pretensos avós paternos.vii) A condução sob custódia ao exame hematológico para efeitosde investigação da paternidade é legalmente admissível, mesmoquando se trata dos pretensos avós, pais do pretenso progenitor,uma vez que determinada na sequência de decisão do Mmo. Juiz aquo, exaustivamente fundamentada, na sequência da falta decomparência destes na primeira data designada.viii) Nos termos do disposto no art. 1801º do Código Civil, nasacções relativas à filiação são admitidos como meios de prova osexames de sangue e quaisquer outros meios cientificamentecomprovados.ix) Nas acções de investigação da paternidade a par do interessedo filho em conhecer as suas origens familiares existe ainda ointeresse geral de ordem pública do Estado de que a todo o menorseja dado e conhecido o pai e a mãe biológica.x) Este interesse particular do próprio filho a par do interessepúblico do Estado deve sobrepor­se a outros valores éticos epessoais de relevo inferior, nomeadamente, ao direito à nãoviolação da integridade física ou moral do investigando.xi) As restrições só são admissíveis e legitimas desde que tenhamem vista a realização de um fim legítimo e legal (principio daadequação), que não seja possível obter o resultado pretendidoatravés de recurso a outros procedimentos (principio danecessidade) e que as restrições não sejam excessivas quandocomparadas que o fim que se visa alcançar (princípio daproporcionalidade), o que se verifica na situação sub judice.xii) O reconhecimento da paternidade é um verdadeiro direitofundamental constitucionalmente consagrado (art. 68º, nº 2 daConstituição da República Portuguesa), que enquanto coroláriodo direito à paternidade enquanto valor social, se fundamenta edecorre do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 10ºC.R.P.) e do direito à integridade moral (art. 25º, nº 1 da leifundamental).xiii) O direito fundamental ao reconhecimento da paternidadeencontra­se no caso sub judice em colisão com o direito àintegridade moral e física e o direito à reserva da vida privada efamiliar (respectivamente, art. 25º e art. 26º da Constituição da

República Portuguesa), que a colheita de sangue necessária paraa realização de exames de ADN é susceptível de violar, no entanto,estes direitos não se podem considerar superiores ao direito que ofilho tem à sua identidade pessoal (art. 26º, da C.R.P. ).xiv) Nos termos do disposto no art. 6º da Lei nº 45/2004, de 19 deAgosto –“ninguém pode eximir­se a ser submetido a qualquerexame médico­legal quando este se mostrar necessário aoinquérito ou à instrução de qualquer processo e desde queordenado pela autoridade judiciária competente, nos termos dalei".xv) O art. 519º do Código de Processo Civil impõe a cada cidadãoum verdadeiro dever de cooperação com os Tribunais para adescoberta da verdade, quer sejam, quer não sejam, partes noprocesso. Tal dever cessa apenas nas situações elencadas no nº 3do art. 519º do Código de Processo Civil.xvi) As recorrentes não invocaram quaisquer motivos atendíveis eponderosos susceptíveis de justificar a recusa de sujeição aoexame, nem mesmo qualquer justificação foi apresentada aquandoda determinação de realização do exame, de modo a poder­seconcluir pela violação dos mencionados direitos fundamentais dospretensos avós paternos.xvii) Os exames de ADN são fiáveis e insuspeitos, fornecendo umaelevada certeza sobre o elemento essencial na determinação dapaternidade.xviii) O resultado obtido no exame pericial realizado significa quecom um grau de probabilidade de 99.998%, a que correspondeuma probabilidade de paternidade praticamente provada, osinvestigados são capazes de gerar um filho com o perfil genéticocorrespondente ao do B.....xix) Não resultando provado que outro filho do casal tenha estadonos Açores e que se tenha relacionado de forma intima com aprogenitora, bem como que C.... não seja filho biológico destecasal, não restam dúvidas de que o pai do menor B.... é C...., filhode K... e de L..., pois foi este que viveu nos Açores e que mantevedurante o período da concepção um relacionamento intimo com aprogenitora, sendo tido pelas testemunhas, amigos próximos docasal, como namorado desta.xx) Do depoimento das testemunhas referidas em A.) resultaverificada a presunção de que C.... é o pai de B..., não tendo sidoproduzida prova no sentido de afastar esta presunção pondo emcausa os depoimentos prestados ou a exclusividade das relaçõessexuais.xxi) Peio exposto, entendemos não assistir razão as recorrentesuma vez que a prova produzida é válida e foi correctamenteapreciada, além de que, não foram violadas quaisquer disposiçõeslegais, pelo que, deve ser mantida a decisão recorrida.

xxii) Nestes termos e nos melhores de Direito deverá ser negadoprovimento ao recurso, assim se fazendo a costumada e necessáriaJustiça.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.***II. ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃOImporta ter em consideração que, de acordo com o disposto nosartigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Código de Processo Civil, é pelasconclusões da alegação das recorrentes que se define o objecto e sedelimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que otribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenasestando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadasque sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.Assim, e face ao teor das conclusões formuladas, a solução aalcançar pressupõe a análise das seguintes questões aí formuladas,apreciando as mesmas de acordo com a sua precedência lógica, ouseja,

i) O VALOR E A VALIDADE DA PROVA PERICIAL E OSEU MOMENTO PRÓPRIO NA PRODUÇÃO DE PROVA –A PROVA ILÍCITA;ii) DA REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA;iii) DA PRESUNÇÃO DO ARTIGO 1871º, ALÍNEA E) DOCÓDIGO CIVIL***III . FUNDAMENTAÇÃOA ­ OS FACTOSForam dados como provados na sentença recorrida os seguintesfactos:1. No dia 11 de Dezembro de 1997, na freguesia da ...., concelhode ....., nasceu B...., o qual foi registado apenas como filho de F....,solteira, residente na ..... freguesia da Sé, Angra do Heroísmo.2. Entre a mãe do menor e o C.... não existem relações deparentesco ou afinidade.3. C.... e D.... casaram entre si a 18­12­1999.4. O nascimento do menor ocorreu no termo normal da gravidezque sobreveio a sua mãe, a referida F.....5. C...., em data que não foi possível apurar do ano de 1996,iniciou namoro com F.... e, em data que não foi também possívelapurar concretamente, começaram a ter relações sexuais de cópulacompleta.6. C.... e F.... tiveram relações sexuais de cópula completa em datasque não foi possível apurar concretamente, mas, pelo menos, entreo Natal de 1996 e meados de Abril de 1997.7. Enquanto manteve o relacionamento amoroso com C...., não foiconhecido a F... qualquer outro relacionamento amoroso.

8. Todos quantos conheceram C... e F..., à excepção da família deC..., atribuem a paternidade de B... a C....9. A ré D... e C..., desde data que não foi possível apurarconcretamente do ano de 1994, trabalhavam juntos nos Açores,onde se conheceram.***B ­ O DIREITOi) DA VALIDADE DA PROVA PERICIAL E O SEUMOMENTO PRÓPRIO NA PRODUÇÃO DE PROVA – APROVA ILÍCITAColocam as apelantes em causa a validade da prova pericial –exames hematológicos realizados aos pretensos avós paternos domenor B... – atenta a forçada submissão destes a exame, não sendoeles herdeiros do primitivo réu nem são parte no processo. Trata­se, no entender das apelantes de uma prova ilícita, visto que asubmissão dos examinados ao exame violou a privacidade destes,ofendendo os princípios e valores constitucionais inscritos nosartigos 25º e 26º da C.R.Portuguesa.Vejamos se assim se deverá entender.A nulidade decorrente de uma prova considerada ilícita radica naproibição de valorar um dado resultado probatório, mas tambémimplicitamente a proibição de admitir um dado meio de prova cujaforma de obtenção se traduz numa violação de direitos.Como é sabido, os interesses do investigante – neste caso o menorB.... aqui representado pelo Ministério Público – noestabelecimento da sua filiação jurídica pressupõe a determinaçãode uma derivação biológica, pelo que imprescindível se torna arealização de testes de ADN, pois só estes podem estabelecer, comrigor, essa derivação biológica. É que, a convicção formada no espírito do julgador decorrente dosresultados de um teste de ADN o qual, dada a sua fiabilidade emaior rigor científico, não tem paralelo com a convicção que ésusceptível de se formar no espírito do julgador em consequênciade qualquer outro meio de prova. Tal não significa que osresultados de um eventual teste de ADN não tenham de serconcatenados com as restantes provas produzidas no processo oucom presunções pré­existentes.No caso em análise o meio de prova em consideração – examehematológico realizado aos pretensos avós paternos do menor –foi admitido no processo e, face à falta de comparência destes noINML, foi proferido o despacho constante de fls. 134 a 141,devidamente fundamentado, aí se tendo ordenado a detenção paracomparência sob custódia dos visados no INML. Extrai­se do artigo 1801º do Código Civil o princípio da liberdadede prova, pelo que, no âmbito do processo de investigação dafiliação, sempre será, não só admissível, como até, sempre que

possível, exigível, a realização de testes de ADN.Decorre, por outro lado, do disposto no nº 3 do artigo 265º do CPCque o juiz pode, oficiosamente, ordenar a realização de testes deADN, por virtude dos amplos poderes instrutórios do julgador, oque pode ser determinado até ao encerramento da produção deprova. Daí se concluir que inexiste qualquer ordem na produção daprova pericial ou testemunhal, muito embora se admita que, emregra, aquela precede esta.Mas, a não observância desta precedência não implica que hajasido cometida qualquer irregularidade, o que leva, desde logo, aafastar a argumentação expendida pelas apelantes quando afirmamque o exame veio dar credibilidade e consistência aos depoimentosdas testemunhas da autora que manifestamente não tinham. Assim, e apesar de não ter sido invocado qualquer hipotético vício,sempre se dirá que não foi cometida qualquer irregularidade, peloque improcede o que consta dos nºs 1 a 3 das conclusões dosapelantes, tanto mais que as questões por estes aludidas nos nºs 2 e3 sempre teriam de ser provadas documentalmente e não medianteprova testemunhal.Importa, todavia, ponderar se perante a lei vigente pode o Tribunalimpor coactivamente a realização de testes de ADN no âmbito deacções de reconhecimento de filiação, como é o caso da presenteacção de investigação de paternidade. Como esclarece PAULA COSTA E SILVA, A realizaçãocoerciva de testes da ADN, Estudos em Homenagem à ProfessoraDoutora Isabel de Magalhães Collaço, 588 são possíveis váriassoluções:a) Admissibilidade de imposição, por parte do Tribunal, de umarealização coactiva de testes de ADN, quer às partes, quer aterceiros;b) Inadmissibilidade de uma imposição coactiva da realização dostestes de ADN. Mas neste caso, sendo ordenada pelo Tribunal aodemandado a realização de um exame de ADN, em caso de recusadeste:i. Será o demandado imediatamente considerado pai doinvestigante; ou,ii. A recusa do demandado não terá consequências ao nível domérito da causa, sendo antes valorada em termos probatórios,podendo dar lugar a uma inversão do ónus da prova, passando talónus a incidir sobre o recusante.Ora, dispõe o artigo 519º do CPC que:1. Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever deprestar a sua colaboração para a descoberta da verdade,respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo­se àsinspecções necessárias, facultando o que for requisitado epraticando os actos que forem determinados.

2. Aqueles que recusem a colaboração devida serão condenadosem multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis;se o recusante for parte, o tribunal apreciará livremente o valor darecusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónusda prova decorrente do preceituado no nº 2 do art. 344.º doCódigo Civil. 3. A recusa é, porém, legítima se a obediência importar: a) Violação da integridade física ou moral das pessoas; b) Intromissão na vida privada ou familiar, no domicílio, nacorrespondência ou nas telecomunicações; c) Violação do sigilo profissional ou de funcionários públicos, oudo segredo de Estado, sem prejuízo do disposto no nº 4. 4. Deduzida escusa com fundamento na alíena c) do númeroanterior, é aplicável, com as adaptações impostas pela naturezados interesses em causa, o disposto no processo penal acerca daverificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever desigilo invocado. O nº 1 do citado normativo consagra o dever de colaboração para adescoberta da verdade que impende sobre todas as pessoas, sejamelas partes na causa ou não.Resulta do nº 2 do artigo 519º do CPC que, havendo recusailegítima de colaboração, a parte ou o terceiro serão condenadosem multa, independentemente de lhes serem aplicados ou nãomeios coercitivos.

Acresce que, se não for possível a utilização dos meios coercitivosadequados para garantir a colaboração necessária, a recusa seráentão valorada para efeitos probatórios, podendo nas circunstânciasprevistas no nº 2 do artigo 344º do C.C. dar lugar à inversão doónus de prova. No caso específico dos processos de investigação de filiação, acolaboração exigível impõe que a parte – o pretenso pai ­ outerceiros que apresentem com aquele uma afinidade genética,nomeadamente os pretensos avós do investigante, realizem ostestes de ADN – v. no sentido de que a recusa a examehematológico por parte do investigado, sem justificação, fazinverter o ónus da prova a cargo do demandante, Ac. STJ de23.09.2008 (Pº 08B1827), acessível na Internet, no sítio,www.dgsi.pt. Mas, em caso de recusa, há que ponderar se será ou não de aplicaros meios coercitivos de que fala o preceito, ou seja, obrigar ovisado a se apresentar perante o Instituto de Medicina Legal sobpena de aí ser conduzido sob custódia, impondo­se­lhe que ali sejasubmetido a recolha de um produto do seu organismo a fim de serextraído o ADN para análise.Não tem sido unívoco o entendimento da doutrina e da

jurisprudência sobre tal imposição. Para uns, não é possível a utilização desses meios coercivos, poisimplicam, não só uma violação do direito à liberdade do indivíduo,como também uma violação do seu direito à integridade física,ambos considerados direitos fundamentais previstos,respectivamente, nos artigos 27º e 25º da Constituição daRepública Portuguesa, pelo que havendo violação desses direitos, arecusa em colaborar seria legítima, o que sempre impediriatambém a valoração negativa da conduta do recusante.Para outros, a recusa não será legítima, por não implicar a violaçãode direitos fundamentais, pelo que haveria que lançar mão dosmeios coercitivos ­ imposição ao sujeito a realização do teste deADN – não sendo obviamente de valorar qualquer condutaomissiva que, na verdade, nunca ocorreria, pois o teste sempreacabaria por ser efectuado.

Outros defendem uma posição mais eclética. Admitindo­se que acondução de um indivíduo sob custódia ao Instituto de MedicinaLegal para aí se submeter a um teste de ADN sempre seriasusceptível de atingir a sua liberdade e integridade física, entende­se que essa violação não é arbitrária, visto que se apresenta comonecessária para o exercício de um outro direito constitucional – odireito à identidade pessoal do investigante que, tal como estáconsagrado no artigo 26º, nº 1 da Constituição da RepúblicaPortuguesa abrange, não apenas o direito ao nome, mas também odireito à historicidade pessoal, enquanto conhecimento daidentidade dos progenitores, fundamento da acção de investigaçãode paternidade ou de maternidade – v. GOMES CANOTILHO eVITAL MOREIRA, Constituição da República PortuguesaAnotada, 4º ed. Revista, Vol. I, 462. Esta última posição tem sido, de resto, frequentemente preconizadana jurisprudência – cfr. a propósito desta problemática, e entremuitos, o paradigmático Ac. STJ de 11.03.97 (Pº 96A901),acessível no supra citado sítio da Internet, no qual se confronta aposição que fez vencimento no acórdão, contraposta com asposições expressas nas declarações de votos de vencidos. Cremos, no entanto, que razão assiste a PAULA COSTA ESILVA, ob. cit., 598, quando defende que as condutas que aConstituição da República Portuguesa veda, como atentatórias dodireito à integridade física previsto no seu artigo 25º, são asubmissão da pessoa a tortura, maus tratos ou penas cruéis,degradantes ou desumanos, nos quais não se poderão incluir osactos a que uma pessoa se terá de submeter com vista à recolha demateriais dos quais se possa extrair ADN.Mas, ainda que se siga a corrente que se identificou como maiseclética, o que sucedeu no caso vertente ­ como se extrai do

despacho proferido a fls. 134 a 141 dos autos – em que se ordenoua detenção dos pretensos avós paternos do menor B... paracomparência no Serviço de Genética e Biologia Forense, haveriaque proceder ao necessário balanceamento entre direitosfundamentais colidentes. E, nesse sentido, a restrição dos direitos dos visados, quer àliberdade, quer à integridade física (ou até à privacidade, comosustentam os apelantes, mas a nosso ver com pouco fundamento),decorrente da realização de um teste de ADN, sempre se teria deconsiderar proporcionada e adequada aos fins que com a restriçãodesses direitos se visam obter, ou seja, um resultado judicial nestaacção de investigação de paternidade mais compatível com arealidade, sabendo, como se sabe, que no actual estado doconhecimento científico, o teste de ADN é a melhor prova e a maissegura para o estabelecimento da filiação fundada numa derivaçãogenética, logo, mais conforme ao interesse superior da criança, porestar em causa o direito à sua identidade pessoal.Por outro lado, considerando que os dados genéticos de cadaindivíduo depende da informação genética que hajam recebido dosrespectivos progenitores, podem os pais ou pretensos pais dacriança ser substituídos pelos avós ou pretensos avós paternos paraa determinação do grau de probabilidade de uma derivaçãobiológica.Assim, entende­se que a submissão dos pretensos avós paternos domenor B.... á recolha de sangue para extrair ADN não foi ilegal,nem consequentemente, a prova pericial realizada no processo éilícita, pelo que improcede o que consta dos nºs 13 a 17 dasconclusões de recurso dos apelantes.Acresce que não há que colocar em causa o valor do examepericial efectuado, já que a metodologia utilizada se encontraexplanada no relatório constante de fls. 183 a 186, elaborado peloServiço de Genética e Biologia Forense do Instituto Nacional deMedicina Legal, aí se esclarecendo que a análise estatísticaefectuada teve em consideração a estrutura genotípica dospretensos avós paternos e a distribuição dos diferentes marcadoresanalisados na população, através da utilização do programa“famílias 12”, programa este que foi suficientemente explicadopela técnica, Drª M..., na última sessão da audiência de discussão ejulgamento, tendo­se concluído que aquele programa está testadosendo utilizado em vários países. Ora, esta análise estatística sobre as informações hereditárias deum organismo contidas em seu genoma, não carece de ser validadapor um eventual estudo específico da população dos Açores, vistoque, como bem se refere nas alegações de recurso do MºPº, mesmotendo por referência o universo alargado de toda a populaçãomundial, as probabilidades de se encontrar outras pessoas com tal

perfil genético são tão ínfimas que na prática poderia mesmo serimpossível. Concluiu­se no exame efectuado pelo INML que os examinadosL... e K... são capazes de gerar um filho, cujo perfil genéticocorresponde ao do pai de B..., com uma probabilidade depaternidade de 99,998%, ou seja, praticamente provada.Não está documentalmente demonstrado nos autos que o casalcomposto pelos pretensos avós paternos de B... tenha outros filhos,para além de C.... Acresce que tão pouco está provado que C.... não seja filhobiológico do aludido casal, ou que, a existirem outros irmãos deC..., eles tivessem mantido durante o período da concepçãorelacionamento intimo com a mãe do menor B.... E, com efeito, era sobre as rés que incidia o ónus de prova, comrelação a estes eventuais factos, sendo certo que as rés nada a talpropósito lograram demonstrar, tanto mais que nem sequer taiscircunstâncias foram alegadas, razão pela qual a prova pericial serestringiu à análise do ADN extraído, quer das amostras de sanguedo menor B... e de sua mãe, quer das amostras de sangue e salivado casal K... e L...., progenitores do pretenso pai do menor B....Há, por conseguinte, que concluir pela validade do exameefectuado nos autos, estando comprovado o seu valor científico emface do actual conhecimento da ciência genética, pelo queimprocede o que consta dos nºs 2, 3, 9 a 12 das alegações derecurso das apelantes.***ii) DA REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA1. Modificabilidade da matéria de facto pelo tribunal da relação Á regra básica da imodificabilidade da decisão de facto proferidana 1ª instância, contrapõe­se a excepção decorrente do artigo 712ºdo CPC que permite a alteração da matéria de facto nos seguintescasos: 1. Se do processo constarem todos os elementos de prova queserviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto emcausa ou se, tendo ocorrido gravações dos depoimentos prestados,tiver sido impugnada, nos termos do artº 690º­A, a decisão combase neles proferida;2. Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisãodiversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outrasprovas;3. Se o recorrente apresentar documento novo superveniente eque, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que adecisão assentou.Considerando que foi gravada a prova produzida em audiência,dispõe este tribunal dos elementos de prova que serviram de base àdecisão sobre os factos em causa. Mas, não se pode olvidar que

não podem agora ser apreendidos alguns elementos probatóriosque emergem, designadamente, do princípio da imediação, sendo certoque os factores decorrentes de tal princípio são decisivos para ojuízo de convicção de que o juiz tem de fazer acerca dacredibilidade dos depoimentos.Como esclarece ANTUNES VARELA, Manual de ProcessoCivil, 2ª ed., págs. 657, a propósito do princípio da mediação “Essecontacto directo, imediato, principalmente entre o juiz e atestemunha, permite ao responsável pelo julgamento captar umasérie valiosa de elementos (através do que pode perguntar,observar e depreender do depoimento, da pessoa e das reacçõesdo inquirido) sobre a realidade dos factos que a mera leitura dorelato escrito do depoimento não pode facultar”.Alerta, por outro lado, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA,Estudos sobre o novo Processo Civil, 374, a propósito da distinçãoentre os recursos de reexame e os de reponderação, que areponderação das provas em 2ª instância satisfaz­se com aaveriguação de saber se, dentro dos condicionalismos da instânciarecorrida, essa decisão foi adequada, pelo que esses recursoscontrolam apenas ­ pode dizer­se ­ a "justiça relativa" dessadecisão.Tem sido uniformemente entendido pela jurisprudência, que agarantia de duplo grau de jurisdição em matéria de facto nãosubverte, nem pode subverter, o princípio da livre apreciação dasprovas constante do artigo 655º do CPC, decorrendo de talnormativo que o juiz, fora dos casos de prova legalmente tarifada,goza de liberdade na apreciação das provas e decide segundo aconvicção prudente sobre cada facto.De resto, no preâmbulo do Decreto­Lei nº 39/95 de 15/12 ­diploma que veio regular a possibilidade de documentação ouregisto das audiências finais e da prova nelas produzida – refere­seque: “A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matériade facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas,a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida emaudiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais,concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento,incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto que orecorrente terá sempre o ónus de apontar claramente na suaminuta de recurso”. E, nos casos de provas contraditórias, deve reger a convicçãocriada no espírito do juiz, desde que a prova haja sido valorada deacordo com critérios de razoabilidade.Por isso se tem entendido que a modificabilidade da matéria defacto pela 2ª instância terá lugar nos casos de desconformidadeentre as provas produzidas e a decisão proferida, pressupondo um

erro evidente que imponha claramente uma decisão diferente – v. atítulo meramente exemplificativo, neste sentido e entre muitos, Ac.da RP de 19/02/2000 in CJ , Ano XXV, T. 4º, 180 e Ac. R.E. de11­01­2007 (Pº 2336/06­3), acessível na Internet, no sítiowww.dgsi.pt. No caso em apreço, as rés habilitadas/apelantes entendem quedevem ser considerados não provados os artigos 2º a 5º da BaseInstrutória, retirando da produção de prova convicção diversa dado tribunal, o que não conduz necessariamente à modificabilidadeda decisão de facto.Vejamos, então, se razão assiste às apelantes e se, in casu, severifica a ausência da razoabilidade da respectiva decisão em facede todas as provas produzidas – pericial e testemunhal – comparticular incidência nesta, face ao que acima ficou dito sobre avalidade do exame elaborado pelo INML.*2. A AVALIAÇÃO DA CORRECÇÃO OU INCORRECÇÃO DOEXAME DA PROVAA convicção da Exma. Juíza a quo para proceder às respostas aosaludidos quesitos 2º a 5º da Base Instrutória alicerçou­se nosdepoimentos prestados pelas testemunhas do autor.Foi auditado o suporte áudio e, concomitantemente, ponderada aconvicção criada no espírito do juiz do Tribunal a quo, o qual,como antes se aduziu, tem a seu favor o importantíssimo princípioda imediação da prova, sendo esse contacto directo com a provatestemunhal, que melhor possibilita ao julgador a percepção dafrontalidade, da lucidez, do rigor da informação transmitida e dafirmeza dos depoimentos prestados, levando­o ao convencimentoquanto à veracidade ou probabilidade dos factos sobre querecaíram as provas.

E, da audição da prova gravada e da supra referida ponderação,conclui­se que a convicção criada no espírito do julgador de 1ªinstância, não é merecedora de qualquer reparo. Atentemosdetalhadamente.A decisão sobre a matéria de facto apurada, proferida peloTribunal a quo, mostra­se adequada perante os relatos prestadospelas testemunhas do autor, G..., H...., I.... e J..., todas pessoasamigas da mãe de B... e que confirmaram a convivência que F...manteve com C..., no período da concepção de B..... É verdade que resultou desses depoimentos que foram discretas asmanifestações exteriores do relacionamento amoroso entre F.... eC.... Porém, as testemunhas referenciaram alguns indíciosconcretos resultantes, não só de conversas havidas com a mãe domenor, como também das situações que presenciaram, aquando dasdeslocações a casa de F...., e que evidenciavam tal relacionamento

intimo que se manteve no período temporal em causa coincidentecom o período legal da concepção do menor.De resto, mesmo a testemunha das rés, N...., aludiu ao facto de a réD... ter sido avisada de que C... tinha outro relacionamento, o queterá sucedido ainda em 1996 ou 1997, e que mais tarde chegou aoseu conhecimento havia uma pessoa que dizia estar grávida deC.....Ora, como salientou a Exma. Juíza do Tribunal a quo, nafundamentação da decisão sobre a matéria de facto, o que ficouindiscutivelmente demonstrado foi que C... manteve uma relaçãoamorosa, paralelamente com D.... e com F..., mãe de B..... E, atenta essa circunstância, é razoável admitir­se que orelacionamento intimo existente entre C... e F... se mantevecircunscrito aos encontros em casa desta última, como oreferenciaram as testemunhas do autor, as quais, tal como o atestouo Tribunal a quo, mereceram credibilidade, pois depuseram deforma isenta e sincera, demonstrando, em suma, isenção –entendimento com o qual se concorda.Nestes termos, as respostas dadas aos quesitos 2º a 5º da baseinstrutória não podem deixar de se alicerçar no conjunto dosdepoimentos prestados pelas aludidas testemunhas do autor,concomitantemente com o que decorre do exame elaborado peloServiço de Genética e Biologia Forense do Instituto Nacional deMedicina Legal, razão pela qual se mantêm inalteráveis asrespostas dadas aos mencionados artigos da Base Instrutória,já que a convicção criada no espírito do julgador de 1ª instância,não é merecedora de qualquer reparo.Inexiste, consequentemente, qualquer erro, e muito menos notório,na apreciação da prova produzida em julgamento, o que leva àimprocedência do que consta dos nºs 4 e 18 das alegações derecurso das apelantes.***iii) DA PRESUNÇÃO DO ARTIGO 1871º, ALÍNEA E) DOCÓDIGO CIVILInvocam as rés/apelantes que a presunção do artigo 1871º, nº 1alínea e) do Código Civil não deve ser aplicada ao caso sub judice,quer porque se não provaram as relações sexuais, quer porque asrecorrentes desconhecem completamente e factualidade dos autos,quer ainda porque a situação relacional entre a apelante D... e C....plasmada nos quesitos 6 a 10 acarreta a existência de dúvida sériasobre a paternidade de C.... Estatui o artigo 1871º do Código Civil que:1. A paternidade presume­se:a) Quando filho houver sido reputado e tratado como tal pelopretenso pai e reputado como filho também pelo público;b) Quando exista carta ou outro escrito no qual o pretenso pai

declare inequivocamente a sua paternidade;c) Quando, durante o período legal da concepção, tenha existidocomunhão duradoura de vida em condições análogas às doscônjuges ou concubinato duradouro entre a mãe e o pretenso pai;d) Quando o pretenso pai tenha seduzido a mãe, no período legalda concepção, se esta era virgem e menor no momento em que foiseduzida, ou se o consentimento dela foi obtido por meio depromessa de casamento, abuso de confiança ou abuso deautoridade.e) Quando se prove que o pretenso pai teve relações sexuais com amãe durante o período legal de concepção.2. A presunção considera­se ilidida quando existam dúvidas sériassobre a paternidade do investigado.Face ao que decorre do nº 2 do citado normativo, as presunçõesconstantes do nº 1 são dotadas de uma força probatória especialque não coincide com a força probatória normal das meraspresunções judiciais ou de facto, nem se identifica com a forçaprobatória típica das presunções legais – v. neste sentido PIRESDE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, V,307 e GUILHERME OLIVEIRA, Estabelecimento da Filiação,157.Defendem PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, ob. cit.,305, que a exigência da seriedade das dúvidas envolve a criação deum grau intermédio de convicção do julgador, situado entre asimples contraprova e a prova do contrário.É verdade que o legislador efectuou um desvio ao regime geralconsagrado no artigo 350º nº 2 do Código Civil, não exigindo aoinvestigado a prova do contrário, ou seja, que não é o paibiológico. Mas tão pouco basta que seja suscitada qualquerpequena dúvida incapaz de abalar a certeza que resulta dapresunção legal.Ora, a causa de pedir na presente acção radica na filiaçãobiológica, i.e., no acto gerador, e não propriamente por recurso,pelo menos expresso, a qualquer uma das presunções legais supramencionadas. Daí a imprescindibilidade de realização de exameshematológicos.No caso em análise ficou provado o relacionamento sexual entreC... e a mãe do menor B..., no período legal de concepção. De todoo modo, para afastar a presunção decorrente da alínea e) do nº 1 doartigo 1871º do Código Civil, teriam as rés/habilitadas dedemonstrar a exceptio plurium, ou seja, que a mãe de B..., duranteo mesmo período, teve relações sexuais com outro ou outroshomens, o que manifestamente se não provou – v. neste sentidoAcs. do STJ de 28.5.2002, CJ STJ X, 2, 92 e de 23.09.2008,acessível no citado sítio da Internet.Improcede, pois, o que consta dos nºs 5, 6, 8 e 19 das Conclusões

das alegações de recurso das apelantes, improcedendo,consequentemente, o recurso de apelação.Vencidas, são as recorrentes responsáveis pelas custas respectivas ­artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.***IV. DECISÃOPelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível doTribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente orecurso, confirmando­se a decisão recorrida e em condenar asrecorrentes no pagamento das custas respectivas.Lisboa, 17 de Setembro de 2009Ondina Carmo Alves – Relatora Ana Paula Boularot Lúcia Sousa