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ADPF 187 - Julgamento Amicus
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ARGIO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 187 DISTRITO FEDERAL
V O T O
(s/ pedido formulado pela Associao Brasileira de Estudos Sociais do uso de Psicoativos - ABESUP)
O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO - (Relator): Registro
que admiti, formalmente, como amici curiae (fls. 143 e 669), a
Associao Brasileira de Estudos Sociais do Uso de Psicoativos -
ABESUP (fls. 120/121) e o Instituto Brasileiro de Cincias Criminais
IBCCRIM (fls. 634/639), cujos pronunciamentos, dando especial nfase
s liberdades constitucionais de reunio e de manifestao do
pensamento, convergem, em seus aspectos essenciais, no sentido
pretendido pela autora da presente argio de descumprimento de
preceito fundamental.
I. A interveno do amicus curiae: pluralizao do debate constitucional e extenso e limites dos poderes processuais desse terceiro interessado no mbito dos processos de fiscalizao abstrata de constitucionalidade
H, no entanto, Senhor Presidente, outra questo prvia
a ser analisada e que se refere extenso e aos limites dos poderes
processuais de que se acha investido o amicus curiae.
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Essa indagao se impe pelo fato de a ABESUP
claramente ampliar o objeto da presente demanda, delimitado, com
preciso, pela douta Procuradoria-Geral da Repblica, que postula,
unicamente, seja dado, ao art. 287 do Cdigo Penal, interpretao
conforme Constituio de forma a excluir qualquer exegese que
possa ensejar a criminalizao da defesa da legalizao das drogas,
ou de qualquer substncia entorpecente especfica, inclusive atravs
de manifestaes e eventos pblicos (fls. 14 grifei).
Com efeito, a ABESUP pretende o reconhecimento da
legitimidade jurdica, com a conseqente declarao de ausncia de
tipicidade penal, de determinadas condutas (fls. 188/189), tais como
o cultivo domstico, o porte de pequena quantidade e o uso em mbito
privado da maconha; a utilizao de referida substncia para fins
medicinais, inclusive para efeito de realizao de pesquisas mdicas;
o uso ritual da maconha em celebraes litrgicas; a utilizao da
substncia canbica para fins econmicos, admitidos, quanto a ela, o
plantio, a exportao e importao, a distribuio ou a venda de
insumos ou de produtos dela oriundos, sem qualquer vinculao ao
consumo da planta propriamente dito; ou, ento, a submisso de tais
pleitos a um processo prvio de regulamentao via SENAD/CONAD, com
a participao democrtica dos rgos e entidades que manifestem
interesse no assunto.
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A ABESUP tambm pleiteia a concesso, de ofcio, em
carter abstrato, de ordem de habeas corpus em favor de quaisquer
pessoas que incidam nos comportamentos anteriormente referidos
(fls. 151).
Destaco, para efeito de registro, esse pleito que a
Associao Brasileira de Estudos Sociais do Uso de Psicoativos
ABESUP deduziu nos presentes autos (fls. 188/189):
Seja concedida ordem de habeas corpus de ofcio, em carter abstrato, interpretando a Lei 11343/2006, em destaque seus artigos 2 e 28, de modo a garantir eficcia aos preceitos constitucionais implcitos e os estabelecidos nos artigos 5, caput e inciso VI; 6; 170; 196 e 197, da Carta Federal, a fim de que seja reconhecida a atipicidade:
a) do cultivo domstico da cannabis e do porte de pequena quantidade, sendo vedado expressamente o comrcio, admitindo-se o uso to-somente no mbito privado (...);
b) do uso da cannabis para fins medicinais, em sentido lato, englobando, tambm, a possibilidade de realizao de pesquisas mdicas;
c) do uso religioso da cannabis, na qualidade de sacramento inerente ao ritual;
d) da utilizao para fins econmicos, admitindo o plantio, a exportao e importao, a distribuio ou a venda de insumos ou produtos oriundos do cnhamo, sem qualquer vinculao no que diz respeito ao consumo da planta propriamente dito; ou
e) alternativamente, caso a Corte julgue conveniente, que realize o dimensionamento dos
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efeitos da deciso, condicionando todos os pleitos acima lanados, excetuado o da liberdade de expresso, a um processo prvio de regulamentao via SENAD/CONAD, com a participao democrtica dos rgos e entidades que manifestem interesse no assunto. (grifei)
Entendo que o amicus curiae, no obstante o
inquestionvel relevo de sua participao, como terceiro
interveniente, no processo de fiscalizao normativa abstrata, no
dispe de poderes processuais que, inerentes s partes, viabilizem o
exerccio de determinadas prerrogativas que se mostram unicamente
acessveis s prprias partes, como, p. ex., o poder que assiste, ao
argente (e no ao amicus curiae), de delimitar, tematicamente, o
objeto da demanda por ele instaurada.
Sabemos que entidades dotadas de representatividade
adequada podem ingressar, formalmente, em sede de argio de
descumprimento de preceito fundamental, na condio de terceiros
interessados, para efeito de participao e manifestao sobre a
controvrsia constitucional suscitada por quem dispe de
legitimidade ativa para o ajuizamento de referida ao
constitucional.
Esse entendimento, que reconhece a possibilidade de
participao do amicus curiae na argio de descumprimento de
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preceito fundamental, igualmente perfilhado por ilustres autores,
como o eminente Ministro GILMAR FERREIRA MENDES (Argio de
Descumprimento de Preceito Fundamental: Comentrios Lei n. 9.882,
de 3-12-1999, p. 126, item n. 04, 2007, Saraiva), cujo magistrio,
no tema, merece ser reproduzido:
A Lei n. 9.882/99 faculta ao relator a possibilidade de ouvir as partes nos processos que ensejaram a argio (art. 6, 1). Outorga-se, assim, s partes nos processos subjetivos um limitado direito de participao no processo objetivo submetido apreciao do STF. que, talvez em decorrncia do universo demasiado amplo dos possveis interessados, tenha pretendido o legislador ordinrio outorgar ao relator alguma forma de controle quanto ao direito de participao dos milhares de interessados no processo.
Em face do carter objetivo do processo, fundamental que no s os representantes de potenciais interessados nos processos que deram origem ao de descumprimento de preceito fundamental, mas tambm os legitimados para propor a ao, possam exercer direito de manifestao. Independentemente das cautelas que ho de ser tomadas para no inviabilizar o processo, deve-se anotar que tudo recomenda que, tal como a ao direta de inconstitucionalidade e a ao declaratria de constitucionalidade, a argio de descumprimento de preceito fundamental assuma, igualmente, uma feio pluralista, com a ampla participao de amicus curiae. (grifei)
Tal como assinalei em decises anteriores (ADI 2.130-MC/SC,
Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJU 02/02/2001), a interveno do
amicus curiae, para legitimar-se, deve apoiar-se em razes que
tornem desejvel e til a sua atuao processual na causa, em ordem
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a proporcionar meios que viabilizem uma adequada resoluo do
litgio constitucional.
Impe-se destacar, neste ponto, por necessrio, a idia
nuclear que anima os propsitos teleolgicos que motivam a
interveno do amicus curiae no processo de fiscalizao normativa
abstrata.
No se pode perder de perspectiva que a interveno
processual do amicus curiae tem por objetivo essencial pluralizar
o debate constitucional, permitindo que o Supremo Tribunal Federal
venha a dispor de todos os elementos informativos possveis e
necessrios resoluo da controvrsia, visando-se, ainda, com tal
abertura procedimental, superar a grave questo pertinente
legitimidade democrtica das decises emanadas desta Corte, quando
no desempenho de seu extraordinrio poder de efetuar, em abstrato, o
controle concentrado de constitucionalidade, tal como destacam, em
pronunciamento sobre o tema, eminentes doutrinadores (GUSTAVO
BINENBOJM, A Nova Jurisdio Constitucional Brasileira, 2 ed.,
2004, Renovar; ANDR RAMOS TAVARES, Tribunal e Jurisdio
Constitucional, p. 71/94, 1998, Celso Bastos Editor; ALEXANDRE DE
MORAES, Jurisdio Constitucional e Tribunais Constitucionais,
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p. 64/81, 2000, Atlas; DAMARES MEDINA, Amicus Curiae: Amigo da
Corte ou Amigo da Parte?, 2010, Saraiva, v.g.).
Valioso, a propsito dessa particular questo, o
magistrio expendido pelo eminente Ministro GILMAR MENDES (Direitos
Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, p. 503/504, 2 ed.,
1999, Celso Bastos Editor), em passagem na qual pe em destaque o
entendimento de PETER HBERLE, para quem o Tribunal h de
desempenhar um papel de intermedirio ou de mediador entre as
diferentes foras com legitimao no processo constitucional
(p. 498), em ordem a pluralizar, em abordagem que deriva da abertura
material da Constituio, o prprio debate em torno da controvrsia
constitucional, conferindo-se, desse modo, expresso real e efetiva
ao princpio democrtico, sob pena de se instaurar, no mbito do
controle normativo abstrato, um indesejvel deficit de
legitimidade das decises que o Supremo Tribunal Federal venha a
pronunciar no exerccio, in abstracto, dos poderes inerentes
jurisdio constitucional.
Da, segundo entendo, a necessidade de assegurar, ao
amicus curiae, mais do que o simples ingresso formal no processo
de fiscalizao abstrata de constitucionalidade, a possibilidade de
exercer o direito de fazer sustentaes orais perante esta Suprema
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Corte, alm de dispor da faculdade de submeter, ao Relator da causa,
propostas de requisio de informaes adicionais, de designao de
perito ou comisso de peritos, para que emita parecer sobre questes
decorrentes do litgio, de convocao de audincias pblicas e, at
mesmo, a prerrogativa de recorrer da deciso que tenha denegado o
seu pedido de admisso no processo de controle normativo abstrato,
como esta Corte tem reiteradamente reconhecido.
Cumpre rememorar, nesta passagem, a irrepreensvel
observao do eminente Ministro GILMAR MENDES, no fragmento
doutrinrio j referido, constante de sua valiosssima produo
acadmica, em que expe consideraes de irrecusvel pertinncia em
tema de interveno processual do amicus curiae (op. loc. cit.):
V-se, assim, que, enquanto rgo de composio de conflitos polticos, passa a Corte Constitucional a constituir-se em elemento fundamental de uma sociedade pluralista, atuando como fator de estabilizao indispensvel ao prprio sistema democrtico.
claro que a Corte Constitucional no pode olvidar a sua ambivalncia democrtica. Ainda que se deva reconhecer a legitimao democrtica dos juzes, decorrente do complexo processo de escolha e de nomeao, e que a sua independncia constitui requisito indispensvel para o exerccio de seu mister, no se pode deixar de enfatizar que aqui tambm reside aquilo que Grimm denominou de risco democrtico (...).
que as decises da Corte Constitucional esto inevitavelmente imunes a qualquer controle democrtico. Essas decises podem anular, sob a invocao de um direito superior que, em parte, apenas explicitado no processo decisrio, a produo de um rgo direta e
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democraticamente legitimado. Embora no se negue que tambm as Cortes ordinrias so dotadas de um poder de conformao bastante amplo, certo que elas podem ter a sua atuao reprogramada a partir de uma simples deciso do legislador ordinrio. Ao revs, eventual correo da jurisprudncia de uma Corte Constitucional somente h de se fazer, quando possvel, mediante emenda.
Essas singularidades demonstram que a Corte Constitucional no est livre do perigo de converter uma vantagem democrtica num eventual risco para a democracia.
Assim como a atuao da jurisdio constitucional pode contribuir para reforar a legitimidade do sistema, permitindo a renovao do processo poltico com o reconhecimento dos direitos de novos ou pequenos grupos e com a inaugurao de reformas sociais, pode ela tambm bloquear o desenvolvimento constitucional do Pas.
...................................................
O equilbrio instvel que se verifica e que parece constituir o autntico problema da jurisdio constitucional na democracia afigura-se necessrio e inevitvel. Todo o esforo que se h de fazer , pois, no sentido de preservar o equilbrio e evitar disfunes.
Em plena compatibilidade com essa orientao, Hberle no s defende a existncia de instrumentos de defesa da minoria, como tambm prope uma abertura hermenutica que possibilite a esta minoria o oferecimento de alternativas para a interpretao constitucional. Hberle esfora-se por demonstrar que a interpretao constitucional no nem deve ser um evento exclusivamente estatal. Tanto o cidado que interpe um recurso constitucional, quanto o partido poltico que impugna uma deciso legislativa so intrpretes da Constituio. Por outro lado, a insero da Corte no espao pluralista ressalta Hberle que evita distores que poderiam advir da independncia do juiz e de sua estrita vinculao lei. (grifei)
Na verdade, consoante ressalta PAOLO BIANCHI, em estudo
sobre o tema (UnAmicizia Interessata: Lamicus curiae Davanti Alla
Corte Suprema Degli Stati Uniti, in Giurisprudenza
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Costituzionale, Fasc. 6, nov/dez de 1995, Ano XI, Giuffr), a
admisso do terceiro, na condio de amicus curiae, no processo
objetivo de controle normativo abstrato, qualifica-se como fator de
legitimao social das decises do Tribunal Constitucional,
viabilizando, em obsquio ao postulado democrtico, a abertura do
processo de fiscalizao concentrada de constitucionalidade, em
ordem a permitir que, nele, se realize a possibilidade de
participao de entidades e de instituies que efetivamente
representem os interesses gerais da coletividade ou que expressem os
valores essenciais e relevantes de grupos, classes ou estratos sociais.
Essa percepo do tema foi lucidamente exposta pelo
eminente Professor INOCNCIO MRTIRES COELHO (As Idias de Peter
Hberle e a Abertura da Interpretao Constitucional no Direito
Brasileiro, in RDA 211/125-134, 133):
Admitida, pela forma indicada, a presena do amicus curiae no processo de controle de constitucionalidade, no apenas se reitera a impessoalidade da questo constitucional, como tambm se evidencia que o deslinde desse tipo de controvrsia interessa objetivamente a todos os indivduos e grupos sociais, at porque ao esclarecer o sentido da Carta Poltica, as cortes constitucionais, de certa maneira, acabam reescrevendo as constituies. (grifei)
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por tais razes que entendo que a atuao processual
do amicus curiae no deve limitar-se mera apresentao de
memoriais ou prestao eventual de informaes que lhe venham a
ser solicitadas ou, ainda, produo de sustentaes orais perante
esta Suprema Corte.
Essa viso do problema que restringisse a extenso
dos poderes processuais do colaborador do Tribunal - culminaria
por fazer prevalecer, na matria, uma incompreensvel perspectiva
reducionista, que no pode (nem deve) ser aceita por esta Corte, sob
pena de total frustrao dos altos objetivos polticos, sociais e
jurdicos visados pelo legislador na positivao da clusula que,
agora, admite o formal ingresso do amicus curiae no processo de
fiscalizao concentrada de constitucionalidade.
Cumpre permitir, desse modo, ao amicus curiae, em
extenso maior, o exerccio de determinados poderes processuais.
Esse entendimento perfilhado por autorizado
magistrio doutrinrio, cujas lies acentuam a essencialidade da
participao legitimadora do amicus curiae nos processos de
fiscalizao abstrata de constitucionalidade (GUSTAVO BINENBOJM, A
Nova Jurisdio Constitucional Brasileira, p. 157/164, 2 ed.,
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2004, Renovar; GUILHERME PEA DE MORAES, Direito
Constitucional/Teoria da Constituio, p. 207/208, item n. 4.10.2.3,
4 ed., 2007, Lumen Juris, v.g.), reconhecendo-lhe o direito de
promover, perante esta Corte Suprema, a pertinente sustentao oral
(FREDIE DIDIER JR., Possibilidade de Sustentao Oral do Amicus
Curiae, in Revista Dialtica de Direito Processual, vol. 8/33-
-38, 2003; NELSON NERY JR./ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, Cdigo de
Processo Civil Comentado e Legislao Extravagante, p. 1388, 7 ed.,
2003, RT; EDGARD SILVEIRA BUENO FILHO, Amicus Curiae: a democratizao
do debate nos processos de controle de constitucionalidade, in
Direito Federal, vol. 70/127-138, AJUFE, v.g.) ou, ainda, a faculdade
de solicitar a realizao de exames periciais sobre o objeto ou sobre
questes derivadas do litgio constitucional ou a prerrogativa de
propor a requisio de informaes complementares, bem assim a de pedir
a convocao de audincias pblicas, sem prejuzo, como esta Corte j o
tem afirmado, do direito de recorrer de decises que recusam o seu
ingresso formal no processo de controle normativo abstrato.
Cabe observar que o Supremo Tribunal Federal, em assim
agindo, no s garantir maior efetividade e atribuir maior
legitimidade s suas decises, mas, sobretudo, valorizar, sob uma
perspectiva eminentemente pluralstica, o sentido essencialmente
democrtico dessa participao processual, enriquecida pelos
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elementos de informao e pelo acervo de experincias que o amicus
curiae poder transmitir Corte Constitucional, notadamente em um
processo - como o de controle abstrato de constitucionalidade - cujas
implicaes polticas, sociais, econmicas, jurdicas e culturais so
de irrecusvel importncia, de indiscutvel magnitude e de
inquestionvel significao para a vida do Pas e a de seus cidados.
Como anteriormente salientado, o amicus curiae pode
recorrer da deciso denegatria de seu ingresso formal no processo de
controle abstrato, no podendo, contudo segundo jurisprudncia ainda
prevalecente nesta Corte, impugnar as demais decises proferidas em
sede de fiscalizao concentrada (ADI 2.359-ED-AgR/ES, Rel. Min. EROS
GRAU ADI 3.105-ED/DF, Rel. Min. CEZAR PELUSO ADI 3.934-ED-AgR/DF,
Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, v.g.):
AO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. EMBARGOS DE DECLARAO OPOSTOS POR AMICUS CURIAE. AUSNCIA DE LEGITIMIDADE. (...).
1. A jurisprudncia deste Supremo Tribunal assente quanto ao no-cabimento de recursos interpostos por terceiros estranhos relao processual nos processos objetivos de controle de constitucionalidade.
2. Exceo apenas para impugnar deciso de no- -admissibilidade de sua interveno nos autos.
3. Precedentes. 4. Embargos de declarao no conhecidos.
(ADI 3.615-ED/PB, Rel. Min. CRMEN LCIA grifei)
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certo, no entanto, que h autores eminentes, como o
ilustre Professor GUSTAVO BINENBOJM (Temas de Direito Administrativo
e Constitucional, p. 182/187, 2008, Renovar), que sustentam a
possibilidade de o amicus curiae poder impugnar, em sede recursal,
qualquer deciso proferida na causa em que tenha sido formalmente
admitido, como se v do fragmento a seguir reproduzido:
Como se v, muito mais que um mero colaborador informal, o amicus curiae, tal como disciplinado pela Lei n 9.868/99, intervm nos autos do processo da ao direta, passando a integrar a relao processual na condio de terceiro especial.
Assim, a primeira prerrogativa processual que se reconhece ao amicus curiae a de apresentar manifestao escrita sobre as questes de seu interesse atinentes ao direta em curso, que ser junta aos autos do processo. (...).
Mas os poderes processuais do amicus curiae no se cingem apresentao de razes escritas.
No que toca possibilidade de realizao de sustentao oral, pelo patrono do amicus curiae, o Supremo Tribunal Federal recentemente reviu seu posicionamento anterior, passando a admiti-la. (...).
...................................................
Consignadas, assim, as faculdades de o amicus curiae manifestar-se por escrito ou oralmente, resta examinar a possibilidade de o amicus curiae insurgir-se contra as decises proferidas no curso e ao final da ao direta, atravs dos recursos cabveis.
Cumpre, em primeiro lugar, examinar a possibilidade de o postulante a amicus curiae se insurgir, pela via recursal prpria, contra a deciso do relator que no o admite no feito em tal qualidade. (...).
...................................................
Resta, ainda, indagar da possibilidade de o amicus curiae recorrer das demais decises - interlocutrias e final - proferidas nos autos da ao direta.
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O art. 499 do Cdigo de Processo Civil assegura legitimidade recursal ao Ministrio Pblico e ao terceiro prejudicado. Reconhecendo, hoje, a doutrina e a jurisprudncia, a natureza jurdica de terceiro especial ao amicus curiae, no h como se lhe negar a legitimidade recursal para manifestar sua insurgncia contra as decises que no acolherem seus argumentos.
Ensina Srgio Bermudes que a finalidade dos recursos a de proporcionar o aperfeioamento das decises judiciais. Assim, no h motivo lgico para que, ao amicus curiae, seja assegurado o direito de apresentar seus argumentos, por escrito e oralmente, perante o Tribunal e, como desdobramento natural, no possa se insurgir contra as decises que contrariem tais argumentos, por meio dos recursos cabveis. evidente que, em sede de controle de constitucionalidade, tal aperfeioamento se torna ainda mais desejvel. De fato, diante do impacto e da repercusso poltica, econmica e social de uma deciso declaratria de inconstitucionalidade, ainda maior o interesse do Estado-Jurisdio e da sociedade como um todo no sentido de que as decises sejam submetidas ao mais rgido escrutnio.
A referncia ao terceiro do art. 499 do Cdigo de Processo Civil designa o estranho ao processo, titular da relao jurdica atingida (ainda que por via reflexa) pela sentena. evidente que as entidades e rgos que eventualmente venham a figurar como amicus curiae, podem sofrer impactos diretos em razo da deciso em controle abstrato, podendo, at mesmo, perder direitos antes reconhecidos pela lei atacada. Dessa forma, o amicus curiae titular de um direito passvel de ser atingido - ao menos potencialmente - por acrdo declaratrio de inconstitucionalidade, possuindo, assim, legitimidade recursal como terceiro interessado, aplicando-se, analogicamente, o art. 499 do CPC.
Deve-se destacar, todavia, que, mesmo a se entender que no haja, num caso qualquer, impacto direto sobre direito subjetivo do amicus curiae, haver legitimidade recursal deste, pois, para que seja o terceiro apto a recorrer, basta que a sua esfera jurdica seja atingida pela deciso, embora por via reflexa, o que, evidentemente, sempre ocorrer.
Ademais, interessante notar que a participao do amicus curiae, que j era aceita antes mesmo do advento
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da Lei 9868/99, , fundamentalmente, uma decorrncia do princpio democrtico. Pode-se dizer, assim, que a interveno do amicus curiae, com os meios e recursos prprios assegurados aos terceiros em geral, representa garantia do exerccio democrtico da jurisdio constitucional. Em sntese, a interveno do amicus curiae constitui uma das mltiplas faces da garantia do acesso Justia (CF, art. 5, XXXV) no mbito de um Estado Democrtico de Direito (CF, art. 1).
...................................................
Por derradeiro, alm das prerrogativas processuais at aqui mencionadas, poder o amicus curiae suscitar, perante o relator, a adoo das providncias instrutrias previstas no art. 9, 1, 2 e 3, da Lei n 9.868/99. Confira-se o teor do dispositivo, verbis:
Art. 9 Vencidos os prazos do artigo anterior, o relator lanar o relatrio, com cpia a todos os Ministros, e pedir dia para julgamento.
1 Em caso de necessidade de esclarecimento de matria ou circunstncia de fato ou de notria insuficincia das informaes existentes nos autos, poder o relator requisitar informaes adicionais, designar perito ou comisso de peritos para que emita parecer sobre a questo, ou fixar data para, em audincia pblica, ouvir depoimentos de pessoas com experincia e autoridade na matria.
2 O relator poder, ainda, solicitar informaes aos Tribunais Superiores, aos Tribunais federais e aos Tribunais estaduais acerca da aplicao da norma impugnada no mbito de sua jurisdio.
3 As informaes, percias e audincias a que se referem os pargrafos anteriores sero realizadas no prazo de trinta dias, contado da solicitao do relator.
A dico do dispositivo clara: poder o relator adotar uma ou algumas de tais providncias instrutrias, de ofcio, previamente ao julgamento final da ao. Ora, se o relator pode ex officio determinar quaisquer daquelas providncias, os interessados admitidos nos autos - representante, representados, Advogado-Geral da Unio, Procurador-
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-Geral do Estado, Ministrio Pblico, amicus curiae - podero, a qualquer tempo antes do julgamento, requerer a sua adoo. O amicus curiae recebe o feito no estado em que se encontra quando de sua admisso; no havendo se iniciado, ainda, o julgamento final da causa, poder ele requerer as providncias instrutrias que lhe parecerem relevantes para o deslinde da questo constitucional. (grifei)
Observo, no entanto, que a ABESUP, formalmente admitida
como amicus curiae, busca, com os pleitos anteriormente referidos,
ampliar o contedo material do pedido, do nico pedido, formulado pela
douta Procuradoria-Geral da Repblica, procedendo, assim, de modo
incompatvel com a sua posio jurdica na presente relao processual,
eis que, embora sequer ostentando qualidade para fazer instaurar o
processo de controle abstrato, por ausncia de legitimao ativa (CF,
art. 103, IX, c/c o art. 2, I, da Lei n 9.882/99), inovou o objeto
da demanda, como se fora verdadeiro litisconsorte ativo (e no
terceiro interessado ou especial), dilatando-lhe, tematicamente, a
esfera de sua abrangncia, o que se revela processualmente
inadmissvel, sob pena de romper-se a prpria estabilidade da
relao processual objetiva que se consolidou, no caso, com a
impugnao ao pedido feita pelo ora argido.
Vale referir, no ponto, a manifestao apresentada pelo
Instituto Brasileiro de Cincias Criminais IBCCRIM, tambm
formalmente admitido como amicus curiae, cujo teor bem revela a
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sua correta percepo do objeto da presente ao constitucional, tal
como foi ele delineado, de modo claro e preciso, pela douta
Procuradoria-Geral da Repblica (fls. 718/719):
O objeto desta ADPF no se confunde com o objeto das reunies ou manifestaes que, sob contnua ameaa de represso do Poder Pblico, justificaram a presente medida. As polticas pblicas envolvidas no debate em torno da cannabis sativa como substncia de uso proscrito no Brasil (polticas criminais e de sade) esto margem da discusso, nesta via.
A temtica jurdica submetida apreciao desse Supremo Tribunal Federal situa-se em domnios normativos superiores, de feio constitucional; mais precisamente, no mbito das liberdades individuais: esto em pauta os direitos fundamentais de reunio e de manifestao, enquanto projees da liberdade de expresso, em cujo ncleo essencial incluem-se as faculdades de protesto e de reivindicao, pressupostos de uma sociedade livre, aberta e pluralista.
Nessa perspectiva, as manifestaes que, sob ilegtima expanso normativa dos limites do art. 287 do Cdigo Penal, vm sofrendo censura estatal poderiam ter por contedo matrias reivindicatrias as mais diversas (v.g., a descriminalizao do aborto, da eutansia ou de qualquer outra conduta incriminada sobre a qual a sociedade esteja dividida); ainda assim, o objeto da ADPF persistiria o mesmo.
preciso, outrossim, que fique claro: a proteo judicial ora postulada no contempla e nem poderia faz-lo a criao de um espao pblico circunstancialmente imune ao fiscalizatria ordinria do Estado; menos ainda se propugna que, no exerccio das liberdades ora reivindicadas, manifestantes possam incorrer em ilicitude de qualquer espcie, como, por exemplo, consumir drogas. O espectro de liberdade que se objetiva ver assegurado aquele inerente portanto, adequado e necessrio aos direitos fundamentais implicados, sem que da decorra implcita permisso prtica de conduta que se possa
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traduzir em violao s normas integradoras do Direito em vigor. (grifei)
II. O uso ritual de plantas alucingenas e de drogas ilcitas em celebraes litrgicas
No desconheo, no entanto, Senhor Presidente, o relevo
das questes suscitadas pela Associao Brasileira de Estudos
Sociais do Uso de Psicoativos ABESUP e que se referem, dentre
outros temas, ao uso cerimonial de plantas e substncias
alucingenas ou psicoativas nas celebraes litrgicas, na
qualidade de sacramento inerente ao ritual, como expressamente
salientado por esse mesmo amicus curiae.
claro que esse tema, intimamente conexo ao postulado
fundamental da liberdade religiosa, considerada esta em suas
mltiplas projees, como aquela que compreende a proteo
constitucional das manifestaes litrgicas (CF, art. 5, inciso VI,
in fine), poder constituir objeto de eventual processo de controle
abstrato, instaurvel por quem disponha de qualidade para agir.
Cumpre referir, no entanto, ainda que para efeito de
mero registro, que, no Brasil, esse tema envolvendo o uso ritual,
em celebrao litrgica, no contexto de cerimnia religiosa (como as
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do Santo Daime, Unio do Vegetal e Barquinha), da Ayahuasca ou
Huasca (bebida com efeitos psicoativos) constituiu objeto de
apreciao pelo Conselho Nacional de Polticas sobre Drogas, que
considerou legtima a utilizao religiosa de tal substncia,
havendo estabelecido, em ato prprio, que o seu uso restrito a
rituais religiosos, em locais autorizados pelas respectivas direes
das entidades usurias, vedado o seu uso associado a substncias
psicoativas ilcitas (Resoluo CONAD n 1/2010).
A Resoluo em causa, ao assim definir o tema, preserva
a liberdade religiosa, cujo contedo material compreende, na
abrangncia de seu amplo significado, dentre outras prerrogativas
essenciais, a liberdade de crena (que traduz uma das projees da
liberdade de conscincia), a liberdade de culto, a liberdade de
organizao religiosa, a liberdade de elaborao de um corpus
doutrinrio e a liberdade contra a interferncia do Estado, que
representam valores intrinsecamente vinculados e necessrios
prpria configurao da idia de democracia, cuja noo se alimenta,
continuamente, dentre outros fatores relevantes, do respeito ao
pluralismo.
Cabe ressaltar, neste ponto, que a matria veiculada
nessa proposta da ABESUP, embora no componha nem se inclua no
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objeto da presente demanda, parece haver sensibilizado, j em 1971,
a comunidade internacional, pois a Conveno de Viena sobre
Substncias Psicotrpicas, assinada pelo Brasil, na capital
austraca, em 1971, formalmente incorporada ao ordenamento positivo
nacional (Decreto n 79.388/77), admitiu a possibilidade, desde que
oferecida a pertinente reserva (faculdade no utilizada por nosso
Pas), de utilizao lcita de plantas silvestres que contenham
substncias psicotrpicas (...) em rituais mgicos e religiosos
(...) (Artigo 32, n. 4).
interessante acentuar, por oportuno, considerado o
que estabelece a Conveno de Viena, que o Estado brasileiro, ao
editar a sua nova Lei de Drogas, embora no havendo manifestado,
formalmente, qualquer reserva ao Artigo 32, n. 4, do texto
convencional, excluiu, assim mesmo, da norma de proibio inscrita
em referido diploma legal, o uso ritual de plantas alucingenas em
celebraes religiosas, desde que obtida, para tanto, autorizao
legal ou regulamentar, como resulta claro do art. 2, caput, da
Lei n 11.343/2006, que assim dispe:
Art. 2. Ficam proibidas, em todo o territrio nacional, as drogas, bem como o plantio, a cultura, a colheita e a explorao de vegetais e substratos dos quais possam ser extradas ou produzidas drogas, ressalvada a hiptese de autorizao legal ou
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regulamentar, bem como o que estabelece a Conveno de Viena, das Naes Unidas, sobre Substncias Psicotrpicas, de 1971, a respeito de plantas de uso estritamente ritualstico-religioso. (grifei)
O exame do preceito legal ora reproduzido revela que se
trata de expressiva inovao introduzida em nosso sistema de direito
positivo, pois reflete a preocupao do Poder Pblico em respeitar a
liberdade religiosa e, notadamente, em manter inclumes os rituais e
as celebraes litrgicas de qualquer denominao confessional, em
ordem a excluir a possibilidade de interveno repressiva do Estado
motivada por atos que, registrados durante o culto, possam culminar
em utilizao cerimonial de bebidas ou de plantas alucingenas cujo
consumo seja dogmaticamente qualificado como prtica essencial, em
termos espirituais, segundo os cnones e as concepes teolgicas
formulados com apoio no corpo doutrinrio que d sustentao terica
a uma particular comunidade de fiis.
Observo, a ttulo de mera ilustrao, que a Suprema
Corte dos Estados Unidos da Amrica, em 2006, no julgamento do
caso Gonzales v. O Centro Esprita Beneficente Unio do Vegetal
(546 U.S. 418), que se referia utilizao ritual da Ayahuasca
pelos seguidores do Centro Esprita Beneficente Unio do Vegetal,
entidade religiosa fundada no Brasil, com representao no Estado do
Novo Mxico (EUA), proferiu deciso unnime (8 x 0) que reconheceu,
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no contexto do direito fundamental liberdade religiosa, a
possibilidade do uso litrgico de referida bebida (sacramental
tea), no obstante identificada por seus notrios efeitos
psicoativos, afastando a incidncia, nesse caso especfico, de
estatutos federais norte-americanos, como o Religious Freedom
Restoration Act (RFRA).
Tal discusso, porm, embora proposta pela ABESUP (que,
para tanto, ampliou, indevidamente, o objeto da presente demanda),
no est em causa neste processo, como enfatizado em passagem
anterior deste voto, no tendo pertinncia, portanto, na presente
sede processual.
H de se reconhecer, ainda, a inadequao do habeas
corpus para o fim postulado pela ABESUP, eis que impetrado, na
espcie, em carter abstrato, sem vinculao concreta a um caso
especfico, objetivando garantir a ausncia de represso estatal,
por efeito do pretendido reconhecimento, mediante deciso desta
Suprema Corte, da atipicidade penal de determinadas condutas, tais
como o cultivo domstico, o porte de pequena quantidade e o uso em
mbito privado da maconha; a utilizao de referida substncia para
fins medicinais, inclusive para efeito de realizao de pesquisas
mdicas (o que, aparentemente, j se acha previsto no art. 2,
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pargrafo nico, da Lei n 11.343/2006); o uso ritual da maconha em
celebraes litrgicas; a utilizao da substncia canbica para
fins econmicos, admitidos, quanto a ela, o plantio, a exportao e
importao, a distribuio ou a venda de insumos ou de produtos dela
oriundos, sem qualquer vinculao ao consumo da planta propriamente
dito.
Cumpre rememorar, neste ponto, que a jurisprudncia do
Supremo Tribunal Federal tem advertido, presente tal contexto, em
que se evidencia a absoluta indeterminao subjetiva dos pacientes,
com ausncia de uma dada e especfica situao concreta, que no se
revela pertinente o remdio constitucional do habeas corpus,
quando utilizado, como sucede na espcie, sem que se demonstre a
real configurao de ofensa imediata, atual ou iminente, ao direito
de ir, vir e permanecer de pessoas efetivamente submetidas a atos de
injusto constrangimento (RTJ 135/593, Rel. Min. SYDNEY SANCHES
RTJ 136/1226, Rel. Min. MOREIRA ALVES - RTJ 142/896, Rel. Min. OCTAVIO
GALLOTTI RTJ 152/140, Rel. Min. CELSO DE MELLO RTJ 180/962, Rel.
Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
Por tais razes, no considerarei a ampliao do objeto
da demanda proposta pela ABESUP, cingindo-me, unicamente, no
julgamento da controvrsia constitucional, ao exame do pedido, tal
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como estritamente delimitado pela eminente Senhora Procuradora-Geral
da Repblica, em exerccio.
Nesse sentido, o meu voto.