Adalberto Alves

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    Adalberto Alves

    PORTUGALECOS DE UM PASSADO RABE

    Instituto CamesColeco Lazli

    1999

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    Ficha Tcnica

    Ttulo: Portugal - Ecos de um Passado rabeAutor: Adalberto AlvesTradutor: Badr Younis Youssef Hassanein

    Concepo Grfica da Coleco: Mrio CaeiroNa Capa: Gebbs tradicional islmico, tcnica de excisoCriao: Arq. Jos AlegriaExecuo: Atelier Darquiterra

    Edio: Instituto CamesImpresso e Acabamento: IAG-Artes GrficasDepsito Legal: n. 144840/99ISBN: n. 972-566-202-4

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    ISLO, CULTURA PORTUGUESAE SENTIDO ECUMNICO

    Variadssimas razes existem para que a realidade islmicano devesse escapar ao interesse de quem pretenda fazer umaabordagem humanstica do mundo contemporneo.

    O ecumenismo hoje, apesar de todos os dramas que ainda

    afligem o homem, vai-se lentamente afirmando nas cons-cincias como expresso de um pressentido denominadorcomum de todas as religies.

    Tal ecumenismo deve ir mais longe, e tender a expressar-se atravs da fraternidade entre os seres e as naes.

    S o reforo dessa solidariedade essencial, em todos osaspectos e momentos da vida quotidiana, poder libertar ohomem dos perigos que o ameaam: o pesadelo da guerra, oespectro da fome endmica em tantas regies do globo,perante a nossa indiferena, e a destruio da natureza.

    Ora o ecumenismo, se assumido com os olhos do coraoe do intelecto, dever impelir-nos fatalmente ao

    conhecimento do outro, entendido este como pessoa, religio,cultura ou civilizao. Isto pela simples razo de que, uti-lizando o sentido bblico, conhecer amar. Hostilizamos etememos, na verdade, apenas aquilo que, de todo,desconhecemos.

    Eis porque o homem de hoje, qualquer que seja a suanacionalidade, filosofia ou religio, ter do mundo uma visofragmentria e incompleta se no conhecer, ao menossumariamente, as grandes linhas de fora do mundo islmico:o Alcoro , para dezenas de pases e milhes de seres,cdigo espiritual e tico e base fundadora das respectivassociedades.

    Mas esse imperativo de conhecer tanto mais fortequanto certo que talvez nenhuma revelao metafsica

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    saberia por certo encontrar o caminho que conduz aos osisda paz.

    Que os cristos possam visualizar o Islo como a religioonde Jesus e Maria so venerados como smbolos do amor!

    Todavia, Portugal, se todas as consideraes de ordem geralexpostas no fossem j suficientes, tem razes adicionais paraolhar com especial interesse para o mundo rabe-Islmico. que, ao faz-lo, olha para si prprio. O povo, na suaautenticidade, no esqueceu a herana rabe e o seu

    imaginrio, de que as lendas so o melhor repositrio.Continuou a perpetuar, de pais para filhos, as histrias rabesque perduram ainda entre ns, atravs da tradio.

    Todavia, e lamentavelmente, continua por fazer o balanoetnogrfico e cultural da presena rabe-berbere e islmica nonosso pas.

    O que j foi feito mal mostra a ponta do iceberg.Tem sidotrabalho rduo, desacompanhado de apoios e estruturas, depoucos e abnegados investigadores.

    A mera avaliao dos sinais dessa presena, em face deideias estafadas e de h sculos repetidas, minimizando oimpacto islmico, no mnimo perturbadora.

    Discorrendo ao acaso, evidenciar-se-:- Uma Ancestralidade semtica e berbere. Esta remonta a

    tempos pr-histricos e aquela provm da remota presenafencia e cartaginesa que a pesquisa arqueolgica e a anlisede estruturas antropolgicas no cessam de pr em evidncia.

    - No campo da Msica e da Dana, importa sublinharque, na sequncia da riqussima especulao terica muul-mana e das inovaes introduzidas no Alandalus peloiraquiano Ziryab, mouros e mouras asseguraram, antes e apsa conquista crist, a msica profissional, animando festaspopulares e esponsais de prncipes, como numerosos

    documentos coevos nos mostram. Por outro lado, grandeparte dos instrumentos que usamos, como o violino, a

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    guitarra, o alade, a gaita ou o adufe derivam directamente deinstrumentos rabes.

    Ainda hoje a mourisca, dana que o povo baila em festasaldes, eco bem vivo desses tempos longnquos.

    - No que respeita Literatura, pode-se discutir qual o graude impacto rabe na nossa poesia trovadoresca, mas que umainfluncia existiu dado absolutamente assente. Tal resulta,por exemplo, da simples comparao estrutural entre certascantigas galaico-portuguesas e o cancioneiro de Ibn Quzman.

    A prpria terminologia empregada, p.ex., as figuras do habib(amigo) ou do raqb(vigilante) sugerem essa convergncia.

    - No Direito, institutos como o da tera, e as designaese estruturas dos cargos administrativos revelam tambm asmarcas de intercultura.

    - Na Alimentao, basta compararem-se as descries dasiguarias constantes dos manuais andalusinos com as receitasda Idade Mdia, muitas das quais chegaram intactas ao card-pio actual da cozinha tradicional portuguesa, para nos con-

    vencermos de quanto os nossos hbitos de mesa so tribu-trios da civilizao islmica. J Fialho de Almeida chamava,em Os Gatos, a ateno, para tal facto.

    - No Vesturio, desde os mestres do ofcio, algibebes ealfaiates, designao de partes do traje, como a algibeira,tudo inculca em nosso esprito um decisivo contributo. Ainfluncia mourisca, to marcada em toda a Idade Mdia, ainda visvel nas modas da Renascena e s vem a serobliterada, j em tempos modernos, por influncia do norteda Europa, sobretudo da Frana;

    - Na Arquitectura e Urbanismo destaquem-se as tcnicasde construo militar e as da taipa e do adobe, sendo estasagora objecto de um novo interesse dos arquitectos, com orenascimento das construes em terra.

    E no esqueamos o Mudjar Alentejano tal como omudejarismo subjacente ao Manuelino e pormenores arqui-

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    tectnicos, como sejam o geometrismo ornamental dosesgrafitos nas fachadas alentejanas e algarvias, as adufas oumuxarabias, as aoteias, o cubismo e volumetria das casas, aschamins algarvias, as chamins alentejanas, cilndricas e deescuta, e as cubas ou abbodas vindas do morbito. Oprprio tipo do monte alentejano conserva muitos aspectosprprios da casa berbere. Refira-se, finalmente, a disposiotradicional dos povoados do interior, com o ncleo urbanocorrespondente medina, cercado de arrabaldes suburbanos,

    quintas e hortas.- Quanto nossa Agricultura, sublinhe-se que ela pde

    conservar-se at aos nossos dias mantendo os velhos mto-dos rabes de cultivo e de regadio. As espcies horto-frutcolas so quase as mesmas que o Alandalus conheceu eintroduziu e a que se vieram somar as contribuiesposteriores dos Descobrimentos.

    - O rico Artesanato portugus, da olaria aos cobres e la-tes, da cestaria aos vimes, das esteiras tcnica dos tapetesde Arraiolos, do trabalho dos couros e encadernaes sfiligranas, sem esquecer o mobilirio pintado do Alentejo,muito deve aos filhos do Crescente que, antes e depois, daconquista crist se notabilizaram nesses domnios.

    - Nas Tradies avultam histrias de mouras e mourosencantados. De tal maneira tais lendas encontram eco nopovo, que este continua, sistematicamente, a atribuir aquaisquer runas, grutas ou lugares misteriosos, ou seja, aquanto lhe fale imaginao, uma origem rabe.

    - Muito haveria ainda a dizer sobre a influncia da Cinciae do Pensamento Islmico na gnese do saber portugus.

    O prprio universo filosfico e potico de Cames,enquanto cultor do renascentista dolce stil nuovo, subsidiriodas criaes islmicas e descende da poesia provenal,

    semelhana do que aconteceu com Dante, conformedemonstrou magistralmente Asin Palcios. O episdio da

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    Ilha dos Amores, dos Lusadas, por exemplo, bebido emfonte rabe.

    Entre muitos outros aspectos, referirei o fundamental im-pacto da civilizao islmica no portugus atravs do veculocultural, da lngua rabe.

    Alguma e valiosa prospeco j foi feita, a nvel etimol-gico, por especialistas portugueses. E aqui as palavrasportuguesas de origem rabe parecem exceder, em muito, omilheiro pretendido por Carolina de Michaelis, o que, s por

    si, suficientemente eloquente. Todavia, uma outra explorao tem de ser feita, no

    apenas do ngulo da anlise esttica mas tambm do dadinmica da lngua. Por exemplo, no modo de formao decertos sintagmas, o portugus no encontra paralelo emnenhum outro idioma a no ser no castelhano e no rabe.

    Tambm uma carta completa da toponmia eantroponmia de origem rabe se encontra por fazer. Um tallevantamento, para alm de outras preciosas revelaesmarginais, permitir uma extrapolao sobre a densidade edistribuio do povoamento muulmano que, com ocorrespondente tratamento estatstico, trar certamentesurpresas, sobretudo quanto ao norte de Portugal.

    Analisar, pois, os trajectos de Portugal, ou da Espanha,sem neles ver a monumental pegada do Islo que refere BorgesCoelho querer falsificar o presente mediante o olvido dopassado.

    A viso eurocentrista da histria levou o Ocidente a clas-sificar de Renascena aquilo que, afinal, no foi mais do que acontinuao do antecipado renascimento que o Islo tinharealizado em plena Idade Mdia, com as decisivas contri-buies europeias do Alandalus e da Siclia. Assim se filtrouna retorta rabe, o legado do Oriente e tambm o greco-

    romano.

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    Sem o repositrio de saber que os rabes trouxeram detodas as partes do mundo, e que afeioaram e desenvolveramcom o seu gnio prprio, jamais teria havido Renascimento eteria sido difcil, seno impossvel, a grande aventura dasDescobertas levada a cabo pelos portugueses.

    O Islo, pela sua essncia simultaneamente simples etranscendental, pde consubstanciar os anseios ticos depovos bem diversos, mantendo-se por isso dinmico, vivo eexpansivo, mesmo na Europa. Dir-se-ia que sua civilizao

    ter Portugal ficado a dever muito da vocao universalistaque o levou aos quatro cantos da terra.

    Desejvel , portanto, a aproximao entre Cristandade eIslo para que, na feliz expresso de Franois Bonjean, qualdois elctrodos possam fazer saltar e brilhar o arco voltaico dassuas energias criadoras.

    S assim se acender a flama que, como diz o Alcoro, seacende com o azeite de uma rvore bendita, uma oliveira, que no doOriente nem do Ocidente e cujo leo brilha mesmo que no ateado pelo

    fogo. a luz por sobre a luz.

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    AL-MUTAMID E O DESTINO

    Tenho sido solicitado amide para falar ou escrever sobreal-Mutamid. E ainda bem que assim , no por mim, maspelo grande poeta luso-rabe.

    Acontece que, devido a isso, sou obrigado a repetir-mefrequentemente, no porque al-Mutamid no seja uma fonteinesgotvel de abordagem de matrias - tal a variedade e

    riqueza da sua personalidade - mas, porque colocando-me, namaior parte dos casos, numa perspectiva de divulgao souobrigado a analisar, sobretudo, aspectos de generalidade.Cai-se assim, invariavelmente, nas histrias, mais ou menosromnticas, de al-Mutamid e Rumaikyya, de Ibn Ammr e orio Arade, etc..

    Consideremos, todavia, um problema de Epistemologiahistrica que o de saber como podemos abordar a figura doRei-Poeta, de molde a surpreendermos a sua intimidade.Evoquemo-lo, para tanto, como o desterrado sentado portada sua cela de Aghmat, com o p preso grilheta, qual elededica vrios versos, tendo perto uma rvore com doiscorvos que fazem ninho. O deserto est prximo, eapresentam-se as cordilheiras do Atlas, pois Aghmat fica bemperto de Marrquexe. Consideremos tambm o esvoaantebando de cortiis aos quais ele dedicou um belo poema. Eimaginemo-lo na misria extrema do degredo, do cativeiro eda penria, a sonhar com os seus palcios e tempos de glria:rei, em Sevilha, rodeado na corte pelos sbditos,conselheiros, e literatos, quando era o mecenas a quem todosrecorriam.

    Al-Mutamid de tal modo fascinante que, por vezes, nosabemos bem onde acabam lenda e mito e comea o homem

    real. Mas o problema que se pe o seguinte: o que ohomem real, o que a verdadehistrica?

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    A nossa maneira de pensar e forma de estar no mundo,nomeadamente em relao Histria, derivou, em certamedida, de o Ocidente se ter transformado na fora maisimportante do planeta e de ter feito prevalecer a suaconcepo de vida, colonizando os outros povos. Portanto,essa maneira ocidental de sentir a existncia vingou, seguindoas concepes aristotlicas, na medida em que a Igreja deRoma as adoptou, glosou e imps enquanto percepo emundivivncia. E, assim, sobretudo atravs do Cristianismo

    romano que foi associado colonizao e disperso de taisideias pelo planeta, triunfou uma abordagem racionalista,positivista e binria do fenmeno realidade. Ou seja, na linhade Aristteles, as coisas ou so isto ou aquilo:afinal, a questode Shakespeare, ser ou no ser. Esta concepo, estritamenteligada a uma mentalidade ocidental, determinou o curso dacivilizao em que vivemos, a qual acreditou na fora nica einsupervel da Razo, logo da cincia, para explicar o mundo,compreender e descobrir todos os seus segredos. Podia,assim se julgava e muitos ainda hoje julgam, ser alcanado osentido ltimo da Histria e, atravs da especulao sobre os

    vestgios arqueolgicos, das obras que ficavam escritas, etc.,reconstitu-lo sempre na totalidade. Aquela seria interpretvelunivocamente.

    Mas, tal concepo binria imps-se em oposio totalquilo que os homens do esprito e do sagrado sempre haviampressentido em todas as pocas e em todas as religies: aRealidade no podia ser binria. Foi preciso chegarmos aolimiar de um novo milnio para que a nova Cincia e a novaLgica, paradoxalmente, se encarregassem de deitar porterra a forma atravs da qual nos havamos habituado a vero mundo, percebendo-o apenas atravs do intelecto e dossentidos: um mundo que, p. ex., bom ou mau, em que

    eu sou eu e o outro outro. Tudo isto foi posto em causaporque a Epistemologia tradicional desembocou num beco

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    sem sada. Assim nasceu a Nova Cincia, atravs de umaespcie de ironia do Destino. Realmente, vacas sagradascomo as fontes enquanto nica forma de apreciaoinstantnea da Histria, atravs da separao e arquivointelectual, foram objecto de tremenda crise. E isso, porquea Fsica, a Biologia, a Mecnica Quntica e a prpria Lgica- a chamada Lgica Difusa - levantarem a suspeita de quea matria e no ao mesmo tempo: p.ex., uma determinadaquantidade de pode comportar-se como uma partcula e

    como uma onda simultaneamente, ou seja,simultaneamente, parece estar num mesmo stio eno estar.

    A nossa observao da realidade cria a prpria realidade.Esta algo que no pode ser dissociado do observador. Ouseja, as fontes exprimem uma mera realidade subjectiva.

    E o que tem isto a ver com al-Mutamid?Evidentemente, tal constatao, do ponto de vista

    histrico, muito densa de consequncias porque, afinal, anica realidade do existente a de no ter qualquer realidadeespecfica. No fundo da indagao sobre a matria, chegou-se concluso de que, em termos matemticos e em rigor, nadaexiste. Para os sufis, a incognoscvel essncia de Deus, paraalm dos Seus atributos, rigorosamente um Nada naperspectiva epistemolgica.

    Do ponto de vista da Histria, abordando figuras comoal-Mutamid e Ibn Ammr de Silves, chega-se impossibilidade de saber quem eles foram. De facto, a suarealidade absoluta escapa observao. Ns criamos umarealidade das pessoas quando as observamos, e essasrealidades so de alguma forma, irreais. E ns prprios, aobuscarmos a nossa entidade, constatamos que para alm do euexiste o Si-mesmo. E o Si-mesmo qualquer coisa que no tem

    verdadeiramente uma especificidade individual. O Si-mesmo

    participa de uma realidade global. um precipitado daUnidade.

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    por tudo isto que a figura de al-Mutamid tem tanto deconhecida como de enigmtica, podendo dizer-se que, dealguma forma, ela escapa nossa observao. Por exemplo, aamizade entre Ibn Ammr e al-Mutamid tem sido pintadade muitas maneiras: desde uma relao vassalo-soberano auma relao de companheiros de juventude ou, inclusive, auma com contornos homossexuais. E efectivamenteelusiva: um pouco, talvez, de tudo isso e algo mais do queisso.

    Mas ns, ao abordarmos uma figura, no nos devemossentir frustrados por no atingirmos a sua verdade absoluta.Os seres tm muitas verdades e a realidade algo para almda soma dessas verdades, a verdade uma realidadecambiante. Ningum que leia um livro far dele a mesmaleitura, nem atingir a mesma personagem: a personagem quedele resulta h de ser sempre uma personagem projectadasobre mim prprio, a minha interiorizao dela. Quando oconhecimento atinge uma determinada massa crtica, ou seja,um certo patamar de percepo, a conscincia de nosabermos empurra-nos para uma forma de conhecimentosuperior. Scrates pensava que o Homem era um ser de Razomas, apesar da Razo ser muito importante, enquanto factorfundamental para nos ancorarmos no mundo damanifestao, o Homem , sobretudo, um ser de conscincia.

    Tudo isto para dizer que a personalidade de al-Mutamid enigmtica e fugidia, como , por exemplo, a de Ibn Qas,sob certos aspectos, ainda a mais desconcertante.

    Al-Mutamid , portanto, um ser contraditrio: por isso, notenhamos iluses sobre a possibilidade de sabermos tudosobre ele. Mesmo que ele tivesse deixado um diriopormenorizado, no saberamos, ainda assim, quem foi. Oque nos deixou foi algo de espantoso: os seus prprios

    versos. E esses versos, evidentemente, tm o valor de um verdadeiro dirio espiritual, porque al-Mutamid fez poesia

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    em todos os momentos da sua vida: na graa, na desdita, noamor... F-lo quando estava apaixonado, quando se sentiadesgraado, em todas as ocasies. E deixou-nos essetestemunho mpar.

    O ideal dos romnticos fora dar o corao em pastagem. Maso artista, quando cria uma obra, est a apresentar umamscara: tem vrias mscaras, cada poema uma mscara,Fernando Pessoa, enquanto iniciado, disse que o poeta um

    fingidor. essa mscara que cada um usar ao ler. E, no acto

    de ler, transformar a mscara - uma coisa de fingir,inanimada - e dar-lhe- vida, realidade. A criao artstica um mistrio e os mistrios no so para ser explicados, sopara ser vividos. Al-Mutamid tinha vrias mscaras de siprprio: pintou-se como pensava ser e pensou-se comoqueria parecer aos outros.

    Al-Mutamid merece ser chamado Poeta do Destino. Ossufis dizem que Deus o Destino e o Destino no senoDeus manifestando-se em ns.

    Ibn Ammr nasceu na zona de Silves, em Shannabus,talvez Estmbar. Veio a conhecer al-Mutamid em Silves,eram ambos muito jovens. Al-Mutamid tinha sido nomeadogovernador nominal de Silves, ainda adolescente, e a amizadeentre ambos comeou a. Ligeiramente mais velho que

    Al-Mutamid, Ibn Ammr era homem de origem humilde.Grande poeta, fez na juventude uma vida errante e passoumuitas dificuldades. Essa relao, feita de uma amizadeperfeitamente incontestvel, viria a acabar em tragdia.

    Ibn Ammr era muito ambicioso e al-Mutadid pai deal-Mutamid, viu com muito m catadura o ascendente deIbn Ammr e a influncia que tinha sobre o filho, afastando-o. S depois da morte de al-Mutadid, e quando al-Mutamidsobe ao trono que este chama Ibn Ammr para seu vizir. E,

    de facto, Ibn Ammr era estadista e diplomata de grandemerecimento. Mas, ambicioso, no se contentou em ser vizir

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    e querendo o poder, a partir de certa altura, atraioou diversasvezes. Desencadeou, inclusivamente, uma campanha poticacontra o amigo, fazendo versos a ridiculariz-lo. Masenquanto o Ibn Ammr, revoltoso conspirava, al-Mutamid,na corte, apreciava os seus versos e comentava-os em pblicodizendo: vejam com que estro potico ele diz mal de mim.

    Ibn Ammr, pela sua maneira de ser, tinha muitosinimigos na corte que conspiravam contra ele.Nomeadamente, a favorita de al-Mutamid, Itimad, tinha-lhe

    uma averso mortal. Esta relao shakespeareana o pontode partida para o declnio de al-Mutamid e tudo acaba deuma forma trgica. Um dia al-Mutamid irado perde a cabea.E porque pensa que, mais uma vez, Ibn Ammr o iria trair,

    vai cela onde o tinha prisioneiro e mata-o.Porm, privado da capacidade diplomtica de Ibn

    Ammr para deter a presso de Afonso VI a norte,al-Mutamid v-se obrigado a chamar os Almorvidas para oajudarem a combater as tropas crists. Mas os Almorvidasacabaram por o aprisionar levando-o para o cativeiro de

    Aghmat, onde morreu em condies deplorveis, aps cincoanos de grande sofrimento e estrica resignao.

    Podemos dizer que al-Mutamid - e isso v-se atravs dasua poesia - tendo sido um soberano extremamente poderosoe senhor de uma corte de grande esplendor, se no tivessesido to infeliz no final da sua vida, certamente que seria umpoeta estimado e muito apreciado pela sua poesia amorosamas no aquela grande figura, porque os melhores versosescreveu-os inspirado na pedagogia do Rigor divino.

    A lio da poesia de al-Mutamid que o mal no seno uma faceta do Amor e que o sofrimento pode seruma via para a autodescoberta. Ou seja, um maltransmutado em bem. A pergunta de Shakespeare, ser ou

    no ser?resolve-se em ser e no ser. O Amor sentirmos

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    que somos, no apenas ns, mas tambm o outro, ou seja,que o outro no existe verdadeiramente fora doMesmo.

    Comunicao introdutria apresentao do livro Al-Mutamid -Poeta do Destino, na primeira sesso pblica da ComissoInstaladora do Centro de Estudos Luso-rabes de Silves(CELAS) em 16.11.96, em Silves.

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    O TMULODE AL-MUTAMID IBN ABBD

    Em 1986 estive presente em Arzila, na Universidade deVero que leva o nome do clebre rei-poeta, natural de Beja,para sobre o mesmo apresentar uma comunicao.

    Terminada a minha participao, formei o desgnio, hmuito acalentado, de visitar a tumba de Al-Mutamid,seguindo a rota de tantos outros que, antes de mim,desejaram prestar homenagem quele que , talvez, a maisemblemtica figura da Histria do Alandalus.

    Al-Mutamid, como sabido, depois de ter sido derrotadoe destronado, em 1091 (484 H.), aps a queda de Sevilha, foidesterrado para Aghmat.

    Sabemos tambm o percurso do seu exlio: primeiro Tnger, depois Mequins, onde passou alguns meses,percurso esse marcado por episdios de que a sua poesia nosd testemunho.

    Aghmat simboliza como que um tmulo onde o poeta

    enterrado em vida. o contraste entre os palcios predilectos de Mubarak,Turayya, Wahd, Zh e Zahre o tugrio em que se encontraque o poeta lembra nos seus versos.

    A estes palcios poderamos certamente juntar, o clebrealccer deAsh-Sharajbda sua juventude em Silves, que ele to

    vivamente invocara nos seus tempos de glria em Sevilha. Tal contraste, todavia, no se resume aos aposentos. A

    vivncia de total desencanto: na misria em que osfamiliares vivem v Ibn Abbd o espelho da sua prpriadecadncia. As manifestaes de alegria dos homens ou obrilho da natureza no fazem mais do que acentuar a sua dor

    e mortificao.

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    Por isso, diz, a propsito das celebraes do fim doRamado, que as festas que, outrora, o faziam feliz, agora em

    Aghmat, o deixam triste ao ver as filhas cobertas de trapos epassando fome.

    Tambm, a propsito de uma saudao que lhe enviaram,refere que para o prisioneiro no deve haver votos de longa

    vida, dado s a morte ser libertao.Dissemos, por isso, que Aghmat assume aos olhos do

    poeta a configurao de uma tumba onde ele, com o lenitivo

    do tempo que dedica poesia, no v seno o stio ondeacabar os seus dias.

    Quatro lentos anos dura a agnica vivncia deal-Mutamid at que a eterna separadorao visita em 1095 (488H.).

    A fama do mito que ele foi tem levado geraessucessivas a visitar o seu tmulo.

    Mas que tmulo ?Garcia Gmez escreveu, em 1953, no n 18 da saudosa

    revista Al-Andalus, um detalhado artigo, intitulado El supuestosepulcro de Mutamid de Sevilha en Aghmat, em que, de umaforma muito expressiva, dava conta da sua peregrinao.

    No passava tal sepulcro, ento, de um mero amontoadodecadente de pedras e era isso que os meus olhos sepreparavam para contemplar (fig. 1).

    A desolao retratada por Garca Gmez no deixava deser impressionante enquanto ilustrao dos caprichos dodestino.

    O tmulo do homem que havia reinado sobre Crdova eSevilha nada mais era do que um monte de calhaus a mordero p.

    Diz-nos Dozy que al-Mutamid foi enterrado no cemitriolocal e que, algum tempo depois, por ocasio da festa de ruptura do

    jejum, o poeta andalusino Ibn Abd al-Samad deu sete vezes a volta aotmulo.

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    Mais tarde, j em meados do sc. XIV (1359), foi a vezdo poeta Ibn al-Khatib visitar tal campa, confirmando que amesma se encontrava no cemitrio, sobre uma elevao deterreno, e que ao seu lado estava o da sua bem-amada Itimadar-Rumaikya.

    Sculos mais tarde, em 1601, o enciclopdico al-Maqqriafirmaria ter visto as tumbas como as teria descrito um tal Lisanal-Dzn, e tambm sobre uma colina, como diz Ibn al-Khatib.

    Apesar de E. Doutt, na 1 Edio da Enciclopdia do

    Islo, falar de uma madrassa antiga onde existiriamnumerosos tmulos, um dos quais poderia ser o deal-Mutamid, nada autoriza uma tal hiptese.

    Os mais antigos documentos fotogrficos do tmuloparecem ser, como refere Garca Gmez, trs fotografias deGonzalo de Reparaz, feitas aquando de uma peregrinao aolocal, em 1934, e publicadas em Abril desse ano na revista

    frica.Remontando a 18 de Dezembro de 1952, data da visita

    de Garca Gmez, eis como este descreve o seu encontrocom o tmulo:

    Por sendas rurais caminhando para poente, no longe do actualaglomerado urbano, fomos dar a uma espcie de antigo cemitrioabandonado e j com poucas tumbas visveis... Era um cercadorectangular, feito de taipa, ligeiramente mais alto que um homem deestatura corrente, de uns cinco metros de comprido por trs de largo, ecom uma abertura, creio que a poente. Em frente abertura, um muretede pedras que no chegava at ela e mais baixo que o recinto, dividiaeste em dois, digamos, compartimentos: esquerda, no ngulo NO,havia um monto de pedras que nos disseram ser o tmulo de al-Mutamid e a NE, outro monto mais pequeno que nos disseram sero tmulo de Rumaykiyya Itimad; no compartimento da esquerda, ao

    fundo um terceiro monto de pedras, mais pequeno ainda, foi-nos

    referido como indeterminado (a Reparaz disseram-lhe, em 1934, ser odas princesas).

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    Seria maravilhoso, conclui Garcia Gmez, que, ainda que fosse coma maior modstia, se restaurasse o sepulcro.

    Tambm na conhecida pea de teatroMotamid, sobre a vida do poeta, do dramaturgo sevilhano Bls Infante,encontrei referncias a uma viagem que este teria feito a

    Aghmat, e a uma famosa fotografia que teria tirado junto dotmulo de al-Mutamid, rodeado dos actuais descendentes dopoeta. Infelizmente no consegui, at hoje, acesso a essedocumento.

    Era tal sepulcro, comovente na sua runa e que haviaconcitado a piedade dos homens, que eu, repito, mepreparava para ver naquela clida tarde de 15 de Agosto doano de 1986. No dia seguinte era a tradicional Festa doSacrifcio e, chegado a Marrquexe pelas 14 horas, pedi aoguia que me levasse imediatamente a Aghmat, j que nos doisdias que se seguiriam a visita seria impossvel e eu teria departir depois para norte.

    Metemo-nos, assim, ao caminho, apesar da inclemnciado sol, quela hora, desaconselhar o trajecto.

    Tommos a bem asfaltada estrada n 513 que progride nadireco do Atlas, at se embrenhar no frtil vale do ouedOurika.

    O caminho semidesrtico, tendo ao fundo a recortar-se oazul das montanhas, ia.alternando, nos cerca de 28quilmetros a percorrer at ao cruzamento para Aghmat,trechos de grande aridez, onde s despontavam piteiras e semostravam alguma casas de adobe no meio de esparsosolivais, a fazer lembrar uma paisagem alentejana.

    Aps meia hora de viagem, surge-nos esquerda ocaminho para Aghmat.

    Com 40 graus sombra, ao sair da estrada principal parainiciar uma pequena descida entre canaviais e arbustos

    espinhosos, acolhe-nos o canto montono das cigarras.

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    Ao entrarmos no lugar de Djmaa (mercado de 6 feira)um sem-nmero de berberes circula de bicicleta no af decomprar gneros. A emoo vai crescendo!

    Decorridos 500 metros, para minha surpresa, avisto, noo tmulo em runas que ia preparado para encontrar, mas umgracioso mausolu postado em espao dominado porfrondosas oliveiras a que exticos eucaliptos prestam guardade honra (fig. 2).

    O meu corao bate mais depressa mas a modernidade da

    construo atenua o impacto do encontro. No ar, atravs dosol coado, h um halo rosa, da cor do mausolu e dos murosdas construes em volta.

    Das campas do velho cemitrio. j nada resta, mas omausolu, construdo no lugar do antigo tmulo, est aindano cimo de uma suavssima rampa, possivelmente tornadamais discreta por movimentos de terras, que chuvas e ventosde sculos vieram depor no seu sop.

    porta encontra-se o velho guarda que mais parece umadessas figuras de marbuto dos tempos almorvidas. Diz ter80 anos e que se chama Mulay Abd ar-Rahman, o que vaibem para nome de santo. Vela pelo tmulo desde 1967, dataem que a famlia real o mandou construir.

    Entramos em silncio e deparamos, num ambiente deformosa paz e simplicidade, com trs campas belamentedecoradas, graas ao tradicional revestimento em ze l l i j . Adisposio dos tmulos est alterada em relao descriode Garca Gmez. O mais pequeno, que o guarda designacomo sendo de uma filha de Ibn Abbd e de Itimad, estcolocado entre os destes (fig. 3).

    Na cabeceira dos tmulos do casal, lpides murais doapontamento da sua vida e a toda a volta um friso, tambmfeito em zellij, composto por versos de Ibn al-Kha-tb em

    louvor do poeta. A porta da sala d para um ptio interior,bem maneira rabe, que tem ao centro um lago hexagonal.

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    Dos versos que escreveu o poeta, nas vsperas da suamorte, e que constituem o epitfio aos ps da sua campa,constam as nicas linhas descrevendo o prprio tmulo, edelas conclumos que iria ser localizado ao ar livre, aberto sintempries, e tapado por uma larga laje (fig. 4).

    Diz o poema:

    ...regue-te o chuvisco vespertino e matinal...

    antes de olhar este esquifemal sabia eu que altas montanhassobre tbuas repousaramque as taciturnas nuvenste reguem entre raios e trovessobre esta lage to larga.

    Al-Mutamid tinha certamente conscincia de que lhecaberia um lugar na histria, como rei, mecenas e poeta.

    Apesar da vida miservel a que era obrigado, poetasilustres no deixavam de vir periodicamente visit-lo. O

    prprio povo de Aghmat, por certo lhe renderiahomenagens, pois a presena de um rei e poeta famosodesterrado em lugar to remoto no deixaria de suscitarcuriosidade, tendo em conta a abnegada resignao queostentava.

    Alis, o prprio al-Mutamid quem o diz num verso,falando para consigo prprio:

    As gentes de Aghmat cantaram para ti as suas melodias:Pesadas so para o teu esprito e corpo!

    Assim, bem provvel, que al-Mutamid, a quem

    recentemente tinha morrido Itimad, j tivesse destinado ostio onde seria enterrado: certamente, ao lado dela.

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    Da que os vagos elementos que constam do seu epitfiose casem com as caractersticas do tmulo descrito poral-Khatb, Lisan al-Dn, al-Maqqar e Garca Gmez, ou seja,um tmulo raso e no coberto. Tambm a localizao numaligeira elevao coincide nos relatos dos visitantes.

    Sabemos, por outro lado, a devoo que dedicada pelopovo de Marrocos ao culto dos marbutos. A esse respeito, bem esclarecedora a obra de mile Dermenghem Le culte dessaints dans lIslam maghrbin. Ora, poucos dias aps a morte de

    al-Mutamid, conforme conta Ibn Haqn em Qalaid, foi oseu tmulo visitado pelo poeta al-Samad, o qual,acompanhado pelo povo que se encontrava no cemitrio,durante todo o dia, prestou homenagem tumba do poeta,andando sua volta, como j dissmos.

    No , pois, de crer que a venerao, transmitida degerao em gerao, pudesse deixar de se manifestar nummesmo local de romagem: aquele que era desde sempreconhecido como o tmulo de Ibn Abbd.

    Essa foi a impresso que colhemos e que mais se radicouem nosso esprito aps termos visitado o pequeno anexodentro do ptio do mausolu, contguo entrada.

    A estantes vazias destinam-se constituio de umabiblioteca sobre Al-Mutamid. A nica obra ento existenteera um grosso livro de visitas com quase todas as pginaspreenchidas.

    Liam-se nele mensagens, em numerosas lnguas, taiscomo japons, chins, italiano, etc., de gente do povo,intelectuais, polticos, entre as quais a de um ministro da

    Arbia Saudita.Uma nota impressiva de um viajante francs incgnito

    reza:

    Terceira visita. Sempre igualmente comovido. 29 de Outubro de

    1977.

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    Ainda um outro apontamento em francs:

    A grandeza do passado repousa aqui.

    A esmagadora maioria das mensagens so em rabe efalam dele como de um marbuto se tratasse. Talvez comrazo. Foi sacerdote da poesia e morreu piedosamente, emsubmisso a Al, frente ao rigor do Destino, o qual semprejusto, considerado na sua totalidade. Mostrou-se, de facto,um cavaleiro da coragem.

    Voltei ainda a Aghmat em outras duas ocasies. A segunda foi aquando do Congresso-Festival Mundial

    sobre al-Mutamid, realizada em Dezembro de 1995 poriniciativa dos soberanos de Espanha e Marrocos. Desta feita,a visita efectuou-se com pompa e circunstncia, em ambientefestivo. Mas senti-me triste, porque Portugal,institucionalmente, faltava quele encontro.

    A terceira vez, aconteceu em Maio de 1998, na da visitade estado do Presidente Jorge Sampaio a Marrocos.

    A ida ao tmulo do rei-poeta no constava do programaoficial, porm, a meu pedido e por sugesto minha, j emMarrocos, foi inventada uma vaga no circuito, e a comitivaconseguiu deslocar-se a Aghmat.

    Foi a primeira vez que um Presidente prestouhomenagem ao maior poeta rabe de Portugal.

    Diante do seu tmulo, li os seus versos em portugus e ohistoriador marroquino Hamid Triki fez outrotanto em rabe(fig. 5).

    A emoo espelhava-se em todos os rostos e,simbolicamente, Portugal reconciliava-se com uma parte dasua Histria.

    O Presidente de Portugal deixou escrito o seu testemunho

    comovido no livro de visitas e eu revi aquilo que ali haviadeixado registado, doze anos antes:

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    de Beja a Aghmat.um longo caminho no sofrimentouma clara via para a imortalidade.

    Texto revisto e adaptado do estudo inserido em Portugal e oIslo, Lisboa, Ed. Teorema, 1991.

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    reflexo da procura interior, e o verdeque, como prefiguraodo jardim do den, a prpria cor do Islo.

    Sintoma do anelo rabe pela Ilha o que os gegrafosmuulmanos chamavamJazair al-Khalidat, ou seja, Ilhas Eternas,por eles situadas ao largo da costa ocidental de frica. Por

    vezes, com localizao idntica, falam nasJazair al-Saadat, ouJasair Suada, ou seja, Ilhas Afortunadas.

    No foi, at hoje, possvel saber-se, em concreto, queilhas eram designadas com tais nomes, mas tem-se como

    provvel que se referiam s Canrias, Madeira e Aores.A febre das ilhas, que veio a apossar-se dos descobridores

    portugueses, j fervilhava nas veias dos nossos antepassadosluso-rabes, como mostra a clebre Lenda dos Aventureiros, dostempos da Lisboa mourisca, tal como contada pelo grandegegrafo rabe medievo, al-Idrs, na sua Descrio da frica e daEspanha.

    A Lenda dos Aventureiros, referida por outros gegrafosrabes, como al-Himyar, Ab Hmid ou al-Umar.

    E Lisboa, que tinha, na altura, localizada nas suasmuralhas exteriores, uma sada virada ao mar, conhecida porBab al-Khamma, ou seja, Porta das Termas (Alfama), passou achamar, desde a referida viagem, rua que dava para essaporta Darb al-Magrurn, ou seja, Rua dos Aventureiros. Estahomenagem celebrou para a posterioridade o feito de oitoprimos-irmos que alcanaram, provavelmente, as ilhasCanrias. Esse feito est hoje comprovado historicamente,sabendo-se que um deles, veio a tornar-se almirante daesquadra omada que, em meados do sculo IX, defendiaa costa dos normandos.

    bem significativo que o Atlntico, que os rabes doAlandalus chamavam deMar Tenebroso (al-Bahr al-muzlim) ou Mar Circundante, foi muitas vezes chamado tambm al-Bahr

    al-Akhdar, ou seja, oMar Verde.

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    As lendas islmicas, do gnero histrias de herosmo emoralidade, so, por outro lado, frequentes exemplos do

    valor dado simblica da ilha. De tal forma, que uma dasmais famosas lendas, transmitidas pela leitura oral, se chama,precisamente, Como as ilhas foram convertidas ao Islo. Conta ela,como em tempos o Povo das ilhas orientais costumavasacrificar, todos os anos, uma virgem ao demnio do mar, ecomo um tal Ab Barakti, o primeiro muulmano a chegar atais ilhas, venceu, pela fora da recitao do Sagrado Alcoro,

    a fora satnica e livrou as ilhas desse medonho tributo (JanKnappert, Islamic Legends, 1985, II, 440).

    , incontestvel que a obsidiante viagem em busca da ilhaseja, na literatura rabe clssica, fonte de mltiplas alegorias.

    Assim, por exemplo, a Ilha das Mulheres, encontra-se nosmares da China.

    A Ilha das Filhas da gua, acolhe elusivas beldadesmarinhas proporcionadoras de delcias, mas sempre prontas aescapulirem-se para o mar. E precisamente o episdio daIlha das Donzelas da obra rabe Livro da Prolaou Histria doTempo de Shatib, que ter sido a fonte onde Cames colheuinspirao para o episdio, de Os Lusadas, da Ilha dos Amores(J.Garcia Domingues,A Concepo do Mundo rabe-Islmico nosLusadas, 1972,3).

    Ibn al-Faqih descreve assim as Ilhas Afortunadas:...Alm do Al-Andalus (a Poente) , a uma distncia igual que

    dela nos separa, Deus Alto e Todo-Poderoso criou gentes que noconcebem que algum se revolte contra Ele. No lavram, no semeiam,no colhem, mas diante das suas portas h rvores que lhes do frutosde que se alimentam: rvores de folhas largas com as quais se vestem.

    Na sua terra h prolas e rubis, nos seus montes ouro e prata...(Angelo Arioli, Islario Maravilhoso, 1992, 102)

    J al-Himyar, a quem devemos uma descrio da

    Pennsula Ibrica onde detalhadamente so referidas vriascidades luso-rabes, nos fala das virtudes curativas da pedra

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    baht que pode ser encontrada em... uma das Ilhas Eternassituadas no Extremo Poente, onde est o Mar das Trevas, por detrsdo qual se ignora o que possa haver...(Islrio,103) .

    Uma outra ilha interessante a que o gegrafoal-Qazwin, chama de Sshin que descreve como paralelaao limite de Alandalus, de uma longitude equivalente a vinte dias deviagem, abundante em toda a espcie de bens naturais e povoadssima derebanhos... Toda a gente se enfeita de ouro como nenhuma outra... Etem, alm disso, uma maravilha que no se encontra em nenhuma outra

    parte do mundo. Essa maravilha, conta o narrador, umpssaro cujo ovo, a partir de uma planta, se forma nabruma do mar (Islrio, 111).

    Muitas outras ilhas poderiam ser referidas como a Ilha daRazo, tambm descrita por al-Himyar, sita no Mar

    vermelho, entre o Imen e a Etipia, onde da Fonte da Razobrota gua que transformaria qualquer homem em filsofo.Dispenso-me de comentar a evidente componente simblicadeste relato associando gua e saber (Islrio, 179).

    So, pois, tantas e to variadas as referncias ilha naliteratura rabe clssica, que no poderemos ir mais longe nasua inventariao, deixando para trs, descries tointeressantes como, por exemplo, aquela que al-Bakri nos dtambm das Ilhas Afortunadas (ver F. Pons Boigues, LosHistoriadores y Gegrafos Arbigo-Espanoles, 1972, 163).

    No quereria, no entanto, deixar de referir dois casosextremamente significativos da espiritualidade islmicaassociados ilha: o primeiro a fabulosa novela filosficaHayy ibn Yaqsan, do grande pensador granadino do sc. XII,Ibn Tufayl, fsico e conselheiro do califa almada Ab

    Yaqb. Ibn Tufayl foi, alis, quem ajudou o ento jovemfilsofo Averris a afirmar-se na corte. Na sua obra, explanaIbn Tufayl, de forma extraordinariamente bem conseguida, o

    seu sistema filosfico, sob a forma de romance. Nele se contaa histria de um rapazinho abandonado numa ilha deserta e

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    criado por uma cabra selvagem que, aprendendo sozinho, vaidescobrindo metodicamente a orientao cosmolgica at contemplao filosfica de Deus. Daqui colheu DanielDefoe, inspirao para a sua aventura Robinson Crusoe.

    A outra obra que queramos referir chama-seNarrativa dascoisas estranhas e maravilhosas contempladas e vistas na Ilha Verdesituada no Mar Branco, devida pena do jovem mestreespiritual (shaykh ) persa Al ibn Fazel Ma Zandarin, emfinais do sc. XIII.

    Tal narrativa, inserida no universo da gnose xiita,revela-nos que o autor, discpulo de um mestre do Alandalus

    viajou para a terra dos Berberes, ou seja, para Ocidente,depois de ter atravessado um grande deserto, verosimilmenteo Saara. Chega, enfim, a uma pennsula fortificada dos xiitas,impregnada da presena do Imame Oculto e constata que oscampos em volta no esto cultivados. -lhe ento dito que asubsistncia dos habitantes provm da Ilha, situada no MarBranco, que uma das ilhas dos filhos do Imame Oculto.

    Nessa ilha, que ele depois visita, luxuriante, paradisaca ede belas construes, vem a aceder a uma verdadeira mutaointerior, chave de acesso genuna cavalaria espiritual (HenriCorbin, Face de Dieu, Face de lhome, 1983, 31 e sgs, e IslamIranien, 1971-73, IV, 346 e segs.).

    Que tem a terra dos Aores a ver com tudo isto ?Ibn al-Faqih al-Hamadani, o j citado autor, ao falar, no

    seu livro Resumo do Livro dos Pases, das Ilhas Aventuradas,referia-se, como hoje geralmente aceite pelos arabistas, aos

    Aores, Madeira e Canrias.Outro aspecto, esse indiscutvel, a impresso rabe

    deixada nestas ilhas, banhadas de nevoeiro e mito, por forada expanso portuguesa.

    Segundo um dos maiores arabistas espanhis, Asin

    Palcios, o prprio topnimo Aores, no se deve s aves,

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    mas sim ao vocbulo rabe que significa os mouros. A serassim, que mouros teriam existido nos Aores ?

    Lus da Silva Ribeiro na sua monografia Formao Histricado Povo dos Aores, corroborando a influncia rabe naformao do patrimnio tnico aoriano, louva-se naobservao de Gaspar Frutuoso, que afirmou terem sidorabes os primeiros habitantes da Ilha de S. Miguel,referindo-se at a dois regentes mouriscos, um provenientede frica e outro, que ficou famoso, Jorge Velho, oMouro.

    Alis, a toponmia, que no mente, deixou o seutestemunho: refiramos, como exemplo, apenas na Terceira, aCanada do Mouro e a Ribeira do Mouro (Manoelito deOrnelas, Gachos e Bedunos, Rio de Janeiro, 1956, 221).

    Estas impressivas razes arbicas, foram igualmenteprofundas na Madeira, chegando a cidade do Funchal a ter asua Mouraria e havendo a tradio de que, Ponta do Sol,Santa Cruz, Curral das Freiras e Machico foram terras decolonizao rabe. Por isso, os padres Fernando Augusto daSilva e Carlos Azevedo de Meneses, autores do Elucidrio

    Madeirense, dizem que no para estranhar que esses indivduos,nos quais domina quase sempre o sangue rabe, deixassem em certasregies, vestgios notveis da sua estada na ilha, como a deixaram naantiga indumentria e nos caracteres antropolgicos duma parte da

    populao madeirense. Tambm na msica e na dana das ilhas, se surpreende

    essa fonte em relao ao imaginrio rabe. Lus da SilvaRibeiro na sua monografia sobre o vilo no teatro popular deS. Miguel, acentua o grande papel das mouriscas oumouriscadas e lembra que h o romance mourisco, houve a danamourisca, que saa pelo menos na procisso do Corpus Christi na Hortaem 1644, e subsiste na Madeira, conhecida no Funchal por Bailinhodos Viles e existem supersties, modos de dizer, etc., de origem rabe

    ou moura.

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    Por outro lado, Maria de Lurdes de Oliveira Monteiro(Porto Santo, in Revista Portuguesa de Filologia, 1948), aoanalisar o Baile da Meia Volta de Porto Santo, aponta ascaractersticas irrefragveis dos rabes, com os quais a ilha, durantesculos, teve intercmbio populacional: ...no h ningum que, vendoestas rodas e meneios lentos, em noites de luar e ouvindo as toadasmelanclicas e trinadas que os acompanham no chegueinstantaneamente a essa concluso, to grande a semelhana.

    No citado Elucidrio Madeirense, a propsito da Vila da

    Santa Cruz, na Madeira, diz-se que nela se mostrava, ainda hpouco, na igreja, um retbulo onde figuravam escravos mourosusando um pequeno turbante afunilado, com uma ponta cada, de quederivam a carapua do vilo e a toalhinha pendente da cabea, antigostrajes da camponesa da Madeira. Dos mouros a dolncia dos cantares.Dos mouros as lengalengas serranas, os populares lengi-lengi, o nevoeiro,a formiga que o seu p prende. Entre as brumas, princesas encantadas,as histrias de palcios e riquezas entesouradas... Dos mouros ainda ocuscuz, essa massa granulada de trigo, to apreciado pelas classes pobresque s comem nas ocasies solenes... pelos baptizados e casamentos, no

    faltando o ramo da segurelha e o coentro que encima o prato e oaromatiza.

    Referir-se- essa tradio secreta, velha de sculos, ilhade S. Miguel, perturbantemente conhecida por Ilha Verde?

    Ilha, logo centro primordial de esprito; verde, logo cor doconhecimento, do Paraso e da santidade.

    A emanao do Imame, herdeiro da Atlntida, no ser amarinharia poticade que falava Natlia Correia e de que ela,

    Antero e Nemsio pressentiam a rota?A ilha umbral da numinosa viagem em direco ao Ser!Ela representa por um lado a emergncia manifestada nas

    guas criadoras e imensas. Como uma epifania que precipita amemria, como um rochedo no meio do catico oceano

    primordial.

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    A terra uma ilha no sistema solar, este uma ilha na nossagalxia e a nossa galxia uma ilha no cosmos ilimitadobanhado pelo mar ilusrio do tempo.

    O Ser o nico que sendo meta inicial, no ilha nemmar e desconhece o tempo. O homem ilude-se quando,assumindo uma exterioridade, adora a divindade. Se o fazdeixa que as guas do olvido o separem do Ser,confinando-se ilha que, apesar de epifnica, nos torna presade uma mortal nostalgia. Transforma-se o amador na coisa

    amada dizia Cames, por isso apenas a fora do amor podedissipar a ilha e as suas brumas. Seremos apenas assustadasaves de asas curtas, aoitadas por desesperos e dios,ignorncias e medos, se nos falta a conscincia do oceano deque somos parte e nos embala no jogo da existenciao.

    esta a principal concepo do islamismo sufi, bebida dasabedoria dos Profetas, e que se pode resumir na afirmaoplena de santidade e abolidora de limites, de al-Hallj, nosculo XI, Ana al-Haq !: eu sou a Realidade !.

    O poeta andaluz contemporneo, Antnio Gala, herdeiroda tradio rabe-muulmana, exprime esta ideia comdiferentes mas no menos admirveis palavras:

    Olho os olivais, respiro fundo e sei que ainda estou vivo; que, dealguma maneira, estarei vivo sempre. E ponho-me a cantar em silnciouma cano que no se aprende; o sangue sussurra ao ouvido cadasangue novo. Uma cano que repete que todo o ser importante, porquesem ele a Natureza no seria como , nem estaria completa. Todo ser uma gota de orvalho que dura o que dura a noite. Inextinguivelmente, anoite repetir-se- e repetir-se-o o orvalho e a erva e o primeiro plenilniode Dezembro sobre campos e praias. Porque a vida no se acaba nunca.Porque o que uma vez sucedeu, sucede para sempre.

    Os poetas so sonmbulos profetas.

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    Texto recolhido da minha obra Ntido Crescente, Lisboa, Ed.Hugin, 1997.

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    IBN QASI E OS COMEOS DEPORTUGAL

    Ab al-Ksim Ahmad Ibn Qas foi figura impar nahistria do Alandalus. Este luso-rabe, de origem muladi,distinguiu-se em diversos nveis. Como literato, ficouproverbial, apesar dos poucos versos que at ns chegaram, asua reconhecida erudio. Como chefe religioso e sufi, deuorigem ao movimento dosMuridn, onde se avantajou comoimam e mahdi. Como emir de Taifas chegou a governar,embora brevemente, uma parcela relativamente considerveldo Gharb al-Andalus. A sua actividade poltica esteve naorigem de dois factos marcantes no sculo XII: a vinda eestabelecimento dos Almadas na Pennsula Ibrica e aaliana que fez com D. Afonso Henriques, num momentoem que Portugal caminhava para a afirmao definitiva comoEstado.

    Todavia, so misteriosos muitos aspectos da sua vida.Grande parte do seu percurso permanece envolto em

    sombras, sendo certo que se impe, a nosso ver, e nasequncia de investigaes que vimos desenvolvendo halguns anos, uma completa reinterpretao do seu percurso einterferncia nos sucessos histricos do sculo XII.

    A fonte mais directa para o conhecimento da poca dogrande mstico seria, sem dvida, a Histria dos Muridinosou Revolta dos Muridinos, do seu contemporneo e, porassim dizer, conterrneo Ibn Shib al-Salt, histria essa aque este faz frequente referncia no seuAl-Mann bi-l-Imma.(1) Todavia, trata-se de uma obra que, at hoje, no foipossvel localizar e que se cr perdida.

    O juzo das fontes rabes, acolhida em grande parte dos

    casos, de forma muito acrtica, pela historiografia posterior, extremamente negativo para Ibn Qasi: bastar recordarmos

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    Ibn al-Abbr, Ibn al-Khatb, al-Marrkush ou Ibn Khaldnaos quais, nos tempos modernos, se seguiram Conde,Codera, Aff, David Lopes ou Addas. (2)

    Conde chega ao extremo de inventar pormenorescaricatos sobre o relacionamento entre Afonso Henriques eIbn Qas. Codera limita-se a transcrever, sobretudo, Ibnal-Khatb, sem todavia, questionar os seus juzos. DavidLopes tem o mrito de ter traduzido, parcialmente, algumasfontes mas sem tentar uma abordagem crtica. Aff, apesar da

    sua erudio na mstica islmica, parece no ter chegadonunca a conhecer directamente o tratado mstico de Ibn Qas,O Descalar das Sandlias (Khal al-Nalayn ), j que o seuestudo se limita a fazer uma colagem de passagens desta obra,citadas por Ibn Arab no seu Comentrio (Sharkh ) mesma.

    Alm disso, Aff demonstra juzos preconceituosos contra oshaykh de Silves, retirados apenas de algumas apreciaesnegativas de Ibn Arab constantes do Sharkh, mas ignorandocompletamente as numerosas que so favorveis contidasnas Iluminaes Mequenses(Futht al-Makkiyya).

    No admira, por isso, que as concluses a que chegasejam estereotipadas e discutveis. Claude Addas parecenavegar nas mesmas guas: louva-se no Sharkh, para concluirque o juzo de Ibn Arab sobre Ibn Qas seria radicalmentenegativo, esquecendo no s as ditas passagens das Futhtcomo tambm as dos Engastes da Sabedoria (Fuss al-Hikam)onde o Shaykh al-Akbar credita ao mestre dos Muridinos apaternidade de conceitos que ele prprio perfilha. , porexemplo, o caso da importantssima perspectiva sobre aequivalncia dosNomes Divinos. (3)

    Ao que parece, todas as fontes rabes foram beber a IbnShib al-Salt que, como cronista de servio do poder

    Almada, denegriu quanto pde Ibn Qas e o seu movimento

    dos Muridinos. Tal tem a sua razo de ser: que o assassniodo Shaykh, a mando dos almadas, no conseguiu liquidar,

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    dois soberanos ganha uma simblica e um alcance que, ataqui, parecem ter passado completamente despercebidos.

    Ibn Qas considerado, por um lado traidor, pelosortodoxos sunitas, e a aliana vista, por outro lado, comoespria, pelos cronistas cristos, que pura e simplesmente aomitem. Alm disso, Afonso Henriques, como para quebranqueamento de tal mcula, glorificado comomata-mouros e quase santificado no episdio lendrio dabatalha de Ourique. Ora, o primeiro rei de Portugal, se bem

    que grande conquistador de terras muulmanas, foisimultaneamente um esforado protector dos direitos dasminorias mouras, consagrados em forais que espelham umamimetizao da Dhimma islmica. sabido o seu papel,aquando da conquista de Lisboa, para travar os cruzados donorte que todos queriam passar a fio de espada... Refira-se,ainda, que de mulher moura teve D. Afonso Henriques o seufilho bastardo, o infante Martim Afonso Chichorro.

    O alcance da aliana entre Ibn Qas e Afonso Henriquesdeve, assim, entender-se como algo de verdadeiramentesignificante, e no mero pacto de oportunismo. isso queresulta do estudo aprofundado das ideias sufis daquele e dosideais templrios deste.

    Por isso, as trs teses de doutoramento sobre Ibn Qas, deGoodrich, Dreher e Elliot, embora apresentando importantescontributos, so viradas, sobretudo, exterioridade polticada actuao do chefe dos Muridinos. Tm, todavia, todaselas, os seus diferentes mritos. Goodrich estabeleceu o textorabe, embora baseado apenas num dos manuscritos. Dreherapresentou uma traduo parcial, baseada no outromanuscrito, mas circunscrita ao escopo da sua tese. Elliotprocura dar uma viso de conjunto atravs de pequenosexcertos de cada um dos captulos mas deixando quase de

    lado o texto qassiano.

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    Falta cumprir uma das etapas fundamentais: inserir amensagem global do seu Livro no conjunto da tradio sufi eda gnose ismaelita e, muito em particular, relacion-la no scom os Mestres da impropriamente chamada Escola de

    Almeriamas tambm com a dos seus discpulos, directos eindirectos, entre os quais se inclui, evidentemente, Ibn Arab,atravs das obras j citadas.

    Parece ser este o caminho mais seguro e estimulante parauma compreenso do pensamento muridnico e para uma

    interpretao da carreira, intensa, e aparentementedesconcertante de Ibn Qas. (7)

    (1) Publicado com estudo preliminar, traduo e ndices por Huici Miranda, A.,Valncia, 1969.

    (2) Conde, Jos Antnio: Histria de la dominacin de los rabes em Espaa,Madrid, 1874; Codera, Francisco: Decadencia y desaparicin de los Almoravides enEspaa, Zaragoza, 1899; Aff, A.: Ab-I-Qasm b.Qas wa Kitabuhu Khal al--Nalayn in Majallat Kullyat al-db XI, 1957, 53 - 87, edio da Jmiat al--iskandirya; Lopes, David: Os rabes nas obras de Alexandre Herculano, Lisboa,1911; Addas, Claude: Ibn Arab ou la Qute du Soufre Rouge, Paris, 1989, eAndalusi Mysticism and the rise of Ibn Arab in The legacy of Muslim Spain,Leiden, 1992.

    (3) Na verdade cada Nome Divino qualificado por todos os NomesDivinos; traduzido como Sabedoria dos Profetas, por Titus Burckhardt, Paris, 1955.

    (4)Al-Mann..., ed. cit., 134/135.

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    (5) Halima Ferhat p. ex., defende em Le Maghreb au XII et XIII sicles: les sicles dela foi, Casablanca, 1993, que Tahir Sadaf, autor mstico dos finais do sculo XII teriasido difusor ou continuador das ideias muridnicas. Embora no tenhamos lido omanuscrito indito da Biblioteca de Berlim, j temos a sua traduo alem, ejulgamos forada uma assimilao dos discpulos de Ibn al-Arf aos muridinos.

    (6) De facto, D. Afonso Henriques, no documento em que confirma a con-cesso aos Templrios do Castelo de Soure, afirma expressamente ...em vossaIrmandade e em todas vossas boas obras sou irmo..., cf. Frei Bernardo da Costa, Histria daMilitar Ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo, Coimbra, 1771, 158-9.

    (7) Comunicao apresentada no Simpsio Internacional O al-Andalus e aFormao do Reino de Portugal, realizado de 16 a 17 de Fevereiro de 1996 na Reitoria daUniversidade de Lisboa e a incluir nas Actas respectivas e tambm inserido na minhaobra Ntido Crescente, Lisboa, Ed. Hugin, 1997.

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    TOLERNCIA EM CONTEXTOISLMICO

    O moderno Direito Europeu, de extracoromano-germnica assume um carcter essencialmentepragmtico, ou seja, traduz-se num conjunto de normasdestinadas a facilitar a existncia do homem, enquanto ser derelao. Porm, tal relao deve ser entendida enquanto

    fenmeno puramente social, ou seja, que se traduz numaexplicao externa.

    A realidade relativa ao homem apenas com traduo noforo ntimo quase sempre alheia ao Direito Europeu. Estetem uma natureza a se, com um cdigo prprio de valores.

    A Moral interfere no Direito Europeu, por exemplo, atravsdo conceito de Direito Natural que informado pelosgrandes princpios ticos, mas o Direito ,fundamentalmente, um mundo dotado de singularidade, com

    valores e normas que so seus.Portanto, nesta concepo, o Direito um ordenamento

    de conduta externa, tendencialmente extrnseca esfera tica.Da que possa ser moral, amoral ou at imoral, havendonormas de Direito que so, de facto, imorais. Por exemplo, asque regulamentam o exerccio da prostituio so,evidentemente, Direito mas partem de um pressupostoimoral ao admitirem uma realidade qualificada,habitualmente, como desvalor tico.

    Enquanto, por outro lado, a violao da norma moral temcomo sano principal a confrontao do indivduo com asua verdade psicolgica e com a eventual reprovao deoutros indivduos, a violao da norma jurdica pode ser ouno acompanhada por um sentimento de culpa e pela repro-

    vao da sociedade. Tal valorao um epifenmeno que,normalmente, no ocupa, no Direito Europeu, a essncia de

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    norma. Mesmo o arrependimento s valorado seexternamente constatvel.

    A sano pela violao de norma jurdica, nestaperspectiva, pouco tem a ver com modificaes psicolgicasdo foro ntimo do infractor ou dos que o rodeiam: umamera reaco de carcter externo, objectivo, derivado denatureza eminentemente social do fenmeno jurdico. algica criada pelo poder institudo que produz a abstracoda norma, um precipitado poltico, e a torna coercvel

    mediante a imposio de uma sano quando no cumprida.

    Este confinamento do Direito ocidental a um universo ase tem vindo a reforar-se nas sociedades modernasdominadas pela tecnologia, nas quais o produzir j no ummeio de servir o homem, mas um fim em si mesmo, em queo ter supera o ser.

    E esse fosso entre Direito e tica tornou-se imenso,tendo atingido nos dias de hoje, por assim dizer, umanegativa massa crtica. Nunca, no Ocidente, o Direitoreconheceu tantos direitos e nunca tantos direitos,firmados como categoria, se mostraram to esvaziados decontedo.

    Um dos maiores equvocos , por exemplo, o doschamados direitos humanos. Na sua formulao moderna,assume um enganador enfoque destinado a camuflar, peranteos eleitores, as terrveis desigualdades sociais que polticos eEstados mantm no governo planetrio. A ordem jurdicaocidental, governada por burocratas e financeiros sem rosto,perde o vnculo ao tico e ao sagrado e centra-se numhumanismo esprio que, herdado de certa AntiguidadeClssica, pariu os cartesianismos, economicismos etecnologismos que devastam o mundo contemporneo.

    O universo, e tudo o que nos rodeia, medido escala ede acordo com os meros interesses econmicos do

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    homem. Este julga-se portador de direitos absolutos sobre aNatureza, sobre os outros seres no-humanos, sobre tudo oque tenha expresso ntica. A arrogncia ilusria sobre arealidade do eu, enquanto categoria absoluta, d direito

    vida, ao emprego, privacidade, etc.: uma espcie de arma dearremesso usada, quantas vezes, para as piores finalidades.

    Nessa concepo os direitos emanam de mim prprioporque sou contra, ou fora, ou distinto de toda amanifestao que me cerca. , por assim dizer, uma

    concepo egotista dos direitos aquela que triunfou nassociedades ocidentais, e que todo o mundo tende a imitar,com os resultados que sabemos.

    Nunca um to grande nmero de gente, ironicamentecarregada de direitos, sofreu massacres, fome, violncia edesigualdade como nos nossos dias. As leis, inflacionadaspelo contedo de direitos, banalizam-os e criam o prprio

    vazio de significado e de contedo. As constituiesocidentais, as belas mentirosas, todas proclamam o direitoao trabalho, habitao, etc.. E para qu ? Os criminosos,esses, mal so presos, aps cometerem o mais hediondo doscrimes, logo clamam pelos seus direitos.

    No direito Muulmano h uma outra perspectivaimanente que merece ser considerada enquantocomplementar da ocidental: a do homem enquanto ser dedeveres. A palavra Islam, etimologicamente ligada radicalsl m, est imbricada em salam(paz). Islo significa abandonoao poder de Deus e esse abandono , evidentemente, a pazconsigo e com a existncia.

    Esta subtil diferena faz com que os meus direitos notenham um carcter absoluto, em si mesmos, mas sejamantes uma consequncia, ou um epifenmeno, documprimento, por mim, dos deveres que tenho para comigo

    prprio e para com os meus semelhantes. O califa Aliexprimiu lapidarmente tal realidade: os direitos que os outros

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    tm sobre ti, recorda-os; os direitos que tens sobre os outros,esquece-os. Nesta concepo ressaltam os deveres queestabelecem o primado da solidariedade para com o Outro.Por isso, os meus direitos tm uma realidade densa se a suaexistncia fr considerada numa ptica de vinculao detodos os seres entre si. O resultado, em substncia, radicalmente diferente: o governante no deve, ao reconhecerdireitos em abstracto, manter-se alheado da possibilidade doseu exerccio efectivo pelo sujeito, ao contrrio da concepo

    nsita no Direito Europeu. Ao direito ao trabalho contrape-se sempre o dever de

    proporcionar ocupao, etc., etc.. O homem deve harmonia Existncia e s atravs do primado da solidariedade cumpre,em sociedade (em manifestao) as suas potencialidadesnticas (possibilidades). Desta forma, que ser lcito aogovernado exigir do governante que exera o seu devermaterializando, de forma efectiva, o conjunto de direitos quefazem parte da cidadania.

    A prpria tradio judaico-crist, actualmente quaseobliterada pelas igrejas institudas, colocava o problema nestaperspectiva, conforme a lei moisaica: no matars!, diz aBblia, e no tens o direito vida!.

    A viso holstica da nova cincia, afinal deslizando parauma Metafsica, no faz seno chamar-nos a ateno para anecessidade de perspectivar a parte em funo do Todo,mostrando o falacioso das dicotomias separadoras, de raizpositivista.

    No queremos, no entanto, deixar a falsa ideia de que nospases onde impera o Direito Muulmano tradicional sealcana, sempre e necessariamente, a harmnica articulaojurdica entre o homem e a sociedade, de acordo com os

    valores transcendentes do Islo.

    Como admite Sachiko Murata, uma especialista japonesa,os juristas, que falam atravs da Sharia, esto principalmente

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    preocupados em dizer s pessoas o que devem fazer. Elesno se interrogam porque devem tais coisas ser feitas, uma

    vez que tm por adquiridas as prescries bsicas da Sharia.A Sharia a norma da conduta islmica. Um dos maisinfelizes sinais da doena contempornea do mundo islmico o das autoridades intelectuais quase terem desaparecido decena, enquanto os juristas tm a mo livre para dizerem o quequerem.

    H muitas razes para tal, a menor das quais no o facto

    de os ocidentais sempre terem considerado o Islo ortodoxocomo assentando na Sharia, apesar de alguns especialistasocidentais terem acentuado que a Sharia trata apenas daortopraxise no da ortodoxia..

    Com isto, quer Murata sublinhar que, para alm daimportncia que emana dos princpios da jurisprudncia (uslal-fqh ) deve ser tomada em considerao a TradioSapiencial que est interessada na estrutura da realidade talcomo ela prpria se nos apresenta.

    De um ponto de vista europeu que lies nos do aHistria e a Geografia que possa servir na construo de umdilogo, que se quer permanente, com o mundo rabe?Porque que este dilogo com o mundo rabe toimportante?

    Ningum duvida que fundamental conhecermos aHistria romana de Portugal, o perodo visigtico, ascontribuies de cartagineses e fencios nas feitorias queestabeleceram ao longo da costa, etc.. Mas o que facto que j no h romanos, visigodos, cartagineses ou fencios.Contudo, desde h mil e duzentos anos que um povo sereconhece como rabe e muulmano e desde h mil eduzentos anos que persiste uma civilizao rabe que teve oseu esplendor, o seu declnio e luta agora pelo seu

    renascimento. Portanto, o que se pretende dizer, que osrabes circulam ainda nas nossas ruas, no nosso sangue, na

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    nossa Histria, ou seja, esto no nosso presente. Por isso,devemos, com todo o interesse e empenho, estudar essafonte prxima da nossa cultura que a cultura rabe.

    Estudar o passado , assim, tambm estudar o nossopresente, a nossa relacionao com algo que existe ainda, queest vivo e merece ser considerado.

    Desde logo, impe-se uma questo prvia de ordemmetodolgica. Qual o enfoque desse dilogo? Devemoscentr-lo na polaridade islo-cristandade, como muitos

    defendem? Parece-nos evidente que no, sem prejuzo doespirito ecumnico que se esboa, e que no deve senocrescer no dilogo entre religies.

    que a polaridade Islo versus Cristandade umaabordagem medieval, de extraco romana, que atingiu o seuparoxismo na Europa renascentista. Esta polaridade temnsito no s um antagonismo, como tambm um desvalordo Islo, pticas completamente inaceitveis nos dias de hoje.Mas h outra razo, e essa quanto a mim decisiva, paraestruturar o dilogo numa perspectiva diversa: hoje oOcidente tambm muulmano numa significativapercentagem das suas populaes. Vinte milhes de crentes

    vivem na Europa, sendo certo que existem igualmentesignificativos ncleos cristos no mundo rabe. No faz,pois, sentido um enfoque de carcter religioso nesta matria:h que buscar-se o trao de unio entre os dois mundos.

    Esse quid simultaneamente diverso e uno no seno acultura. a partir de um dilogo cultural onde, entre outroselementos, se contm, evidentemente o elemento religioso,que poder estruturar-se um entendimento profcuo queleve ao apreo pela diversidade e descoberta do que comum, e que tanto o que divide como o que separa.

    O Cosmos e a Natureza do-nos conta que a diversidade

    a matriz da Criao. Se assim no fosse, o mundoregressaria Realidade proteica e imaginal donde homens,

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    coisas e astros saram um dia. Compreender a diversidade, ese possvel, am-la o primeiro dever do homemcontemporneo.

    Eis porque, se a tolerncia, face ao diverso, melhor quenada, luz que referimos no passa, ainda assim, de umsentimento redutor e insatisfatrio.

    Segundo o timo latino, tolerare significa suportar, carregar., ainda, uma postura em que a diferena do Outro avaliada negativamente, como um sacrifcio. O Outro no

    pode, nem deve, ser encarado como um fardo, masconhecido, apreciado na sua diferena, para que se possaafinal tornar numa das outras facetas do Eu.

    O profetaMuhammadchegou a expressar a ideia de umas comunidade de crentes, mas Deus disse-lhe: No! nohaver apenas uma comunidade, mas uma diversidade decomunidades.

    J isso no Alcoro se contm: Se Deus tivesse querido,no teria feito seno um s povo de todos os homens. Maseles no cessaro de diferir entre eles... Ele os criou com talfinalidade [de serem diferentes] (11:118-9).

    Nada mais de acordo com a natureza das coisas do quevalorizar as diferenas entre homens e povos, pois se certoque, tomando como referncia o Uno, no podemos atribuirconsistncia ontolgica ao particular, no menos verdadeque atravs da manifestao das diversas possibilidadesexistenciveis que o Uno se revela. Por paradoxal que parea, ao assumirmos como parte de ns a contingncia, adiferena do Outro, que nos aproximamos da Essncia, daNecessidade.

    A esse propsito, cito um trecho, escrito por Jean Sursobre Jacques Berque, num livro chamado Les Arabes,lIslam et Nous:

    ...Juno com os outros em primeiro lugar. No oOutro, os outros. Mas no os outros tal como a nossa bon-

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    dade, a nossa grandeza de alma ou a nossa abertura deesprito nos incita a reconhec-los. E no os outros que nsconhecemos pessoalmente, no os membros de um clubefamiliar, das amizades, tnico ou religioso. Trata-se dos out-ros que so em ns, que pesam sobre ns, aos quais estamosligados tanto pelo imaginrio como pela realidade, os outrosna medida em que no nos podemos pensar sem eles. No osoutros como fruto da nossa tolerncia, no os outros como altima forma de provarmos a ns prprios a nossa

    individualidade, de afirmar o seu triunfo. No os outroscomo um crculo de almas ofegantes cuja salvao nsimaginaramos suspensa do brilho do nosso sorriso, do rigorda nossa diettica espiritual. Os outros, entre o seu horizonte

    verdadeiro e o seu falso horizonte, entre o que nspressentimos deles de mais secreto e o que deles nosmostram as piores imagens da televiso. Os outros nestaespcie de andares horizontais cuja estrutura to compli-cada que nos impossvel traar a fronteira entre os nossosoutros e outrosoutros. Os outros alm do que deles podemosconhecer, sentir, imaginar. Os outros que no so nem umasoma de individualidades, nem um colectivo. Os outrosenquanto percepo interna, imediata e contudotransmissvel. Os outros enquanto nos transformam pelointerior, os outros enquanto fazem mudar o sinal da nossasolido.

    Para esta mutao afectiva e psicolgica, Jacques Berquecriou um neologismo a em-migrao, ou seja viagem para SiMesmo no Outro, e para o Outro em Si. Isso implica noesprito do dialogante uma coragem de atitude: a de superar oreceio de, por fora de assumirmos o diverso como parte dens, perdermos a nossa prpria identidade.

    No possvel sermos todos msticos ou sufis. Mas basta

    que no consideremos o Outro, em circunstncia alguma,como mero objecto ou instrumento do nosso discurso, e que

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    encaremos o dilogo como uma autntica intersubjectividade,com dois plos perfeitamente simtricos.

    Ao longo da Histria, a Europa, com poucas e localizadasexcepes, sempre fitou o mundo rabe com os olhos daintransigncia religiosa ou da arrogncia tecnolgica, quandono ambas. Da nasceu primeiro o esprito de cruzada edepois o da prepotncia colonialista. Em parte, a Europa, talcomo hoje a conhecemos, construiu-se no fluxo e refluxodos contactos com o mundo rabe-islmico alimentando dois

    movimentos: um poltico-religioso, de repulso, e outrocultural, de atraco.

    Em cinco pases europeus esse movimento de interculturapde afirmar-se directamente, pois neles, durante a IdadeMdia, em maior ou menor escala, e mais ou menosduradouramente, esteve presente a civilizao rabe:Espanha, Frana, Itlia (Siclia) e Malta.

    Todavia, o movimento mais fecundo e que mais seaproxima dos pressupostos culturais, religiosos e polticos dodilogo, tal como o vimos confirmando, deve-se a essa Idadede Ouro, em plena Idade Mdia, protagonizada pelo

    Alandalus, ou seja, a brilhante civilizao arabo-muulmanaque se desenvolveu no territrio actualmente partilhado porPortugal e Espanha, especialmente no perodo que decorreuentre os sculos VIII e XI. Talvez por isso, Jacques Berque,que volto a citar, legou-nos a seguinte exortao: Apelo aosdilogos, mesmo que conflituais, desde que sejampertinentes, em lugar de ignorncia recproca. Apelo a

    Andalusias, sempre recomeadas, das quais transportaremosem ns, ao mesmo tempo, os escombros acumulados e ainquebrantvel esperana..

    Aps a impropriamente chamada Reconquista crist, essedilogo prosseguiu, embora com a ambiguidade da dinmica

    atraco-repulso, j que os reis cristos enamorados doesplendor rabe, protegeram, a princpio, as minorias

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    muulmanas dos territrios recentemente conquistados,concedendo, numa mimetizao do estatuto dos Dhimmi,liberdade de habitao, comrcio e prtica religiosa.

    Porm, o Renascimento europeu, dramaticamente, marcao fim de tal estado de coisas, impondo a dura lei do crs oumorres!. Este esprito renascentista, homocntrico e no jteocntrico, marcaria, at aos dias de hoje, a atitude doocidente que, na senda aristotlica, se tornou positivista,pragmtico e, finalmente, monetarista.

    Desvalorizada no ocidente a ideia do sagrado, muitodificilmente a sua civilizao pode entender culturas onde aideia de Deus ainda murmura no corao dos homens.

    Todavia, por ironia do destino, actualmente, a cincia, quehavia sido levada categoria de mtodo nico e infalvel deperscrutao da verdade, que se encarrega de relativizar, apartir do comeo do sculo que agora finda, o valor absolutode percepo racionalista e sensorial. E uma novaEpistemologia nasce!

    Estamos agora levados, nomeadamente, pela descobertaquntica, a perder a arrogncia do cientifsmo infalvel e aaceitar a impermanncia de quanto cogitamos e observamos,que no seno uma forma particular, individual e provisriade abordar aquilo que designamos como realidade.

    No faz sentido que a Europa, no dilogo com o Mundo rabe, assuma uma qualquer postura de pretensasuperioridade, seja ela de base econmica, tecnolgica,poltica ou religiosa.

    Nesse aspecto, pensamos que Portugal, herdeiro directoda brilhante civilizao do Alandalus, no tendo, naactualidade, em aberto qualquer contencioso com o Mundo

    rabe, deve assumir por direito prprio o protagonismo quelhe cabe nesse dilogo global. A nossa intimidade histrica e

    geogrfica com o Maghreb e com o Mashreq, resulta depertencermos a essa ptria comum que o Mediterrneo.

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    A chamada identidade europeia, nascida de umvoluntarismo conjuntural de ordem poltica, no passa aindade uma ideia-fora de fresca data, espera de serdefinitivamente testada. Seria trgico que os polticoseuropeus pretendessem fechar esse espao sobre si prprio e,sobretudo, que tentassem construir uma identidade atravsdo contraste com outras reas civilizacionais, entre as quais oMundo rabe.

    Vemos, actualmente, uma tendncia da Europa de se virar

    mais para o Leste Europeu do que para o Mediterrneo e issoviolenta a especificidade dos europeus do sul, nomeadamentede Portugal e Espanha, que, pelos imperativos da Histria eda parentela, no podero esquecer o dilogo com os rabes.Secundarizar as relaes com o sul do Mediterrneo econtinuarmos a ver nele o intransponvel Outro, chegarmos situao lapidarmente descrita pelo ditado rabe: estoucontra o meu irmo; o meu irmo e eu estamos contra o nosso primo; omeu irmo, o meu primo e eu estamos contra o resto do mundo.

    Sem a reforma das mentalidades, a nvel dos poderespblicos, e enquanto as relaes internacionais se pautarempor colquios musculados baseados na fora (poltica,econmica e militar) de um dos interlocutores, o dilogo seruma farsa. O Ocidente no cessa de querer exportar os seusmodelos pronto-a-vestir a todos os nveis, sejam deconsumo, de poltica ou de vida em sociedade.

    A democracia, tal como a conhecemos, tem os seusmritos, mas tem tambm as suas fraquezas e, mais tarde oumais cedo, ter de ser repensada. No vive ela prisioneira deum partidarismo fechado, de um mecanismo rgido deescolha dos candidatos e de promiscuidade financeira noapoio da propaganda eleitoral?

    Tambm se violam muitos direitos humanos na Europa.

    O amor pela democracia louvvel mas no nos tornemosarrogantes por causa dele. No h democracia, h

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    democracias. O sistema, em si, no importante, oimportante so as referncias espirituais e culturais que opossam enformar. De que nos serve toda a nossa tcnica edemocracia se tivermos um cifro como referencial de vida?Hitler chegou ao poder atravs de manipulaes eleitorais eserviu-se dos mecanismos da democracia para lanar abarbrie a partir de um dos pases supostamente maisevoludos do mundo.

    Falemos de democracia e de Ocidente, com conteno e

    sem soberba, para que o dilogo possa ter lugar. Se formossolidrios, a verdadeira democracia revelar-se-. S ummundo cego pelo egosmo e nutrido pelo monetarismo, ondea espiritualidade e o sentimento do sagrado esto quase numghetto, pode ter pretenses de arrogncia face ao Outro.

    H uma luz no fundo do tnel. Mas at que, p.ex., osmeios de comunicao social tenham formao necessriapara no deixar do Mundo rabe, uma imagem quase sempreestereotipada e distorcida, h um longo caminho a percorrer.O dilogo, repetimos, no pode ser seno uma fascinao,uma descoberta.

    Como diz Marcel Proust, a autntica viagem dedescoberta no se faz buscando novas terras mas buscandocom novos olhos.

    Se empreendermos a nobre e fascinante misso de emPortugal partimos descoberta do seu passado rabecumprir-se- a sentena de Aragon: o que foi ser, desdeque nos lembremos.

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    O LEGADO CULTURAL RABEEM PORTUGAL

    Um dos meus livros sobre a cultura do Gharb al-Andalusleva o ttulo emblemtico de O Meu Corao rabe. Estettulo, que era o de uma cano rabe - Qalb Arab- que osPortugueses do Renascimento Europeu ainda cantavam,sculos depois de finda a conquista crist, tem o valor mtico

    de uma intercultura do sentimento.Qalb/corao , para os muulmanos, o rgo simblico

    do conhecimento espiritual, aquele onde desabrocha a rosamstica. Afirmar a arabidade do corao assumir, no maisprofundo do ser, o fascnio da civilizao do Crescente.

    O testemunho de Gil Vicente, ao patentear apopularidade dessa cano, assume um significadoantropolgico que a abordagem das razes da culturaportuguesa confirma de forma indiscutvel.

    Poderemos dizer que a arabidade faz parte do corao dosportugueses?

    Numa poca, como a nossa, em que, para empregar umaexpresso de Jung a coincidncia dos opostos aceitecomo forma de ler a realidade, partindo da considerao daspolaridades, estamos talvez, como nunca, em posio deentender o mecanismo Eu/Outro, ou seja,Cristo/Muulmano, mecanismo esse que comportavaatraco/repulso e fascnio/receio. Os proto-portuguesesso o cadinho humano onde se realiza uma complexaalquimia tnica, cultural e espiritual, na qual o elementoromano-rabe factor decisivo da matriz mediterrnica.

    A primeira fase deste processo completa-se com, aincorporao de todo o territrio muulmano e respectivos

    habitantes. s nesse momento que a polaridade secompleta e Portugal comea a tomar forma, enquanto nao.

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    Os primeiros reis portugueses construram umordenamento jurdico que deu expresso a esta naturezacompsita de pas em maturao, mimetizando a tolernciaislmica, atravs de institutos jurdicos como o da Dhima, aoprotegerem os direitos das suas minorias atravs das garantiasdadas em Cartas de Foral e Ordenaes.

    A fascinao do Islo, sentida pelos proto-portugueses, eprimeiros portugueses era uma inevitabilidade, dada asuperioridade e sofisticao da cultura rabe, face fruste

    rudeza dos povos do Norte da Europa na Alta Idade Mdia.Por isso, desde tempos recuados, os rabes esto ligados,

    na memria do Povo Portugus, ao maravilhoso, o belo e aorequintado. Para as gentes pobres da Idade Mdia, osprotagonistas da brilhante civilizao do al-Andalus, terra dascincias e das artes, o rabe era o Outro que complementavao Eu.

    De tal maneira, que as lendas rabes constituem umaparte significativa do folclore portugus. Essas lendas so,invariavelmente, histrias de amor entre cristos emuulmanas ou vice-versa, em que os eles so vtimas de umtempo intolerante para com os sentimentos dos amantesseparados.

    Estas polaridades sociais respeitadas, como dissemos,pelos primeiros reis de Portugal, vieram a ser dramaticamentepostas em causa com a submisso da Coroa Portuguesa ainteresses de ordem poltica. Num seguidismo das estratgiasde Castela, foi utilizada a arma da religio como pretexto parauma brutal uniformizao.

    O Islo foi banido do territrio portugus pela expulsodos crentes ou pela converso forada. Tais cicatrizesdolorosas s recentemente comearam a sarar, com orenascimento da liberdade religiosa a permitir a abertura de

    mesquitas, e com descendentes dos espoliados da sua f areencontrarem uma herana perdida.

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    Esse legado vem, no apenas do Gharb al-Andalus, mastambm dos tesouros que os colonizadores e navegadoresportugueses trouxeram do Maghreb, do Mashreq e doOriente longnquo, onde contactaram reiteradamente com aCivilizao Muulmana. Dessas navegaes adquirimos, nos apenas especiarias e pedras preciosas, mas ainda tambmconvvios, palavras e costumes. Entre guerras e crueldadeshouve tambm amizades e alianas.

    Se, num passe de mgica, fosse possvel apagar, dePortugal actual, todos os vestgios do legado rabe, a nveltnico e cultural, a paisagem humana, fsica e civilizacionalque contemplaramos seria inteiramente diversa.

    Tornar-nos-amos, possivelmente, louros e no morenoscomo habitualmente somos. Deixaramos de falar o latimarabizado que o portugus, e perderamos mais de milpalavras do nosso lxico. Muitas das nossas povoaesdeixariam de existir ou mudariam de nome. No saberamoscomo nomear a maior parte do que comemos ou cultivamos.Como chamaramos o jasmim, a laranja, a tmara e a rom?Que nome daramos ao alguidar, ao alfaiate, ao alade e ao

    alferes?A nossa poesia - o mais alto valor do gnio portugus -sem o contributo rabe, no teria visto nascer,provavelmente, as cantigas trovadorescas. E sem osentimento de saudade, herdado do nasibda qasidarabe, deraiz beduna, que seria feito do nosso lirismo? Que Camesseria possvel? A este respeito, e bem, Fernando Pessoaafirma expressamente que ns somos um povoromano-rabe porque foram os rabes que nos educaram.E Antero de Quental, no o esqueamos, filia a nossadecadncia na expulso dos rabes.

    Nesse cenrio de imaginao os ncleos histricos de

    muitas das nossas cidades perderiam o encanto do seutraado labirntico. Pensemos em Lisboa, sem Alfama nem

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    Mouraria. Pensemos num Alentejo, sem a vertigem branca dacal das suas casas, e num Algarve sem aoteiasnem chamins,minsculos minaretes sobre os telhados.

    Que artesanato teramos? Sem tapetesde Arraiolos ou deAlmalagus, sem esteiras, sem filigranas, e sem azulejos. Quealcofas? Que almotolias?

    E a guitarraportuguesa, que seria dela, rf de seu pai, oalade? E os adufes, e os pandeirose as gaitas? Estava escrito(maktub!) que sem destino no h fado e o nosso destino era

    cant-lo e danar mouriscadase fandangos. Os nossos ciganostambm entoam cante jondo e no Alentejo, sob um mantopolifnico, esconde-se a nostalgia dolente do cante herdadados bedunos e da sulamiyyados sufis.

    Sem a Cincia rabe - Medicina, Matemtica,Astronomia, Geografia, Fsica e Botnica - que Renascimentoteria sido esse ? Que Filosofia teramos tido, se osmuulmanos no tivessem preservado a maior parte dolegado Greco-Latino desenvolvendo inovadoras direces ?Que Mstica teria nascido aqui, semAl-Urian, Al-MartulouIbn Qas?

    Como que um pequeno povo, como o nosso, teriachegado aos quatro cantos da Terra sem o auxlio dascincias de navegao rabes ? At os aviamentos quelevvamos para bordo eram arrancados ao solo atravs deprticas agrcolas - ainda hoje usadas - trazidas pelosmuulmanos.

    Nesse aspecto, sempre de lembrar, pelo que ilustraquanto ao carcter percursor das navegaes luso-rabes, a

    viagem dos chamados Oito Aventureirosque, no sculo IX, emtempos do Califado de Crdova, partiram de Lisboa, pormar, tendo alcanado as Ilhas Canrias e depois Marrocos.

    Voltando fico histrica, que comida teramos ? Mais

    ou menos disfarados, os guisados, cozidos e doces degrande parte da nossa cozinha tradicional, no so seno

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    receitas filhas de requintes introduzidos mesa por ZiryabdeBagdade.

    O Gharb al-Andalus, territrio que grosso modo hoje o de Portugal, participou da glria e do drama do

    Alandalus.OAl-Andalus, para os rabes, uma espcie da paraso

    perdido, como o rei Faial da Arbia Saudita costumavasublinhar.

    Tambm para ns, Portugueses, o Gharb al-Andalustemo valor de um smbolo: de sabedoria, de beleza e detolerncia. Fomos desapossados, durante sculos, dessarealidade-mito fundadora atravs da intransigncia poltica ereligiosa. A polaridade foi desfigurada ao retratarem-nos os

    rabes e o Islo como parte do mundo do Outro,escondendo-nos que o Outro, afinal, somos Ns.

    Nestes tempos, em que surpreendentemente a Cincia,aproximando-se da Metafsica, quebrou as amarras doracionalismo aristotlico e cartesiano, urge afastar ridculoseurocentrismos ou quaisquer outros centrismos porque, emboa verdade, o centro est em toda a parte.

    Devemos, como portugueses, e para utilizar umaexpresso de Garca Gmez, ser capazes de digerir a nossaHistria, ao encontro dos factos e, tambm, dos mitos,porque eles so suporte das civilizaes.

    Charles de Gaulle recebendo um dia um embaixador daSria disse-lhe: conheo-vos as areias e os sonhos. essa apercepo visionria que esperamos dos governantes, nummomento da Histria em que os irmos rabes precisam danossa solidariedade. Eles so mensageiros de uma parte donosso passado.

    Deixaram-nos, entre tantas ddivas, a laranja perfumada(fruto e nome) e de ns levaram Bortuqal para designar o

    mesmo pomo. Parece uma justa retribuio neste comrciode afectos.

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    H um poema de amor de al-Mutamid Ibn Abbd, queverti em portugus, e que , talvez, o maior dom do Gharb alAndalus, literatura rabe, j que tais versos do clebrerei-poeta de Portugal ornamentam asMil e Uma Noites (AlfLeila wa Leila).

    A amada, neste contexto, bem pode simbolizar a culturarabe a cuja beleza a cultura portuguesa, afinal, aindarescende e que no pode ser ocultada.

    Diz ele:

    POR RECEIO de quem espiacom muita inveja a roerela no veio nesse dia,pra assim trada no serpla luz que do rosto esplende,plas jias a tilintar,e pelo perfume de mbara que o corpo lhe rescende: que ao rosto, com o manto,tap-lo inda poderia,e as jias, entretanto,

    facilmente as tiraria,mas a fragrncia do encantopra ocult-la, que faria?

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    INDEX

    ISLO, CULTURA PORTUGUESA E SENTIDOECUMNICO...............................................................................3

    AL-MUTAMID E O DESTINO............................................10O TMULO DE AL-MUTAMID IBN ABBD............... 17

    A ILHA E O IMAGINRIO RABE...................................26IBN QASI E OS COMEOS DE PORTUGAL ................. 34

    TOLERNCIA EM CONTEXTO ISLMICO..................40O LEGADO CULTURAL RABE EM PORTUGAL......52

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