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Assunto Especial - Doutrina Controle Judicial dos Atos Administrativos O Controle Judicial dos Atos Administrativos Discricionários CARLOS ATHAYDE VALADARES VIEGAS Bacharel em Direito pela Faculdade Pitágoras, Mestrando em Direito Público pela Universidade Fumec, Servidor Público da Justiça do Trabalho da 3ª Região. CÉSAR LEANDRO DE ALMEIDA RABELO Bacharel em Administração de Empresas e em Direito pela Universidade Fumec, Especialista em Docência no Ensino Superior pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pelo Ceajufe - Centro de Estudos da Área Jurídica Federal, Mestrando em Direito Público pela Universidade Fumec, Advogado do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Fumec. CLÁUDIA MARA DE ALMEIDA RABELO VIEGAS Bacharel em Administração de Empresas e Direito pela Universidade Fumec, Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Gama Filho, Especialista em Educação a Distância pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Especialista em Direito Público - Ciências Criminais, Mestranda em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Tutora em EAD de Direito do Consumidor, Advogada. RESUMO: Este artigo tem o escopo de discutir a profundidade de os atos administrativos discricionários serem examinados pelo Poder Judiciário. Durante muito tempo, afirmou-se que o Judiciário não poderia efetuar qualquer controle de mérito sobre os atos administrativos discricionários, haja vista que competiria exclusivamente à Administração Pública a formulação de juízos de conveniência e oportunidade para editar um ato, agindo dentro da sua esfera de liberdade, desde que nos limites da lei. Contudo, não há dúvida da possibilidade de análise da legalidade desses atos. Aqui se pretende examinar a extensão do controle judicial do ato discricionário. PALAVRAS-CHAVE: Ato administrativo discricionário; controle judicial; Administração Pública, conveniência e oportunidade. ABSTRACT: This article is scope to discuss the profundity of discretionary administrative actions being considered by the Judiciary. For a long time, it was stated that the judiciary could not make any substantive control over the discretionary administrative acts, considering that compete solely on Public Administration in making judgments of convenience and opportunity to edit a transaction, acting within its sphere of free provided that the limits of the law. However, there is no doubt the possibility of examining the legality of these acts. Here we intend to examine the extent of the act of judicial discretion. KEYWORDS: Act administrative discretionary; control order; Public Administration; convenience and opportunity. 10 RSDA N º 72 - Dezembro/2011 - ASSUNTO ESPECIAL - DOUTRINA Página 1 de 41 Document-Frame 29/2/2012 http://www.iob.com.br/bibliotecadigitalderevistas/bdr.dll/RAD/1a8e4/1a8e5/1a957/1a9...

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Assunto Especial - Doutrina

Controle Judicial dos Atos Administrativos

O Controle Judicial dos Atos Administrativos Discri cionários

CARLOS ATHAYDE VALADARES VIEGASBacharel em Direito pela Faculdade Pitágoras, Mestrando em Direito Público pela Universidade

Fumec, Servidor Público da Justiça do Trabalho da 3ª Região.

CÉSAR LEANDRO DE ALMEIDA RABELOBacharel em Administração de Empresas e em Direito pela Universidade Fumec, Especialista em

Docência no Ensino Superior pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pelo Ceajufe - Centro de Estudos da Área Jurídica

Federal, Mestrando em Direito Público pela Universidade Fumec, Advogado do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Fumec.

CLÁUDIA MARA DE ALMEIDA RABELO VIEGASBacharel em Administração de Empresas e Direito pela Universidade Fumec, Especialista em Direito

Processual Civil pela Universidade Gama Filho, Especialista em Educação a Distância pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Especialista em Direito Público - Ciências

Criminais, Mestranda em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Tutora em EAD de Direito do Consumidor, Advogada.

RESUMO: Este artigo tem o escopo de discutir a profundidade de os atos administrativos discricionários serem examinados pelo Poder Judiciário. Durante muito tempo, afirmou-se que o Judiciário não poderia efetuar qualquer controle de mérito sobre os atos administrativos discricionários, haja vista que competiria exclusivamente à Administração Pública a formulação de juízos de conveniência e oportunidade para editar um ato, agindo dentro da sua esfera de liberdade, desde que nos limites da lei. Contudo, não há dúvida da possibilidade de análise da legalidade desses atos. Aqui se pretende examinar a extensão do controle judicial do ato discricionário.

PALAVRAS -CHAVE: Ato administrativo discricionário; controle judicial; Administração Pública, conveniência e oportunidade.

ABSTRACT: This article is scope to discuss the profundity of discretionary administrative actions being considered by the Judiciary. For a long time, it was stated that the judiciary could not make any substantive control over the discretionary administrative acts, considering that compete solely on Public Administration in making judgments of convenience and opportunity to edit a transaction, acting within its sphere of free provided that the limits of the law. However, there is no doubt the possibility of examining the legality of these acts. Here we intend to examine the extent of the act of judicial discretion.

KEYWORDS: Act administrative discretionary; control order; Public Administration; convenience and opportunity.

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SUMÁRIO: Considerações iniciais; 1 Fato da Administração, atos da Administração Pública e fatos administrativos; 2 Fato jurídico; 3 Ato jurídico; 4 Conceito de ato administrativo; 4.1 Posição peculiar de Gordillo; 5 Atributos do ato administrativo; 6 Elementos/requisitos do ato administrativo; 7 Atos administrativos discricionários/vinculados; 8 A teoria dos motivos determinantes do ato administrativo; 9 Mérito administrativo e discricionariedade; 9.1 Limites da discricionariedade; 10 Da revogação do ato administrativo; 11 Da anulação do ato administrativo; 12 Da admissibilidade do controle jurisdicional do ato administrativo discricionário; Considerações finais; Referências.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A noção de controle estatal é inerente à própria ideia de Estado Democrático de Direito. A Administração Pública, enquanto atividade estatal, deve estar voltada para a realização do interesse público, afinal trata da gestão de interesses da coletividade e deve ser controlada por meio de instrumentos adequados para evitar a ocorrência de arbitrariedades, ilegalidades e lesões a direitos subjetivos.

A atividade administrativa se encontra subordinada ao império da lei, isto é, o administrador público, quando da prática de seus atos, deve sempre agir em observância aos ditames legais.

Nessa esteira, o presente artigo tratará do controle da Administração Pública. Todavia, o objeto de estudo ficará restrito ao controle dos atos administrativos discricionários realizados pelo Judiciário.

A partir do atual modelo de Estado de Direito Democrático1 brasileiro, não há dúvidas de que os atos administrativos podem passar pelo crivo do Poder Judiciário. Isso porque o princípio da inafastabilidade da jurisdição, previsto no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, previu que não será excluída da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça a direito.

Assim, se alguém alega em juízo a invalidade de um ato administrativo, não poderá o órgão jurisdicional furtar-se de analisar a consonância do referido ato com o ordenamento jurídico. O ponto primordial que se coloca é o de verificar o alcance dessa análise.

Antes de abordar o ato administrativo como manifestação da vontade administrativa, torna-se necessário distinguir certos institutos de direito que com ele não se confundem.

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1 FATO DA ADMINISTRAÇÃO, ATOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBL ICA E FATOS ADMINISTRATIVOS

A Administração Pública, em seu cotidiano, pratica inúmeros atos, entre os quais alguns que não são atos administrativos, mas atos da Administração. Bandeira de Mello (2007, p. 25) nos ensina: "Não se deve confundir ato

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administrativo com ato da Administração". Esse seria um gênero, do qual o ato administrativo é uma espécie.

Importa citar alguns atos da Administração: os atos regidos pelo direito privado (locação de um imóvel para instalar uma repartição pública), os atos materiais (a pavimentação de uma rua), os atos políticos (sanção ou veto de lei) e, principalmente, os atos administrativos (manifestação de vontade do Estado, no exercício de sua prerrogativa pública).

Salienta Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2009) que ato da Administração tem sentido mais amplo que ato administrativo, e constitui "todo ato praticado no exercício da função administrativa".

Já o fato administrativo seria qualquer atividade material da Administração Pública, normalmente consequência de um ato administrativo. Por não serem atos jurídicos, são comportamentos puramente materiais da Administração. Themístocles Brandão Cavalcanti (1973, p. 43) salienta que "fato administrativo é uma ocorrência na esfera administrativa, que não pressupõe a manifestação da vontade, antes constitui um acontecimento verificado sem essa participação, pelo menos imediata". Cita-se como exemplo desse tipo de fato a morte de um servidor público que resulta na vacância do seu cargo.

Assim, pode-se dizer que todo ato praticado no exercício da função administrativa é ato da Administração.

O direito civil faz distinção entre ato e fato jurídico, o primeiro imputável ao homem e o segundo decorrente de acontecimentos naturais que independem do homem ou que dele dependem indiretamente.

Passamos a discorrer sobre esses institutos que impõem reflexo no Direito Administrativo.

2 FATO JURÍDICO

Nos ensinamentos do Professor Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (2007, p. 432), fato jurídico

conceitua-se como qualquer acontecimento que, nos termos da ordem jurídica normativa, com referência a determinada pessoa, produz efeito de direito. Exterioriza-se sob várias modalidades. Contudo, de um lado está o fenômeno natural e de outro, a atividade humana. Aquele se denomina fato jurídico objetivo; e este, fato jurídico subjetivo.

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Já nas palavras de José Cretella Júnior (2002, p. 147), fato jurídico "é todo acontecimento mediante o qual nasce, desaparece ou se altera a relação jurídica stricto sensu, é o fenômeno do mundo, que atua na relação jurídica".

O fato jurídico classifica-se entre objetivo e subjetivo. Objetivo é o fenômeno natural que ocorre independentemente da vontade humana e que produz efeitos jurídicos de que é exemplo a morte de um animal de criação no pasto, em razão da descarga elétrica proveniente de um raio. O fenômeno natural (morte) desencadeado por acontecimento alheio à vontade humana (raio)

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produz efeito jurídico relevante, pois afeta a propriedade do fazendeiro, diminuindo o montante do seu patrimônio, agora desfalcado daquele animal morto.

Por sua vez, o fato jurídico subjetivo supõe a ação humana de caráter material, vez que gera efeitos jurídicos, entretanto, estes efeitos, dada a sua frequência e simplicidade, são indiferentes ao seu agente, por exemplo, "o indivíduo se veste, alimenta-se, sai de casa, e a vida jurídica se mostra alheia a estas ações, a não ser quando a locomoção, a alimentação, o vestuário provoquem a atenção do ordenamento legal" (Pereira, 2007, p. 457).

Nesse sentido, trazendo para a seara do Direito Administrativo, diz-se que a ocorrência, descrita na lei, que produz efeitos no âmbito do Direito Administrativo, trata-se de um fato administrativo.

Longe de ser fato do mundo com repercussões no mundo administrativo, o fato administrativo é considerado pelos autores, em acepção absolutamente técnica e peculiar, como toda atividade material que tem, por objeto, efeitos práticos no interesse da pessoa jurídica que a executa, neste caso, a Administração, por intermédio de seus agentes. É qualquer ato material praticado pelo Estado no exercício da Administração. (Cretella Júnior, 2002, p. 147-148)

3 ATO JURÍDICO

Ao revés do que ocorre no fato jurídico, o ato jurídico pressupõe a manifestação da vontade humana, seja ativa, seja comissivamente tomada, que visa a produzir efeitos lícitos no mundo jurídico.

Classificam-se os atos jurídicos em "puros" (stricto sensu) e "negócios jurídicos". Existe, entretanto, uma distinção conceitual de ambos, pois ato jurídico stricto sensu é a manifestação volitiva lícita, cujos efeitos jurídicos decorrem da lei e visam principalmente a exteriorizar o conhecimento ou um sentimento.

Aqueles chamados de "negócios jurídicos" são os atos jurídicos que, mediante a manifestação da vontade do agente, cria-se, modifica-se ou extingue-se direito, alterando a ordem jurídica em vigor, "ou, então, se declara direito, assegurando-o ou reconhecendo-o, ante a verificação de relação jurídica ou a apuração de fato material" (Mello, 2007, p. 438).

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As declarações de vontade manifestamente tendentes às obtenções de resultados jurídicos chamamos, modernamente, de negócio jurídico - "é a declaração de vontade em que o agente persegue o efeito jurídico (Rechtsgeschäft)" (Pereira, 2007, p. 475).

Atos jurídicos puros, conforme ensinamentos do Mestre Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (2007, p. 438),

são manifestações de vontade humana em que se expressa, apenas, conhecimento ou sentimento. Como mera exteriorização intelectiva ou sentimental, produz efeitos de direito que defluem direta e imediatamente dos textos legais, em vez de serem constituídos ou assegurados e reconhecidos por ato do próprio agente que os pratica. Sirva de exemplo de conhecimento ou opinião a certidão expedida por órgão

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competente da Administração Pública sobre situações de direito ou de fato constantes de seus arquivos, que tem fé pública e pode ser obtida pelos interessados a fim de conseguirem, com sua exibição, os efeitos de direito que os textos legais lhe conferem.

4 CONCEITO DE ATO ADMINISTRATIVO

A clássica doutrina pátria pouco diverge sobre o conceito de ato administrativo. Cretella Júnior (2002, p. 152) afirma que

ato administrativo é toda medida editada pelo Estado, por meio de seus representantes, no exercício regular de suas funções, ou por qualquer pessoa que detenha, nas mãos, fração de poder delegada pelo Estado, que tem por finalidade imediata criar, reconhecer, modificar, resguardar ou extinguir situações jurídicas subjetivas, em matéria administrativa.

Já Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (2007, p. 476) diz que é possível defini-lo

no sentido material, ou objetivo, como manifestação da vontade do Estado, enquanto Poder Público, individual, concreta, pessoal, na consecução do seu fim, de realização da utilidade pública, de modo direto e imediato, para produzir efeitos de direito.

Celso Antônio Bandeira de Mello (2007, 368) ensina que ato administrativo é

uma declaração do Estado (ou de quem lhe faça às vezes - como por exemplo, um concessionário de serviço público), no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgão jurisdicional.

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No mesmo sentido, Odete Medauar (2008, p. 134) informa que é

um dos modos de expressão das decisões tomadas por órgãos e autoridades da Administração Pública, que produz efeitos jurídicos, em especial no sentido de reconhecer, modificar, extinguir direitos ou impor restrições e obrigações, com observância da legalidade.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2009, p. 189) conceitua o ato administrativo como "a declaração do Estado ou de quem o represente que produz efeitos jurídicos imediatos, com observância da lei, sob regime jurídico de direito público e sujeita a controle do Poder Judiciário".

Para José dos Santos Carvalho Filho (2008, p. 92), pode-se conceituar o ato administrativo como "a exteriorização da vontade de agentes da Administração Pública ou de seus delegatários, nessa condição, que, sob regime de direito público, vise à produção de efeitos jurídicos, com o fim de atender ao interesse público".

Por sua vez, o mestre administrativista Edimur Ferreira de Faria (2007, p. 259), no seu conhecido Curso de direito administrativo positivo, permite conhecer melhor o conceito de ato administrativo, com o ensinamento de que

ato administrativo é a declaração unilateral da Administração Pública, manifestada por agente competente, com vistas ao interesse público, criando, mantendo, modificando ou extinguindo relações jurídicas ou ainda impondo deveres ao

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administrado e a si própria, com força de imperatividade.

Ademais, na citada obra, o autor apresenta o conceito elaborado por ilustres juristas nacionais e estrangeiros, aos quais, pela reconhecida excelência, pede-se licença para citar:

Marcelo Caetano (citado por Faria, 2007, p. 258): Conduta voluntária de um órgão da Administração que, no exercício de um Poder Público e para processamento de interesses - postos por lei a seu cargo -, produza efeitos em um caso concreto.

Jean Rivero (citado por Faria, 2007, p. 257): Ato jurídico da Administração é, "como todo ato jurídico, um ato de vontade destinado a introduzir mudança nas relações de direito que existem no momento em ele se produz, ou melhor, a modificar o ordenamento jurídico".

Andrés Sena Rojas (citado por Faria, 2007, p. 257): O ato administrativo é uma declaração unilateral e concreta que constitui uma decisão executória, que emana da Administração Pública e cria, reconhece, modifica ou extingue uma situação jurídica subjetiva, tendo por finalidade a satisfação do sistema geral.

Otto Mayer (citado por Faria, 2007, p. 258): A expressão do ato administrativo, que foi tomada da terminologia francesa, usa-se para designar aquela qualidade de ato em virtude da qual decide, por via de autoridade, a juridicidade do caso individual. Logo se procura diferenciar e classificar esses atos segundo a natureza especial da determinação jurídica, produzidos como respeito aos indivíduos.

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Miguel Seabra Fagundes (citado por Faria, 2007, p. 258):

No sentido material, ou seja, sob o ponto de vista do conteúdo e da finalidade, os atos administrativos são aqueles pelos quais o Estado determina situações jurídicas individuais ou concorre para sua formação [...]. Serão atos administrativos, no sentido formal, todos os que emanarem desse Poder Executivo, ainda que materialmente não o seja.

4.1 Posição peculiar de Gordillo

Com uma visão autêntica, diferente da dos doutrinadores brasileiros, Gordillo dedica todo o tomo III de sua obra para aclarar sua concepção de ato administrativo, perfazendo longa digressão sobre o conceito deste.

Ensina que não é possível dissociá-lo da noção de função administrativa. Criticando os conceitos puramente materiais, ou puramente subjetivos de ato administrativo e de função administrativa, afirma que a raiz do ato administrativo afunda-se no terreno da função administrativa, afirmando que "acto administrativo es el dictado em ejercicio de funcion administrativa, sin interessar qué órgano la ejerce" (Gordillo, 2003, p. I-10) e que esta função é "toda la actividad que realizan los órganos administrativos, y la actividad que realizan los órganos legislativo y jurisdicionales, excluídos respectivamente los hechos y actos materialmente legislativos y jurisdicionales" (Gordillo,

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2003, p. I-6).

Aduz, ainda, como característica do ato administrativo, a qualidade de produzir efeitos jurídicos, entretanto, faz diferença entre atos que produzem efeitos jurídicos mediatos e aqueles que os produzem imediatamente. Para o autor, são atos administrativos os que influenciam o mundo jurídico imediatamente, como segue:

[...] es essencial, pues, al concepto de acto administrativo, que los efectos jurídicos sean inmediatos... han de emanar directamente del acto mismo: solo entonces son inmediatos, no basta decidir que la actividad es juridicamente relevante, o que produce efectos jurídicos y a que siempre es posible que surja, em forma indirecta o mediata, algún efecto jurídico: debe precisarse que el efecto debe ser directo e inmediato, surgir del acto mismo y por sí solo, para que la clasificación tenga entonces um adecuado sentido jurídico preciso. (Gordillo, 2003, p. II-2)

Faz, também, uma crítica aos conceitos que traduzem ser o ato administrativo uma declaração de vontade - "nosotros, em cambio, entendemos que no corresponde hablar de uma declaracion... destinada a producir efectos jurídicos" (Gordillo, 2003, p. II-19) -, pois, para o autor argentino, esta definição provém de uma aceitação de que a vontade psíquica do agente é um fator primordial a ser considerado, o que, segundo ele, não é totalmente exato afirmar.

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No debe, por tanto, hacerse énfasis en el aspecto subjetivo. Esto es asi porque el acto administrativo nos es siempre la expresión de la voluntad psíquica del funcionário actuante: el resultado jurídico se produce cuando se dan las condiciones previstas por la ley y no solo porque lo funcionário haya querido. (Gordillo, 2003, p. II-19)

Ao Estado cumpre a finalidade de promoção do bem-estar de todos. Essa finalidade é alcançada mediante uma ação. Portanto, quando age, o Estado maneja "poderes" que são na verdade deveres para atender a um determinado fim. Esses deveres-poderes são trazidos ao mundo jurídico mediante os atos administrativos que lhes dão corpo. A manifestação desses deveres-poderes cria, altera ou extingue direitos, além de suscitar consequências no campo material, o que é natural.

Tem legitimidade para ser titular da competência da emissão do ato administrativo o servidor público, para o qual a lei designou tal atribuição, ou terceiro que, mediante autorização legal, também recebeu tal incumbência. Tenha-se em mente que, por se tratar de delegação de competência, os atos administrativos são sempre subordinados à legalidade, não manejando seus prolatores qualquer poder discricionário, mas, apenas, competência discricionária legalmente atribuída. É uma manifestação dirigida ao caso concreto, não possui a generalidade e a abstração da lei, cumpre um objetivo determinado e dirigido para um motivo do mundo ôntico.

Assim, pode-se definir o ato administrativo como a materialização do poder-dever do Estado, na realização de sua função constitucional de promoção humanitária, normalmente declarativa, que pode gerar consequências materiais, cumprida por seu servidor ou terceiro legalmente designado para o exercício de competência funcional plenamente vinculada, que produz efeitos

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jurídicos. É uma manifestação objetiva, dirigida ao caso concreto e subordinada à ordem constitucional.

5 ATRIBUTOS DO ATO ADMINISTRATIVO

Os atos administrativos distinguem-se dos atos de direito privado pelas suas características imanentes, que permitem afirmar que estão submetidos ao regime jurídico de direito público.

Diferentes doutrinadores atribuem aos atos administrativos diferentes características, contudo, entre eles existe uma quase unanimidade com relação a pelo menos três atributos que são amplamente citados. Pede-se licença à Professora Maria Sylvia Di Pietro para citá-los a partir de sua obra (2009, p. 208-211):

A presunção de legitimidade diz respeito à conformidade do ato com a lei; e presunção de veracidade, que tange aos fatos, os quais, alegados pela Administração Pública, são tidos como verdadeiros até prova em contrário. Milita em favor dos atos administrativos uma presunção juris tantum de legitimidade, o que implica a produção de efeitos do ato até que seja decretada sua invalidade. Além disso, cabe àquele que alega a existência de vício em relação ao ato administrativo fazer prova da mácula vertente. Assim, ocorre com relação às certidões, atestados, declarações, informações por ela fornecidas, todas dotadas de fé pública. O atributo da presunção de legitimidade está presente em todos os atos administrativos.

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A imperatividade, ou coercibilidade, ou poder extroverso, é o atributo pelo qual os atos se impõem a terceiros, independentemente de sua concordância. Decorre da prerrogativa que tem o Poder Público de, por meio de atos unilaterais, impor obrigações a terceiros. Não é todo ato administrativo que possui esse atributo. Apenas aqueles que criam obrigações.

Já a autoexecutoriedade é o atributo pelo qual o ato administrativo pode ser posto em execução pela própria Administração Pública, sem necessidade de intervenção do Poder Judiciário, ou seja, a Administração Pública pode praticar os seus atos sem que, para tanto, proponha ação judicial. Esse atributo só existe nos seguintes casos (ou seja, nem todo ato é autoexecutório): quando a lei expressamente o reconhecer e quando as circunstâncias exigirem atuação administrativa. Entende-se que, nesse caso, a autorização legal é implícita. Exemplo: chuva; não é autoexecutório: execução de multa - inscrição de dívida ativa - não pode executar a multa diretamente. Desapropriação, também é um exemplo; aplicar uma multa é autoexecutório.

Entretanto, Maria Sylvia Di Pietro desdobra a autoexecutoriedade em exigibilidade: significa que a Administração pode praticar atos que se traduzam em meios indiretos de coerção, sem recorrer ao Poder Judiciário e também em executoriedade (significa que a Administração pode praticar atos que se traduzem em meios diretos de coerção, sem recorrer ao Poder

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Judiciário; equivale a uma execução forçada). Exemplo: fábrica que polui o meio ambiente.

A tipicidade também é atributo para a autora, neste caso, o ato administrativo corresponde a uma descrição legal, com efeitos previamente definidos pela lei. É uma decorrência do princípio da legalidade. Significa que para cada ato há uma finalidade específica a ser perseguida pela Administração Pública.

6 ELEMENTOS/REQUISITOS DO ATO ADMINISTRATIVO

São cinco os elementos alicerces do ato administrativo que são basilares para a sua constituição.

O sujeito é aquele a quem a lei atribuiu competência para a prática do ato, entendendo-se por competência o conjunto de atribuições fixadas pela legislação, ou seja, a competência decorre de norma expressa, não se presume: é inderrogável ou não se altera pela vontade das partes; é improrrogável, isto é, o sujeito incompetente nunca se torna competente; por fim, é irrenunciável, pela indisponibilidade do interesse público, mas admite delegação e avocação de competências, conforme arts. 11 ao 17 da Lei nº9.784/1999.

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Os vícios na capacidade têm as suas regras definidas pelo direito civil. Todavia, também viciam a capacidade, a suspeição e o impedimento, baseados nos arts. 18 ao 20 da Lei nº 9.784/1999. Importa dizer que os vícios na capacidade são sanáveis.

Há também vícios na competência: 1. Excesso de poder: ocorre quando o agente público exorbita a sua competência. Exemplo: agente da vigilância sanitária aplica uma multa acima da prevista na lei; 2. Abuso de poder: admite duas espécies: excesso de poder e desvio de poder; 3. Função de fato: é o ato praticado pelo agente público de fato, aquele que não é agente de direito. É aquele que parece, mas não é. Foi ilegalmente investido na função pública. Seus atos serão válidos perante terceiros de boa-fé; 4. Usurpação de função pública: art. 328 do CP - para a maioria da doutrina, trata-se de ato inexistente, pois o ato é criminoso. Na função de fato, o agente foi investido na função pública, mas de forma ilegal. Os vícios na competência são em regra sanáveis.

Outro elemento do ato administrativo é o objeto, classificado como o resultado no mundo jurídico da prática do ato, ou seja, é o efeito imediato que dele decorre. Trata-se da transformação da situação jurídica preexistente em outra situação (diferente) após a realização do ato. Em suma, é o efeito jurídico mediato que o ato produz.

Ocorre vício no conteúdo quando o objeto do ato for ilícito, impossível ou indeterminado. Trata-se de vício insanável.

Já a forma é o ato que deverá observar a formalidade estipulada pela lei como condição para sua existência. No caso de não haver forma prescrita, pelo princípio da instrumentalidade das formas, se o ato alcançou a sua

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finalidade sem prejuízo às partes, tem validade.

Considera-se vício de forma a ilegalidade na forma do ato administrativo que ocorre quando a forma prevista em lei não for observada. Trata-se de um vício, em regra, sanável.

A finalidade é o bem que se almeja com a prática do ato, o resultado que a Administração quer alcançar com a sua prática.

O vício, na finalidade, traduz-se na teoria de desvio da finalidade - desvio de poder, na qual abuso de poder é gênero, que apresenta as seguintes espécies: o excesso de poder, que afeta a competência; e o desvio de poder - que afeta a finalidade e ocorre quando o agente público, embora competente e no exercício de sua competência, pratica ato visando à finalidade diversa da prevista em lei.

Por fim, o motivo é o acontecimento no mundo das coisas que serve de fundamento do ato administrativo; corresponde aos fatos, às circunstâncias e à realidade material. Ocorrências que levam a Administração a praticar o ato. O vício, no motivo, acontece quando o motivo apresentado for falso ou inexistente. Nesse caso, o vício em regra é insanável.

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7 ATOS ADMINISTRATIVOS DISCRICIONÁRIOS/VINCULADOS

A Administração Pública, quando da realização de sua atividade, pratica atos que podem ser vinculados ou discricionários. A doutrina costuma diferenciar os atos administrativos vinculados dos chamados atos discricionários. Trata-se de diferenciação das mais importantes, que apresenta inegável relevância jurídica, tanto de um ponto de vista prático quanto teórico.

Os atos discricionários seriam aqueles por meio dos quais a lei confere ao agente público a possibilidade de escolher a solução que melhor satisfaça o interesse público em questão, ou seja, são aqueles cuja lei deixa a critério do administrador a escolha, entre diversas alternativas, da mais adequada à realização da finalidade pública. Isso é feito por meio da emissão de valores acerca da oportunidade e da conveniência da prática de determinado ato - é o que se chama de mérito administrativo.

Ao contrário, os atos vinculados são aqueles cujo conteúdo encontra-se previamente definido na lei, não havendo margem para o gestor externar a sua vontade. Cabe a ele somente executar aquilo que a lei prescreve. Diante de uma determinada situação fática ou jurídica, a autoridade administrativa, sem qualquer margem de liberdade e sem poder fazer qualquer juízo de conveniência ou oportunidade, encontra-se obrigada a expedir determinado ato no momento, na forma e com o conteúdo previsto em lei. Ou seja, a atividade é, aqui, inteiramente vinculada. Exemplo clássico de ato vinculado é a licença para construir, expedida pela autoridade municipal competente, quando o construtor preenche todas as exigências previstas em lei.

Torna-se pertinente salientar, no entanto, que, no caso do ato discricionário, não se confunde margem de escolha com liberdade absoluta, pois o ato

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discricionário deve sempre respeitar os limites legais e, segundo aduz Odete Medauar (2003, p. 162), "o próprio conteúdo tem de ser consentido pelas normas do ordenamento; a autoridade deve ter competência para editar; o fim deve ser o interesse público". Portanto, o administrador não possui total liberdade, estando sempre balizado pelas imposições legislativas.

8 A TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES DO ATO ADMINISTRATIVO

Originada na jurisprudência do Conselho de Estado francês e reconhecida pelo STF, a teoria dos motivos determinantes do ato administrativo entende que a validade do ato administrativo está diretamente relacionada à veracidade e à existência dos motivos apresentados de tal modo que, se o motivo apresentado for falso ou inexistente, o ato será inválido. Aplica-se a todos os atos administrativos discricionários e vinculados.

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Nesse sentido, faz-se necessário mencionar que o motivo se caracteriza como as razões de fato e de direito que autorizam a prática de um ato administrativo, sendo externo a ele, o antecedendo e estando necessariamente presente em todos eles.

Contudo, cumpre esclarecer que motivo não se confunde com motivação. A motivação feita pela autoridade administrativa afigura-se como uma exposição dos motivos, a justificação do porquê daquele ato, é um requisito de forma do ato administrativo.

De acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello (2007, p. 366-367),

é a exposição dos motivos, a fundamentação na qual são enunciados (a) a regra de direito habilitante, (b) os fatos em que o agente se estribou para decidir e, muitas vezes, obrigatoriamente, (c) a enunciação da relação de pertinência lógica entre os fatos ocorridos e o ato praticado.

Estabelecidas as diferenças entre motivo e motivação, apresenta-se a teoria dos motivos determinantes, que, segundo a qual, o motivo é um requisito tão necessário à prática de um ato que este fica fundamentalmente ligado a ele. Isso significa que, se for provada a falsidade ou a inexistência do motivo, por exemplo, seria possível anular totalmente o ato.

Dessa forma, uma vez enunciados os motivos do ato pelo seu agente, mesmo que a lei não tenha estipulado a obrigatoriedade de motivá-los, o ato somente teria validade se estes motivos efetivamente fossem verdadeiros e realmente justificassem o ato.

Nessa esteira, surge a debatida discussão acerca da obrigatoriedade ou não de motivação de um ato administrativo.

Há vários posicionamentos a respeito do assunto: o primeiro é aquele que alarga a extensão da necessidade de motivação dos atos administrativos; o segundo é o da obrigatoriedade de motivação apenas quando a lei a impuser; o terceiro é aquele que defende a motivação sempre obrigatória; e, por fim, o da necessidade da motivação depender da natureza do ato,

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exigindo ou não a lei.

Visando a sanar a discussão sobre o tema, foi criada a Lei nº 9.784/1999, que estabeleceu, no art. 50, as situações em que os atos deverão necessariamente ser motivados:

Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:

I - neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;

II - imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;

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III - decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública;

IV - dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório;

V - decidam recursos administrativos;

VI - decorram de reexame de ofício;

VII - deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais;

VIII - importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato administrativo.

Entretanto, embora a lei disponha expressamente os casos em que deve haver motivação, acredita-se que todo o ato discricionário deveria ser necessariamente motivado.

No que tange ao ato vinculado, a lei já definiu qual a única possibilidade de atuação do administrador diante do caso concreto. Assim, nas hipóteses não esculpidas na lei, em não havendo motivação, mas sendo possível identificar qual o motivo, não há que se falar em vício, não havendo efetiva necessidade de motivação.

Todavia, relativo aos atos discricionários, entende-se pela sua necessária motivação, independente de designados ou não pela lei; caso não motivado estaria eivado de vício, pendendo à consequente invalidação.

Defende-se aqui o posicionamento que os atos discricionários devem ser motivados, isso porque o administrador, apesar de possuir uma margem de liberdade de atuação, encontra-se na qualidade de mero gestor dos anseios da coletividade e, assim, deve explicação à população como um todo, tem um "dever de boa administração" (Falzone, 1953, p. 55).

Celso Antônio Bandeira de Mello (2009, p. 161) corrobora com tal opinião:

[...] o campo de liberdade discricionária, abstratamente fixado na regra legal, não coincide com o possível campo de liberdade do administrador diante das situações concretas. Perante as circunstâncias fáticas reais, esta liberdade será sempre muito menor e pode até desaparecer. Ou seja, pode ocorrer que, ante um comportamento, seja, a toda evidência, capaz de preencher a finalidade legal. Em suma - e antes de precisões maiores -, cumpre, desde logo, suprimir a ideia, muito frequente, de que a outorga de liberdade discricionária na lei significa, inevitavelmente, que a matéria esteja isenta de apreciação judicial quanto à procedência da medida administrativa

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adotada.

Afinal, o fato de vivermos em um Estado Democrático de Direito confere ao cidadão o direito de saber os fundamentos que justificam o ato tomado pelo administrador.

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Ressalta-se ainda que, se todas as decisões do Poder Judiciário, bem como as decisões administrativas dos Tribunais, devem necessariamente ser fundamentadas, há de ser motivado também o ato administrativo, principalmente o discricionário.

Ademais, destaca-se que a motivação deve ser sempre anterior ou concomitante à execução do ato, caso contrário, abrir-se-ia margem para a Administração, após a prática do ato imotivado e diante da consequente possibilidade de sua invalidação, inventar algum falso motivo para justificá-lo, alegando que este foi considerado no momento de sua prática.

Diante do exposto, defende-se a necessária motivação de todo o ato discricionário, de modo a fazer valer os princípios e valores basilares da Constituição pátria, como a democracia, a moralidade, a probidade administrativa e a publicidade, entre outros.

9 MÉRITO ADMINISTRATIVO E DISCRICIONARIEDADE

O mérito é a valoração ponderativa de certos fatos, levando em consideração aspectos de oportunidade e conveniência, bem como as regras de boa administração. O Superior Tribunal de Justiça posiciona-se dizendo que o Poder Judiciário não poderá analisar o mérito do ato administrativo.

Segundo Germana de Oliveira Moraes, "há de falar-se, atualmente, em oposição ao controle de mérito, em controle de juridicidade dos atos administrativos, o qual se divide em controle de legalidade e controle de juridicidade strictu sensu" (1999, p. 43).

Dessa forma, prossegue a referida autora explicando que, inicialmente, deve-se analisar a legalidade dos elementos vinculados do ato discricionário e, posteriormente, proceder à análise de seus demais aspectos à luz dos princípios contidos no ordenamento jurídico.

Isso não significa, entretanto, que o mérito do ato administrativo discricionário tenha desaparecido totalmente, pois, no que tange a aspectos não valorados juridicamente, não é possível ao Judiciário exercer seu controle.

A definição de mérito administrativo, para Germana de Oliveira Moraes, "consiste, pois, nos processos de valoração e de complementação dos motivos e de definição do conteúdo do ato administrativo não parametrizados por regras nem princípios, mas por critérios não positivados" (1999, p. 103).

Celso Antônio Bandeira de Mello (2009) propõe uma distinção entre a discricionariedade em abstrato, ou seja, aquela prevista no comando da norma, e a discricionariedade em concreto, diante de um fato no mundo real.

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Parte-se da noção de que a lei, ao conferir discricionariedade ao Administrador Público, o faz para que este adote a medida mais eficiente ou mais adequada a cada situação, sempre tendo em vista a persecução do interesse público.

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Vale dizer que, muitas vezes, pode ocorrer que, não obstante a lei contenha previsão de liberdade de escolha entre diversas condutas diante do caso concreto, somente uma delas seja adequada a atender às necessidades públicas, chegando ao ponto até de suprimir a discricionariedade.

A liberdade do administrador é relativa e Celso Antônio Bandeira de Mello (2009, p. 162) defende que o âmbito da liberdade pode ser delimitado nas situações reais, pois,

apesar de a lei permitir opção entre dois ou mais comportamentos - exatamente para que fossem sopesadas as circunstâncias fáticas, como requisito insuprimível ao atendimento do interesse tutelado -, estas mesmas circunstâncias evidenciam, para além de qualquer dúvida, que só cabe um comportamento apto para atingir o objetivo legal. Neste caso, dito comportamento é obrigatório e não pode ser adotado outro.

A previsão de discricionariedade pela norma, apesar de ser condição necessária para sua existência, não é suficiente, sendo imprescindível que esta esteja também presente quando da análise do caso concreto, pois "sua previsão na 'estática' do Direito não lhe assegura presença na 'dinâmica' do Direito" (Bandeira de Mello, 2009, p. 105).

Ainda assim, não se poderá invocar a previsão da discricionariedade contida na lei para afastar o controle pelo Judiciário, pois o exame no caso concreto, acerca da ocorrência da discricionariedade, não constituirá invasão de mérito administrativo.

Nesse contexto, é feita a definição de mérito administrativo por Celso Antônio Bandeira de Mello (2009, p. 38):

Mérito é o campo de liberdade suposto na lei e que, efetivamente, venha a remanescer no caso concreto, para que o administrador, segundo critérios de conveniência e oportunidade, se decida entre duas ou mais soluções admissíveis perante ele, tendo em vista o exato atendimento da finalidade legal, dada à impossibilidade de ser objetivamente reconhecida qual delas seria a única adequada.

Merece destaque também a observação feita por Maria Sylvia Zanella Di Pietro (1991, p. 91) no sentido de que se deve tomar o devido cuidado para não se denominar mérito, impedindo o controle jurisdicional, o que, na verdade, se trata de questões que envolvem aspectos de legalidade e moralidade.

Desse modo, verifica-se uma tendência da doutrina administrativista brasileira em ampliar o domínio do controle da discricionariedade administrativa pelo Judiciário.

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9.1 Limites da discricionariedade

Cumpre ainda tecer alguns comentários acerca dos limites da discricionariedade administrativa.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro (1991, p. 48) aponta que a discricionariedade administrativa pode resultar:

(1) de disposição expressa em lei conferindo à Administração a possibilidade do seu exercício; (2) da insuficiência da lei em prever todas as situações possíveis; (3) da previsão de determinada competência pela lei, sendo ausente à previsão da conduta a ser adotada, que é o que ocorre muitas vezes no exercício do Poder de Polícia; e (4) do uso pela lei dos chamados conceitos indeterminados (e.g., bem comum, urgência, moralidade pública).

Na mesma esteira, Celso Antônio Bandeira de Mello (2009, p. 19) diz que a discricionariedade pode decorrer:

(1) da hipótese da norma, quando esta define os motivos para a prática do ato de forma insuficiente ou se omite; (2) do comando da norma, quando esta possibilite ao administrador público a adoção de condutas variadas; e, ainda, (3) da finalidade da norma, pois muitas vezes esta é definida através de expressões que contêm conceitos indeterminados, plurissignificativos.

Verifica-se que a lei sempre irá fundamentar a existência da discricionariedade, de forma que seu exercício, quando não autorizado pela lei, constituirá pura arbitrariedade, isso porque, como já dito, a discricionariedade deverá ser exercida nos limites contidos na lei e levando sempre em consideração o princípio da juridicidade, de forma que a discricionariedade não constitui um cheque em branco dado ao gestor público.

Ao tratar do assunto, José dos Santos Carvalho Filho (2005, p. 26) defende a investigação dos limites do ato administrativo contidos expressa ou implicitamente na lei da seguinte forma: "[...] deve o intérprete identificar dois pontos fundamentais para definição dos limites: um, os pressupostos da emanação volitiva; outro, os fins alvitrados na norma".

A importância na determinação dos limites da discricionariedade administrativa se dá na medida em que possibilita definir a extensão do controle a ser realizado pelo Judiciário. Dessa forma, os atos discricionários que não observem seus respectivos limites devem ser fulminados do mundo jurídico, posto que são eivados de vícios.

10 DA REVOGAÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO

Segundo conceitua Hely Lopes Meirelles (2002, p. 195): "Revogação é a supressão de um ato administrativo legítimo e eficaz, realizada pela Administração - e somente por ela - por não mais lhe convir sua existência". Ou seja, a revogação é o ato praticado exclusivamente pela Administração Pública, pois envolve a análise da conveniência e oportunidade do ato, que não pode ser feita pelo Judiciário.

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O fundamento da revogação é o interesse público. As frequentes mudanças que ocorrem no dia a dia da Administração Pública podem implicar que um determinado ato praticado com vistas ao atendimento do interesse público não mais esteja apto a atingir este fim. A revogação permitirá, portanto, a adequação a esta nova realidade e contribuirá para uma Administração mais dinâmica e eficiente.

É necessário mencionar que somente se pode revogar ato administrativo discricionário cuja prática é facultada pela lei à Administração Pública. É que não cabe à mesma decidir sobre a conveniência ou a oportunidade da prática de ato administrativo vinculado, já que este se encontra totalmente disciplinado em lei.

No entanto, a doutrina aponta a possibilidade de um ato administrativo vinculado vir posteriormente a ser disciplinado em lei como ato discricionário, hipótese em que será possível sua revogação.

Vale dizer, também, que não se pode revogar ato ilegal, estes devem ser anulados. A revogação diz respeito somente a atos administrativos legais. Por essa mesma razão, seus efeitos serão ex nunc, ou seja, devem ser resguardados todos os seus efeitos produzidos até o momento da revogação, posto que resultantes de ato perfeito e legal.

Em relação à competência para revogação dos atos administrativos, em regra, tem-se que é competente para revogar determinado ato aquele que também detém a competência para praticá-lo.

Já no que tange à possibilidade de um ato praticado por um subordinado ser revogado por seu superior hierárquico, tem-se que é perfeitamente aceitável. No entanto, adverte Odete Medauar (2002, p. 195) que, "se a norma conferir à autoridade subordinada competência exclusiva para editar o ato, descaberá à autoridade superior revogá-lo".

Há ainda certas limitações impostas à faculdade de revogar atos administrativos. Celso Antônio Bandeira de Mello (2007, p. 404-405) elenca os seguintes atos irrevogáveis:

1. Os atos que a lei declare irrevogáveis; 2. Os atos já exauridos, ou seja, que já produziram todos os seus efeitos; 3. Os atos vinculados; 4. Os meros atos administrativos (e.g., certidões, votos), pois seus efeitos derivam somente da lei; 5. Os atos de controle; 6. Os atos que integram um procedimento, uma vez que, através da sucessiva edição de atos, opera-se a preclusão com relação aos antecedentes; 7. Os atos complexos, pois, para sua constituição, é necessária a conjugação de vontades de distintos órgãos; 8. Os atos que geram direitos adquiridos, conforme dispõe a Súmula nº 473 do STF.

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Então todo ato legal que se torne inconveniente e inoportuno pode ser revogado somente pela própria Administração Pública que o criou, sendo que o Poder Judiciário nunca poderá se utilizar do instituto da revogação.

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11 DA ANULAÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO

As nulidades no âmbito do Direito Administrativo são peculiares e devem receber tratamento diferenciado, não sendo, pois, aplicáveis à matéria os princípios da doutrina civilista. Alguns doutrinadores defendem a tese de que, assim como no direito civil, os atos administrativos podem ser divididos em nulos e anuláveis: os primeiros tidos como nulos são aqueles que ofendem norma de ordem pública indisponível, enquanto que os anuláveis seriam aqueles que ofendem normas de interesses privados, portanto disponíveis.

Não se pode aplicar tal tese no Direito Administrativo, haja vista que as normas de Direito Administrativo são todas fundadas no interesse público, sendo, portanto, indisponíveis.

No que tange à graduação das nulidades, Hely Lopes Meirelles (2002) considera sempre nulo o ato eivado de vício, enquanto Celso Antônio Bandeira de Mello (2009) propõe a distinção entre atos nulos, anuláveis e inexistentes. Segundo o autor, ato inexistente é aquele cujo conteúdo possui um vício de tal gravidade que jamais pode ser objeto de prescrição, uma vez que o ordenamento jurídico expurga sua existência. Cita-se como exemplo aqueles atos cujo objeto seja a prática de algum crime.

O ato nulo é aquele cujo vício é insanável, ou seja, mesmo que a Administração Pública repita a sua prática, o vício persistirá. Já o ato anulável é aquele cujo vício pode ser sanado pela Administração Pública por meio da convalidação. Esta última, nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello (2007, p. 417), "é o suprimento da invalidade de um ato com efeitos retroativos".

A convalidação só poderá ocorrer se o ato não tiver sido impugnado administrativa ou judicialmente.

Não sendo possível a convalidação do ato, a Administração Pública deverá proceder à anulação do ato eivado de vício. Essa anulação, também chamada por alguns doutrinadores de invalidação, "consiste no desfazimento do ato administrativo, por motivo de ilegalidade, efetuada pelo próprio Poder que o editou ou determinada pelo Judiciário" (Medauar, 2002, p. 191).

Portanto, a partir do princípio constitucional da inafastabilidade da tutela jurisdicional (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal), o Judiciário, quando provocado, deverá analisar a legalidade do ato administrativo e, se for o caso, anulá-lo.

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Além disso, a própria Administração Pública também pode, independentemente de provocação, conhecer da ilegalidade de seu ato e anular seus efeitos. Trata-se do exercício de sua prerrogativa de autotutela. A possibilidade de anulação do ato administrativo fundamenta-se no princípio da legalidade.

Os efeitos da anulação de ato administrativo ilegal ou ilegítimo são ex tunc,

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diferentemente da revogação. Dessa forma, o ato é comprometido desde a sua origem, uma vez que o vício o macula desde o seu surgimento no mundo jurídico.

Importa ressaltar proteção em relação a terceiros de boa-fé, neste caso os efeitos da anulação ex tunc ou retroativos somente atingem as partes.

O prazo para promover a anulação do ato administrativo é objeto de controvérsias na doutrina. Uns sustentam que não há prazo para promovê-la. Almiro Couto e Silva (1997, p. 188) defende que o prazo que se deve utilizar para determinar a preclusão ou decadência do direito que tem o Poder Público de invalidar seus próprios atos seja o mesmo previsto para a ação popular, ou seja, 5 (cinco) anos.

Ao tratar do assunto, Odete Medauar (2002) aduz que não há prazo para a Administração Pública anular seus atos quando eivados de vício, fazendo, inclusive, uma crítica ao entendimento anteriormente exposto.

Contudo, entende a maior parte da doutrina que anulação é grave e matéria de ordem pública; além disso, a limitação temporal ao poder de anular deve estar prevista de modo explícito e não presumido ou deduzido de prazos prescricionais fixados para outros âmbitos.

Atualmente, a tendência é de se flexibilizar tal entendimento para, de acordo com a análise de cada caso concreto, determinar a conveniência de se anular determinado ato já consolidado no tempo, ainda que eivado de vício desde a sua origem, em nome dos princípios da boa-fé e da segurança jurídica.

Para concluir, cabe ainda esclarecer acerca da obrigatoriedade da Administração Pública, ao verificar a existência de ilegalidade, proceder à anulação do ato. Odete Medauar e Maria Sylvia Zanella Di Pietro defendem que a Administração Pública tem o dever de anular, posto que deve sempre se nortear pelo princípio da legalidade, podendo deixar de fazê-lo, porventura, se for mais proveitoso ao interesse público que o ato persista. Já Hely Lopes Meirelles, ao tratar do assunto, dispõe acerca de uma faculdade que a Administração tem de anular seus atos.

Entende-se que a posição mais razoável é aquela que atenda ao interesse público. Sendo assim, a Administração Pública, ao verificar a existência de ilegalidades, deve analisar cada caso em concreto de forma a verificar se a anulação do ato atenderá ao disposto na lei e ao interesse público ou se acarretará maiores prejuízos, o que justificaria eventual permanência do ato.

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12 DA ADMISSIBILIDADE DO CONTROLE JURISDICIONAL DO ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO

Nos últimos tempos, a doutrina administrativista tem manifestado grande preocupação com o controle dos atos administrativos discricionários.

Tal preocupação coincide, em termos jurídico-políticos, com as ideias,

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valores e princípios positivados pela Constituição de 1988, que não só consagrou e revitalizou princípios antigos (República, Federação, autonomia administrativa, igualdade) como inovou em muitos aspectos (princípio da moralidade, da legalidade, da publicidade), no propósito de fazer de suas coordenadas, mormente aquelas norteadoras da atividade administrativa, um marco referencial concreto para a construção de um verdadeiro Estado Democrático de Direito (art. 1º, caput).

A reforma administrativa tem aspectos que podem ser considerados retrocesso, mas não há dúvida que a positivação do princípio da eficiência, pela amplitude de suas repercussões, principalmente como mais um referencial de controle da atividade administrativa discricionária, constitui-se, no âmbito do Direito Administrativo, um inequívoco avanço institucional. A perseguição ao interesse público também é controlada pelo princípio da eficiência.

É pacífico o entendimento de ser possível que os atos administrativos discricionários sejam controlados pelo Judiciário, no que tange à sua legalidade e à sua legitimidade.

A divergência se dá, no entanto, quando se fala da extensão desse controle, sobretudo a partir da introdução de uma nova concepção do princípio da legalidade, que passa a abranger não só a conformidade com a lei, mas também com os princípios norteadores do ordenamento jurídico, caracterizando o que muitos doutrinadores, tais como Juarez Freitas, Germana de Oliveira Morais e Carmem Lúcia Antunes Rocha, vêm chamando de princípio da juridicidade, que restringe o campo do chamado mérito administrativo.

O princípio da juridicidade consiste na conformidade do ato não só com as leis, os decretos, os atos normativos inferiores (regulamentos, portarias), como também com os princípios que estão contidos no ordenamento jurídico. Engloba o princípio da legalidade e acrescenta a este a necessidade de observância ao ordenamento jurídico como um todo.

No Brasil, verificamos a introdução do princípio da juridicidade com a positivação dos princípios informadores da Administração Pública no art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988: "A Administração Pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...]".

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Cármem Lúcia Antunes Rocha (1994, p. 79-80) trata do princípio da juridicidade, ressaltando sua importância para se atingir a justiça material:

O Estado Democrático de Direito material, com o conteúdo do princípio inicialmente apelidado de "legalidade administrativa" e, agora, mais propriamente rotulada de "juridicidade administrativa", adquiriu elementos novos, democratizou-se. A juridicidade é, no Estado Democrático, proclamada, exigida e controlada em sua observância para o atingimento do ideal de justiça social.

Verifica-se, pois, que os doutrinadores pátrios já reconhecem a necessidade de que a atividade administrativa não seja norteada tão somente pela ideia

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de legalidade formal, mas por um valor mais amplo que é a justiça, consubstanciada em todo ordenamento jurídico.

A redefinição no conteúdo da legalidade com o aparecimento do princípio da juridicidade acarreta alguns reflexos no âmbito da discricionariedade administrativa. Observa-se uma redução do conteúdo do mérito administrativo, elemento livre de apreciação por meio de controle jurisdicional.

É que, com a positivação dos princípios administrativos, aspectos que antes eram pertinentes ao mérito agora dizem respeito à juridicidade do ato. Permite-se ao julgador examinar o ato à luz dos princípios não só da legalidade, mas também da impessoalidade, da igualdade, da eficiência, da publicidade, da moralidade, da razoabilidade e da proporcionalidade.

Amplia-se, portanto, a possibilidade de controle judicial da Administração, na medida em que se permite ao julgador examinar aspectos antes impenetráveis do ato administrativo.

A dificuldade existente seria traçar limites quando do exercício do controle judicial dos atos administrativos discricionários, principalmente quando da verificação de sua conformidade com o princípio da juridicidade, de forma que este controle não implique uma invasão da esfera de competência do administrador pelo órgão judicante, tendo em vista, por outro lado, a importância da sua realização como forma de conter possíveis arbitrariedades no exercício da discricionariedade administrativa.

Contudo, defende-se aqui que não pode a discricionariedade administrativa ser invocada para afastar o controle jurisdicional quando há indícios de violação a princípios administrativos.

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A doutrina apresenta certa divergência sobre a natureza da discricionariedade. A grande maioria dos doutrinadores entende que se trata de um poder. Não obstante, há opinião contrária no sentido de que a discricionariedade consiste em um dever. Celso Antônio Bandeira de Mello nos informa que, devido ao caráter funcional da atividade administrativa, o que se chama de poder é, na verdade, um instrumento para realização de certos deveres impostos pela lei: "Surge o poder, como mera decorrência, como mero instrumento impostergável para que se cumpra o dever. Mas é o dever que comanda toda a lógica do direito público" (1998, p. 15).

Daí pode-se concluir que, quando o ato administrativo discricionário viola direito subjetivo de outrem, cabe proteção judicial.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após breve relato sobre os atos administrativos, percebe-se ser plenamente possível a verificação de qualquer ato pelo Poder Judiciário.

Não se pretendeu aqui substituir o juízo do administrador acerca da oportunidade e conveniência de um ato administrativo discricionário. Apenas

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demonstramos que mesmo o ato administrativo discricionário, muitas vezes, terá seu mérito com o âmbito reduzido.

Afinal, quando um ato discricionário viola a esfera de direito subjetivo do administrando, causando-lhe prejuízo por ter sido efetuado ilegitimamente, cabe proteção judicial e, para se apurar tal violação, será indispensável uma investigação ampla sobre a adequação ou inadequação do ato administrativo, analisando-o a partir do paradigma da "boa administração", que seria um dever-poder do administrador público.

Nota-se que, partindo da tese de que os atos discricionários deveriam ser motivados sempre, quando este motivo não fosse verdadeiro, ilegítimo ou contra a finalidade pública, o Judiciário também poderia atacar este ato e indiretamente estaria adentrando no mérito administrativo.

Verificou-se também que a discricionariedade administrativa deve não só ser exercida em conformidade com a lei que a autoriza, mas também de acordo todos os princípios que informam o ordenamento jurídico.

De fato, o mérito administrativo, que se resume no binômio "oportunidade-conveniência", seria o aspecto do ato administrativo discricionário que não poderia ser objeto de controle pelo Judiciário. Contudo, com a introdução do princípio da juridicidade, verifica-se uma diminuição da sua amplitude, de forma que esta passa a consistir em critérios não positivados utilizados pelo gestor público para definir a sua escolha.

Portanto, cabe frisar que, para manter-se legítimo, o ato discricionário há de respeitar os limites impostos pela lei, pelos princípios jurídicos e, principalmente, pelo dever de "boa administração", o que decorre de uma racional adequação entre os atos praticados e a finalidade legal e pública que os justifica.

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Assunto Especial - Doutrina

Controle Judicial dos Atos Administrativos

Controle Jurisdicional dos Atos Administrativos

CIBELLE ALVES DE MORAIS STECKELBERGAdvogada, Especialista em Direito Público, Mestranda em Direito, Relações Internacionais e

Desenvolvimento, Professora de Direito Administrativo.

RESUMO: O presente trabalho visa a analisar o controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário, cuja evolução, resultado da dinâmica social, levou os doutrinadores e os aplicadores do Direito a entendimentos diversos. Para um melhor entendimento desse fenômeno, indispensável a verificação dos avanços doutrinários e jurisprudenciais, no sentido de demarcar o tema. As discussões contemporâneas renovam e redimensionam a problemática de ser ou não possível esse controle e em quais casos ele é admitido. A monografia objetiva resgatar questões importantes a partir do método hermenêutico, na busca de uma regulamentação que atenda aos reclamos sociais. A leitura deste trabalho se torna importante por se tratar de um tema muito polêmico e menos compreendido por muitos que não ousaram estudá-lo com afinco. Para a pesquisa, foi utilizado o método de compilação em livros e em consultas à Internet.

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PALAVRAS -CHAVE: Ato administrativo; controle jurisdicional.

ABSTRACT: The following essay intends to analyze the control of the administrative acts made by the judiciary branch, which leads the law instructor to various understandings. In order to a better understanding of this phenomenon, which is essential to the doctrine improvement, intending to define the topic. The contemporary discussions renovate and dimension the question of the possibility of the control and in which cases it is admitted. This essay intents to rescue questions starting from the hermeneutic method, trying to reach a regulation that attends the social needs. The reading of this essay is interesting because it's about a very polemic theme and less comprehended by many who didn't dare to study it deeply. For the research, it was used the compilation through books and internet searches.

KEYWORDS: Administration act; jurisdictional control.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Ato administrativo; 1.1 Conceito; 1.2 Requisitos do ato administrativo; 1.2.1 Competência; 1.2.2 Finalidade; 1.2.3 Forma; 1.2.4 Motivo; 1.2.5 Objeto; 1.3 Atributos do ato administrativo; 1.3.1 Presunção de legitimidade; 1.3.2 Imperatividade; 1.3.3 Autoexecutoriedade; 1.4 Legalidade e mérito do ato administrativo; 1.5 Invalidação dos atos administrativos; 2 Controle do ato administrativo pelo Poder Judiciário; 2.1 Separação dos poderes; 2.2 Sistemas de controle jurisdicional; 2.3 Alcance do controle jurisdicional; 2.4 Possibilidade desse controle em relação aos atos administrativos; 3 Aspectos conflitantes sobre a extensão do controle jurisdicional sobre os atos administrativos; 3.1 Posições doutrinárias; 3.2 Posições jurisprudenciais; Conclusão; Referências.

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INTRODUÇÃO

A busca por instrumentos que possam impor limites ao exercício do poder, submetendo-o à vontade popular, tem por finalidade condicionar a atuação do poder à exigência da busca do interesse público.

Nesse contexto, começa a surgir, no Direito brasileiro, forte tendência no sentido de limitar-se ainda mais a discricionariedade administrativa, de modo a ampliar-se o controle judicial. Essa tendência que se observa na doutrina e jurisprudência não implica invasão na discricionariedade administrativa, mas sim visa a impedir as arbitrariedades que a Administração Pública pratica sob a pretensão de agir discricionariamente.

Busca-se, a partir desse novo entendimento, impor ao agente público, quando no exercício de suas competências, a observância dos objetivos preconizados em lei. Assim, toda a atuação da Administração está vinculada aos limites da lei.

Assim, embora se entenda que ao juiz não é dado adentrar a esfera administrativa de oportunidade e conveniência, é certo que esse entendimento vem a cada dia sendo objeto de flexibilização, porquanto muitas situações fáticas evidenciam que não pode o Poder Judiciário quedar-se de sua função de examinar e resolver lesões a direitos, sob o escudo da intangibilidade do mérito administrativo.

O presente trabalho visa a apresentar, por meio da análise doutrinária e

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jurisprudencial, o novo entendimento segundo o qual o Poder Judiciário pode rever todos e quaisquer atos administrativos, diante do mandamento constitucional. De que nenhum ato do Poder Público poderá ser extraído do exame judicial. Para isso, estudaremos conceito, requisitos e classificação dos atos administrativos e faremos uma profunda análise sobre a possibilidade desse controle judicial dos atos administrativos.

1 ATO ADMINISTRATIVO

O ato administrativo surge como uma espécie de ato jurídico. Este último encontra-se disciplinado pelo Código Civil em vigor, em seu art. 185. Assim, entende-se que ato é todo ato lícito, praticado com o fim imediato de adquirir, transferir, resguardar, modificar ou extinguir direitos. Esse ato será um ato jurídico se atingir a órbita legal. Se esse acontecimento atinge especificamente o Direito Administrativo tratar-se-á de um ato administrativo.

Ato administrativo é espécie do gênero ato jurídico. Com efeito. O Estado, à persecução dos seus objetivos, realiza multiplicidade de atos por meio de seus agentes que, exteriorizando a vontade Estatal, realizam atividades voltadas à produção de efeitos jurídicos diversos.

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Segundo Marinela:

o ato administrativo é nada mais do que um ato jurídico, tratando-se de uma manifestação de vontade que produz efeitos jurídicos, caracterizando-se como uma espécie do gênero ato jurídico, por ser marcado por peculiaridades que o individualizam, como é o caso das condições para sua válida produção, ou ainda, quanto às regras para sua eficácia, o que será analisado nos tópicos seguintes. (2007, p. 192)

A espécie ato administrativo não se confunde com o gênero atos da Administração Pública, entendido como qualquer ato de manifestação de vontade realizado pela Administração Pública, regido tanto pelo direito público quanto pelo direito privado.

Já o ato administrativo é uma manifestação de vontade do Estado ou de quem lhe faça as vezes, que cria, modifica ou extingue direitos, mas atingindo especificadamente a órbita do Direito Administrativo, com vistas a atender o interesse público.

Marinela ainda ensina que

pode-se conceituar ato da Administração como todo ato praticado pela Administração Pública, mais especificamente pelo Poder Executivo, no exercício da função administrativa, podendo ser regido pelo direito público ou pelo direito privado. Note que esse conceito tem sentido mais amplo do que o conceito de ato administrativo, que, necessariamente, deve ser regido pelo direito público. (2007, p. 190)

Não se deve confundir, igualmente, ato administrativo com fato administrativo, pois este se caracteriza como um acontecimento ocorrido na Administração Pública, que embora possa produzir consequências jurídicas, não traduz uma manifestação de vontade do Estado. "O que convém fixar é

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que o ato administrativo não se confunde com o fato administrativo, se bem que estejam intimamente relacionados, por ser este consequência daquele" (Meirelles, 2001, p. 142).

Deve-se lembrar que os atos administrativos são praticados em todas as esferas (federal, estadual, distrital e municipal) e pelos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Estes dois últimos no que se refere às suas atividades atípicas.

1.1 Conceito

Conceituando ato administrativo, Diógenes Gasparine nos leciona:

Ato administrativo é toda prescrição unilateral, juízo de conhecimento, predisposta à produção de efeitos jurídicos, expedida pelo Estado ou por quem lhe faça as vezes, no exercício de suas prerrogativas e como parte interessada numa relação, estabelecida na conformidade da lei, sob o fundamento de cumprir finalidades assinaladas no sistema normativo. (Gasparine, 2007, p. 61)

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Maria Sylvia Zanella Di Pietro, após completa explanação sobre os elementos do ato administrativo, nos traz: "Ato administrativo é a declaração do Estado ou de quem o represente, que produz efeitos jurídicos imediatos, com observância da lei, sob regime jurídico de direito público e sujeita a controle pelo Poder Judiciário" (2008, p. 185).

Na lição sempre precisa de Hely Lopes Meirelles, seguindo a diretriz traçada pelo Código Civil, acha-se compreendido no conceito de ato administrativo:

Toda manifestação unilateral da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria. (2001, p. 141)

Diante de preciosas lições, podemos conceituar ato administrativo como sendo todo ato emanado da administração, com atributos específicos do direito público, cuja prática tenha por fim adquirir, transferir, proteger, modificar, extinguir direitos ou impor obrigações aos administrados ou aos próprios entes estatais.

No entanto, seguindo a advertência de Odete Medauar, a despeito de ser costumeiramente encontrada na definição de ato administrativo a locução "vontade do Estado", em analogia à vontade do agente na formação do ato jurídico entre particulares, no que diz respeito ao ato administrativo, o elemento vontade não deve ser compreendido com um fato psíquico de natureza subjetiva, mas sim como um elemento objetivo considerando que a atividade da Administração Pública deve pautar-se pela impessoalidade e legalidade (2007).

1.2 Requisitos do ato administrativo

Como todo ato jurídico, o ato administrativo forma-se pela conjugação de alguns requisitos, que são os componentes que o ato deve reunir para ser

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perfeito e válido. Segundo Marinela: "Quanto à enumeração, a maioria dos doutrinadores elenca cinco elementos ou requisitos, que são: sujeito, competência, forma, objeto e finalidade" (2007, p. 199).

Ainda de acordo com Marinela, a falta de um desses elementos pode levar à invalidação do ato pela Administração Pública ou pelo próprio Poder Judiciário.

Sem a convergência desses elementos não se aperfeiçoa o ato e, conseqüentemente, não terá condições para realçar a importância do conhecimento desses componentes do ato administrativo e justificar as considerações que passaremos a tecer sobre os mesmos. (2001, p. 143)

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1.2.1 Competência

A competência é o poder legalmente conferido ao agente público para o desempenho de suas funções, das atribuições de seu cargo. Para que se possua competência é necessário que esse ato seja praticado por agente público, sendo este todo aquele que exerce função pública, ainda que temporariamente e sem remuneração.

Por esse requisito, torna-se claro que o agente capaz (a que faz alusão o Código Civil de 2002) encontra o seu correspondente na competência, segundo nossa melhor doutrina, de sorte que o ato administrativo, para ser considerado válido, deve ser editado por quem detenha competência para tanto. (Spitzcovsky, 2005, p. 103)1

O exercício dessa competência é obrigatório, irrenunciável, inalienável, imodificável, imprescritível e improrrogável.

Apesar de ser um requisito geral e vinculado à lei, pois não há ato administrativo válido sem que haja a observância do poder legal para editá-lo, a competência é um elemento de delegação e avocação, desde que essas duas formas de mutação excepcional de competência respeitem os parâmetros legais. Assim, não se pode admitir a delegação de funções exclusivas ou que o subordinado não tenha capacidade legal de executar.

1.2.2 Finalidade

A finalidade indica o objetivo mediato de toda a atuação da Administração Pública, que é o atendimento do interesse público. É elemento sempre vinculado, que pode estar previsto expressa ou implicitamente na lei.

Esse elemento decorre do princípio da impessoalidade na Administração Pública. Se a atuação estatal tem por escopo alcançar os interesses coletivos e não satisfazer pretensões pessoais dos seus agentes, por motivos óbvios, os atos administrativos devem sempre atender a essa finalidade. Isso porque o Estado jamais pode se evadir dos fins públicos, enquanto valores teleológicos que legitimam a sua atividade, assim impostos pela lei para todos os seus atos.

É o requisito que impõe seja o ato administrativo praticado unicamente para um fim

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de interesse público, isto é, no interesse da coletividade. Não há ato administrativo sem um fim público a sustentá-lo. O ato administrativo desinformado de um fim público e, por certo, informado por um fim de interesse privado é nulo por desvio de finalidade. (Gasparini, 2007, p. 64)

A finalidade, estreitamente ligada aos motivos do ato administrativo, determina que a atuação administrativa, além de observar os motivos do ato administrativo, também busque a finalidade da norma jurídica. Por buscar o interesse da coletividade, não se admite ato administrativo que não persiga o interesse público. A finalidade é elemento vinculado de todo ato administrativo, seja ele vinculado ou discricionário.

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1.2.3 Forma

A forma é o elemento exteriorizador do ato administrativo, é vinculado e imprescindível para a validade do ato (princípio da solenidade). Ao contrário da regra vigente no direito privado, onde vige a liberdade de forma, salvo determinação específica da lei, no Direito Administrativo, as formas são obrigatórias e vinculadas. Segundo Gasparini, forma é

o revestimento do ato administrativo. É o modo pelo qual o ato aparece, revela sua existência. É necessária à validade do ato. A inexistência de forma leva à inexistência do ato, enquanto a sua inobservância leva à nulidade, consoante prescreve o art. 2º da Lei da Ação Popular. O usual é a forma escrita. (2007, p. 64-65)

Apesar dessa posição doutrinária, é necessário lembrar que o art. 22 da Lei nº 9.784/1999 diz que, não havendo previsão legal de forma específica, será ela livre e, portanto, caberá à Administração Pública, de acordo com o critério de conveniência e oportunidade, adotar a forma mais adequada para a necessidade do caso concreto. Por outro lado, se a lei prevê expressamente a forma, o seu desrespeito configura vício insanável do ato administrativo.

1.2.4 Motivo

Motivo é a circunstância fática e de direito que determina ou autoriza a prática do ato. O motivo pode estar expresso (ato vinculado) ou não (ato discricionário) na lei. Di Pietro ensina:

Motivo é o pressuposto de fato e de direito que serve de fundamento ao ato administrativo.

Pressuposto de direito é o dispositivo legal em que se baseia o ato.

Pressuposto de fato, como o próprio nome indica, corresponde ao conjunto de circunstância, de acontecimentos, de situações que levam a Administração a praticar o ato. (2008, p. 199)

O motivo e a motivação não se confundem. A motivação é a exposição dos motivos, a sua exteriorização, a declaração escrita dos motivos que determinaram a realização de um determinado ato administrativo. Todo ato administrativo possui, portanto, motivos.

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Todos os atos administrativos se sujeitam à regra da motivação, até mesmo os atos discricionários. Ou seja, a flexibilidade de atuação admitida pela lei não contempla a prerrogativa incondicionada do administrador fazer o que bem lhe aprouver, o que seria uma nítida arbitrariedade. E mais, motivar não significa somente citar o dispositivo legal que autoriza a medida tomada pelo administrador, mas também, expor a razão fática que levou o agente público a dar concretude à norma jurídica, mediante a materialização do ato administrativo.

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Em função da normatividade dos princípios constitucionais, o dever de motivação passa a incidir como regra em todos os atos administrativos, e segundo a teoria dos motivos determinantes, a validade de tais atos, quando motivados, fica condicionada à existência real das razões alegadas para a sua prática.

Segundo a teoria dos motivos determinantes, quando a Administração declara o motivo que determinou a prática de um ato discricionário que, em princípio, prescindiria de motivação expressa, fica vinculada à existência do motivo por ela, Administração, declarado. (Alexandrino; Paulo, 2007, p. 321)

1.2.5 Objeto

No pensamento de Alexandrino e Paulo, o objeto ou conteúdo do ato administrativo corresponde ao efeito jurídico pretendido e decorre de expressa previsão legal. É o elemento que significa o próprio conteúdo ou substância do ato. Para ser válido, o ato deve possuir objeto lícito e moralmente admitido (2007).

De forma diversa da competência, o objeto dos atos administrativos pode ser vinculado ou discricionário. Nos atos discricionários, o objeto dependerá da análise da conveniência e oportunidade, haja vista que depende da escolha da Administração Pública.

1.3 Atributos do ato administrativo

Os atributos do ato administrativo traduzem a característica inerente aos atos praticados em prol dos interesses públicos. São encontráveis nos atos praticados pela Administração Pública e regidos pelo direito público.

Os atos administrativos, como emanação do Poder Público, trazem em si certos atributos que os distinguem dos atos jurídicos privados e lhes emprestam características próprias e condições peculiares de atuação. Referimo-nos à presunção de legitimidade, à impessoalidade e à autoexecutoriedade, que veremos a seguir (Meirelles, 2001, p. 151).

1.3.1 Presunção de legitimidade

A presunção de legitimidade ou veracidade está presente em todo ato

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administrativo e decorre de uma necessidade da Administração Pública, uma vez que suas atividades seriam inviáveis, caso ela fosse obrigada a recorrer ao Poder Judiciário para validar seus atos.

A presunção de legitimidade é reativa, ou seja, o vício porventura existente no ato poderá ser alegado e questionado pela parte prejudicada.

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Outra característica é a de que, mesmo quando o ato apresente alguma nulidade absoluta, em função da presunção de legitimidade, não poderá ser alegada de ofício pelo Poder Judiciário.

1.3.2 Imperatividade

A imperatividade refere-se à qualidade de determinados atos que podem ser exigidos coercitivamente pelo Estado. Certos atos administrativos têm a imperatividade para constituir situações de observância em relação aos seus destinatários, independentemente da respectiva concordância. São chamados de poder extroverso do ato administrativo. Segundo Spitzcovsky: "[...] o primeiro atributo é denominado presunção de legitimidade, segundo o qual os atos administrativos se pressupõem legítimos até prova em contrário" (2005, p. 111)2.

Por outro lado, é importante lembrar que determinados atos, como licenças e autorizações, não possuem força coercitiva, uma vez que dispensam esse atributo.

1.3.3 Autoexecutoriedade

A autoexecutoriedade informa o poder que a Administração Pública tem de, direta e indiretamente, executar seus atos administrativos, sem a participação do Poder Judiciário. "A autoexecutoriedade consiste na possibilidade que certos atos administrativos ensejam de imediata e direta execução pela própria Administração, independentemente de ordem judicial" (Meirelles, 2001, p. 153).

De outro lado, vale registrar que alguns atos administrativos não são autoexecutáveis como, por exemplo, a cobrança de multas, quando o particular resiste ao seu pagamento espontâneo.

Fala-se que a autoexecutoriedade afasta a necessidade de observância, para a edição e os efeitos do ato, dos princípios do contraditório e da ampla defesa, haja vista a ideia de prevalência do interesse público. Porém o que ocorre não é o abandono do devido processo legal, mas sim a postergação do contraditório e da ampla defesa.

Segundo Hely Lopes Meirelles:

Ao particular que se sentir ameaçado ou lesado pela execução do ato administrativo é que caberá pedir proteção judicial para obstar à atividade da Administração contrária aos seus interesses, ou para haver da Fazenda Pública os eventuais

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prejuízos que tenha injustamente suportado. (2001, p. 154-155)

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1.4 Legalidade e mérito do ato administrativo

No estudo do ato administrativo, devem ser mencionados os aspectos da legalidade e do mérito. Nos ensinamentos de Odete Medauar:

A legalidade do ato administrativo diz respeito a sua conformação às normas do ordenamento jurídico. A margem de liberdade que incide sobre a escolha inerente ao discricionário corresponde ao mérito do ato administrativo, tal aspecto expressa o juízo de conveniência e oportunidade da escolha, no atendimento do interesse público, juízo este efetuado pela autoridade à qual se conferiu o poder discricionário. (2007, p. 148)

Nascido com o Estado Democrático de Direito, o princípio da legalidade representa a passagem de um Estado regido por homens para um Estado em que as leis, expressão da vontade popular, ditam os rumos da nação.

A Constituição da República em seu art. 1º, caput, demonstra claramente a opção da República Federativa do Brasil pelo primado da lei, ao preceituar que o Estado Brasileiro constitui-se em um Estado Democrático de Direito em que o poder emana do povo, ou seja, sagra-se a tese da soberania popular, do primado da lei.

Segundo Medauar, "o contraponto entre os aspectos de legalidade e mérito do ato administrativo aparece, sobretudo no tema controle judicial dos atos administrativos, ao discutir o alcance deste controle" (2007, p. 148).

1.5 Invalidação dos atos administrativos

A invalidação dos atos administrativos cabe tanto à Administração Pública quanto ao Poder Judiciário, dependendo das circunstâncias que revelem inadequados aos fins visados ou contrários às normas legais que os regem. Se, por erro, culpa, dolo ou interesses escusos de seus agentes, a atividade do Poder Público desgarra-se da lei, é dever da Administração invalidar o próprio ato, contrário à finalidade, por ilegal.

O controle dos atos administrativos abre-se em duas oportunidades: uma, facultada à própria Administração, que é mais ampla que a concedida à Justiça, enseja o desfazimento de seus próprios atos por razões de mérito e de oportunidade, a outra, deferida ao Judiciário que só os pode invalidar quando ilegais. Daí a Administração controla seus próprios atos em toda a plenitude, enquanto que o judiciário se restringe ao exame da legalidade. Confirma essa afirmação a lição de Medauar: "A anulação consiste no desfazimento do ato administrativo, por motivo de ilegalidade, efetuada pelo próprio Poder que o editou ou determinada pelo poder Judiciário" (2007, p. 155).

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A anulação consiste na declaração de invalidade do ato administrativo ilegítimo e ilegal, feita pela própria Administração ou pelo Poder Judiciário. A Administração, reconhecendo que praticou ato contrário ao direito vigente, deve anulá-lo de ofício, o quanto antes, para restaurar a legalidade administrativa. Se não o fizer, caberá ao Judiciário fazê-lo, mediante provocação de quem tiver legitimidade ativa para tal. Assim, os atos administrativos nulos ficam sujeitos à invalidação não só pela própria Administração como também pelo Poder Judiciário, desde que levados à sua apreciação pelos meios processuais.

Os efeitos da anulação são ex tunc, ou seja, retroagem até a origem do ato, tendo em vista que o vício de ilegalidade apresentado se verifica desde o momento em que foi editado, surgindo, como desdobramento lógico, a necessidade de eliminação de todos os efeitos até então gerados por ele. (Spitzcovsky, 2005, p. 121)

Isso, no entanto, não é tudo, pois os atos administrativos também estão sujeitos a exames do Poder Legislativo e do Tribunal de Contas competente.

2 CONTROLE DO ATO ADMINISTRATIVO PELO PODER JUDICIÁ RIO

2.1 Separação dos poderes

A história nos demonstra que o relacionamento entre governantes e governados passou por diversas mutações com o passar dos anos. E em meio aos influxos dessas mutações surgiu a teoria da separação dos poderes que, sob a influência das concepções trazidas pelo liberalismo político do século XVIII, buscou uma reinterpretação dessa tumultuada relação.

A pedra de toque da teoria da separação dos poderes reside na advertência, no sentido de que a concentração de poderes em uma única pessoa poderá ensejar situações de arbitrariedade.

As primeiras articulações em torno da divisão de poderes podem ser encontradas em Aristóteles, em sua obra A política, na qual o pensador grego desenvolveu as primeiras lições a respeito da estrutura estatal, demarcando e classificando as diferentes atividades do governo e definindo as atribuições dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.

Já em 1690, John Locke publicou seus dois tratados sobre o governo, em que, partindo de uma análise a respeito de importantes eventos verificados na história inglesa, deixou mais nítida a ideia em torno de uma demarcação sobre os poderes do Estado.

No entanto, foi a partir de 1748 que Montesquieu, analisando as diferentes formas de governo ao longo da história, utilizando-se da mesma constituição inglesa que inspirou John Locke, idealizou a teoria da separação dos poderes, cujos princípios norteadores são adotados na atualidade, inclusive em nosso País.

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A teoria idealizada por Montesquieu está assentada na presença de poderes distintos e especializados, confiados a diferentes órgãos, que se contrabalançam no seio do Estado como forma de evitar abusos decorrentes da concentração do poder.

A distribuição dos poderes, em uma perspectiva atual, deverá ser compreendida como forma de distribuição orgânica das funções, ou seja, o Poder Legislativo legisla, o Executivo aplica as leis, e o Judiciário cuida do exercício da atividade jurisdicional.

Essa divisão especializada de funções tem por objetivo, em especial, a salvaguarda dos cidadãos frente à possível prepotência do Poder Público e ao capricho dos governantes, na medida em que permite o equilíbrio decorrente da interação entre as funções estatais, restringindo, a partir de um controle recíproco, possíveis abusos de parte dos agentes administrativos.

A submissão do Poder Executivo à lei só se realizou com o surgimento do Estado de Direito, que tem como um de seus objetivos básicos o princípio da legalidade. Ou seja, a atuação do Estado ou de qualquer de seus órgãos há de pautar-se pelo direito.

Depois da separação dos poderes, a sujeição da Administração à lei vai conferir novos moldes às ações do Estado, inserindo entre a vontade da autoridade e o indivíduo um conjunto de preceitos destinados a disciplinar essa atuação e seus efeitos.

A partir daí, a Administração não mais atua tendo em vista a vontade pessoal do governante, as decisões passam a ter parâmetros fixados em lei e visam a assegurar os direitos dos particulares. Esse modo de expressão das decisões adquire interesse jurídico relevante, e o ato administrativo constitui, assim, um dos principais meios pelos quais atuam e se expressam as autoridades e os órgãos administrativos, obedecendo sempre à legalidade e fundamentalmente à separação dos poderes.

2.2 Sistemas de controle jurisdicional

O controle jurisdicional da Administração se organiza em dois sistemas: o contencioso administrativo, ou sistema de jurisdição dupla, e o sistema de jurisdição una, ou unidade de jurisdição.

Confirma essa afirmação a lição de Medauar:

O sistema de jurisdição dupla de origem francesa, caracteriza-se pela existência paralela de duas ordens de jurisdição: a jurisdição comum e a jurisdição administrativa, destinada a julgar litígios que envolvem a Administração Pública. Neste sistema os atos praticados pela Administração só podem ser revistos pela própria Administração. No sistema de jurisdição una, o julgamento dos litígios em que a Administração Pública é parte compete aos juízes e aos Tribunais comuns, ou seja, integrantes da Justiça comum. Admitem-se varas especializadas, mas inseridas entre os órgãos de uma única ordem de jurisdição. O Brasil adota este sistema. Já neste sistema quem vai rever os atos praticados pela Administração é o Poder Judiciário. (2007, p. 393)

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2.3 Alcance do controle jurisdicional

Uma das questões mais importantes no que diz respeito ao tema do controle jurisdicional dos atos administrativos diz respeito ao alcance da atuação do Judiciário. Nos ensinamentos de Odete Medauar:

A legalidade do ato administrativo diz respeito a sua conformação às normas do ordenamento jurídico. A margem de liberdade que incide sobre a escolha inerente ao discricionário corresponde ao mérito do ato administrativo, tal aspecto expressa o juízo de conveniência e oportunidade da escolha, no atendimento do interesse público, juízo este efetuado pela autoridade à qual se conferiu o poder discricionário. (2007, p. 148)

Há um posicionamento favorável a um controle restrito, para que se circunscreva à legalidade entendida também de modo restrito. Em geral, os argumentos dessa linha são a impossibilidade de ingerência do Judiciário em atividades típicas do Executivo, ante o princípio da separação dos poderes, daí o âmbito do Judiciário ser a legalidade em sentido estrito. Outro entendimento inclina-se por um controle amplo, ante os seguintes fundamentos: pelo princípio da separação dos poderes, o poder detém o poder, cabendo ao Judiciário a jurisdição e, portanto, o controle jurisdicional da Administração, sem que se possa cogitar de ingerência indevida; por outro lado, onde existe controle de constitucionalidade da lei, a invocação de poderes para limitar a apreciação jurisdicional perde grande parte de sua força.

No Direito pátrio, a tendência de ampliação do controle jurisdicional da Administração se acentuou a partir da Carta Magna de 1988, na qual encontramos uma priorização de direitos e garantias ante o Poder Público, exigindo-se do Estado, entre outros, os princípios da moralidade, da impessoalidade e da publicidade, que, por sua vez, impõem transparência na atuação administrativa, o que enseja um controle maior sobre seus atos.

Hoje encontramos o princípio da legalidade assentado em bases mais amplas e ainda um respaldo constitucional para um controle jurisdicional mais amplo sobre a atividade da Administração. Óbvio é que a ampliação desse controle não leva a uma substituição do administrador pelo juiz, havendo limites.

Questão importante em matéria de alcance do controle jurisdicional diz respeito ao motivo - um dos requisitos do ato administrativo. A exigência de nexo entre o ato administrativo e os fatos que levaram à realização deste torna o motivo um vínculo a mais no exercício do poder discricionário. Como decorrência, veio a possibilidade de o controle jurisdicional dos fatos e fundamentos jurídicos relevaram ao administrador a opção por decidir em um determinado sentido, ou seja, o controle do motivo. Hoje a orientação majoritária é no sentido de que o Poder Judiciário possui plena possibilidade de averiguação e exame de fatos e provas relativos à atividade da Administração Pública.

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Outra questão importante na fixação de parâmetros do poder discricionário se realizou ao se admitir o controle fim, criando-se a figura do desvio de poder. A alegação de desvio de poder, ou de desvio de finalidade, encontra muitos obstáculos em relação à prova da intenção da autoridade, que passa a ser um interesse pessoal, e não o interesse público. Por isso, entendemos ser importante admitir a possibilidade do controle jurisdicional dos atos administrativos de maneira ampla e em relação também aos fatos e fundamentos jurídicos, para que a partir daí se possa identificar de forma clara e precisa a ilegalidade ou não do ato praticado.

2.4 Possibilidade desse controle em relação aos ato s administrativos

Tendo em vista que o Direito Administrativo é norteado pelo princípio constitucional da legalidade e que os atos administrativos devem ser sempre motivados, dando legitimidade e transparência à atividade administrativa, permite-se um autocontrole pela própria Administração.

No entanto, a despeito de não subsistir dúvidas quanto à possibilidade da própria Administração Pública revogar ou anular seus atos, essa certeza não aparece quando se trata de intervenção jurisdicional sobre a atividade administrativa.

Segundo uma tradição sedimentada ao longo da história, inspirada no modelo do Estado Liberal, difundiu-se a teoria de que a intervenção jurisdicional limitava-se ao aspecto formal do ato administrativo, de forma que toda intervenção que ia além dos limites de formalidade do ato estaria desrespeitando a separação dos poderes.

Todavia, a evolução do tratamento do indivíduo em relação ao Estado trouxe-nos um novo paradigma a ser observado. Hoje, a intervenção do Estado na vida social deve sempre respeitar o interesse público, os direitos e as garantias individuais e principalmente o Estado Democrático de Direito. Para melhor entendermos o tema é necessário fazermos uma breve recordação quanto à discricionariedade e vinculação dos atos administrativos.

A atividade administrativa está vinculada à lei, mas pode fazer sentir-se por duas formas: atividade vinculada e atividade discricionária. Diz-se vinculada quando a lei estabelece a única solução possível diante de determinada situação de fato. Já na atuação discricionária cabe somente ao administrador apreciar os motivos de oportunidade e conveniência da prática de certos atos.

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A atuação discricionária da Administração encontra justificativa na impossibilidade de o legislador catalogar na lei todos os atos que a prática administrativa exige, dada a multiplicidade de fatos e situações que pedem a solução do Poder Público. Diante dessa realidade, considera-se imprescindível a margem de discricionariedade do ato administrativo com

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instrumento de otimização da realização do direito no caso concreto, obtendo-se, por conseguinte, maior eficácia a atuação administrativa.

Entretanto, é importante observar que nenhum ato administrativo pode ser considerado discricionário em sua integralidade. A discricionariedade significa condição de liberdade, mas não liberdade ilimitada. Diz-se discricionário quando a lei faz remanescer em proveito e cargo do administrador certa esfera de liberdade, perante o que lhe caberá preencher, com seu juízo subjetivo e pessoal, o campo de indeterminação normativa, a fim de satisfazer no caso concreto a finalidade da lei.

Essa discricionariedade limita-se à lei e também a uma rede de princípios que asseguram o interesse público e impedem seu abuso. Em outros termos: a autoridade administrativa está autorizada a atuar discricionariamenteapenas, única e exclusivamente, quando norma jurídica válida expressamente a ela atribuir essa livre atuação.

Ao longo de vários anos, a doutrina e a jurisprudência haviam firmado o entendimento de que os atos discricionários eram insusceptíveis de apreciação e controle pelo Poder Judiciário.

Tratava-se de aceitar a intangibilidade do mérito do ato administrativo, em que se afirmava, pelo fato de ser a discricionariedade competência tipicamente administrativa, que o controle jurisdicional implicaria ofensa ao princípio da separação dos poderes.

Não obstante, a necessidade de motivação e controle de todos os atos administrativos, de forma indiscriminada, principalmente em relação aos atos discricionários, é matéria que se encontra, atualmente, pacificada pela imensa maioria da doutrina e, fortuitamente, aos poucos acolhida na jurisprudência de maior vanguarda.

Assim, quando o Judiciário exerce o controle a posteriori de determinado ato administrativo não se pode olvidar que é o Estado controlando o próprio Estado. E mais, a competência jurisdicional de controle dos atos administrativos não incide, tão somente, sobre a legalidade, pois, como se sabe, discricionariedade não é liberdade plena, mas, sim, liberdade de ação para a Administração Pública, dentro dos limites previstos em lei, pelo legislador. E é a própria lei que impõe ao administrador público o dever de motivação.

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Ademais, é óbvio, o Poder Judiciário não pode substituir-se à Administração, enquanto personificada no Poder Executivo. Nesse sentido, o Poder Judiciário vai à análise do mérito do ato administrativo, inclusive fazendo atuar as pautas da proporcionalidade e da razoabilidade, que não são princípios, mas sim critérios de aplicação do Direito, ponderados no momento das normas de decisão. O Poder Judiciário não apenas examina a proporçãoque marca a relação entre meios e fins do ato, mas também aquela que se manifesta na relação entre o ato e seus motivos, tal e qual declarados na motivação.

O motivo, um dos elementos do ato administrativo, contém os pressupostos

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de fato e de direito que fundamentam sua prática pela Administração.

A conveniência e a oportunidade da Administração não podem ser substituídas pela conveniência e pela oportunidade do juiz. Mas é certo que o controle jurisdicional pode e deve incidir sobre os elementos do ato, à luz dos princípios que regem a atuação da Administração. Daí porque o controle jurisdicional pode incidir sobre os motivos determinantes do ato administrativo.

Assim, o entendimento moderno é que caberá o controle judicial dos atos administrativos, acerca da legalidade, da constitucionalidade e, mais, sua conformidade com os princípios relativos à Administração Pública.

3 ASPECTOS CONFLITANTES SOBRE A EXTENSÃO DO CONTROL E JURISDICIONAL SOBRE OS ATOS ADMINISTRATIVOS

3.1 Posições doutrinárias

Discorrendo sobre o controle jurisdicional do ato administrativo, a doutrina brasileira pouco diverge em relação ao controle de legalidade. O que se torna contraditório e divergente são as opiniões acerca do limite desse controle.

Para parte da doutrina, o controle somente será feito levando-se em conta a legalidade, já para os administrativistas modernos, esse controle se estende aos preceitos constitucionais e a todos os princípios que regem a Administração Pública, não se admitindo que a discricionariedade administrativa sirva de pretexto para abuso de poder e possíveis desvios.

Discorrendo sobre a extensão desse controle jurisdicional, Diógenes Gasparine nos leciona:

Limita-se o controle jurisdicional, nos casos concretos, ao exame de legalidade do ato ou da atividade administrativa. Escapa-lhe, por conseguinte, o exame do mérito do ato ou da atividade administrativa. Assim, os aspectos de conveniência e oportunidade não podem ser objeto deste controle. A autoridade jurisdicional pode dizer o que é legal ou ilegal, mas não o que é oportuno ou conveniente e o que é inoportuno ou inconveniente. (Gasparine, 2007, p. 914)

Já Maria Sylvia Zanella Di Pietro, de forma mais completa e precisa, nos explicita que

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o Poder Judiciário pode examinar os atos da Administração Pública, de qualquer natureza, sejam gerais ou individuais, unilaterais ou bilaterais, vinculados ou discricionários, mas sempre sob o aspecto da legalidade e, agora, pela Constituição, também sob o aspecto da moralidade. Quanto aos atos discricionários, sujeitam-se à apreciação judicial, desde que não se invadam os aspectos reservados à apreciação subjetiva da Administração Pública, conhecidos sob a denominação de mérito. Não há invasão de mérito quando o Judiciário aprecia os motivos, ou seja, os fatos que precedem a elaboração do ato; a ausência ou falsidade do motivo caracteriza ilegalidade, suscetível de invalidação pelo Poder Judiciário. (Di Pietro, 2008, p. 709)

Pertencente ao Direito Administrativo moderno, a doutrinadora Odete

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Medauar nos traça:

Hoje, no ordenamento pátrio, sem dúvida, a legalidade assenta em bases mais amplas e, por conseguinte, há respaldo constitucional para um controle jurisdicional mais amplo sobre a atividade da Administração, como coroamento de uma evolução já verificada na doutrina e jurisprudência antes de outubro de 1988. (Medauar, 2007, p. 397)

Ainda sobre a extensão desse controle jurisdicional, Hely Lopes Meirelles nos ensina:

Todo ato administrativo, de qualquer ou Poder, para ser legítimo e operante, há que ser praticado em conformidade com a norma legal pertinente (princípio da legalidade), com a moral da instituição (princípio da moralidade), com a destinação pública própria (princípio da finalidade), com a divulgação oficial necessária (princípio da publicidade) e com presteza e rendimento funcional (princípio da eficiência). Faltando, contrariando ou desviando-se destes princípios básicos, a Administração Pública vicia o ato, expondo-o a anulação por ela mesma ou pelo Poder Judiciário, se requerida pelo interessado. (Meirelles, 2001, p. 665)

Diante de preciosos ensinamentos, podemos concluir que, mesmo com a unanimidade em relação à possibilidade de controle jurisdicional dos atos administrativos quanto à legalidade, o mesmo não podemos falar sobre a sua extensão. Divergente é a doutrina, divergente também a jurisprudência, mas o que vemos hoje é uma mudança paulatina, que nos traz uma elasticidade maior quanto à extensão desse controle, o que nos protege de eventuais abusos e ilegalidades, escondidos sob o manto do mérito administrativo.

3.2 Posições jurisprudenciais

De acordo com tudo o que vimos no presente trabalho, é grande a discussão sobre a possibilidade ou não do controle judicial dos atos administrativos. Diferente não seria na jurisprudência pátria.

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Durante muito tempo, afirmou-se que o Judiciário não poderia efetuar qualquer controle de mérito sobre os atos administrativos, especialmente os atos administrativos discricionários, vez que competiria exclusivamente à Administração Publica a formulação de juízos de conveniência e oportunidade dentro da esfera de liberdade a ela conferida pela lei. Nesse sentido, ponderava o Superior Tribunal de Justiça:

ADMINISTRATIVO - SERVIDOR PÚBLICO - CONCESSÃO DE HORÁRIO ESPECIAL - ATO DISCRICIONÁRIO - ILEGALIDADE OU ABUSO - INEXISTÊNCIA

Foge ao limite do controle jurisdicional o juízo de valoração sobre a oportunidade e conveniência do ato administrativo, porque ao Judiciário cabe unicamente analisar a legalidade do ato, sendo-lhe vedado substituir o administrador público.

Recurso ordinário desprovido. (STJ, RMS 14967/SP, 6ª T., Rel. Min. Vicente Leal, DJ 22.04.2003, p. 272)

Atento à tendência doutrinária moderna, conforme delineado durante todo o presente trabalho, o STJ vem mudando o entendimento sobre a matéria:

ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - OBRAS DE

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RECUPERAÇÃO EM PROL DO MEIO AMBIENTE - ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO

1. Na atualidade, a Administração pública está submetida ao império da lei, inclusive quanto à conveniência e oportunidade do ato administrativo.

2. Comprovado tecnicamente ser imprescindível, para o meio ambiente, a realização de obras de recuperação do solo, tem o Ministério Público legitimidade para exigi-la.

3. O Poder Judiciário não mais se limita a examinar os aspectos extrínsecos da administração, pois pode analisar, ainda, as razões de conveniência e oportunidade, uma vez que essas razões devem observar critérios de moralidade e razoabilidade.

4. Outorga de tutela específica para que a Administração destine do orçamento verba própria para cumpri-la.

5. Recurso especial provido. (STJ, REsp 429570/GO, 2ª T., Relª Min. Eliana Calmon, DJ 22.03.2004, p. 277; RSTJ, v. 187, p. 219) (grifamos)

De acordo com elucidações anteriormente feitas nesse trabalho, a motivação é parâmetro para o controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. A ausência da necessária motivação, tanto quanto o vício de finalidade ou causa determinante, configura ilegalidade, passível de controle jurisdicional, e assim tem se posicionado nossos Tribunais:

ADMINISTRATIVO - SERVIDOR PÚBLICO - REMOÇÃO - ATO NÃO MOTIVADO - NULIDADE - ART. 8º, INCISO I, DA LEI ESTADUAL Nº 5.360/1991 - PRERROGATIVA DE INAMOVIBILIDADE - INEXISTÊNCIA - PRECEDENTES - RECURSO PROVIDO

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I - O princípio da motivação possui natureza garantidora quando os atos levados a efeito pela Administração Pública atingem a seara individual dos servidores. Assim, a remoção só pode ser efetuada se motivada em razão de interesse do serviço. Precedentes.

II - O art. 8º, inciso I, da Lei Estadual nº 5.360/1991 não impede que o servidor por ela regido seja removido. Não se cogita de inconstitucionalidade da expressão "fundamentada em razão do interesse do serviço" nele contida.

III - No caso dos autos, o ato que ordenou as remoções encontra-se desacompanhado do seu motivo justificador. Conseqüentemente, trata-se de ato eivado de nulidade por ausência de motivação, que desatende àquela regra específica que rege os Agentes Fiscais da Fazenda Estadual.

IV - Recurso provido. (STJ, RMS 12856/PB, 5ª T., Rel. Min. Gilson Dipp, J. 08.06.2004, DJ 01.07.2004, p. 214) (grifamos)

Esboça-se, assim, a mudança do entendimento jurisprudencial que costumava ser tradicionalmente seguido por aquela Corte, em caminho oposto:

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA - ADMINISTRATIVO -SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL - CESSÃO - REVOGAÇÃO - ATO DISCRICIONÁRIO - MOTIVAÇÃO - DESNECESSIDADE

A cessão de servidor público, sendo ato precário, confere à Administração, a qualquer momento, por motivos de conveniência e oportunidade, a sua revogação, sem necessidade de motivação, cujo controle escapa ao Poder Judiciário, adstrito unicamente a questões de ilegalidade. Precedente.

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Recurso ordinário desprovido. (STJ, RMS 12312/RJ, 6ª T., Rel. Min. Vicente Leal, DJ 09.12.2002, p. 390)

No Supremo Tribunal Federal, outro não é o entendimento senão aquele que caberá controle judicial dos atos administrativos, nada justificando que a Administração Pública, sob o manto da discricionariedade, pratique excesso e desvios considerados ilegais:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO - PRESSUPOSTO ESPECÍFICO DE RECORRIBILIDADE - A parte sequiosa de ver o recurso extraordinário admitido e conhecido deve atentar não só para a observância aos pressupostos gerais de recorribilidade como também para um dos específicos do permissivo constitucional. Longe fica de vulnerar o art. 6º, parágrafo único, da Constituição de 1969, acórdão em que afastado ato administrativo praticado com abuso de poder, no que revelou remoção de funcionário sem a indicação dos motivos que estariam a respaldá-la. Na dicção sempre oportuna de Celso Antonio Bandeira de Mello, mesmo nos atos discricionários não há margem para que a administração atue com excessos ou desvios ao decidir, competindo ao Judiciário a glosa cabível (discricionariedade e controle judicial). (STF, RE 131661/ES, 2ª T., Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 17.11.1995, p. 39209; Ement., v. 01809-06, p. 01393) (grifamos)

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O que se observa, finalmente, é que, nos últimos anos, tanto o Supremo Tribunal Federal quanto o Superior Tribunal de Justiça vêm admitindo o controle jurisdicional dos atos emanados da Administração Pública.

E esse controle não se restringe à verificação dos pressupostos objetivos de legalidade, reconhecendo-se então a possibilidade de analisar-se também o mérito dessas decisões, extirpando, assim, os atos administrativos praticados com abuso de poder ou desvio de finalidade. Ou seja, a finalidade legal da norma que instituiu o ato administrativo deve estar presente também quando o administrador possui liberdade de escolha para praticá-lo.

CONCLUSÃO

A partir da análise exposta, pode-se concluir que, em função do princípio da legalidade, a autoridade pública está submissa aos ditames da lei, não podendo agir sem que haja comando legal autorizando.

Assim, diante de tudo que foi escrito sobre o tema em análise, resta incontroverso que o agente público, embora exercitando poder discricionário e agindo em conformidade com as formalidades externas da lei, pode estar agindo em desconformidade com esta ao buscar uma finalidade que não a do interesse público.

Cabe assim, ao Poder Judiciário, analisar e controlar esse desvio de conduta, a fim de coibir essa ilegalidade. É necessário, então, que o Judiciário observe a lei não apenas formalmente, mas também substancialmente. Assim, a razoabilidade e a proporcionalidade podem ser vistas como desdobramentos da legalidade e são mecanismos de controle da atuação do Estado e de seus agentes. Assim, mesmo sob aparente legalidade, esses atos serão ilegais se não respeitarem os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

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Na atualidade, o império da lei e seu controle, a cargo do Poder Judiciário, autorizam que se examinem todos os atos administrativos emanados do Poder Público. Verifica-se que diante desse novo panorama, a ampliação da intervenção jurisdicional, ultrapassando os limites da legalidade, infiltra-se na análise da compatibilidade do ato administrativo, mesmo discricionário, com os princípios constitucionais.

REFERÊNCIAS

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CHIMENTE, Ricardo Cunha et al. Curso de direito constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

GASPARINE, Diógenes. Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

MARINELA, Fernanda. Direito administrativo. 3. ed. Salvador: JusPodivm, v. 1, 2007.

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MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional administrativo. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2002.

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