Administração Pública - 8-Luizalbertosantos

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ADMINISTRAÇÃO PUBLILCA

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  • A ADMINISTRAO PBLICA E SUA ORGANIZAO NA CONSTITUIO BRASILEIRA

    Luiz Alberto dos Santos

    Introduo

    A atual Constituio Federal da Repblica Federativa do Brasil, promulgada em 5 de

    outubro de 1988, fruto de um longo processo, iniciado com a independncia do pas, em

    1822, e que teve importantes precedentes, no que se refere s normas voltadas a direcionar a

    organizao do Estado e sua administrao pblica.

    Marcos importantes foram a Constituio de 1937, outorgada pela ditadura do Estado

    Novo, de carter centralizante, mas modernizador; a Constituio de 1946, fruto da transio

    para a democracia no Ps-Guerra, e a Constituio de 1967, emanada tambm em perodo

    autoritrio. Em cada etapa, constata-se a preocupao do legislador constituinte em ampliar o

    carter constitucional das normas relativas Administrao Pblica e ao Servio Pblico.

    No entanto, a Carta de 1988, a Constituio Cidad, destaca-se por ser o resultado do

    processo de reconstruo da democracia no Pas, diretamente influenciada pelo clima poltico

    ento vigente, e por refletir, na sua concepo, o fruto de um aprendizado histrico importante,

    que diversos analistas consideram ser o carter burocratizante da Carta de 1988,

    excessivamente enrijecedor da gesto estatal, mas que se justifica pela necessidade de erradicar

    problemas como corrupo, clientelismo, empreguismo e outras formas de patrimonialismo e

    fisiologismo da prtica diria da Administrao Pblica Brasileira. Apesar das boas intenes dos

    constituintes e da inteno de dar incio a um processo de reestruturao do Estado e de sua

    Administrao, trata-se de marcas presentes na cultura poltica brasileira desde a Repblica

    Velha, e cuja superao requer mais do que normas constitucionais.

    Assim, o velho e o novo convivem na Administrao Pblica brasileira. Ao passo em

    que se constri um Estado moderno e democrtico, com normas constitucionais e leis

    LUIZ ALBERTO DOS SANTOS Bacharel em Direito e Comunicao Social, Mestre em Administrao e

    Doutor em Cincias Sociais. Consultor Legislativo do Senado Federal na rea de Administrao Pblica e Subchefe de Anlise e Acompanhamento de Polticas Governamentais da Casa Civil da Presidncia da Repblica.

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    ajustadas a esses conceitos, tem-se, tambm, uma prtica em muitos momentos derivada de

    uma cultura que incompatvel com esse Estado moderno e democrtico, e por meio da qual

    se buscam novas formas de tornar possvel aos dirigentes fazer sua a coisa pblica, quando

    no ignorando a Constituio, que ainda carece de regulamentao em muitos de seus artigos,

    muitas vezes alterando-a, ou aprovando leis com ela incompatveis.

    A Constituio Federal classificada como analtica, do tipo rgido. uma constituio

    extensa, detalhista at, e cujo processo de mudana requer a aprovao de trs quintos de seus

    membros, em dois turnos de votao, nas duas Casas do Congresso Nacional. Para aprovar

    uma emenda Constituio, portanto, necessrio um slido consenso em relao ao seu

    contedo. Ademais, algumas clusulas no podem sequer ser emendadas so as chamadas

    clusulas ptreas da Carta Magna1.

    Ainda assim, os dispositivos constitucionais aplicveis Administrao Pblica no

    Brasil sofreram profundas modificaes, desde a promulgao da Carta. Foram aprovadas,

    desde 1988, 56 Emendas Constitucionais e 6 Emendas Constitucionais de Reviso2,

    totalizando mais de 200 dispositivos alterados, alguns deles mais de uma vez. Inmeras

    propostas tramitam nas duas Casas do Congresso e, em muitos casos, seu escopo no o de

    aperfeioar os princpios da Carta Magna, torn-los exequveis ou superar lacunas, mas, pelo

    contrrio, remover do ordenamento constitucional empecilhos s velhas prticas

    patrimonialistas. Mas h, tambm, proposies importantes, visando fortalecer o carter

    democrtico da Carta de 1988.

    Relevo especial deve ser dado s Emendas Constitucionais n 18, 19, 20, 41 e 47, que

    incorporaram importantes modificaes nas regras aplicveis aos servidores pblicos e

    militares, notadamente em relao ao seu estatuto jurdico e direitos previdencirios, e

    Administrao Pblica em geral. Tais modificaes resultaram de um amplo debate nacional

    sobre a adequao da Constituio realidade do Pas e do mundo, mas, tambm, da tentativa

    de adoo da busca de meios para a reduo de despesas na Administrao Pblica

    especialmente no tocante ao gasto com pessoal e benefcios previdencirios e de

    implantao de novas concepes de Administrao Pblica, no unanimemente aceitas como

    adequadas realidade brasileira ou mesmo s suas necessidades, mas que, no curso poltico

    1 Nos termos do art. 60, 4, no sero objeto de deliberao as propostas de emenda Constituio tendentes

    a abolir a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e peridico; a separao dos Poderes; e os direitos e garantias individuais.

    2 Trata-se das Emendas aprovadas durante o processo de reviso constitucional ocorrido em 1993, nica oportunidade prevista pela prpria Constituio, nas suas disposies transitrias, de alterao em seu texto com requisito de aprovao das propostas por maioria simples dos Congressistas.

  • 3

    de sua apreciao, obtiveram a hegemonia necessria sua incorporao ao texto

    constitucional embora dependam, em grande parte, de legislao complementar para sua

    implementao.

    Em face de suas mltiplas interfaces com o processo de Reforma do Aparelho do

    Estado no Brasil, merece abordagem especial a Emenda Constitucional n 19/98, oriunda da

    PEC n 173/95, enviada ao Congresso em agosto de 1995 e promulgada em junho de 1998,

    aps 34 meses de tramitao entre a Cmara e o Senado.

    Introduzindo mais de 100 modificaes em dispositivos constitucionais relacionados ao

    regime e princpios e normas da Administrao Pblica, servidores e agentes pblicos,

    controle de despesas e finanas pblicas, a EC n 19 destaca-se entre as iniciativas adotadas

    pelo Governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), no apenas pela sua centralidade no

    debate, mas pela forma como, ao final, acabou por ser aprovada. Alm da utilizao

    ostensiva, como foi amplamente noticiado pela imprensa, de expedientes que vo desde o

    aliciamento dos parlamentares contrrios at a prpria fraude no resultado final da votao,

    promovida com o auxlio do rolo compressor no Congresso, denunciados perante o

    Supremo Tribunal Federal na Ao Direta de Inconstitucionalidade n 2.3103, o Governo

    FHC valeu-se de alianas com governadores estaduais, envolvendo interesses na renegociao

    das dvidas dos estados com a Unio que permitiram obter os apoios necessrios ao

    atingimento da maioria exigida pela Constituio Federal para a aprovao de emendas

    constitucionais. Apesar de importantes avanos, a EC n 19/98 no concretizou a promessa de

    uma reforma administrativa capaz de tornar, como estabelece a nova redao dada ao caput

    do art. 37, mais eficiente a atuao do Estado brasileiro.

    Passados dez anos de sua vigncia, os efeitos da Emenda Constitucional n 19/98 so de

    mltiplas ordens, envolvendo tanto a esfera da Administrao Federal quanto os Estados, o

    Distrito Federal e os Municpios. Do conjunto de modificaes introduzidas no ordenamento

    constitucional brasileiro pela Emenda Constitucional n 19/98, destacam-se algumas que,

    auto-aplicveis ou cuja aplicabilidade depende de normas infraconstitucionais, produziro

    consequncias de grande impacto para a organizao da administrao pblica brasileira.

    3 Questiona essa Ao Direta a irregularidade do texto submetido a votos em segundo turno da Proposta de

    Emenda Constitucional n 173, convertida na EC 19/98. Defendem os Partidos Polticos signatrios, entre outros pontos, que foi desrespeitado o resultado da votao em primeiro turno, quando foi rejeitada a modificao proposta ao caput do art. 39 da Constituio. Em agosto de 2007, o STF concedeu liminar na ADIN por oito votos a trs, suspendendo a eficcia da alterao promovida ao caput do art. 39 e restabelecendo a obrigatoriedade do regime jurdico nico na Administrao Pblica direta, autrquica e fundacional.

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    O presente artigo visa a dar um panorama geral do atual quadro constitucional

    brasileiro, no que se refere s normas aplicveis organizao da Administrao Pblica,

    possibilitando no apenas a contextualizao dessas normas, mas tambm a compreenso da

    sua relevncia para a construo de uma Administrao Pblica transparente, eficaz, efetiva e

    eficiente, objetivos que devem ser buscados por quaisquer governos, notadamente nos dias de

    hoje, em que a retrica anti-Estado ainda forte e encontra eco no apenas em debates

    acadmicos, como tambm nos meios de comunicao e no ambiente poltico.

    1. Administrao Pblica na Constituio Federal do Brasil Aspectos Principais

    No que se refere aos princpios e direitos constitucionais aplicveis Administrao

    Pblica, torna-se necessrio discorrer, brevemente, sobre o seu contedo, evoluo e origens,

    para que se possa ter uma viso mais ampla do seu estgio atual, derivado, em grande parte, de

    mudanas aprovadas pelo Congresso Nacional a partir de 1998, ano em que a Carta Magna

    completou dez anos de sua vigncia. Passados dez anos dessas modificaes, porm, em grande

    parte no foram implementadas ou regulamentadas, repetindo-se, em relao s mesmas, o que

    j ocorrera com o texto original da Constituio: sua no efetivao no plano material.

    A Constituio de 1988 considerada, pela maioria dos especialistas em Direito

    Administrativo brasileiros, como superior a todas as Cartas que a precederam, embora sejam

    apontadas deficincias no que se refere, especialmente, a conceitos bsicos de direito

    administrativo. Crtica recorrente a forma pouco cuidadosa com que o constituinte

    originrio adotou conceitos e definies, muitas vezes de forma incoerente, o que leva o

    intrprete a promover razovel esforo de interpretao que permita harmonizar os diferentes

    dispositivos. No por menos que mais de 4.100 Aes Diretas de Inconstitucionalidade

    foram ajuizadas junto ao Supremo Tribunal Federal at agosto de 2008. Dessas, boa parte so

    contra dispositivos de leis federais, estaduais ou municipais que envolvem matria de direito

    administrativo, e das quais cerca de 66% foram julgadas em definitivo, com um total de cerca

    de 820 aes julgadas procedentes no todo ou em parte. Somadas as liminares deferidas total

    ou parcialmente, o total de aes julgadas procedentes atinge cerca de 1.040, o que indica o

    elevado nmero de leis consideradas inconstitucionais pela mais alta Corte do Pas4. Mais do

    que indicar a chamada judicializao da poltica, esse dado pode ser visto como um

    indicador do baixo grau de consistncia das leis infraconstitucionais com o sentido da Lei

    Maior, e at mesmo uma certa insurreio dos legisladores ordinrios contra a letra da Carta

  • 5

    Magna, tamanha a recorrncia de decises sobre temas como provimento derivado, vcio de

    iniciativa em matria de competncia privativa do Executivo e outras.

    Todavia, os mritos da atual Constituio superam suas deficincias formais. A comear

    pela sua sistematizao: os preceitos relativos aos servidores pblicos esto agora localizados

    dentro do captulo que cuida da administrao pblica, o qual, por sua vez, se insere no ttulo

    que trata da organizao do Estado, abrangendo a Unio, os Estados, o Distrito Federal, os

    Territrios Federais e os Municpios. Em segundo lugar, pela sua amplitude: o art. 37, que

    abre o captulo, se refere administrao pblica direta e indireta, de todos os ramos do poder

    e de todas as esferas de governo. Finalmente, a CF 88 estabeleceu diretrizes e fixou vrias

    regras atinentes ao pessoal da administrao direta, indireta e fundacional dos trs Poderes da

    Unio, dos Estados, do DF e dos Municpios, sobretudo nos art. 37 e 38, 39 e 41. Pela

    primeira vez um texto constitucional referiu-se necessidade de uma reforma administrativa,

    a ser implementada em dezoito meses da sua vigncia, compatibilizando os quadros de

    pessoal ao disposto no art. 39 da Constituio e reforma administrativa dela decorrente

    (art. 24 do ADCT) o que, todavia, no ocorreu.

    O grau de detalhamento no texto constitucional e a coerncia dos dispositivos tm sido

    considerados pela maioria dos especialistas em direito administrativo como suficiente para

    assegurar um salto qualitativo no que toca administrao pblica e contribuir para o

    aperfeioamento da gesto pblica em nosso pas, pelo menos no que se refere sua organizao

    e inibio da corrupo e melhoria da transparncia e eficincia. Neste tpico, pretendemos

    demonstrar a orientao geral do texto constitucional para o alcance desses propsitos.

    1.1 Organizao Estatal no Brasil: formas jurdicas e sua aplicabilidade

    A organizao estatal , sem dvida, um dos temas mais complexos da cincia

    administrativa. Quer pela sua extenso, quer pela diferenciao de suas funes e

    responsabilidades, exige tratamento especfico no campo da teoria das organizaes. No se

    pode pensar na organizao estatal como uma organizao em sentido lato, mas como uma

    espcie diferenciada, resultante de uma evoluo prpria, que guarda relaes tambm com os

    campos poltico e jurdico. O Estado, ao estruturar-se, o faz com o fito de exercer atividades

    jurdicas, administrativas e sociais, aplicando a lei, exercendo sua soberania, administrando

    meios para atingir fins legalmente pr-determinados e prestando servios pblicos.

    Administrao pblica, assim, assume um sentido subjetivo, formal ou orgnico, que

    4 Fonte: Migalhas, 25 de junho de 2008. Disponvel em:

  • 6

    compreende as pessoas jurdicas, rgos e agentes pblicos incumbidos de exercer as suas

    funes, e um sentido objetivo, material e funcional, que compreende a natureza da atividade

    exercida pela sua forma organizacional (PIETRO, 1997a, p. 49).

    O ordenamento jurdico-constitucional brasileiro, partindo da evoluo doutrinria e

    legislativa infraconstitucional, classifica a administrao pblica em administrao direta e

    indireta, ou ainda em administrao direta, indireta e fundacional. Para atingir seus fins,

    administrao pblica opera por meios diretos e indiretos. Diretamente quando exerce, por meios

    diretos, as suas competncias e indiretamente quando, para tanto, constitui pessoas jurdicas

    independentes, vinculadas ao Estado e dotadas de parcela de suas prerrogativas. A administrao,

    ao operar pela via indireta, pode constituir pessoas jurdicas de direito pblico ou privado.

    O surgimento da administrao indireta est historicamente vinculado ao princpio da

    especializao e noo de descentralizao administrativa, que se opera quando as

    competncias so transferidas de uma para outra pessoa jurdica, ou seja, do seio da

    administrao direta para entidades com personalidade jurdica prpria, quela vinculadas,

    geralmente com o propsito de conferir a essas entidades condies de atuao que lhes

    permitam atuar com mais agilidade e obter melhores resultados. Sobre o processo de

    descentralizao na prestao dos servios pblicos ressalta Digenes Gasparini (1995, p. 221-

    222):

    Diz-se que a prestao ou a execuo dos servios pblicos centralizada quando a atividade, sobre integrar o aparelho administrativo do Estado, realizada por meio dos rgos que o compem, em seu prprio nome e sob sua inteira responsabilidade. O servio vai da Administrao Pblica, que o executa e explora, ao administrado, seu beneficirio ltimo, sem passar por interposta pessoa. (...) Nessa modalidade de execuo a Administrao Pblica , a um s tempo, a titular e a executora do servio pblico. Este, em tal hiptese, permanece integrado em sua estrutura. o que comumente se chama de administrao direta. (...) Fala-se que a prestao dos servios pblicos descentralizada na medida em que a atividade administrativa (titularidade e execuo), ou a sua mera execuo atribuda a uma outra entidade, distinta da Administrao Pblica, para que a realize. (...) a administrao indireta.

    Nas palavras de Pietro (1992, p. 259) h descentralizao quando o poder pblico

    destaca um servio pblico que lhe prprio para transferi-lo (...) a outra entidade, com

    personalidade jurdica prpria. Fala-se aqui de devoluo de poderes tal como existente no

    direito portugus, processo tcnico de descongestionamento das atividades do governo: a lei

    devolve poderes que, em princpio, seriam do Estado, a pessoas coletivas que os exeram

    . Acesso em: 31 jul 2008.

  • 7

    atravs dos rgos prprios, sobre os quais apenas estabelecer uma ao tutelar, tendente

    coordenao desses institutos com as outras atividades pblicas (CAETANO, 1991)5.

    A descentralizao administrativa ocorre, assim, para dar aos rgos e entidades

    criados pelo Estado, dotados de atribuies especficas, a correspondente capacidade de auto-

    administrao necessria ao seu exerccio. No se confere a essas entidades, portanto,

    autonomia, em sentido amplo, mas mera capacidade de auto-administrao, posto que

    permanecem sujeitas s normas e leis emanadas do rgo que as instituiu.

    Alm dessas hipteses, admite-se tambm a descentralizao por colaborao, assim

    definida pela doutrina (PIETRO, 1997, p. 35):

    Descentralizao por colaborao a que se verifica quando, por meio de contrato ou ato administrativo unilateral, se transfere a execuo de determinado servio pblico a pessoa jurdica de direito privado, previamente existente, conservando o poder pblico a titularidade do servio.

    A definio comporta, portanto, a preexistncia, ou a existncia autnoma, de uma entidade privada que passa a executar servio pblico por meio de contrato com o Poder Pblico, ou mediante permisso outorgada unilateralmente. Essa entidade privada criada por particulares e no pela Lei mas o servio executado permanece sob a tutela do Poder Pblico. Trata-se de situao anloga que ocorre quando o Poder Pblico transfere a execuo ou explorao de servios mediante concesso ou permisso, casos em que o Poder Pblico atribui ao ente descentralizado, que atua sem as amarras do regime pblico, a execuo do servio pblico descentralizado mediante contrato ou ato administrativo unilateral, por meio do qual impe regras de direito pblico entidade concessionria ou permissionria, no intuito de assegurar a continuidade, a igualdade dos usurios e a mutabilidade do servio concedido. O capital da concessionria ou permissionria de servio pblico privado, cabendo a esse capital arcar com os riscos do empreendimento e os lucros dele advindos.

    As entidades da administrao indireta, criadas atravs de lei especfica, servem ao

    Estado em seu processo de descentralizao por servios, tcnica ou funcional, que, segundo

    o magistrio de Pietro (1997a, p. 35), envolve:

    1. reconhecimento de personalidade jurdica ao ente descentralizado;

    2. existncia de rgos prprios, com capacidade de auto-administrao exercida com certa independncia em relao ao poder central;

    3. patrimnio prprio, necessrio consecuo de seus fins;

    4. capacidade especfica, ou seja, limitada execuo do servio pblico determinado que lhe foi transferido, o que implica sujeio ao princpio da especializao, que impede o ente descentralizado de desviar-se dos fins que justificaram sua criao;

    5 Esses poderes, porm, so limitados. Na descentralizao administrativa, as entidades que atuam em nome do

    Estado no criam Direito, apenas agem segundo a lei que lhes outorgou tais poderes para o desempenho de funes administrativas. Sujeitam-se, ademais, tutela administrativa, tanto sob o aspecto formal como em relao ao mrito (BANDEIRA DE MELLO, 1968, p. 49).

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    5. sujeio a controle ou tutela, exercido nos limites da lei, pelo ente instituidor; esse controle tem que ser limitado pela lei precisamente para assegurar certa margem de independncia ao ente descentralizado, sem o que no se justificaria sua instituio.

    Segundo essa autora, a instituio de entidades descentralizadas prende-se a razes de

    ordem tcnico-administrativa, derivando do acrscimo de encargos assumidos pelo Estado

    prestador de servios: o elevado nmero e a complexidade de atividades impede que sejam

    executadas a contento, se mantidas nas mos de uma nica pessoa jurdica. Conclui que a

    descentralizao, alm de aliviar o rgo central de certo nmero de atividades, ainda traz o

    benefcio da especializao; com a criao da entidade, formar-se- (ou deveria formar-se)

    um corpo tcnico, especializado na execuo do servio que lhe foi confiado (PIETRO,

    1997a, p. 299-300). Da mesma forma, as entidades por elas constitudas ou controladas so

    qualificadas como pessoas administrativas em funo de sua caracterstica dominante, qual

    seja, a gesto de recursos pblicos e a finalidade orientada para a satisfao do interesse

    pblico, por meio desses recursos.

    Nesse sentido, refere-se o texto constitucional, conforme o magistrio de Hely Lopes

    Meirelles (1992), Maria Sylvia Zanella Di Pietro (1997a, 1997b, 1997c), Digenes Gasparini

    (1995) e Jos Cretella Junior, entre outros, a tipos jurdicos preexistentes, consolidados na

    prtica administrativa e que foram objetivados em nvel constitucional com o fito de alcanar

    todas as possibilidades e evitar que, por meio da simples conceituao de novas figuras

    jurdicas, viesse a Administrao a esquivar-se das regras e princpios definidos como

    orientadores da conduta dos agentes polticos e servidores.

    Quis o constituinte ser exaustivo, redundante at, para que nenhuma dvida houvesse

    quanto completa sujeio dos entes institudos ou mantidos pelo Poder Pblico aos limites e

    regras estabelecidos pela Constituio e ao regime jurdico administrativo dela decorrente, em

    decorrncia dos princpios da igualdade, da impessoalidade, da legalidade, da moralidade e da

    publicidade. Acerca das condies histricas e administrativas que levaram a tal deciso,

    recorde-se o lcido magistrio de Celso Antnio Bandeira de Mello, ao abordar a natureza

    essencial das pessoas jurdicas de direito privado, integrantes da administrao pblica, e os

    desvios por elas praticados, antes da Carta de 1988, sob a justificativa de que, em vista do

    regime privado, no se sujeitavam s normas administrativas:

    Como os objetivos estatais so profundamente distintos dos escopos privados, prprios dos particulares, j que almejam o bem-estar coletivo e no o proveito individual, singular (que perseguido pelos particulares), compreende-se que exista um abismo profundo entre as entidades que o Estado criou para secund-lo e as demais pessoas de direito privado, das quais se tomou por emprstimo a forma jurdica. Assim, o regime que a estas ltimas naturalmente corresponde, ao ser transposto para empresas pblicas e sociedades

  • 9

    de economia mista tem que sofrer tambm naturalmente significativas adaptaes, em ateno a suas peculiaridades. Se assim no fosse, e se as estatais desfrutassem da mesma liberdade que assiste ao comum das empresas privadas, haveria comprometimento de seus objetivos e funes essenciais, instaurando-se, ademais, srio risco para a lisura e o manejo de recursos hauridos total ou parcialmente nos cofres pblicos. Alm disso, sempre que o Poder Pblico atuasse por via destes sujeitos, estariam sendo postas em cheque as garantias dos administrados, descendentes da prpria ndole do Estado de Direito ou das disposies constitucionais que o explicitam. Com efeito, o regime de direito privado, sic et simpliciter, evidentemente, no impe o conjunto de restries instauradas precisamente em ateno aos interesses aludidos. Em despeito dessas obviedades, durante largo tempo pretendeu-se que, ressalvadas taxativas disposies legais que lhes impusessem contenes explcitas, estariam em tudo o mais parificadas generalidade das pessoas de direito privado. Caladas nesta tese errnea, sociedades de economia mista e empresas pblicas declaravam-se, com o beneplcito da doutrina e da jurisprudncia (salvo vozes combativas, mas isoladas), livres do dever de licitar, razo porque os contratos para obras pblicas mais vultosas eram travados ao sabor dos dirigentes de tais empresas ou mediante arremedos de licitao; recursos destas entidades passaram a ser utilizados como vlvula para acobertar dispndios que a Administrao Central no tinha como legalmente efetuar, ou mesmo para custear a ostensiva propaganda governamental, mediante contratos publicitrios de grande expresso econmica; a admisso de pessoal, e com salrios muito superiores aos vigentes no setor pblico, efetuava-se com ampla liberdade, sem concursos, transformando-as em cabides de emprego para apaniguados (...) (BANDEIRA DE MELLO, 1994, p. 90-91).

    Quanto s fundaes pblicas, esclarece Maria Sylvia Zanella Di Pietro (1997a, p. 306):

    Houve certa insistncia do constituinte em mencionar a administrao indireta, inclusive as fundaes, como se essas no fizessem parte daquela; isto se deu ou porque se conviveu, desde a entrada em vigor do Decreto-Lei n 200/67 com um sistema em que as fundaes no integravam a administrao indireta, desconhecendo, o constituinte, a Lei n 7.596, que mudou essa sistemtica; ou porque se quis deixar estreme de dvida a aplicao de certas normas constitucionais a esse tipo de entidade, precisamente pelo fato de anteriormente ela ter sido excluda; ou porque o tipo de entidade que mais tem provocado controvrsias quanto sua natureza jurdica.

    Com efeito, para impedir que tal quadro se repetisse ou permanecesse, so inmeras as

    disposies constitucionais que vieram impor limites para a gesto das instituies pblicas e

    obrigaes e deveres para os agentes pblicos, dentre os quais desde logo podemos enumerar,

    a par dos citados arts. 22, XXVII e 37, caput e inciso XXI, o art. 49, inciso X, o art. 70 e os

    arts. 14, 34, 37, 71, 74, 165 e 169 da Carta Magna, referindo-se diretamente administrao

    direta e indireta, inclusive fundacional, e s sociedades institudas e mantidas pelo Poder

    Pblico.

    So esses, basicamente, os conceitos de que se apropriou o Constituinte ao inserir, no

    texto da Constituio Federal, a figura das autarquias, fundaes pblicas, empresas pblicas

    e sociedades de economia mista, espcies que interessam, objetivamente, a este estudo.

  • 10

    A essas entidades na forma ento admitida pelo direito positivo e pela prtica administrativa

    que se dirigem as prescries constitucionais que delimitam, hoje, o campo de atuao dos

    agentes polticos e dos administradores pblicos, especialmente quando se trata de promover

    a reviso das formas jurdicas implementadas, em cada caso. E so essas, efetivamente, as

    alternativas admitidas pelo sistema constitucional e administrativo brasileiro.

    1.2 Administrao Direta e Indireta Antecedentes

    No Brasil, a descentralizao administrativa, por servios, funcional ou tcnica, est

    intimamente relacionada com a utilizao do conceito de autarquia. A criao de entidades

    voltadas ao exerccio de atividades pblicas ou empresariais assumidas pelo Estado remonta

    ao sculo passado, tendo como primeiro exemplo histrico a criao da Caixa Econmica, em

    1861, cuja natureza jurdica, no entanto, no facilmente identificvel6. Em nvel

    internacional, no entanto, desde fins do sculo passado j vinha a doutrina administrativista

    italiana descrevendo a existncia de entes estatais descentralizados, denominadas autarquias

    ou entes autnomos.

    Esse termo foi adotado, no direito administrativo brasileiro, para designar as entidades

    dotadas de personalidade jurdica prpria e surge pela primeira vez na legislao brasileira em

    1943, utilizado para definir o servio estatal descentralizado, com personalidade de direito

    pblico, explcita ou implicitamente reconhecida por lei (PIETRO, 1997a, p. 314). Envolvia,

    assim, tanto as chamadas autarquias geogrficas ou territoriais, destinadas ao exerccio de

    mltiplas funes num determinado territrio, quanto as autarquias de servio ou

    institucionais, destinadas a exercer parcelas determinadas da competncia estatal.

    A evoluo legislativa brasileira, contudo, a exemplo de outros pases, acrescentou

    novas formas jurdicas ao processo de descentralizao, inserindo entes privados aos quais foi

    transferida a titularidade e a execuo de servios pblicos, mas com privilgios e

    prerrogativas diferenciadas.

    A partir da dcada de 1930, tem incio uma fase decisiva para a configurao atual do

    Estado brasileiro. Segundo Marcelino (1988, p. 37-38), a partir dessa fase que ele passa a se

    estruturar, notadamente na esfera do governo federal, mediante a criao de vrias autarquias,

    sociedades de economia mista, fundaes e empresas pblicas voltadas prestao de

    servios ou explorao de atividades econmicas, tais como a Companhia Vale do Rio Doce e

    Petrobrs, sucedendo, em certos casos, rgos da administrao direta, como o Conselho

  • 11

    Nacional do Petrleo e a Comisso Nacional do Vale do Rio Doce. Mais significativa a

    existncia do Banco do Brasil S.A., criado originalmente em 1808 e novamente em 1833.

    Progressivamente, ao longo do sculo passado, somaram-se a essas centenas de outras

    instituies7, tornando a separao entre administrao direta e indireta, a partir da

    personificao de parcelas da competncia estatal, fato comum em nossa organizao

    administrativa, notadamente a partir da dcada de 1950. Mas essa tendncia veio a tomar

    maior corpo a partir da edio do Decreto-Lei n 200/67.

    Para que esse setor descentralizado paraestatal se organizasse, tornou-se necessrio

    desenvolver e observar conceitos para classificar as entidades em funo de suas atividades

    especficas ou principais. A evoluo legislativa ao cabo das diversas tentativas de reforma

    administrativa buscadas a partir da dcada de 1930 em nosso pas produziu, apenas ao final da

    dcada de 1960, um instrumento que servisse a essa necessidade, cumprindo o papel de uma lei

    orgnica da administrao pblica: o Decreto-Lei n 200, de 25 de fevereiro de 1967. Essa norma,

    editada em contexto autoritrio, fixou critrios mnimos que, todavia, no foram necessariamente

    seguidos pelos administradores pblicos, produzindo-se, em consequncia, gravssimas

    distores.

    Esse instrumento, que significou a tentativa de introduzir uma Lei Orgnica da

    administrao pblica, conceituou a forma autarquia como o servio autnomo, criado por

    lei, com personalidade jurdica, patrimnio e receita prprio para executar atividades tpicas

    da Administrao Pblica que requeiram, para o seu melhor funcionamento, gesto

    administrativa e financeira descentralizada (art. 5, I).

    J a empresa pblica deveria ser restrita s entidades dotadas de personalidade jurdica de

    direito privado, com patrimnio prprio e capital exclusivo da Unio8, criada por lei para a

    explorao econmica que o governo seja levado a exercer por fora da contingncia ou de

    convenincia administrativa, podendo revestir-se de qualquer das formas admitidas em direito

    (art. 5, II). No que se referia s sociedades de economia mista, o Decreto-Lei as conceituava

    como entidades dotadas de personalidade jurdica de direito privado, criada por lei, para a

    6 As caixas econmicas foram configuradas, sucessivamente, como autarquias e empresas pblicas, embora sua

    finalidade tenha sido, sempre, a explorao de atividade econmico-financeira. 7 Segundo Marcelino (1987:15), j na dcada de 1950 havia cerca de 80 entidades da administrao indireta,

    apenas no governo federal. 8 Segundo o art. 5 do Decreto-Lei n 900/69, seria admitida tambm, no capital de empresa pblica, a

    participao de outras pessoas jurdicas de direito pblico interno, alm da Unio (ou, no caso das demais esferas, o Estado ou Municpio), bem como de entidades da administrao indireta da Unio, dos Estados, DF e Municpios, desde que a maioria do capital votante permanecesse sob controle da administrao direta.

  • 12

    explorao de atividade econmica, sob a forma de sociedade annima, cujas aes com direito a

    voto pertencem, em sua maioria, Unio ou a entidade da administrao indireta (art. 5, III)9.

    Posteriormente, alm das empresas pblicas e sociedades de economia mista, a

    administrao indireta passou a incorporar, ao lado da autarquia, a figura das fundaes, at

    ento no integrantes da administrao, em face da Lei n 7.596/87, classificando-se como tal a

    entidade dotada de personalidade jurdica de direito privado, sem fins lucrativos, criada em

    virtude de autorizao legislativa, para o desenvolvimento de atividades que no exijam

    execuo por rgos ou entidades de direito pblico, com autonomia administrativa, patrimnio

    gerido pelos respectivos rgos de direo e funcionamento custeado por recursos da Unio e de

    outras fontes (art. 5, IV do DL n 200/67, com a redao dada pela Lei n 7.596/87).

    Evidenciava-se, de pronto, o carter orgnico do Decreto-Lei n 200/67, que vinha

    instituir critrios gerais que impedissem, por exemplo, a proliferao de situaes como a do

    Decreto n 60.224/67, editado nove dias antes da sua entrada em vigor, e que classificava a

    Embratur, empresa pblica, como detentora de personalidade jurdica de direito pblico,

    idiossincrasia resolvida apenas em 1990, quando essa entidade passou a ser efetivamente

    classificada como autarquia10.

    A conceituao adotada pelo Decreto-Lei n 200/67, embora tenha tido o mrito de

    uniformizar a conceituao adotada na legislao ordinria, separando as pessoas,

    nitidamente, em razo das espcies jurdicas de que se revestissem, objeto de profundos

    questionamentos por parte de juristas como Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Maria Sylvia

    Zanella Di Pietro, Celso Antnio Bandeira de Mello, Jos Cretella Junior e Hely Lopes

    Meirelles, quer por sua incorreo tcnica quer pela sua insuficiente abrangncia.

    Segundo Pietro (1997a, p. 303), a prpria conceituao adotada pelo Decreto-Lei n 200

    se caracterizava pela deficincia tcnica, uma vez que considerou integrantes da

    administrao indireta, como empresas pblicas e sociedades de economia mista, as que

    exercem ou exploram atividade econmica. Para essa autora, no entanto, as entidades que

    exercem atividade dessa natureza no poderiam ser consideradas como extenses

    9 A Lei n 6.404/76, que dispe sobre as sociedades por aes, tratou das sociedades de economia mista em seu

    art. 235 e seguintes, prevendo, alm da natureza mercantil dessas instituies, que a elas caberia explorar os empreendimentos ou exercer as atividades previstas na lei que autorizou a sua constituio, vedando expressamente, no art. 242, a sua sujeio a processo de falncia.

    10 Previa ainda o DL n 200/67 regras de ajuste, determinando, no seu art. 170, que as entidades existentes deveriam ser enquadradas nas categorias por ele definidas, de modo a evitar-se, a partir da, incoerncia entre forma jurdica e funes exercidas pelas pessoas descentralizadas. E, ainda que tais conceitos somente tivessem obedincia obrigatria para a Administrao Federal, acabaram por ser, na prtica, incorporados ao ordenamento jurdico de grande parte dos entes federativos.

  • 13

    descentralizadas do Estado, pois no exercem servio pblico tpico, mas atividade privada a

    ttulo de interveno no domnio econmico; no seriam, portanto, extenses

    descentralizadas do poder estatal, j que exercem funes no delegadas pelo Estado, mas

    prprias do setor privado, exploradas pelo Estado a ttulo de interveno direta no domnio

    econmico. Ao mesmo tempo, deixou de considerar as concessionrias e permissionrias de

    servios pblicos, essas inequivocamente no exerccio de atividades estatais

    descentralizadas11. E mesmo a forma autrquica foi mal empregada, classificando-se como

    tais, impropriamente, instituies que, como as universidades federais, tinham congneres

    classificadas tambm como fundaes.

    Desde ento, a separao entre administrao direta e indireta a partir da personificao

    de parcelas da competncia estatal tornou-se comum em nossa organizao administrativa,

    mas a opo pela instituio de tais entidades veio a tomar maior corpo ao final dos anos

    sessenta, quando o setor empresarial estatal apresenta um processo de grande expanso.

    As diretrizes do DL n 200/67 no foram, contudo, capazes de se sustentar no mdio

    prazo. Desde logo, as fundaes, como entidades de direito privado, foram equiparadas s

    empresas pblicas e estiveram livres de determinados controles e normas, especialmente no

    tocante gesto de pessoal. Em vista dessas vantagens comparativas, as fundaes passaram

    a se multiplicar, assumindo funes que seriam tpicas de autarquias e mesmo da

    administrao direta.

    Ocorreu, ento, uma progressiva dissociao entre os conceitos propostos pelo Decreto-

    Lei n 200/67 e as formas jurdicas adotadas pela administrao, nas trs esferas de governo,

    para atender s necessidades do Estado. Entidades diversas organizaram-se sob a forma

    fundacional sem que se destinassem gesto de um patrimnio, ou sob a forma empresarial

    sem que se destinassem, efetivamente, explorao de atividade econmica ou prestao de

    servio pblico de natureza comercial ou industrial.

    A proliferao de entidades de natureza autrquica, fundacional ou empresarial serviu,

    entre outros, livre contratao de pessoal para a alta administrao, sem concurso e sem

    critrios transparentes, sob a justificativa de que era necessrio conceder liberdade gerencial,

    emancipando a administrao indireta da direta e instituindo o esprito gerencial privado na

    administrao do setor paraestatal, medida que o novo modelo permitiria maior agilidade e

    11 Segundo a autora, essa incoerncia somente se supera mediante a interpretao de que o termo atividade

    econmica previsto no art. 5 do Decreto-Lei n 200/67 tem conotao ampla, abrangendo a atividade de natureza privada (interveno direta no domnio econmico) como tambm a de natureza pblica, que se caracteriza pela atuao do Estado na prestao de servios pblicos, inclusive de natureza comercial ou industrial.

  • 14

    presteza ao atendimento das demandas e presses do estado desenvolvimentista

    (MARCELINO, 1987, p. 16).

    Esse diferencial passou a ser associado apropriao patrimonialista e fisiolgica dessas

    entidades. Voltadas ora prestao de servios pblicos tpicos, ora satisfao de necessidades

    da prpria administrao pblica, adotaram essas formas jurdicas principalmente em funo das

    vantagens que lhe eram ento inerentes, em especial a no sujeio a regras relativas ao

    provimento de cargos pblicos e seus planos de classificao e remunerao, ao regime

    licitatrio e s limitaes oramentrias. Seus processos de gesto passaram a se dar revelia do

    interesse pblico que orientou a sua criao, produzindo, em muitos casos, crescente

    ineficincia e elevado grau de desvio de finalidade, vindo tais entidades a cumprir finalidades

    polticas ou clientelistas totalmente dissociadas de seus objetivos.

    Com vistas superao desse caos, paulatinamente as fundaes, originalmente de

    direito privado, passaram a se confundir com as entidades autrquicas, de direito pblico.

    Ambas as entidades teriam, como ponto comum, a autonomia administrativa e a receita

    prpria, alm de recursos pblicos como fontes de custeio.

    A incluso das fundaes na administrao indireta, a partir de 1987, e a sua

    aproximao, pela via legal, da forma autrquica, condicionaram a atuao dos constituintes,

    que adotaram, no texto constitucional, a regra da completa paridade entre autarquias e

    fundaes, sujeitando-as todas s regras do regime estatutrio, estabilidade, etc. Com a

    Constituio de 1988, as fundaes passaram a confundir-se inteiramente com as autarquias, a

    ponto de haver o Supremo Tribunal Federal adotado entendimento segundo o qual as

    fundaes de direito pblico so espcie do gnero autarquia, como esclarece o Acrdo do

    STF no Recurso Extraordinrio n 127.489-DF, Relator o Ministro Maurcio Corra:

    EMENTA: RECURSO EXTRAORDINRIO. UNIVERSIDADE DO RIO DE JANEIRO. EXPEDIO DE DIPLOMA. CONDENAO. CONFLITO DE COMPETNCIA. NATUREZA JURDICA DAS FUNDAES INSTITUDAS PELO PODER PBLICO.

    CONFLITO DE COMPETNCIA. ART. 109, I DA CONSTITUIO FEDERAL.

    1. A Fundao Universidade do Rio de Janeiro tem natureza de fundao pblica, pois assume a gesto de servio estatal, sendo entidade mantida por recursos oramentrios sob a direo do Poder Pblico, e, portanto, integrante da Administrao Indireta.

    2. Conflito de competncia entre a Justia Comum e a Justia Federal. Art. 109, I da Constituio Federal. Compete Justia Federal processar e julgar ao em que figure como parte fundao instituda pelo Poder Pblico Federal, uma vez que o tratamento dado s fundaes federais o mesmo deferido s autarquias.

    2.1. Embora o art. 109, I da Constituio Federal no se refira expressamente s fundaes, o entendimento desta Corte no sentido de que a finalidade, a origem dos

  • 15

    recursos e o regime administrativo de tutela absoluta a que, por lei, est sujeita a entidade, fazem dela espcie do gnero autarquia e, por isso, so jurisdicionadas Justia Federal, se institudas pelo Governo Federal. Recurso extraordinrio conhecido e provido. (DJ de 06/03/98, p. 16 Segunda Turma)

    Afastou-se, assim, a caracterizao da fundao como instituio de direito privado,

    dissociando-se das regras aplicveis s empresas estatais, que permaneceram embora

    sujeitas exigncia de concurso pblico sujeitas ao regime trabalhista no que diz respeito

    gesto de pessoal e dotadas, em tese, de maior liberdade para a concesso de vantagens e

    fixao de salrios por meio de negociao coletiva.

    O processo de crescimento da administrao indireta, notadamente do seu setor

    empresarial, atingiu seu clmax na dcada de 1970, quando entrou na ordem do dia o debate

    sobre a reviso do papel do Estado, especialmente no que se refere atividade econmica

    substitutiva ao setor privado.

    O crescimento do nmero de entidades estatais autonomizadas na administrao

    indireta12 foi acompanhado por uma crescente obsolescncia e atraso relativo da

    administrao direta. Segundo Martins (1985, p. 81), a racionalidade pretendida pela

    centralizao normativa foi prejudicada pela concentrao de poder, alimentada pelo ethos

    autoritrio, ao passo que as aes de descentralizao foram desviadas de sua inteno

    original, especialmente a de introduzir esprito gerencial privado na administrao paraestatal.

    O mesmo autor, ao analisar o relacionamento entre a administrao direta e suas entidades

    supervisionadas, conclui que

    (...) parece confirmar-se nossa proposio inicial de que o Estado se apresenta como um universo em expanso: as partes que o integram passam a ter existncia prpria e se apresentam mais como confederadas em torno do conceito de Estado do que tm sua existncia definida pela sua subordinao aos rgos que as organizem em sistema. Essa feudalizao do Estado acelerada, por paradoxal que isso possa parecer, justamente pela introduo, como prtica administrativa, do instrumento moderno por excelncia que a empresa. Do ponto de vista sociolgico, isso sugere a emergncia, junto ao Estado burocrtico, de um Estado empresarial, ou a transformao do primeiro no segundo. (MARTINS, 1985, p. 81)

    Ao defrontar-se com o quadro de proliferao das entidades paraestatais institudas ou

    absorvidas pelo Estado, o constituinte pretendeu estabelecer limites expanso da

    12 Segundo Marcelino (1987, p. 18), no auge da expanso, em 1981, havia 530 entidades na administrao

    indireta federal, entre autarquias, fundaes e empresas estatais. A partir de 1981, iniciou-se uma tentativa de retomada do controle do Estado sobre as empresas pblicas, sociedades de economia mista e fundaes. Em 1986, eram 179 empresas do setor produtivo estatal, alm de 140 entidades tpicas de governo, 6 entidades previdencirias, 20 empresas do setor financeiro, 26 concessionrias estaduais de energia e 44 empresas do

  • 16

    administrao indireta, limitando, em especial, a explorao, pelo Estado, de atividades

    econmicas. Ao mesmo tempo, positivava, em nvel constitucional, a classificao prevista

    pelo Decreto-Lei n 200/67.

    Em primeiro lugar, exigiu, no art. 37, incisos XIX e XX, da CF, que somente por lei

    pudesse ser constituda autarquia, fundao, empresa pblica ou sociedade de economia mista, ou

    autorizada criao de suas subsidirias. Alm disso, a Constituio Federal de 1988, em seu

    art. 173, 1, estabeleceu que a empresa pblica, a sociedade de economia mista e outras

    entidades que explorem atividade econmica sujeitam-se ao regime jurdico prprio das empresas

    privadas, inclusive quanto s obrigaes trabalhistas e tributrias, ampliando a prescrio

    contida, originalmente, na Carta de 1967, em seu art. 163, 2, e na Emenda Constitucional

    n 1/69, no art. 170, 213. Por fim, o art. 175 atribui ao Poder Pblico a responsabilidade pela

    prestao de servios pblicos, diretamente ou sob regime de concesso ou permisso.

    Segundo Digenes GASPARINI (1995, p. 263), em funo dessa limitao o Estado s

    poder desempenhar atividades econmicas (mercantis-industriais) por intermdio,

    essencialmente, de empresas pblicas e sociedades de economia mista e, ainda assim, nos

    termos e condies estabelecidas em lei.

    Embora a conceituao de servio pblico, em sentido lato, abarque quaisquer atividades

    desempenhadas pelo Estado, sobressai-se o fato de que atuando como agente econmico o

    Estado no est, na verdade, atuando enquanto tal, mas em substituio ao particular, devendo,

    portanto, equiparar-se a ele em direitos e obrigaes. J em sentido estrito, servio pblico

    aquele onde a administrao pblica cuida de assuntos de interesse coletivo, visando ao

    bem estar e ao progresso social, mediante o fornecimento de servios aos particulares (Caio

    TCITO, apud Pietro, 1997a, p. 81), ou a atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade

    material desfrutvel diretamente pelos administrados, prestado pelo Estado ou por quem lhe faa

    as vezes, sob um regime jurdico de direito pblico, institudo pelo Estado em favor dos

    interesses que houver definido como prprios no sistema normativo, observados os limites

    constitucionais (Celso Antnio BANDEIRA DE MELLO, apud Pietro, 1997a, p. 81).

    Assim, a explorao direta de atividade econmica pelo Estado s possvel nos casos

    em que essa atividade revele-se de relevante interesse coletivo definido em lei ou que seja

    setor mineral para explorao de direito de lavra mineral, totalizando 415 entidades que, em sua maioria, escapavam ao controle da administrao federal.

    13 A Carta de 1967 previa que na explorao, pelo Estado, da atividade econmica, as empresas pblicas, as autarquias e sociedades de economia mista reger-se-iam pelas normas aplicveis s empresas privadas. J a Emenda n 1/69 excluiu dessa previso as autarquias, preservando a subordinao ao regime privado apenas das empresas pblicas e sociedades de economia mista.

  • 17

    necessria aos imperativos da segurana nacional (art. 173 da CF, caput). Desse modo, o

    Estado somente poder exercer atividades econmicas quando as mesmas possam ser

    caracterizadas como servios pblicos lato sensu, ou seja, destinadas ao atendimento de

    necessidades essenciais da coletividade ou cuja natureza seja de utilidade pblica, dada a

    exigncia de relevante interesse coletivo prevista no caput do art. 173 da CF.

    Ao incorporar Carta Magna a conceituao original do Decreto-Lei n 200/67,

    pretendeu o Constituinte vedar a utilizao da forma empresarial para o exerccio de

    atividades tpicas da administrao pblica, restringindo-a prestao de servios pblicos

    de natureza mercantil ou industrial, essenciais ou secundrios, ou caracterizveis como

    atividade econmica. Em oposio, os demais servios pblicos essenciais ou de utilidade

    pblica, ou o exerccio das prerrogativas estatais, somente poderiam ser desempenhados

    por meio de entidades de direito pblico: autarquias ou fundaes pblicas. Por outro

    lado, no estaria vedada expressamente a constituio de autarquia para a explorao de

    atividade econmica.

    No entanto, para que se respeite a integridade do art. 173 1 da Carta de 1988, cuja

    redao foi alterada pela Emenda Constitucional n 19, de 1998, no possvel constituir-se

    instituio de natureza autrquica ou fundacional para o exerccio de atividade econmica.

    A nova redao dada ao inciso II desse artigo expressa essa vedao. Para que se preserve o

    conceito de autarquia, h que se reservar para entidade dessa natureza a execuo de servios

    tipicamente estatais, ou seja, definidos a priori como competncias do poder pblico,

    indelegveis ao setor privado, pela prpria Constituio Federal, Constituies Estaduais ou

    Leis Orgnicas.

    A par dessas definies e limitaes conceituais acerca da organizao do aparelho

    estatal, constata-se que o perfil atual das entidades da administrao pblica indireta, quanto

    ao tipo organizacional adotado caso a caso, demonstra uma completa inadequao entre as

    formas jurdicas e as misses institucionais de tais entidades, o que desde logo justifica uma

    abordagem que permita superar tal como se pretendia em 1967 esse estado de coisas.

    A EC n 19/98 incorporou essa premissa, estabelecendo a necessidade de que, no prazo

    de dois anos da sua promulgao, as entidades da administrao indireta tivessem seus

    estatutos revistos quanto respectiva natureza jurdica, tendo em conta a finalidade e as

    competncias efetivamente executadas. O art. 37, XIX, por sua vez, sofreu mudana

    determinando que lei complementar defina as reas de atuao das fundaes pblicas. No

    obstante a norma constitucional, nenhuma entidade foi submetida reviso de sua natureza

  • 18

    jurdica com base no seu mandamento. Tampouco foi editada a lei complementar referida no

    inciso XIX do art. 37.

    Alm disso, dever ser estabelecido, por lei, estatuto jurdico especfico para as

    empresas pblicas, sociedades de economia mista e de suas subsidirias que explorem

    atividade econmica ou de prestao de servios. Nos termos da nova redao dada ao

    art. 173 da Constituio, esse novo estatuto dever, tambm, prever normas especficas de

    licitao e contratos e a regulamentao dos contratos de gesto no mbito da administrao

    pblica, cuja lei dever dispor sobre o prazo de durao desses contratos, sobre os controles e

    critrios para avaliao do cumprimento das metas e compromissos e sobre o grau de

    flexibilizao a ser concedido para efeito de remunerao de pessoal.

    A alterao ao inciso XXVII do art. 22 da CF, combinado com o art. 173, 1, III,

    estipula que lei futura estabelecer o estatuto jurdico da empresa pblica, da sociedade de

    economia mista e de suas subsidirias que explorem atividade econmica de produo ou

    comercializao de bens ou de prestao de servios, dispondo sobre licitao e contratao

    de obras, servios, compras e alienaes, observados os princpios da administrao pblica.

    Trata-se de previso constitucional que inova, permitindo que lei especfica estabelea

    normas gerais especficas para tais empresas. No entanto, no atinge a administrao direta,

    autrquica e fundacional, nem tampouco as empresas estatais que no explorem as atividades

    ali elencadas. Ser fundamental, portanto, estabelecer regras transparentes que permitam

    diferenciar empresas estatais que explorem tais atividades, s quais se reserva estatuto

    jurdico e tratamento diferenciado no que toca aplicao das regras dirigidas s empresas

    privadas, das demais que no o explorem.

    1.3 Fundaes Pblicas e Fundaes Estatais: um novo debate

    No perodo ps-Emenda Constitucional n 19, reavivou-se o debate sobre as fundaes

    de direito privado ou, como querem alguns, fundaes estatais, em decorrncia da alterao

    promovida no art. 37, XIX, que afastou a exigncia de lei especfica para a criao de

    fundaes, e equiparando-as s empresas estatais quanto ao requisito para sua criao

    (autorizao por lei especfica), cabendo a lei complementar definir as reas de sua atuao.

    Preliminarmente, verifica-se, ao examinar as concepes que sustentam esse debate, que

    a matria merece um aprofundamento em sua discusso, dada a existncia de enorme

    controvrsia sobre o conceito de fundao pblica, a comear pela sua natureza jurdica.

    Destaque-se, em primeiro lugar, que a fundao pblica uma pessoa jurdica cujo regime, de

  • 19

    direito pblico ou privado, no est explicitado na Carta Magna. Contudo, h inmeras

    menes no texto constitucional que permitem antever limites ou restries adoo de um

    regime jurdico puro de direito privado nessas instituies.

    necessrio registrar que, primitivamente, o Decreto-Lei n 200, de 25 de fevereiro de

    1967, equiparava as fundaes institudas em virtude de lei federal e de cujos recursos

    participasse a Unio, quaisquer que fossem as suas finalidades, s empresas pblicas,

    equiparao considerada inadequada por Borges (2004), por se tratarem de situaes

    incomparveis, dado o carter altrustico e no lucrativo das fundaes. Alm disso,

    passariam a se submeter, inteiramente, ao direito privado.

    Essa previso foi revogada pelo Decreto-Lei n 900, de 1969, que, assim, desvinculou as

    fundaes da administrao indireta. O Decreto-Lei previa, ainda, no art. 2, que no seriam

    institudas pelo Poder Pblico novas fundaes que no satisfizessem cumulativamente requisitos

    e condies tais como: a) dotao especfica de patrimnio, gerido pelos rgos de direo da

    fundao segundo os objetivos estabelecidos na respectiva lei de criao; b) participao de

    recursos privados no patrimnio e nos dispndios correntes da fundao, equivalentes a, no

    mnimo, um tero do total; e c) objetivos no lucrativos e que, por sua natureza, no possam ser

    satisfatoriamente executados por rgo da administrao federal, direta ou indireta, alm dos

    demais requisitos estabelecidos no Cdigo Civil pertinentes a fundaes. O art. 3 explicitava no

    constiturem entidades da administrao indireta as fundaes institudas em virtude de lei

    federal, aplicando-se-lhes, entretanto, quando recebessem subvenes ou transferncias conta

    do oramento da Unio, a superviso ministerial de que tratam os arts. 19 e 26 do Decreto-Lei

    200/67.

    Somente em 1986 o assunto voltou baila, na forma do Decreto-Lei n 2.229, que no

    apenas revogou o referido art. 3, como deu nova redao ao art. 4 do Decreto-Lei n 200,

    prevendo que as fundaes institudas em virtude de lei ou de cujos recursos participasse a

    Unio integrariam a administrao indireta para efeitos de subordinao a mecanismos e

    normas de fiscalizao, controle e gesto financeira e submisso de seus cargos, empregos e

    funes ao Plano de Classificao de Cargos da Lei n 5.645, de 1970, excetuadas, para tanto,

    as fundaes universitrias e de pesquisa, ensino e atividades culturais.

    Finalmente, a Lei n 7.596, de 10 de abril de 1987, deu novo enfoque ao conceito de

    fundao pblica, alterando o art. 5 do Decreto-Lei n 200/67, mediante a incluso de um

    novo inciso IV, que define como tal a entidade dotada de personalidade jurdica de direito privado, sem fins lucrativos, criada em virtude de autorizao legislativa, para o desenvolvimento de atividades que no exijam execuo por rgos ou entidades de direito pblico, com autonomia

  • 20

    administrativa, patrimnio prprio gerido pelos respectivos rgos de direo, e funcionamento custeado por recursos da Unio e de outras fontes.

    Tal previso legal, contudo, deve ser interpretada com cautela, pois conceito anterior

    vigncia da Constituio de 1988, que introduziu um conjunto de regras aplicveis s

    fundaes, condicionando seu regime jurdico.

    O Decreto-Lei n 200, de 1967, em sua nova redao, teve eficcia limitada ao no

    prever a situao de fundaes pblicas de direito pblico, nem tampouco vedou que,

    mesmo sem o amparo constitucional, viessem a ser constitudas fundaes regidas

    integralmente pelo direito pblico. De fato, se uma nova lei viesse a criar uma fundao

    pblica, dando-lhe tratamento diverso, derrogado estaria em relao a ela o Decreto-Lei. Por

    outro lado, reconhecia a existncia de fundaes de direito privado, que passaram, ento, a

    integrar a administrao indireta.

    Face s suas caractersticas, as fundaes pblicas de direito pblico, conforme

    reconheceu a jurisprudncia do STF, passaram a se equiparar s autarquias, inclusive porque

    sua constituio passou a se dar no por meio de escritura pblica, como as fundaes de

    direito privado, mas apenas por lei, configurando-se, assim, em autarquias fundacionais.

    Da porque podemos afirmar que a fundao pblica de direito pblico existe

    independentemente da definio legal contida na redao dada ao inciso IV do art. 5 do

    Decreto-Lei n 200/67, que apenas se preocupou com a forma mais controvertida de fundao

    pblica, que era a de personalidade de direito privado.

    Com a vigncia da Constituio de 1988, o assunto teve novo tratamento e as alteraes

    introduzidas pela Emenda Constitucional n 19, de 1998, trouxeram novos problemas

    interpretativos. O fato, porm, que a Carta Magna no foi adequadamente precisa no

    emprego da terminologia, ora referindo-se a fundaes pblicas, ora a fundaes apenas,

    ora a fundaes institudas e mantidas pelo poder pblico, dando margem a controvrsias

    quanto possibilidade de vrios tipos de fundaes. A redao original do art. 37, caput,

    empregava, ainda, a expresso administrao fundacional, permitindo assim subentender

    um grupamento de entidades que teriam caractersticas comuns.

    H fortes controvrsias sobre a natureza e caracterizao das fundaes de direito

    privado. Segundo Borges (2004) para autores como Celso Antonio Bandeira de Mello, Jos

    Cretella Junior, Lucia Vale Figueiredo e Hely Meirelles, aps o advento da Constituio de

    1988, s h lugar para as fundaes pblicas, como espcie do gnero autarquia. Segundo

  • 21

    esses autores, a Emenda Constitucional n 19/98 no trouxe alteraes que permitam incluir

    as fundaes no rol das pessoas de direito privado.

    Outra parcela de doutrinadores, contudo, vem reconhecendo essa possibilidade, desde

    que sejam obedecidas as caractersticas prprias de cada qual e desde que a fundao de

    direito privado se apresente despida de prerrogativas prprias das entidades de direito

    pblico. o entendimento de Maria Sylvia Zanella Di Pietro e Digenes Gasparini. Para

    esses autores, se a Constituio no distinguiu, expressamente, as fundaes publicas das

    privadas, no caberia ao legislador faz-lo. No entanto, entendem aplicveis s fundaes

    pblicas, de direito privado ou no, todas as regras constitucionais aplicveis s fundaes.

    Assim, todas as fundaes integram a administrao indireta, sejam ou no de direito pblico.

    Sua sujeio ao regime jurdico dependeria da validade da alterao ao art. 39, caput, caso

    fosse considerada vlida a alterao promovida pela EC 19/98 poderia ser o estatutrio ou o

    celetista, se de direito pblico, ou apenas o celetista, se de direito privado. Submetem-se,

    igualmente e indistintamente, exigncia do concurso pblico para contratao de pessoal.

    Dependem, ambas, de autorizao legal para sua instituio. Submetem-se fiscalizao do

    Ministrio Pblico, porm apenas as fundaes de direito privado cujos bens so sujeitos a

    penhora. No tm as fundaes privadas privilgios processuais. Sua extino depende de

    lei, em qualquer caso. Submetem-se integralmente Lei de Licitaes, assim como aos

    limites de gasto com pessoal, etc.

    Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro (apud COSTA, 2002), s fundaes de direito

    privado, institudas pelo Poder Pblico, se aplicam as seguintes normas:

    a) subordinao fiscalizao, controle e gesto financeira exercido pelo Poder Executivo, inclusive com fiscalizao pelo Tribunal de Contas:

    b) constituio autorizada por lei (art. 37, inc. XIX da CF/88);

    c) extino somente por lei, ficando, nesse aspecto, derrogado o art. 29, do CCB, que prev as formas de extino da fundao, agora inaplicveis s fundaes pblicas;

    d) equiparao de seus empregados aos funcionrios pblicos para os fins previstos no art. 37 da CF/88, inclusive para fins criminais (art. 327 do CP) e de acumulao de cargos;

    e) sujeio de seus dirigentes a mandado de segurana, cabimento de ao popular, legitimidade ativa para propor ao civil pblica (art. 5 da Lei n 7.347/86);

    f) juzo competente na esfera estadual;

    g) submisso Lei n 8.666/93 Estatuto das Licitaes;

    h) em matria de finanas pblicas, as exigncias contidas nos arts. 52, inc. VII; 169, pargrafo nico; e 165, 5 e 9 da CF/88; e

  • 22

    i) imunidade tributria referente ao imposto sobre o patrimnio, sobre a renda ou sobre servios vinculados a suas finalidades essenciais ou delas decorrentes (art. 150, 2 da CF/88).

    Haveria, assim, para essa corrente doutrinria, espao para a viabilizao tanto de

    fundaes de direito pblico como de direito privado, mas ambas fariam parte de uma base

    comum, definida constitucionalmente.

    O encaminhamento ao Congresso Nacional do Projeto de Lei Complementar

    n 92/2007, destinado a regulamentar o referido inciso XIX do art. 37, evidencia no estar

    superada a controvrsia sobre a natureza e os limites desse tipo institucional, notadamente se

    adotado, como se presume possvel, o regime de direito privado quando no presente a

    obrigatoriedade do regime jurdico administrativo em decorrncia das funes a serem

    exercidas pela entidade. O desfecho da discusso doutrinria, jurdica e poltica, na esfera do

    Poder Legislativo, porm, dificilmente por fim ao debate, dadas as tendncias, cada vez mais

    evidentes, a se buscar solues de contorno para a chamada rigidez do regime de direito

    pblico, notadamente no que se refere s regras aplicveis ao seu pessoal.

    1.4 Regras Gerais aplicveis s entidades da administrao pblica

    Em relao administrao indireta, na qual se incluem as autarquias, as fundaes

    (de direito pblico ou privado, mas institudas pelo Poder Pblico), as sociedades de

    economia mista e as empresas pblicas, o sistema jurdico-constitucional vigente impe

    fiscalizao e controle de seus atos pelo Congresso Nacional (art. 49, X); fiscalizao contbil

    financeira, oramentria, operacional e patrimonial, tambm pelo Congresso e pelo sistema

    interno de cada Poder (art. 70); oramento previsto na lei oramentria (art. 165, 5, I); e

    limite de despesas com pessoal (art. 169, 1). O ingresso em seus cargos e empregos dar-se-

    mediante concurso pblico (art. 37, II). As compras e contrataes sero precedidas de

    licitao pblica, assegurada a igualdade de condies entre os licitantes (art. 37, XXI).

    Essa norma de competncia define quais os destinatrios da disciplina jurdica (as

    entidades de direito pblico e privado da administrao direta e indireta) e complementada

    pela regra contida no art. 37 da CF, que discrimina o rol dos princpios aplicveis

    administrao pblica direta, indireta ou fundacional, entre os quais a sujeio de todos os

    entes da administrao, por administrarem recursos pblicos, obrigatoriedade da realizao

    de licitao pblica que assegure igualdade de condies a todos os concorrentes. O inciso

    XXI do art. 37 explicita dois dos princpios informativos da licitao: o da livre concorrncia

    e o da igualdade entre os concorrentes.

  • 23

    Essa obrigatoriedade para a administrao decorre do princpio da indisponibilidade do

    interesse pblico, que se impe como limite indiscutvel atuao discricionria dos

    administradores. Tal obrigao s mitigada em razo do mesmo princpio, ou seja, quando o

    interesse pblico determine a dispensa de licitao, o que exige que a previso legal

    configure, de maneira inequvoca, as razes de fato ou de direito que o justifiquem, sob pena

    de irrazoabilidade e inconstitucionalidade da prpria lei que estabelea a dispensa. Ressalve-

    se, no entanto, que o art. 175 da CF afasta a possibilidade de dispensa para a concesso ou

    permisso de servio pblico.

    A regra contida no art. 37, XXI, ao determinar que as obras, servios, compras e

    alienaes da administrao sero contratados mediante processo de licitao pblica e, no

    art. 175, de que incumbe ao Poder Pblico a prestao de servios pblicos, diretamente ou

    sob regime de concesso ou permisso, sempre atravs de licitao, tem aplicabilidade plena,

    direta e imediata, regulamentada pela Lei n 8.666/93, que a Lei Geral de Licitaes.

    O carter geral e abrangente dessa Lei, disciplinando a conduta dos agentes pblicos, atende

    ao prprio conceito de licitao: procedimento destinado a selecionar a proposta

    mais vantajosa como condio para contratar com as entidades subordinadas ao regime

    licitatrio. E, conforme prescreve o prprio art. 1 da Lei de Licitaes, a ela se submetem

    alm dos rgos da administrao direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundaes

    pblicas, as empresas pblicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas

    direta ou indiretamente pela Unio, Estados, Distrito Federal e Municpios.

    Qualquer que seja a natureza dessa entidade, deve, de maneira inafastvel, comprovar a

    legalidade da aplicao dos recursos pblicos por ela empregados perante o sistema de

    controle interno e sujeitar-se fiscalizao contbil, financeira, operacional e patrimonial,

    pelo Tribunal de Contas da Unio, bem como prestar contas da utilizao, arrecadao,

    guarda, gerncia ou administrao dos dinheiros, bens e recursos pblicos a ela destinados,

    como prevem os arts. 70 e 71 da CF. Ressalte-se, inclusive, que a nova redao do pargrafo

    nico da Constituio Federal, dada pela Emenda Constitucional n 19, de 1998, taxativa,

    afastando qualquer sombra de dvida quanto a essa subordinao:

    Art.70. ................................................................................................................................... Pargrafo nico. Prestar contas qualquer pessoa fsica ou jurdica, pblica ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores pblicos ou pelos quais a Unio responda, ou que, em nome desta, assuma obrigaes de natureza pecuniria. (grifo nosso)

  • 24

    Mais: sendo entidades prestadoras de servios pblicos, gerindo patrimnio e recursos

    pblicos, caracterizveis, portanto, como integrantes da administrao indireta, embora

    disfaradas sob a nova qualificao, tais entidades deveriam estar tambm sujeitas ao

    controle interno, para comprovar a legalidade e sofrer avaliao, quanto eficcia e

    eficincia, da gesto oramentria, financeira e patrimonial, nos termos do art. 74 da CF.

    Acerca dessa sujeio, j matria pacificada no mbito dos Tribunais de Contas a

    subordinao de entidades, mesmo quando no integrantes da administrao pblica, ao

    controle externo, como demonstra a seguinte explanao do Ministro Ademar Paladino Ghisi:

    Consoante se pode verificar a partir do que at aqui se exps, os atos praticados pelos administradores dos servios sociais autnomos devem submeter-se observncia de certos princpios fundamentais, que constituem requisito para sua validade e aceitao. Esse o motivo que levou o legislador, sabiamente, a submet-los aos controles interno e externo, esse ltimo exercido pelo Congresso Nacional com o auxlio do Tribunal de Contas da Unio, sob os aspectos financeiro, contbil, patrimonial e operacional. Em nossa experincia como Ministro dessa Corte, temos, em algumas oportunidades, ouvido vozes de representantes dos servios sociais autnomos, indagando: por que temos que prestar contas e atender ao Tribunal de Contas da Unio, se estamos gerindo uma entidade desvinculada da Administrao e patrocinada com recursos privados?. Creio que a resposta para tal questo, nesse momento de nossa exposio, fluir naturalmente. A subsuno do Sebrae e dos demais servios sociais autnomos s normas que regem o controle praticado pelo Tribunal de Contas da Unio existe em decorrncia da gesto dos recursos parafiscais por ele arrecadados. Lembro que o Sebrae, exemplificando, recebe percentuais de contribuies previdencirias, nos termos da Lei n 8.029/90, alterada pela Lei n 8.154/90. Tais contribuies so impostas, ou seja, no so pagas apenas por quem deseja pag-las; no se confunde, ademais, como se fora um contrato de adeso ou um acordo entre partes. E so impostas, referidas contribuies, justamente porque se almeja que sejam utilizadas para o cumprimento de uma finalidade especfica de interesse do Estado, qual seja o apoio ao desenvolvimento das micro e pequenas empresas. Cabe ao Tribunal de Contas verificar o nexo causal existente entre a aplicao dos recursos e a finalidade para a qual foram arrecadados. A verificao levada a efeito pela Corte de Contas no se prende, contudo, simples verificao desse nexo causal, uma vez que se espera no apenas que os recursos sejam utilizados na finalidade prevista, mas tambm que sejam utilizados consoante os procedimentos prescritos em lei e mediante a busca de otimizao dos resultados alcanados. Ou seja, ao Tribunal de Contas da Unio interessa no apenas a legalidade, mas tambm a economicidade, a eficincia e a eficcia da ao administrativa. (GHISI, 1997, p. 18-19).

    A Carta de 1988, ao elencar os princpios gerais que devem reger a administrao

    pblica, incluiu, entre eles, princpios tradicionais: impessoalidade, legalidade, publicidade e

    moralidade. A esses, a EC 19/98 acrescentou o princpio da eficincia, que tem, como

    corolrio, a adoo das premissas da Nova Gerncia Pblica ou New Public Management.

    Segundo Hood, os fundamentos estratgicos da New Public Management, refletindo essas

    concepes tericas, podem ser sintetizados em sete pontos principais (HOOD, 1991, apud

    FLEURY; OUVERNEY, 2007, p. 39):

  • 25

    a) formao de uma elite de gerentes com autonomia e responsveis por seus atos;

    b) utilizao de padres e medidas de desempenho e instituio de uma administrao por objetivos;

    c) maior nfase no controle de resultados do que no de procedimentos;

    d) desagregao das unidades do setor pblico e utilizao de instrumentos de contratualizao na proviso de servios;

    e) ampliao da competio no setor pblico, instituindo-se a concorrncia como forma de reduzir custos e obter melhores padres de qualidade;

    f) nfase no estilo privado de gesto;

    g) nfase na disciplina maximizadora de utilizao dos recurso (value for money);

    Como decorrncia desse movimento de reformas, foi incorporado ao texto

    constitucional comando no sentido de autorizar a adoo de contratos de gesto na

    administrao pblica, associados concesso de graus diferenciados de autonomia aos

    rgos que contratarem com o Poder Pblico o alcance de metas e resultados.

    A redao dada ao art. 37, 8 da CF permite aos rgos e entidades da administrao

    firmar contratos de gesto com os ministrios e, com isso, ganhar mais flexibilidade para

    administrar o seu oramento e sua folha de pagamentos. Com isso, aqueles que vierem a

    firmar contrato de gesto podero ganhar liberdade, inclusive, para fixar os salrios dos seus

    empregados ou servidores, desde que sejam cumpridas as metas estabelecidas no contrato.

    Segundo esse dispositivo, a autonomia gerencial, oramentria e financeira dos rgos e

    entidades da administrao direta e indireta poder ser ampliada mediante contrato de gesto,

    o qual ter por objeto a fixao de metas de desempenho para o rgo ou entidade. Caber, no

    entanto, lei dispor sobre o prazo de durao do contrato, os controles e critrios de avaliao

    de desempenho, direitos, obrigaes e responsabilidades dos dirigentes e sobre a remunerao

    do pessoal:

    Art. 37. ................................................................................................................................. ............................................................................................................................................... 8 A autonomia gerencial, oramentria e financeira dos rgos e entidades da administrao direta e indireta poder ser ampliada mediante contrato, a ser firmado entre seus administradores e o poder pblico, que tenha por objeto a fixao de metas de desempenho para o rgo ou entidade, cabendo lei dispor sobre: I o prazo de durao do contrato; II os controles e critrios de avaliao de desempenho, direitos, obrigaes e responsabilidade dos dirigentes; III a remunerao do pessoal.

  • 26

    Baseado na ideia de concesso de maior flexibilidade gerencial e executiva aos rgos e

    entidades da administrao pblica, o contrato de gesto surge, na administrao gerencial,

    como um instrumento fundamental para que a reautonomizao da administrao indireta se

    processe de maneira vinculada ao controle de resultados.

    Considerada a experincia internacional, o contrato de gesto tem sido defendido e

    implementado tendo em vista a perspectiva de conceder, administrao indireta,

    instrumentos que garantam flexibilidade administrativa e condies de competitividade no

    mercado. Nesse contexto, tem-se colocado como alternativa capaz de mitigar a obrigao de

    sujeio dos entes administrativos aos requisitos constitucionais. Ao mesmo tempo, surge

    como instrumento para permitir que a superviso ministerial a ser exercida pela administrao

    direta se faa sem prejuzo da autonomia das entidades da administrao indireta, medida

    que o grau de autonomia seria assegurado em razo das metas e programas a serem

    cumpridos. Experincias em alguns setores da administrao federal, envolvendo empresas

    como a Petrobrs e a Companhia Vale do Rio Doce, implementados na dcada de 1990, e em

    empresas estatais do governo de So Paulo, entre 1992 e 1995, no se revelaram capazes de

    gerar um movimento que demonstrasse as vantagens desse instrumento, embora tenham

    contribudo para o aumento da compatibilizao entre o planejamento empresarial e a

    programao e execuo oramentria, aumento do comprometimento gerencial interno com

    o planejamento e sua execuo e induo de uma gesto mais participativa (ANDR, 1998, p.

    153).

    A partir de 1995, a nfase no processo de privatizao de empresas estatais reduziu o

    interesse das empresas pelos contratos de gesto, embora tenha sido reintroduzida a discusso

    por meio do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, cuja consequncia foi a

    alterao do texto constitucional para albergar o princpio. Antes mesmo dessa incluso,

    contudo, j vinha em curso processo de ampliao do uso desses contratos, como exemplifica

    a previso legal relativa s organizaes sociais e agncias executivas, novas figuras

    inseridas no sistema administrativo federal com base nas concepes da Nova Gerncia

    Pblica.

    No caso das agncias executivas preconizadas pelo Plano Diretor da Reforma do

    Aparelho do Estado, o contrato de gesto surgiu como o meio por excelncia para que a

    flexibilidade administrativa a ser concedida possa ser vinculada ao atingimento de resultados.

    Segundo Nunes (1997, p. 9), alm da gesto voltada para resultados, com foco no cidado-

    usurio, da flexibilidade de gesto, o modelo gerencial adota (...) o contrato de gesto como

  • 27

    instrumento essencial para implantao das agncias. Nesse contrato, explicitam-se os

    objetivos, seu detalhamento em metas quantificadas e os correspondentes indicadores de

    desempenho. Por meio dos contratos dar-se- a superviso ministerial sobre as agncias.

    Ressalta Nunes (1997, p. 18) que o contrato de gesto, em si, no assegurar o bom

    desempenho das agncias, carecendo de mudanas que vo alm do plano jurdico-

    institucional. Entre os requisitos adicionais, considera necessrio o efetivo compromisso por

    parte da direo e do corpo funcional da agncia, o que demandaria um processo de

    preparao contemplando a sensibilizao da direo e servidores para a mudana proposta,

    programas de treinamento e capacitao, a reviso de processos de trabalho e a reviso da

    estrutura organizacional. fcil prever que, partindo do nada, o contrato de gesto tende a ser

    uma mera formalidade, uma forma a mais de gerar comportamentos auto-referentes no seio da

    administrao e de permitir a burla aos controles prvios sem a garantia de melhores

    resultados. Sem o efetivo fortalecimento das instituies, sem que o planejamento estratgico

    seja estruturado e implementado, no se obter qualquer resultado duradouro que justifique a

    utilizao dos contratos de gesto em substituio aos atuais mecanismos de superviso

    ministerial ou de relao hierrquica.

    O alcance da previso constitucional ento adotada, no entanto, ultrapassa os limites

    usuais do contrato de gesto, reconhecendo capacidade de firm-los aos rgos da prpria

    administrao direta, ou seja, por meio do contrato de gesto, flexibilizaria a gesto da prpria

    administrao direta, que figura no plo contratante ativo. Assim, unidades organizacionais

    integrantes da mesma estrutura por exemplo, um ministrio podero ter diferentes graus

    de autonomia e sujeio ao princpio da legalidade, alm de gerar condies de desagregao

    de algo que , por definio, um todo indivisvel e voltado a um fim nico, no qual a relao

    de subordinao ao plano de governo, s diretrizes e comandos emanados da estrutura

    hierrquica, associados capacidade de gesto, devem ser capazes de garantir a eficincia e

    eficcia da atuao governamental.

    Um dos elementos necessrios para evitar que a autonomizao dos entes estatais por

    meio de contratos de gesto gere distores e um novo ciclo de apropriao privada do

    aparelho do Estado desenvolver e ampliar os espaos de participao social na gesto

    pblica. Nesse sentido, a Emenda Constitucional n 19/98 incorporou, a partir de propostas do

    Partido dos Trabalhadores e do Partido Democrtico Trabalhista, oferecidas Comisso

    Especial que apreciou a matria na Cmara dos Deputados, importantes orientaes, na forma

    do 3 do art. 37:

  • 28

    Art. 37. ................................................................................................................................. ............................................................................................................................................... 3 A lei disciplinar as formas de participao do usurio na administrao pblica direta e indireta, regulando especialmente: I as reclamaes relativas prestao dos servios pblicos em geral, asseguradas a manuteno de servios de atendimento ao usurio e a avaliao peridica, externa e interna, da qualidade dos servios; II o acesso dos usurios a registros administrativos e a informaes sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5, X e XXXIII; III a disciplina da representao contra o exerccio negligente ou abusivo de cargo, emprego ou funo na administrao pblica14.

    Cabe lei, assim, assegurar a participao do usurio, especialmente mediante o acesso

    s informaes e a avaliao peridica, externa, da qualidade dos servios. Embora no tenha

    sido ao final acolhida a proposta de que fosse assegurada a audincia dos usurios na

    formulao das polticas pblicas e na elaborao de disposies administrativas gerais que os

    afetem e sua atuao em colegiados, cujas decises lhes digam respeito, contemplada pelo

    Relator no Substitutivo votado pela Cmara dos Deputados, indispensvel avanar na

    instituio desses mecanismos de participao social. Somente por meio dessa participao se

    poder evitar ou contornar efeitos perversos do processo de transferncia para o setor privado

    de atividades a cargo do Estado, ou impedir que a implementao da administrao gerencial

    produza uma administrao pblica descontrolada.

    A Emenda Constitucional n 19/98 agregou, ainda, previso de que cabe ao Congresso

    Nacional elaborar lei de defesa do usurio de servios pblicos. Em abril de 1998 foi

    constitudo um grupo de trabalho formado por juristas e especialistas em administrao

    pblica para elaborar um anteprojeto de lei no prazo de cento e vinte dias. Vencido o prazo, o

    anteprojeto foi submetido a debate em audincia pblica, mas no chegou a ser encaminhado

    ao Congresso Nacional. As medidas que vierem a ser implementadas com base nessa previso

    sero, certamente, um importante instrumento para o aperfeioamento do exerccio da

    participao social, viabilizando o desenvolvimento de uma democracia mais participativa e

    menos formal, pelo menos na esfera federal.

    14 Conforme registramos em Santos (1997b, p. 257), a proposta de emenda constitucional previa, inclusive, a

    audincia dos usurios na formulao das polticas pblicas e na elaborao de disposies administrativas gerais que os afetassem e sua atuao em colegiados cujas decises lhes dissessem respeito (redao dada pela Comisso Especial ao 1 do art. 37). Essa garantia, no entanto, foi suprimida em plenrio, mediante destaque de votao em separado apresentado pelos lderes dos principais partidos de sustentao ao governo FHC (PMDB, PFL e PSDB).

  • 29

    1.5 A concentrao e a descentralizao na Constituio Federal

    A descentralizao das atividades a cargo do poder pblico vem-se colocando, cada vez

    mais, no Brasil, como opo poltica necessria para que se possa atingir os resultados

    desejados em termos qualitativos e quantitativos, notadamente em vista da estrutura

    federativa do Pas, em que 27 estados e mais de 5.600 municpios exercem funes

    complementares no que se refere prestao de servios pblicos e atuao como indutores

    do processo de desenvolvimento, seja por meio dos investimentos pblicos, seja no exerccio

    de funes de poder concedente ou de regulao de servios pblicos ou atividades

    econmicas exploradas pelo setor privado.

    Embora, sob o ponto de vista da doutrina, encerrem-se apenas nesses casos as situaes

    classificveis como de descentralizao, o Decreto-Lei n 200/67 prev, em seu art. 10, as

    seguintes hipteses adicionais:

    Art. 10. .................................................................................................................................. 1 A descentralizao ser posta em prtica em trs planos principais: a) dentro dos quadros da Administrado Federal, distinguindo-se claramente os nveis de direo do de execuo; b) da Administrao para as unidades federadas quando estejam devidamente aparelhadas e mediante convnio; c) da Administrao Federal para a rbita privada, mediante contratos ou concesses.

    Trata-se, sem dvida, de impreciso conceitual no plano legal, j que, em nenhum dos

    casos, se est tratando de descentralizao, mas de desconcentrao (no caso da alnea a), de

    mera cooperao (no caso da alnea b) e de execuo indireta (no caso da alnea c, quando

    operada por meio de contrato). Assim, quando se fala de descentralizao, na verdade se est

    operando com conceitos equvocos, que no permitem a exata compreenso de suas implicaes.

    A cooperao entre os entes federados, portanto, situao que vem sendo tratada, pelo

    Decreto-Lei n 200/67, como hiptese de descentralizao. Essa possibilidade tem sido

    considerada na legislao recente, dado o diagnstico da incapacidade de manter-se o governo

    federal como titular exclusivo de competncias para as quais no dispe de meios suficientes.

    Mais do que isso, a descentralizao para as esferas subnacionais de funes de governo tem

    sido apontada como uma das grandes tendncias no mundo moderno, capaz de contribuir para

    a melhoria da atuao do Estado.

    Atuando como ns de uma rede, os distintos nveis de governo so capazes de

    sustentar-se mutuamente, em prol do incremento de sua capacidade de ao. A

  • 30

    descentralizao, assim, somente poder ser efetiva se realizada com a perspectiva da

    colaborao e da complementao recproca das competncias estatais.

    Ressalte-se o fato de ser essa, hoje, uma tendncia, em vista, inclusive, da redao dada

    pela Emenda Constitucional n 19/98 ao art. 241 da Constituio Federal, recuperando a

    previso da Carta de 1946:

    Art. 241. A Unio, os Estados, o Distrito Federal e os Municpios disciplinaro por meio de lei os consrcios pblicos e os convnios de cooperao entre os entes federados, autorizando a gesto associada de servios pblicos, bem como a transferncia total ou parcial de encargos, servios, pessoal e bens essenciais continuidade dos servios transferidos.

    Esta autorizao constitucional viabilizaria, assim, a total ou parcial transferncia de

    encargos, assim como do pessoal e dos bens necessrios continuidade dos servios

    transferidos, da esfera da Unio para os Estados e Municpios.

    A descentralizao, porm, no algo que se possa fazer por decreto, ou que dependa

    unicamente de uma diretriz constitucional, como a contida no novo art. 241 da CF, mas

    depende de um amplo concerto de vontades e da construo de uma rede de responsabilidades

    que assegure, ao final, que, na hiptese de sua inefetividade, no restar o cidado

    desprotegido. A complementaridade da atuao de cada esfera de governo, em relao s

    demais, deve ser sempre posta em primeiro plano, sob pena de, mais uma vez, conduzir o

    processo materializao do Estado mnimo ou do Estado nulo, situao em que o cidado,

    ao fim e ao cabo, no tem a quem recorrer em busca de seus direitos.

    Nessa concepo, o Congresso Nacional aprovou, em abril de 2005, a Lei n 11.107,

    oriunda de proposta do Poder Executivo, que dispe sobre normas gerais de contrao de

    consrcios pblicos. Tais consrcios, envolvendo mais de um ente federativo, devero

    constituir-se sob a forma de associao pblica ou pessoa jurdica de direito privado. Tal

    regulamentao foi editada com o propsito expresso de viabilizar, no curto prazo, maior

    articulao entre entes federativos e a ampliao da capacidade de atuao dos mesmos na

    prestao de servio