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Advocacia de interesse público no Brasil

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Advocacia de interesse público no Brasil: a atuação das entidades de defesa de direitos da sociedade civil e sua interação com os órgãos de litígio do Estado

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GOVERNO FEDERALMINISTÉRIO DA JUSTIÇA

SECRETARIA DE REFORMA DO JUDICIÁRIOCENTRO DE ESTUDOS SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA

BRASÍLIA2013

Pesquisa elaborada em parceria estabelecida em acordo de cooperação internacional por meio

de carta de acordo firmado entre a Secretaria de Reforma do Judiciário, o Programa das Nações

Unidas para o Desenvolvimento e o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Projeto BRA/05/036).

ADVOCACIA DE INTERESSE PÚBLICO NO BRASILA ATUAÇÃO DAS ENTIDADES DE DEFESA DE DIREITOS DA SOCIEDADE CIVIL E

SUA INTERAÇÃO COM OS ÓRGÃOS DE LITÍGIO DO ESTADO

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IDENTIFICAÇÃO:

PROJETO: PESQUISA SOBRE A ATUAÇÃO DA ADVOCACIA POPULAR - PROJETO BRA/05/036

CARTA ACORDO N. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA - PNUD

Instituição proponente e executora:

Centro Brasileiro de Análise e Planejamento - CEBRAP

Rua Morgado de Mateus, 615 – São Paulo – SP

CEP 04015-051 – Telefone (11) 5574-0399 – Fax: (11) 5574-5928

CNPJ 62.589.164/0001-72

Representante legal:

Paula MonteroPresidente do CEBRAP

EXPEDIENTE:

PRESIDENTA DA REPÚBLICA Dilma Rousseff

MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA

José Eduardo Cardozo

SECRETÁRIA EXECUTIVA DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA Márcia Pelegrini

SECRETÁRIO DE REFORMA DO JUDICIÁRIO

Flávio Crocce Caetano

DIRETORA DE POLÍTICA JUDICIÁRIA Kelly Oliveira de Araújo

FICHA CATALOGRÁFICA: Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do Ministério da Justiça

341.46218 A244

Advocacia de interesse público no Brasil: a atuação das entidades de defesa de direitos da sociedade civil e sua interação com os órgãos de litígio do Estado / coordenador: José Rodrigo Rodriguez – Brasília: Ministério da Justiça, Secretaria de Reforma do Judiciário, 2013. 120 p. – (Diálogos sobre a Justiça) ISBN : Pesquisa elaborada em parceria entre a Secretaria de Reforma do

Judiciário, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento.

1. Assistência judiciária, Brasil. 2. Defensoria pública, Brasil. 3.

Advocacia pública, Brasil. 4. Direito de defesa, Brasil. I. Rodriguez, José Rodrigo, (coord.). II. Brasil. Ministério da Justiça. III. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. IV. Centro Brasileiro de Análise e Planejamento.

CDD

978-85-85820-45-9

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IDENTIFICAÇÃO:

PROJETO: PESQUISA SOBRE A ATUAÇÃO DA ADVOCACIA POPULAR - PROJETO BRA/05/036

CARTA ACORDO N. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA - PNUD

Instituição proponente e executora:

Centro Brasileiro de Análise e Planejamento - CEBRAP

Rua Morgado de Mateus, 615 – São Paulo – SP

CEP 04015-051 – Telefone (11) 5574-0399 – Fax: (11) 5574-5928

CNPJ 62.589.164/0001-72

Representante legal:

Paula MonteroPresidente do CEBRAP

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EQUIPE DE PESQUISA:

José Rodrigo Rodriguez (coordenador)Evorah Cardoso (coordenadora executiva)

Fabiola Fanti (pesquisadora de pós-graduação)Iagê Zendron Miola (pesquisador de pós-graduação)

COLABORADORAS:

Denise DoraFlávia Xavier Annenberg

AGRADECIMENTOS:

Aos comentadores dos resultados parciais da pesquisa, Marcelo Pedroso Goulart, promotor de justiça e coordenador estadual do Núcleo de Políticas Públicas da Procuradoria-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, pelas contribuições no

workshop realizado em 7 de dezembro de 2012, na Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP), e Celso Campilongo, professor titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, no workshop realizado em 13 de maio de 2013, no

CEBRAP, assim como a todos os participantes dos workshops.

A Roberto Dias, pelo apoio e acompanhamento da pesquisa como consultor do Ministério da Justiça no projeto “Fortalecimento da Justiça Brasileira”.

Às demais equipes de pesquisa do projeto “Fortalecimento da Justiça Brasileira”.

Às entidades de defesa de direitos e seus integrantes que gentilmente cederam seu tempo e experiência para participar desta pesquisa.

A Rogério Barbosa, pesquisador do CEM/CEBRAP, pelo auxílio no uso do software empregado na análise das entrevistas da pesquisa.

A Adrian Gurza Lavalle, Cecília MacDowell Santos, José Roberto Xavier e Richard Abel, pelos comentários feitos ao projeto de pesquisa e durante a sua execução, assim como a todos os integrantes do Núcleo Direito e Democracia, do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, com os quais esta pesquisa foi

discutida em seminários internos.

A Gabriel Alarcon Madureira, pelo competente trabalho como transcritor da maior parte das entrevistas realizadas nesta pesquisa, e aos demais transcritores contratados.

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PROJETO BRA/05/036FORTALECIMENTO DA JUSTIÇA BRASILEIRA

“PESQUISA SOBRE A ATUAÇÃO DA ADVOCACIA POPULAR”

PROJETO DE PESQUISA:“ADVOCACIA DE INTERESSE PÚBLICO NO BRASIL: A ATUAÇÃO DAS

ENTIDADES DE DEFESA DE DIREITOS DA SOCIEDADE CIVIL E SUA INTERAÇÃO COM OS ÓRGÃOS DE LITÍGIO DO ESTADO”

INSTITUIÇÃO PROPONENTE:CENTRO BRASILEIRO DE ANÁLISE E PLANEJAMENTO - CEBRAP

BRASÍLIA2013

GOVERNO FEDERALMINISTÉRIO DA JUSTIÇA

SECRETARIA DE REFORMA DO JUDICIÁRIOPROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO - PNUD

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PREFÁCIO

Ao inaugurar a série DIÁLOGOS SO-BRE JUSTIÇA, a Secretaria de Reforma do Judiciário optou por publicar pesquisas so-bre temas relevantes que possam ampliar a compreensão por amplos segmentos da população sobre o Sistema de Justiça no Brasil, ao mesmo tempo em que se busca discutir a melhoria do acesso à Justiça como garantia de consolidação da cidadania.

As distintas experiências e políticas que serão objeto de análise na presente série têm como ponto de partida a Refor-ma do Judiciário, que atravessa o marco de seus 10 anos de existência, e devem con-tribuir para o desenvolvimento de novos parâmetros de atuação governamental no tocante aos serviços jurisdicionais presta-dos aos cidadãos pelo Governo brasileiro. Trata-se, então, de promover a discussão de alternativas para a implementação de ações e de políticas públicas que aprimo-rem o trabalho do Poder Judiciário e dos demais órgãos do Estado que compõe o Sistema de Justiça.

Com vistas a alcançar tal objetivo, fo-ram selecionados, inicialmente, temas de pesquisa de interesse público, mas que até o momento haviam sido pouco explorados, como é o caso da atuação da advocacia de interesse público no Brasil.

Além desses, outros temas conside-rados relevantes pelo seu impacto sobre o Sistema de Justiça foram selecionados com a finalidade de possibilitar o aprofun-damento do debate em torno do qual se consolida o desenvolvimento de políticas públicas sobre acesso a Justiça, tais como:

a utilização de meios de resolução extraju-dicial de conflitos no âmbito dos serviços regulados por agências governamentais, o impacto no sistema processual dos tra-tados internacionais, os desafios da trans-parência para o eficaz funcionamento do Sistema de Justiça brasileiro, os conflitos fundiários agrários e urbanos, e, ainda, a atuação da advocacia popular no país.

Todos os temas envolvem, necessaria-mente, a relação da sociedade civil com os Poderes Públicos, e, em particular, com o Poder Judiciário e os operadores do direi-to. Dessa forma, propiciam a melhoria do desenho institucional das políticas públicas adotadas pelo Estado.

Nesse sentido, a presente pesquisa, sob o título “Advocacia de Interesse Público no Brasil: Atuação das Entidades de Defesa de Direitos da Sociedade Civil e sua Intera-ção com os Órgãos de Litígio do Estado” busca avaliar a interação das entidades de defesa de direitos com a Defensoria Públi-ca e o Ministério Público, com o objetivo de mensurar de que forma a sociedade civil, e, em particular, os movimentos sociais, ob-tém resposta para suas reivindicações jun-to ao Poder Judiciário e demais instituições que compõe o Sistema de Justiça. Trata-se de uma análise da capacidade de mobili-zação jurídica da sociedade civil, que inclui a conceituação da “advocacia de interesse público” e as distinções com relação a ou-tros tipos de advocacia como a “advocacia policy e issue oriented”, entre outras. A de-limitação do objeto da pesquisa, centrada na relação com a Defensora Pública e com

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o Ministério Público, se deu em razão da variedade e multiplicidade dos diversos ti-pos de advocacia de interesse público que existem atualmente. Dessa forma, a pes-quisa pode aprofundar a análise de experi-ências e o funcionamento das instituições, abarcando entidades de defesa de diretos de todo o País, fato que resultou na elabo-ração de um diagnóstico nacional sobre as formas de mobilização jurídica da socieda-de civil em parceria com os órgãos de lití-gio do Estado.

Cumpre ressaltar que a série “Diálo-gos sobre a Justiça” é fruto de uma parce-ria constituída pela Secretaria de Reforma do Judiciário com algumas das mais reno-madas instituições de pesquisa do país. As entidades selecionadas para participar des-ta primeira fase foram a Fundação Getúlio Vargas, o Centro Brasileiro de Análise e Pla-nejamento, a Organização Terra de Direitos, a Universidade do Vale dos Sinos, e o Insti-tuto Polis atuando em parceria com o Insti-tuto Brasileiro de Direito Urbanístico e com o Centro de Direitos Econômicos e Sociais.

Buscou-se, assim, agregar exper-tise e qualidade ao trabalho ora desen-volvido, na expectativa de que as ideias e reflexões aqui introduzidas aprimorem as futuras diretrizes de atuação gover-namental, consequentemente gerando resultados concretos para o cidadão que pleiteia, no Sistema de Justiça, a efetiva-ção de seus direitos.

FLÁVIO CROCCE CAETANO

Secretário de Reforma do Judiciário

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INTRODUÇÃO

1.1 - Mobilização Jurídica e Sociedade Civil: pluralidade de experiências e conceitos1.2 - Advocacia de interesse público no Estado: Ministério Público e Defensoria Pública1.3 - Delimitação do objeto de pesquisa1.4 - Metodologia

1.4.1 - Amostra da pesquisa1.4.2 - Coleta de dados: o instrumento da entrevista semiestruturada1.4.3 - Análise dos dados: codificação e sistematização

2 - PERFIL DOS ENTREVISTADOS2.1 - Experiências universitárias

2.1.1 - Pesquisa e ensino2.1.2 - Extensão universitária2.1.3 - Movimento estudantil

2.2 - Experiências profissionais2.3 - Experiências pessoais, sociais e políticas

2.3.1 - Família2.3.2 - Grupo representado2.3.3 - Religião2.3.4 - Contexto político, movimentos sociais e comunitários

3 - PERFIL DAS ENTIDADES3.1 - Temas de atuação

3.2 - Atividades3.2.1 - Atividade jurídica3.2.2 - Atividade de pesquisa e publicação3.2.3 - Atividade comunitária3.2.4 - Atividade de comunicação

3.2.5 - Atendimento psicossocial

3.3 - Âmbitos de atuação3.4 - Histórico3.5 - Estrutura interna

3.6 - Financiamento3.6.1 - A saída do financiamento internacional do Brasil3.6.2 - Conjuntura econômica internacional3.6.3 - Entraves burocráticos do financiamento nacional público3.6.4 - Falta de cultura de financiamento nacional privado3.6.5 - Bloqueios temáticos3.6.6 - Particularidade da atividade jurídica

3.6.7 - Competição por financiamento

4 - ATUAÇÃO JUDICIAL4.1 - Atividades jurídico-judiciais

4.1.1 - Orientação jurídica

SUMÁRIO

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4.1.2 - Mediação e conciliação4.1.3 - Acompanhamento processual

4.1.4 - Ação judicial individual4.1.5 - Ação judicial coletiva4.2 - Seleção de casos4.2.1 - Critérios de seleção de casos4.2.2 - Demanda4.2.3 - Temática4.2.4 - Casos exemplares

4.2.5 - Mobilização social4.3 - Método de atuação judicial

4.3.1 - Combinação da estratégia judicial com outras estratégias4.3.2 - Articulação social4.3.3 - Formação4.3.4 - Pesquisa4.3.5 - Advocacy4.3.6 - Mídia

4.3.7 - Lobby judicial

5 - INTERAÇÃO COM O MINISTÉRIO PÚBLICO5.1 - Formas de interação5.2 - Percepções sobre o Ministério Público

5.3 - Desenho institucional

6 - INTERAÇÃO COM A DEFENSORIA PÚBLICA6.1 - Formas de interação6.2 - Percepções sobre a Defensoria Pública

6.3 - Desenho institucional

7 - CONCLUSÕES7.1 - A formação de defensores de direitos7.2 - Tipos de advocacia de interesse público

7.3 - MP e DP: o fator desenho institucional

8 - DESDOBRAMENTOS8.1 - Eixo individual: incentivos à formação e multiplicação de

defensores de direitos8.2 - Eixo sociedade civil: fortalecimento e ampliação da defesa de

direitos

8.3 - Eixo Estado: desenho institucional para promover interação

ANEXO I. Lista de entidades entrevistadas

ANEXO II. Roteiro de entrevista

ANEXO III. Termo de consentimento para entrevista

ANEXO IV. Livro de códigos

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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A presente pesquisa insere-se em um campo de estudos que busca analisar a relação entre a sociedade civil, o direito e as instituições jurídicas. Tal literatura vem apontando para a crescente centralidade do Poder Judiciário enquanto espaço de debate político para os atores da sociedade civil e, para como os movimentos sociais, vêm atribuindo importância estratégica à disputa em torno da criação e do sentido dos direitos1.

A relação da sociedade civil com o direito e o Poder Judiciário é frequentemente descrita como multifacetada. O direito pode ser tanto um elemento de manutenção da ordem vigente, criminalizando movimentos sociais ou bloqueando as suas demandas, como um importante instrumento no processo de mudanças sociais buscadas pelos atores da sociedade civil. Dessa forma, as instituições jurídicas têm uma relação ambivalente com os diversos setores da sociedade civil, ora obstruindo a sua atuação, ora facilitando-a. Isso pode ser observado, por exemplo, quando o Poder Judiciário decreta a reintegração de posse de um terreno, prédio ou terra, despejando o Movimento de Moradia ou o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) que antes os ocupava. Ao contrário, quando o Supremo Tribunal Federal autoriza a união estável entre pessoas do mesmo sexo, ele contribui para a realização de uma demanda dos movimentos Lésbicas, Gays, Bissexuais,

Travestis, Transexuais e Transgêneros (LGBT), que estiveram historicamente travados no âmbito Legislativo.

Esta pesquisa pretende contribuir com o debate sobre a relação entre sociedade civil e o direito a partir do estudo das dinâmicas de interação entre os atores que realizam mobilização jurídica no Brasil e os agentes do Estado que desempenham seus papéis institucionais em um mesmo campo de prática: a advocacia de interesse público. As instituições estatais que, de maneira mais evidente, compartilham este espaço de mobilização jurídica ocupado por certos atores da sociedade civil são o Ministério Público (MP) e a Defensoria Pública (DP), nos distintos níveis federativos. Tomando as entidades de defesa de direitos, o MP e a DP como agentes atuantes em um mesmo nicho de prática, a pesquisa busca identificar as dinâmicas de interação instituídas entre a sociedade civil e os órgãos do Estado.

Levando-se em consideração a interação entre entidades da sociedade civil e estas instituições jurídicas como enfoque de investigação, esta pesquisa se desdobra em dois objetivos principais. De um lado, pretende aferir como a mobilização jurídica desempenhada por entidades da sociedade civil impacta a advocacia pública promovida pelo MP e pela DP. De outro, busca identificar como a prática dos órgãos de litígio do Estado influencia a atuação das entidades de defesa de direitos, com especial atenção aos elementos de desenho institucional que afetam a interação com a sociedade civil.

1 - INTRODUÇÃO

1 Pode-se citar como exemplos dessa literatura os trabalhos de MCCANN (1994, 2006 e 2010); EPP (1998); HILSON (2002); ANDERSEN (2004); VANHALA (2006 e 2011); WILSON E CORDERO (2006); CASE E GIVENS (2010); MACIEL (2011).

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Nas duas subseções seguintes, o marco teórico-conceitual que embasa a construção do objeto de pesquisa e informa o recorte de investigação adotado é detalhado. Apresenta-se, em primeiro lugar (1.1), a perspectiva desenvolvida para o estudo da defesa de direitos na sociedade civil. A partir dela, será possível visualizar a multiplicidade de experiências e conceitos existentes neste âmbito e justificar a delimitação do objeto de pesquisa. Para tanto, o conceito de advocacia de interesse público é apresentado como instrumento analítico adequado à conceptualização da variedade de formas de mobilização jurídica. Em segundo lugar (1.2), descreve-se o papel de instituições estatais na advocacia de interesse público, em especial do MP e da DP, como particularidade do contexto brasileiro. Tomadas em conjunto, essas duas premissas possibilitam a visualização de um nicho de atuação compartilhado por uma variedade de entidades de defesa de direitos, pelo MP e pela DP, cujas dinâmicas de interação constituem (1.3) o objeto central de estudo da pesquisa.

Mais adiante (1.4), são apresentadas as estratégias metodológicas formuladas para o desenvolvimento da pesquisa: a construção da amostra que serviu de base à investigação empírica, a definição do instrumento de coleta de dados e, finalmente,

os procedimentos de sistematização e análise das informações obtidas.

1.1 MOBILIZAÇÃO JURÍDICA E SOCIEDADE CIVIL: PLURALIDADE DE EXPERIÊNCIAS E CONCEITOS

A mobilização jurídica pela sociedade civil abarca experiências e formas de organização bastante diversas. Os usos do direito por parte de entidades não governamentais e movimentos sociais englobam desde atividades de extensão universitária das faculdades de direito, advogados populares, promotoras legais, advocacia pro bono, até organizações não governamentais (ONGs) de litígio estratégico. A cada tipo de experiência correspondem diferentes matizes de influência teórica, estratégias de prática e concepções políticas. Há distintas trajetórias e, consequentemente, formas de mobilização do direito por parte da sociedade civil. Neste cenário, o conceito de “advocacia popular” inicialmente proposto como tema do edital que deu ensejo à pesquisa permitiria a visualização de apenas uma parcela – ainda que relevante – do fenômeno da mobilização jurídica pela sociedade civil. Neste trabalho, portanto, o conceito de “advocacia popular” é tomado como parte de uma gama mais ampla de experiências de mobilização jurídica, e não como definidor da totalidade

Gráfico 1. Objeto da pesquisa: a interação entre sociedade civil e Estado na advocacia de interesse público

como o desenho institucional dos órgãos de litígio do Estado favorece ou não a mobilização social jurídica

SOCIEDADE CIVIL ESTADOEntidades de defesa de direitos Órgãos de litígio:

Ministério Público e Defensoria Pública

como a mobilização jurídica da sociedade civil repercute nos órgãos de litígio do Estado

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de manifestações da defesa de direitos pela sociedade civil. Uma advocacia tão variada requer, dessa forma, certo grau de sistematização funcional e conceitual para que se possa compreender melhor o objeto desta pesquisa.

A dificuldade em conceituar a mobilização jurídica, em seus diversos tipos, não é observável exclusivamente no Brasil, e está relacionada ao fato de as formas assumidas pela sociedade civil na defesa de direitos serem “influenciadas diretamente pelo regime político, pelo sistema jurídico, pela tradição jurídica, pela relação com a ordem profissional e com o projeto de transformação social” presentes em cada país2. Apesar da variedade de experiências e formas de organização da sociedade civil na mobilização do direito, há elementos em comum que permitem que sejam consideradas como parte de um mesmo fenômeno. As experiências de “advocacia de interesse público”, com frequência, convergem com respeito ao público-alvo (população de baixa renda, grupos sociais minoritários ou discriminados, e interesses difusos, por exemplo), à agenda temática (defesa de determinados direitos), ao objetivo final (promover transformação social) e ao método de trabalho (client ou issue-oriented, de litígio estratégico3 etc.).

Frente a essas semelhanças, o conceito de “advocacia de interesse público” e a distinção entre as formas de advocacia client e issue-oriented revelam-se úteis. Estes dois conceitos permitem superar a particularidade das experiências de mobilização jurídica e, dessa forma,

abarcar a variedade de formas de defesa de direitos pela sociedade civil. A “advocacia de interesse público” está historicamente relacionada ao acesso à justiça por pessoas marginalizadas política ou economicamente e, com o tempo, passou a abranger outras atividades4. O formato tradicional das entidades de interesse público são escritórios de advocacia que prestam assistência judiciária gratuita. Não há, nesses escritórios, seleção de casos paradigmáticos ou mesmo uma seleção temática, mas sim atendimento à demanda nos limites orçamentários da entidade. Aproximam-se, dessa forma, do trabalho da advocacia tradicional client-oriented5 (forma de advocacia pautada pela solução do caso concreto e obtenção de justiça individual), ainda que o objetivo não se restrinja à satisfação do interesse do indivíduo e busque a transformação social trazida pelo acesso ao direito por parte de grupos marginalizados.

Outra frente desse tipo de mobilização jurídica é a chamada advocacia issue ou policy-oriented6, uma advocacia temática, voltada a mudanças sociais em determinadas áreas: discriminação racial, meio ambiente, mulheres, entre outras. Com esse fim, as entidades policy-oriented costumam ter um trabalho preliminar de escolha do caso paradigmático, conforme o seu potencial impacto social no tema ou na política tidos como prioritários na agenda temática. Diante da escassez de recursos, grupos organizados fazem um raciocínio de custo-benefício para a seleção dos casos paradigmáticos, que gerem o máximo de impacto dentro dos objetivos

2 SARAT e SCHEINGOLD (1998), JUNQUEIRA (2002, p. 194).3 Algumas entidades de advocacia em direitos humanos apostam no litígio estratégico como uma via hábil para provocar transformações sociais. “Litígio estratégico”, “litígio de impacto”, “litígio paradigmático” ou “litígio de caso-teste” são expressões correlatas que surgiram de uma prática diferenciada de litígio não necessariamente relacionada ao histórico da advocacia em direitos humanos. O litígio estratégico busca, por meio do uso do Judiciário e de casos paradigmáticos, alcançar mudanças sociais. Os casos são escolhidos como ferramentas para transformação da jurisprudência dos tribunais e formação de precedentes, para provocar mudanças legislativas ou de políticas públicas. Trata-se de um método ou uma técnica que pode ser utilizada para diferentes fins/temas (CARDOSO, 2012, p. 41; IHRLG, 2001, p. 82; ERRC, INTERIGHTS, MPG, 2004, p. 37-38).4 REKOSH, BUCHKO, TERZIEVA, 2001, p. 1.5 ERRC, INTERIGHTS, MPG, 2004, p. 40-41.

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traçados pela entidade e beneficiem uma coletividade ampla7.

Ambas as frentes de advocacia são reconhecidas como parte do movimento de “direito de interesse público”8, embora tenha sido a partir da segunda que se desenvolveu a prática de litígio estratégico9. Neste tipo de mobilização jurídica, geralmente, o litígio é apenas uma das ferramentas utilizadas pelos centros de “direito de interesse público”. Há múltiplas possibilidades de ação relacionadas à mobilização jurídica na sociedade civil, tais como: campanhas de mobilização e educacionais em torno de direitos humanos, lobby legislativo, pesquisas e documentação em direitos humanos, solução alternativa de disputas10, agenda de reforma institucional, entre outros.

Em contraste, as entidades client-oriented não costumam ter este trabalho, pois atendem a um determinado público, conforme a demanda ou os limites orçamentários da entidade. Entidades de advocacia client-oriented, no entanto, também podem exercer litígio estratégico, mas geralmente de maneira ad hoc, quando são levadas pelo caso a planejar estratégias de impacto social11. Em ambas as formas, no entanto, a mobilização do direito visa a um objetivo de transformação social e atende a públicos marginalizados, discriminados e/ou vulneráveis.

A partir desse marco conceitual, é possível visualizar uma série de experiências de mobilização jurídica pela sociedade civil no Brasil nas quais é possível identificar, em maior ou menor grau, os elementos apontados como definidores da advocacia de interesse público. Diversos exemplos dessa variedade de experiências podem ser

mencionados. As chamadas “promotoras legais populares”, iniciativas em que líderes comunitárias são capacitadas para reconhecer violações de direitos que podem ser depois encaminhadas ao Poder Judiciário por ONGs ou por órgãos de litígio do Estado. Extensões universitárias em direito que priorizam como trabalho de advocacia a assessoria jurídica comunitária e tem por objetivo fomentar uma pedagogia de direitos, sem necessariamente prestar assistência judiciária ou desenvolver assessoria jurídica em questões coletivas, comunitárias e a movimentos sociais. As experiências de advocacia popular propriamente dita, em que advogados próximos a movimentos sociais se dedicam às causas judiciais desses grupos. ONGs de direitos humanos ou especializadas em certas temáticas que promovem uma advocacia estratégica em âmbito nacional e internacional, ou que prestam atendimento direto a indivíduos, grupos ou mesmo a outras ONGs.

A noção de advocacia de interesse público permite, ainda, a consideração simultânea de outro tipo de atores que, particularmente no contexto brasileiro, é essencial para o estudo da defesa de direitos pela sociedade civil e de uma advocacia temática: o Ministério Público e a Defensoria Pública.

1.2 ADVOCACIA DE INTERESSE PÚBLICO NO ESTADO: MINISTÉRIO PÚBLICO E DEFENSORIA PÚBLICA

Diferentemente de outros países, onde a advocacia de interesse público é exercida primordialmente por atores da sociedade civil, no Brasil, órgãos de litígio do Estado, como o Ministério Público (estaduais e federal) e as Defensorias Públicas (estaduais e federal) ocupam, em parte, o espaço

7 WEISSBRODT, 1984, p. 31.8 JOHNSON, 1991, p. 171.9 ERRC, INTERIGHTS, MPG, 2004, p. 35; IHRLG, 2001, p. 82.10 IHRLG, 2001, p. 2.11 ERRC, INTERIGHTS, MPG, 2004, p. 40-41.

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da mobilização jurídica e de uma atuação judicial temática. Esses órgãos de litígio do Estado são dotados de uma grande capacidade institucional de defesa de direitos, sem comparação em outros países. Possuem profissionais qualificados, bem remunerados, com relativa independência de atuação, abrangente capacidade de atuação (local, estadual e nacional). Adicionalmente, as áreas de competência dessas instituições jurídicas se sobrepõem, em grande medida, ao nicho de atuação de entidades de defesa de direito da sociedade civil. Isso porque a sua atuação se assemelha aos elementos anteriormente mencionados como definidores da advocacia de interesse público, sobretudo o público-alvo (grupos sociais marginalizados, minoritários ou discriminados e interesses difusos, por exemplo) e a agenda temática (defesa de determinados direitos). Também os métodos de atuação da sociedade civil podem ser encontrados no Ministério Público e na Defensoria Pública. As Defensorias Públicas, por exemplo, por estarem em contato com um grande volume de demandas individuais, podem funcionar como um termômetro das necessidades de medidas coletivas. Pela abrangência de sua atuação, podem pensar em estratégias de longo prazo de caráter de reforma institucional, seja a partir de seu trabalho de litígio individual ou coletivo, seja por estratégias de negociação com órgãos públicos e privados, prévias ao litígio. O Ministério Público também possui uma série de instrumentos que possibilitam atacar problemas de reforma institucional, graças ao tratamento da dimensão coletiva dos conflitos, como nas ações civis públicas, ou nas negociações prévias ao litígio com órgãos públicos e privados, os Termos de Ajustamento de Conduta (TACs). Além disso, pode também realizar propostas de lei.

A identificação de que o campo da advocacia de interesse público é compartilhado entre atores da sociedade civil e do Estado revela, dessa forma, uma arena de interação. Situa-se, assim, o objeto da pesquisa: identificar quais as dinâmicas de interação instituídas entre Estado e sociedade civil neste espaço. As questões enfrentadas pela pesquisa podem, dessa forma, ser apresentadas: havendo posições, em boa medida, sobrepostas na advocacia de interesse público, como a mobilização jurídica da sociedade civil interage com o trabalho de litígio dos órgãos estatais? Os órgãos estatais conflitam ou cooperam com as entidades da sociedade civil? Como repercute o trabalho desses órgãos das entidades da sociedade civil de advocacia de interesse público e vice-versa? Que elementos institucionais dos órgãos oficiais dificultam ou facilitam a relação com as entidades da sociedade civil? Em um plano propositivo, que transformações institucionais podem ser adotadas para otimizar essa interação?

1.3 DELIMITAÇÃO DO OBJETO DE PESQUISA

Em razão da amplitude do campo da advocacia de interesse público e dos diversos enfoques possíveis, o estudo da interação entre as entidades de defesa de direitos e os órgãos de litígio do Estado (MP e DP) exige delimitação. Logo de início, o recorte da pesquisa foi feito sobre a perspectiva das entidades de defesa de direitos acerca dessa interação com MP e DP. Privilegiamos o estudo desses atores da sociedade civil não apenas por conta dos contornos apresentados pelo edital desta pesquisa ou em razão das limitações temporal e orçamentária da pesquisa, mas também por carecermos de informações sistematizadas acerca deste universo de

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entidades de defesa de direitos no Brasil12 – quem são, com que temas trabalham, quais atividades realizam – e, em especial, sobre sua relação com MP e DP – tanto mais levando em consideração as alterações institucionais que estes órgãos estatais sofreram recentemente. Este recorte implica ganhos de profundidade, uma vez que possibilita a coleta de um grande número de narrativas, representativa nacionalmente, de um dos polos – na estratégia adotada pela pesquisa, a sociedade civil. Seria importante, em outro estudo de âmbito nacional, observar essa interação também sob a perspectiva de defensores, promotores e procuradores. As conclusões apresentadas aqui devem, portanto, levar em conta a delimitação de objeto adotada pela pesquisa.

Outros dois recortes foram adotados para a circunscrição do objeto de pesquisa. Primeiro, com respeito aos tipos de experiências de mobilização jurídica da sociedade civil que serão estudados. O foco da pesquisa é sobre as interações protagonizadas por distintos tipos de entidades de defesa de direitos que atendam aos seguintes critérios, alternativamente: que possuam advogado(s) em sua estrutura; e/ou que tenham atividade judicial; e/ou que tenham relação com o MP; e/ou com a DP; e/ou que estejam voltadas a discutir e alterar o funcionamento dessas instituições estatais de litígio. Com este recorte, buscamos selecionar entidades da sociedade civil que são atores habituais do sistema de justiça13 e que, portanto, estariam expostos à interação com o Poder Judiciário e os órgãos de litígio do Estado e teriam potencialmente um maior acúmulo de experiências sobre essas formas de interação. São excluídas, por exemplo, algumas experiências de extensão universitária que priorizam como trabalho de

advocacia a assessoria jurídica comunitária, sem necessariamente prestar assistência judiciária a essas comunidades. Isso não por se entender que este trabalho não seja de “interesse público” ou não se caracterize como “advocacia popular”, mas por tentar destacar nesta pesquisa a interação dessas entidades de defesa de direitos com o Poder Judiciário e os demais órgãos de litígio do Estado. Ou seja, a pesquisa procura destacar justamente as entidades de “advocacia de interesse público” que usam o direito no espaço institucional do Judiciário, seja diretamente, seja por intermédio dos órgãos de litígio do Estado. Igualmente, são excluídos os escritórios das faculdades de direito e outras entidades que trabalham apenas com a lógica do litígio de cada caso, realizando o atendimento individual de público sem condições de pagar um advogado, que não fazem qualquer seleção ou agrupamento temático de casos, nem possuem agenda de litígio de direitos de longo prazo. Por mais que essa prática atenda à finalidade social de acesso à justiça individual, não necessariamente forma um corpus de litígios individuais orientado para a transformação para além do caso concreto, como, por exemplo, de uma determinada política pública ou de uma determinada interpretação dogmática do direito. Além disso, estes seriam atores que se relacionam de modo eventual com o sistema de justiça14. Não necessariamente sua atuação reiterada em casos individuais geraria um acúmulo de experiência sobre como se dá a interação com os órgãos de litígio do Estado.

Segundo, com respeito aos perfis das entidades da sociedade civil estudadas, excluímos entidades representativas de classes profissionais como, por exemplo, sindicatos de trabalhadores ou Ordem

12 Destacamos neste esforço o trabalho de Terra de Direitos e Dignitatis Assessoria Técnica Popular, 2013.13 GALANTER, 1974.14 GALANTER, 1974.

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dos Advogados do Brasil. Embora essas entidades por vezes possam representar interesses difusos ou coletivos, de grupos marginalizados ou discriminados, também possuem uma clara agenda temática que envolve os interesses de suas categorias profissionais em suas atuações jurídico-judiciais.

Afora os recortes mencionados, a pesquisa não adotou delimitação geográfica, abarcando entidades de defesa de direitos de todo o País. Pretendeu-se, dessa forma, elaborar um diagnóstico de âmbito nacional sobre as formas de interação da mobilização jurídica da sociedade civil com os órgãos de litígio do Estado no Brasil. A abrangência nacional do estudo possibilitou a identificação de variações nacionais na relação entre sociedade civil e Estado no nicho da advocacia de interesse público, o que, por sua vez, contribui para a elaboração de respostas substantivas às perguntas que guiam a pesquisa.

Na próxima seção, são descritas as estratégias metodológicas adotadas para o estudo do objeto até aqui descrito. Serão apresentados os critérios para a construção da amostra da pesquisa, o instrumento de coleta de dados desenvolvido e a forma de análise das informações obtidas.

1.4 METODOLOGIA

O objetivo geral de avaliar como as entidades de defesa de direitos da sociedade civil interagem com o Ministério Público e a Defensoria Pública se desdobra em dois objetivos específicos. Primeiro, identificar quem são as entidades da sociedade civil que mobilizam o direito, conforme a delimitação estabelecida, para, então, avaliar como se relacionam com os órgãos de litígio do Estado. Esses objetivos se traduzem, por sua vez, em duas tarefas metodológicas. De um lado, frente à já

mencionada multiplicidade de experiências de mobilização jurídica, foi preciso construir uma amostra representativa da variedade de formas de advocacia de interesse público na sociedade civil e descrever os distintos perfis das entidades que se inserem na delimitação da pesquisa. De outro, a partir dessa amostra, buscou-se identificar e descrever as formas preponderantes de interação dessas entidades com os órgãos de litígio do Estado. Em termos gerais, a pesquisa adotou a seguinte estrutura metodológica: foram realizadas entrevistas semiestruturadas com uma amostra nacional de entidades de defesa de direitos para que, a partir das narrativas fornecidas pelos atores que promovem a mobilização jurídica, fossem identificadas experiências de interação com e percepções da sociedade civil sobre o Ministério Público e a Defensoria Pública.

Nesta seção, são apresentadas as estratégias metodológicas adotadas para realizar as tarefas que decorrem dos objetivos da pesquisa. Na próxima subseção, é descrito (1.4.1) o processo de construção da amostra de entidades da sociedade civil estudada pela pesquisa. Nas subseções que se seguem, são detalhados (1.4.2) o instrumento elaborado para a coleta de dados e (1.4.3) os procedimentos de análise das informações obtidas.

1.4.1 AMOSTRA DA PESQUISA

A construção da amostra analisada pela pesquisa enfrentou a dificuldade decorrente da multiplicidade de experiências de entidades que trabalham com a defesa de direitos e da concomitante ausência de referenciais ou bancos de dados que, ao mesmo tempo, atentem para essa variedade e atendam aos critérios de delimitação do objeto da pesquisa. Para contornar este obstáculo, adotou-se como

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estratégia de identificação de entidades de defesa de direitos a consulta a distintos mapeamentos parciais realizados por outras pesquisas. Em razão do seu foco em experiências específicas de advocacia de interesse público, estes mapeamentos permitem, se tomados em conjunto, a construção de uma listagem de entidades de perfis bastante variados.

Importa destacar que a pesquisa não teve pretensões censitárias, ou seja, não se pretende oferecer um mapeamento completo de todas as experiências de advocacia de interesse público existentes no Brasil ou mesmo uma amostra que permita generalizações sobre a mobilização jurídica no país. Buscou-se, com a amostra construída com base em fontes secundárias, garantir representatividade mínima à variedade de experiências de advocacia de interesse público em pelo menos três dimensões: a) regional, com entidades de todas as regiões do país e do maior número de estados possível; b) temática, incluindo experiências em diversos campos de atuação; e c) de perfil, inserindo na amostra entidades de diferentes tipos (advocacia popular, extensões universitárias, advocacia pro bono, ONGs etc.), com distintos graus de profissionalização e organicidade, que adotam formas variadas de estratégias jurídicas e que desempenham diferentes atividades e em diversos âmbitos (local, regional, nacional e internacional).

A amostra foi construída a partir dos bancos de dados de entidades disponibilizados nas seguintes pesquisas e fontes:

• Lista de entidades filiadas à

Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (ABONG), classificadas como atuantes na categoria “Justiça e promoção de direitos”;

• Pesquisa Mapa territorial, temático e instrumental da assessoria jurídica e advocacia popular no Brasil, realizada pela Terra de Direitos e Dignitatis, para o Observatório da Justiça Brasileira15;

• Pesquisa O direito visto por dentro (e por fora): a disputa pela interpretação da Lei Maria da Penha e da Legislação Antirracista, realizada pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP) (Projeto CNPQ. 2010-2012);

• Pesquisa Judicialização da política e demandas por juridificação: o Judiciário frente aos outros poderes e frente à sociedade, realizada pela Sociedade Brasileira de Direito Público (SBDP), para o Observatório da Justiça Brasileira16;

• Mapeamento de entidades de advocacia popular realizado pelo site Assessoria Jurídica Popular17; e

• Lista de entidades mencionadas pelos Núcleos Especializados da Defensoria Pública do Estado de São Paulo em seu site institucional18.

A partir dessas fontes e excluindo-se eventuais repetições, foram identificadas 136 entidades de defesa de direitos em todo o País. Dentre estas, 16 foram excluídas por não se enquadrarem nos critérios de delimitação do objeto da pesquisa (conforme item 1.3). No caso de outras 17 entidades, não foi obtida resposta

15 Disponível em: <http://terradedireitos.org.br/biblioteca/noticias/pesquisa-apresenta-mapa-da-assessoria-juridica-e-advocacia-popular-no-brasil/>. Último acesso em: 10.09.2012.16 Esta pesquisa oferece mapeamento de entidades de interesse difuso e coletivo que atuaram como amicus curiae junto ao Supremo Tribunal Federal ou que participaram em audiências públicas organizadas pelo STF em ações de controle concentrado de constitucionalidade de atos normativos de origem do Executivo e Legislativo federal.17 Disponível em: <http://assessoriajuridicapopular.blogspot.com.br/2011/10/mapeamento.html>. Último acesso em: 10.09.2012.18 Disponível em: <http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/Default.aspx?idPagina=3145>. Último acesso em: 10.09.2012.

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ao convite para participação da pesquisa. Dessa forma, a amostra do estudo foi composta de 103 entidades (listadas no Anexo I). A amostra analisada na pesquisa integra entidades atuantes em diversas temáticas, conforme será detalhado na seção 3 – Perfil das entidades.

As cinco regiões do país estão representadas na amostra, conforme a Tabela 1:

Tabela 1. Amostra: entidades entrevistadas por região

Região Número de entidades

Centro-Oeste 7

Nordeste 23

Norte 7

Sudeste 57

Sul 9

Total: 103

Ainda quanto à distribuição geográfica, as entidades têm origem em quase 30 cidades localizadas em 23 estados da federação, conforme as Tabelas 2 e 3:

Tabela 2. Amostra: entidades entrevistadas por estado

Estado Número de entidades

Amazonas 1

Bahia 3

Ceará 7

Distrito Federal 5

Espírito Santo 1

Goiás 2

Maranhão 2

Minas Gerais 5

Pará 4

Paraíba 3

Paraná 2

Pernambuco 5

Piauí 1

Rio de Janeiro 9

Rio Grande do Norte 1

Rio Grande do Sul 6

Rondônia 1

Santa Catarina 1

São Paulo 42

Sergipe 1

Tocantins 1

Total: 103

Tabela 3. Amostra: entidades entrevistadas por cidade

Cidade Número de entidades

Açailândia – MA 1

Altamira – PA 1

Aracaju – SE 1

Belém – PA 3

Belo Horizonte – MG 4

Brasília – DF 5

Cabo de Santo Agostinho – PE 1

Campinas – SP 1

Curitiba – PR 2

Fortaleza – CE 7

Goiânia – GO 2

Guarulhos – SP 1

João Pessoa – PB 2

Joinville – SC 1

Manaus – AM 1

Natal – RN 1

Palmas – TO 1

Petrópolis – RJ 1

Porto Alegre – RS 6

Porto Velho – RO 1

Recife – PE 4

Rio de Janeiro – RJ 8

Salvador – BA 3

São Luís – MA 1

São Paulo – SP 40

Teresina – PI 1

Uberlândia – MG 1

Vitória – ES 1

Total: 103

Como é evidenciado pela distribuição geográfica, a região Sudeste congrega mais da metade das entidades. Aproximadamente dois quintos da amostra são de organizações com sede no estado de São Paulo. Essa concentração está relacionada, em certa medida, aos perfis das entidades mapeadas por parte das fontes de dados utilizadas para a construção da amostra. Há mapeamentos que congregam entidades com atuação

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delimitada em termos institucionais (por exemplo, entidades que atuaram no Supremo Tribunal Federal) e que fazem parte de articulações nacionais de ONGs (como, por exemplo, as entidades afiliadas à ABONG). Delimitações com essas características tendem a selecionar entidades bastante especializadas e com boa capacidade de articulação nacional, o que exige certo grau de profissionalização e financiamento. Assim, por razões socioeconômicas, entidades localizadas na região Sudeste tendem a atender a esses critérios.

Outra possível explicação à relativa concentração regional da amostra é o caráter nacional ou mesmo internacional de muitas das entidades com sede, em especial, no estado de São Paulo e no Distrito Federal. A título de exemplo, sete entidades localizadas em São Paulo e uma em Brasília atuam nacionalmente e/ou contam com integrantes em diversos estados da federação19. Outras três entidades sediadas em São Paulo são representações nacionais de organizações de caráter internacional20, e uma em Brasília opera como uma rede de entidades distribuídas por todas as regiões do país21.

A concentração regional da amostra pode ser um indício, ainda, de como estão distribuídas as entidades de defesa de direitos no país. Esta hipótese, no entanto, só pode ser confirmada por um estudo dedicado especificamente à tarefa de mapear as experiências da advocacia de interesse público no país. Ainda que uma relativa concentração da amostra constitua

um problema para estudos que tenham como objetivo central construir um mapa da defesa de direitos no país, ela não compromete os propósitos desta pesquisa. Conforme já referido, não se pretende, com a amostra construída, realizar um mapeamento censitário das experiências de advocacia de interesse público no Brasil, ou elaborar generalizações estatísticas sobre o campo. Objetivou-se, ao contrário, compor uma amostra com relativa representatividade regional para identificar tendências na interação com o Ministério Público e a Defensoria Pública. Levando-se em conta que todas as regiões do país foram contempladas pela amostra e que foi coberto um amplo espectro de estados e cidades, a amostra se revela útil aos propósitos da pesquisa.

1.4.2 COLETA DE DADOS: O INSTRUMENTO DA ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA

Frente aos dois objetivos específicos que decorrem do propósito geral da pesquisa – identificar quem são as entidades da sociedade civil que mobilizam o direito e como se relacionam com os órgãos de litígio do Estado –, os dados buscados têm natureza qualitativa. Dessa forma, e em razão de o recorte adotado pelo estudo (foco nas entidades da sociedade civil) e o objeto de investigação serem ainda pouco explorados empiricamente, optou-se pela realização de entrevistas semiestruturadas22 com as entidades de advocacia de interesse público selecionadas na amostra. Por não serem questionários fechados, as entrevistas

19 São elas: Artigo 19, Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, Conectas Direitos Humanos, Instituto Pro Bono, Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares, Movimento de Atingidos por Barragens e o Conselho Indigenista Missionário.20 Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher – CLADEM/Brasil, Instituto Latinoamericano de las Naciones Unidas para la Prevención del Delito y el Tratamiento del Delincuente – ILANUD e Ação dos Cristãos para a Abolição da Tortura – ACAT – Brasil. A Artigo 19 também se enquadra neste perfil.21 É o caso da Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente – ANCED.22 “É uma característica dessas entrevistas [semiestruturadas] que questões mais ou menos abertas sejam levadas à situação de entrevista na forma de um guia da entrevista. Espera-se que essas questões sejam livremente respondidas pelo entrevistado. O ponto de partida do método é a suposição de que os inputs que caracterizam entrevistas ou questionários padronizados, e que restringem o momento, a sequência ou o modo de lidar com os tópicos, obscurecem, ao invés de esclarecer, o ponto de vista do sujeito.” (FLICK, 2002, p. 106).

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permitem a obtenção de narrativas, avaliações e exemplos sobre os tópicos demandados do entrevistado – precisamente o tipo de dado que interessa a uma pesquisa focada na compreensão de fenômenos de relação entre atores. Ao mesmo tempo, por oferecerem um balizamento mínimo, as entrevistas semiestruturadas permitem a sistematização e a comparação de informações fornecidas por diferentes fontes.

As entrevistas foram guiadas por um roteiro formulado previamente que incluía questões sobre (i) o perfil do respondente; (ii) o perfil da entidade; e (iii) a sua relação com o MP e a DP (Anexo II). O roteiro tinha por objetivo operacionalizar, em perguntas empíricas, as questões gerais enfrentadas pelo estudo: quem são as

entidades de defesa de direitos e como interagem com o MP e a DP? No item (i), foram buscadas informações sobre a trajetória pessoal, acadêmica e profissional do respondente, suas motivações para atuar na defesa de direitos e o papel que ele desempenha na entidade. No item (ii), foram coletados dados sobre os temas, formas e âmbitos de atuação da entidade, sua estrutura e organização internas, meios de financiamento, os tipos de casos em que a entidade atua judicialmente, como esses casos chegam à entidade, e as estratégias de atuação jurídica da entidade. No item (iii), buscou-se coletar informações e experiências do entrevistado e da entidade sobre as formas e a qualidade da interação com o MP e a DP.

Tabela 4. Roteiro de entrevista

Item do roteiro Principais perguntas do roteiro

(i) Perfil do Respondente

1. Quais aspectos da sua trajetória pessoal, profissional e acadêmica foram importantes para você trabalhar com defesa de direitos nesta entidade?

2. Qual trabalho desenvolve na entidade?

3. Por que optou por trabalhar com litígio nesta entidade e não na Defensoria Pública ou no Ministério Público?

(ii) Perfil da Entidade

4. Quando a entidade foi formada e com quais objetivos?

5. Quais atividades a entidade realiza? (Checklist de atividades: Legislativo, Executivo, Judiciário, Mídia e Comunidade)

6. Como está estruturada internamente a entidade?

7. Quais são as principais fontes de financiamento da entidade?

8. Para que serve a atividade judicial da entidade?

9. Como a estratégia de litígio se articula com as outras atividades da entidade?

10. Em quais temas a entidade litiga?

11. Em quais instâncias do poder judiciário a entidade litiga?

12. A entidade se relaciona com outras entidades ou órgãos estatais na sua atuação judicial?

(iii) Interação com MP e DP

13. Em que situações a entidade se relaciona com [o MP / a DP]?

14. Checklist de formas de interação:a) denúncias;b) repasse de casos;c) litígio em conjunto;d) participa de audiências públicas ou conferências;e) influencia a agenda de temas/casos.

15. A relação se dá com quais órgãos [do MP / da DP]?

16. Como você avalia a relação [do MP / da DP] com a entidade?

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Foram realizadas 110 entrevistas, envolvendo 130 integrantes das 103 entidades que compõem a amostra (conforme Anexo I). Em alguns casos, foi realizada mais de uma entrevista por entidade e, em determinadas entrevistas, houve mais de um respondente em uma mesma entrevista. As entrevistas foram realizadas pessoalmente, por telefone e, em sua maioria, por videoconferência23. As entrevistas foram gravadas e, posteriormente, transcritas.

Os entrevistados foram contatados previamente por e-mail ou por telefone e tiveram acesso a um Termo de Consentimento que explicitava os objetivos e os propósitos da entrevista, as condições de uso das informações fornecidas e oferecia, ainda, a possibilidade de confidencialidade e anonimato (conforme Anexo III). Buscou-se, sempre que viável, entrevistar os advogados atuantes nas organizações que integram a amostra. Quando não foi possível, ou em casos em que informações sobre a entidade não foram fornecidas de maneira satisfatória pelos advogados da entidade, integrantes com outras funções também foram entrevistados (em geral, coordenadores).

1.4.3 ANÁLISE DOS DADOS: CODIFICAÇÃO E SISTEMATIZAÇÃO

As entrevistas realizadas por meio do instrumento anteriormente descrito totalizaram 8.603 minutos de material

gravado (aproximadamente 144 horas). Em média, cada entrevista teve cerca de 80 minutos de duração, e a mediana do material coletado nas 110 entrevistas foi de 75 minutos. A análise dessa vasta quantidade de material demandou uma organização preliminar dos dados obtidos. Para tanto, foram elaborados “códigos” para categorizar as diferentes informações disponibilizadas nas transcrições das entrevistas. O objetivo da aplicação de códigos às transcrições (“codificação”) era reunir, sob uma mesma categoria de análise, informações identificadas no conjunto das entrevistas. Os códigos tomaram por base a estrutura do roteiro de entrevista e incluíram outros elementos que emergiram do trabalho de campo. Construiu-se um “livro de códigos” dividido em quatro grupos (ver Anexo IV): (1) respondente; (2) entidade; (3) atuação judicial; e (4) Defensoria Pública ou Ministério Público. Cada grupo de códigos serviu a um objetivo específico: em (1), reunir elementos sobre o perfil dos respondentes da entrevista; em (2) e (3), identificar as características das entidades entrevistadas e o perfil da sua atuação judicial; e em (4), mapear experiências, percepções e formas de interação da entidade com o MP e a DP.

A aplicação dos códigos às transcrições das entrevistas foi realizada por meio do software de análise de

23 Utilizou-se o software Skype na maioria das entrevistas realizadas remotamente.

Grupo de códigos Objetivo Exemplos de códigos

(1) Respondente Identificar informações sobre a trajetória pessoal do entrevistado, sobre o que ele faz na entidade e o que o motiva a atuar na mobilização jurídica.

Respondente: Movimento EstudantilRespondente: Extensão UniversitáriaRespondente: Movimento SocialRespondente: Estágio

(2) Entidade Compor o perfil da entidade entrevistada: histórico, estrutura, financiamento, atividades e temas de atuação etc.

Entidade: Histórico: Fundada antes de 1988Entidade: Estrutura: Número de profissionaisEntidade: Financiamento: InternacionalEntidade: Atividades: Educação popularEntidade: Temas: Meio Ambiente

Tabela 5. Livro de códigos

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dados Atlas.ti. Três membros da equipe de pesquisa que haviam realizado as entrevistas ficaram encarregados da codificação das transcrições, que se desenvolveu em seis etapas. Na primeira, uma versão preliminar do livro de códigos foi elaborada conjuntamente, a partir das percepções dos pesquisadores sobre os dados mais recorrentes em cada um dos tópicos abordados pelo roteiro de entrevista. Na segunda, cada pesquisador aplicou a primeira versão do livro de códigos a um bloco de 15 entrevistas distintas. Na terceira etapa, os pesquisadores voltaram a se reunir para verificar a consistência de aplicação do livro de códigos e promover ajustes, em especial a inclusão de novos códigos. Na quarta etapa, um novo bloco de 10 entrevistas foi distribuído a cada um dos pesquisadores para que aplicassem a versão ajustada do livro de códigos. As 15 entrevistas iniciais também foram reanalisadas com base no novo livro de códigos. Na quinta etapa, com 75 transcrições codificadas, a consistência de aplicação dos códigos foi verificada em reunião realizada entre os pesquisadores. Procedeu-se, então, à sexta e última etapa, em que o bloco de 35 entrevistas restantes foi distribuído entre os pesquisadores, que procederam à sua codificação.

Com base no procedimento de codificação das transcrições descrito acima, o material coletado por meio das

entrevistas foi sistematizado em quatro grandes blocos de informação. As seções que seguem apresentam a informação organizada pelos grupos de códigos aplicados e desenvolvem a análise deste material. Na seção 2, são descritos os perfis dos respondentes das entrevistas realizadas. Neste âmbito, são analisados os elementos acadêmicos, políticos e profissionais identificáveis nas trajetórias de indivíduos que decidem atuar na mobilização do direito. Avaliam-se, ainda, as suas motivações para atuar na defesa de direitos pela sociedade civil vis-à-vis as carreiras de advocacia de interesse público nas instituições estatais. Nas seções 3 e 4, as características, as formas de organização e estratégias, áreas e os temas de atuação das entidades que compõem a amostra são detalhados e discutidos. Primeiro, por meio da apresentação dos dados sobre o histórico, estrutura, financiamento e atividades das entidades, pretende-se discutir a multiplicidade de experiências de mobilização jurídica detectada pela pesquisa. Na sequência, é traçado o perfil da atuação propriamente jurídica das entidades estudadas. Juntas, as seções 2, 3 e 4 respondem à questão de “quem são as entidades de defesa de direitos” e, assim, lançam as bases para a discussão das potenciais interações entre a sociedade civil, a Defensoria Pública e o Ministério Público. Finalmente, na seção 4,

(3) Atuação judicial Compor o perfil da atuação judicial/jurídica da entidade: tipo de estratégia jurídica, forma de seleção de casos, instrumentos adotados e instâncias de atuação etc.

Atuação judicial: Instâncias: Tribunais SuperioresAtuação judicial: Seleção de casos: Casos emblemáticosAtuação judicial: Instrumentos jurídicos: Ação Civil Pública

(4) Defensoria Pública e Ministério Público

Identificar exemplos de interação da entidade com o MP ou a DP e coletar informações sobre como o entrevistado avalia os papeis do MP/DP, a relação desses órgãos com a entidade, e questões de desenho institucional do MP/DP.

DP: Formas de interação: Encaminhamento de casosMP: Formas de interação: RepresentaçãoDP: Desenho institucional: Núcleo temático

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são apresentadas, de forma sistemática, as experiências de interação das entidades entrevistadas com os órgãos de litígio do Estado. Dessa forma, os elementos de perfil das entidades serão cruzados com os tipos de interação detectados a fim de discutir o objeto central da pesquisa: como a mobilização jurídica da sociedade civil repercute nos órgãos de litígio do Estado e, paralelamente, como o desenho institucional dos órgãos de litígio do Estado favorece ou não a mobilização social jurídica?

As citações aos trechos das entrevistas realizadas não são identificadas ao longo do relatório, e quaisquer informações que possibilitem a identificação do entrevistado ou da entidade foram eliminadas. Optou-se por esta forma de tratamento dos dados em razão de pedidos de confidencialidade direcionados a determinados trechos de algumas entrevistas, em especial questões sensíveis, como financiamento e percepções sobre entidades governamentais. Como o universo de entidades e respondentes é identificado nas listagens anexas ao relatório, se apenas algumas identidades fossem protegidas, por exclusão, seria possível identificar o restante da amostra. Igualmente, a lista de indivíduos entrevistados não é disponibilizada nos anexos do relatório, tendo em vista que alguns respondentes solicitaram anonimato. Da mesma forma, optou-se por conferir anonimato a todos os respondentes, a fim de evitar qualquer possibilidade de identificação por exclusão.

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Neste tópico, são apresentados os perfis dos 130 indivíduos que participaram das entrevistas. A construção de um panorama sobre os respondentes tem o objetivo de situar de onde partem as narrativas, percepções e experiências que serão descritas e analisadas nas seções seguintes. Os perfis são construídos a partir de elementos de trajetória acadêmica, política, profissional e pessoal destacados pelos entrevistados como determinantes para a sua atuação na defesa de direitos em entidades da sociedade civil.

Foram entrevistados advogados das entidades de defesa de direitos e/ou seus diretores, coordenadores e, no caso de atividades de extensão universitária, os alunos e/ou os professores orientadores dessas atividades. Em alguns casos, foram entrevistadas mais de uma pessoa por entidade, para que os relatos contemplassem as diferentes partes do questionário (tanto a parte histórica da entidade quanto a parte técnico-jurídica). Nem todos os entrevistados possuíam formação jurídica. Dos 130, 96 eram advogados e 19 eram estudantes de direito. A formação dos outros 15 entrevistados é variada: entre eles estavam pedagogos, engenheiros, psicólogos, jornalistas, assistentes sociais, militantes etc.

Pelo menos três gerações estão representadas nas entrevistas, desde os atuais estudantes de graduação em direito, até aqueles que participaram da fundação das primeiras entidades, nas décadas de 1970/1980, e que acompanharam o processo de democratização do País, a Constituinte,

bem como as transformações sofridas no perfil de trabalho de suas entidades.

Nas subseções que seguem, são detalhados os elementos de trajetória dos entrevistados mais frequentemente mencionados para a sua escolha de atuação em entidades de defesa de direitos: vínculos com movimentos sociais, sindicais, comunitários, políticos e estudantil; influência familiar ou fatores de caráter pessoal; participação em atividades relacionadas ao âmbito da igreja; e experiências de extensão universitária ou estágio, durante a graduação.

Vale ressaltar que, em muitos casos, diversos desses elementos estão presentes na trajetória de um mesmo entrevistado, o que pode demonstrar a inter-relação entre essas experiências de mobilização, em um campo social que se comunica. Exemplos dessa mobilidade seriam, a partir do envolvimento com o movimento estudantil (secundarista ou universitário), buscar por experiências de extensão universitária de assessoria jurídica popular, no qual os alunos têm contato com movimentos sociais e comunidades, o que desperta o interesse de profissionalização nesta área de atuação e faz com que se busquem práticas de estágio em espaços como organizações não governamentais de defesa de direitos. Ou, ainda, a partir da vivência familiar, em grupos ou comunidades de uma série de violações de direitos (terra, moradia, saúde, educação, segurança), o fomento de formas de associativismo para reivindicação e defesa de direitos.

O elemento mais frequentemente destacado pelos respondentes para explicar

2 - PERFIL DOS ENTREVISTADOS

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o seu envolvimento com a defesa de direitos foi a participação em grupos de extensão universitária: 40 casos. Ainda que a alta incidência dessa categoria esteja relacionada ao grande número de respondentes que, no momento da entrevista, eram membros de uma extensão universitária (18), outros 22 casos de defensores de direito estão ligados a experiências desse tipo. Igualmente, outra vivência no âmbito estudantil foi recorrentemente apontada: a participação no movimento estudantil, em geral, universitário, mas também secundarista (32 casos). Elementos de formação acadêmica, como pesquisa e ensino de graduação (34 casos), ou cursos de especialização e pós- -graduação (13 casos) também são mencionados como influências para a atuação na defesa de direitos.

Elementos familiares e pessoais (26 casos), assim como estágios (24), vínculos com instituições religiosas (18) e proximidade com movimentos sociais e comunitários (17) foram indicados por um grupo relevante de entrevistados. Em menor medida, o pertencimento do entrevistado ao grupo social que é representado pela entidade de defesa de direitos (9 casos), a experiência prévia em trabalho voluntário (9), e a sua participação em movimentos sindicais (7) foram identificados como elementos de trajetória relevantes.

Tabela 6. Elementos de trajetória

Elementos de trajetória Número de respondentes

Extensão universitária 40

Pesquisa / Ensino 34

Movimento estudantil 32

Família 26

Estágio 24

Religião 18

Movimento social ou comunitário 17

Especialização / Pós-Graduação 13

Grupo representado 9

Trabalho voluntário 9

Movimento sindical 7

A seguir, são apresentadas as principais influências identificadas na trajetória pessoal, profissional e acadêmica dos entrevistados para atuarem com entidades de defesa de direitos. Os elementos são reunidos em três grandes grupos: (2.1) experiências universitárias; (2.2) experiências profissionais; e (2.3) experiências sociais e pessoais.

2.1 EXPERIÊNCIAS UNIVERSITÁRIAS

2.1.1 PESQUISA E ENSINO

Experiências no âmbito universitário abarcam os três elementos mais menciona- dos pelos respondentes. Atividades mais tradicionais desse ambiente, o ensino e a pesquisa são apontados como o primeiro contato com a temática de defesa de direitos por uma relevante parcela dos entrevistados. Em geral, disciplinas sobre direitos humanos e os cursos ditos propedêuticos (em especial, nos cursos de direito, tais como sociologia jurídica, teoria do direito, introdução ao direito), e grupos de pesquisas orientados por professores dessa mesma linha são tidos como influências importantes para a escolha profissional dos entrevistados em atuar na defesa de direitos pela sociedade civil. Igualmente, cursos de especialização e pós-graduação stricto sensu nessas áreas aparecem com razoável frequência como elementos de trajetória dos entrevistados. A experiência de pesquisa, especialmente durante a graduação dos entrevistados, esteve conectada, com frequência, a outro elemento: a extensão universitária.

2.1.2 EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA

A experiência com projetos ou grupos de extensão universitária foi o elemento mais mencionado pelos entrevistados

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como influência para a atuação em entidades de defesa de direitos. Para muitos dos entrevistados, a extensão universitária promove um contato com a realidade de violação de direitos e sensibiliza para a necessidade de uma atuação profissional voltada à defesa de certos grupos e temáticas. Em especial para os respondentes originários de faculdades de direito, a extensão é vista como um importante complemento à sua formação e, sobretudo, como uma alternativa a uma educação jurídica que invisibiliza certas demandas e determinadas formas de atuação. Exemplos dessa percepção são identificáveis em diversas entrevistas:

Para mim, me aproximar de questões sociais assim e pra fazer uma opção de que forma que eu ia exercer a advocacia, a extensão universitária foi fundamental. Durante a faculdade que eu fiz no interior [do Estado], nós tínhamos um grupo que trabalhava com o MST em alguns assentamentos da Reforma Agrária e em acampamentos na região [da Cidade], e tinha um núcleo de estudos de direito alternativo. Então, para além dos códigos, para além das doutrinas jurídicas, assim como a gente costuma ver sempre sendo aplicada na prática, a gente também tentava fazer um estudo crítico do Direito. Então, isso foi fundamental. Como a extensão tinha a parte prática de ir para os acampamentos, para os assentamentos fortalecer os movimentos sem-terra, isso se tornou muito natural na minha trajetória, na minha forma de atuar.

Enquanto estudante da universidade eu já de início comecei a me envolver com grupos de pesquisa e extensão de assessoria jurídica universitária popular, da universidade federal, [nome do Núcleo], no qual a gente pesquisava e fazia projetos de extensão na área de educação popular em direitos humanos.

Para muitos dos respondentes, a extensão universitária apresenta uma possibilidade de conciliação entre atividade profissional e atuação política:

Eu fiz o curso de direito [...] e na

universidade participei da reconstrução

do centro acadêmico e da instalação

[da primeira extensão universitária] […]

Ainda era a ditadura, né? De um grupo

que era progressista, que lutava contra a

ditadura na época. Ali eu comecei a minha

experiência prática, de convívio com

atendimento à população, organização

de um debate que envolvia a advocacia,

mas ao mesmo tempo mais estratégico.

Assim como a pesquisa, em regra, esteve associada a atividades de extensão universitária, esta, com frequência, aparece conectada à participação no movimento estudantil.

2.1.3 MOVIMENTO ESTUDANTIL

Ao lado da extensão universitária, o movimento estudantil responde por grande parte da influência apontada pelos entrevistados. O seu papel é semelhante: politizar o indivíduo e conectá-lo com organizações, movimentos sociais e demandas sociais específicas. Exemplos dessa perspectiva podem ser identificados em diversas entrevistas:

O fato de eu ter, no início da faculdade,

conhecido o pessoal do Centro Acadêmico

de Direito, [...] acho que foi o principal

motivo que me levou a participar do

debate político sobre a necessidade da

crítica ao direito, de atuação crítica, de

aproximação de movimentos populares,

com organizações populares. Eu acho que

foi a partir dessa militância no movimento

estudantil. E também no período da

faculdade eu comecei a participar de

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pesquisas [...] pesquisa interdisciplinar que

me possibilitou conhecer mais também

o movimento do MST principalmente,

e depois tem a questão ambiental pela

qual eu atuei na parte de pesquisa e de

extensão no período da faculdade.

O aspecto mais relevante foi o movimento estudantil, a formação proporcionada no ambiente de contato com os movimentos sociais, contato com organização de direitos humanos, isso mais ou menos moldou valores que eu trago pra hoje, pra minha carreira profissional. Como eu também não tenho uma trajetória profissional... eu me formei faz 2 anos, eu tenho 26 anos, então o que me levou na verdade foi o movimento estudantil, em termos de formação de valores e de formação de princípios.

Eu comecei no movimento estudantil, na faculdade mesmo, na Universidade Federal [do Estado], eu participei da direção do diretório central dos estudantes, primeiro centro acadêmico, depois diretório central dos estudantes, então foi lá que “eu politizei”, vamos dizer assim. E aí a gente fazia pesquisa, visitas a assentamentos, a gente participava do Grito dos Excluídos, então o meu foco jurídico foi sendo direcionado para a área social por conta disso, por conta dessa atuação e desse enfrentamento com população de baixa renda, com Movimento dos Sem Terra.

Assim como atividades de pesquisa e a extensão universitária, o movimento estudantil é, frequentemente, a linha de atuação universitária a que muitos respondentes atribuem o seu maior interesse no curso de graduação, em especial nos cursos de direito:

Comecei o curso e logo de cara tive uma desmotivação muito grande porque não era nada do que eu imaginava, bem tradicional. Tradicional, conservador, de todas as formas conservador, tanto

no ensino quanto na pesquisa. Nós já tínhamos experiência de extensão na época que eu entrei na faculdade e foi essa inquietação em relação ao curso que me levou a procurar alguma forma de me manter nele. Minha primeira ideia era desistir do curso, era ir fazer ciências sociais porque era outro curso que eu gostava. Nessa busca, por me envolver em outros projeto pra permanecer no direito eu acabei conhecendo o centro acadêmico, um grupo que fazia parte do centro acadêmico da faculdade e foi nesse grupo que eu me identifiquei. E paralelo a esse grupo, na mesma época, a faculdade estava dando seus primeiros passos na extensão universitária e aí eu participei de um projeto.

2.2 EXPERIÊNCIAS PROFISSIONAIS

Certas experiências de atuação profissional também são apontadas como determinantes para a escolha dos entrevistados em atuarem na defesa de direitos. Em 24 casos, o estágio teria sido especialmente influente. Destes, 19 apontam ter realizado estágios em ONGs durante a sua graduação. Em muitos desses casos, trata-se das próprias organizações onde, hoje, os entrevistados atuam profissional ou mesmo voluntariamente. Em outros quatro casos, estágios no Ministério Público, seja ele estadual ou federal, são indicados como elementos de trajetória influentes. Neste sentido, órgãos especializados do Ministério Público cumprem um papel especial em influenciar os respondentes, como ilustra o trecho destacado:

Eu fiz seleção para ser estagiária do Ministério Público Federal, e lá eu fiquei à disposição da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, PRDC, e aí eu, desde então, comecei a ter bastante contato com a questão dos direitos humanos. […]

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E anteriormente, antes de ser estagiária no Ministério Público Federal, no meu 1º. ano na faculdade, eu fiz também uma seleção e fui aprovada para ser estagiária em uma ONG.

2.3 EXPERIÊNCIAS PESSOAIS, SOCIAIS E POLÍTICAS

Além de experiências universitárias e profissionais, influências de elementos pessoais (tais como a família), sociais (religião) e políticos (movimentos comunitários e sociais) também são identificáveis nas entrevistas.

2.3.1 FAMÍLIA

A influência familiar como motivação para atuação na defesa de direitos foi mencionada por 26 entrevistados. Esta influência aparece sob diversas formas: em razão da politização da própria família, como parentes que eram membros de movimentos sociais, partidos políticos ou organizações sindicais:

Eu sou filho de agricultores provenientes de assentamentos ligados ao MST, então a minha família toda é de agricultores [...]. E meus pais são líderes do MST desde os anos 80 e eu me formei no ano 2000, antes fui seminarista ligado à igreja católica, fiz direito, me formei no ano 2000 e, a partir daí segmento às atividades de defesa e assistência aos trabalhadores rurais ligados aos sindicatos de trabalhadores rurais, a movimentos sociais diversos, entre eles o MST, e trabalhei junto da igreja católica [em outra organização], até chegar [à entidade].

Venho de uma família de militantes na área de direitos humanos. Meu pai surgiu de uma militância mais partidária, a partir do PCdoB, na década de 70. Minha irmã mais velha milita com o Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais

Sem Terra, desde o Movimento Estudantil até hoje, formada em Jornalismo, e fazendo a assessoria de comunicação do Movimento.

Minha mãe é sindicalista, então já ia direcionada para uma coisa menos legalista já, desde sempre, então acabei na faculdade me envolvendo com movimento estudantil e movimentos sociais, já ajudava com movimentos sociais.

Em outros casos, a influência familiar decorre da identificação da família com o próprio grupo defendido pela entidade. Por exemplo:

[me motivei a atuar na entidade] por algumas razões pessoais, de ter algumas pessoas da família que viviam com Aids.

Eu sou familiar de 3 desaparecidos políticos [...]

Sempre me identifiquei, acho que por eu ser de uma família humilde também.

Eu venho de uma família que também tem muitos, até hoje, parentes e tios que são trabalhadores rurais, então eu sei muito bem como é essa situação também no aspecto familiar

2.3.2 GRUPO REPRESENTADO

O vínculo do respondente com o próprio grupo representado pela entidade em que atua decorre, também, da sua própria percepção como membro de uma determinada coletividade. Por exemplo:

O primeiro grande aspecto da minha carreira e da minha vida pessoal é o fato de ser negro; o fato de ser negro e a forma com que essa identidade foi aparecendo na minha vida. E essa identidade, do ser negro, foi aparecendo na minha vida muito também conjunto com a minha vida acadêmica. À medida que eu ia avançando nos estudos, à medida que

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a minha vida acadêmica ia se fundindo também com a minha vida pessoal, com a minha vida familiar, essa questão foi se aflorando, foi se tornando muito evidente pra mim, né? E, assim, a ideia, primeiro: como era necessário compreender isso melhor, entender as consequências não só da vida pessoal, mas as consequências políticas do ser um homem negro numa sociedade como a nossa, formada como a nossa é formada, e acessando e frequentando certos espaços em que eu via que a presença dos negros era cada vez mais rara ou praticamente não existe.

Estava no meio do boom da história da Aids, do surgimento da epidemia de Aids, tal. E é uma epidemia que afetou principalmente a nossa comunidade gay. Estigmatizou, primeiro porque chamavam de câncer gay. E daí por diante eu comecei a trabalhar com criança com HIV, acabei indo trabalhar para adultos, com a parte de Direito mesmo [...] No transcorrer disso tudo, começou-se a discussão dos direitos, porque muitos gays na época, que viviam juntos e construíram uma vida juntos, morreram e o parceiro ficou à deriva, e aí não tinha nenhum direito que amparasse. Não tinha nenhuma discussão e nenhum direito já conquistado que amparasse as relações. Eram relações que existiam, que todo mundo sabia que existia, mas que ninguém reconhecia juridicamente.

2.3.3 RELIGIÃO

Além de influências familiares e da identificação pessoal com determinado grupo, outras relações sociais também emergem das entrevistas como determinantes para o envolvimento dos respondentes com a defesa de direitos. As instituições religiosas são um primeiro exemplo desse tipo de vínculo social. Em diversos casos, o pertencimento ou a proximidade do entrevistado a

organizações da igreja, notadamente, católica, são mencionados como cruciais para a sua dedicação à área. Essas organizações da igreja são, em sua maioria, bastante capilarizadas, de atenção direta a comunidades e indivíduos vulnerabilizados, tais como as comunidades eclesiais de base e as pastorais da juventude.

Exemplos dessa influência das organizações religiosas podem ser destacados:

Eu sempre fui militante na Pastoral da Juventude, nas comunidades eclesiais de base, denominadas CEB’s. Eu sou desse grupo, de uma teologia da libertação, a questão do cristianismo ligada à questão da militância, da luta, da defesa dos mais pobres, dos excluídos e marginalizados. E aí com essa ideia cristã-revolucionária, vamos dizer assim, eu optei fazer direito que acharia que teria uma boa contribuição para a sociedade fazendo direito e levar aquilo que tinha de garra, de vontade, da adolescência, essa vontade de querer mudar o mundo, de transformar, e aí eu fui fazer direito. Eu tinha um amigo que também fez direito e que a gente tinha os mesmos ideais, as mesmas vontades, e dentro da Pastoral da Juventude a gente ia cada vez mais aprendendo, aperfeiçoando, querendo, então era sempre ligando essa questão da obra e da fé.

Na juventude, militando com a Comunidade, também a partir de uma Instituição Religiosa, eu comecei a realizar atividades com Comunidades, […] e aí por conta disso eu acho que passei a aludir o interesse por essas questões que a gente costuma reunir dentro da temática dos Direitos Humanos. E aí fui fazer graduação em Direito muito movido por isso também.

Na verdade, nós estamos situados numa região, que é o nordeste brasileiro, que se configura como uma região que historicamente tem violado os direitos

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das pessoas, dos mais pobres, dos trabalhadores rurais, das populações tradicionais indígenas, quilombolas, pescadores artesanais e pescadoras, então logo muito cedo na minha juventude, ainda com 14 anos, eu estava já num processo de inserção dos movimentos de resistência, de reflexão, de todo esse processo. E daí, a partir desse momento eu comecei a perceber como era grave essa situação e aí eu fui, cada vez mais, me envolvendo com a atuação das comunidades eclesiais de base e as pastorais sociais da CNBB na época, e conhecer um pouco mais da realidade do nosso estado e o debate político sobre as questões históricas, do nordeste, e a minha formação então veio, dialogando com esse grau de envolvimento que eu já tinha muito cedo com essa realidade, então eu fui estudar Teologia, Ciências da Religião.

O vínculo religioso também é mencionado como motivação de um compromisso ético com a defesa de direitos, tal como ilustrado pelo seguinte trecho:

A minha vinda para [a Entidade] foi muito a questão da fé, de acreditar num trabalho de transformação, então eu tinha praticamente duas atividades, uma atividade profissional e uma atividade de militância religiosa que depois se tornou política. Aí ficou fé e política. Assim, pela idade, eu estou com 56 anos, de trabalho assim, nasce nas comunidades eclesiais de base, nasce toda a questão da teologia da libertação dentro da Igreja, onde você é chamado a atuar, trabalhei com a alfabetização de adultos, com um bispo bem progressista [...] dentro dessa proposta de você ir aonde... de encontro do pobre, de uma opção preferencial pelo pobre acabei chegando [na Entidade] [...] para trabalhar nesse questão de... mais com moradores de rua. [...] Então eu desde jovem assim, tive uma família muito sensível a essas causas sociais.

2.3.4 CONTEXTO POLÍTICO, MOVIMENTOS SOCIAIS E COMUNITÁRIOS

Outro elemento social apontado como relevante à atuação na defesa de direitos é o contexto político vivido pelo entrevistado e seus vínculos com movimentos sociais, sindicais e comunitários:

Era época da ditadura militar, certo? Nós estávamos aqui, o bairro, nossa área aqui, foi muito atingida de todas as formas. Essa foi uma das coisas. Perseguições das lideranças, os movimentos libertários, a própria igreja na época aqui também, progressista [...], a falta de liberdade de expressão. A gente tinha medo até de se encontrar, de marcar qualquer reunião a gente tinha receio. A gente estava vivendo esse... Naturalmente os direitos civis, políticos, todos cerceados, a gente não tinha nem direito a votar naquela época. Eu sabia de frequentes sequestros-relâmpagos, digamos assim. Eu nem sei se relâmpagos, sequestros mesmos, prisões, denúncias de torturas, desaparecimento de pessoas muito queridas, muito sérias. E daqui, no bairro [...], perdemos muitas pessoas, muitas pessoas foram presas e teve gente que sumiu, foi torturada e tudo mais.

E aí participamos do grupo de mães, participamos dos primeiros movimentos sociais aqui, antigamente o movimento de moradia aqui era muito forte, porque, se você for conhecer o nosso bairro, o nosso bairro tem muita ocupação de terra é muito desregular, pode ver que aqui no [bairro] se for comparado ao centro da cidade, aqui nós temos dois graus a mais de calor do que no centro, porque aqui foi totalmente ocupado de moradia, então a vida começou a apertar, as pessoas eram empurradas, dos bairros melhores para as periferias, é então... é um bairro dormitório, que comparado aos 43 anos atrás que

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cheguei e até hoje, é outro bairro. E a gente tem orgulho muito grande disso, porque a participação do movimento de saúde, do movimento de mulheres, o movimento de moradia, movimento de creche, ferve... deu um “fervecimento” aqui na região, pra melhorar a qualidade de vida das pessoas. Então eu sou oriunda dos movimentos populares, do movimento da teologia da libertação e em 89 em 79, eu estava montando um grupo de adolescentes, [...] era a época das greves lá do ABC aquela coisa toda, e eu tava aqui ajudando a organizar alguns grupos de jovens.

eu fui da CIPA ali na fábrica, a gente tinha um jeito de trabalhar, e essa forma de ver a sociedade sempre deixa a gente indignado com alguma coisa, e eu acabei sendo da CIPA, votado ali, bem votado, trabalhei bem lá pelo trabalhadores né, eu estava mais ou menos com 10 anos de serviço lá.

O perfil dos respondentes traçado com base nas experiências universitárias, profissionais, pessoais e sociais identificadas denotam uma importante variedade de trajetórias. Há, no entanto, elementos recorrentes nas trajetórias de um relevante número de respondentes, em especial o seu vínculo com a extensão universitária e o movimento estudantil, experiências acadêmicas em pesquisa e ensino, influências familiares e conexões com organizações religiosas. Essas experiências são apontadas como vetores da politização e aprendizado necessários à atuação na defesa de direitos. Como se verá na seção a seguir, as trajetórias dos entrevistados e as suas percepções sobre a defesa de direitos ilustradas em suas narrativas estão bastante alinhadas com os temas de trabalho, atividades desenvolvidas e estratégias adotadas pelas entidades em que estes indivíduos atuam. O seu perfil de formação, dessa forma, está ligado ao do das entidades onde atuam.

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Em complementação à análise dos respondentes das entrevistas, esta seção apresenta os primeiros dados para responder à pergunta sobre quem são as entidades da sociedade civil que mobilizam o direito. O objetivo é traçar o perfil das entidades que compõem a amostra a partir de seis variáveis: (3.1) temas de atuação; (3.2) tipos de atividades desenvolvidas; (3.3) âmbitos de atuação; (3.4) histórico da entidade; (3.5) estrutura interna; e (3.6) formas de financiamento.

Por meio da apresentação desses dados, a multiplicidade de experiências de mobilização jurídica detectada pela pesquisa é evidenciada. A análise do perfil das entidades servirá como referência também para a análise das interações da sociedade civil com o Ministério Público e a Defensoria Pública, objeto de análise nas seções 5 e 6. Em complemento aos dados apresentados a seguir, a seção seguinte abordará, detalhadamente, outro elemento que compõe o perfil das entidades: as suas estratégias de atuação jurídica.

3.1 TEMAS DE ATUAÇÃO

A multiplicidade de experiências coletadas na amostra da pesquisa se reflete

na variedade de temas trabalhados pelas entidades. Foram identificadas 22 áreas temáticas de atuação das organizações entrevistadas. As áreas temáticas aglutinaram diversas linhas específicas de atuação24. A maior parte das entidades atua em mais de uma área temática: enquanto apenas 34 indicam ser especializadas em um único tema, 69 entidades informam atividades em mais de uma área. As áreas de atuação indicam, também, o potencial de atuação coletiva das entidades, por se tratarem, na maioria, de temas determinados por sua dimensão grupal, coletiva ou até mesmo difusa. Nota-se, ainda, a concentração em temas conectados com violações perpetradas pelo Estado (como no caso da violência institucional e em muitos sob a alcunha crianças e adolescentes), e com direitos sociais historicamente demandados no Brasil, tais como aqueles refletidos nas áreas temáticas relacionadas a conflitos fundiários (terra, cidade, comunidades tradicionais e indígenas).

Na tabela a seguir, apresenta-se a distribuição das entidades conforme a sua área temática de atuação, em ordem decrescente de concentração:

3 - PERFIL DAS ENTIDADES

24 As áreas de atuação incluem os seguintes temas, na ordem de concentração das entidades: Violência institucional: violência do Estado, violência policial, sistema prisional, memória, reparação, responsabilização, tortura; Cidade: moradia; regularização fundiária; reforma urbana, direito à cidade, conflitos fundiários urbanos, sem-teto; Crianças e Adolescentes: Estatuto da Criança e do Adolescente, crianças e adolescentes; juventude, menores em conflito com a lei, exploração sexu-al de menores; Terra: terra, reforma agrária, movimentos sem-terra, conflitos fundiários rurais, agricultores; Gênero: mulhe-res; feminismo, violência doméstica; direitos reprodutivos; Comunidades Tradicionais: quilombolas, ribeirinhos e moradores da zona costeira; Meio ambiente: meio ambiente, proteção ambiental, poluição; Saúde: acesso a medicamentos; HIV/Aids e discriminação; Indígenas: indíos, territórios indígenas, discriminação indígena; Trabalho: trabalhadores, sindicatos, trabalho escravo, cooperativas, catadores de material; LGBT: gays, lésbicas, travestis, transexuais; Família: planejamento familiar, di-vórcio, organização familiar; Criminal: defesa criminal de militantes sociais, atuação na justiça criminal; Consumidor: direito do consumidor, consumidores, proteção e defesa do consumidor; Organização comunitária: regularização e formação de associações de moradores, articulação comunitária; Educação: direito à educação, escolas e universidades; Raça: negros, discriminação racial e étnica; Idosos e portadores de deficiência: idosos, portadores de deficiência e cegos; Imigrantes: imi-grantes e ciganos; Comunicação: direito à comunicação, democratização das comunicações; Tráfico de pessoas; Religião: intolerância religiosa, discriminação pela religião, religiões africanas.

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Tabela 7. Temas de atuação das entidades

Áreas temáticas Número de entidades

Violência Institucional 30

Cidade 26

Crianças e adolescentes 25

Terra 20

Gênero 19

Comunidades tradicionais 17

Meio ambiente 16

Saúde 15

IndígenasTrabalho 12

LGBT 9

Família 7

CriminalConsumidor 6

Organização comunitáriaEducaçãoRaça

5

Idosos e portadores de deficiência 4

ImigrantesComunicação 3

Tráfico de pessoasReligião 2

3.2 ATIVIDADES

As entidades que compõem a amostra também apresentam grande variedade com relação aos públicos atingidos pelas suas atividades, às formas e estratégias de atuação e aos âmbitos em que realizam suas atividades. Quanto ao público, 74 entidades atuam com algum tipo de atendimento individual (mas apenas seis atuam somente com esta modalidade). Com públicos coletivos, 25 entidades atuam junto a movimentos sociais e 92 prestam atendimento a algum outro tipo de grupo (comunidades, escolas, grupos étnicos etc.). Dentre as 103 entidades estudadas, no trabalho de 12 delas foi possível identificar atividades com um público difuso, isto é, não determinável individual ou coletivamente. Exemplos de entidades com esse tipo de público são aquelas que atuam com temáticas como consumidor e o meio ambiente.

Com respeito às atividades, as entidades entrevistadas foram classificadas em cinco eixos de atuação: (a) atividade jurídica; (b) atividade de pesquisa e publicação; (c) atividade comunitária; (d) atividade de comunicação; e (e) atendimento psicossocial. Grande parte das entidades que integram a amostra desenvolve atividades jurídica e comunitária e, em menor medida, os outros tipos estudados, conforme a tabela abaixo:

Tabela 8. Atividades realizadas pelas entidades

Atividade Número de entidades

Jurídica 90

Pesquisa e publicação 28

Comunitária 83

Comunicação 35

Psicossocial 11

3.2.1 ATIVIDADE JURÍDICA

Das 103 entidades, 90 delas têm algum tipo de atividade jurídica: atendimento individual, orientação jurídica, atuação judicial coletiva, encaminhamentos a outros órgãos etc. (este elemento será aprofundado na seção seguinte, sobre atuação judicial). Importa destacar, neste ponto, que as atividades jurídicas da maioria das entidades são, com frequência, compreendidas como parte de uma estratégia de atuação mais ampla. Não raramente, a atividade jurídica não é vista como central pela entidade de defesa de direitos. Exemplos dessa compreensão multifacetada das atividades das entidades podem ser citados:

Então essa sua atuação no judiciário é apenas uma das atividades da entidade, não sei se chega a ser a principal, acho que nem chega, acho que nem de longe chega a ser a principal atividade da [entidade]. Tem toda a sua importância, claro, tem toda a sua relevância, mas é apenas uma das áreas de atuação da entidade e não é

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propriamente a única.

[A entidade] tem um viés diferenciado porque ela faz um atendimento não só à vítima, mas à família da vítima, então faz atendimento psicológico, social e jurídico. Então ela faz grupos para que a vítima consiga superar o trauma com ela, então o psicólogo vai e faz esse atendimento, a assistente social faz alguns devidos encaminhamentos para programas [...] para poder incluir essa família dentro de uma rede caso ela não esteja na rede de programas. E a psicóloga tenta então dar esse parecer, dar esse retorno, ouvir, conversar, mas é óbvio que todos que ainda procuram a [entidade] têm um viés maior, que é o viés jurídico, a proteção jurídica. Então procura, a gente então tem essa primeira conversa com todos os técnicos, tem um estudo de caso, faz o encaminhamento quando é possível, senão se é uma coisa mais urgente a gente já faz um encaminhamento e a gente então protocola as denúncias.

[A entidade] capacita, ela trabalha com prevenção, ela constrói metodologia, ela faz diagnóstico de vulnerabilidades, ela atende diretamente a vítima, ela encaminha, ela atua na pacificação da família [...], ela defende, denuncia tortura, maus-tratos, atua no contexto das mulheres encarceradas defendendo os direitos das mulheres, do atendimento às especificidades das mulheres presas, faz advocacy, lobby, faz tudo que for do interesse da pessoa, do segmento que nós defendemos

3.2.2 ATIVIDADE DE PESQUISA E PUBLICAÇÃO

Aproximadamente 1/4 das 103 entidades desenvolve atividades de pesquisa entre as suas formas de atuação. Essas atividades compreendem a realização de estudos sobre as temáticas de atuação da entidade, muitas vezes voltados para a

otimização das suas próprias estratégias (jurídicas ou não), mas também direcionados a influenciar a agenda de órgãos estatais e a pautar políticas públicas. Conforme sugerido nas entrevistas, a atividade de pesquisa está, em geral, integrada às outras formas de atuação das entidades:

De monitoramento e pesquisa a gente tem, falando de forma geral, um recorte de acesso à terra, direito à terra e de monitoramento de como está sendo efetivado esse direito à terra de povos indígenas e comunidades quilombolas […] a gente monitora todos os dias como está sendo a efetivação do direito à terra, no sentido de... a gente monitora os processos da Funai, os processos do Incra, assim, essa é regular. Mas também tem algumas pesquisas periódicas que a gente faz isso também, trabalho de campo, a gente fez uma agora de índios na cidade e a gente levantou algumas políticas, a gente contratou um antropólogo que foi entrevistar os índios sobre como que foram efetivadas essas políticas, teve um trabalho que era de escritório que era de descobrir quais eram essas políticas.

Eu acho que a parte de pesquisa e produção de relatórios, documentação... é uma parte que ganha uma centralidade muito grande, e isso aliado a uma articulação sempre com os movimentos sociais e com os atores locais, né, então acho que a gente talvez possa dizer que a nossa principal forma de trabalho é em articulação com os atores locais, porque a gente não atua só [na cidade], a gente tem casos de outros estados da federação, então a gente trabalha sempre junto das outras entida- des ou movimentos de locais específicos.

A gente fez dois tipos de coleta de dados, uma coleta de perfil socioeconômico, ali no atendimento no presídio, então tinha todo um questionário de perfil socioeconômico da população que estava sendo presa, este questionário já foi para estatística e já tem

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uma primeira tabulação que vai servir para a nossa sistematização de dados, identificar quem é a pessoa presa, né? Quem está fazendo essa ameaça de população prisional que hoje em dia é insustentável, de meio milhão de pessoas. E um segundo momento é a coleta de dados mais jurídica, que é a que está sendo feita nesse momento, então os casos como [ela] explicou eram distribuídos pelos advogados associados, então tinha um grupo para o atendimento, mas não só esse grupo recebia o caso depois, era um grupo muito maior que recebia e passava a cuidar da questão prisional daquela pessoa e aí agora então a gente tem estagiários [da entidade] fazendo uma coleta do que aconteceu juridicamente com esses casos, se foi ou não foi aplicada a medida cautelar, se a pessoa respondeu ou não respondeu presa, quanto tempo fico presa para comparar com a pena aplicada ao final, o que, no crime de furto, raramente é uma pena de prisão, então a pessoa responde presa e no final é solta, e aí diagnostica qual está sendo o atendimento do Judiciário, a aplicação do Judiciário da lei das medidas cautelares.

Tem a equipe que está o tempo todo realizando essa pesquisa para as ações de áreas e a gente também tem um grupo de pesquisa que é interno da equipe, que se reúne quinzenalmente pra discutir algumas temáticas em direitos humanos como forma de capacitação de equipe, de aprofundamento das discussões e também a gente em alguns momentos elabora materiais de direitos humanos quando somos solicitados.

A gente vai para a Justiça pleitear direitos decorrentes de danos, ou mesmo pleitear a melhor qualidade de produtos e serviços, ou ainda o cumprimento de legislações que já existem e que não estão sendo cumpridas, e que a fiscalização não dá conta de fazer cumprir. Modificar contratos, anular cláusulas contratuais que são abusivas, por exemplo. Tem a atuação em testes e

pesquisas, a gente testa o produto, leva esse resultado, e é teste sério, é teste que é com laboratório credenciado, inclusive pelo Inmetro. Então a gente testa o produto e, com isso, com os resultados disso – a gente publica, claro, esses resultados – e também pleiteia politicamente ou judicialmente uma questão. Então tem essa atuação política, de pleitear regulamentação de direitos, a fiscalização, a melhora de produtos e serviços, na qualidade e na oferta. E ainda tem, claro, a orientação ao consumidor, seja pelo site, seja pela revista, seja pelo atendimento pessoal. A gente tem um atendimento pessoal, então são essas quatro atuações que a gente tem, e que elas acabam se mesclando, acabam virando três, e mais ou menos isso.

Muitas das pesquisas elaboradas pelas entidades são transformadas em publicações. No caso de 18 entidades entrevistadas, a produção de materiais impressos e até mesmo em vídeo integra as suas estratégias de atuação.

Além de publicações institucionais, há entidades que divulgam materiais temáticos, com o fim de sensibilizar outros órgãos e a sociedade em geral, misturando-se à atividade comunitária:

[A entidade] também tem vários materiais produzidos, materiais que dialogam com professores, materiais que dialogam com a sociedade, materiais com dialogam com os próprios, os próprios LGBT, a gente subsidia eles com esse material, faz um histórico um pouco de como é que é a nossa atuação, e às vezes a gente vai para a própria sala de aula, nesse caso aí ainda vamos ver os dias, para a gente dialogar com toda a turma, compartilhar das nossas experiências, dizendo por que a nossa luta ela é importante, por que ela deve ser respeitada.

Há entidades, ainda, que utilizam a atividade de publicação como meio de potencializar a sua atuação jurídica, até

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mesmo multiplicando-a:

Tem essa coisa das ações emblemáticas, e a gente tem hoje um site também [...] E nesse site a gente disponibiliza um acervo de decisões sobre a questão racial e religiosa no Brasil. Que esse é outro tema que a gente trata também no programa jurídico, que é a intolerância religiosa com um enfoque maior nas religiões de matriz africana.

3.2.3 ATIVIDADE COMUNITÁRIA

A atividade comunitária – que envolve o trabalho de base, de proximidade aos públicos atingidos pela atuação da entidade – foi observada em 83 das 103 organizações entrevistadas. Esta categoria de atividades inclui a realização de cursos, capacitações, trabalhos educativos, campanhas e formações com indivíduos, coletivos e movimentos sociais vinculados à temática trabalhada pela entidade. Além de, em uma dimensão quantitativa, a atividade comunitária se revelar importante na amostra estudada, qualitativamente ela também é central às entidades de defesa de direitos. Para muitos respondentes, esta forma de atividade é o que, em larga medida, determina os rumos da atuação em outros meios, dentre eles a atividade jurídica. A atuação das entidades de defesa de direitos da sociedade civil tem, assim, um elevado potencial de capilaridade e conexão direta com os públicos que visa defender.

Exemplos da centralidade dessa atividade podem ser destacados das entrevistas. Diversos respondentes referi- ram o papel das entidades de defesa de direitos em formar novos defensores de direitos e em multiplicar o conhecimento sobre a temática trabalhada:

Nossas reuniões, nossas atividades, estão muito centradas com a questão da educação, de melhorar e formar outros novos agentes, né? No incentivo à formação de grupos

da sociedade civil, associação, é uma das formas que a gente orienta para a questão de reivindicações, tentando criar um pouco de autonomia para os trabalhadores.

O nosso trabalho está muito mais voltado para a formação política das mulheres. Capacitação e formação das mulheres, [...] esse trabalho de incidência política, do controle social, a gente hoje está muito mais focada nessa ação, do empoderamento político, [...] econômico, social, das, essa questão muito mais do que da formação, a gente faz cursos, a gente trabalha, ainda continuamos com o trabalho de fortalecimento das mulheres no campo mais da subjetividade.

A gente tem um curso que tem a duração de 9 meses, ele é anual, e totalmente gratuito, voltado para capacitar lideranças comunitárias na defesa dos direitos humanos. Então eles recebem noções de todas as áreas de direito – civil, constitucional, trabalhista – além de noções também sobre diretos humanos, políticas públicas e essas pessoas vão funcionar como multiplicadores do conhecimento do direito nas suas comunidades.

Junto às comunidades, nós temos hoje o direito à cidade, que faz formação junto a lideranças comunitárias e aí é de uma região, algumas localidades da região metropolitana [da cidade] e a finalidade dessa formação é o fortalecimento no campo político. Uma formação que é recente agora é com grupos de mulheres também com a temática do direito à cidade, o direito à moradia, trabalhando as mulheres da comunidade pra tentar abordar questões de gênero.

A gente tem essa questão através das assembleias, de cursos e de seminários, que é a formação da nossa comunidade para exercer e fazer isso, o advocacy junto aos poderes constituídos e também sensibilizar a sociedade, fazer as devidas denúncias porque a gente continua [...].

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Desenvolvemos ações nesse mesmo processo de acompanhamento sociojurídico a essas comunidades, de acompanhamento em audiências, em reuniões com órgãos fundiários, mas também [...] com foco bastante intenso no processo de formação política dessas lideranças, esse processo de formação aqui na [entidade], e isso desde 2001, processo de formação de lideranças.

Frente ao perfil variado de entidades, há, também, uma diversidade de compreensões sobre a atividade comunitária. Além de experiências de formação de lideranças, como as referidas, alguns entrevistados mencionam a realização de atividades culturais e a organização de grandes eventos de mobilização como parte de sua atividade de proximidade aos públicos representados:

a área de resgate da autoestima e de valorização da cultura dos imigrantes em São Paulo, especialmente sul-americanos e africanos […] neste segundo semestre de 2012 foi inaugurado um curso de português e formação política. Então o ensino do idioma português com formação política. Que é um trabalho que faz parte da lógica de buscar o protagonismo do imigrante, de ajudar no conhecimento dos seus direitos, mas que é novo.

[A entidade] realiza todos os anos a Parada da Diversidade, nós estivemos em todas elas à frente da organização. […] Nós realizamos um evento [...], que é um evento que mobiliza a cidade toda, nós realizamos atividades em Universidades, em espaços populares, em praças, enfim, em vários, em órgãos públicos, e esses eventos são os mais diversos possíveis, são oficinas, são palestras, são debates, são shows, são mostras de filmes, são várias atividades com o tema da diversidade sexual. E a gente também, nessa semana que já inclusive integra o calendário de eventos do município de [nome da cidade], ela é realizada na última semana de agosto de

cada ano, esse ano nós vamos para a nona edição [...]. Então dentro desses objetivos de formar militantes do movimento social e também dar assistência jurídica para LGBT.

3.2.4 ATIVIDADE DE COMUNICAÇÃO

Junto às atividades jurídica, de pesquisa e comunitária, diversas entidades mencionam empreender esforços relacionados à comunicação e às mídias em geral. Dentre as 103 entrevistadas, 35 indicaram ter alguma iniciativa mais sistemática de tematizar os meios de comunicação. Há grande variedade nas estratégias de atuação em relação à mídia. Algumas entidades, dotadas de maior estrutura e, especialmente, de assessoria de comunicação, buscam divulgar as suas atividades e tematizar as abordagens dos meios de comunicação sobre as temáticas em que atuam:

E essa assessora de comunicação, ela faz esse link com a mídia impressa, com a mídia eletrônica e com a mídia televisiva, e assim há sim uma articulação com a mídia na medida da possibilidade.

Articulação junto a grande mídia lutando justamente, quer dizer, pedindo, lutando, implorando para que não generalize, e isso praticamente uma vez por semana eu tiro um dia para fazer essas comunicações e eu mando para o Estadão, para todas as mídias.

Temos assim, nós temos uma pessoa que cuida dessa parte de comunicação do centro, fazer com que essa, esse trabalho do centro se torne visível, gere uma discussão política, uma opinião [inaudível de 0:20:31 até 0:20:40] boletim de circulação mensal, de 1.000 exemplares que circula aqui na cidade uma vez por mês, aonde a gente divulga nossas ações, coloca um editorial com nossas opiniões sobre assuntos específicos, e também nós participamos, criamos também uma, uma rádio comunitária aonde também a gente faz

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todo um trabalho voltado... com um grupo de 35 jovens e adolescentes nessa área de direitos humanos e cidadania, comunicação voltada na defesa dos direitos humanos.

Além disso, em razão da expertise acumulada pelas entidades de defesa de direitos, muitas delas se tornam referência para os próprios meios de comunicação, que as buscam como fontes jornalísticas:

A gente já tem uma atuação ação pontual com jornalistas já há algum tempo. Faz pelo menos uns cinco anos que a gente já... já é fonte confiável para os jornalistas, então a gente tem um trabalho, é, é... um diálogo permanente com vários jornalistas, nos mais diferentes órgãos, nas TVs, nos jornais, nos portais, é, a gente tem inclusive uma assessoria de imprensa [...] quando são suscitadas essas questões ligadas aos direitos da população LGBT eles sempre estão recorrendo à gente para pedir subsídio para a matéria, ou então para saber a nossa opinião. Esse é um trabalho que a gente faz de alimentação de pauta, sugerindo, muitas vezes quando está próximo a determinadas datas a gente sugere aos funcionários da imprensa que pautem determinados temas

3.2.5 ATENDIMENTO PSICOSSOCIAL

Ainda que, proporcionalmente, em menor medida, outra linha de atividade relevante para algumas atividades é o atendimento psicossocial. Em 11 das 103 entidades entrevistadas, a prestação de serviços por psicólogos e assistentes sociais foi mencionada. Nesses 11 casos, as entidades também realizam atividades jurídicas e, dessa forma, conciliam o atendimento psicossocial ao atendimento jurídico dos públicos a que atendem. Os dois tipos de atividade se complementam, dessa forma, em uma mesma entidade:

A atuação profissional é uma atuação interdisciplinar, têm advogados, assistentes

sociais, psicólogos, jornalistas, educadores, então especialmente as intervenções judiciais, elas são todas acompanhadas por uma equipe interdisciplinar de psicólogos e assistentes sociais que desenvolvem ações para família, que desenvolvem relatórios, que incidem diretamente na própria defesa desses beneficiários.

Esse acompanhamento psicossocial, as famílias chegam até nós, porque [a entidade] trabalha numa perspectiva de casos emblemáticos, porque não há condições de pegar tudo, né? E o projeto, 20 casos emblemáticos, que através deles seria possível trabalhar num sentido de aprimorar e estruturar e melhorar o serviço de atendimento da rede de proteção e garantia de direitos, com base nesses casos emblemáticos que nos chegam. As famílias chegam e é feito um atendimento, um acompanhamento psicológico das crianças, das pessoas que foram vítimas de violência ou abuso sexual, é feito um acompanhamento pelas assistentes sociais também, e na eventualidade que geralmente é muito incomum que aconteça de precisar judicializar, de precisar de alguma orientação jurídica judicial ou extrajudicial nós, da Assessoria Jurídica, entramos, seja para ajuizar ações cíveis, para cessar de alguma forma o contato do abusador com a criança, para cessar de imediato o risco, seja no acompanhamento de inquérito com alguma medida cautelar de afastamento, entrando com alguma medida protetiva de urgência junto aos Conselhos Tutelares, provocar os Conselhos Tutelares nesse sentido [...] então é basicamente isso, o trabalho intersetorial se resume à questão do Serviço Social, da Psicologia e da Assessoria Jurídica.

3.3 ÂMBITOS DE ATUAÇÃO

O estudo do âmbito de atuação das entidades que compõem a amostra revela outro elemento da sua variedade. As organizações apostam em estratégias

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complexas na defesa de direitos, aliando atividades jurídicas e comunitárias a atuações políticas junto ao Legislativo, ao Executivo e a Conselhos de políticas públicas, em todos os níveis federativos.

Entre as entidades entrevistadas, 84 afirmam desenvolver algum trabalho junto ao Legislativo, seja ele municipal, estadual ou federal. Essas atividades vão desde a disputa da agenda legislativa do parlamento, lobby via determinados representantes, o chamado advocacy, a atuação em comissões, pressões políticas por determinados projetos até o encaminhamento de projetos de lei:

Essa é uma área em que a gente atua, e sugere modificações em lei, a parte do advocacy legislativo nosso. Por exemplo, o Plano Nacional de Educação, a gente fez uma formulação que inclusive foi apoiada por várias instituições, inclusive a SEPPIR, que é o órgão do Governo Federal que cuida da igualdade racial, a secretaria de igualdade racial, de políticas de promoção da igualdade racial, e que tem status de Ministério. A gente atua hoje [em] uma comissão que avalia o projeto do novo Código Penal, e naquilo que ele tem a ver com a criminalização do racismo e outras formas de intolerância. Então é um outro exemplo que a gente está atuando, formulando. E fizemos um grupo de advogados do país todo, e que se reúne na SEPPIR também, mas não é da SEPPIR, é da sociedade civil, mas que a SEPPIR está acompanhando, e inclusive incorporando no seu discurso e nas suas medidas o que essa comissão propõe.

Nós tivemos um projeto de lei encaminhado à Câmara dos Vereadores [da cidade] que, por sinal, saiu frustrado, agora está em estudo um projeto de lei que estamos elaborando para o Estado [...] Então estamos elaborando um projeto de lei para o Estado que eu acho que até o fim do ano vai ser discutido na assembleia,

para conseguir o uso dessas áreas que o Estado mantém o domínio público e estão sendo ocupadas por população de baixa renda, nas favelas, nos assentamentos, acampamentos rurais, por aí.

Há entidades para as quais essa atividade é ainda mais central. Um exemplo é o acompanhamento, na íntegra, da atividade legislativa em determinada matéria, dedicando recursos e estrutura da entidade a essa atividade:

Tem alguns projetos, eu acho que o mais impactante de todos é esse, o projeto em Brasília, onde a gente acompanha mais de 1.000 projetos de lei na Câmara e no Senado, que tenham repercussão, que tenham e que resvalem de qualquer forma em questões de direito penal, direito processual penal, política penitenciária, política criminal, segurança pública, violência urbana... então a gente tem um software de acompanhamento, tem pessoas contratadas para acompanhar dentro desses tantos, 1.040 projetos atualmente, a gente seleciona enquanto rede projetos prioritários, seja pela temática, seja pelo momento de processo legislativo que ele esteja, seja mais premente a atuação, e aí nesses projetos a gente tem funcionários contratados pela rede, que fazem pareceres, notas técnicas, tem uma funcionária contratada que fica em [cidade] fazendo articulação política, e aí representantes dessas instituições vão uma vez por mês à [cidade], se reúnem com deputados, senadores e assessores parlamentares para discutir ou emendas no projeto de lei, ou tentar barrar a aprovação do projeto, tentar encampar um projeto que a gente pensa e que a gente redige, e aí tenta procurar algum parceiro para propor aquele projeto.

Junto ao Executivo, 64 das 103 entidades afirmam ter algum tipo de atuação, igualmente nos três níveis. Tal atuação vai desde a participação em conferências de políticas públicas até a implementação

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de determinadas políticas públicas e a capacitação de agentes do Estado:

A gente tem o programa junto à prefeitura, polícia militar e à universidade federal que esse programa tende a procedimento multidisciplinar para a abordagem domiciliar em casos de violência que acontece dentro da família, então a viatura vai, sempre com um policial, assistentes sociais, uma psicóloga, geralmente três profissionais sendo um deles policial e temos agentes da prefeitura envolvidos também nesse programa, então é um programa que envolve todos esses parceiros.

Participamos das conferências municipais, estaduais e das nacionais, e, nas nacionais é onde vão se elaborando as políticas públicas e a gente sempre está colocando essa questão de orientação sexual, identidade de gênero, LGBT, levando as nossas necessidades para serem discutidas e se articulando com outros movimentos de mulheres, de negros, de índios.

Com os Conselhos de políticas públicas, foi identificada a participação de 49 entidades. A presença em conselhos ocorre nos três níveis: municipal, estadual e local. O foco de atuação nos conselhos é a área temática da entidade ou em espaços amplos, como os Conselhos Estaduais de Defesa dos Direitos Humanos (ou da Pessoa Humana – CONDEPE).

Tabela 9. Âmbito de atuação das entidades

Âmbito Número de entidades

Legislativo 84

Executivo 64

Conselhos 49

3.4 HISTÓRICO

As entidades de defesa de direitos que compõem a amostra têm históricos bastante variados. Nota-se um número crescente de entidades em cada uma das

décadas identificadas na amostra: apenas duas entidades entrevistadas foram fundadas entre os anos 1950 e 1960; 12 entidades foram criadas nos anos 1970; outras 20 durante os anos 1980; 35 nos anos 1990; e 34 a partir do ano 2000. As entidades mais recentes que compõem a amostra foram três organizações criadas no ano de 2010.

Tabela 10. Ano de fundação das entidades

Década de fundação Número de entidades

1950 1

1960 1

1970 12

1980 20

1990 35

2000 34

O ano de fundação é elemento interessante à compreensão das atividades desenvolvidas pela entidade e dos seus temas de atuação. Na amostra construída, 21 entidades foram criadas durante o período da ditadura civil-militar no Brasil (de 1964 a 1985). Em sua maioria, essas entidades seguem atuantes em temas de defesa de direitos sociais tradicionais, como conflitos fundiários urbanos e rurais (11 delas), e em questões de violência institucional conectadas com o seu período de fundação, tais como tortura perpetrada por agentes estatais e violência policial (9 entidades). A presença ativa de muitas dessas entidades pôde ser identificada, também, no processo de redemocratização do País, seja nos movimentos contra a ditadura, seja na Assembleia Constituinte de 1987-1988.

Entre as 78 entidades criadas a partir do final da década de 1980, percebe-se o surgimento de novas demandas por direitos. Questões até este momento histórico ausentes das atividades das entidades, ou presentes em menor proporção, adquirem

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maior importância. Por exemplo, entre as entidades criadas a partir de 1988, os temas mais recorrentes ao lado daqueles também desenvolvidos por entidades mais antigas são a defesa de crianças e adolescentes (20 entidades), gênero (14 entidades), saúde (12 entidades), meio ambiente (10 entidades), indígenas (8 entidades), entre outros.

3.5 ESTRUTURA INTERNA

A amostra construída pela pesquisa também apresenta importante variação quanto à estrutura interna das entidades: a sua forma de organização e composição. Poucas entidades que compõem a amostra não estão formalizadas enquanto pessoa jurídica. Entre estas se incluem, especialmente, movimentos sociais e redes de entidades ou advogados populares.

Em relação ao número de integrantes envolvidos nas organizações, a amostra é composta de entidades muito pequenas (com até 10 integrantes, como foi identificado no caso de, pelo menos, 15 entidades), passando por organizações de porte intermediário, e até organizações com mais de uma centena de profissionais. Há, ainda, entidades que contam com mais de duas centenas de integrantes (como no caso de uma extensão universitária em direito), ou que adotam uma estrutura executiva enxuta (com menos de 10 membros), mas incluem uma ampla base de “associados” que são os próprios “beneficiários” da entidade, ou uma vasta rede de voluntários, como no caso de uma entidade com mais de 300 advogados voluntários a ela vinculados.

Com relação ao perfil de composição do pessoal das entidades, nota-se que a maioria é multidisciplinar. Dentre as 103 entrevistadas, apenas 26 são compostas exclusivamente de advogados e/ou estudantes de direito. No caso das outras 77

entidades, percebe-se a presença frequente de outros profissionais nas atividades-fim da organização. Destaca-se a presença de psicólogos (em 19 entidades), assistentes sociais (em 14), educadores (em 11) e cientistas sociais (em 8 entidades), além da atuação de profissionais de outras áreas, tais como agronomia, biologia, comunicação, arquitetura, turismo, relações internacionais e administração. Assim como foi identificado na trajetória dos respondentes, as instituições religiosas também têm papel relevante em fornecer pessoal para as entidades de defesa de direitos.

A presença de advogados na estrutura de pessoal foi identificada em 80 das 103 entidades entrevistadas. Em 28 casos, as entidades possuem assessoria de imprensa ou de comunicação especializada. Profissionais encarregados de funções administrativas, tais como contabilidade, serviços gerais e secretariado foram identificados em 61 entidades.

Tabela 11. Perfil da composição da entidade

Perfil de composição Número de entidades

Estrutura composta exclusivamente de advogados e/ou estudantes de direito

26

Estrutura multidisciplinar 77

Entidades com pelo menos um advogado

80

Entidades sem advogados 23

Entidades com assessoria de imprensa 28

Entidades com funções administrativas 61

Outro indicador da variedade de condições das estruturas das entidades que compõem a amostra é o vínculo dos integrantes com a organização. Em 63 delas, foi identificada a existência de profissionais com dedicação exclusiva à entidade, em especial com vínculo empregatício. No caso de 60 entidades, foi identificado o recurso a trabalho voluntário, em complementação

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aos profissionais contratados ou mesmo como única fonte de recursos humanos.

Estes dados revelam uma amostra que inclui entidades com distintos graus de profissionalização quanto à sua estrutura de pessoal. Pelo menos 31 entidades podem ser identificadas como tendo alto grau de profissionalização, uma vez que possuem, cumulativamente, advogados na organização, assessoria de imprensa, estrutura administrativa e profissionais em dedicação exclusiva. Exemplos desse tipo de estrutura podem ser identificados nas seguintes descrições oferecidas por quatro entrevistados distintos:

Nós trabalhamos hoje, atualmente, com cinco advogados na organização, temos assistentes sociais, jornalistas, temos pedagogos [...]. No campo administrativo, nós temos motoristas, nós temos secretaria executiva composta de agentes administrativos, secretária e contador.

Nós somos compostos de três coordenadores [...]. Nós temos três gerentes de área, que são administradores das áreas: um do coletivo, um do individual e outro da mediação, que eles vão ajudar a coordenar o dia a dia dos advogados e dos estagiários. Fora isso, nós temos o nosso corpo administrativo, nossas secretárias que nos auxiliam [...]. A gente tem esses convênios e a gente [...] precisa ter alguém preparado para lidar com convênios com órgãos públicos, e nós temos secretárias também que nos auxiliam no dia a dia. Advogados, alguns contratados pela instituição [...] e outros contratados como autônomos vinculados ao convênio com a Defensoria Pública.

Tem uma área administrativa, ela tem uma superintendência que sou eu, geral, e duas superintendências adjuntas, uma superintendência adjunta que faz toda a parte de administração, de controle de contratos, de apoio ao meu trabalho, e uma

superintendência que faz o relacionamento com as empresas, porque na verdade a gente vive dos serviços que a gente presta para as empresas, [...] nós temos a nossa gerente que está de licença, eu tenho quatro advogados e um estagiário.

Tem a área jurídica, [...] tem a área de testes e pesquisas [...]. Uma área de comunicação. [...] também a mobilização, que é a área de campanhas [da entidade] [...]. É uma subárea, de campanhas, que está dentro da comunicação. Tem uma área de marketing, que está ligada aos eventos [da entidade]. E são eles que fazem os eventos [da entidade], que também criam as parcerias, é mais um marketing institucional, marketing relacional. A própria coordenação executiva. Então é isso. O organograma é Coordenação Executiva, Área Jurídica, Área de Relacionamento, Área de Testes e Pesquisas, o Marketing é uma assessoria. Tudo isso que eu estou falando é gerência. Gerência Jurídica, Gerência de Relacionamento, Gerência de Testes e Pesquisas, Gerência de Comunicação, e Gerência de Desenvolvimento Organizacional, que é o financeiro, administrativo, do IDEC, e o RH. E a Gerência Jurídica, como eu já falei, cuida das ações judiciais, da produção de conteúdo relacionado à orientação [da entidade], a orientação de todos os temas [da entidade], assessora a própria coordenação executiva em questões tributárias, questões administrativas, estatutárias [...].

A amostra integra, ainda, 41 entidades a que se pode atribuir um grau intermediário de profissionalização, tendo em vista que congregam alguns elementos estruturais importantes, mas não em sua totalidade. Ilustrações desse perfil de entidade podem ser vistas, por exemplo, nos casos em que a limitação de orçamento compromete a profissionalização de um determinado aspecto da estrutura. Em uma entidade,

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por exemplo, o vínculo de determinados profissionais não é de dedicação exclusiva:

pela questão de verba, [a entidade] só funciona meio expediente, de meio dia às 18 horas... todas as pessoas trabalhando neste horário aqui […] Quem tem a maior carga horária é de 30 horas e alguns ainda têm uma carga horária menor por questões financeiras da entidade. Então, assim, trabalham menos tempo aqui também, que é a jornalista e a psicóloga, que faz o monitoramento e um acompanhamento dos alunos.

Em outra entidade, também por razão financeira, os advogados contratados exercem funções que, em outro momento histórico da organização, eram desempenhadas por outros integrantes:

possui uma equipe contratada de advogados, educador popular, secretário, estagiários. Em alguns momentos já teve pessoas de outras áreas, por exemplo, relações internacionais, jornalismo, mas atualmente, a essência é a mesma, mas já teve uma outra função diferenciada. Então sobra para nós que estamos aqui fazer todas as outras funções e que nos ajuda a ter uma visão maior do trabalho. Não posso me dar ao luxo, por exemplo, como advogado de não participar de um trabalho de formação com jovens ou como alguém da área do direito, falar que não vou interagir com meio de comunicação, que é site, redes sociais, Facebook etc... Então a gente tem a postura de saber o papel de cada um, também ter uma visão multidisciplinar e fazer a formação do próprio grupo em áreas que a gente não consegue ainda ter departamentos e complementar com apoios de colaboradores, voluntários esporádicos.

Outro exemplo identificado nas entrevistas foi o desaparecimento de estágios remunerados em outra entidade, que passaram a ser voluntários, e da função de secretariado:

Não tem mais secretária e não têm mais estagiários. Os estagiários que têm são voluntários. E hoje a gente tem uma equipe mesmo, fixa, de funcionários [...] e tem 3 pessoas, fora os estagiários voluntários.

No mesmo sentido, outra entidade aponta que a atividade jurídica da entidade depende de advogados voluntários, ainda que já tenha contado com advogados contratados em outro momento:

Atualmente trabalhamos com advogados voluntários. Nós temos seis advogados ligados [à entidade], esses que tão contribuindo nessa área jurídica e duas pessoas contratadas: que é um articulador e um administrativo, que é quem executa as ações ali do dia a dia, mas nós já tivemos uma equipe maior. Nós já tivemos lá advogados, articulador, administrativo. [...] Aliás, tinham dois articuladores, um administrativo e um advogado.

Por fim, entidades com baixo grau de profissionalização foram identificadas em outros 31 casos. Nestas, os elementos estruturais mencionados – advogado na entidade, assessoria de imprensa, funções administrativas, vínculos empregatícios e até estrutura física (sede) – estão completamente ausentes ou, no máximo, presentes de forma isolada. Quatro entrevistas são ilustrativas desse perfil de entidade:

A gente não é remunerado pela [entidade], todo mundo tem uma vida profissional fora (eu tenho escritório, o [outro integrante] trabalha como Técnico de Segurança do Trabalho). Cada um tem uma atividade fora desse universo da [entidade] e ainda trabalha aqui dentro. O tempo que teria, supostamente livre, é ocupado aqui dentro.

É uma entidade que não é filantrópica, é uma entidade que vive de vontades. Então ela não tem um perfil profissionalizado de seus membros. Cada um trabalha quando tem tempo livre.

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Atualmente, nós somos um grupo de referência aqui na entidade, somente dois são liberados pela entidade, mas tem um grupo de oito, pontualmente, quando precisa a gente tem o apoio deles, além dos estagiários, então a gente faz toda a coordenação dessa parte mais jurídica. [...] Aí, além dessas sete pessoas, seis pessoas, aí têm aqueles que prestam serviços pontualmente, instrutores de... de geração de trabalho e renda, de capoeira, de teatro, assistente social, aí tem a equipe jurídica, ao todo, atualmente a equipe interna do centro são 28 pessoas... 28 pessoas distribuídas nessas equipes.

3.6 FINANCIAMENTO

O quarto elemento fundamental à compreensão de quem são as entidades de defesa de direitos que compõem a amostra e, igualmente, de evidência da sua variedade, é a origem do financiamento obtido por essas organizações. Nas entrevistas, as entidades foram perguntadas sobre como são financiadas. As respostas foram agrupadas em cinco grandes categorias: (i) financiamento internacional (público ou privado), (ii) financiamento público nacional, (iii) financiamento privado nacional, (iv) doações (de pessoas físicas e contribuições dos membros da entidade), e (v) produtos e serviços (comercializados pela entidade). A maioria absoluta das entidades apontou obter recursos junto a financiadores internacionais (68 entidades) e/ou recorrer ao financiamento público nacional (68 entidades). Apenas 16 entidades do universo de 103 estudadas não acessam qualquer dessas modalidades de financiamento, recorrendo exclusivamente a doações ou, em apenas um caso, também à venda de produtos e serviços. A terceira forma mais recorrente de financiamento identificada foram as doações e as contribuições, em 41 casos. Para 21 entidades, o recurso à comercialização de produtos e serviços

também é fonte de renda. O financiamento oferecido por agentes privados nacionais foi a origem menos observada na pesquisa, em apenas 19 das entidades entrevistadas.

Tabela 12. Origem do financiamento das entidades

Origem do financiamento Número de entidades

Internacional (público ou privado) 68

Nacional público 68

Doações e contribuições 41

Produtos e serviços 21

Nacional privado 19

Em cada categoria de origem, há determinados financiadores que se destacam. No plano internacional, quase 1/3 das entidades que recebe verba de fora do Brasil (21 entidades) teve ou tem financiamento da Misereor, organização vinculada à igreja católica alemã, e/ou da Fundação Ford, entidade filantrópica de origem estadunidense. Órgãos vinculados à Organização das Nações Unidas, tais como a ONU Mulher, o Fundo Voluntário das Nações Unidas para as Vítimas de Tortura e o Fundo de Democracia, aparecem como financiadores de sete entidades. A Brazil Foundation, entidade não governamental baseada nos Estados Unidos, financiou outras cinco entidades da amostra.

No plano nacional, os principais financiadores públicos são o Governo Federal, que aparece em 33 entidades, e os governos estaduais, em 17 casos. Dentre os financiadores de âmbito federal, a origem mais recorrente mencionada nas entrevistas foi a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, em 13 casos. Ainda na categoria de financiamento nacional, mas no plano privado, aproximadamente 1/3 das entidades recebe apoio de fundações de famílias ou empresas brasileiras.

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O financiamento por meio de produtos e serviços também é variado. Para 11 entidades, a realização de consultorias e cursos de capacitação para contratantes públicos e privados é um meio de financiar a entidade. A venda de produtos, como publicações e camisetas, além da realização de bazares e brechós, aparece como meio de financiamento de 11 entidades.

As formas de financiamento são um importante indicador da multiplicidade de tipos de entidades de defesa de direitos, tendo em vista que se relacionam com a estrutura da entidade e até mesmo com as suas áreas e formas de atuação. A amostra estudada pela pesquisa oferece uma importante ilustração neste sentido. Entre as 68 entidades que recebem ou receberam financiamento internacional, somente oito se enquadrariam em um perfil de estrutura com baixo grau de profissionalização. Paralelamente, 33 dessas entidades apresentavam alguns elementos de estrutura, o que as colocaria em um nível intermediário, e outras 27 indicaram possuir todos os fatores estruturais abordados na pesquisa, sendo, assim, de alto grau de profissionalização. Ao contrário, analisando-se o perfil das 35 entidades que não têm acesso ao financiamento internacional, vê-se que a relação é inversa: destas, 18 poderiam ser enquadradas como tendo baixo grau de profissionalização, 10 como tendo médio grau e apenas 4 como possuindo todos os elementos de estrutura avaliados. O financiamento internacional, assim, está relacionado com os tipos de estrutura das entidades estudadas.

Outros dois elementos relacionados à origem do financiamento são o tema de atuação da entidade e as atividades que desenvolve. O financiamento internacional tem fundamental importância em dois grupos de temas: conflitos fundiários (urbanos, rurais

e envolvendo indígenas e comunidades tradicionais) e violência institucional. Entre as 42 entidades que afirmam atuar em temas de conflitos fundiários, 30 recebem financiamento internacional e 33 recebem financiamento nacional público. De maneira semelhante, entre as 30 entidades que atuam com temas de violência institucional, 20 delas recebem verba internacional para se manter e/ou recursos nacionais públicos. Com relação às atividades desenvolvidas, em pelo menos cinco entrevistas foi mencionado explicitamente que a atividade jurídica da entidade é mantida unicamente com recursos internacionais. Isso porque os recursos nacionais, frequentemente na forma de editais e projetos com tempo exíguo, seriam incompatíveis com a atividade judicial. Essa percepção identificada nas entrevistas reverbera nos dados sobre os perfis das entidades: entre as 68 entidades que recebem financiamento internacional, quase a totalidade (64) declara ter atividade jurídica; contrariamente, entre as 35 que não acessam recursos de fora do Brasil, aproximadamente 2/3 (26) têm atividade jurídica. Dessa forma, o financiamento internacional parece estar associado não apenas a um perfil de entidade e a determinados temas, mas, também, à possibilidade de atuação jurídica.

A correlação entre a origem do financiamento, o perfil da entidade, a sua temática de atuação e atividades que desenvolve adquire ainda mais importância a partir do que os entrevistados identificaram serem as maiores dificuldades relacionadas à manutenção econômica das entidades. As dificuldades identificadas nas entrevistas podem ser agrupadas em pelo menos seis eixos: (a) a saída do financiamento internacional do Brasil; (b) conjuntura econômica internacional; (c) os entraves burocráticos do financiamento

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nacional público; (d) a falta de uma cultura de financiamento nacional privado; (e) alguns bloqueios temáticos; e (f) as particularidade da atividade jurídica.

3.6.1 A SAÍDA DO FINANCIAMENTO INTERNACIONAL DO BRASIL

Em pelo menos 37 das entrevistas realizadas, uma das principais dificuldades de financiamento da defesa de direitos no Brasil apontada foi o fenômeno, relativamente recente, da saída do financiamento internacional do País. Os recursos da cooperação internacional estariam, pelo menos desde meados da década de 2000, sendo redirecionados para a Ásia e a África. Algumas das razões sugeridas para explicar esta migração de recursos seriam a melhora dos índices socioeconômicos do Brasil, o crescimento da economia e a inserção do País como um ator de peso na economia global, inclusive sendo fonte e não apenas destino de verbas de cooperação internacional. Ilustrações dessa preocupação podem ser retiradas de diversas entrevistas:

Cada vez mais essas agências financiadoras internacionais estão retirando seu foco do Brasil. A partir dos Governos do Presidente Lula, a gente viu que o Brasil passou a ter uma imagem assim, exterior, de um país emergente, e isso tem soado lá fora, como se diversos problemas que nós ainda enfrentamos aqui estivessem sendo superados ou a caminho de uma superação. Então essas agências financiadoras têm colocado seu foco mais no continente asiático, no continente africano [...] E como a gente está tendo esse problema com a questão do financiamento internacional, que também se agrava com a questão da valorização da moeda brasileira, um projeto de certo valor em euros que a gente tinha 10 anos atrás, o valor hoje é bem menor.

a captação de recursos vai ser um tema

que a gente vai ter que desenvolver muito forte porque a gente percebe que é cada vez mais difícil o apoio internacional pela questão de o Brasil ter essa visão internacional de pujança, de protagonismo dentro da América Latina, e é muito pela propaganda também do governo Lula, do Brasil ser um doador, mesmo na questão da Europa hoje, Espanha vivendo, França vivendo uma situação econômica difícil, a gente sabe que a captação de recurso começa a ficar difícil.

É um tanto quanto complicado para a maioria das agências internacionais compreenderem que diante das crises internacionais que seus próprios países têm enfrentado, com a redução dos seus próprios orçamentos de cooperação, e com o Brasil, chegando à posição de global player bastante diferenciada, como o próprio Estado não consegue favorecer este tipo de efetividade aos direitos humanos. Então durante, mesmo durante o processo de redemocratização do país, década de 1980, há mais de 20 anos, quase 30 anos, a cooperação internacional tem dedicado esforços ao Brasil e é como se dissessem assim “Agora está na hora de vocês caminharem com as próprias pernas”, só que eles esquecem que isso é um pouco complicado para nós das organizações. De uma forma crítica, olhando também para a sociedade civil, percebe-se que a sociedade civil um tanto quanto se acostumou a ser financiada pelas agências de cooperação internacional e não buscou de alguma maneira um processo mais dinâmico ou criativo de encontrar recursos para a sua sustentabilidade ou mesmo para favorecer a sua atuação nas mais variadas áreas, então este movimento chega agora de uma forma um tanto quanto brusca para a maioria das organizações, ao ponto de nós observarmos que, infelizmente, muitas organizações, até mesmo já consolidadas da sociedade civil, tendo que fechar as portas porque não conseguiram favorecer essa dinamicidade, essa criatividade da

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busca de uma sustentabilidade já que ficaram por completo dependentes da estrutura das agências de cooperação internacional. E muitas já na atualidade têm saído mesmo, as sedes representantes do Estado brasileiro, e têm se encaminhado para outras regiões, em especial, ou outros países considerados mais específicos na América Latina, na região da África, e até mesmo no continente asiático.

3.6.2 CONJUNTURA ECONÔMICA INTERNACIONAL

Outro elemento de dificuldade para as entidades de defesa de direitos entrevistadas, também relacionado ao financiamento internacional, é a conjuntura econômica internacional. Alguns entrevistados apontaram para dois fenômenos da conjuntura que estariam relacionados à redução dos recursos internacionais no Brasil. Primeiro, os graves impactos da crise financeira no Norte global teriam retirado recursos dos financiadores, tradicionalmente originários da Europa e dos Estados Unidos. Segundo, a valorização da moeda brasileira frente ao dólar e ao euro desvalorizaria, em alguma medida, o financiamento obtido no exterior. Assim, os recursos captados em dólar e em euro que, há alguns anos, teriam grandes potenciais, hoje não possibilitam as mesmas atividades, em razão do fortalecimento da economia brasileira:

hoje só temos o Fundo de Combate à Vítima de Tortura, que é da ONU, e que infelizmente o valor tem reduzido, porque a gente recebe em dólar, e o valor tem sido cada vez mais reduzido. […]

3.6.3 ENTRAVES BUROCRÁTICOS DO FINANCIAMENTO NACIONAL PÚBLICO

Dificuldades relacionadas à formulação de projetos e à prestação de

contas de financiamento obtidos junto a órgãos públicos em âmbito nacional foram mencionadas em, ao menos, 22 entrevistas. Segundo alguns entrevistados, há barreiras importantes ao acesso a recursos, em especial a necessidade de tempo e expertise para construir projetos, notadamente em entidades menos profissionalizadas, que não têm pessoal dedicado exclusivamente a essa tarefa:

A nossa maior dificuldade não é financeira [...], mas é porque a gente às vezes até perde editais de financiamentos por falta de gente para sentar [...] e fazer projetos ter qualificação, competência técnica pra fazer, tem muita gente boa, mas que às vezes não sabe fazer um projeto. Eu não posso parar de dar aula, ganhar meu sustento para fazer isso, tenho feito muito, então a nossa maior carência é recurso dinâmico [...] o dinheiro também resolveria isso porque contrataria alguém.

A gente não tem tempo de fazer projeto, só para você ter uma ideia. Não temos estrutura. Tem entidade que tem estrutura só para fazer projeto, nós não temos ninguém que tenha essa expertise. Porque aqui se trabalha muito, muito, não tem nem tempo para correr atrás de dinheiro.

Não apenas a “porta de entrada” do financiamento público no Brasil é vista como dificultosa, mas também a de “saída”, isto é, os controles sobre prestação de contas. Diversas entrevistas apontam para uma regulação excessivamente burocrática e rígida sobre a prestação de contas das entidades, como, por exemplo o Sistema de Gestão das Transferências Voluntárias da União (SICONV). As exigências seriam idênticas àquelas impostas a empresas, e comprometeriam, elas mesmas, o financiamento a que visam fiscalizar:

O próprio Estado estabelece regras tão específicas que a gente hoje acaba... você pega determinados recursos, no

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mínimo 30%, 40% dos recursos vão ser empregados só na contabilidade, nas prestações de contas.

Nós precisamos de marco jurídico próprio pras Entidades, porque através do marco jurídico que nós temos hoje as ONGs, Governos e Prefeituras ficam no mesmo patamar e a gente sabe que as ONGs não têm a mesma estrutura que uma prefeitura então ela tem mais dificuldade na hora de realizar convênios, dada as exigências que são feitas.

A questão é que a maioria desses recursos é carimbada para projetos específicos. Primeiro. E segundo que esses recursos que são provenientes de convênio com o Estado, respondem à lei de licitações. Então isso descaracteriza completamente o trabalho político das organizações, e as coloca em uma armadilha de prestação de contas, como se elas fossem uma empresa, e tal, o que dificulta muito. Muitas organizações, a maioria delas, não têm capacidade técnica para isso.

Além disso, segundo alguns entrevistados, determinadas exigências burocráticas seriam incompatíveis com as atividades-fim da entidade financiada. Um exemplo identificado em uma entrevista chama a atenção para o fato de que, se um membro da entidade ocupa uma posição em um conselho de políticas públicas – o que seria uma atividade central para a entidade –, a organização a que ele está vinculado não pode obter financiamento junto àquele ente federativo:

Tem uma coisa interessante, a gente acaba sendo penalizado porque existe um acórdão no TCU de que quando você está no conselho, por exemplo, como no CONAD, que é o Conselho da Secretaria de Direitos Humanos, da SNDH, você não pode conveniar com a SNDH, então você acaba sendo penalizado por fazer defesa de direitos. [...] A gente tem, assim, muito pra fazer e pouco fôlego pra financiar. Isso

não é culpa nossa, isso é culpa de uma legislação que não contempla.

Outro exemplo, ainda neste sentido, seria a ausência de flexibilidade para financiar determinadas necessidades da entidade:

É muito difícil que eles [financiadores públicos nacionais] aceitem custear as despesas de custeio normais... Uma secretária, nós não temos uma secretaria e fica muito difícil acompanhar. A jornalista, ela acaba fazendo muita coisa que a secretária trabalha, o que atrapalha o trabalho dela. Porque eles geralmente não aceitam essas, que são despesas de atividades, mas que sem elas a atividade não é tocada.

Adicionalmente, em alguns casos, dificuldades relacionadas ao financiamento nacional público seriam decorrentes do distanciamento da realidade da atividade financiada. Em um exemplo oferecido por um entrevistado, o financiamento de uma atividade com um determinado público foi encarecido porque, caso contrário, não haveria forma de justificar as despesas:

Outra dificuldade é que como a gente trabalha com comunidades quilombolas, se eu for fazer uma oficina nas comunidades quilombolas no território do sapê do norte no norte do Estado do Espírito Santo, o pessoal não come pão lá, então eu não vou ter nota fiscal. Se eu for fazer lá na comunidade, como seria melhor pra gente, porque fazendo na comunidade a gente podia de repente fazer um trabalho, um curso com 100 pessoas, mas eu não posso fazer isso porque pra fazer lá eu vou ter que comprar pra eles comerem mandioca, aipim. Mas aí eu não vou ter nota fiscal pra fazer prestação de contas, então dançou. O que eu tenho que fazer? Tenho que ir pra um hotel em [outra cidade], colocar 20 pessoas por um custo que é o dobro do que seu eu fizesse lá na comunidade. A gente pensa, na verdade com isso daí eu

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estou fazendo só pra favorecer o suporte, o mecanismo turístico d[a outra cidade] porque quem vai ganhar é o cara do hotel, não os quilombolas. Então a gente começou a dizer “não vamos mais querer isso não”. Hoje, que eu saiba, nós não temos nenhum (financiamento com recursos públicos) por conta dessas coisas.

A morosidade na renovação de convênios com o Poder Público seria outro elemento de dificuldade, na visão das entidades de defesa de direitos:

A gente faz um planejamento financeiro e isso daí vai de acordo com a queda ou não da moeda e temos convênio com o Governo Federal, Governo do Estado e alguma coisa com o Governo Municipal. A questão principal é realmente essa questão da renovação, muita dificuldade, a questão da prestação de contas também é sempre muito séria, porque cada vez que a gente faz uma prestação de contas é de um jeito. Isso eu falo dos Governos. Cada vez que a gente faz de um jeito, eles querem de outro jeito e as renovações dos Convênios são sempre muito traumáticas, muito difícil. Eu acho que essa é a principal dificuldade [...] São as financiadoras que, às vezes, ficam emperrando o dinheiro por um monte de formalismo, renovação de convênio, principalmente os Órgãos Públicos: Secretarias, Município, o Estado em União mesmo

3.6.4 FALTA DE CULTURA DE FINANCIAMENTO NACIONAL PRIVADO

Para alguns entrevistados, outro tipo de dificuldade relacionada ao financiamento seria a ausência de um setor privado, no Brasil, mais atuante no suporte às entidades de defesa de direitos, tanto do ponto de vista de pessoas físicas quanto de empresas:

É complicado você conseguir dinheiro brasileiro quando você fala em direitos

humanos. É uma coisa que ainda não está na cultura das Fundações brasileiras, dos empresários, dos doadores.

Mas ainda não tem uma democracia consolidada, [...] uma sociedade que faça com que os indivíduos doam para os fundos, que os fundos sejam acessíveis, que eles possam descontar do seu imposto de renda. Que é como acontece nos outros países, em que deram esse passo. Eu acho que isso precisa ser feito no Brasil [...].

Internamente nós não temos ainda uma cultura de doação, ou seja, a sociedade civil brasileira, fora aqueles como eu e outros que se envolvem diretamente no trabalho, criam ONG’s, trabalham voluntariamente para alguma coisa, nós temos pouca cultura para doação de alguma coisa, de apoio da sociedade a organizações autônomas da sociedade. Isso não está na cultura do brasileiro, sobretudo em trabalhos de política, que é o que a gente faz, né?

3.6.5 BLOQUEIOS TEMÁTICOS

Adicionalmente, alguns entrevistados apontaram para a existência de bloqueios a determinados temas de atuação. Em certas áreas, a obtenção de financiamento enfrentaria a dificuldade de não ser bem aceita perante os financiadores, sejam eles públicos ou privados, nacionais ou internacionais, em diversas temáticas.

Em questões LGBT, por exemplo:

A gente percebe que determinadas temáticas não são bem vistas, né, se você quer trabalhar no âmbito dos direitos da criança com, sei lá com educação infantil, com mortalidade infantil, com crianças em situação de recolhimento institucional, esses recursos costumam ser mais fáceis, mas trabalhar com menino que comete infração, com adolescente LGBT, [...] isso normalmente é muito difícil de conseguir recurso, né, assim, o mundo da infância inclusive é um mundo que tem muitas organizações financiadoras que são

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religiosas, então é, há uma dificuldade temática né, de haver financiadores pra essas temáticas

O preconceito. Não querer ligar a marca à questão LGBT. Questões que a gente acaba esbarrando no dia a dia, como qualquer outra questão; como HIV acontece, e como outras questões. É bonitinho você fazer um trabalho com criança, com meio ambiente, com idoso – não é? Isso é fácil você conseguir [financiamento]. Agora, questões mais polêmicas e mais... não é? Essas minorias sempre ficam para trás.

Como a gente trabalha com uma matéria que é de fronteira, nós temos instituições que não querem se vincular com a matéria e com a discussão e com essa bandeira. O arco-íris, apesar de ter um conjunto de cores muito bonito, não é bem aceito quando quer colocar a tua cara estampada ali.

Em temas cujo impacto é visto como menos “concreto”:

Então é até mais fácil “Eu doo para os velhinhos, para uma associação filantrópica, eu sei que o dinheiro vai ser usado para dar comida para uma criança, uma coisa bem concreta, mas realmente as pessoas não dão dinheiro para quem trabalha na defesa dos direitos dos idosos, entendeu? Ou quem trabalha na defesa do direito das crianças, é mais difícil, porque é mais imaterial.

Em temas que tencionam mais claramente as instituições públicas, como o modelo econômico e a violência institucional, respectivamente:

Então tu vai botar o dedo na ferida e muitas vezes atacar o interesse do próprio Estado. Então, principalmente nessa política desenvolvimentista que vem sendo posta em prática no Brasil, houve nos últimos anos um corte total de apoio à construção de entidades que estivessem voltadas pra isso.

[...] Outra dificuldade que nós temos

específica da [entidade]: não tem empresa, não tem ONG, não tem instituições internacionais ou nacionais, que se preocupem mais com tortura, o que dá impressão é de que não existe mais tortura no Brasil. Então a moda agora é o desenvolvimento sustentável, então a moda agora é o meio ambiente, então todas as empresas querem fazer a sua função social e trabalhar com a questão do meio ambiente, ainda tem a coisa do bonito, para o inglês ver, que é aquele trabalho com criança e adolescente, então também a demanda para criança e adolescente é maior. Então eu vejo essas duas áreas que sempre estão crescendo, hoje crescendo cada vez mais, a questão do meio ambiente e a questão da criança e do adolescente. E bom, quem trabalha com direitos humanos, especificamente no caso de tortura, cada vez mais não tem editais que a gente se enquadre, então tem muitos editais que a gente poderia estar junto, mas não tem.

3.6.6 PARTICULARIDADE DA ATIVIDADE JURÍDICA

Um elemento que aponta como causa das dificuldades de obter financiamento é transversal a todos os temas, e relaciona-se com as particularidades da atividade jurídica. Para muitos entrevistados, os tempos do financiamento e dos processos jurídicos são muito distintos e, com frequência, incompatíveis. Enquanto os financiadores tendem a exigir, na visão de alguns entrevistados, resultados concretos a prazos determinados, a atividade jurídica dificilmente traz resultados imediatos ou claramente identificáveis, é imprevisível e, não raramente, demanda muitos anos para se desenvolver. Exemplos dessa preocupação podem ser mencionados:

Cada vez mais, sobretudo os financiadores internacionais que hoje correspondem a 100% da nossa fonte de financiamento,

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querem... querem mais resultados concretos do que trabalho em defesa de direitos, né? Então como o trabalho de incidência é um trabalho que você não tem como garantir um resultado x, y, z no período de um, dois anos, porque são processos contínuos e mesmo você não conseguindo o que queria, o seu trabalho era justamente evitar, diminuir, alterar uma definição negativa, como aconteceu no Código Florestal agora, por exemplo, você não consegue mostrar um resultado concreto, sinceramente. Às vezes tem um projeto de dois, três anos e o resultado vai vir daqui cinco anos quando você não tem mais aquele financiador te apoiando, ou nunca vai ter o resultado apesar de ter trabalhado bem, ou você trabalha mal, mas vem um resultado independente do seu trabalho, ou seja, você não tem como provar para o financiador, não tem como mostrar lá pra eles que você fez um trabalho e apoiou x, y e z áreas que foram implantadas. Então essa é uma dificuldade, cada vez mais os financiadores são mais utilitários, só querem financiar aquilo que eu tenho um resultado concreto no período do meu projeto e, para eu ter um resultado concreto em um ano ou dois anos, não há nada que seja imaterial, são só coisas imateriais? Cada vez mais tem tido mais financiamento para plantar árvore, para construir não sei o quê, para dar um curso não sei do quê, que é o que você consegue comprovar o que fez e menos em processos de longo prazo.

Os projetos, eles estão dentro dos programas e eles são muito dinâmicos, porque são com prazo determinados, então o esforço é fazer uma gestão nos programas pra que os outros projetos vão surgindo dentro dele pra desenvolver as ações. Isso é claro, gera um desequilíbrio, uma possível descontinuidade em algumas ações, como exemplo hoje, o nosso atendimento às vitimas de intolerância religiosa, ela está descoberta porque

o nosso financiamento terminou, então a gente não conseguiu engatar outro financiamento para esse tema na defesa dos direitos humanos, então há naturalmente uma divisão de esforço pra poder continuar com as ações de defesa nessa área. [...] é uma questão continuada, é uma questão que geralmente não termina. Esse é um problema da defesa de direitos na descontinuidade dos convênios, que, por exemplo, eu tenho vários casos sobre intolerância religiosa e não consegui operar um convênio que cobrisse essas ações. O recurso termina, mas os processos continuam e eu não posso chegar pra vítima e dizer “Olha, então, sinto muito, a gente não tem mais como atender porque acabou”, então a gente segue no atendimento desses casos.

A gente tem muita dificuldade. Sobretudo nessa linha da defesa, né? Hoje é a linha... a nossa ação digamos, o nosso eixo com maior dificuldade pra conseguir assegurar recursos, né? É exatamente o eixo da defesa... Então, sem dúvida nenhuma... Assim, as agências de cooperação com quem nós tínhamos essa parceria, esse apoio financeiro; hoje a gente está extremamente restrito e sofrendo mudanças radicais que nos dificultam a assegurar essa contratação de advogados. E aqui no Brasil então, ainda é muito difícil também. A gente conseguir assegurar recurso pra essa linha da defesa. [...] ainda são projetos pontuais, por [...] curto espaço de tempo e que nos assegura, digamos, apenas 4 horas de um advogado por exemplo, por seis meses. Então realmente nos dificulta fazer esse trabalho sistemático, principalmente porque a ação do advogado, quando você entra com uma ação de defesa, a gente não consegue ter a garantia do direito em seis meses... A realidade do sistema de justiça e dos processos e de todas das questões relativas à defesa de direitos, o processo

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chega a passar aqui um tempo mínimo, médio, de 5 anos, né? Podendo chegar até a 10 anos de processo, quando a gente consegue assegurar no projeto, se você consegue o máximo de tempo, que é o que a gente tem de alguns projetos, são de 3 anos. Mas infelizmente, nessa área de defesa de direitos, os recursos são cada vez mais pontuais, mais restritos, que vão exatamente de encontro a essa realidade temporal da defesa do direito.

3.6.7 COMPETIÇÃO POR FINANCIAMENTO

O último elemento identificado como uma dificuldade na obtenção de financiamento por parte das entidades entrevistadas está relacionado à lógica competitiva da busca por recursos. Em diversas entrevistas, o sistema de disputa por meio de editais e concorrência pública, tanto no plano internacional quanto nacional, leva a situações esdrúxulas, como colocar entidades que, com frequência, atuam em parceria, para competir por determinados recursos:

Há, de uma maneira geral uma dificuldade de acessar os poucos recursos que têm para um número enorme de organizações que concorrem nesse espaço [temático] [...].

O cenário da minha entrada confundiu--se com o cenário dessa diminuição das pautas da advocacia no caso do governo federal, acaba que tem uma tensão dialética aí, porque por um lado existem editais que contemplam um pouco essas pautas, mas aí gera também um sentido de competitividade às vezes com os próprios parceiros, né, a gente não conta no gibi quantas vezes a gente teve que cortar recursos com outros parceiros que nacionalmente são os mesmos que a gente lida anualmente, que a gente senta anualmente para dialogar sobre qual é a pauta ou qual é a política de Direitos

Humanos, qual é a necessidade inclusive de a gente se rearticular para fazer frente às violações perpetradas inclusive pelo próprio Estado, eu acho que esse é o grande problema.

A partir dos dados até aqui apresentados, é possível visualizar a multiplicidade de experiências de defesa de direitos captada na amostra. Há importante variedade nos temas de atuação e nas atividades desenvolvidas pelos atores estudados. Igualmente, elementos de estrutura e financiamento das entidades mostram-se bastante variados e estão relacionados ao perfil temático e de atividades das entidades. Na seção seguinte, a resposta à pergunta sobre quem são as entidades de defesa de direitos que compõem a amostra será completada por meio da descrição do perfil da atuação jurídica dessas entidades. Com base na construção deste perfil das entidades, será possível avaliar como interagem, nessas diversas áreas temáticas, formas de atividades e âmbitos de atuação, com os órgãos do Estado que desenvolvem uma advocacia de interesse público. Tendo o retrato do que fazem essas entidades, viabiliza-se uma comparação com a atividade de instituições estatais e uma investigação informada dos seus conflitos, complementaridades e potenciais de otimização.

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Como apresentado no tópico anterior,

das 103 entidades estudadas nesta

pesquisa, 90 desenvolvem algum tipo de

atividade jurídica, tais como: orientação

jurídica, mediação ou conciliação,

acompanhamento de processos e, por fim,

propositura de ações judiciais individuais

ou coletivas.

4 - ATUAÇÃO JUDICIAL

Tabela 13. Atividades jurídicas

Atividade jurídica Número de entidades Número de entidades que mudaram a atividade ao longo do tempo

Orientação jurídica 33 4

Mediação e conciliação 6 1

Acompanhamento processual 20 2

Ação judicial individual 50 21

Ação judicial coletiva 34 4

Muitas dessas atividades jurídicas desempenhadas pelas entidades mudaram ao longo do tempo, por diferentes fatores, que serão explorados em cada um dos sub-tópicos a seguir.

Além disso, foram mapeados dife- rentes métodos utilizados pelas entidades de defesa na atuação judicial. Desde seus critérios de seleção de casos, como combinam a estratégia de atuação judicial com outras estratégias, ou mesmo a sua atuação especializada em determinados fóruns, como o Supremo Tribunal Federal e o Sistema Interamericano de Direitos Humanos. No geral, esses métodos caracterizam um processo de especialização do trabalho das entidades de defesa de direitos.

4.1 ATIVIDADES JURÍDICO-JUDICIAIS

4.1.1 ORIENTAÇÃO JURÍDICA

A atividade de orientação jurídica é comum a boa parte das entidades de defesa estudadas e pode se manifestar de diferentes formas. Ela pode estar tanto

mais relacionada a uma forma de advocacia tradicional, de orientação dos “clientes” com relação aos seus direitos, quais órgãos acessar, seguida ou não de oferta de ação judicial por parte da entidade, quanto a uma forma de assessoria jurídica popular, ligada a atividades de formação da população em direitos, de empoderamento de comunidades, grupos e movimentos sociais. Essa forma de assessoria jurídica popular está ligada à ideia de que os protagonistas dos direitos são as próprias pessoas e não os advogados. Os advogados ou o direito não poderiam pautar a ação dos movimentos.

Uma mudança nesta atividade, relacionada também a uma mudança que diz respeito à atuação judicial individual (analisada em tópico a seguir), é a que algumas entidades estão fechando suas portas para o atendimento direto. Falta de recursos e de pessoal afastam as entidades de uma atividade de advocacia no estilo de “balcão de atendimento”, de portas abertas a todas as demandas que entrarem. Por isso, restringem-se à orientação jurídica,

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encaminhando os casos para atendimento por parte dos órgãos de litígio do Estado, quando for necessária a propositura de ações judiciais.

Depois de anos trabalhando com o consumidor, hoje a gente tem um banco de dados que é acessado exclusivamente para o associado, mas também várias orientações ali viram dicas para o consumidor, que fica no site, disponível para todo mundo, claro. O que a gente tem é o atendimento pessoal, a gente tem o atendimento pessoal, mas não para virar ação judicial.

Uma atividade que a gente continua é o apoio jurídico aos parentes e familiares da [nome da Rede], […] que trabalha organizando familiares de presos e lá a gente tem dado algum suporte na questão tanto de educação em direitos como na questão de casos específicos, principalmente para eles conseguirem entender os casos. Então a gente nem atua nos casos, a gente faz para a Defensoria, mas tenta fazer essa intermediação às vezes e essa ponte. […] Tem questão de orientação jurídica para os movimentos, por exemplo, antes de eles fazerem alguma mobilização, a gente explica os riscos jurídicos envolvidos na mobilização, que você ocupar o terreno, o que significa isso juridicamente, o que pode gerar de consequência... E tem atuação in loco, no momento do conflito com a autoridade policial ou no momento em que a pessoa é encarcerada.

Um diferencial que costuma ser apontado pelas entidades de defesa em relação ao serviço de orientação jurídica que oferecem, em comparação aos serviços do Estado, é o atendimento multidisciplinar, a combinação de atendimento psicológico, social e jurídico, quando necessário. Enquanto os órgãos do Estado estariam mais voltados à tradução jurídico-judicial dos problemas apresentados, o atendimento

multidisciplinar provocaria uma melhor recepção das pessoas, uma abordagem mais global do problema apresentado e, por vezes, até a sua solução, sem a necessidade de uma ação judicial. Para as entidades com o perfil de assessoria jurídica popular, o objetivo é o de empoderar as pessoas atendidas. A preocupação do atendimento multidisciplinar é a acolhida, em não tornar este momento mais um momento de vulnerabilidade para a pessoa.

Orientação jurídico-social, a pessoa chega, às vezes meninos ameaçados correm para [a Entidade], hoje em dia bem menos, acho que há mais de dois anos não tem isso, mas acontecia, o menino ameaçado ia para [a Entidade] e falava “Olha, estou com a roupa do corpo, não tenho pra onde voltar”, “Vamos dar um jeito”. Desde isso, até, que era muito costumeiro, mães de meninos que já eram e já tinham passado por medidas lá, que conheciam [a Entidade], tinham como referência na região para orientação jurídica, social, às vezes para compartilhar uma angústia, uma aflição em relação à vivência e aí a gente também fazia certa contenção ali com ela, de acolhimento e aí sim, vamos atender demandas objetivas. “Não tem? Tem. Mas não são demandas que [a Entidade] vai dar conta”, “Então vamos encaminhar”. Então [a Entidade], apesar de fazer atendimento porta aberta, de orientação jurídica, questões trabalhistas, penitenciárias, socioeducativas, cíveis, adoção, guarda, tudo isso, também sempre... Atendimento não só feito por advogado, mas advogados, assistente social, pedagogo, quaisquer profissionais que estavam [na Entidade], a gente achava que tinham que ter capacidade de fazer o atendimento, especialmente a acolhida. Depois, a gente achava que era importante, se a demanda persistisse, que a pessoa acessasse os serviços públicos estatais, que não ficasse ali, por exemplo, recebendo atendimento psicológico por

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três, cinco meses. Que ela fosse acessar a UBS e a gente ia com ela ou encaminhava, “Pode atender? Ela vai chegar aí...”, às vezes estava frágil e fragilizada, e aí acessava o serviço público. A gente privilegiou os serviços públicos estatais.

Nós trabalhávamos o lado da autoestima dessas mulheres. [...] Não eram só atendidas mulheres, eram atendidos o homem e a mulher, porque tiveram muitos casamentos também que foram salvos por conta desse atendimento. Porque, às vezes, a mulher vem como vítima e conversando com o marido dá um entendimento nos dois. Também a gente não pode só ter aquele olhar, que a mulher só ela que é vítima. Às vezes a mulher não sabe lidar com um problema, e aí é uma orientação que ela precisa ter. E às vezes não é a violência do marido, que o marido também está sendo uma vítima. A partir do momento que você conversar, encaminha para um psicólogo, para algum [...] às vezes é problema na saúde. Nós falamos que na época a gente era advogada, assistente social e psicóloga ao mesmo tempo. [Entrevistador] Fazendo todo o atendimento completo... mas vocês tinham de fato psicólogos trabalhando naquela época? [Entrevistado] Não, psicólogas eram as mulheres (risos).

É interdisciplinar o atendimento, sempre, em todos os projetos. […] A gente também faz roda de conversa com as vítimas de violência, trabalha a questão de gênero, a autoestima, o empoderamento da mulher, não é só atender, tem muitas outras questões que são do contexto do nosso atendimento, diz respeito à pessoa ter a condição necessária para romper o ciclo da violência, que não é só uma demanda jurídica, é muito mais do que isso.

4.1.2 MEDIAÇÃO E CONCILIAÇÃO

Poucas entidades mencionaram trabalhar com a atividade de mediação e conciliação. As que praticam, normalmente são entidades que trabalham com um

grande volume de demandas, com um perfil de advocacia de “balcão de atendimento”. Essas formas de mediação e conciliação surgem, em parte, como uma necessidade de reduzir o volume de trabalho dessas entidades, de evitar o custo operacional e de recursos humanos de manter tantas ações judiciais em andamento.

[A Entidade] tem como concepção a ideia de que nem sempre judicializar é o melhor caminho. Então a gente tem também um grupo de mediação, uma área que cuida de mediação e, às vezes, a gente vai buscar a solução pro problema na esfera administrativa com pedidos administrativos, representações, às vezes inquéritos civis que a gente provoca o Ministério Público a abrir uma investigação, e aí almejando talvez um TAC, sem a necessidade de judicializar o caso.

4.1.3 ACOMPANHAMENTO PROCESSUAL

O acompanhamento processual aparece nas entidades de defesa de direitos como diferentes formas de controle. Ele pode ser um desdobramento do atendimento individual, da orientação jurídica, que foi feito na entidade, e que resultou no repasse do caso para órgãos de litígio do Estado, na sua etapa de ação judicial.

Manda para a Defensoria Pública, mas aí não tem uma interlocução direta com o Defensor, porque a pessoa vai, pega fila, triagem, até virar processo demora um mês e tal. E aí a pessoa está lá e a gente monitora de longe. Às vezes liga pra pessoa “Deu tudo certo?”, mas a pessoa tem que ter autonomia. A gente orienta, mas não fica em cima do Defensor tutelando. A gente acolhe e depois monitora, às vezes tem devolutivo da família, às vezes não.

Aqui, o controle pode se dar sobre o trabalho desses órgãos do Estado, sobre os prazos, manifestações. Um trabalho de

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orientação prolongado, que pode se limitar ao atendido ou envolver também contatos diretos da entidade com defensores, promotores e procuradores.

O jurídico do Incra e a própria Defensoria Pública da União acabam não fazendo o trabalho que deveria ser feito, de acompanhamento jurídico dos casos dessas pessoas, desses grupos, então a gente acaba assumindo esse trabalho.

Como está na estratégia da organização essa questão que é acompanhamento do conselho, das formas de participação popular, a nossa forma de monitoramento é muito constante, então a gente tem que dar uma olhada no processo, ver o que está acontecendo, ver se foi julgado o agravo. O Ministério Público não tem isso, porque entra no bolo, entra na estrutura. Então às vezes a gente percebe que teve uma movimentação, a gente aciona pra falar “Olha, tem que tentar alguma coisa aqui, tentar fazer uma articulação com o legislativo, tal”.

Por vezes, o acompanhamento processual pode ser uma forma de trabalho de a entidade se colocar como ponto de mediação entre as comunidades, grupos, movimentos sociais e o trabalho dos órgãos de litígio do Estado, justamente por conhecer esses grupos, suas demandas, e já ter uma compreensão maior sobre os seus problemas.

Não dá pra um advogado de um centro de defesa bancar com toda a demanda que se tem aqui, mas tem casos que a partir deles se possa pensar em intervenções dentro do território. Então eram esses casos que [a Entidade] não assumia, o advogado não assumia muitas vezes de acompanhar o caso, mas de ser o elo, junto à Promotoria, junto à Defensoria. A proposta não era de assumir os casos, mas de ter um profissional que tivesse esse entendimento da Defensoria popular, de você estar preparando lideranças da comunidade. […] A importância de muitas vezes não pegar

o caso, mas de você estar assessorando quem está lá, e de, enquanto centro de defesa, a gente produzir documentos que muitas vezes não é dos fatos, mas que consegue dar elementos para entender como que é essa questão da comunidade, como que é organizada a comunidade.

O acompanhamento processual pode significar também o monitoramento de processos judiciais, da jurisprudência formada sobre determinados direitos. Isso gera uma melhor compreensão sobre o posicionamento do Poder Judiciário no tema com o qual a entidade trabalha e sobre como e onde a intervenção da entidade se faz mais necessária. Esse acompanhamento, normalmente, está relacionado à atividade de pesquisa da entidade e a formas de incidência pontuais, como a apresentação de amici curiae ou lobby judicial.

Conforme foram aparecendo as ações, a gente começou a acompanhar. Então, quer dizer, já havia um acompanhamento, mas também o que aconteceu foi muito no sentido de descobrir o que existia. Então, acho que a área jurídica começou um pouco assim, entendendo o que estava acontecendo. [...] A gente acompanha alguns casos mais polêmicos no Supremo. […] A gente não tem nenhuma ação […], mas a gente monitora as ações, e naquelas em que a gente acha importante, que a gente tem condição, a gente apresenta manifestação, seja com amicus curiae nas ADINs. Nas ADINs, em todas a gente participa, ou vai participar […]. Ou a gente pede a nossa admissão como litisconsorte, então, por exemplo, nas ações do Ministério Público aqui em [cidade], a gente pediu nossa admissão como litisconsorte. Agora, não são todas as ações que a gente consegue entrar, mas a gente monitora.

Por fim, o acompanhamento processual também aparece nas entidades que não trabalham mais com ações

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judiciais individuais, mas que possuem um passivo de casos, correspondente a outro período de atuação, que requerem acompanhamento.

Hoje em dia, nós não fazemos muito mais isso [ações judiciais], porque a gente não tem mais pernas pra fazer, mas ainda tem mais de 40 processos que a gente acompanha no decorrer dos anos por conta de que naquele momento, no final da década de 1990, a gente entendia que a gente precisava atuar juridicamente nos processos, ou como assistente de acusação ou como advogado de defesa em alguma situação que alguma pessoa fosse acusada injustamente, mas hoje a gente entende que a gente precisa fortalecer cada vez mais as instituições e não [a Entidade] atuar diretamente, até porque a gente não tem como fazer isso.

4.1.4 AÇÃO JUDICIAL INDIVIDUAL

Esta é a atividade jurídica realizada pelas entidades que mais sofreu alterações ao longo do tempo. A tendência geral das entidades é a de deixar de trabalhar com ações judiciais individuais ou a de alterar o modo como este recurso é utilizado pela entidade. A criação da Defensoria Pública em vários Estados, a diminuição de recursos destinados a esse tipo de trabalho nas entidades da sociedade civil ou, ainda, o diagnóstico da ineficiência da via judicial para a solução de problemas estruturais, são alguns fatores frequentemente apontados pelas entidades para essa transformação.

As Defensorias Públicas absorveram boa parte das demandas individuais com as quais as entidades de defesa de direitos trabalhavam. Convênios pelos quais as entidades financiavam este tipo de trabalho foram descontinuados. Há uma percepção por parte dessas entidades de que é responsabilidade do Estado oferecer esse tipo de serviço e de que o papel

das entidades poderia ser o de fortalecer essas instituições, influenciá-las para que absorvam as suas agendas, controlar a qualidade do seu trabalho.

Fizemos uma parceria com a Procuradoria de Assistência Judiciária [do Estado], onde a defensoria pública passava pra gente um recurso onde a gente pagava três advogados e três estagiários. Com isso, a gente montou nosso centro jurídico. Dentro desse trabalho nós conseguimos atender mais de 15 mil mulheres, vitimas da violência doméstica a partir de 1996. […] Quando surgiu a Defensoria Pública, nós perdemos o convênio da Procuradoria do Estado e aí a gente focou o nosso trabalho na questão da geração e renda pras mulheres.

Lá em meados da década de 1990, principalmente [na Entidade], essa era uma atuação mais direta, primeiro não se contava com a Defensoria Pública porque ela simplesmente não existia, e o Ministério Público, como eram muitas questões criminais envolvendo os trabalhadores, era o autor muitas das vezes contra os trabalhadores, então [a Entidade] acabava exercendo esse papel sozinha, na defesa dos trabalhadores. Principalmente dos trabalhadores que eram criminalizados pela luta pela reforma agrária. Agora, ao longo dos últimos dez anos é que as entidades têm esses outros atores. O Ministério Público e a Defensoria Pública têm sido listados para participar desse processo do sistema judiciário, seja as entidades fazendo representações para esses órgãos, seja articulando a participação desses órgãos também em audiências em outros momentos.

No final da década de 1990, a gente entendia que precisava atuar juridicamente nos processos, ou como assistente de acusação ou como advogado de defesa em alguma situação que alguma pessoa fosse acusada injustamente, mas hoje

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a gente entende que precisa fortalecer cada vez mais as instituições e não a [entidade] atuar diretamente, até porque a gente não tem como fazer isso.

A gente participou do movimento de criação [da Defensoria Pública]. Uma vez criada, a gente sempre compartilhou casos com a Defensoria, mas casos que já estavam lá ou casos que a gente achava que teriam de ser judicializados e que a pessoa não tem como pagar advogado, a gente orienta a Defensoria. Por quê? Porque a gente não quer pegar processo. Por quê? Porque a gente acredita que acesso à justiça é um direito que tem que ser garantido também por mais um serviço estatal. Não à toa a gente lutou pela criação.

Hoje a gente concentra no atendimento de famílias com crianças e adolescentes vítimas de crimes, mas nessa trajetória [da Entidade], [a Entidade] também já atendeu adolescentes em conflito com a lei. Era um número muito grande de adolescentes que cometiam ato infracional, que precisavam de defesa técnica, e que, por falta de Defensoria Pública, não tinham atendimento qualificado e [a Entidade] realizava essa atividade. Isso mudou nos últimos anos após um movimento da Defensoria Pública de receber esses casos. Então alguns casos que tinham esse foco aqui [na Entidade] foram repassados pro atendimento pela Defensoria Pública e hoje nós não fazemos mais esse tipo de defesa técnica, por entendermos ser papel da Defensoria Pública. Então nosso movimento hoje é fortalecer e ter uma Defensoria Pública forte no estado pra realizar essas atividades.

Algumas entidades voltaram o seu foco para ações judiciais de dimensão coletiva ou para ações individuais exemplares, com capacidade de repercussão, ou mesmo para fora da dimensão judicial, investindo em iniciativas de incidência política, advocacy, lobby ou reforma das instituições de justiça.

[A entidade] começou com casos individuais, [...] tinha algumas assistências de acusação, ou dos casos de violência sexual, ou de casos de assassinatos de adolescentes, que é uma estratégia que a gente não faz mais hoje, que é assistência de acusação, mas no início tinha, então começou com um caráter mais individual. [...] Quando a gente faz a defesa técnica de um caso emblemático de adolescente, a quem se atribui a autoria de ato infracional, mas o que a gente procura com esses casos individuais é dar uma repercussão coletiva, que outras pessoas... é aí o trabalho da assessoria de comunicação é importante também para fazer a difusão de uma vitória no Judiciário, de uma possibilidade de discutir um determinado direito por essa via.

Em um dado momento, a gente começou a viver uma situação que [a entidade] tinha fila na porta e aí a gente começou a falar “Não, espera aí, a gente quer, [a entidade] quer pensar num lado de realmente mudar um pouco e melhorar a defesa, mas não só isso, pensar em estratégias políticas, em fortalecimento do instituto de direito de defesa”, né? A gente começou a perceber que a gente estava... começamos a ter uma sensação de que a gente estava enxugando gelo, que precisávamos pensar um pouco em um lado mais macro, de pensar em políticas públicas e que não dava pra ficar atendendo sem ter uma reverberação de alguma forma, sei lá, em construção de indicadores, senão a gente ia ficar atendendo ali e resolvendo aquelas situações pontuais, mas sem modificar uma coisa maior.

Outras entidades mantêm a sua atuação judicial individual, por conta de terem um compromisso historicamente construído no atendimento de casos individuais em um determinado tema ou, embora não estejam atendendo mais novos casos individuais, possuem um passivo de casos, referentes a um período anterior de atuação.

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Fora os adolescentes em cumprimento de medidas, a nossa prioridade é a atuação em causas coletivas e não em causas individuais. Porque a gente entende que nós não somos um balcão de atendimento. Quem deve cumprir esse papel é a defensoria pública. […] Pela questão da própria origem da entidade, do grupo, que vem lá do movimento de meninos de rua, essa coisa toda, a gente assumiu.

Teve certo momento em que a gente ia até o caso, as visitas que fazíamos no sistema penitenciário eram exatamente pra isso e hoje as visitas são reduzidas. Hoje, pelo número de profissionais, […] não estamos atendendo nenhum caso novo, só os antigos porque a gente não dá conta, não tem recursos para manter.

E, por fim, há entidades que apostam na via do litígio individual como instrumento político ou de construção jurisprudencial, via litígio em massa.

A gente faz uma advocacia estratégica na justiça estadual, por exemplo, o mutirão das cautelares. Um dos objetivos desse mutirão era construir uma jurisprudência de qualidade porque era uma lei nova. O que acontece? A jurisprudência precisava se construir naquele momento, ainda, ela fez um ano de lei agora na metade do ano, então a forma como os pedidos chegam ao Judiciário de primeira instância e, principalmente, nos tribunais de justiça, impactam a forma como começa a ser decidido e como começa a se consolidar jurisprudência, então um dos objetivos do mutirão foi “então vamos começar a inundar o Judiciário com pedidos de qualidade, feitos por advogados altamente qualificados pra criar uma jurisprudência minimamen- te positiva”.

Até 90, 94, 95, foram essas ações [individuais]. Aí acabou, agora é só ação civil pública. […] Eram os dois juntos, ação civil pública e tentar formar jurisprudência de um direito, que eu estou defendendo na ação civil pública, [em ações individuais].

4.1.5 AÇÃO JUDICIAL COLETIVA

Como foi visto no tópico anterior, há um movimento de aposta na coletivização da atuação judicial, seja por meio de ações judiciais individuais, seja por meio de ações de dimensão coletiva. Das 34 entidades que mencionaram trabalhar com ações de caráter coletivo, 19 relatam experiência com o instrumento das ações civis públicas, tanto de iniciativa própria quanto em parceria com Ministério Público, Defensoria Pública e outras entidades de defesa ou movimentos sociais. Foram também mencionadas as ações coletivas e o usucapião coletivo.

A gente tem várias ações civis públicas no tema do direito à educação, por exemplo, conseguir vaga em creche, conseguir a reforma de uma escola que o muro está desabando, discutir que não foi na ação judicial destinados os 25% pra educação, então são casos sobretudo coletivos.

Nós sempre tínhamos um trabalho muito incipiente e voluntário dentro das comunidades, da gente ir até as comunidades, principalmente na parte de moradia e tentar urbanização, tentar o usucapião individual e coletivo, e de, imagino que, de quatro anos pra cá, cinco anos pra cá, quando entrou [o convênio com a Defensoria Pública] nós transformamos e institucionalizamos isso. Então hoje temos uma área dentro [da Entidade] para direito coletivo e, em especial, direito de moradia.

Outro tema que também está em andamento e a gente está trabalhado é a questão da educação nos presídios, que a gente entrou com uma ação civil pública junto com [outras Entidades e Núcleo da Defensoria Pública]. […] Os argumentos a gente meio que traçou coletivamente, os pontos que a gente iria abordar. [A outra Entidade] trouxe a expertise de educação, que a gente não sabia, por exemplo, questão de currículo, quem deve fornecer

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educação, todos os argumentos e foi uma experiência muito rica pra gente, de aprender esse lado da educação que a gente não tinha contato, as diretrizes do Conselho Estadual de Educação, Conselho Nacional de Educação, essa expertise eles trouxeram. Mas foi o Núcleo [da Defensoria Pública] que fez basicamente toda a base, a questão da situação carcerária foi a Defensoria Pública, eles trouxeram o apoio jurídico.

No entanto, há várias dificuldades apresentadas pelas entidades ao trabalhar com essas ações de dimensão coletiva, relacionadas a aspectos da própria entidade (competência estatutária, dificuldade de financiamento), bem como a limites de eficácia das próprias ações.

A ação civil pública a gente não tem capacidade postulatória de ajuizar sozinhos, por isso que a ação civil pública precisaria... a Defensoria tem sido nossa parceira.

Até por questão financeira, ela reflete na própria estrutura da organização, então ela sempre tem mais demandas do que a nossa estrutura de recursos humanos, de recursos estruturais, permite, sempre... E nesse sentido dificulta muito fazer a litigância proativa, principalmente a litigância em ações coletivas, como, por exemplo, a ação civil pública, porque muitas vezes ela demanda produção de provas e a produção de provas também demanda muitas vezes uma prova pericial e o Judiciário não tem uma cultura de admitir essa prova pericial.

A gente percebeu muito que ela [a Ação Civil Pública] sozinha não funciona, que ela tem que estar muito ligada à mobilização, à divulgação na mídia, um fato midiático que chame a atenção para o problema, a um fortalecimento da comunidade, então o que que a gente vê muito, ações que ficaram anos se arrastando, tem uma decisão liminar, mas a decisão final nunca se cumpre, um judiciário muito

moroso, e no judiciário da infância uma rejeição por esse tipo de demanda, só quer atender demandas de adoção ou de ato infracional, as outras é muito difícil, então acho que, assim, houve algumas mudanças de estratégia, por exemplo em 2005 se discute o orçamento para a educação, a destinação de recursos do Fundef pela via judicial, é uma grande inovação na estratégia, isso nunca tinha sido discutido judicialmente. Assim, as ações quando você lê, elas também vão ficando mais bem elaboradas, antes eram coisas muito mais simples, e aí isso vai, você vai adquirindo essa maturidade também nessa estratégia, mas ao lado disso houve também uma, uma análise do judiciário a partir dessa atuação muito crítica em que muitas vezes se avaliava, assim, pouco efetiva.

Algumas entidades, por conta desses fatores estruturais, têm enxergado a Defensoria Pública e o Ministério Público como espaços mais propícios para a atuação em ações coletivas.

Coletivas nós não fazemos ações, nós já pensamos em fazer, mas a gente prefere que... é, é visto de outra maneira a ação proposta pelo Ministério Público... Então a gente cria a documentação, instrumentaliza e leva pro Ministério Público. […] Nós levamos como uma denúncia para que se instale um inquérito civil, e se esse inquérito civil, é, eles conseguirem, pode ser que se resolva através de um acordo, ou não, pode ser que tenha que se propor uma ação.

Porque ações públicas nós já tivemos. Mas, como a Defensoria Pública, nessas ações públicas, é muito atuante no [Estado], então essas ações através de uma entidade particular, uma entidade civil, ela não aparece de uma forma tão importante quanto a da Defensoria Pública neste trabalho de defesa do consumidor através de ações públicas.

Há, ainda, um papel importante desempenhado pelas entidades de defesa

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de direitos nessas ações de dimensão coletiva, o de comunicação com os movimentos sociais, comunidades e grupos. As entidades fomentam essa forma coletiva de ação desses grupos, assim como é demandada para ter uma atuação judicial de dimensão coletiva ao trabalhar com esses grupos.

A gente procurava mostrar que trabalhar coletivamente tem mais força, trabalhar junto, fazer o menor acreditar no menor, a pessoa que está explorada juntar com outros explorados, muito ligada na época do Paulo Freire, a gente conheceu o Paulo Freire e tudo, então essa consciência da educação popular, o método da educação popular onde todo mundo aprende e todo mundo ensina, a gente conseguiu avanços na organização popular, que uma organização passa pela organização popular, pela consciência de cidadania da população.

Tinha uma reivindicação dos movimentos sociais por conta das unidades eclesiais de base. Então, nunca a dimensão coletiva foi esquecida ou abandonada, mas é muito mais fácil você operar, fazer operar um escritório com demandas individuais. Mas inevitavelmente, com a proximidade com os movimentos, vai provocando o surgimento de demandas coletivas e aí a área, hoje chamada de projetos sociais, começa a atuar em casos ligados ao movimento de moradia e, num determinado momento, também temos uma atuação muito forte com rádios comunitárias.

Além de, por vezes, disporem de estrutura e recursos que estes grupos e movimentos não têm, sendo procuradas para atuarem em ações judiciais de dimensão coletiva ou para apoiarem essas ações.

Porque da sociedade civil aqui, só [a Entidade] tem advogados, então por vezes a gente promove ação civil pública, em nome coletivo das instituições da sociedade civil, […] mas pelo fato de a

gente ter advogados.

As ações em geral são ações de comunidade em defesa delas próprias e nós apoiamos essas ações. [A Entidade] não entra, por exemplo, com ação própria para ele mesmo. […] A gente apoia, financia quando é o caso, contrata advogado, dá visibilidade, constrói estratégia junto, mas a gente não tem ações próprias;

Era uma área que as pessoas já moravam há mais de 10, 15 anos... Era uma área ocupada. E algumas pessoas já tinham feito até o curso de juristas. E aí procuraram [a Entidade] para que a gente ajudasse nisso. A gente fez um projeto com duração de um ano, e aí a gente contratou na época um advogado para que ele fizesse todo um estudo da área. E a partir da associação de moradores foi feito um estudo da área, foi contratado um topógrafo para fazer um estudo topográfico e fazer todas as medições. E foi ajuizada a primeira ação de usucapião coletivo urbano [do Estado]. Essa ação ainda está em curso, o projeto era de um ano só, já terminou, mas aí, por um compromisso da entidade, a gente acompanha, mesmo não mantendo verba específica para esse projeto.

4.2 SELEÇÃO DE CASOS

É possível diferenciar entidades de defesa de direitos também com relação aos métodos que utilizam ao atuar judicialmente. O modo como selecionam os casos, com qual objetivo recorrem ao Poder Judiciário, se se valem ou não de outras estratégias paralelamente à judicial, ou mesmo as instâncias de atuação nas quais se especializam, tudo isso auxilia a compreensão do tipo de advocacia existente no universo das entidades de defesa de direitos. Esta parte guarda relação com os referenciais apresentados na introdução dessa pesquisa: quando se aproximam de uma advocacia client-oriented e quando se aproximam de uma advocacia issue-oriented.

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4.2.1 CRITÉRIOS DE SELEÇÃO DE CASOS

Tabela 14. Critérios de seleção de casos

Critério de seleção dos casos Número de entidades

Casos exemplares 26

Demanda 21

Temática 8

Mobilização social 7

4.2.2 DEMANDA

A forma mais tradicional de seleção de casos na advocacia é a da demanda; trabalhar com casos conforme a demanda. Muitas entidades que trabalhavam dessa forma passaram, ao longo do tempo e da experiência de advocacia, a trabalhar segundo outra estratégia, a de seleção de casos exemplares, de impacto, paradigmáticos, para a atuação judicial. Essa mudança guarda relação com a transformação apresentada no tópico anterior sobre ações judiciais individuais.

Pode-se trabalhar conforme uma demanda espontânea, de casos que chegam até a entidade por meio do atendimento jurídico. Ou induzida, por meio, por exemplo, de convênio com a Defensoria Pública ou com outros órgãos de atendimento. Trabalhar conforme a demanda significa que a entidade não tem controle sobre quais casos irá atender.

A gente aqui não se planeja “esse ano vamos fazer tal coisa”, não, a gente sempre age de acordo com a demanda. Vem uma demanda de sem-terra, “vamos atender”, vem uma demanda de sem-teto, “vamos atender”, vem quilombola, “vamos atender”, vem índio, “vamos atender”. Índio e quilombola como eu falei pra ti, é pouca coisa, mas sem-terra e sem-teto é muita coisa, é muito maior do que a nossa capacidade de trabalho aqui.

A Defensoria nos encaminha, o Conselho Tutelar, Delegacias, Centros de Referência,

a porta de entrada nossa é muito grande, UBS, hospital...

Normalmente, a porta de entrada não é nossa, a porta de entrada é a Defensoria. A gente não pode pegar nenhum caso que não seja encaminhado pela Defensoria. Os outros a gente assessora, a gente até pode... mas normalmente a Defensoria encaminha, essa pessoa que já deu a entrada lá no Núcleo, ou de habitação, ou no espaço onde eles atendem o individual, a pessoa é atendida, vem com uma ficha de encaminhamento e aí, de acordo com a situação, se faz uma ação compatível com aquela situação.

4.2.3 TEMÁTICA

Outra possibilidade é a de a entidade estabelecer um critério temático para a seleção de seus casos. Com isso, já se aproximam de uma advocacia issue-oriented. Essa escolha está ligada tanto à necessidade de a entidade manter uma identidade mais clara de atuação quanto aos escassos recursos, para se trabalhar com qualquer demanda que apareça.

[A ação judicial] só existe quando autorizada pela equipe. A gente tem reuniões quinzenais e eu não tenho essa autonomia de pegar a uma demanda que eu acho que tem pertinência para [a Entidade] acompanhar. Não, surge a demanda, eu levo para a reunião, e aí, em equipe, a gente avalia se é pertinente, ou se é um interesse individual de alguém ou se é uma área que a gente não tem know-how ou que a gente não atua há muito tempo. Então, as ações, elas surgem de demandas ou da rede de juristas ou de alunos do curso de juristas e tem de ser sobre assuntos que, primeiro: que a gente tenha atuação.

A gente procura focar porque não tem como atuar em tudo, em todos os tipos de causas, seria pra nós impraticável. […] A assessoria é aberta a pessoas vivendo

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com HIV e Aids, também para populações vulneráveis ao HIV e a gente busca resolver de maneira administrativa, não sendo possível, a gente vê caso a caso aqueles que talvez seja necessário entrar com ação judicial, no âmbito previdenciário ou no âmbito civil.

4.2.4 CASOS EXEMPLARES

Complementar à seleção temática de casos é a seleção de casos exemplares, que seriam aqueles com potencial de repercussão sobre a sociedade ou paradigmáticos em termos de violação de direitos, de exposição das deficiências de políticas públicas ou legislativas. Geralmente, para potencializar os efeitos desses casos, a entidade emprega paralelamente à ação judicial outras estratégias (mídia, articulação social, lobby etc.), que foram vistas na seção anterior. Em outras palavras, o que define um caso exemplar não é apenas a sua natureza, as suas características, mas o modo como é construído o litígio e as estratégias paralelamente empregadas.

A escolha de casos exemplares é, atualmente, a mais empregada pelas entidades de defesa de direitos. É fruto de uma transformação no modo de advogar dessas entidades.

São ações normalmente que levantam aspectos não levantados normalmente pelas ações já propostas.

A gente atua em alguns casos, mas a ideia não é fazer assessoria gratuita em todos os casos, porque a gente não... Obviamente a ideia não é atender uma quantidade grande de casos, mas analisar até onde em alguns casos específicos a gente consegue impactos maiores, que sejam úteis pra uma coletividade ou pra um grande número de casos.

Nós tivemos em 2011 6809 denúncias

de discriminação, e a gente não pode atuar nessas 6809, então a gente atuou em algumas, nas mais chocantes... São algumas que chegam até a gente e a diretoria fala “Essa procede, essa é importante, essa nós vamos criar jurisprudência”.

Um dos possíveis objetivos de se trabalhar com casos exemplares é o de provocar a criação de jurisprudência, de precedentes judiciais favoráveis.

Mas o quê que a gente pode contribuir? É perceber que cada vez mais os precedentes são importantes no Direito Brasileiro, por mais que a gente não seja de common law, que tem essa coisa do precedente como uma norma para todos, uma norma importante, de maior importância... Súmula Vinculante, Súmula Impeditiva, aquela de repetição de recursos no STJ, a Vinculante no STF. As Súmulas, em si, cada vez mais... A própria repercussão geral, tudo isso traz uma dimensão que aproxima o common law, aproxima essa coisa de o precedente ser muito importante. E o nosso programa jurídico atua bastante com precedente para criar jurisprudência positiva para a superação do racismo, para a igualdade racial. Então isso é bastante importante pra gente.

Fazer um diagnóstico e provocar também o judiciário com petições bem fundamentadas, quer dizer, tentar levar isso para os tribunais superiores e começar a criar uma jurisprudência bem-feita, bem construída ali, na medida do possível, mas provocar, fazer uma discussão de alto nível. Era esse um pouco o objetivo.

Outros objetivos podem ser promover debates na sociedade e impactar sobre políticas públicas.

A nossa metodologia fundamental é o que a gente chama defesa jurídico-social, trabalhando inclusive com casos de

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graves violações de direitos humanos, pra fazer não das pessoas desse caso, mas do que aquele caso representa em torno, como violação de direitos humanos, como falência das políticas públicas, fazer a partir daquela situação específica uma discussão maior sobre o Estado e o papel da sociedade, enfim, a garantia dos direitos. […] Ou seja, o caso é um estopim para uma discussão sobre a política, essa é digamos a metodologia que o centro de defesa chama de proteção jurídico-social ou defesa jurídico-social. Essa sempre foi a atividade central [da Entidade], mas como eu te disse, ela se amplia para essas outras questões que a gente entende que precisam ir se agregando à atuação jurídico por, pra que minimamente se consiga alterar o estado de coisas e não apenas tratar de um caso específico.

A questão da vulnerabilidade da vítima, a gravidade da violação e, principalmente, o potencial de repercussão, de decisão da parte da Comissão [Interamericana de Direitos Humanos] para outros casos do Estado brasileiro. Então não adiantaria, no nosso entender, encaminhar um caso que de tão específico só resolvesse aquele. Nós precisaríamos de algum caso que, através da decisão, pudesse dar uma resposta a um conjunto muito maior de violações parecidas, equivalentes, que estivessem acontecendo no Estado brasileiro.

Esse tipo de advocacia de casos exemplares requer também uma especialização temática, um grande aprofundamento. As entidades de defesa acabam gerando um acúmulo de know-how na área.

E nesse tempo todo, [a Entidade] sempre foi referência com o que a gente chama de casos exemplares de violação de direitos humanos. Hoje, em que pese a gente ter essas instituições mais qualificadas, tanto o Ministério Público quanto a Defensoria Pública, e outros núcleos também do

Poder Executivo que fazem... pelo menos se propõem a fazer atendimento a vitimas de violência, mas mesmo assim, ainda assim as pessoas ainda procuram a gente, porque nem todos conseguem ter um atendimento qualificado e a situações de violação de direitos humanos, tem casos que são tão complexos que, de fato, a gente compreende as pessoas e os movimentos, que se [a Entidade] não estivesse atuando, talvez o resultado não fosse o mesmo.

4.2.5 MOBILIZAÇÃO SOCIAL

Para garantir a sustentabilidade da atuação judicial ao longo do tempo, algumas entidades utilizam como critério de seleção a presença de mobilização social minimamente estruturada em torno do caso. Este critério para a seleção de casos está relacionado à estratégia de articulação social, desenvolvida paralelamente ao caso, como será visto no tópico 4.3.2.

Primeiro critério escolha, tem que ter um movimento organizado lá. Não é qualquer caso que a gente encaminha. Tem que ser o caso de uma região onde exista um movimento, e o movimento esteja organizado. Que o caso sirva pra fortalecer o processo de organização e mobilização social. Então esse é o primeiro critério. E o segundo critério vai depender, na verdade, da existência de interlocutores no Ministério Público, as ONGs que se disponham a fazer esse tipo de litígio junto ao movimento. E também não é qualquer ator, é o ator que tenha essa compreensão da nossa estratégia de organização. Esses são os critérios. E que também sejam casos emblemáticos, casos que sirvam como modelo pra todo o país. Que tenha questões que sejam de interesse coletivo e não só de uma região específica, ou de um caso muito particular.

Isso [a escolha do caso] é feito a partir de discussão sobre a agenda de trabalho

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da instituição, no sentido mais geral, mas eu poderia ter colocar dois critérios: o primeiro critério é um critério de mobilização social, de demanda, digamos, demanda popular por direitos, e o outro critério é o critério de fortalecimento de agendas de direitos educacionais que são contra hegemônicas, no sentido de que não estão na pauta das políticas educacionais mais visíveis. Então essa é uma leitura geral, porque geralmente se a gente fosse depender só das demandas que chegam, trabalharia só com as demandas populares. […] Conjugava essa possibilidade de se fazer um trabalho de apoio à mobilização popular com monitoramento de políticas públicas e com a mudança no padrão de resposta do judiciário, com a tentativa de mudança de padrão de resposta do judiciário, no sentido de torná-lo um ator relevante na garantia desse direito.

A mobilização social é importante não apenas para garantir a sustentabilidade judicial do caso, mas também para que esses casos cheguem até as entidades de defesa de direitos.

Como boa parte dessas comunidades está no interior do Estado e não estão sediadas na capital, [as Entidades] contam com a parceria de entidades locais, essas entidades locais podem ser associações, podem ser sindicatos de trabalhadores rurais, enfim, a igreja, ou as igrejas, uma gama de entidades locais que são parcerias nesse sentido e que elas podem indicar, a partir do conhecimento da realidade local que elas têm, com a comunidade A ou B, podem indicar qual comunidade pode ser atendida, pode ser acompanhada.

Várias análises de conjuntura que a gente faz em parcerias com diversos movimentos e a gente chama pessoas de universidades, a gente também em uma articulação muito forte com a

Universidade Federal [do Estado], com as outras universidades, então vêm vários estudiosos pra cá, pra [Entidade] e nos ajudam a pensar sobre as estratégias e tudo, e aí a partir dessa análise coletiva a gente vai escolhendo os temas. Todas essas análises são a partir de dados que a gente vem coletando ao longo dos anos, ou que algum outro movimento ou alguém da academia tenha.

4.3 MÉTODO DE ATUAÇÃO JUDICIAL

4.3.1 COMBINAÇÃO DA ESTRATÉGIA JUDICIAL COM OUTRAS ESTRATÉGIAS

Dentro dessa orientação de algumas entidades de extrair o máximo de repercussão possível a partir do litígio, costumam combiná-lo com uma série de outras estratégias, para potencializá-lo. Ou, ainda, diante do diagnóstico de ineficiência do recurso ao Poder Judiciário para a solução de determinados problemas estruturais, outras estratégias revelam-se mais eficazes, sendo a atuação judicial apenas mais uma. O que poderia indicar, por parte das entidades de defesa de direitos, uma mudança de estratégia: em vez de judicializar, trabalhar politicamente os casos.

Tinha um papel muito judicial da defesa de direitos. E isso com o passar do tempo, inclusive por conta de certa ampliação da visão em relação às limitações institucionais do próprio sistema de justiça, me parece que se foi ampliando essa atuação da organização, não só para o campo jurídico social, mas também para outras atuações de incidência política, controle das políticas públicas, do orçamento, de articulação e mobilização em torno de determinadas pautas, da produção de conhecimento, enfim, as estratégias foram se ampliando com o passar do tempo e parece que há, de fato,

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essa mudança de perfil que era muito própria ali da virada do século, de certa judicialização das demandas e que vai se ampliando agora nessa nova década do século XXI.

Mudando os limites dessa atuação judicial e partindo para uma linha mais do constrangimento, de conhecer melhor as políticas públicas, e de denunciar determinados contextos, de contribuir para que os conselhos deliberem sobre alterações da política e aí com aquela deliberação a gente faz um grande evento para poder mostrar como que é contraditório o que nós temos na prática com o que o governo deveria estar se comprometendo a partir das normas, enfim, é ir gerando esses processos de luta, de disputa política, que a gente entende que hoje são mais eficazes, não abrindo mão da atuação judicial quando ela se faz necessária, mas compreendendo seus limites, e tendo o entendimento de que é preciso ampliar o olhar sobre isso.

E aí, proteção jurídico-social, faltava definir isso, é o conjunto de diversas estratégias, mais ou menos, seis ou sete estratégias para garantias de direitos humanos de crianças e adolescentes... um lobby ou incidência política, advocacy, mobilização popular, produção de conhecimento, defesa técnica judicial ou extrajudicial, e monitoramento de políticas públicas. Essas estratégias foram conceituadas no bojo da proteção jurídico social para dar sentido a essa expressão, é muito particular [da Entidade] essa conceituação.

Tabela 15. Combinação de estratégias

Estratégia judicial combinada com: Número de entidades

Articulação social 17

Formação 13

Advocacy 10

Pesquisa 10

Mídia 7

Lobby judicial 7

4.3.2 ARTICULAÇÃO SOCIAL

Muitas entidades somam-se a outras ao proporem uma ação judicial. A articulação social é importante para a atuação judicial em diferentes sentidos: coletar informações, combinar estratégias, potencializar a ação judicial, empoderar grupos sociais, somar expertises, aumentar o âmbito de atuação (geográfico, temático etc.).

A nossa principal forma de trabalho é em articulação com os atores locais, porque a gente não atua só [na Cidade], a gente tem casos de outros estados da federação, então a gente trabalha sempre junto das outras entidades ou movimentos de locais específicos. Acho que essa é a forma de atuação [da Entidade], que foi se construindo ao longo desses anos, nesse começo, o que era, talvez, um trabalho um pouco mais técnico, voltado pra essa parte de litígio, conforme a coisa foi passando pra trabalhar também com pesquisa e documentação, você acaba trabalhando também com a parte de mobilização, então você tem essa interlocução entre pesquisa documentação e mobilização popular e política que acaba sendo um componente importante.

Casos paradigmáticos são mais complexos em direitos humanos, a gente realiza pareceres jurídicos com relação aos direitos humanos, para serem juntados nos processos ou para serem encaminhados às demais políticas públicas. É claro que esse nosso acompanhamento não é simplesmente focal, então quando a gente faz um encaminhamento a gente vai fazer todo o monitoramento daquele encaminhamento, porque a gente também trabalha com articulação da rede de direitos humanos, a gente trabalha de uma forma a estabelecer um diálogo conjunto com esses parceiros e orientar esses novos usuários.

A articulação social é também uma decorrência natural do próprio público com o qual a entidade costuma trabalhar.

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Pelo menos 42 entidades manifestaram que trabalham um público coletivo: grupos, ONGs, movimentos sociais, comunidades etc.

São sobretudo casos em comunidades que a gente tem proximidade, ou porque acompanha, porque faz um trabalho direto, ou porque conhece, assim são casos que demandam dedicar-se mais àquela história; não é só escrever a história e a ação e dar entrada, justamente porque é congregado com outras estratégias, então, tem relação com o trabalho que se faz de acompanhamento daquelas comunidades, ou de uma análise específica, por exemplo, na história da lei orçamentária, de uma análise específica, então tem a ver com uma atuação mais sistemática, mais a longo prazo naquele tema, naquela região ali geográfica.

4.3.3 FORMAÇÃO

Várias entidades trabalham com o seu público o aspecto da formação em direitos. O objetivo é formar pessoas que sejam capazes de identificar violações de direitos, de encaminhar suas denúncias aos órgãos competentes, de replicar essas informações em suas comunidades e grupos, que tenham consciência de seus direitos e exercitem sua cidadania. Esses programas de formação em direito, ao capacitar líderes comunitários na linguagem dos direitos, criam também uma rede de agentes de defesa de direitos, com capilaridade geográfica e social.

A partir de 2007, a gente começa a desenvolver um programa mais permanente de formação de Defensores Populares da educação, inspirados lá nas Promotoras Legais Populares e nos processos de formação de assessoria jurídica popular, que aí são cursos de formação de Defensores Populares do direito à educação e agora a gente

finalizou uma quarta edição desse curso. Tem bastante material publicado das aulas, enfim, mas é uma perspectiva de fortalecer também e de difundir as estratégias de exibilidade num conjunto mais amplo de pessoas e organizações.

Foi feito um estudo na época, que a maior parte das pessoas que procuravam aqui era mais para pegar informações. Não era nem necessariamente para que entrassem com a ação, e sim, para uma informação de aonde procurar, aonde se reportar para os mais diversos problemas, que é uma grande carência da população. Eles não sabem nem aonde ir para começar a procurar uma solução. Então, muitas vezes, a solução não é encontrada com uma ação judicial e sim com formas extrajudiciais de solução dos conflitos. E aí foi feito um primeiro projeto, para que se tentasse dar um curso para essas pessoas, já que não se conseguiria acompanhar individualmente, e que essas pessoas fossem multiplicadoras nas suas comunidades. Porque se observou que essas pessoas que vinham aqui já eram aquelas que já tinham um pouco mais de conhecimento, já sabiam ler e escrever, tinham um pouco mais de informações e, muitas vezes, elas vinham para repassar essas informações para os outros.

4.3.4 PESQUISA

A pesquisa acaba tornando-se uma estratégia para a atuação judicial mais pontual e qualificada. Saber quais são os gargalos de políticas públicas, legislativos, de jurisprudência dos tribunais, facilita a propositura de ações já mais direcionadas a esses fatores estruturais de violação de direitos. Traz uma perspectiva mais ampla sobre os problemas enfrentados, escapa da lógica da solução individual do caso. Além disso, a pesquisa não é instrumental apenas para a ação judicial, mas sim para todos os outros âmbitos de atuação da entidade.

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A gente impulsiona o levantamento de informações e a construção de uma articulação para atuação numa perspectiva mais ampliada, que não envolve só o sistema de justiça, mas que envolve a atuação em outros campos, no Legislativo, no Executivo, na sociedade civil, no Judiciário. […] O primeiro trienal foi mais voltado para o trabalho de levantamento de informações sobre como a educação era tratada no sistema de justiça; o estímulo ao debate público sobre o direito à educação com a perspectiva de justiciabilidade; e a informação sobre a utilização de instrumentos jurídicos para a defesa dos direitos à educação.

Então é toda uma análise maior que a gente faz e que, e aí como é que a gente atua nessa área. A gente tenta identificar os casos e mostrar que aquilo ali é um problema. Olha quantos casos a gente viu aqui que estão todos aqui no relatório.

Não é claro qual é a posição do Judiciário brasileiro sobre esses temas, então é... ou então existe uma posição do Supremo que não é a mesma do STJ, ou de outros, dos TRFs... então a gente fez, por exemplo, uma pesquisa de todos os Tribunais regionais federais, de todos os TRFs sobre como cada um estava decidindo questões relacionadas à rádio comunitária, agora a gente fez um também sobre o Supremo e o STJ sobre difamação civil e criminal e a gente vai tentar ir ampliando isso, porque é difícil, as pesquisas de... é uma pesquisa de jurisprudência qualificada entendeu, entender dentro daquilo que são os temas principais de liberdade de expressão, ter clareza, se é que existe tal clareza, porque em alguns casos não existe posição, cada um decide como quer. Mas até pra mostrar isso, que cada juiz decide absolutamente como quer, que não se segue nenhum padrão a gente entende que essa análise dos casos é importante, e que isso nem sempre fica claro, qual a posição do judiciário brasileiro em relação a diferentes temas.

4.3.5 ADVOCACY

Advocacy é um conceito amplo, que engloba várias das estratégias aqui separadas (mídia, lobby judicial etc.), não se aplica apenas à atuação junto ao Executivo e ao Legislativo. É uma noção ampla de ação política, que pode compreender também o Poder Judiciário.

Um braço é mais político, de advocacy, que veio muito nessa ideia do que a gente estava falando, da percepção do conselho [da Entidade], nesse curso de 12 anos, de que não adianta só trabalhar assistência jurídica se a assistência jurídica não serve para instrumentalizar o instituto com mudanças, para articular mudanças políticas, e aí nasce esse braço de articulação política, que são intervenções [da Entidade], pontuais, como quando direito de defesa ou acesso à justiça são vilipendiados de alguma forma, então [a Entidade] se manifesta, pontua, oficia quem deve oficiar, se manifesta na imprensa, enfim... atuações de advocacia estratégica que a gente chama. Então, quando alguma questão mais macro é colocada em discussão no Judiciário, então [a Entidade] se manifesta, por exemplo, através de amicus curiae. [...] No braço político entra essa advocacia estratégica que a gente chama, que é o amicus curiae e outras formas de advocacia estratégica, mais articulação política, processo de advocacy junto ao Legislativo e ao Executivo... e intervenções pontuais quando tem alguma ameaça ao direito de defesa.

Quando você faz o advocacy, você tem estratégia, então você vai preparado. Não é um discurso uno, você tem que ter estratégias diferentes, abordagens para cada pessoa, cada juiz, não é uma... nós não fazemos o advocacy em série, cada ministro, cada juiz, tem uma forma de abordagem, assim como no Executivo. Cada ministro tem um jeito de se portar

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e de agir, cada um tem uma ideologia, uns são mais tranquilos, outros são mais difíceis, mas todos nos receberam porque usou de todas as fórmulas que o advocacy que nos permitem e, quando não aceitavam o nosso ofício a gente pedia para um senador ou uma senadora, quando pedia para um deputado ou para uma deputada, sabe... porque quando você faz o advocacy você tem que conhecer o tomador de decisão. Quem colocou lá, como que foi, como que não é, você tem que conhecer a história da pessoa e a história da instituição.

Por outro lado, a gente vai lá no Legislativo e fala: “Olha, na regulação você tem que ter certeza que você diz que os intermediários não podem ser responsabilizados, então isso é um ponto central do nosso trabalho de advocacy, com acompanhando essas legislações, novas leis que estão sendo debatidas”.

4.3.6 MÍDIA

Como foi visto anteriormente, a maior parte das entidades entrevistadas não possui uma estrutura voltada para a comunicação. Sete entidades mencionaram nas entrevistas o papel da mídia relacionado à atividade judicial. A mídia é um fator importante para divulgação do caso, para a tematização na sociedade, para ampliar o público da ação judicial. Também é uma forma de “coletivização” das demandas.

Toda ação nossa judicial é acompanhada por um plano de mídia. Então se nós entramos com uma ação civil pública, isso acompanha um plano de mídia, os jornais, TV, rádio, fazendo a incidência com objetivo de promover o debate na sociedade a respeito daquela situação de violação de direitos humanos.

Mas o que a gente procura com esses casos individuais é dar uma repercussão coletiva, que outras pessoas... é aí o trabalho da assessoria de comunicação é

importante também para fazer a difusão de uma vitória no judiciário, de uma possibilidade de discutir um determinado direito por essa via.

A coisa mídia que você mencionou antes, eu acho que a gente divulgar, entender melhor, explicar melhor para as pessoas os casos, para a opinião pública se envolver nesses casos eu acho que é essencial, isso a gente quer melhorar, é difícil, mas eu acho que é essencial. A gente não quer que seja uma coisa, falar juridiquês e entrar com caso que só um advogado vai entender, a gente queria entrar com coisas que as próprias peças sejam coisas que qualquer um consegue ler e não só um advogado, e que aquilo possa ser refletido em... que a gente consiga criar discussões, que as pessoas twittem sobre o caso, que as pessoas acompanhem o julgamento no Supremo, se não for assim não faz muito sentido. Então, eu acho que isso a gente quer, na nossa estratégia, melhorar, e que eu acho que para as estratégias de litígio em geral darem certo precisa disso, porque é como qualquer um dos outros trabalhos que a gente tá fazendo, se as pessoas não se envolverem não adianta muito.

4.3.7 LOBBY JUDICIAL

Além da intervenção direta como parte da ação judicial ou contribuindo com pareceres, memoriais ou amici curiae, as entidades indicaram outras tentativas de influenciar a decisão judicial, principalmente as reuniões com juízes e a possibilidade de apresentar e debater com eles informações mais qualificadas sobre os temas das ações judiciais.

A gente fez carta aberta, a gente foi falar com o presidente do tribunal, a gente levou material para os juízes que estavam julgando. Então tivemos uma atuação que não foi direta no processo, mas que foi junto ao Judiciário. […]

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Quando a PGR recebeu, e quando a AGU também, receberam o processo para se manifestar, a gente entrou em contato, mandou material. Então isso é uma coisa que a gente faz também, levar material, levar informação, não é só denúncia, mas levar informação, falar da Convenção-Quadro, levar evidência científica, a gente faz esse trabalho de informar os órgãos públicos do que a gente sabe, do que existe, porque é difícil, também, você saber de tudo. Você que é procurador, ou promotor, como é que você vai saber, que tem uma convenção, que tem estudos? Então, a gente faz esse trabalho de levar informação, também. E aí o que aconteceu foi que a Procuradoria deu um parecer maravilhoso, com base em muito do que a gente mandou pra ela, dizendo que as leis são constitucionais. Já a AGU, não.

A ADIn e a ADPF que conseguimos a aprovação, nós articulamos todos os principais assessores e os próprios ministros, temos uma coleção de fotos com todos os ministros. Levamos a nossa argumentação, levamos os nossos memoriais, sempre acompanhados de um advogado, de forma muito organizada e que redundou na nossa vitória. […] Nos ajudou muito, [a Entidade] deu os dados consultivos das Nações Unidas.

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Como mencionado na Introdução, um dos objetivos centrais desta pesquisa é o de identificar como se dá a dinâmica de interação entre as entidades de defesa de direito, o MP e a DP no campo da advocacia de interesse público. Dessa forma, a partir da análise das entrevistas realizadas no âmbito deste estudo, serão apresentados a seguir os principais padrões de interação entre as entidades da sociedade civil entrevistadas e o Ministério Público (5.1), as avaliações e percepções que essas entidades têm da instituição (5.2) e os pontos de seu desenho institucional que dificultam ou facilitam a relação com as entidades da sociedade civil (5.3)25. Tais padrões de interação entre as entidades de defesa de direitos entrevistadas e o Ministério Público foram encontrados a partir da organização e da análise qualitativa de trechos codificados das entrevistas.

5.1 FORMAS DE INTERAÇÃO

As formas de interação entre as entidades da sociedade civil e o Ministério Público tendem a se alterar de acordo com algumas variáveis mais abrangentes. A primeira delas é a temática com a qual a entidade trabalha. Assim, entidades que trabalham com questões fundiárias e com temas relativos a questões criminais tendem a ter uma relação de antagonismo com o Ministério Público e a estarem em lados opostos das ações judiciais. Muitas das entidades que trabalham com a questão

agrária apontam para um processo de “criminalização” dos movimentos sociais e da luta social nesta área promovido por uma parcela dos membros do Ministério Público. Tais atores afirmam que há uma “cultura institucional” de criminalização de tais movimentos que coloca “muito peso” na dimensão criminal de certas questões sociais em vez de atuar na promoção e garantia de direitos. Alguns entrevistados acreditam que esta postura de uma parcela do MP vai contra a sua função institucional de defesa do Estado e da sociedade e que em alguma medida atenta contra a própria democracia, já que ela pressupõe a existência de movimentos sociais. Outro exemplo seria o de algumas entidades que trabalham com a temática da criança e do adolescente que afirmam que a postura do MP em relação aos jovens em conflito com a lei vai, em muitos casos, no sentido repressivo em vez de focar no acesso a direitos fundamentais.

Outra variável importante para se pensar a relação das entidades estudadas com o MP é se a relação se dá com o Ministério Público Estadual ou Federal. Dependendo do ente que tem a competência para tratar a matéria com a qual a entidade trabalha, a relação dar-se-á com o MP Estadual ou MP Federal. De maneira geral, os entrevistados apontaram o Ministério Público Federal como mais aberto à interação com a sociedade civil. Há variação também na relação das entidades com o Ministério Público de Estado para Estado, no caso do MP estadual, e de região

5 - INTERAÇÃO COM O MINISTÉRIO PÚBLICO

25 Conforme exposto no item 1.3 deste estudo, o recorte metodológico da pesquisa foi feito a partir da perspectiva das entidades de defesa direito no Brasil e a percepção dessas sobre a sua relação com o Ministério Público e a Defensoria Pública. Assim, não estão presentes neste estudo a perspectiva dos defensores, promotores e procuradores acerca dessa

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para região no caso do MP Federal.

Apresentadas essas variáveis mais amplas, pode-se dizer que a relação das entidades estudadas com o MP, com exceção dos casos de antagonismo apresentados acima, é positiva. Para muitas das entidades da sociedade civil, o Ministério Público representa o principal parceiro no âmbito governamental. Esta interação “positiva” das entidades estudadas com o MP se dá de diversas formas que vão desde fazer denúncias, representações e encaminhamento de casos para a instituição, passando por ser assistente de acusação ou fazer o acompanhamento processual de casos, até articulações mais amplas da sociedade civil com o MP, divisão de trabalho e definição conjunta de estratégias jurídicas, entre outras.

O encaminhamento de casos, a realização de denúncias26 e representações27 são formas de interação com o Ministério Público frequentemente citadas pelas entidades de defesa de direitos. Os entrevistados atribuem algumas justificativas para estas formas de interação com o MP. Uma primeira razão seria o fato de que a entidade não tem estrutura (técnica, financeira, física) para o atendimento de todos os casos que chegam a ela ou mesmo porque ela acredita que o peso institucional e político do Ministério Público aumenta as chances de sucesso da ação.

[A entidade] fazia as representações [para o Ministério Público], mas com substância, eram peças judiciais mesmo, poderiam ter sido entregues direto no Judiciário. Mas como a gente não tinha advogados para acompanhar o andamento dessas ações,

a gente apresentava como representação no Ministério Público para eles tomarem uma iniciativa. Então até hoje a gente ainda tem isso, a gente manda a representação e participa inclusive de um grupo que foi formado pelo Ministério Público, um grupo de comunicação, é direito à comunicação, e a ideia é discutir temas que o Ministério Público poderia desenvolver através de uma estratégia jurídica, através de litígio.

Razão pela qual vejo que a gente, nos últimos anos, tem trabalhado muito mais em parceria com o Ministério Público, porque o Ministério Público sim tem uma estrutura já paga pela sociedade para fazer isso, e tem a previsibilidade de que vai manter e tudo mais, pessoas capacitadas [...] então eu acho [...], como outros entendem que melhor é ajudar o Ministério Público a trabalhar bem, e convencê-los de fazer a boa luta, do que atuar diretamente no judiciário.

[...] até porque a gente não tem condições de acompanhar todos os casos, caso que a gente acha que a gente não vai acompanhar a gente entra e, e pede que o Ministério Público tome providências, pode ser, por exemplo, alguma coisa que a prova é muito difícil, é... e é muito mais fácil se o Ministério Público pedir informações para o Ministério das Comunicações, por exemplo, então teve coisas que a gente entregou em representação, hoje são inquéritos civis que são abertos e a gente acompanha através do Ministério Público.

Outro motivo é o de que muitas vezes chegam casos à entidade cuja temática não é aquela com a qual ela trabalha, ou mesmo porque a entidade fez uma opção por escolher apenas alguns casos paradigmáticos para propor ações judiciais.

Sim, nós fazemos algumas representações, porque algumas coisas fogem da nossa

26 De maneira geral, quando os entrevistados mencionam que realizam “denúncias” para o Ministério Público, estão se referindo ao ato de levar ao conhecimento desta instituição alguma situação na qual haja violação de direito, ato ilícito, crime, infração da lei etc. Com isso, não estão se referindo ao ato formal no processo penal no qual o representante do Ministério Público dá início a uma ação penal pública por meio de uma petição escrita denominada “denúncia”.27 A representação, de maneira muito ampla, é a manifestação de interesse do ofendido ou seu representante legal para o Ministério Público inicie uma ação penal.

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competência, nossa alçada, e algumas coisas são funções institucionais do Ministério Público. Já aconteceu de nós nos metermos na competência do Ministério Público, mas acabou que foi convalidado, mas é comum sim que nós façamos representações junto ao Ministério Público nesse sentido de casos que nos chegam aqui e não são da alçada.

[...] em outros casos, demandas que a gente recebia aqui na instituição e que a gente considerava que não eram estratégicas no sentido das políticas públicas, a gente encaminhava com uma representação para o MP, e aí é um trabalho muito mais de repasse de demandas do que um trabalho de articulação estratégica, mas a gente fez isso e faz também, até porque a gente não tem condição de atender todas as demandas que eventualmente cheguem.

O encaminhamento de casos, denúncias e representações também se configura em um canal para as entidades informarem o Ministério Público das questões que estão ocorrendo no campo no qual elas trabalham. Neste sentido, por estarem mais próximas das demandas e atores que envolvem tal campo, elas têm uma percepção mais apurada de quais são os problemas relevantes naquele momento e buscam provocar o Ministério Público para que ele atue naqueles temas. Assim:

[...] representação, apresentação de documentos, se existe um caso e a gente tem possibilidade de contribuir com prova a gente fornece prova, e aí vai, e sempre tentando fazer um diálogo assim né, porque por mais que muitas vezes o Ministério Público não tenha possibilidade de estar em tudo, o papel da sociedade civil é isso, é comunicar, é reportar, é incidir, tentar puxar, mostrar a importância, pedir audiência pública, e é isso que a gente vai fazendo.

[...] a gente representa no MP, então as representações ao Ministério Público são as peças, os mecanismos que nos ligam ao Ministério Público historicamente, que são de fato encaminhamentos de demanda ou produção de demanda junto a determinadas pessoas, coletivos, para que o Ministério Público aja, e aí sim entre com uma ação civil pública contra o Estado para criar vagas disso, ou para que as conferências sejam realizadas corretamente, né?

Na maioria dos casos, nós que levamos demanda para o Ministério Público. Então, quando a gente recebe denúncias, que podem ser das mais variadas [...] fora os casos que a gente atende das vítimas, a gente recebe muitas outras denúncias [...]. E tudo isso a gente comunica ao Ministério Público. Então, fora a demanda que a gente já tem, que a gente aciona o Ministério Público, têm outras que chegam [à entidade] que a gente oficializa ao Ministério Público pra que ele tome conhecimento

A gente às vezes marca reuniões com eles, levando alguma irregularidade que tenha acontecido, alguma violação de alguma sentença judicial que tenha vindo a nosso favor, enfim, levando algumas irregularidades, algumas violações de direito, compilando esse material e levando pro uso da Defensoria, do Ministério Público e mostrando “olha, está acontecendo isso, isso, e isso, o descumprimento de tal sentença, de tal lei... isso eles fizeram errado” e eles movem processos, tomam as atitudes cabíveis, mas a gente também quando encontra algo estratégico que a gente ache que talvez isso seja estratégico colocar, a gente também marca novamente essas reuniões, a gente marca reuniões também no sentido de saber o que é que esta acontecendo, se tem alguma novidade, se eles estão pensando em algo...

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[...] o Ministério Público Federal, vamos dizer assim, ele próprio, por si só [...] tendo em vista violação de um direito público, se manifesta né, e aí assim, a gente atua no sentido de cobrar do Ministério Público uma atuação, no sentido de cobrar “tá acontecendo isso” né e a gente coloca o caso para o Ministério Público e o Ministério Público propõe uma ação, propõe uma investigação, uma averiguação sobre o caso...

As representações são mais comuns no Ministério Público. Várias. Muitas coisas do que a gente descobre em testes e pesquisas não vira necessariamente uma ação judicial. Vai uma representação para o Ministério Público.

[...] ou quando não a gente faz o encaminhamento da representação para o Ministério Público, focado nessa área de buscar que o Ministério Público faça essa atuação [...] então aqui nós temos diversos casos de violações de direitos humanos, de comunidades inteiras, estamos pleiteando no Ministério Público...

Alguns entrevistados também relataram que, em certos casos, quando o Ministério Público está conduzindo alguma ação que é de interesse da entidade, elas fazem um acompanhamento, um monitoramento de tal ação:

o Ministério Público ele encampou [a ação], ele entrou com a ação, e aí a gente fica no suporte, fica no monitoramento [...] a nossa forma de monitoramento é muito constante, então a gente tem que dar uma olhada no processo, ver o que está acontecendo, ver se foi julgado o agravo. O Ministério Público não tem isso né, porque entra no bolo, entra na estrutura, então às vezes a gente percebe que teve uma movimentação a gente aciona pra falar “olha, tem que tentar alguma coisa aqui, né, tentar fazer uma articulação com o legislativo, tal”, e é isso um pouco do que a gente faz,

que acaba assim, adiantando ambos os lados né, adianta o lado do Ministério Público porque ele, a estrutura dele não consegue acompanhar dessa forma... a gente consegue chegar no objetivo de repente, ou resguardar esse objetivo [de acompanhar] a ação.

Outra forma de interação entre o Ministério Público e as entidades de defesa de direitos identificada pela pesquisa é a parceria ou articulação. Segundo os entrevistados relataram, neste formato de interação há uma relação mais próxima entre as entidades da sociedade civil e a instituição e essa parceria ou articulação se dá tanto com o Ministério Público Estadual como com o Ministério Público Federal. Alguns entrevistados apontaram que um elemento central para que esta interação se dê é a pessoa do promotor ou procurador que está ocupando o cargo na instituição naquele momento. Assim:

[...] nós temos alguns promotores de justiça que têm uma postura muito crítica, muito progressista, muito boa, com esses promotores nós temos atuações muito positivas. Então quando tem um promotor de justiça com uma orientação crítico-progressista [...] a atuação se dá em parceria, quando não, essa parceria é desatada e as coisas andam mais cada um no seu rumo.

Uma forma dessa parceria ou articulação se dá quando o Ministério Público convida membros da sociedade civil para reuniões ou seminários nos quais se discutem questões com as quais as entidades trabalham (por exemplo, a eficácia de uma lei ou o funcionamento de uma política pública), oportunidade em que elas podem apresentar suas análises e posicionamentos a respeito do estado daquela questão. Em alguns casos, tais reuniões servem até para discutir estratégias de atuação judicial.

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Era um diálogo constante na comissão, na estratégia processual [...] principalmente quando houve o trânsito em julgado da ação, então se começou a fase de execução e queriam saber como executar uma ação como essa [...]. Então essa foi uma experiência em que houve diversas reuniões [...] com os promotores, para dialogar e para ver qual era a melhora estratégia. Ali foi uma experiência dialógica realmente, nesse caso específico pelo menos.

Mas eu há 15 dias tive uma reunião com o Ministério Público sobre o andamento da nossa ação [...], então nós combinamos toda uma estratégia de como vamos atuar daqui para os próximos meses. Então assim, a procuradora responsável pelo processo, o procurador estadual responsável pelo processo, a procuradora federal, o estadual, e a [entidade], se sentaram para discutir quais seriam as próximas estratégias a serem adotadas para que a gente conseguisse de alguma forma pressionar a justiça e o Poder Público para cumprir a sentença, né? Então assim, foi uma reunião institucional de planejamento de atuação.

Outra forma bastante importante da parceria ou articulação ocorre quando as entidades da sociedade civil transferem informações para embasar as ações do Ministério Público. Em muitos casos, as entidades de defesa de direitos coletam os documentos e as informações necessários para que o Ministério Público proponha a ação, instrumentalizando a atuação da instituição.

Em muitos casos também onde temos atuação direta com o Ministério Público, em que nós não entramos com ação, mas temos uma parceria com o Ministério Público e o Ministério Público é quem acaba entrando com a ação com apoio de informações que nós levamos, algumas vezes até acertamos quando era uma

ação mais estreita, de acordo com teses jurídicas e tudo mais.

E assim como é com o Ministério Público também, porque quando a gente faz, quando a [entidade] encaminha algo para o Ministério Público a gente não encaminha simplesmente, fala “aconteceu isso e isso e isso...”, a gente encaminha com documentações, a gente disponibiliza para poder acompanhar o procedimento administrativo, para poder arrumar as pessoas, para tudo... enfim, ajudando nessa averiguação dos fatos.

Nós fizemos ações civis públicas. Regularização fundiária que o Ministério propõe, como a gente tem um trabalho de base no bairro, a gente acaba se habilitando nos processos judiciais fazer esse canal entre os moradores do bairro e o Ministério Público e o próprio Judiciário.

As entrevistas revelaram ainda a possibilidade de as entidades de defesa de direitos terem algum tipo de atuação judicial conjunta com o Ministério Público. Tal atuação judicial, por sua vez, possui formas diferentes. Uma delas se dá quando a entidade é assistente de acusação em ações nas quais o Ministério Público é o autor da ação penal. Em geral, as entidades que são assistentes de acusação do Ministério Público trabalham com o tema da violência e representam a vítima ou a família da vítima.

Porque, no caso do outro atendimento, nós continuamos realizando porque somos assistentes do Ministério Público. Então eu acho que fortalece o processo, entendeu? A gente tem o Ministério Público atuando, mas a gente representa a família da vítima ao longo de todo o processo.

Assistência de acusação, assim, nós nunca tivemos nenhum requerimento de assistência de acusação negado, e a gente atua muito, de forma muito tranquila e

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está até no tribunal do júri, que às vezes algumas organizações têm dificuldades, nós nunca tivemos, eu não posso nem falar, “oh, nós tivemos”, nós não tivemos, nunca tivemos dificuldade de o Ministério Público criar algum problema, de ter alguma, alguma reserva, não, e sempre trabalhamos com muita independência, por exemplo, no caso, em tribunais de júri de a gente construir as nossas teses e levar e o promotor nunca dizer “não, eu não concordo com isso”, não, sempre tem sido muito respeitoso, até hoje né.

Em outros casos, a atuação judicial conjunta se dá na medida em que as entidades solicitam a admissão como litisconsorte ou assistente de litígio na ação em que o Ministério Público é autor:

[...] a gente pede a nossa admissão como litisconsorte, então, por exemplo, nas ações do Ministério Público aqui em São Paulo, a gente pediu nossa admissão como litisconsorte. Agora, não são todas as ações que a gente consegue entrar, mas a gente monitora.

Um caso bem difícil [...] nós tivemos uma parceria bem interessante com o MP que abriu inquérito civil público ainda em 2006 para investigar [o caso], propôs uma ação civil pública, nós ingressamos nessa ação civil pública como assistentes de litígio consorciais, tivemos um trabalho em parceria, então essa é uma perspectiva de atuação.

Quando o Ministério Público do Trabalho ingressa com uma ação civil pública a entidade ela, em seguida, já entra como litisconsórcio, o termo jurídico em que quer dizer justamente que a entidade vira parte junto com o Ministério Público do Trabalho, então ela se habilita também na ação, faz pedidos em paralelo ao Ministério Público do Trabalho requer provas, traz documentos, enfim passa a participar do litígio ao lado do Ministério Público do Trabalho. Isso é a praxe.

Há a possibilidade também de a entidade e o Ministério Público construírem a ação conjuntamente, tendo sido relatadas diferentes formas de interação:

com o Ministério Federal a gente já entrou com ação judicial em conjunto também, [...] e aí a gente fez em conjunto um trabalho de levantamento da situação dos municípios do interior, o Ministério Público fez os pedidos de informação, depois a gente ajudou a organizar toda aquela informação e fazer algumas ações judiciais [...] e aí teve recomendação do Ministério Público Federal, e teve ação judicial em conjunto.

Ali houve, desde o início do trabalho até o final, uma atuação em conjunto do escritório com os Procuradores do Trabalho, então ali, que eu me recordo, houve sim uma divisão do trabalho. Nós fizemos a peça, submetemos a peça a uma análise dos Procuradores, em especial do presidente da entidade na época, [...] mas os Procuradores analisaram a peça, debateram alterações, nós fomos fazer um trabalho em conjunto até que houve uma versão final e essa versão final foi ajuizada e o acompanhamento vem sendo feito pelo escritório e pela Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho, então houve na elaboração da peça, sim, uma divisão de trabalhos: a elaboração ficou por nossa conta, revisão e sugestões por conta deles e na fase de tramitação, que é a fase atual, isso vem sendo feita de maneira conjunta.

Foi proposto tudo conjuntamente. A gente, por exemplo, nesse caso [...] a gente terminou no Ministério Público Federal, e fez uma representação. E no decorrer das reuniões com eles a gente optou por fazer uma ação conjunta. Então ambos contribuíram para o texto, e também, no decorrer do processo judicial, a gente tem tanta possibilidade quanto eles de responder, de atuar.

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Agora, nos níveis superiores, atuar quando precisava de recurso em Brasília, algumas vezes a gente foi, outras vezes contava com eles. Ou seja, acho que era muito paritária a relação. Agora, eles têm mais estrutura, então às vezes quando você está meio amarrado, não consegue ir para uma viagem, e tal, eles têm a Procuradoria lá em Brasília que vai fazer o que é necessário, então para isso é importante também.

O Ministério Público já tem anos de existência. Então aí, a gente já fez ações civis públicas juntos. Várias. A gente comunica sempre os resultados das nossas pesquisas para o Poder Público, e para o Ministério Público, a gente manda. Algumas viram representação. Outras não. Outras se encerram no inquérito civil. Ou a própria representação se encerra. Outras viram ações judiciais deles mesmos, que a gente não teve perna para fazer, mas comunicou, eles entendem que precisa. Ou eles nos procuram, “Vamos fazer então ação judicial junto?”. [...] Então, às vezes, até o próprio Ministério Público toma a iniciativa de instaurar inquérito policial, do que a gente falou, do que a gente pesquisou, ou mesmo de uma ação judicial que a gente ingressou, aí pede para comunicar à delegacia e instaurar procedimento, instaurar inquérito policial para investigar a prática de infração [...]. É assim, é mais ou menos assim que funciona. Não é nada muito institucionalizada, é mais no feeling mesmo, de... E assim, sempre com uma posição cooperativa. [...] E é aquela história, tem que trabalhar junto, senão ninguém dá conta sozinho.

Nos casos em que o Ministério Público tem obrigação legal de atuar, há também a possibilidade da atuação judicial conjunta com as entidades de defesa de direitos, como, por exemplo:

No caso do deficiente é interessante, por quê? Porque a legislação obriga

o Ministério Público a defender os direitos coletivos do deficiente, então toda ação coletiva o Ministério Público é obrigado a participar, então, por exemplo, toda ação coletiva que a gente entrou, imediatamente o Ministério Público passou a fazer parte dessa ação defendendo os direitos do deficiente junto com [a entidade]. Agora, fora essa relação formal de entrar numa ação, a gente tem uma relação excelente com diversos procuradores, oficialmente com o Ministério Público e mesmo oficialmente com procuradores que atuam na área, porque alguns têm áreas específicas de atuação e alguns procuradores têm a responsabilidade da área específica da pessoa com deficiência. Então nós temos uma excelente relação com o Ministério Público.

Uma importante forma de interação entre as entidades de defesa de direitos e o Ministério Público é a divisão de trabalho na atuação judicial. Assim, as entidades entrevistadas relataram que, em muitos casos, assumem a tarefa de coletar informações e documentos com a comunidade ou grupo com que trabalham, levando tal material relevante para o Ministério Público para que a instituição ajuíze e dê andamento a ações judiciais.

cada um assume um papel, a gente acaba às vezes assumindo aquele papel mais de contato com a comunidade, de buscar os elementos de produção das provas, os elementos que vão fundamentar, ou que fundamentaram aquela ação, aquele contato diretamente com a comunidade no decorrer do processo. Seja colhendo provas, abaixo-assinado, documentos, depoimentos, termos, e aí com toda essa documentação é que a gente produz o instrumento ou a peça jurídica necessária, e aí se dá prosseguimento [a ação].

Na verdade assim: a nossa atuação é uma atuação que se dá muito no campo

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da organização, da mobilização do grupo. Então, acontece uma divisão de tarefas entre aspas. Também meio natural no sentido de que a gente reúne o grupo, a gente reúne a documentação, a gente articula as pessoas, esclarece os questionamentos e faz o encaminhamento das demandas, mas não só o encaminhamento das demandas, mas alguma coisa já bem resolvida, no que diz respeito à organização da documentação, a instrução das pessoas a respeito do que está representando aquele encaminhamento, então isso é muito comum. A gente atua no campo da política e atua também na organização das pessoas, na reunião dos documentos, mas depois a intervenção passa a ser uma intervenção desses órgãos que têm uma atribuição institucional pra isso.

Mas a gente também tem essa divisão e, geralmente, quando é com o Ministério Público o nosso papel é muito assim, fazer essa ponte com a comunidade, com o grupo, de entender o que o grupo quer e traduzir isso em propostas e soluções jurídicas junto ao Ministério Público, debater.

É sempre o advogado popular quem tem uma relação mais próxima, o Defensor não tem, o Ministério Público não tem, porque não tem tempo, porque não quer sair da sua sala... e essa ponte com a comunidade geralmente é o que tem de mais forte nessa divisão, né? Quem vai para a reunião à noite? Quem vai fazer arrumação e fazer a reunião? Quem vai fortalecer a articulação? É a gente. [...] Mas essa coisa, essa relação, quanto mais próxima com a comunidade... a gente é muito mais acessível, mais próximo e tem mais identidade.

Além da forma de divisão de trabalho citada acima, ainda há aquela na qual a entidade leva ao Ministério Público pesquisas que realiza e documentos que

coleta para que estes sejam usados de subsídio nas ações judiciais, como, por exemplo:

A gente já participou desde fazer levantamentos de jurisprudência, fazer levantamentos de textos que possam auxiliar o Ministério Público [...] porque isso faz com que a gente também se fortaleça teoricamente, conheça determinadas coisas, até identificando situações parecidas que já foram discutidas em outros estados, por outras organizações, já foram produzidos encaminhamentos. E é como eu digo para você, a gente nunca teve nenhuma dificuldade com isso, né, desde discutir, por exemplo, antes da denúncia, de discutir com promotor, e o promotor “o que que você acha, a denúncia poderia ir nesse caminho”, e o promotor concordar e aceitar, e assim, eu acho que isso é muito muito importante... pelo Ministério Público ser uma instituição independente, porque ele podia muito bem dizer “eu não quero saber e pronto”.

Então nós já tivemos desde atuação, numa parceria completa, de fornecimento de informação, divisão de pesquisa de informação, partilhamento da estratégia jurídica, inclusive compartilhamento das próprias peças judiciais, entendeu? Até depois na atuação judicial um trabalho conjunto de conversar com o juiz, tudo isso, até casos em que a gente só passa informação, porque é um Procurador meio desconfiado, não tem muita ligação, não tem muita abertura, então você tem uma relação mais formal, né? Então acho que isso varia muito, mas, em geral, há sim uma divisão de trabalho, ou seja, há caso em que você simplesmente leva informação e toca o resto, mas, muitas vezes, no mínimo, você permanece municiando o Ministério Público de informações para ele fazer o trabalho judicial dele, né? É menos comum, digamos, partilhar estratégia judicial, peças, teses jurídicas, isso é menos comum, embora já tenha havido,

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mas divisão de tarefas assim, digamos, pelo menos de esperar [da entidade] e [a entidade] colaborar com informações, isso é quase sempre.

Em alguns casos em que era necessário um conhecimento específico a respeito de certas questões, a interação se dá na medida em que as entidades de defesa de direitos fornecem sua expertise no tema com o qual trabalham para o Ministério Público. Assim, o MP busca as entidades para que elas forneçam pareceres e conhecimento técnico, tendo a ideia de que elas podem emitir opiniões qualificadas a respeito daquele assunto. Em outros casos, membros dessas entidades são chamados para falar dos temas a respeito dos quais elas são especialistas em seminários que o Ministério Público promove. O Ministério Público também utiliza dados e informações produzidos pelas entidades em sua argumentação judicial, assim como solicita que elas realizem pesquisas.

As entidades de defesa de direitos com certa frequência afirmam participar de audiências públicas promovidas pelo Ministério Público para discutir temas mais amplos com os quais ambos trabalham. Em muitos casos, é o próprio Ministério Público que faz o convite para que tais entidades da sociedade civil participem das audiências, com o intuito de ter uma melhor compreensão do que se passa na sociedade em torno de uma questão, para ouvir a opinião da sociedade civil e mesmo para esclarecer fatos ocorridos. Em alguns casos, as entidades da sociedade civil colaboram, inclusive, com a organização de tais audiências. Várias das entidades entrevistadas afirmaram também participar de eventos, seminários, encontros etc. promovidos pelo Ministério Público, assim como o Ministério Público eventualmente participa de eventos organizados por elas.

Há algumas entidades que possuem convênios com o Ministério Público para situações diferentes, como, por exemplo, um convênio para o encaminhamento rápido de casos para a instituição ou um convênio de cooperação técnica.

Com o MP a gente tem um convênio de via rápida, a gente receber algumas denúncias e encaminha para a área de direitos humanos do Ministério Público [...] para eles encaminharem direto para o promotor que é responsável por aquele, por aquela área ou tema, enfim, é, para encaminhar esses casos de denúncias.

Nós temos um convênio direto com o Ministério Público aqui [na cidade], esse convênio [existe] eu acho que tem desde 2008 ou pouco antes, esse convênio é de cooperação técnica entre as instituições. Então a gente já desenvolveu pesquisas utilizando dados do Ministério Público, como também já atuou em casos específicos para o Ministério Público como consultoria, como parecer [...]. Então a gente tem uma atuação bastante parceira com Ministério Público, não só [Estadual] como também com o Ministério Público Federal.

Algumas das entidades entrevistadas também afirmaram participar de discussões a respeito da reforma institucional do Ministério Público, nas quais é debatido, por exemplo, o modelo de ouvidoria da instituição. Algumas entidades trabalham para a criação e/ou fortalecimento de certos núcleos ou varas temáticas.

Das formas de interação citadas acima, pode-se depreender que, mesmo que indiretamente, as entidades da sociedade civil buscam influenciar a agenda temática do Ministério Público por meio, por exemplo, de encaminhamento de casos, denúncias e representações. Algumas das entidades entrevistadas fazem de forma mais direta este trabalho de

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influenciar a agenda de casos do Ministério Público. Esta tentativa de influência - de sensibilizar pessoalmente promotores e procuradores para certas questões - se dá de várias formas, como, por exemplo, a participação em grupos temáticos, debates e articulações com a sociedade civil e com outros órgãos do Estado.

E participamos desses grupos de trabalho, então existe, é um grupo do, acho que, isso se não me engano tem no Ministério Público estadual também, eles têm alguns grupos temáticos. Então, a nossa ideia é trabalhar juntos esses grupo temáticos, participando de reuniões, [...], porque estão lá não só tentando influenciar novos casos, mas como a maneira como eles defendem alguns casos. Tenta usar, fazer com que eles usem mais padrões internacionais, por exemplo, é também uma das ideias, mas é uma coisa recente [...].

As organizações da sociedade civil foram convocadas, foi feita uma consulta, esse processo também teve consulta com a comunidade acadêmica, com alguns órgãos públicos, enfim, de tentar coletar algumas informações para conseguir criar um plano de ação dentro do Ministério Público, então isso está em construção ainda, mas é um avanço, se a gente pensar que isso pode ser tirado do papel [...]. Existi ali uma intenção, existe ali uma carta de intenção, como é o Plano Nacional de Direitos Humanos, enfim, mas você não, você não consegue realizar aquilo né, então, para além da carta de intenções tem que ter ali mesmo uma forma de executar isso.

É então aí fica o desafio assim, por exemplo, isso é um desafio para [a entidade], porque se você deixa isso no âmbito só do Ministério Público, só da Defensoria, ou das comunidades, daí se você não articula com outras organizações da sociedade civil que atuam para isso, que tem no

seu escopo, no seu objetivo isso, não vai para frente, porque aí vai virar outra carta de princípios, você tira lá na audiência pública uma série de recomendações, de encaminhamentos que não saem do papel, a organização ela pode fazer isso, retomar, continuar provocando o Ministério Público, mandando, por exemplo, isso para a Prefeitura, comunicando isso no processo, isso é uma forma de você conseguir amarrar né, para além do Judiciário, porque só no Judiciário não resolve, eu acho que [a entidade] já tem isso muito claro, por isso o fortalecimento de comunidades não tem, se fica só no âmbito do Judiciário você não consegue.

Procura influenciar agenda de temas, sim. Aquele diálogo que eu te falei, de propor um debate, por exemplo, uma solução de um assunto que possa estar chamando atenção, [...], então nós procuramos influenciar sim, fazendo cartas, fazendo reuniões, com grupos, tanto do Ministério Público, Defensoria, Governo Federal, para que não tivesse uma postura na época, o governo postura restritiva, mas que não houvesse aquela postura e houvesse sim uma acolhida ampla de defesa dos direitos.

Então assim, pra isso tem um conjunto de estratégias de articulação que passam tanto pela promoção de ações jurídicas coletivas e ou exemplares, não muito grande, mas ações que permitem a gente incidir com essa perspectiva de levar essa discussão para o sistema de justiça, a provocação aos órgãos da Defensoria, do Ministério Público, para que também eles incorporem essa agenda.

E no Ministério Público a gente sempre esteve muito próximo a, ao promotor, agora é a promotora do centro de apoio às promotorias e provocando também no sentido de uma atuação forte deles, da promotoria sobretudo.

A gente participa desses seminários que eu

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te disse né, levantando as problemáticas que a gente acha mais importantes [...] Sempre saem recomendações de atuação e a gente contribui na elaboração dessas recomendações, e é muito a partir do que a gente está atuando, do que a gente está vendo como problemas e aí a gente tenta pautar para que eles... pra que eles abracem.

Finalmente, uma forma de interação bastante citada nas entrevistas, e que também se pode depreender do exposto acima, é a mediação feita pelas entidades de defesa de direitos entre as comunidades e grupos com os quais elas trabalham e o Ministério Público. Alguns entrevistados apontaram que o Ministério Público, em muitos casos, não conhece as demandas vindas dos grupos com os quais as entidades trabalham. Nesses casos, as entidades teriam o papel de fazer a conexão entre esses grupos e o Ministério Público. Os entrevistados também fizeram críticas a este distanciamento entre a instituição e os grupos e as comunidades que têm seus direitos violados.

Eu acho que seria assim, até uma qualificação, das próprias pessoas, com relação àquilo que diz respeito aos direitos humanos, para deixar os órgãos mais flexíveis em relação a isso. Os órgãos acabam sendo muito institucionalizados e legalistas e acabam não chegando na comunidade, a comunidade não tem uma porta de acesso, com a comunidade e entre esses órgãos. Então a comunidade acaba chegando mais a nós por conta disso, porque nós temos essa aproximação que as instituições não têm, e eu acho que isso é o que faltaria, seria esse diálogo à comunidade, que absolutamente não existe aqui.

E aí sempre fazendo essa articulação com o sistema de garantia de direito e com, tanto com os promotores quanto com

os defensores, e também aproximando e fazendo um elo com a comunidade, porque muitos deles nunca tinham vindo até a comunidade, então fazendo reuniões aqui, indo com eles até a favela, caminhando até a favela, trazendo para poder ouvir o que o povo estava dizendo.

Na verdade, essas entidades eu acho que são a primeira porta de acesso à justiça que muitas das populações que são excluídas e marginalizadas do processo de desenvolvimento e do processo de inclusão em direitos e de efetividade em direitos e políticas públicas têm. [...] essas entidades são a primeira porta que as pessoas batem para reivindicar direitos. E eu acho que estar nessa primeira porta é fundamental para que as outras portas que virão mais à frente possam ser abertas, como Defensoria, Ministério Público, para que essas pessoas possam ter seus direitos garantidos. Dar esse primeiro... uma palavra que me vem à cabeça agora, mas talvez não seja interessante utilizar, esse primeiro atendimento, entre aspas, essa primeira conversa, esse primeiro diálogo, é muito importante para essas pessoas que são diariamente vítimas de violações psicológicas, físicas, possam ser recepcionadas e terem, serem atendidas, entre aspas novamente, de forma que possam estar fortalecidas mais para a frente para lutar pelas garantias dos seus direitos e em outros órgãos ou instituições como a Defensoria, o Ministério Público e o Poder Judiciário.

Exato. O pessoal vem pra cá e procura saber aqui porque às vezes, e é natural que às vezes aconteça isso ainda e infelizmente, há um distanciamento claro da população com relação aos órgãos públicos, mas quando a gente trabalha no contexto da sociedade civil e numa vinculação com as relações de base [a entidade] acaba se tornando essa referência especial na área jurídica. Ainda que a gente não se coloque mais

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efetivamente como assessoria jurídica às organizações populares, mas o viés de gabinete de assessoria jurídica ainda é muito presente e, sento muito presente as pessoas às vezes terminam muito vindo aqui e, daqui, a gente favorece os devidos encaminhamentos, as devidas referências à Defensoria Pública Estadual, da União, do Ministério Público Estadual.

Apontadas essas formas de interação entre as entidades de defesa de direitos e o Ministério Público captadas pelas entrevistas, passamos agora para o próximo item que se refere às avaliações e percepções dos entrevistados sobre o Ministério Público.

5.2 PERCEPÇÕES SOBRE O MINISTÉRIO PÚBLICO

Como afirmado no início deste capítulo, não só a relação, mas a percepção e a avaliação das entidades a respeito do Ministério Público são ambíguas.

Alguns dos entrevistados apontaram para o “caráter elitista” dos concursos para ingresso tanto no Ministério Público quanto na Defensoria Pública. Isso porque, para ser aprovado em tais concursos, o candidato, em geral, teria de passar por uma série de cursos pagos (colégio, faculdade, curso preparatório), o que tornaria a aprovação no concurso algo para pessoas com uma condição financeira mais elevada. O conteúdo das provas também seria elitista na medida em que não cobraria dos candidatos conhecimento sobre direitos humanos ou direitos coletivos.

Muitos entrevistados têm uma percepção de que a carreira de promotor e procurador, apesar de sua clara importância, possui uma série de engessamentos e protocolos em comparação com a profissão de advogado. Para tais entrevistados,

o Ministério Público teria, portanto, a característica de ser uma instituição burocratizada que dá menos autonomia e independência para seus membros do que a advocacia.

Outra percepção do Ministério Público é a de que a instituição, em alguns casos, atua de forma isolada da sociedade civil, não tem uma grande interlocução com ela, está “encastelada”. Assim, foi mencionado em algumas das entrevistas que o Ministério Público tem uma cultura de atuar “sozinho”. Algumas entidades apontaram a necessidade de haver um diálogo mais próximo do Ministério Público com os movimentos sociais, comunidades e grupos que compõem o “público” com o qual essas entidades trabalham, de a instituição estar mais aberta e sensível para suas demandas. Outros entrevistados relatam uma mudança mais recente do Ministério Público em alguns Estados, na medida em que este está procurando se aproximar mais da sociedade, realizando audiências públicas para ouvir demandas ou mesmo para apresentar suas diretrizes de atuação. Isso se deve, em partes, pela própria pressão da sociedade civil que atua de forma próxima a esta instituição, por exemplo, por meio das denúncias e representações encaminhadas para o Ministério Público. No entanto, há outro grupo de entrevistados que vê no Ministério Público uma atuação bastante próxima da sociedade civil, havendo a possibilidade de se realizar um trabalho articulado e com uma interação mais profunda com as entidades.

Como afirmado no item anterior, muitos dos entrevistados apontaram para uma postura bastante conservadora, criminalizadora e repressiva de alguns promotores e procuradores em sua atuação. Outros, porém, afirmam que há promotores

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bastante progressistas e combativos, que são verdadeiros parceiros das entidades de defesa de direitos entrevistadas.

Apresentadas essas linhas gerais das percepções dos entrevistados a respeito do Ministério Público, passaremos a apontar alguns elementos do desenho institucional da instituição que foram apontados nas entrevistas como facilitadores ou bloqueadores da interação.

5.3 DESENHO INSTITUCIONAL

De acordo com as entidades entrevistadas, os canais de interação mais frequentes com o Ministério Público são os núcleos e câmaras especializados e contatos individuais com procuradores e promotores com afinidade com a sociedade civil. Isso significa dizer que a existência de núcleos e câmaras especializados em certas temáticas facilita a interação da instituição com a sociedade civil. Contudo, muitos dos entrevistados também apontaram que a interação do Ministério Público com as entidades da sociedade civil é bastante dependente da pessoa do próprio promotor ou procurador. Isso quer dizer que, em muitos casos, a qualidade da relação entre a entidade e o Ministério Público depende do perfil do promotor ou procurador. Ou seja, o posicionamento político desses membros do MP em relação a certo tema determina o grau de parceria (ou mesmo a ausência dela) entre as entidades e o Ministério Público. Os entrevistados apontaram que, embora haja canais institucionais por meio dos quais a relação se dá, ainda assim a relação pessoal com o promotor ou procurador é bastante relevante para determinação de sua qualidade.

Outra questão bastante apontada pelos entrevistados é a necessidade de haver órgãos externos de controle da instituição, tais como ouvidorias externas

independentes. Outro canal de interação importante apontado nas entrevistas são as audiências públicas realizadas pelo Ministério Público como forma de diálogo com a sociedade civil, como canal para “ouvir” suas demandas ou mesmo ter melhores conhecimentos de questões e problemas que estão ocorrendo na sociedade.

A independência funcional dos membros do Ministério Público, apesar de ser considerada característica de desenho institucional fundamental, é vista em muitos casos como excessiva e prejudicial à definição de uma estratégia de atuação comum à instituição. Esta característica pode gerar fragmentação e descontinuidade na atuação de promotores e procuradores. Um caso bastante citado se dá quando o procurador ou promotor por algum motivo é promovido ou muda de cargo e o membro do MP que o substitui não dá continuidade à atuação do anterior, rompendo, muitas vezes, com anos de construção da relação da instituição com a sociedade civil naquele tema.

Finalmente, apesar de esse apontamento ser muito mais frequente no que diz respeito à Defensoria Pública, muitos dos entrevistados apontam para a necessidade de uma ampliação do número de promotores e procuradores e da estrutura do próprio Ministério Público.

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A relação das entidades de defesa de direitos entrevistadas com a Defensoria Pública guarda muitas semelhanças com a relação com o Ministério Público. A maior parte das formas de interação das entidades da sociedade civil com o MP também vale para a Defensoria Pública, com algumas diferenças. Assim, tal relação será apresentada de forma similar à que foi apresentada a relação com o Ministério Público: os principais padrões de interação entre as entidades da sociedade civil entrevistadas e a Defensoria Pública (6.1), as avaliações e percepções que estas entidades têm da instituição (6.2) e os pontos de seu desenho institucional que dificultam ou facilitam a relação com as entidades da sociedade civil (6.3).

6.1 FORMAS DE INTERAÇÃO

Uma primeira característica da relação das entidades de defesa de direitos entrevistadas com a Defensoria Pública é de que ela não apresenta situações de antagonismo mais explícito como ocorre com o Ministério Público. Assim, a avaliação mais geral dos entrevistados a respeito de tal interação é positiva, apontada como uma relação de parceria e complementariedade. Os aspectos negativos da interação seriam justamente uma “ausência” de relação, seja porque a Defensoria ainda não foi formada naquele estado da federação, seja porque a defensoria tem uma estrutura frágil e deficitária. Da mesma maneira como foi apontado no caso da relação com o Ministério Público, a interação entre

as entidades entrevistadas e a Defensoria Pública se altera de estado para estado, assim como é diferente quando se dá com a Defensoria Pública Estadual e quando se dá com a Defensoria Pública da União.

A interação de parceria ou complementariedade, apontada com bastante frequência pelos entrevistados, entre as entidades de defesa de direitos e a Defensoria Pública se dá de várias formas. Uma forma de interação bastante citada neste âmbito é o encaminhamento de casos das entidades de defesa de direitos para a Defensoria Pública. Assim como ocorre na relação com o Ministério Público, em muitas das vezes as entidades entrevistadas afirmaram que fazem o encaminhamento dos casos para a Defensoria Pública ou porque só fazem o trabalho de orientação jurídica, ou porque não têm estrutura (técnica, financeira, física), ou ainda porque o caso foge da temática com a qual a entidade trabalha, ou porque só levavam para o Poder Judiciário casos paradigmáticos e não realizam atendimento individual. Há entidades que afirmaram que é dever do Estado e da Defensoria Pública fazer o atendimento individual de casos, promover o acesso à justiça, e, por esse motivo, acabam se dedicando a outros tipos de atividades, como, por exemplo, a realização de litígio apenas em casos exemplares.

Defensoria Pública: a Defensoria Pública aí sim, a gente participou do movimento de criação, uma vez criada a gente sempre compartilhou casos com a Defensoria, mas casos que já estavam lá ou casos

6 - INTERAÇÃO COM A DEFENSORIA PÚBLICA

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que a gente achava que teriam de ser judicializados e a pessoa não tem como pagar advogado e a gente orienta a Defensoria, por quê? Por que a gente não quer pegar processo? Porque a gente acredita que acesso à justiça é um direito que tem que ser garantido também por mais um serviço estatal. Não à toa a gente lutou pela criação.

Nós tínhamos a princípio um trabalho de atendimento de população carente, ou de pessoas que tinham seus direitos [...] discriminados. Só que nós entendemos que isso daí cabe muito mais para o Estado, cabe pra defensoria, por questões que acabam pautando com um trabalho de assistencialismo. Embora ele seja importante, porque temos ali um grupo de especialistas, pessoas voltadas; ele não é a questão mais relevante. A gente continua, mas não é a questão mais relevante. A gente sempre encaminha, a gente faz atendimentos de orientações, um grande número deles pela internet [...]. Encaminhamos muita gente para a Defensoria.

[Encaminhamos para] a Defensoria quando nos chega um caso que não está no escopo da atuação de uma, vamos dizer, uma violação de direitos humanos no campo da nossa intervenção. Ex.: Alguém bate na nossa porta pedindo uma informação sobre um inventário que ele tem direito e não está sendo atendido. Então a gente faz o atendimento porque a instituição, ela é pública, ela tem que fazer o atendimento jurídico... dá consultoria, o esclarecimento, e faz o encaminhamento pra Defensoria Pública. Não tem a nossa intervenção propriamente dita.

Na parte de assessoria, a gente passa, a gente tenta encaminhar alguns casos que chegam pra gente, que não estão muito na nossa esfera ou que a gente não tem condição de acompanhar naquele momento, a gente busca dialogar com a Defensoria.

Não, a gente nunca entrou com ações, a gente sempre orientou, na hora de entrar com ações, dependendo do caso, a gente manda procurar a Defensoria Pública ou o Ministério Público, estadual ou federal.

À Defensoria Pública a gente encaminha casos quando não é possível [...] atender [...] a gente encaminha casos para a Defensoria Pública.

[...] nós temos aqui como princípio que, como a gente só vai atender as questões coletivas, as pessoas que nos procuram, nós encaminhamos. [...] E atualmente trabalhamos muito com a Defensoria Pública, mas encaminhando as pessoas que veem individualmente até nós, e como nós não atendemos, nós encaminhamos à Defensoria Pública.

[A entidade] lida atualmente, por exemplo, nós só judicializamos questões que digam respeito ao [temas específicos com os quais a entidade trabalha]. Algumas ações que são essenciais pras vidas daquelas pessoas. Boa parte do nosso trabalho é de encaminhamento e orientação e esse encaminhamento é feito especialmente para a Defensoria Pública da União.

Outra forma de interação entre a Defensoria Pública e as entidades de defesa de direitos são os convênios firmados entre elas. Em geral, em tais convênios, a Defensoria Pública ou designa defensores para trabalhar dentro da entidade ou repassa a verba para que advogados e estagiários sejam contratados. A Defensoria também pode encaminhar casos individuais ou coletivos para que tais defensores ou advogados ajuízem ações.

Hoje a demanda é muito grande então a Defensoria estabelece convênios com algumas organizações. É um filtro muito bem-feito, eles procuram saber qual a contrapartida que a gente dá, a gente pode dar, a nossa contrapartida é um espaço físico, é a nossa história, nós temos computadores,

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temos toda uma logística de atendimento, e, e uma parceira muito grande com os defensores nas lutas do cotidiano.

[...] a Defensoria Pública como ela atua na forma da assistência judiciária, que é garantir a defesa e a própria judicialização de algumas questões... a Defensoria Pública ainda atua com uma estrutura muito limitada frente a toda demanda que existe de população de baixa renda e que precisa de alguma forma acessar o Judiciário. Então a Defensoria Pública realiza convênios com entidades sem fins lucrativos, como organizações civis [...] então [essas entidades] atua[m] como se fosse um anexo. [É] uma relação de parceria, existe uma confiança no desempenho, porque existe uma trajetória de atuação nessa proposta, com assessoria jurídica, mas também é como um anexo, uma estrutura, caso de uma Defensoria, do que precisa numa Defensoria, a quantidade de advogados que atuam nisso, então o convênio daqui, por exemplo, é específico para uma questão [...]. [E]ntão o que chega na Defensoria passa por uma triagem, e se estiver dentro dos critérios que são estabelecidos por esse convênio, por exemplo de área, matéria que está sendo discutida, pode ser distribuída para cá e aqui é tocada toda a parte de acompanhamento do processo normalmente, né, então essa é a forma como a Defensoria atua.

De a gente passar casos pra eles [Defensoria Pública] ou, inclusive a gente fazer, com o suporte deles assistência para adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa nas comarcas em que não haja defensor. E que não são poucas aqui [no estado].

Eles trabalham aqui. Os cinco trabalham aqui. Eles são conveniados com a Defensoria, pelo convênio. São contratados pela [entidade], mas a remuneração, não são funcionários [da entidade], são contratados pelo convênio.

Algumas das entidades entrevistadas participaram da luta pela criação das Defensorias Públicas nos seus estados. Isso, em muitos casos, significa que tais entidades têm uma relação de parceria mais aprofundada com as Defensorias Públicas que ajudaram a criar, e atualmente trabalham para que a instituição seja fortalecida e mais bem estruturada, ampliando, assim, o acesso à justiça.

Nós nos empenhamos aqui no movimento pela criação da defensoria pública [...]. Nossa avaliação é uma das melhores do ponto de vista da atuação dos defensores. É uma das instituições do Estado que tem demonstrado um compromisso com as causas sociais e de maneira geral nós somos muito favoráveis à criação da defensoria e à ampliação do número de defensores. Tanto do Estado e dentro das instituições do Estado, é uma das instituições que mais tem participado junto e defendido o interesse do povo como um todo. Então somos muito favoráveis à Defensoria Pública. O ideal seria se todos os Estados tivessem Defensorias Públicas autônomas e uma Defensoria da União também. [...] Mas a Defensoria é nossa grande parceira nas grandes lutas.

A Defensoria Pública foi uma discussão dos movimentos sociais, o movimento social desenhou a Defensoria Pública, lutamos juntos, corremos para que ela aconteça, ocorra. Hoje a luta é para que aumente o número de Defensores, que o número é pequeno e sobrecarrega a Defensoria Pública.

Da criação, da luta pela criação da Defensoria, foi uma das lutas institucionais que de certa maneira passou a ser a nossa. A nossa ideia é que é o Estado que tem que prover essas coisas. Então, tipo, existe uma Constituição que estabelece direitos do cidadão e o Estado tem que fazer isso. Em suma, a [entidade] trabalha justamente nesse sentido, de entender que

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o Estado tem que remover os obstáculos que impedem à igualdade e isso se faz através da participação, da mobilização das pessoas em torno disso. Então fundamentalmente é essa a nossa prática.

É que a gente teve uma proximidade, uma identidade com a Defensoria Pública, então, [a entidade] fez parte do movimento pela criação da Defensoria Pública, participou ativamente desse movimento [...]. Então [a entidade] luta pelo fortalecimento da Defensoria Pública, essa é uma das nossas maiores lutas, a gente está dentro disso, isso é uma missão pra gente, extremamente importante e estratégica porque a gente entende que, pra você democratizar acesso à justiça e pra você ter uma defesa de qualidade, você precisa de uma Defensoria Pública fortalecida, né? Esse é um trabalho importante pra gente.

As entidades entrevistadas também relataram participar ativamente de audiências públicas e eventos promovidos pela Defensoria, formações realizadas pelos defensores públicos para os movimentos sociais, comunidades e grupos com os quais a entidade atua, ou até mesmo formação promovida pelas entidades para os defensores em temas nos quais elas são especializadas.

De qualquer maneira, nós temos trabalhado em parceria com a Defensoria Pública em algumas demandas em especial também na formação de Defensores, em especial na DPU, na Defensoria Pública da União, na área de direitos humanos. A Defensoria Pública da União nos procurou informando [...] a dificuldade de muitos Defensores de ainda compreenderem um pouco mais a atuação nos direitos humanos e, principalmente, terem a possibilidade, enquanto Defensoria, de encaminhar à esfera internacional, em especial, ao Sistema Interamericano e à ONU determinadas violações, porque isso também faz parte das possibilidades

e competências previstas à Defensoria Pública e, nesse sentido, nós temos cada vez mais afinado no nosso discurso de parceria e estamos nas últimas fases de organização do termo de parceria para realização dessa formação.

Eu sei que a Defensoria também tem algumas, não são conferências, mas eles fazem uma espécie de consulta assim para fazer um planejamento interno, então eventualmente a gente poderia ter também esse tipo de relação.

Isso foi muito bom, porque fortaleceu, propiciou formar um fórum [do movimento social] porque nessa formação [a entidade] acabou sendo uma referência de articulação. O defensor público esteve conosco agora no final do ano, em dezembro, e se comprometeu mensalmente a fazer uma reunião junto à Defensoria para dar encaminhamento para a luta. A luta, quando a gente fala é de a organização coletiva buscar caminhos.

Em muitos casos, as entidades relataram em suas entrevistas que há uma complementariedade entre o trabalho que elas realizam e que a Defensoria Pública realiza. Essa complementariedade, além dos casos já mencionados, pode se dar por meio da atuação judicial conjunta ou da divisão de trabalho de preparação para a proposição de ações judiciais ou durante o processamento dessas. A entidade pode ainda colaborar com o trabalho da Defensoria Pública, assim como ocorre com o Ministério Público, fornecendo conhecimento técnico ou especializado que ela possua.

Com a Defensoria ainda não. Defensoria Pública em São Paulo é muito nova. Então, não deu tempo ainda, para desenvolver [...] A gente tem momentos de cooperação, de conteúdo mesmo. Como a Defensoria Pública é nova [...], tem coisas que a gente já fez, de ação civil pública, que eles não tiveram a oportunidade ainda de fazer,

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porque eles não existiam. Então eles pedem, “Ah, passa pra mim a sua ação...”, “Em que pé que está o seu processo tal?”, claro, a gente passa. Então, é esse tipo de colaboração, normalmente com a Defensoria Pública.

Então a gente teve que deixar de ajuizar essas ações pra realizar os pareceres, então nós trocamos pelos pareceres como uma forma de a gente prestar essa assessoria e a gente encaminha para a Defensoria Pública para que eles ajuízem essa ação. Mas hoje, principalmente o núcleo de direitos humanos aqui da Defensoria Pública do Estado, é uma grande parceira, eles têm nos solicitado esses pareceres para instruir os processos deles, principalmente as ações civis públicas.

Defensoria é a grande parceira. Porque constitucionalmente é o órgão responsável pela assessoria jurídica integral e gratuita dos hipossuficientes. A atribuição constitucional é deles. A universidade faz isso como um apoio, dentro da prática jurídica, mas faz todo sentido a gente ter um convênio com eles. E aí a ideia, não é que a gente substitua o trabalho deles.

[...] e muitos casos com Defensoria Pública, que a Defensoria entra com ação e a gente acompanha extrajudicialmente, ou ao contrário, a gente está com ação e a Defensoria entra judicialmente, enfim... diariamente qualquer encaminhamento de denúncia, órgão de denúncia e requerimentos, vamos dizer assim, com poder executivo, principalmente formação de esclarecimentos, de providências, e também para os órgãos de defesa.

[...] são processos que a gente acompanha e são processos da Defensoria, mas que a gente acompanha junto, discute junto estratégia, enfim, faz acompanhamento do caso de uma forma mais ampla.

A Defensoria desde o início tem sido um parceiro também bastante, até mais do que o Ministério Público [...], no caso da

Defensoria [...] desde o início da criação sempre houve por parte da Defensoria, de Defensores especificamente, uma procura pela [entidade] para apoiá-los e fazer um trabalho conjunto nas agendas, nas pautas [do tema que entidade trabalha] que eles recebiam.

A ideia é de complementar o trabalho, trazer uma lógica um pouco diferente, agregar conhecimento de outras áreas. Então a gente tem um trabalho interdisciplinar. Alguns casos a gente trabalha mesmo em conjunto, em parceria com eles pra agregar dados, agregar questões. [No caso concreto], por exemplo, eles atuam junto com a gente. As ações judiciais é [a entidade] que cuida, mas várias vezes a gente deu: oficia você porque a resposta da Defensoria vem mais rápido do que pra gente, eles têm poder de requisição ou uma inserção maior na mídia, ou conseguem uma agenda mais fácil. E o inverso também.

Às vezes eles [Defensoria Pública] estão com uma ação judicial e precisam de um trabalho social. A gente tem todo um grupo de assistentes sociais, psicólogos. Tem casos que a gente trabalha juntos mesmo.

Algumas das entidades falam ainda em uma articulação política e jurídica entre elas, a Defensoria Pública e, em alguns casos os grupos, comunidades ou movimentos sociais que elas representam. Os entrevistados relataram que em muitos casos a Defensoria Pública tem mais facilidade de comunicação com o Poder Executivo e outros órgãos do Estado.

[Com a] Defensoria a gente tem uma relação muito boa nesse sentido, buscamos sempre reunir, sempre levar alguns casos, porque tem algumas questões que a gente entende que são necessárias de ter uma atuação da Defensoria diferenciada. Então a questão [do grupo com o qual eles atuam], por exemplo, é uma questão que a gente já fez algumas reuniões com a Defensoria para pensar a incidência mesmo

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dos Defensores nessas demandas, com uma preocupação de entender o contexto mesmo, que é contexto do movimento coletivo, que do tipo de repressão que é feito, então a gente tem encaminhado algumas questões para a Defensoria.

Olha, geralmente, quando é um caso emblemático assim né, que são os casos em que atua em conjunto, nos casos coletivos, [...] na hora de propor, ou de fazer a articulação é que é feita uma reunião Defensoria Pública e [a entidade] e às vezes os movimentos também participam dessas, dessas reuniões, que é para pensar como é que vai ser a ação, aí tem um momento onde é discutido, dali tira a decisão de como é que vai ser feito, o que vai fazer, o que cada um vai fazer, e aí não existe assim, ah geralmente essa tarefa fica pra tal e essa fica pra tal, é assim: a situação, às vezes você tem... o defensor que está responsável tem uma relação mais próxima com determinado, determinada pessoa que pode ajudar, articular dentro da prefeitura, enfim, alguma coisa assim, e aí isso é feito dessa forma, “olha tenho tal contato, tenho tal contato”, e aí é o que é mais rápido nesse tipo de situação.

[A entidade não atua] conjuntamente escrevendo, assinando, peticionando, mas conseguimos fazer uma articulação com o trabalho se eles entram com alguma coisa e precisam de algum tipo de apoio a gente faz.

A gente chegou a ter reuniões para tratar de alguns casos, mas não judicial, mas na questão [do grupo com o qual a entidade trabalha] a gente chegou a ter intervenção conjunta nesse sentido, de a gente puxar reuniões com [tal grupo], com a Defensoria. Mas a atuação de frente, quem apareceu atuando foi nesse caso, [foi] a Defensoria, que foi com pedido de informação para o Executivo. Porque esses órgãos, em algumas questões, eles têm mais potencial de obter determinadas informações. [...] Mas a gente meio que tenta fazer isso. Agir em algumas situações em conjunto.

Como se pode depreender dos padrões de interação anteriormente expostos, assim como os exemplos ilustrativos das entrevistas que foram dados, da mesma forma como ocorre na relação com o Ministério Público, as entidades de defesa de direitos têm o importante papel de fazer a mediação entre os grupos, comunidades e movimentos sociais com os quais trabalham e a Defensoria Pública. Assim, a capilaridade de atuação das entidades entrevistadas permite a identificação de violações de direitos no contexto social no qual elas trabalham e a comunicação e o encaminhamento dessas violações para a Defensoria Pública como uma das possíveis formas de buscar soluções. Tais entidades atuam de modo mais amplo e politizado do que a Defensoria, articulando a mobilização social, não só do ponto de vista dos próprios atores da sociedade civil, mas também em relação à própria instituição.

Apresentados os principais padrões de interação das entidades de defesa de direitos entrevistadas e a Defensoria Pública, passaremos agora para as percepções gerais de tais entidades sobre a instituição.

6.2 PERCEPÇÕES SOBRE A DEFENSORIA PÚBLICA

Também em relação às percepções das entidades de defesa de direitos quanto à instituição, há pontos em comum entre a Defensoria Pública e o Ministério Público.

Alguns dos entrevistados fizeram críticas a respeito da grade curricular das faculdades de direito no sentido de que estas poderiam ser mais voltadas para a compreensão da realidade e para uma atuação mais conectada com o social, assim como apontaram que grande parte dos alunos

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nesses cursos pertence a uma elite social e econômica. Segundo esses entrevistados, tais fatores teriam um reflexo nas pessoas que passam nos concursos públicos e que ocupam cargos na Defensoria Pública e também no Ministério Público, assim como na própria instituição. Como consequência, os membros dessas instituições tenderiam a ter um grande distanciamento dos problemas sociais que existem no Brasil, o que geraria uma visão preconceituosa e conservadora a respeito dos grupos com os quais as entidades em geral trabalham. Os entrevistados também apontaram, assim como ocorre com o Ministério Público, a necessidade de uma formação em direitos humanos para os defensores públicos.

Os entrevistados assinalaram o fato de que os defensores públicos, assim como promotores e procuradores, possuem uma certa limitação em sua atuação, seja porque estão subordinados em alguma medida ao Estado, seja porque a própria burocracia da instituição os restringe, o que diminui sua capacidade de atuação. Alguns entrevistados afirmaram ter havido intervenções políticas no trabalho da Defensoria Pública por parte do governo do estado, assim como realocação de defensores públicos para outras localidades e dissolução de núcleos temáticos.

Algumas das entidades que possuem convênio com a Defensoria Pública fizeram a crítica de que há uma excessiva pressão da instituição para que se cumpra metas de atendimento, o que pode acabar por descaracterizar o próprio escopo de atuação da entidade de defesa de direitos.

Outra questão apontada é que, atualmente, como consequência de uma melhoria nos salários e na estrutura da carreira, muitas pessoas estão sendo atraídas para a Defensoria Pública, mesmo sem ter um interesse específico

em trabalhar na instituição. Assim, há a percepção por parte dos entrevistados de que há uma nova geração de Defensores que é “menos vocacionada” ao trabalho e mais “corporativista” e, portanto, menos aberta à interação com a sociedade civil.

Apesar dessas percepções em alguma medida negativas, os entrevistados acreditam que a Defensoria Pública e seus membros são mais próximos da sociedade civil e mais acessíveis do que os membros do Ministério Público. Algumas entidades afirmaram que há mais “afinidade ideológica” entre os atores da sociedade civil e da Defensoria Pública, e que os defensores teriam um tipo de trabalho mais próximo do que as entidades realizam. Há também uma maior afinidade temática entre as entidades de defesa de direitos e a Defensoria Pública. Até pelo fato de muitas das entidades entrevistadas terem trabalhado na criação ou no fortalecimento das Defensorias Públicas, elas acreditam ter uma parceria maior com a instituição. De acordo com muitas dessas entidades, é bastante importante esse processo de fortalecimento das Defensorias Públicas pela sociedade civil, e que se estimule a instituição a cumprir seu papel social.

Em linhas gerais, esses seriam os padrões de percepção das entidades da sociedade civil acerca da Defensoria Pública. Passamos agora para os elementos de desenho institucional que facilitam ou bloqueiam a interação entre as entidades de defesa de direitos e a Defensoria Pública.

6.3 DESENHO INSTITUCIONAL

O ponto assinalado nas entrevistas como o mais problemático em relação à Defensoria Pública é justamente suas deficiências de infraestrutura e pessoal.

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Muitos entrevistados apontaram como uma mudança necessária na instituição o aumento do número de defensores e a ampliação e melhoria de sua estrutura de atendimento. Em alguns lugares, a deficiência de pessoal, a sobrecarga de trabalho e a falta de estrutura da Defensoria Pública é tão grande que chega a comprometer a relação da entidade com as entidades da sociedade civil. Alguns entrevistados relataram a impossibilidade de se relacionar com a instituição na medida em que ela não dava conta nem de atender os casos que chegavam a ela. Em outros casos, entrevistados relataram que convênios foram extintos na medida em que a Defensoria precisava que os defensores locados na entidade voltassem a trabalhar na instituição, dada a enorme falta de pessoal. Isso sem se falar, é claro, nos estados nos quais as Defensorias ainda não foram estruturadas, nos quais há uma mobilização da sociedade civil para sua criação. E mesmo nos estados em que a Defensoria é mais forte estruturalmente e mais atuante, membros da sociedade civil apontam para o fato de que é necessário consolidá-la, fortalecê-la e ampliá-la.

A Defensoria Pública da União é bem menos citada pelos entrevistados do que a Defensoria Pública estadual. Como afirmado anteriormente, a DPU é a instituição competente para tratar de casos que envolvam matéria federal. Segundo os entrevistados, em muitas localidades, a DPU é citada como tendo uma interação bastante positiva com as entidades de defesa de direitos, mas, em outros casos, os entrevistados apontam uma baixa interação com a instituição, em grande medida pela incipiência da instituição e a dificuldade em acessá-la.

Assim como ocorre com o Ministério Público, os entrevistados assinalaram que a

existência de núcleos e câmaras temáticas favorece muito a relação da entidade com a Defensoria Pública. Tais núcleos facilitam a interação na medida em que, ao se especializarem em certos temas, acabam se familiarizando com problemas mais relevantes naquela área, aperfeiçoam as melhores estratégias de atuação judicial e potencialmente ficam mais próximos dos atores sociais ligados àquela questão. Contudo, assim também como ocorre com o Ministério Público, a existência de núcleos especializados não diminui a importância de contatos pessoais com os defensores públicos e a necessidade de que haja afinidades políticas para que a interação se dê de forma mais intensa e com maior qualidade.

Alguns entrevistados citaram a falta de autonomia como um problema das Defensorias, com a possibilidade de haver interferência política externa no trabalho dos defensores. As entidades também pontuaram que seria importante que todas as Defensorias Públicas possuíssem ouvidoria externa independente.

As audiências públicas foram apontadas como um importante instrumento da Defensoria Pública para se aproximar da sociedade civil, tomar conhecimento das questões e problemas com os quais as entidades estão envolvidos, assim como ouvir seu posicionamento a respeito de tais questões. Foi mencionado como um ponto importante para a interação entre as entidades de defesa de direitos e a Defensoria a apresentação do planejamento anual da instituição em tais eventos.

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7.1 - A FORMAÇÃO DE DEFENSORES DE DIREITOS

A descrição dos elementos de trajetória identificados a partir das entrevistas com os 130 respondentes da pesquisa destacou três grandes grupos de fatores como determinantes à formação de defensores de direitos: experiências universitárias, experiências profissionais e experiências sociais e pessoais. Além de influências familiares, vínculos religiosos e da identificação dos respondentes com os grupos que buscam defender terem se revelado determinantes para a formação de defensores de direitos, há dois elementos de trajetória que estão mais claramente ao alcance das políticas públicas e, dessa forma, merecem ser enfatizados no âmbito deste relatório: as experiências universitárias e profissionais dos respondentes.

As experiências no âmbito universitário, que abarcam desde a dimensão do ensino e da pesquisa até iniciativas de extensão e o movimento estudantil, se revelaram as mais frequentes no grupo entrevistado pela pesquisa. Em especial no caso de entrevistados que, formados em direito ou ainda estudantes de direito, essas experiências são reputadas como responsáveis por uma maior aproximação dos respondentes, enquanto estudantes, de demandas sociais, de violações de direitos e de grupos e movimentos organizados em torno dessas demandas e violações. A partir dessa aproximação, ocorre uma maior politização do indivíduo, bem como um aprendizado sobre as necessidades de atuação em relação a determinados

grupos e sobre estratégias de trabalho. As experiências de extensão universitária, em especial, aparecem como um primeiro aprendizado da advocacia de interesse público, ainda durante a graduação em direito.

Experiências profissionais também contribuem neste sentido. Em especial, estágios em ONGs e no Ministério Público foram elementos relativamente frequentes nas trajetórias dos respondentes. Da mesma forma que as extensões universitárias, estas experiências de estágio foram relatadas como uma oportunidade de entrar em contato com certos problemas sociojurídicos e de conhecer técnicas e formas de atuação para buscar resolvê-los.

A politização e o aprendizado de estratégias de atuação e mobilização referidos pelos entrevistados como decorrentes dessas influências se reflete, em grande medida, no perfil das entidades onde eles atuam. Tendo em vista que os entrevistados, em regra, atribuem o seu envolvimento com defesa de direitos às experiências de proximidade com comunidades, coletivos, grupos e movimentos sociais vulneráveis, a capilaridade das entidades de defesa de direitos não surpreende. Igualmente, a combinação de estratégias jurídicas – ou, sobretudo, a compreensão da atuação judicial como parte de uma gama de formas de atuação – pode ser identificada nas trajetórias dos entrevistados. Com frequência, os respondentes afirmam ter combinado, em sua história acadêmica e profissional, ativismo político com atuação

7 - CONCLUSÕES

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técnica, explorando âmbitos institucionais e estratégias de mobilização que não estão restritos ao Judiciário ou ao direito. Identificam-se, dessa forma, alguns dos vetores para a formação de defensores de direitos no Brasil e a sua relação com o tipo de trabalho que desenvolvem nas entidades onde atuam.

7.2 TIPOS DE ADVOCACIA DE INTERESSE PÚBLICO

A descrição dos perfis das entidades de defesa de direitos que compõem a amostra apontou para uma importante variedade de experiências, temáticas de atuação, estruturas e formas de organização, atividades e âmbitos de trabalho. Há grande diversidade no perfil das entidades entrevistadas quanto à sua estrutura interna (física e de pessoal): desde entidades comunitárias, que trabalham com voluntariado ou que contam com integrantes que são, eles próprios, parte dos grupos a que visam defender as entidades, e com estrutura de funcionamento frágil (poucos contratados, advogados voluntários e esporádicos, sem financiamento fixo), até organizações com estrutura mais profissionalizada (assessoria de imprensa, grande número de contratados, advogados com dedicação exclusiva no corpo da entidade).

Como se viu, as entidades de defesa de direitos da sociedade civil costumam atuar em diversas frentes, junto aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, e com frequência apostam em estratégias integradas para a mobilização de uma determinada demanda. A capacidade de atuação, tanto do ponto de vista quantitativo quanto em termos de alcance das ações, está relacionada à estrutura interna da entidade. Nas distintas frentes

de atuação, as entidades mobilizam estratégias diversas, tais como litígio, litígio estratégico, advocacy, participação em conselhos e audiências públicas, mobilização social, lobby nos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, estratégias de comunicação/mídia, formação/educação/capacitação popular, consultoria jurídica, monitoramento de políticas públicas.

Especificamente com relação à atuação judicial das entidades, observou-se uma mudança de estratégia, valorizando a coletivização das demandas judiciais, em detrimento de uma advocacia client-oriented, que promovia ações judiciais individuais. A coletivização manifesta-se não apenas no recurso das ações coletivas, mas também no das individuais com potencial coletivo de repercussão (casos exemplares, paradigmáticos). A profissionalização das entidades de defesa de direitos é acompanhada pela definição clara dos limites de atuação das entidades, com relação a público atendido, tema. O aperfeiçoamento da atuação jurídico-judicial envolve o emprego de uma série de estratégias, além da judicial, tais como: articulação social, formação, advocacy, pesquisa, mídia e lobby judicial.

Os financiamentos internacional e nacional público revelaram-se os mais recorrentes nas entidades entrevistadas. Para a atuação judicial, recursos de fora do País são mais relevantes, tanto de fundações públicas quanto privadas. Outras atividades costumam ser financiadas por editais públicos de governos municipais, estaduais e federal. Em menor proporção, as entidades obtêm parte de seus recursos de doações individuais ou a partir da prestação de serviços ou vendas de produtos da entidade. Dificuldades de financiamento são apontadas, de forma

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quase unânime, como um dos principais obstáculos à execução das atividades. Com frequência, são seis os fatores problemáticos ligados ao financiamento. Primeiro, a diminuição da disponibilidade de financiamento internacional. Muitos dos financiadores internacionais estão retirando financiamentos para entidades da sociedade civil, na medida em que o Brasil passou a ser considerado um país em um estágio mais avançado de desenvolvimento econômico e social, com capacidade de captação de recursos internos para o desenvolvimento de suas atividades. A redução do apoio internacional à área de litígio estaria relacionada, também, à percepção, por parte dos financiadores, de que a atividade poderia ser feita pela Defensoria Pública e pelo Ministério Público. Segundo, a conjuntura econômica, a crise financeira internacional teria retirado grande parte da possibilidade de financiamento do Norte global, de onde, em geral, parte o financiamento internacional. Paralelamente, o fortalecimento da economia brasileira teria valorizado a moeda local, tornando o financiamento em moeda estrangeira menos rentável. Terceiro, a estrutura legal rígida e complexa imposta às organizações não governamentais para acessar o financiamento público nacional e para prestar contas. Quarto, a ausência de uma cultura de financiamento nacional, seja por pessoas físicas, seja por pessoas jurídicas. Quinto, a dificuldade de financiar determinados temas. Sexto, em particular no âmbito das ações jurídicas, as formas de financiamento são vistas como incompatíveis com a atividade de litígio, já que são, em regra, focadas em projetos de curto ou médio prazo, enquanto o litígio tem tempo indeterminado. Alguns entrevistados apontaram que a natureza do trabalho de assessoria jurídica (que raramente produz resultados concretos imediatos, em razão

da demora judicial) e a sua imprevisibilidade também desestimulam financiadores, em especial internacionais.

A partir das informações sobre os temas, atividades, estrutura, financiamento e estratégias de atuação das entidades entrevistadas, é possível identificar uma ampla variedade de experiências de mobilização jurídica na sociedade civil. A miríade de conceitos mobilizados pela literatura para caracterizar o tipo de trabalho dessas entidades (advocacia popular, advocacia de interesse público, litígio estratégico, advocacia pro bono, assistência judicial) mostra-se, assim, insuficiente para abarcar a complexidade desse campo de atuação. A mobilização jurídica é multifacetada, no Brasil, e quaisquer políticas públicas formuladas para este campo devem levar em conta a variedade de experiências, perfis e necessidades de atores tão distintos entre si.

7.3 MP E DP: O FATOR DESENHO INSTITUCIONAL

A pesquisa identificou uma série de padrões de interação entre as entidades de defesa de direitos estudadas, o Ministério Público (MP) e a Defensoria Pública (DP), sendo que muitas dessas formas de relação eram comuns às duas instituições. Entre tais padrões comuns, podemos citar, primeiramente, o encaminhamento de casos das entidades de defesa de direitos para o Ministério Público (por meio de denúncias e representações) e para a Defensoria Pública. As entidades citaram como motivo para fazer os encaminhamentos, entre outros, (i) o fato de somente fazerem o trabalho de orientação jurídica e não entrarem com ações judiciais; e/ou (ii) o fato de que não têm estrutura (técnica, financeira, física)

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para atender o caso em questão; e/ou (iii) porque o caso foge da temática com a qual a entidade trabalha; e/ou (iv) porque só levavam para o Poder Judiciário casos paradigmáticos e não realizam atendimento individual; e/ou (v) porque acreditam que o peso institucional do Ministério Público e da Defensoria Pública pode colaborar para um desfecho positivo do caso. Para algumas entidades, esse encaminhamento de casos para o Ministério Público e para a Defensoria Pública também é justificável na medida em que elas acreditam ser um dever do Estado e função das instituições fazer o atendimento individual ou coletivo aos cidadãos, promovendo, assim, o acesso à justiça. Este encaminhamento de casos também é uma forma de as entidades da sociedade civil levarem ao MP e à DP questões relevantes que estão ocorrendo no campo no qual elas trabalham. Assim, elas buscam fazer com que o MP e a DP atuem nos casos que elas consideram relevantes.

As entidades de defesa de direito apontaram que também realizam parcerias e articulações com o Ministério Público e com a Defensoria Pública. Essas parcerias e articulações podem se dar tanto na forma de reuniões ou seminários promovidos pelo MP e DP para discussão de casos (e que em alguns conta também com a presença de grupos com os quais as entidades trabalham) como pela transferência de informações da sociedade civil para embasar ações do MP e da DP. Outro importante padrão de interação entre as entidades da sociedade civil e o Ministério Público e Defensoria Pública são as diversas formas de atuação judicial conjunta e a divisão de trabalho para a proposição de uma ação ou durante o seu processamento (em geral, as entidades entrevistadas coletam informações e

documentos com a comunidade ou grupo com quem trabalham para embasar as ações do MP e DP).

A participação em audiências públicas ou eventos organizados pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública é outra forma importante de interação entre tais instituições e as entidades da sociedade civil. Em alguns casos, ocorre o contrário, quando as entidades é que organizam eventos e contam com a participação de promotores, procuradores e defensores. O mesmo intercâmbio pode acontecer com cursos de formação organizados pelo MP e pela DP para as entidades e vice-versa. Ambas as instituições também realizam convênios de diversos tipos com as entidades de defesa de direitos. As entidades também buscam influenciar a agenda temática do MP e da DP, por meio de encaminhamento de casos ou por meio de participação em grupos temáticos, debates e articulações com a sociedade civil e com outros órgãos do Estado e a tentativa de sensibilização dos membros do MP e da DP.

Finalmente, uma importante forma de interação é a mediação feita pelas entidades de defesa de direitos entre movimentos sociais, comunidades e grupos com os quais elas trabalham e o Ministério Público e a Defensoria Pública. Tais entidades, por sua capilaridade na sociedade, conseguem identificar questões, problemas e violações de direitos que não são visíveis para o MP e a DP. Assim, tais entidades fazem a conexão entre esses movimentos sociais, grupos e comunidades com os quais elas trabalham, levando suas questões para tais instituições. As entidades de defesa de direito também articulam a mobilização social em torno de demandas, atuando de forma mais ampla e politizada.

Os pontos da relação entre as

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entidades e o MP e a DP que não coincidem são no que diz respeito ao MP, o seu antagonismo em relação a algumas das entidades entrevistadas, principalmente aquelas que atuam com a temática da terra e de questões criminais e, no caso da DP, toda a luta pela criação e fortalecimento das Defensorias Públicas, realizada pela sociedade civil. De maneira geral, os entrevistados acreditam que a Defensoria está mais próxima das entidades da sociedade civil, e é também mais acessível do que o Ministério Público.

No que diz respeito ao desenho institucional das entidades, a pesquisa constatou por meio das entrevistas que a existência de núcleos ou câmaras especializadas no Ministério Público e Defensoria Pública facilita a interação das entidades da sociedade civil com estas instituições. Contudo, a relação entre a pessoa do promotor, procurador e defensor e a entidade é determinante para que a interação ocorra. Assim, afinidades políticas e ideológicas podem favorecer a interação, assim como oposições podem inviabilizá-la completamente.

Os entrevistados também apontaram que um importante elemento no desenho institucional tanto da Defensoria Pública como do Ministério Público é a existência de ouvidorias externas independentes. As entidades criticaram também uma falta de formação em direitos humanos mais aprofundada dos promotores, procuradores e defensores. Além disso, as audiências públicas e demais eventos realizados pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública para o diálogo com a sociedade civil, assim como a apresentação do planejamento anual das instituições nestas datas, foram indicados nas entrevistas como um importante canal de diálogo com as entidades de defesa de direitos.

Outro ponto bastante assinalado foi o de que a Defensoria Pública, em muitos estados, tem uma grande deficiência de pessoal e uma infraestrutura limitada. Este fator foi apontado pelos entrevistados como um importante limitador da relação entre a Defensoria e as entidades da sociedade civil.

Dado o exposto, pode-se dizer que foram identificadas diversas e importantes formas de interação entre o Ministério Público, a Defensoria Pública e as entidades de defesa de direitos entrevistadas. A pesquisa também captou percepções e avaliações das entidades a respeito das instituições. E, finalmente, foram apontados elementos do desenho institucional do MP e da DP que facilitam ou bloqueiam a interação das entidades de defesa de direitos com eles. Tais informações poderão ser usadas para promover e aperfeiçoar as formas de interação aqui expostas.

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Com base nas conclusões delineadas a partir dos dados apresentados, é possível identificar eixos potenciais para a formulação de políticas públicas voltadas à superação dos problemas apontados pela pesquisa e – em especial quanto ao foco central do estudo – à otimização da interação entre as entidades de defesa de direito e os órgãos de litígio do Estado: o Ministério Público e a Defensoria Pública. Estes eixos emergem dos tópicos abordados no relatório, a saber: (8.1) quanto aos indivíduos que exercem a advocacia de interesse público; (8.2) quanto às entidades de defesa de direitos; e (8.3) quanto aos órgãos do Estado.

8.1 EIXO INDIVIDUAL: INCENTIVOS À FORMAÇÃO E MULTIPLICAÇÃO DE DEFENSORES DE DIREITOS

Com base na análise das trajetórias acadêmicas e profissionais dos 130 respondentes das entrevistas, a pesquisa identificou dois importantes vetores de formação de defensores de direitos: as experiências universitárias e profissionais pelas quais passam esses indivíduos, em especial se oriundos do curso de direito. O estudo apontou, ainda, para a conexão entre o perfil desses respondentes e o perfil de atuação das entidades onde trabalham. A capilaridade observada em muitas das entidades de defesa de direitos, a sua proximidade com outras organizações e movimentos organizados, bem como as estratégias de atuação adotadas são, em grande medida, as mesmas apreendidas por estes respondentes na sua trajetória precedente ao trabalho na

entidade. Dessa forma, o fortalecimento e a ampliação de entidades de defesa de direitos (ponto tratado especificamente no eixo a seguir) estão ligados à criação de incentivos à formação e multiplicação dos agentes que mobilizam estas entidades: os defensores de direitos.

A pesquisa permite identificar duas áreas com potencial para a aplicação de eventuais mecanismos com o objetivo de formar e multiplicar defensores de direitos:

• Experiências universitárias: sendo as experiências de ensino, pesquisa e extensão universitárias recorrentes nas trajetórias dos respondentes da pesquisa, o fortalecimento do tripé fundamental do ensino superior brasileiro tem potencial de gerar incentivos para a formação e multiplicação de defensores de direitos. No âmbito do ensino, disciplinas e cursos na área de direitos humanos foram repetidamente apontados como influências positivas. No âmbito da pesquisa, igualmente, grupos de pesquisa e bolsas de iniciação científica em direitos humanos foram identificados na trajetória de diversos entrevistados. No âmbito da extensão universitária, o papel de grupos de assessoria jurídica popular como primeira fonte de experiência em advocacia de interesse público é notável, que pese às suas dificuldades de manutenção, em especial a precariedade das linhas de financiamento hoje disponíveis, notadamente, fundos públicos disponibilizados por editais de curto prazo;

8 - DESDOBRAMENTOS

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• Experiências profissionais: ao lado de experiências internas à universidade, a participação em estágios junto a Organizações Não Governamentais e aos órgãos de litígio do Estado, em especial o Ministério Público, revelou-se central para um número relevante de entrevistados. Fortalecer esta dimensão da formação acadêmico-profissional de estudantes constitui-se, dessa forma, em um potencial incentivo à formação e multiplicação de defensores de direitos. A viabilização desse fortalecimento, porém, está ligada às condições estruturais das instituições estatais e das ONGs, especialmente, no caso das últimas, no tocante à disponibilidade de fundos para contratação.

8.2 EIXO SOCIEDADE CIVIL: FORTALECIMENTO E AMPLIAÇÃO DA DEFESA DE DIREITOS

Em razão da capilaridade e variedade de temas, atividades e estratégias de atuação, as entidades de defesa de direitos desempenham papéis que dificilmente podem ser subsumidos por órgãos estatais. Por isso, complementam, em diversos sentidos, advocacia de interesse público prestada pelo Estado, além de tematizarem e mobilizarem as instituições oficiais a determinados posicionamentos e atividades. Dessa forma, fortalecer as entidades já existentes e ampliar o espaço para multiplicação de organizações da sociedade civil é um instrumento em potencial para aprofundamento da defesa de direitos no Brasil.

Os principais obstáculos para o desenvolvimento da defesa de direitos no País identificados na pesquisa estão ligados ao financiamento. Tendo em vista as seis

dificuldades de financiamento destacadas no relatório, o fortalecimento e ampliação da defesa de direitos podem passar por distintos caminhos:

• Alternativas de financiamento nacional público e/ou privado frente à saída do financiamento internacional do Brasil, que afeta, especialmente, a atividade jurídica das entidades de defesa de direitos;

• Alternativas jurídico-institucionais pa ra solucionar eventuais entraves burocráticos enfrentados no acesso ao financiamento nacional público, no uso e na prestação de contas referentes a estes recursos;

• A construção de incentivos para o financiamento de temáticas preteridas por financiadores tradicionais;

• A estruturação de formas de financiamento compatíveis com as particularidades da atividade jurídica.

8.3 EIXO ESTADO: DESENHO INSTITUCIONAL PARA PROMOVER INTERAÇÃO

Com base nas entrevistas realizadas com as entidades de defesa de direitos, nas formas de interação delas com o MP e a DP, nas percepções das entidades sobre o MP e a DP e nos elementos do desenho institucional identificados como facilitadores ou bloqueadores da interação com a sociedade civil, os seguintes eixos de política pública podem ser formulados:

• Estimular a criação e a consolidação de núcleos e câmaras especializadas no Ministério Público e Defensoria Pública;

• Pensar formas de minimizar os efeitos negativos da importância da pessoa

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dos membros do Ministério Público e da Defensoria Pública na interação com as entidades de defesa de direitos, ou seja, pensar formas de essa relação não ficar inviabilizada ou diminuída quando houver divergências políticas entre os membros das instituições e as entidades da sociedade civil;

• Pensar formas de haver continuidade do trabalho que o promotor, procurador ou defensor estava realizando com as entidades de defesa de direitos quando eles mudam para outro posto e são substituídos;

• Fomentar a formação em direitos humanos dos promotores, procuradores e defensores, fomentar a educação em direitos humanos nas faculdades de direito, incentivar que a matéria que envolva direitos humanos seja cobrada em provas de concurso público;

• Fomentar a realização de audiências públicas pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública nas quais participe a sociedade civil, assim como incentivar que essas instituições apresentem seus planos de ação anuais e estejam abertos para debates e discussões com a sociedade civil;

• Estimular a criação e fortalecer ouvidorias externas independentes;

• Fortalecer as Defensorias Públicas com investimentos no aumento dos defensores em seus quadros, assim como na infraestrutura da instituição;

• Quando for necessário, investir também no aumento de pessoal e infraestrutura no Ministério Público;

• Estimular a criação das Defensorias Públicas nos estados nos quais elas ainda não existem.

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Entidade Cidade

1 Ação dos Cristãos para a Abolição da Tortura – ACAT – Brasil São Paulo

2 Ação Educativa São Paulo

3 Acesso Cidadania e Direitos Humanos Porto Alegre

4 ANIS – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero Brasília

5 Artigo 19 São Paulo

6 ASBRAD Guarulhos

7 Assessoria Interdisciplinar e Intercultural em Direitos Humanos – AIDH Belém

8 Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – ABGLT

Curitiba

9 Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto – ABREA São Paulo

10 Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação Belo Horizonte

11 Associação da Parada do Orgulho GLBT de São Paulo – APOGLBT São Paulo

12 Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia – AATR-BA

Salvador

13 Associação de Controle do Tabagismo, Promoção da Saúde e dos Direitos Humanos – ACT

São Paulo

14 Associação de Mulheres da Zona Leste – AMZOL São Paulo

15 Associação de Proteção e Defesa do Crédito do Consumidor – PRODECCON Rio de Janeiro

16 Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente – ANCED

Brasília

17 Casa da Mulher Trabalhadora – CAMTRA Rio de Janeiro

18 CEDECA Ceará Fortaleza

19 CEDECA DF Brasília

20 CEDECA Interlagos São Paulo

21 Centro das Mulheres do Cabo Cabo de Santo Agostinho

22 Centro de Apoio aos Direitos Humanos “Valdicio Barbosa dos Santos” – CADH Vitória

23 Centro de Assessoria Jurídica Popular Mariana Criola Rio de Janeiro

24 Centro de Assessoria Jurídica Universitária da UFC – CAJU-CE Fortaleza

25 Centro de Defesa da Vida e dos DH de Açailândia Açailândia

26 Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente “Monica Paião Trevisan” – CEDECA Sapopemba

São Paulo

27 Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente – CEDECA – Casa Renascer

Natal

28 Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Petrópolis – CDDH Petrópolis

29 Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos da Arquidiocese de Fortaleza

Fortaleza

30 Centro de Direitos Humanos de Palmas – CDHP Palmas

31 Centro de Direitos Humanos Maria da Graça Bráz – CDH Joinville

32 Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades – CEERT São Paulo

33 Centro Dom Helder Camara de Estudos e Ação Social Recife

ANEXO I - LISTA DE ENTIDADES ENTREVISTADAS

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34 Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos São Paulo

35 Centro Santo Dias de Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo – CSDDH São Paulo

36 Cerrado Assessoria Jurídica Popular Goiânia

37 Comissão Justiça e Paz de São Paulo São Paulo

38 Comissão Pastoral da Terra – Amazonas Manaus

39 Comissão Pastoral da Terra – Regional MG Belo Horizonte

40 Comissão Pastoral da Terra – Regional Pará Belém

41 Comissão Pastoral da Terra – Regional Rondônia Porto Velho

42 Comissão Pró-Índio São Paulo

43 Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher – CLADEM/Brasil

São Paulo

44 Conectas DH São Paulo

45 Conexión Migrante Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante São Paulo

46 Confederação Nacional das Entidades de Família – CNEF Brasília

47 Conselho Indigenista Missionário – CIMI Brasília

48 Cordel Vida – Centro de Orientação e Desenvolvimento de Luta pela Vida João Pessoa

49 Departamento Jurídico do Centro Acadêmico XI de Agosto – Núcleo Direito à Cidade – FDUSP

São Paulo

50 Dignitatis – Assessoria Técnica Popular João Pessoa

51 Embaixada Cigana do Brasil São Paulo

52 Escritório de Direitos Humanos de Minas Gerais Belo Horizonte

53 Escritório de Direitos Humanos e Assessoria Jurídica Popular Frei Tito Fortaleza

54 Escritório Experimental OAB/SP São Paulo

55 Escritório Modelo PUCSP São Paulo

56 Fundação Centro de Defesa dos Direitos Humanos Bento Rubião Rio de Janeiro

57 Fundação de Defesa dos Direitos Humanos Margarida Maria Alves – FDDHMMA João Pessoa

58 Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares – GAJOP Recife

59 Geledés Instituto da Mulher Negra São Paulo

60 Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual – GADVS São Paulo

61 Grupo de Apoio à Prevenção da AIDS da Bahia – GAPA-BA Salvador

62 Grupo de Incentivo à Vida – GIV São Paulo

63 Grupo Matizes Pela Livre Expressão Sexual Teresina

64 Grupo Mulher Maravilha Recife

65 Grupo Tortura Nunca Mais Rio de Janeiro

66 Instituto Braços Aracajú

67 Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – IDEC São Paulo

68 Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência – IBDD Rio de Janeiro

69 Instituto de Defesa do Consumidor e do Contribuinte – IDC Goiânia

70 Instituto de Defesa do Direito de Defesa – IDDD São Paulo

71 Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais – POLIS São Paulo

72 Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais – InGá Porto Alegre

73 ILANUD São Paulo

74 Instituto Luiz Gama São Paulo

75 Instituto Práxis de Direitos Humanos – IPDH São Paulo

76 Instituto Pro Bono São Paulo

77 Instituto Socioambiental – ISA São Paulo

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111

78 Instituto Terramar Fortaleza

79 Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social São Paulo

80 Justiça Global Rio de Janeiro

81 Movimento das Donas de Casa e Consumidores de Minas Gerais – MDC/MG Belo Horizonte

82 Movimento de Atingidos por Barragens – MAB São Paulo

83 Movimento República de Emaús Belém

84 Nuances Grupo Pela Livre Orientação Sexual Porto Alegre

85 Núcleo de Assessoria Jurídica Comunitária – NAJUC/UFCE Fortaleza

86 Núcleo de Assessoria Jurídica Popular “Direito nas Ruas” da UFPE – NAJUP-UFPE Recife

87 Oficina dos Direitos da Mulher São Paulo

88 Organização de Direitos Humanos Projeto Legal Rio de Janeiro

89 Organização Nacional de Cegos do Brasil – ONCB São Paulo

90 Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares – RENAAP São Paulo

91 Rede Social de Justiça e Direitos Humanos/SP São Paulo

92 Serviço de Apoio Jurídico da UFBA – SAJU/BA Salvador

93 Serviço de Assessoria Jurídica Universitária da UFRGS Porto Alegre

94 Serviço de Assessoria Jurídica Universitária da USP – SAJU-USP São Paulo

95 Serviço de Assessoria Jurídica Universitária Popular – SAJU/UNIFOR Fortaleza

96 Setor de Direitos Humanos do MST São Paulo

97 Sociedade Maranhense de Defesa dos Direitos Humanos – SMDH e Centro de Cultura Negra do Maranhão

São Luís

98 Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos – SDDH Belém

99 SOMOS – Comunicação, Saúde e Sexualidade – Parte I Porto Alegre

100 SOS Ação Mulher e Família de Campinas Campinas

101 SOS Ação Mulher e Família de Uberlândia Uberlândia

102 Terra de Direitos Curitiba

103 Themis Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero Porto Alegre

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Objetivo específico da entrevista: identificar que aspectos do desenho institucional do Ministério Público e da Defensoria Pública contribuem com ou dificultam a relação desses órgãos com entidades de advocacia popular.

Tópicos abordados na entrevista:

1) Perfil do respondente: o que faz na entidade; experiência com o trabalho; for-mação; por que trabalha na entidade.

2) Perfil da entidade: definição do tipo de trabalho que desenvolve (“advocacia popular”, “litígio estratégico” etc.); áreas e temas de atuação; estratégias de atua-ção; organização interna; financiamento.

3) Atuação judicial: identificação dos tipos de casos em que a entidade atua judicialmente; como esses casos chegam à entidade; estratégias de atuação da entidade.

4) Relação com a Defensoria Pública e com o Ministério Público: identificar se há ou não experiência de relação com a DP e o MP; ilustrar com experiências concre-tas de relação; identificar a percepção da entidade sobre pontos positivos e nega-tivos da relação.

5) Desenho institucional/organizacional.

ROTEIRO DE ENTREVISTA:

PERFIL DO ENTREVISTADO

(A primeira pergunta é de cunho mais biográfico, para compreendermos melhor o perfil das pessoas que trabalham em entidades de defesa de direitos.)

1. Quais aspectos da sua trajetória pessoal, profissional, acadêmica foram importantes para você trabalhar com defesa de direitos nesta entidade?

•(Paraesmiuçar,casooentrevistadonãotenhaexploradonaresposta)Quaispes-soas ou instituições foram importantes nessa escolha profissional?

2. Qual trabalho desenvolve nesta entidade? Desde quando você trabalha nesta enti-dade?

3. (Para o caso de trabalhar na área de litígio da instituição) Por que optou por trabalhar com litígio nesta entidade e não na Defensoria Pública ou no Ministério Público?

ANEXO II - ROTEIRO DE ENTREVISTA

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PERFIL DA ENTIDADE

4. Essa pergunta serve para compreendermos melhor a trajetória dessa entidade, quan-do ela foi formada e com quais objetivos.

a. (Para esmiuçar, caso o entrevistado não tenha explorado na resposta) Quais pessoas ou instituições foram importantes para a criação da entidade?

5. Quais atividades a entidade realiza? Qual é a atividade central? Como essas ativida-des mudaram ao longo do tempo?

Checklist de atividades:

a) Legislativo

a. Elaboração/monitoramento de leis

b. Reforma institucional

b) Executivo

a. Acompanhamento do orçamento

b. Monitoramento de políticas públicas

c. Implementação de políticas públicas

d. Participação em Conselhos

e. Reforma institucional

c) Judiciário

a. Assessoria jurídica

b. Litígio

c. Encaminhamento de casos para outros órgãos (MP, defensorias)

d. Reforma institucional

d) Mídia

e) Comunidade

a. Educação / Formação / Capacitação

6. Em que temas a entidade atua? Como esses temas foram escolhidos? Como os temas mudaram ao longo do tempo?

7. Como está estruturada internamente a entidade? A entidade sempre se organizou dessa forma ou houve mudanças ao longo do tempo?

8. Quais são as principais fontes de financiamento da entidade? Como a área de litígio da entidade é financiada? Quais são as principais dificuldades de financiamento da entidade?

Checklist de fontes de financiamento:

a) Doações individuais

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b) Doações de empresas

c) Fundações nacionais

d) Fundações internacionais

e) Agências bilaterais ou multilaterais

f) Recursos públicos (municipais, estaduais ou federais)

g) Prestação de serviços

h) Venda de produtos ou serviços da própria organização

ATUAÇÃO JUDICIAL

9. Quando a entidade deu início à atividade de litígio? Para que serve a atividade de litígio? Como ela mudou ao longo do tempo? Como a estratégia de litígio se articula com as outras atividades da entidade?

10. Em quais temas a entidade litiga? Por que litigar nesses temas? Como são escolhidos os casos?

•(Pedirexemplosdecasosmaisfrequentesoumaisimportantesparaidentificaroperfil da entidade – client-oriented ou issue-oriented – e estratégias)

11. Em quais instâncias do Poder Judiciário a entidade litiga? Por quê? A entidade recor-re a órgãos internacionais (OEA, OIT, ONU, OMC)? Por quê?

Checklist de instâncias:

a) Justiça Cível

b) Justiça Trabalhista

c) Justiça Criminal

d) Justiça Federal

e) Tribunais Superiores

f) Processos Administrativos

g) Internacional

Checklist de ações judiciais:

a) Ação de reparação de danos e indenização

b) Ação civil pública

c) Ação popular

d) Usucapião

e) Anulatória de ato administrativo

f) Intervenção de terceiro interessado

g) Possessórias

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h) Assistente de acusação

i) Defesa criminal. Quais crimes?

j) Mandado de segurança

l) Habeas corpus

m) Outros. Especifique:

12. Quais as principais dificuldades que a entidade encontra para realizar a atividade de litígio?

13. A entidade se relaciona com outras entidades ou órgãos estatais na sua atuação ju-dicial? (Em que casos?)

RELAÇÃO COM A DEFENSORIA PÚBLICA (DP) E O MINISTÉRIO PÚBLICO (MP)

14. Em que situações a entidade se relaciona com a DP? E com o MP?

Checklist de formas de interação:

a) denúncias

b) repasse de casos

c) litígio em conjunto

d) participa de audiências públicas ou conferências

e) procura influenciar a agenda de temas/casos

f) reforma institucional

g) relação de conflito

•Pedirexemplosdecasosmaisfrequentesdeinteração

15. No litígio em conjunto, como é feita a divisão de trabalho? Quem define a estratégia jurídica? Quem define o tempo/andamento do processo?

16. A relação se dá com quais órgãos da DP? E do MP? Com quais pessoas da DP? E do MP?

17. Como você avalia a relação da DP ou do MP com a entidade?

•PedirexemplosdecasospositivosdeinteraçãocomaDPecomoMP.Pedirnomesdos defensores/promotores, dados do caso.

•PedirexemplosdecasosnegativosdeinteraçãocomaDPecomoMP.Pedirnomesdos defensores/promotores, dados do caso.

DESENHO INSTITUCIONAL/ORGANIZACIONAL

18. O que poderia mudar nessa relação com a DP? E com o MP? E com a OAB?

19. O que poderia mudar no funcionamento da entidade? E quanto ao financiamento?

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Informação para o/a entrevistado/a

PROJETO DE PESQUISA: Pesquisa sobre a atuação da advocacia popular

RESPONSÁVEIS PELA PESQUISA: A pesquisa é realizada pelo Núcleo Direito e Democra-cia do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), coordenada por José Rodrigo Rodriguez e Evorah Cardoso e financiada pela Secretaria de Reforma do Judiciário do Mi-nistério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD (Proje-to BRA/05/036 - Fortalecimento da Justiça Brasileira - Convocação nº 01/2012). Contatos: E-mail: [email protected], Skype: CEBRAP_advocacia_popular.

PROPOSTA DA PESQUISA: Este projeto de pesquisa tem por objetivo estudar as entida-des que trabalham com a advocacia de interesse público, sejam entidades da sociedade civil, sejam órgãos de litígio do Estado, como o Ministério Público e as Defensorias Públi-cas. Este projeto analisará o quanto a presença dos órgãos de litígio do Estado impacta no trabalho de advocacia das entidades da sociedade civil e vice-versa. Quanto o dese-nho institucional dos órgãos de litígio do Estado favorece ou não a mobilização social jurídica. E o quanto a advocacia das entidades da sociedade civil repercute em termos de tematização e reforma institucional dos órgãos de litígio do Estado e do Poder Judiciário.

FINALIDADE DA ENTREVISTA: A entrevista tem por finalidade prover informação (em sentido amplo e compreensivo de dados, opiniões, documentos etc.) sobre a atuação pessoal ou institucional do entrevistado/a no tema, ou de terceiros, no que for relevante. A entrevista contribui para o desenvolvimento da pesquisa, uma vez que muitas das in-formações buscadas não estão documentadas ou discutidas na literatura especializada. Ademais, contribui para uma tarefa de pensar as potencialidades, limites e desafios do trabalho das entidades de defesa de direitos e sua interação com Ministério Público e Defensorias Públicas.

USO DA ENTREVISTA: O conteúdo será estritamente utilizado para fins acadêmicos da pesquisa, a saber, relatórios e artigos acadêmicos. Confidencialidade: Trechos das en-trevistas poderão ser classificados como confidenciais pelo entrevistado ao longo da en-trevista. Se assim for manifestado expressamente abaixo, será garantida a sua confiden-cialidade no texto do trabalho. Anonimato: A identificação do entrevistado poderá ser resguardada. Se assim for manifestado expressamente abaixo, as transcrições e citações indicarão apenas para que tipo de entidade o participante trabalha (universidade, clínica jurídica, ONG, Ministério Público, Defensoria Pública, governo, agência financiadora etc.). Conservação dos dados: Os dados coletados – gravações da entrevista, transcrições,

ANEXO III - TERMO DE CONSENTIMENTO PARA ENTREVISTA

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anotações e qualquer documento oferecido pelo participante – serão armazenados pela equipe de pesquisa.

Consentimento: Eu, ______________________________, estou de acordo em participar da pesquisa supramencionada.

Em caso de qualquer dúvida acerca da pesquisa, contatarei os coordenadores da pesqui-sa. Assino duas cópias do presente, sendo uma para mim.

� Desejo que trechos identificados da entrevista sejam confidenciais.

� Desejo que minha identidade seja resguardada.

Assinatura do(a) participante: _________________________________

Data: ____/____/____

Assinatura do(a) entrevistador(a): ______________________________

Data: ____/____/____

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Grupo 1: RESPONDENTE

Pergunta: Quem é o entrevistado?

Objetivo: Coletar informações sobre a trajetória pessoal do entrevistado e sobre o que ele faz na entidade

Aplicação:

Respondente: (livre)

Exemplos:

Respondente: Movimento EstudantilRespondente: Extensão UniversitáriaRespondente: Movimento SocialRespondente: Instituição onde estudouRespondente: AdvogadoRespondente: Estágio

ANEXO IV - LIVRO DE CÓDIGOS

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Grupo 2: ENTIDADE

Pergunta: Quem é a entidade?

Objetivo: Coletar informações sobre o perfil da entidade.

Aplicação:

Entidade: Histórico: (livre)Entidade: Estrutura: (livre)Entidade: Financiamento: (livre)Entidade: Atividades: (livre)Entidade: Temas: (livre)

Regras de aplicação:

Entidade: Histórico - Regra: aplica-se a elementos de trajetória da entidade e questões de estrutura, atividades e temas que não são atuais;Entidade: Estrutura - Regra: aplica-se a informações sobre a estrutura da entidade, tais como pessoal, organização interna e estrutura física;Entidade: Financiamento - Regra: aplica-se a informações sobre formas de financiamento e avaliações sobre financiamento;Entidade: Atividades - Regra: aplica-se a informações sobre os âmbitos de atuação da entidade e aos tipos de atividades desenvolvidas. Âmbito de atuação: Executivo, Legislativo, Judiciário, Mídia, Comunidade, etc. Tipo de atividade: formação popular, consultoria jurídica, monitoramento de políticas públicas etc.;Entidade: Temas: - Regra: aplica-se a informações sobre temas/áreas de desenvolvimento de atividades (ex.: criança e adolescente, violência, terra etc.)

Exemplos:

Entidade: Histórico: Fundada antes de 1988Entidade: Estrutura: Equipe multidisciplinarEntidade: Financiamento: InternacionalEntidade: Atividades: Executivo: Monitoramento de Políticas PúblicasEntidade: Atividades: Judiciário: Litígio EstratégicoEntidade: Temas: Educação

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Grupo 3: ATUAÇÃO JUDICIAL

Pergunta: Como a entidade atua judicialmente?

Objetivo: Coletar informações sobre aspectos estruturais da atuação judicial da entidade.

Aplicação:

Atuação judicial: Instâncias: (livre)Atuação judicial: Seleção de casos: (livre)Atuação judicial: Instrumentos jurídicos: (livre)

Regras de aplicação:

Atuação judicial: Instâncias – Regra: aplica-se quando há menção aos órgãos ou instâncias de atuação judicial da entidade (ex.: internacional, tribunais, justiça comum etc.);Atuação judicial: Seleção de casos – Regra: aplica-se à forma de definição dos casos em que há atuação judicial e à forma de chegada dos casos;Atuação judicial: Instrumentos jurídicos – Regra: aplica-se quando há menção aos instrumentos jurídicos adotados para atuação judicial (ex.: ADIn, amicus curiae, assistente de acusação etc.)

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Grupo 4: DEFENSORIA PÚBLICA E MINISTÉRIO PÚBLICO

Pergunta: Qual é a percepção do entrevistado sobre a DP e o MP?

Objetivo: Coletar informações sobre como o entrevistado avalia os papéis da DP/MP, a relação desses órgãos com a entidade, e questões de desenho institucional da DP/MP.

Aplicação:

DP: (livre)MP: (livre)

Regra de aplicação: sempre que a DP ou o MP forem mencionados, será aplicada uma categoria desse grupo.

Exemplos:

DP: (livre)MP: (livre) DP ou MP: Formas de interação: (livre)MP ou DP: Desenho institucional: (livre)

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