Advocacia Geral da Uniao - Despacho caso Battisti 29.12.10

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    DESPACHO 00 ADVOGADO-GERAL DA UNIO SUBSTITUTO

    PROCESSO N"INTERESSADO:

    08000.003071 /2007-5 ICESARE BATTISTI

    ASSUNTO: Extradio. Repblica Italiana. Julgamento do Supremo Tribunal Federal.Requisitos de cartcr puramente subjetivos do Presidente da Repblica.

    I. Aprovo o Parecer n2 AGU/AG-17/20 10 por seus prprios fundamentos eacrescento, o quanto segue.2. Trata-se de pedido de extrad io do cidado italiano Cesare Battisti , por parte daRepublica Ital iana. A matria, agora remetida a exame e deciso final do Excelentssimo SenhorPresidente da Repblica. foi apreciada pelo Supremo Tribunal Federal por ocasio da Extradiong 1.085. Reafiml0u-se, no referido julgado, tradio interpretativa daquela Corte de considerar osistema cxtradicional brasileiro como integrante do sistema misto de apreciao do pedidocxtradicional.3. No Brasil, a extradio possui procedimento misto para a sua concesso,constituindo-se: (i) de uma fase judiciria-autorizativa de verificao dos pressupostos derespeito aos direitos humanos, constitucionalidade, lega lidade e procednc ia do pedido; e (ii) deuma fase decisria e discricionria , de competncia do Presidente da Repblica, de disposio doEstado sobre sua soberania, bem como de interao com os seus pares, e que corresponde adeciso final sobre a concesso (ou no) da ex tradio.4. No sistema extradicional brasileiro, afirnla-se com segurana que a autorizaopor parte do Poder Judicirio no vincula o Presidente da Repblica que, com base cm suacompetncia constitucional , pode decidir pe la no-extradio de cidado estrangeiro, tendo porba sc os tratados finnados com o pas requerente . Quanto a este ltimo ponto cm especifico, hdecises reiteradas de nossa Suprema Corte asseverando a substancia lizao por parte doPresidente da Republica da soberania nacional no plano externo, em razo do exerccio dafuno, no apenas de Chefe de Governo, mas tambm de Chefe de Estado. Posio reafi rm adano v. acrdo resultante do julgamento da extradi o em comento, do qual se transcreve o votoabaixo, proferido pelo eminente Ministro Carlos Brino:

    "De sorte que, diante desse pensamento unifonne, eu procurei , na Constituiobras ileira, o regime jurdico da extradio. Ser que a nossa Constituio brasileiracontm o regime jurdico da extradio? Parece-me que sim. E fui ver na perspectiva dosistema belga, que o sistema delibatrio ou de legalidade extrnseca, tambm chamadomisto. Por que o sistema mi sto? Ele misto orgnica ou subjetivamente, porquepressupe a alUao conjunta dos rgos do Poder Executivo c do Poder Judicirio.Vale dizer, rgos dos dois Poderes atuam com independncia, claro, masconvergentemente quanto finalidade, que a ext radio ou a recusa da extradio do

    , f f l '

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    cidado. Mas ele misto tambm porque concilia, sem traumas, hannoniosamente, osprincpios regentes de todas as relaes internacionais do Brasil.A Constituio, no artigo 42, estampa os princpios regentes ou reguladores dasrelaes internacionais do Brasil. E o sistema belga, ou mi sto, ou delibatrio, ele tem omrito de po ssibilitar a incidncia de todos os princpios sem frico maior, scmtensionamento maior. Ele prestigia todos. Por exempl o, o primeiro princpio aind ependncia nacional. a soberania nacional, encarnada no Presidente da Repblica,segundo o artigo 84, inciso VII, da Constituio. E o Presidente da Repblica encarnaessa soberania nacional, essa representatividade externa do Bras il , protagonista porexcelncia, protagonista at privativo das relaes internacionais. O Presidente o fazno como Chefe de Governo, mas como de Estado. Ele o Chefe de Es tado em nossosistema constitucional. E o modelo belga, que introduz o Judicirio no circuito doprocesso extradicional. em nenhum momento faz o Presidente da Repblica decair dasua condio de Chefe de Estado. Ele continua Chefe de Estado, mesmo o processo

    eXlradicional passando pelo crivo do Su premo Tribuna l Federal. um modeloconc iliatrio nesse sentido, respeita a soberania nac ional encarnada no Presidente daRepblica, a despeito do processamento extradicional pelas pranchetas do PoderJudicirio. Mas esse modelo tambm respeitador da soberania do Pais estrangeiro,requerente. Por qu? Porque, na medida em que o Supremo no faz um juzo meritriodo processo cxtradicional, est respeitando o Pod er Judicirio do Pais estrangei ro. Estrespeitando a soberani a e o Poder Judicirio do Estado estrangeiro. Ento, um modeloque tem dupla virtude: conc ilia princpios aqui e princpios do Pas requerente."5. Depreendese, assim, que o modelo extradicional brasileiro um modeloconciliatrio, na medida em que permanecem respeitados os preceitos constitucionais atinentes atodos os atores envolvidos: (a) os direitos fundamentais do extraditando; (b) a competncia doSupremo Tribunal Federal enquant o garantidor dos direitos fundamentais e guardio documprim ento dos pressupostos de legalidade e constitucionalidade do pedido de extradio; (c) asoberania e a independncia nac ional do Estado requerente, porquanto n o atacada a decisoproferida pelo seu Poder Judicirio; e (d) o exerccio pelo Presidente da Repblica da soberanianacional frente a outros Estados soberanos.6. Concluise que a deciso do Supremo Tribunal Federal afirma seu carterdeferi trio da extradio, passandose, ento, deciso final a ser proferida pelo Chefe do PoderExecuti vo. Portanto, em caso de deferimento extradicional pelo Supremo Tribunal Federal,compete ao Pres idente da Repblica a deciso final sobre efetivao da concesso (ou no) daextradio, de forma no vinculada ao teor do que embasa o pos icionamento do TribunalConst itucional, mas de acordo com os mandamentos constitucionais que regem as relaesinternacionais e as nonnas vo luntariamente pactuadas entre os Estados partes e os compromissosfirmados entre estes. o que se infere do voto do eminente Ministro Eros Grau na deciso daextradio de Cesare Battisti:

    "Lse na ementa da Extradio 272, relator o Ministro Victor Nunes Leal , oseguint e: '1) Extradio, a) o deferimento ou recusa da extradio direito inerente iisoberania. b) A efelivao, pelo governo. da en/rega de extraditando, au[orizada peloSupremo Tribunal, depende do direito internacional '.No voto que ento proferiu, o Ministro Victor Nunes Leal observou: 'Mesmo que

    o Tribunal consinta na extradio por ser regular o pedido -. surge ou tro problema.que interessa particularmente ao Executivo: saber se ele est obrigado a efetivla.Pareceme que essa obrigao s existe nos limites do direito convencional, porque noh, como diz Mercier, "11m direito illlemacional geral de extradio" " (J!J

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    Temse bem claro, a, que o Supremo Tribunal Federa l autoriza, ou no, aextradio. H de faz lo, para autorizar ou no autorizar a extradio, observadas asregras do tratado e as leis . Mas quem defere ou recusa a extrad io o Presidente daRepblica, a quem incumbe manter relaes com Estados estrangeiros (art. 84, VII daConst ituio), presen tando a soberania nacional (vejase os incisos XV III , XIX e XXdesse mesmo artigo 84). A 'Parte requerida ' o Estado, no Brasil presentado peloPresidente da Repb lica. Quando no ass im o tratado refere, sempre, 'autoridadesjudicirias' (Art igos I; 3.1, a; 7.2 e 7.5).

    Quando ele quer se referir ao Poder Judicir io, ele se refere autoridadejudiciria.

    Da i que o Presidente est ou no obr igado a deferir extradio autorizada pelotribunal nos termos do Tratado.

    Ou repassando a frase: nos termos do tratado, o Pres idente da Repblica est ouno est ob rigado a deferir extradio au tori7..ada pelo Supremo?

    Pode recusl a em algumas hipteses que, seguramente, fora de qualquer dvida,no so examinadas, nem examinveis, pelo tribunal, as descritas na alnea f do seuArtigo 3. 1. Tanto ass im que o Artigo 14. 1 dispe que a recusa da extradio pela Parterequerida e a 'Parte requerida ', repito, apresentada peJo Presidente da Repblica -;mesmo parcial, dever ser motivada '."

    7. O que se col he tambm, e resumidamente, em documento que o Mi ni stro Relatordo caso no Supremo Tribunal Federal encaminhou ao Executivo:

    "Senhor Min istro,Comunico a Vossa Excelncia que o Supremo Tribunal Federal, nas sessesplenrias rea lizadas em 9.9.2009, 12 .11.2009, 18.11.2009, 19 .11.2009 e 16. 12.2009,

    dec idiu :C..)VI II ) - por maioria, reconhecer que a deciso de deferimento da extradio

    no vincula o Presidente da Repblica , nos termos dos votos proferidos pelosSen hores Ministros Crmen Lcia, Joaquim Barbosa, Ayres Britto, Marco Aurlioe Eros Grau." (sem grifo no or iginal)

    8. No ac rdo prolatado, entcnd cuse que a deciso do Supremo Tribunal Federalno obriga ao Presidente da Repblica. No entanto, no contexto dessa deciso, deve o SenhorPresidente alcanar soluo que conta com previso convencional. De tal modo, a deciso final di scricionria com relao ao que proferiu O STF, mas de discr icionariedade mitigada, porqueno pode se afastar do contedo do que foi internacionalmente pactuado. A deciso do STFafirma que os termos do Tratado de Ex tradio entre Brasil e Itlia por bvio, interpretados luz da Constituio Brasi leira - so parmetros a se rem respeitados quando proferida a decisofinal do Presiden te da Repb lica.9. Brasil e Itlia firnlaram um tratado de extradio cm 17 de outubro de 1989, quevige por tempo indeterminado (art. 22, 3). O Acordo foi internalizado por interm dio do Decreton 863, de 9 de julho de 1993. No que se refere obrigao de extraditar, acordouse que cadauma das Partes obrigase a entregar outra, median te solicitao, seg undo as norm as e cond iesestabelecidas no Tratado, as pessoas que se encontrem em seu territrio e que sejam procuradaspelas autoridades judicirias da Parte requerente, para serem submetidas a processo penal oupara a execuo de uma pena restritiva de liberdade pessoal (art . 1). (flij

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    10 . Como se v. o instituto da extradio acarreta verdadeira projeo do direito depunir de um Estado sobre territrio no alcanado pela sua soberania. E indispensvel, portanto,para o exerccio dessa pretenso, a aquiescncia do Estado requerido que , em sua concesso,pratica ato de di sposio relativo soberania sobre seu territrio.II . Fica claro que um Tratado de Extradio, firmado entre Estados independentes esoberanos, no pretende se sobrepor s vontades das partes, mas estabelecer parmetros comuns,bilateralmente consensuados, que devero nortear a deciso poltica do Chefe de Estado quandoso licitada a entrega de uma pessoa. Nesse sentido, so as palavras do eminente Ministro CarlosBriuo, pro fe ridas quando do ju lgamento do caso em tela :

    ''Tratado, aqui, inflete sobre o instituto da extradio no mbito da chamadajustia penal eficaz internacional. Excelente, mas o prprio Tratado se rende ao carterpolitico da extradio. A extradio tem um carter jurdico: proteo dos direitoshumanos. E tem um carter politico: afirmao da soberania dos Estados. Como umEstado soberano perante o outro, s pode atuar pedindo que um nacional seu sejaextraditado para se ver processado ou para cumprir pena; ou seja, como a soberania decada um dos Estados dogma de direito internacional, ela s pode atuar mediantecooperao, cooperao entre os povos para o progresso da humanidade."

    12 . O instrumento normativo pactuado entre Brasil e Itlia prev diversos limites paraa atuao dos Pases. Em alguns dispositivos, inclusive, foi franqueada, s Partes . e, noTratado, a Parte c o Estado, personificado na figura do seu rcprese ntante mximo a recusa daextradio.13. Sem perder de vista os aspectos humanitrio e poltico, o Tratado, em seu artigo 3,item I, letra "r', determina como hiptese para recusa de extradio aque la em que houver"razes ponderveis para supor que a pessoa reclamada ser submetida a atos de perseguio ediscriminao por motivo de raa, religiiio, sexo, nacionalidade. lingua, opinio poltica,condiiio social ou pessoal: ou que sua situao possa ser agravada por um dos elementos antesmencionados ".14. Ressaltese que aqui no se in vade O terreno j delimitado pela Suprema Corte aoapreciar o in stituto do refgio. Aqui se cogita, nos termos do tratado, de "razes ponderveispara supor" a possibilidade de agravamento de situao pe ssoal. Circunstncia de cunhoeminentemente subjetivo .IS. Sendo o Chefe do Estado o agente primordial da cooperao internacional , a eleque se dirige a subjetividade da norma e a atuao discricionria dentro dos limites alifranqueados. ele o agente da ponderao e do convencimento. Inclusive, a respeito dasubje tividade da nonna, cabe destacar o seguinte excerto do voto do Ministro Carlos Britto,ainda no ju lgamento da Extradio n2 1.085:

    "Muito bem, mas o Tratado se rende ao carter poltico, eminentemente polticode Direito Internacional quanto extradio, ao dizer: a extradio no ser concedida -e entre os vrios casos de no concesso do pedido extradicional ve m o citado peloMini stro Eros Grau - se a parte requerida, a parte requerida no o Supremo, oEstado, tiver razes ponderve is. Olha que subjetividade, isso est no campo poltico,diferentemente da Lei do Refgio, que muito rigorosa, s6 concede o refgio se houverfundados temores, artigo 12 l, de perseguio. A vem: perseguio cultural , perseguiopolti ca, perseguio de gnero etc. Aqui no; aqui de uma inesc usvel subjetividade:se a parte requerida tiver razes ponderveis para supor - um juzo subjetivo psquico- que a pessoa reclamada ser submetida a atas de perseguio e di scriminao pormotivo de raa, religio, sexo, nacionalidade, lngua, opinio poltica, condio soc ial

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    pessoal. Como se fosse pouco, eis o remate normativo do Tratado: 'ou que sua situaopossa ser agravada por um dos elemenlOs antes mencionados '.

    Ento , o prprio Tratado est reconhecendo o carter eminentemente poltico daextradio, que se inscreve num quadro de soberania dos Estados, e est deixando quecada partc requerente, diante do caso concreto, faa um juzo de ponderabilidade a partirde uma suposio, quer dizer, completamente diferente da Lei de Refgio."

    16. No presente contexto no h como se deixar de se reconhecer a inquestionvelcond io do Estado Italiano como Estado Democrtico de Direito. E justamente, por isto, que asdecises daquel e Estado devem considerar aos anseios de seus cidados.17. E, nesse aspecto, passados mais de trinta anos dos fatos , a mobilizao pblica emtorno do caso notria e atual. Das manifestaes que o caso vem susci tando desde o seu incio,constata-se que os episdios em que se envolveu o extraditando conservam elevada dimensopoltica e ainda mobilizam muitos setores da sociedade nos mais diversos sentidos.18. Na Itlia, especificamente , as opinies polarizam-se e concretizam-se em vriosatas, a exemplo de entrevistas, manifestos e passeatas. Estes fa to s constituem substrato suficientepara configurar-se a suposio de ag ravamento da situao de Cesare Battisti caso sejaextraditado para a Itlia.19. Essa concluso no envolve qualquer avaliao negativa sobre as instituiesaluais ou passadas da Repblica Italiana. Alis, a disposio expressa na letra "r', do item I, doartigo 3, do Tratado, confinna que esse tipo de juzo no constitui afronta de um Estado ao outro,uma vez que situaes particulares ao indivduo podem ge rar riscos, a despeito do carterdemocrtico de ambos os Es tados. Veja-se que a regra se aplica a Es tados que se reconhecemcomo democrticos e com instituies fortes e consolidadas , mas mesmo assim supe apo ssibilidade dc eventuais situaes e injunes agravantes ao extraditando.20. Diante do exposto, com base nos fundamentos trazidos pelo Parecer n AGU /AG-17/2010, em di spo sitivo do Tratado e dentro do juzo poltico que o Supremo Tribunal Federalexpressamente atribuiu ao Presidente da Repblica, perfeitamente legi timo que VossaExcelncia avalie que h "razes ponderveis para supor" que a situao do extraditando possaser agravada por sua condio social , poltica ou pessoal, pelo que o presente para opinar pelano-concesso da extradio.

    Braslia, 29 de dezembro de 20 10 .