10
6

Ae17 Entrevista Artur Barrio

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Entrevista com o artista Artur Barrio publicada na revista Arte e Ensaio.

Citation preview

  • 6

  • 7E N T R E V I S T A A R T U R B A R R I O

    Artur Barrio

    Marfim africano, 1980/81Fotos: Bernard Crespin

    Entrevista com Artur Barrio realizada via e-mail por Arte&Ensaios, em setembro de

    2008, com a participao de Ronald Duarte, Ivair Reinaldim, Viviane Matesco, Rodrigo

    Krul, Maria Luisa Tavora, Martha Werneck, Hlio Branco, Ins de Arajo, Alexandre

    Emerick e Thais Medeiros.

    Arte & Ensaios Considerando-se a afirmativa o homem produto do meio e seu comen-trio de que no Brasil o chamam de portugus e em Portugal de brasileiro, como vocpensa a identidade em seu trabalho?

    Artur Barrio Por que esse interfronteiras necessrio ao trabalho j que desnecessrias? Coprnico...........o homem produto do meio..................... CoprnicoA identidade a no-identidade, da meu trabalho ser o que ; fala por si mesmo, vive porsi mesmo,................... o trabalho de Artur Barrio.

    A&E Como se d a relao entre cidade e mar em seu trabalho, tendo em vista a importn-cia do mar para a cultura luso-brasileira?

    AB Tento viver essa relao o mais profundamente. Entre Pessoa e Cames situa-se ovirtual e o real, Cames real, Pessoa virtual, do no viver da na potica orgnica camesiana,vinho, sexo, vento, mares, etc. ..................ao som silencioso, ntimo/imagtico de Pessoa.Penso a relao do olhar determinando o espao delimitado pela linha do horizonte dosque aqui chegaram vindos do outro lado, Europa/frica, dos que antes aqui estavam nesseespao delimitado pela linha do horizonte dum e doutro lado dos que do outro lado esta-vam, coisa de cubos de forma e matria concretal diante do sempre indiferente desigual quecobre 70% da superfcie do planeta, que o movimento, diante do esttico, aparente comoprocesso sado de si mesmo.O mar interessa-me como ser que , imprevisvel, catico, plcido, insubmisso, enquanto acidade j por si mesma sai do processo aglomerativo do homem/sociedade condicionado slinhas determinantestruturais desse mesmo processo socialpiramidal. Fluxo/refluxo. Mar. Aolargo houve-se o som da cidade como o bater de um monstruoso corao, e ao aproximar-nos vmo-la encoberta por uma bruma de tonalidade mostarda em forma de cpula, poluindoo entorno com dejetosobjetos que mais tarde retornaro ao ventre dessa cidade, emforma de poluio txica..............................................contida................................. nos peixes. Para,...........quando no mar no mais peixes houver.

    A&E A relao arte/cidade recorrente na arte contempornea. Como voc lida com essaquesto?

    AB Fiz alguma coisa nesse sentido em determinada poca. No lido,............perdi o interesse.

    No Hemisfrio Sul

  • 8

    Minha cabea estvazia meus olhosesto cheios...,1983,MAM, RJFotos: Cesar Carneiro

    A&E Suas intervenes no final dos anos 60 e 70 eram atuaes inesperadas que mobiliza-vam espaos desvelando novos sentidos na cidade. No entanto, a maior parte de seustrabalhos atuais realizada em instituies como museus. Por que essa mudana?

    AB Por uma necessidade inerente progresso do prprio trabalho; de dentro para fora ede fora para dentro, havia que retornar, o prprio trabalho determinava isso assim comotoda vivncia registrada nesse nterim; alm do que, ficava sempre a pergunta: como osmuseus reagiro presena fsica (materiais, esburacar paredes, odores, etc.) de meus traba-lhos? No seriam mais registros como na Information (1970) Moma NY, mas a matriabruta, o usar, utilizar o espao institucional como ateli, como local de reflexo/ao; por-tanto, no houve mudana e sim continuidade, sem concesses.Vide Documenta 11, Artur Barrio / Situao.........................................................................................................................................................................................................................................................................................

    A&E Como se d a relao de sua obra de caractersticas antiinstitucionais com ocircuito artstico-cultural, a partir do momento em que exibida em instituies museolgicas?

    AB Exibida no deixa de ter um certo di(e)sfuncionamento haja vista ser palavra da qualmeu trabalho discorda j que geralmente ele se enrola, escarafuncha, agride, luta e desestruturao espao onde/aonde finalmente situar-se- como um corpo s, divorciado dos demaismdulos que compem a instituio; da achar essa relao um tanto quanto difcil ou pelomenos inexistente; digamos que a instituio suporta minha obra cronometricamente, apso que tudo volta a ser como sempre foi de parte a parte. Penso que no h relao, mas simum suportar momentneo, que possvelmente chamar-se-ia de prazeroso, talvez um orgas-mo profissional, mas, ainda assim, um orgasmo.

    A&E Num mundo em que tudo pode ser considerado informao, como seu trabalhocrtico ao sistema, pouco afeito a concesses, pode continuar validando suas intervenessem passar a ser cada vez mais assunto do interesse apenas de especialistas, ao mesmotempo em que se preserva das alegrias do marketing?

    AB No mundodas aparncias,.........................................................................................................................................................................,talvez a resposta se encontre na Caverna/de Plato,.................. AssimFalavaZaratustra.

    A&E Como tem sido transformada sua experincia no que diz respeito aos problemas deuma cidade cada vez mais balizada pelos apelos e ordens dos dispositivos visuais presentesem toda parte?

  • 9AB Caminhando pela praia olhando em direo linha do horizonte.

    A&E Seu trabalho sem registro, 4 dias 4 noites, parece permanecer reverberando umaquesto entre o limite de uma experincia e a experincia de superao do limite. Seguepersistindo nele a qualidade de intensidade, de inteno, do registro de alguma coisa semnome. Mas o que surge nos cadernos livros, escritos, registros, situaes, desenhos, filmes,tambm no seria da ordem desse aberto e dessa intensidade?

    AB No,............................... porque.............................................................h uma anti-tese. No,....... Essa pergunta faz-me lembrar de M.Proust em la recherche du temps perdu.

    A&E Mais do que qualquer funo mediadora, as documentaes de suas experincias esituaes, os registros, parecem tensionar desigualdades e mostrar inacabamentos, condu-zindo-nos margem da explicao ou transposio metafrica. No seriam tambmdeflagradores de experincia?

    AB Tudo poltico, tudo experincia, tudo ! Nada arte tudo arte, o que Arte?Talvez, para quem os leia ou os veja de uma maneira outra.Pergunto-me se nesse caso o espectador faz a obra (conceito pitagrico), j que os Regis-tros encontram-se no Tempo e no Espao ofertos vontade do Espectador como espe-tculo condicionado a sua manipulao intelectual.

    Da srie Serpente, 1983Praia de ZandvoortFotos do artista

  • 10

    A&E Tanto em Deflagramentos de situaes sobre ruas quanto em Situao Cidade yCampo e 4 dias 4 noites parece existir a ativao de pontos vitais, de continuidades energticas,no percurso, no itinerrio. Voc poderia falar sobre isso?

    AB Sim, posso, . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .........................................................................................MENTAL...

    A&E No caso de Deflagramentos de situaes sobre ruas, 500 sacos contendo materiaisdiversos foram espalhados pela cidade do Rio de Janeiro. Quais os critrios para a escolhadesses locais? Esses sacos tambm foram espalhados pelo subrbio?

    AB Aleatrios. No foram.

    A&E A escrita comparece em muitos de seustrabalhos, tanto como recurso textual quan-to visual. O advento da internet, que mobi-liza esses dois domnios, ampliou o alcancedesse texto que tambm imagem? Essapossibilidade de navegao uma realidadeno arco de seus interesses como artista? Oque, nesse contexto, e em qualquer outro,para voc, quer dizer rede?

    AB para mim a internet funciona como cor-reio eletrnico (e-mails) e no envio dos Re-gistros, .........................................................................tenhoum blog com imagens: www.arturbarrio.blogspot.comCristina Motta, minha mulher, alm de fot-grafa, tambm expert em internet.Miau!

    A&E Como foi realizar prottipos dastrouxas para o mercado de arte? Comovoc encarou esse desejo do mercadopelas trouxas?

    AB .que pergunta estranha, j que no te-nho mercado de arte; vendem-se algumascoisinhas aqui e acol, desde sempre. O quevoc chama de mercado de arte nunca meexprimiu o desejo que tinha pelas trouxas,talvez devido timidez inerente a esse tipode mercado. Realizei dois prottipos trou-xas em 1969 dos quais um faz parte da co-leo Gilberto Chateaubriand e o outro(de tamanho bastante pequeno), da cole-

    CadernoLivro, 1978

  • 11

    o Frederico de Morais passou a fazer parte da coleo Satamini. Se por acaso h outrastrouxas, como as que de vez em quando percebo nesses vdeos que passam no YouTubeou em filmes de artista, o que fazer? O que dizer?H os dois prottipos trouxa acima mencionados e nada mais, pois as trouxas que fizeramparte das Situaes de 1969 e de 1970 desapareceram no processo deflagrado por essasmesmas Situaes e, depois disso, nunca mais houve trouxas ou Situaes com trouxas.Mas, se caso houvesse, um seno: quem compraria trouxas constitudas por carne, sangue,ossos, etc? .................................Sem formol?.......................................Voc? O mercado de arte? Os museus? Quem? .......................................?Essas so as trouxas,....................quanto s outras: So os Espantalhos das Trouxas.

    A&E Em Deflagramentos de situaes so-bre ruas, existe uma espcie de transfern-cia entre o espao do museu e o espaourbano. Na rua, as Trouxas Ensangentadasparecem encontrar seu hbitat natural, umobjeto catalptico, transitando entre mortee vida. A clandestinidade e o anonimato dooutro significado a esses objetos?

    AB Sim, um significado insignificante ousignificante dependendo do significado.

    A&E A transgresso das normas, categoriase instituies permeia todo o seu trabalho.Voc considera que esse sentido possa serpassado na formao de artistas? O que vocacha que deveria ser ensinado em uma es-cola de arte? Qual seria seu papel?

    AB Seria ouvinte. Formao de artistassoa estranho; ser que Freud considerariaessa formao um estranhamento? Ou serque a Arte como indstria necessita ansio-samente dessa formao? Fugir da Escola,mas como um adulto fugiria da Escola se elemesmo l quis entrar? Pergunte a Van Gogh,Czanne, Gauguin, etc. /Quem sabe!Fugi da Escola, evitei o Exrcito e ignorei aIgreja.

    A&E Que fatos, obras ou artistas contri-buram/contribuem para a construo deseu trabalho?

    Situao T T,1...,1970 -2 ParteFotos: Cesar Carneiro

    E N T R E V I S T A A R T U R B A R R I O

  • 12

    AB Agradeo Pr-Histria Antigidade e Renascena assim como Arte Moderna es vanguardas do incio do sculo 20 assim como ter presenciado/vivido o Rio de Janeirocidade enquanto Arte ................................................................admiro profundamente o meu reflexonesse espelho.......................................................em que mal me vejo.A&E A lngua portuguesa, sobretudo na poesia, com Cames, Fernando Pessoa, Haroldode Campos, Caetano, Arnaldo Antunes entre outros, vem mostrando surpreendentecapacidade de revitalizao criativa em sua fora de dizer o mundo. O que voc temlido ultimamente?

    AB De Antnio Lobo Antunes, releio Memria de Elefante e Os cus de Judas; de Plato,releio Hpias Menor, um pouco de J. Joyce e Guimares Rosa,.... folheio Cames,...........tambmleio sobre fotografia submarina,.....ptica, refrao, absoro da luz, mimetismo, etc. / Aolongo do dia vou misturando a leitura de uma pgina com outra pgina, de um livro comoutro livro e depois outro e assim vou lendo-os todos ao mesmo tempo, lendo-os erelendo-os. Tudo isso resulta em uma colagem mental muito interessante. Experimente........(falta-me tempo para reler O nascimento da tragdia).

    A&E Voc poderia falar de seu trabalho reas sangrentas? Apesar do ttulo, as vendedorasde peixe no parecem estar em contato direto com o sangue...

    reas sangrentes, 1975Foto: Ursula Zanger

  • 13

    CadernosLivros, 1978

    AB O peixe j exaurido de seu sangue, .............. .........................................................................................................................................vendido a pessoas que no pescam nem caam s que agora limpopara o consumo imediato, um cadver a ser devorado em prol da manuteno matrica................................................................................................................. (acho que o ttulo mais impactante doque o sangue se vista estivesse).

    A&E Certa vez voc declarou que preferia trabalhar com o seu desconhecido interior.Que processos voc instaura para que ele se configure em ato esttico? Ou voc nopensa nisso?

    AB Quem sabe?

    A&E Em outra oportunidade, voc afirmou que o crtico de arte chegou a sua posio emdetrimento do trabalho terico dos artistas. Voc acredita que o papel do crtico total-mente desnecessrio? Ou h modalidades/campos de ao em que sua atuao ainda eficaz?

    AB ... escutei dizer em alguma parte que a Crtica de Arte e o Vaticano so pr-darwinianos.Li que F.Nietzsche detestava a Crtica de Arte, etc.Quanto a mim no generalizei, e voc sabe disso j que leu o que escrevi; no penso que

    E N T R E V I S T A A R T U R B A R R I O

  • 14

    A hiptese interior, 2008Museo TamayoFotos: Cristina Motta

    Francisco Bittencourt, Mrio Pedrosa ou Frederico Morais tenham sido desnecessrios,assim como Kynaston McShine; isso para ficarmos nos anos 70. O pensamento e sempreser eficaz, dependendo de quem o pensa e do que diz,..... principalmente do que diz.Quanto curadoria em relao a meu trabalho, a sim, posso dizer que o curador umanecessidade desnecessria por justamente o perfil de meu trabalho no necessitar, no tera necessidade de um curador.

    A&E H trabalhos seus constitudos em colaboraes com outros artistas, como CsarCarneiro, Luis Alphonsus, etc. Voc at mesmo argumenta no incio dos anos 70 que paramanter uma maior liberdade de ao h que trabalhar em equipe. Essas parcerias persisti-ram ou seu processo tornou-se mais individual?

    AB Digamos que o deserto ampliou-se e evidentemente o meu processo tornou-se muitomais individual, mas enquanto houver que fazer Registros/fotos, etc. a parceria continuarexistindo.

    A&E Na ltima dcada, muitos jovens artistas tomaram/tomam os trabalhos dos anos 60 e70 como referncia. Voc acompanha a produo recente no cenrio artstico brasileiro?Como v essa jovem produo?

    AB Ultimamente tenho que usar culos devido a ter a vista cansada, assim sendo, fica difcilacompanhar de perto a produo jovem.

  • 15

    A&E No dvd O presente um momento infinitamente curto, voc diz: Arte algo ligadoao tempo, um jogo e criao de tempo no prprio tempo. Um aspecto importante dotempo o fato de que ele deixa marcas, acrescentando coisas ou tirando-as. Ainda nessedvd, voc diz: minha presena s jogar umas coisas e continuar o meu caminho. Comovoc deixa o tempo agir em seu trabalho?

    AB o meu trabalho determina o seu prprio tempo..............................................................................................................................................................................................................................................................................

    E N T R E V I S T A A R T U R B A R R I O