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AGAPANTOS

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Nhardes, MárioAgapantos / Mário Nhardes. – São Paulo : All Print Editora, 2009.

1. Poesia brasileira I. Título.

09-08993 CDD-869.91

Índices para catálogo sistemático:1. Poesia : Literatura brasileira 869.91

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Mário Nhardes

AGAPANTOS

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AGAPANTOSCopyright © 2009 by Mário Nhardes

O conteúdo desta obra é de responsabilidadedo autor, proprietário do Direito Autoral.

Proibida a venda e reproduçãoparcial ou total sem autorização.

Projeto gráfi co, editoração e impressão:

[email protected]

(11) 2478-3413

Revisão:Lívio Soares de Medeiros

Capa:Manoel Almeida

Mecenas:Evando Rodrigues Vieira

Providência:“Tudo é do Pai! Toda honra e toda glória

é Dele a vitória alcançada em minha vida”.Frederico Cruz

Visite:www.nhardes.com/marionhardes

Fale com o autor:[email protected]

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Para Deus, minha família, meus amigose para minha inquietude.

Razões fundamentais que permeiam,de possibilidades,

toda minha existência

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“O mundo é grande e cabenesta janela sobre o mar.

O mar é grande e cabena cama e no colchão de amar.

O amor é grande e cabeno breve espaço de beijar.”

DRUMMOND, O mundo é grande

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AGAPANTOS 9

Sumário

A mulher ............................................................................................................... 11Agapantos ............................................................................................................. 12Comentários ........................................................................................................ 13Mãos ....................................................................................................................... 14O que me faz assim? ........................................................................................... 15Pensar em você.................................................................................................... 16Poucas palavras .................................................................................................... 17Seu vestido............................................................................................................ 18Telefonema ............................................................................................................ 19Voar no desejo ..................................................................................................... 20Amor assim .......................................................................................................... 21Botão de rosa....................................................................................................... 22Breve fantasia ....................................................................................................... 24Chuva de verão ................................................................................................... 25Fantasia .................................................................................................................. 26Flor ......................................................................................................................... 28Meu viver .............................................................................................................. 30Volta ....................................................................................................................... 31Amiga ..................................................................................................................... 32Amizade ................................................................................................................. 34Meu querer ........................................................................................................... 36Meu ver ................................................................................................................. 37Se acaso partir ..................................................................................................... 38Angústia ................................................................................................................. 39Desilusão ............................................................................................................... 40Destino de criança .............................................................................................. 41Espelho .................................................................................................................. 42Espero .................................................................................................................... 43Eu e você ............................................................................................................... 44Explicação do sentimento ................................................................................. 45Falei de mim ......................................................................................................... 46Herói ...................................................................................................................... 47Incapaz ................................................................................................................... 48Inerte ..................................................................................................................... 49Inocência ............................................................................................................... 50Inútil ....................................................................................................................... 51

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10 MÁRIO NHARDES

Jazigo ...................................................................................................................... 52Jugo ......................................................................................................................... 53Lágrima .................................................................................................................. 54Mágoa ..................................................................................................................... 55Medo ...................................................................................................................... 56Meu mundo .......................................................................................................... 57Meus dezoito anos .............................................................................................. 58No infi nito ............................................................................................................ 59O grilo ................................................................................................................... 60O grito ................................................................................................................... 62O que sou ............................................................................................................. 64Palavras de dentro .............................................................................................. 65Pessoas .................................................................................................................. 66Por inteiro ............................................................................................................. 67Pretensão .............................................................................................................. 68Retirantes .............................................................................................................. 69Saudade ................................................................................................................. 70Triste ...................................................................................................................... 71A obra .................................................................................................................... 72Alegria .................................................................................................................... 73Amanheceu ........................................................................................................... 74Bancos e portões ................................................................................................ 75Calma ..................................................................................................................... 76Convivência .......................................................................................................... 77De onde vem? ...................................................................................................... 78De todos nós ....................................................................................................... 79Decisão .................................................................................................................. 80Embriaguês ............................................................................................................ 81Eu, o vento ............................................................................................................ 82Historiador ........................................................................................................... 84Leveza .................................................................................................................... 85Milagres ................................................................................................................. 86Nosso tempo ....................................................................................................... 88O primeiro beijo ................................................................................................. 89O primeiro beijo II .............................................................................................. 90Olho de vidro ...................................................................................................... 91Poeta ...................................................................................................................... 92A rosa .................................................................................................................... 93Sobre lágrimas ...................................................................................................... 94Despedida ............................................................................................................. 95

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AGAPANTOS 11

A mulher

A mulher é uma incógnita,Um monumento à dúvida.Num dia é linda,No outro, mais ainda.

A mulher é brisa,É perfume de fl or,É viço da vida,Doce do mundo.

A mulher é notícia boa,É colírio, deslumbramento.É desejo esculpido, poesia.A mulher é linda, sempre.

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12 MÁRIO NHARDES

Agapantos

Que Deus conserve o seu sorriso,Seu olhar profundo e instigante,Sua boca pronta pra uma palavra amiga.Que Ele permita, ainda, muitas lembranças,Muitas saudades, você inteira em minha mente.

Que Deus permita outros anos,Novas primaveras, agapantos.

Algumas pessoas são como fl ores,Brilham, trazem alegria, inspiram.

Que as fl ores desse mundoSempre continuem a brilhar,A encantar, a me fazer sonhar.

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AGAPANTOS 13

Comentários

Às vezes são insuportáveisIndigestos, estressantes.Às vezes são dolorosos,Insensatos, impiedosos.Já imaginei um mundoSem comentários.Seria uma paz.Um universo de sossego,De alívio, pura liberdade.Mas...Nem tudo é regra.Pensar em viversem os seus comentários,é viver pela metade.É abrir a janela e não te sentir,Não saber de ti.Seus comentários,Diferentes de tantos outros,É que me fazem existir.

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14 MÁRIO NHARDES

Mãos

Mãos, meu mundo inteiro em suas mãos.Pelos vãos entre seus dedos, o universo.A medida certa entre o espírito e a matéria.Na palma, a arte das linhas, histórias, segredos.

A simetria de suas mãos, poesia, inspiração.Têm a cor da lua, seu brilho, brilha.Por detrás do frio de sua derme,Uma vida inteira se apresenta, paixão.

Suave é a forma de seu toque, é uma vida que corre,Um fl uxo sanguíneo, sentimentos, amor.É sentir queimar o peito, acelerar o ritmo, fugir ao compasso,É perder o juízo, suicídio da razão, viver.

Entrelaçar meus dedos em seus dedos, sentir a força,Ousar sentir a sua força, seu mundo, sua magia.Querer fazer parte, fundir-se,Tocar suas mãos numa erupção de êxtase.

Sentir seu toque transformando meus sentidos,Colorindo meu sorriso, me infl ando de desejos.Sentir seu toque, suas mãos, sua vida.O cosmos inteiro no toque de suas mãos.

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AGAPANTOS 15

O que me faz assim?

O que faz o céu ser mais azul?O sol brilhar mais forte?O canto dos pássaros mais lindo?A brisa mais refrescante?

O que faz os problemas menores?O perfume mais doce?Os pensamentos melhores?A tristeza ir embora?

O que faz meu sorriso maior?Meus sonhos mais intensos?Meu humor inabalável?Minha felicidade sem fi m?

O que faz meus dias mais curtos?Meu trabalho mais alegre?Meus amigos mais felizes?Minha saudade maior?

O que faz esse vulcão em mim?Esse choro de alegria?Essa paz e harmonia?Minha vida mais feliz?

O amor a tudo no mundo,Aos presentes dos dias,Mas, antes de tudo,O amor que sinto por ti.

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16 MÁRIO NHARDES

Pensar em você

Pensar em vocêÉ sorrir sem querer,É olhar distante,Parar no tempo.

Pensar em você,Aquece meu corpo,Instiga minh’alma,Perfuma meu ser.

Pensar em você,É como tomar sorvete,Mergulhar no mar,Descansar na rede.

Pensar em você,É muito mais que sonhar,É sentir seu cheiro,É ter você de outro jeito.

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AGAPANTOS 17

Poucas palavras

Queria vocêUm pouco maisSentir suas palavrasCada pa-la-vra

Queria vocêCheirar sua respiraçãoSaber seus segredosRepousar em seus pensamentos

Cada letraTodas as palavrasUma semifraseFrases inteiras, uma canção

Sempre estarei esperando um sorriso seu.

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18 MÁRIO NHARDES

Seu vestido

Você e seu vestido,Eu e minha imaginação.

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AGAPANTOS 19

Telefonema

Um toqueCom o dedoLogo, logoAlguém atendedelásedizalôE daquiResponde-se:– Sou eu,O teu amor.

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20 MÁRIO NHARDES

Voar no desejo

Voar no desejo, este que movimenta a magia,Sonhar em tê-la nos braços,Entrelaçado em seu corpo entre suor e fadiga.

Voar no desejo, este que transforma a vida,Cantar os sentidos em versos perdidos dePura alegria. Senti-la.

Voar no desejo, este que transcende a virtude,Comprime o peito, afaga o receio,Expõe o cerne, seu beijo.

Voar no desejo, este que experimenta o novo,O suor do seu corpo, o perfume dos seus dias,A graça do seu sorriso.

Voar no desejo, este que diminui as distâncias,Afronta tristezas, fl oresce esperanças,Reconhece seu perfume, seu viço.

Voar no desejo, este que possibilita alegria,Sobrevoando os medos, percorrendo segredos,Para repousar em sua harmonia.

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AGAPANTOS 21

Amor assim

Eu aqui,Você aí,Tão distantesTão próximos.

Sem que saiba, penso em você.Sem que saiba, o tempo todo.Eu aqui, dia, noite,Imaginando sua voz, seus braços inquietos,Seu hálito, seu sorriso.

Aqui de onde estou,Penso em você discretamente.Abro um sorriso do nada,Me transformo.

Pensar em você é quase tê-la.É ter você apaixonada por mim.Mesmo que não saiba de nada,Estou aqui, só pra você.

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22 MÁRIO NHARDES

Botão de rosa

Flor que perfuma meu serQue alegra meus olhosQue brilha ao sorriso meuQue me inspira e me completa

Flor que toma de mim o pólenQue o leva a boca e engoleE com a boca em pólenBeija-me do meu próprio eu

Flor que aprendi a cativarQue na saudade me faz sonharQue nos dias tristes está láInteira, ao menos queria estar.

Flor que ao cetim inveja fazOnde palavras perdem o lugar.Na suavidade de tuas pétalasEncanta-me e me faz amar

Flor que conheço de tiToda planta, mas me vigiamE não posso te amarPor isso me calo, sofro

Flor que a brisa ousa brindarQue o ciúme me toma a caçoarMesmo ferido, de certo ofendidoPor não ser eu, o ar

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AGAPANTOS 23

Sinto teu cheiro, cheiro de fl orCheiro que sinto inteiroEm meu corpo faz o caminhoQue por certo sinto sozinho

Eis que chove, abraça-te forteNem neste instante perdes a corDaqui da vidraça, perdido no desejoA vejo, linda, só minha

Que me houvessem fones e fi osLinhas ou trilhos, que meOuvissem os astros e rompessemA muralha de vidro

Sinto por perdê-laPor acordar e não vê-laA janela continua friaO jardim permanece calmo

Não sei se foi você quem desapareceuQue desejou fugir e fugiuOu se fui eu quem mentiuQue sonhou, mas do sonho se esqueceu.

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24 MÁRIO NHARDES

Breve fantasia

Em pensamento eu fui seuE seu amor foi todo meuE neste mesmo pensamentoQue habita toda a dorEm saber que a realidadeQue eu sorviaEra apenas fantasiaEsta descobertaDissipa-meE me toma o sonhoQue é só meu

Em pensamento eu sou euE você é minha vidaE nesta busca sem saídaCabe ater-me a seu feitiçoDe piscar, sorrir,Explodir em viço.Sentir a brisa que seuPerfume traz,Meu abismo

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AGAPANTOS 25

Chuva de verão

Onde você está?A brisa, seu perfume já não traz.Nas esquinas, nos bancos, portões.Onde você está?Sua ausência preenche de vazio minha alma,Sinto medo, frio, estou só e indefeso.Onde você está?Se este vazio que me consomeNão é a sua faltaHá de ser a falta de mim mesmoNesta loucura de ser você.Onde você está?Assim se ocultandoObriga-me ao martírio,Impõe-me o castigo.Onde você está?Aprendi a ver o céu com seus olhos,A sentir com sua leveza,Encontrei a paz em seu silêncioAgora que não mais é presente,Sinto-me sóSinto a falta de mim mesmoOnde você está?

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26 MÁRIO NHARDES

Fantasia

Em pensamento eu fui seu,E seu amor foi todo meu.E neste mesmo pensamentoQue habita toda dorEm saber que a realidadeQue eu sorviaEra apenas fantasia.Esta descobertaDissipa-meE me toma o sonhoQue é só meu

Em pensamento eu sou euE minhas amarras se despedem.Sacia minha angústiaSua doce alegria, minha, somenteMinha é a tua companhia.E neste incansável pensamento,Sofro, emudeço-me, em saberQue só de sonho me aqueço.

Tocar-te a pele queQueima-me os olhos,Sentir seu aromaTangendo-me a alma,Corrompendo meu sangue.Ultrapassar o abismo,Pular o muro, romperO espaço, zombar dos laços,Sentir a vida no calorDos seus braços.

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AGAPANTOS 27

Meu delírio, meu deleite,Meu martírio. Na convulsãoDo que sinto, a impossibilidadeDa matéria, da crua vértice.Então fatigado me vistoDespindo de meus sonhos,Assumindo minhas amarras,Meus medos,Minha falta de você.

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28 MÁRIO NHARDES

Flor

A vi de longe,Quase não percebiEstava entre outrasQue pela distância me perdi

Ainda me procuro,Busco uma explicaçãoTento compreender em vãoOs laços que me prendem a ti

Cheia de formasQue os olhos enchemCheia de vida que a alma grita,Deixa eu sentir teu perfume

Não me negues um afago,Um carinho, um abraço.Não me deixe sozinhoPerdido pelo caminho

Mesmo de longeFico bem próximoNa esperança de um sorrisoQuisera eu ser teu espinho

Sem saber o que faço,Espero teu recado, teu aceno.Sei esperar a vida inteiraMesmo que esta se torne lamento

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AGAPANTOS 29

Vejo o brilho em tua faceO orvalho em teus olhos.Sinto o aroma do teu vícioDe insistir em ir embora.

Mesmo que não fi quesSaiba o que sinto agoraMais amor que no princípioMais laços que outrora

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30 MÁRIO NHARDES

Meu viver

Abro os olhosE nada vejo.Diante de mim,O mundo.Este mesmoQue desconheço.

Abro os olhosE nada vejo.Diante de mim,A vida.Esta mesmaQue nem percebo.

Não sou cego,Só não vejo.Não estou morto.Não?Talvez esteja.

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AGAPANTOS 31

Volta

Seu beijo molhadoSeca minha alma.Sua boca salgadaAdoça minha vida,Que vibra.

Só em pensar,Você em minha mente,De lavas incandescentes,Eclode um vulcão em mim.

Sua distância me incomoda,Sufoca, cega meu juízoAumenta minha angústiaEsconde meu sorriso

Então eu choroInteiro sua lembrança.Sua parte em mimGuarda em segredoUma ausência sem fi m.

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32 MÁRIO NHARDES

Amiga

Feito pluma se faz presente,Pairando nas retinas atentas,Trazendo na brisa, mansamente,Um perfume que rompe a alma,Acalma, faz surgir a alegria, emergirA empatia, ressurgir a fantasia.

Faz sorrir sem ter vontade,Faz despir das vaidades, brilha.Suas palavras são todas notasNuma canção sem fi m.Com luz própria nos fere os olhosCom a energia de sua euforia.

Doce, emotiva, afl ora na pele os sentidos,Meio deusa, intocável como a brisa.Pairando nos sonhos acordadosVive a nos presentear o dia.Numa onda de insistente alegria,Nos convoca a tomar gosto pela vida.

Eterna amabilidade que nos trazIndependente da estação, do dia.Com a paz que inteira irradiaNos comove e cativa.Sentar sozinho bem longe e fi carEspiando-te na surdina, pura poesia.

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AGAPANTOS 33

Se estiver longe, um vazio nos invadeIncomoda e ofusca a rotina.Sem sua presença o medo nos tomaA caçoar nosso próprio brilho.Viva, vida, para sempre juntosEstaremos, mesmo que em fantasia.

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34 MÁRIO NHARDES

Amizade

Sem medir, sem dizer,Sem querer ou pretender.Vem como que de repente,Como espirro da gente.

Um aperto no peito,Um vazio de inveja,Um passar por entreO amor e a simpatia.

Um sem querer pedir desculpas,Um sem querer ofender,Sem pedido de desculpas,Se há de manter a saudade.

Saudade que insiste em incomodarMesmo quando se vê,Mesmo que dure o infi nito,O instante de ter.

Saber que existe o outro,E este outro merecer.Saber que sou todo,Eu e você.

Num dia fresco de chuva,A lembrança esfola o jeito,E todo jeito há de existir,Um meio de ver você.

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AGAPANTOS 35

Sem pedir, me cativaSem querer, sou refúgio,Sem saber, me entrego,Sou eu, sou você.

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36 MÁRIO NHARDES

Meu querer

Quero sentir tua peleQuero sentir teus lábiosQuero sentir teu cheiroQuero sentir a paz

Quero a felicidadeDe tua presençaA liberdade de teu sorrisoQuero e preciso

Meu querer é como vícioPaira sobre mimToma-me os sonhosNavega em meus pensamentos

Torna meus dias melhoresMeus momentos, felizesMeus problemas menores

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AGAPANTOS 37

Meu ver

Algumas pessoasAcreditam fazer o bem.Mas não é o bemQue outras pessoasGostariam de receber.O bem pode ser feitoCom maldade,Que às vezesNão se tem.Queria por um minuto,Acordar o mundo,Gritar mais alto,Desenganar essa gente.

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38 MÁRIO NHARDES

Se acaso partir

É o brilho do meu olhar,A luz que habita em mim.É minha própria forma,Meu jeito terno de sentir.

É minha manhã de solE dona do meu despertar.É meu sorriso maroto,Minha melodia, meu paladar.

É o vigor de meus cabelos,Entre os dedos de sua mão.É a paz de que preciso,A inspiração que me faltava.

É o pensamento que me norteia,Os sonhos de dia e noite.É inspiração, alegria,O tempero da minha vida.

Se acaso partir,Não me deixe por aqui,Não me prive desse olhar,Não me impeça de existir.

Se acaso partir,Leve-me com você.

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AGAPANTOS 39

Angústia

A angústia não é boa companhia,É sem assunto, silenciosa, fria.Persistente, não se incomodaCom o passar das horas.

Gulosa, participa das refeições.Indiscreta, nos acompanha em tudo.Não se intimida com a indiferença.Adora lágrimas, soluços, lembranças tristes.

Em poucas horas se torna íntima, confi dente.Dominadora, nos cativa e prende.Envolto em seus braços,Silêncio... silêncio.

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40 MÁRIO NHARDES

Desilusão

Às vezesFico sem saberQuem realmente sou.

Às vezesSinto-me perdido,Procurando explicação.

Às vezesAumentam minhas dúvidas,Minhas mágoas.

Às vezes,Somente às vezes,Sou eu mesmo.

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AGAPANTOS 41

Destino de criança

Nenhuma criança deveria sofrer,Nem sentir fome ou sede,Não deveria ser chantageada,Nem humilhada.

Nenhuma criança deveria sofrer,Nem ser intimidada,Não poderia receber ofensas,Nem se sentir sozinha.

Nenhuma criança deveria sofrer,Nem levar surra,Não poderia ser desprezada,Nem ter seus sentimentos subestimados.

Nenhuma criança deveria sofrer,Nem sentir frio pelo que vestir não ter,Não deveria sofrer exigências,Nem ser cobrada pelo que poderá ser.

Nenhuma criança deveria morrer.

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42 MÁRIO NHARDES

Espelho

Indignado com o que vejo,Pasmo com as notícias,Esboço uma reação.Meu peito se enche em discursos,Palavras bonitas,Juras de ódio,Desejo da verdade.Paro.Sistematicamente, paro.

Meu desejo se confunde,Minha ação me põe à prova,O que tenho feito?

Julgar alguém alheio,Sem enxergarMeus próprios feitos.Que exemplo eu carrego,Que vícios me perseguem?

De repente,Nas notícias me vejo,De formas diferentes,Mas do mesmo jeito.De repente,Meus inocentes atos,Ilícitos atos, pueris,Mostram-se julgados,No noticiário da TV.

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AGAPANTOS 43

Espero

Sinto um aperto no peito,Quero gritar, mas me calo,Quero correr, mas me sento,Atordoado, viro refém.

Conto todos os ladrilhos,Ouço todos os ruídos,Vejo tudo a ser visto,Folheio uma revista.

O tempo passa,Minuto após minutoA martelar minha calma.Espero.

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44 MÁRIO NHARDES

Eu e você

Haja fé,Haja tristeza,Haja luta,Haja esperança,Haja saudades,Haja dor,Haja desencontros,Haja o que houver,Que haja amor!

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AGAPANTOS 45

Explicação do sentimento

Sempre achei que o sentimentoFosse nosso sexto sentido.A união dos outros cinco,O liquidifi cador que quebraria as resistências.Desde menino, sentia.Assim como todos nós,Já sabia desse motor.Ouvia seu barulhoQue incomodava meu descanso,Minha lentidão.

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46 MÁRIO NHARDES

Falei de mim

Aspirei o póRevestido em suor.Senti o gosto amargo,O fardo.Procurei nos outrosO que faltava em mim.Exaltei aos bradosO que me era próprio.Senti pena.

Veio a dor,O vazio,Perdi o chão,Quase desisti.Conheci a mágoaE a melancoliaFoi-me apresentada.Provei do fel de minhaPrópria pequenez.Tomei gosto pela angústia,Embebi-me em desejos.

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AGAPANTOS 47

Herói

Desde menino,Quis ser um herói.Vivenciar batalhas,Enfrentar inimigos,Fazer o impossível.

Só nunca penseiQue precisasseFazer tudo isso –Sendo um simples mortal.

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48 MÁRIO NHARDES

Incapaz

Meu peito grita insistente,Quer que eu decida,Que encontre o caminho.

Eu, indefeso aos gritos,Me fecho ainda mais.Cresço em dúvidas, hesito.

Esqueço quem sou,O que faço.Me torno incapaz.

Questiono tudo,Perco meus sentidos,Minhas crenças, meu juízo.

Sou febre e dorLágrimas e solidãoUm suspiro sem fi m.

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AGAPANTOS 49

Inerte

Daqui onde estouVejo uma formiga.Diferente de mimEla caminha,Se mexe,Sobe, desce.Indiferente a mimEla se apressaE vai embora.Agora,Estou aquiComo antes,Parado, sozinho,Feito uma formiga morta.

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50 MÁRIO NHARDES

Inocência

Achava que as históriasQue ouviaEram verdadesNo meu fi m do dia

Achava que os presentesAo pé da camaEram de fadasPor meu dente no telhado

Achava que os ovosDe chocolateEram de coelhosE estes os traziam para mim

Achava que o presenteAo pé da árvoreEra de Papai NoelQue entrara pela janela

Um dia cresciE me mostraramUm mundo diferenteQuero ser criança –Para sempre.

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AGAPANTOS 51

Inútil

Acordo,Tomo meu café.Folheio uma revista.Olho pela janela.Ligo o rádio,Ouço uma música,Notícias.Na frente do espelho,Limpo-me.Depois do trabalho,Estou de volta.Eu, minha cadeira,Minha revista,Minha janela,Meu gole de café.Agora não precisoDo espelho.Estou em casa.

Entrego-me, sonolentoAos meus sonhos.

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52 MÁRIO NHARDES

Jazigo

Tenho a impressão de que já passou,Não há mais o que fazer.Queria apenas dar um adeus,Não pude, faltou tempo.

Por que o tempo me faltou,Se só de tempo eu consisto?Tempo de pensar, de agir, de falar.Só de tempo me faço existir

Por que então culpo o tempo,Que na verdade está sempre comigo?Tenho a impressão de que sou consumidoPelo próprio tempo de que me fi z amigo.

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AGAPANTOS 53

Jugo

Na esquina, as pessoas conversam.Falam sobre tudo, sobre todos.Cogitam qualquer possibilidade,Alimentam rumores.Crucifi cam um cidadão em segundos,Tiram-lhe o escalpo, as vísceras,Esquartejam seu corpo em boatosPelos infi ndos cantos da cidade.

Das esquinas, as pessoas se dispersam,Caminham tranquilas pelas ruas,Pelas casas, pelas vidas alheias.Mesmo faladas, julgadas, condenadas,Compartilham os mesmos pratos,Os mesmos bosques, os mesmos fardos.De júri a réu e vice-versa,A valsa continua viva.

Falar da vida, desde que não da minha.Admitir um erro não seria justiça,Os erros são perdoados, se são nossos,Se não chegaram ao gosto dos falares.Hão de queimar no fogo, mesmo inocentes,Aqueles que se permitirem uma vida rija.Mal descuidam, espreitam-lhe os passos,Destemidos soldados da língua.

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54 MÁRIO NHARDES

Lágrima

A lágrima exprimeUm sentimento,Que seja bom ou ruim.Por si somenteNão faz referênciaÀ sua origem.É lágrima simplesmente.

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AGAPANTOS 55

Mágoa

A mágoa que habita em meu peitoCintila em meus olhos,Ecoa em minhas palavras,Toma conta dos meus sentidos.

A mágoa que habita em meu peitoCorrompe minhas ideias,Afasta meus melhores amigos,Transforma quem sou em dor e ódio.

A mágoa que habita em meu peitoTorna-me autossustentável,Afasta-me do mundo,Preenche-me de piedade e razão.

A mágoa que habita em meu peitoRasga meu íntimo por inteiro,É minha própria morte,Alimentando meu fi m.

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56 MÁRIO NHARDES

Medo

Meu peito se encheDe um grande vazio.É chegada a hora.Minhas pernas tremem,Meu coração bate solitário.A respiração fi ca lenta,Quase esqueço de respirar.Meu corpo gela.Minha cabeça fi ca leve,Não me decido sobreO que pensar.Vem um cansaço profundo,Uma vontade de me entregar.Não há saída,Estou preso.O medo me engole por inteiro.Esboço uma alternativa,Uma atitude.Mas estou imobilizado feito presaNo casulo de uma vida.E esta teia que me envolve,Cega meus instintos,Mina minhas forças.O que faço é acomodar-me.Conformar-me com esta sina.

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AGAPANTOS 57

Meu mundo

E de minha janela vejo o solE ele entra por ela sem pedirOu fazer cerimônia.E de minha janela vejo a grande mangueira,O pé de canela, outras casasIguais e indiferentes à minha.E de minha janela vejo pessoas,Vejo os vizinhos, outros que não conheço,Outros que sempre vejo, mas não sei quem são.E de minha janela posso ver quase tudo,Quase todo mundo.Minha janela, meu mundo.Tão pequena, tão quieta,Tão suspeita e indiscreta,Minha janela.Falta o mar, falta a montanha,Falta a mata, a cachoeira,Falta tanta coisa.Talvez por isso, venha a tristezaÀ tardinha ou a qualquer hora que seja.E mesmo que eu veja o que dela não consigo,Não terá o mesmo brilho,O mesmo sentido.Minha janela, meu mundo.Procuro trazê-la sempre aberta,Pois quando fechada,Meu mundo se fecha.

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58 MÁRIO NHARDES

Meus dezoito anos

Primeiro foram dezessete,Não sabia o que queria,Não entendia a vida.

Antes desse, dezesseis.Queria ver o mundo,Correr, viver a vida num minuto.

Antes desse, quinze.Nunca esquecerei as espinhas,As simpatias, as meninas.

Antes desse, quatorze.Ainda me lembro da escola,Do pátio, das salas de aula.

Antes desse, treze.Minha primeira bicicleta,Meus tombos, meu mundo nela.

Antes desse, doze.Meu destino era o futebol,Ser herói nacional.

Antes desse, lembranças.Dos presentes, brincadeiras,Dos doces, balas, salgados,Bolos de aniversário, chocolates.Dos sorvetes, da maçã do amor,Do circo, dos pirulitos,Das histórias na cama,Do beijo pra dormir,Dos meus sonhos.

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AGAPANTOS 59

No infi nito

Pro espaço sempreNo espaço, tenteHá um vagoUm mundo largoHá gentesSementes, sombrasQue eu me valhaDo tempo,Neste intervalo,Senso do infi nitoEstar descalçoDe tudo, nuContemplando oNada,Infi nito da gente

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60 MÁRIO NHARDES

O grilo

O grilo é um inseto insistente.Depois que inicia seu discurso,Não há quem consigaContinuar em sua lida.

Fala com precisão,Não desentoaE nem perde a rima.

Decidido que é sua vez,Deixa a todos alarmadosSem saber quando termina.

Assunto incansável,Sem parecer ter fi m,Começa a irritar os ouvidosDe quem está disposto a ouvir.

Uma interrupção que sejaÉ motivo de alegria,Mas pra azar do silêncio,Era só para engrossar a saliva.

Depois de tanto discurso,Mergulhado nesse absurdo,Quem presta atençãoInteressado no assunto,Ou não tendo escolha,Ele para afi nal.

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AGAPANTOS 61

Tão presentes são as palavras,A melodia ou a métrica,Que se fi ca a ouvi-loPor horas a fi o,Mesmo tendo ele,Já, há muito, partido.

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62 MÁRIO NHARDES

O grito

Precisava,Mesmo sem motivo,Dar um grito.Era preciso,Escapou.De dentro,Me espreitava,Monitorava meu sentir,Esperava sua hora.Nem sabia,Vivia dentro de mim.Crescia no meuSilêncio.Corrompia meusSentidos,Me transformava.Era ele e não euQuem mandava.Obedecia aos seusCaprichos.Me calava,Sofria,Triste,Chorava.Ele,Sempre fi rme,Sabedor de si mesmo,Crescia demais,Me sufocava.

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AGAPANTOS 63

Eu, já pequeno,Não entendia.Assim,Naquele instante,Saiu de mim.Ele,O grito,Tinha encontrado seu fi m.

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64 MÁRIO NHARDES

O que sou

O que sou,O que me tornei,Tem algo de mim,Algo de ti.Sou fruto do convívio,De emaranhados laçosQue me ligam a todos.Ninguém é alguém – sozinho.

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AGAPANTOS 65

Palavras de dentro

Queria escrever algo,Mas que viesse de dentro do peito.Queria chorar o mundo,Dizer como me sinto.

Queria escrever minha ira,Minha vontade de mudar,De recriar a paz.Queria...

Não consigo sentir o gosto,As palavras parecem vazias,Sim, assim como meu peito.As palavras não me contradizem,São assim, tristes, como eu.

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66 MÁRIO NHARDES

Pessoas

As pessoas são frágeis,São sensíveis,São desconfi adas.As pessoas são dóceis,São amáveis,São amigas.

Há as que fi ngem.São duras, frias.Há as que enganamSeus próprios sentimentos.Há as que esquecemSuas verdades.

As pessoas são loucas,São ríspidas,São gentis.As pessoas são amadas,São profanas,São sagradas.

Há as que brigam,As que amam,As que mandam.Há as que nunca saberão,De que ladoRealmente estão.As pessoas são assim.

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AGAPANTOS 67

Por inteiro

Quando criança,Queria ser bombeiro.

O tempo foi passandoE me apaixonei pela música,Queria ser cantor.

O tempo foi passandoE me interessei por política,Queria ser deputado.

O tempo foi passandoE a poesia me encontrou,Queria ser poeta.

O tempo foi passandoE conheci alguém muito especial,Queria ser amante.

O tempo foi passandoE conheci a gravidez,Queria ser pai.

O tempo foi passando, passando.Continuo querendo muito, o mundo,Sonho a cada segundo.Mas o tempo passa, incansavelmente.E eu aqui, ainda não consegui ser nada, por inteiro.

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68 MÁRIO NHARDES

Pretensão

Uma vez penseiQue o que escreviaPensava, fazia,Era diferente, único.

Uma vez penseiQue entendia o mundo.Pensei que era minha,A sensatez da vida.

Uma vez penseiQue possuía a verdade,Que zombava da ingenuidade,Que era direito.Uma vez pensei,Uma vez acreditei.

Bastaram os anos,Os cabelos brancos,E descobri queEra mais um,Dentre muitos,Que viviam na ilusão.

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AGAPANTOS 69

Retirantes

Tucanos invadem a minha cidade,Que não seja minha, mas invadem.Nunca havia visto um tucano tão de perto,Dois, três, um bando deles.

São bonitos, simpáticos, cativantes,Mas escondem algo que me entristece.

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70 MÁRIO NHARDES

Saudade

Um aperto no peitoLágrimas que correm sem pedirCoração que bate em disparadaBarulho de panelas na cozinha,Cheiro de café com leiteO fi lme de uma vida inteira.

Uma buzina na esquina,Volto pra realidade.Só o que me resta é a saudade.

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AGAPANTOS 71

Triste

Quando estou tristeTudo em mimEmudece

Meu coração parece dormirAs certezas desaparecemOs pensamentos querem partir

As palavras se escondemMeus olhos entreabertos e indecisosResistem em me entregar ao sono

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72 MÁRIO NHARDES

A obra

Sentado a tempo, meio nu, indefeso.Comprime em pensamentos neste lapso momentoQue fosse a tênue sorte um subprodutoNo espasmódico instante de solidãoFatigado, à exaustãoDe cumprida a lascívia desta batalhaLivra-se da prova de ter vencido a latrinaLavado as mãos, se exime de culpa,E retorna à vida, luxúria.

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AGAPANTOS 73

Alegria

Diante de uma beleza infi nita,Alguns homens simplesmente emudecem.Outros perdem o controle.Fazem o que normalmente nunca fariam.Uns agradecem, bem baixinho.Outros apenas sorriem.

Estou entre os que choram,De pura alegria.

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74 MÁRIO NHARDES

Amanheceu

É sempre assim,Dia após dia,Aconteça o que acontecer,Sempre amanhece.Mas o incrível de tudo issoÉ que cada amanhecer é único.Um único amanhecer a cada dia,Um amanhecer diferente do outro, sempre.Todos somos assim, como o amanhecer.A cada dia, por menos que mudemos,Somos completamente diferentes.

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AGAPANTOS 75

Bancos e portões

Se eu fosse engenheiroNão projetaria muros,Não desenharia portões,Não alocaria bancos bemDistribuídos pelas praças.

Se eu fosse engenheiroNão me iludiria com a matéria,Não projetaria mundos,Não confi naria em mármore, sentimentos.Não disciplinaria a liberdade.

Se eu fosse engenheiroSeria um permanente poeta,Projetaria livres percursos para o vento,Abriria enormes espaços,Não haveriam janelas nem portas.

Se eu fosse um engenheiro poeta,Projetaria um mundo de árvores,Desenharia para elas, redesQue nelas dois corpos se juntassem.Do pó retomaria a pedra e dela a verdade.

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76 MÁRIO NHARDES

Calma

Calma.Tua hora se aproxima.Toma um pouco desta sina,Come deste sofrer.Calma.Teu sorriso está guardado,Retomarás com juros.Por hora,Calma.Se a sorte lhe escapa,Se caminho não achas,Se perdeu os sentidos,Se te viu incapaz,Calma.Nada mais lhe resta.Mas, por incrívelQue feneça,Pode amanhãSer um novo dia.

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AGAPANTOS 77

Convivência

A solidão é sombria,Nos entristece,Desencoraja,É fria.

A convivência é partilha,Nos aquece,Revigora,É poesia.

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78 MÁRIO NHARDES

De onde vem?

De onde vem a dor que sinto,O aperto no peito, a vontade de chorar?De onde vem a tristeza sem fi m,A pergunta sem resposta,A angústia, a falta de lugar?De onde vem toda mágoa,Todo vazio, toda incerteza?De onde vem tanta loucura,Tanto sofrimento,Tanta vontade de casar?

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AGAPANTOS 79

De todos nós

Meu primoUma vez me disseQue de todosÉ Deus.

Pois Deus,É de eu, no plural.

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80 MÁRIO NHARDES

Decisão

O direito,O esquerdo.O certo,O errado.O conceito,O preconceito.De que ladoDevo estar?De que ladoRealmente estou?Que me comprimaO peito em dor,Mas não me inclinePor conveniência.Que eu escolhaDe coração.E desse modoPossa viver.

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AGAPANTOS 81

Embriaguês

Minha cabeça tem o peso do mundo,Meu corpo insiste no repouso.Sinto um universo indigesto,Gosto de arrependimento na boca.Cada minuto se esvai num vazio eterno.Estou farto da bebida,Brindemos a esse fato.

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82 MÁRIO NHARDES

Eu, o vento

Eu, o vento.Que sou calmo e violentoSou vendaval e brisa.Que à mercê da vida,Às vezes sou conforto,Às vezes incômodo,Às vezes paz,Às vezes caos.

Eu, o vento.Que sou incolor e frioSou calor e sangue.Que à mercê da vida,Às vezes sou dor,Às vezes, rotina,Às vezes sou morte,Às vezes vida.

Eu, o vento.Que sou órfão e sóSou carinho e carente.Que à mercê da vida,Às vezes sou colheita,Às vezes plantioÀs vezes sou notado,Às vezes esquecido

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AGAPANTOS 83

Eu, o vento.Que sou força e anemiaSou opressor e vítima.Que à mercê da vida,Às vezes sou vento,Simplesmente.

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84 MÁRIO NHARDES

Historiador

Esse meu mundo de pó e alergia,Esta sina de ácaros.E em meio à aparente inutilidade das peças,Desvendar a morfologia cotidiana.Achar no passado a representação de nós mesmos,Esse mundo sem rosto – de pedras,Esta sina de “inquieto”.E em meio à possibilidade das respostas,A frustração da cegueira conduzida pela paixão,Esse mundo de ilusão e realidade,Esta sina de “apaixonado”.E em meio ao refl exo do que somos,A insistente mania do que fomos.Esse mundo de incompreensão e de busca.Sou o germe que corrompe o desejo,Que provoca o concebido,Que deturpa os credos,Que crê nas possibilidades.Sou a inquietude presente,Sou o nó, a pedra, o cisco.Sou feito de esperança e incertezas,De aço e brisaSou história,Historiador,Sou isso.

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AGAPANTOS 85

Leveza

Percorre meus poros,Infi ltra-se.Toma minha derme.Rapidamente chegaA meus músculos.Rende-os.Isso me relaxa.Invade minha corrente sanguínea.E em segundos,Já é proprietária de mim.Aloja-se em meus ossos,Já entregues a seus encantamentos.Já não sou mais eu.Sois Vós em mim.Minhas pálpebras se fecham.Minha alma agita-se.Ouço,Sinto,Há música em mim.

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86 MÁRIO NHARDES

Milagres

O pôr e o nascer do solO germinar da sementeO fl orir dos camposA gota d’água que cai das nuvensA lágrima que enche os olhos de pura alegriaO sorriso descompromissado, puerilA brisa que nos confortaA lagoa e sua aparente calmariaA lua em sua beleza e espantoO cheiro de relvaA linguagem dos pássarosA fl or do maracujáO suor que refresca a peleO sabor das frutasO aconchego da sombra de uma frondosa árvoreO peixe no lagoA criança correndoO cheiro do almoçoO beijoA bala de hortelãA mexerica poncãO doce de leiteUm pouco de tempoUm poemaUm biscoito com leiteUm vinho tintoPipoca e guaraná

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AGAPANTOS 87

O reconhecimentoAlguns aplausosUm abraçoUm aperto de mãoO sexoUm bicho de péUm cafezal em fl orUm carinho na faceAndar de mãos dadasDormir cedo,O amor.

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88 MÁRIO NHARDES

Nosso tempo

O tempo decorre livremente,Não toma partidoÉ universal, rítmico.

Nos contornos da vidaToma outras formas,Outras grandezas.

É rápido para os enamorados,Inerte para os que esperam,Impiedoso para os despreparados,Certeiro para os cautelosos.

O tempo é uma ilusão,Um deslumbramento.É um pouco de tudo,E tudo que temos.

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AGAPANTOS 89

O primeiro beijo

O primeiro beijoTem gosto de felicidade,Vitória, de liberdade.

O primeiro beijoÉ um pouco de sonho,Fantasia, curiosidade.

O primeiro beijoÉ uma barreira,Um divisor, um escape.

Não se guardam muitasLembranças, sabores,Sentimentos.

Dele se guarda o feito,A pessoa beijada,E sem dúvida alguma,Mais nada.

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90 MÁRIO NHARDES

O primeiro beijo II

Inocentemente, primeiro.O beijo.Sons, odores, sabores,A eternidade em segundos.

Lembrança que fi ca,Sabor de pêssego maduro,Odor indecifrável,Suor, saliva: o outro.

O primeiro beijoNão se esquece.Centenas de beijosPor derradeiro,Apenas um prevalece:O primeiro.

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AGAPANTOS 91

Olho de vidro

Enxergar é um desses milagres diáriosQue insistimos em não ver.Muito mais que perceber pela visão,Carece cuidado, atenção.Para enxergar direitoÉ preciso alcançar com a vista,Contemplar com o coração.Um ou outro sentido ainda ajuda a admirar.É preciso um tempo,Não se pode olhar rápido.Enxergar é pegar pra ver,É tomar posse, mesmo que provisória.Na verdade, um verdadeiro olharSempre ultrapassa o instante.Eterniza-se no íntimo da gente.

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92 MÁRIO NHARDES

Poeta

Todos dormem,Somente eu permaneço.Ouço o vento,O relógio na parede.Ouço tudo, ouço o mundo.Lá fora, carros no silêncio,Pessoas em murmúrio,Cães latem.Eu aqui meio cansado,Negocio o sono a um bom preço.Teço, envelheço.Corto a branca celuloseCom meu laser azulado.Penso fazer algo importante,O desejo provoca meus nervos.Minhas pálpebrasRoubam o que escrevo,De sono, padeço.Levantar devagar, me ajeitar,Recompor-me desse peso.Livre do sonho,Adormeço.

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AGAPANTOS 93

A rosa

A rosa, quieta,Parece não saber falarNem tomar partido.De certo, não reclama atenção.

A rosa, quieta,Não parece ouvirNem carregar problemas.De certo, não vive de ilusões.

A rosa, quieta,Inspira cuidado, desafi a,É cativante e sublime.Sem esforço algum, é poesia.

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94 MÁRIO NHARDES

Sobre lágrimas

Caiu despercebidamente,Somou-se às outrasQue ali já estavam.Eram muitas,Pequenas, incertas.Eram todas,Agora uma.

Mesmo caídas,Somaram-se.Tomaram, novamente,Outro rumo.Parar não podiam.Era assim,Sua natureza.

E unifi cadasEm sua queda,Transformaram-se.Seguiam o novoCurso de suas vidas.E naquela correnteza,Ainda brilham as gotasQue do céu caíram.

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AGAPANTOS 95

Despedida

Aqui jazem minhas poesiasPedaços de mimDe minha vida

Aqui jazem sentimentosAnseios, desejosBreves momentos

Aqui jaz uma vontadeUma ligeira vaidadeA minha cara do mundo

As despedidas são sempreTristes e lacrimosasPor vezes solitárias

Aos que aqui estiveramDe passagem ou por obséquioSempre haverá a lembrançaPor ínfi ma que seja

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