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AGENOR MIRANDA ROCHA: PROFESSOR E SACERDOTE DA TRADIO NAG-KTU NO BRASIL
Jorge Garcia Basso
Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo
PEPG em Educao: Histria, Poltica, Sociedade Agncia de Fomento: CNPq
Eixo Temtico 5: Pesquisa, Educao, Diversidades e Culturas Categoria: Comunicao Oral
INTRODUO
A proposta deste texto busca relatar os caminhos percorridos pela pesquisa ao
longo dos ltimos dois anos. Inicialmente, descobri o personagem Agenor Miranda
Rocha, como um educador e cnone das tradies religiosas de matriz africana Nag-
Ktu, mencionado pelo socilogo Reginaldo Prandi em seu livro: Segredos guardados
- orixs na alma brasileira (2005). A descoberta me fez sair em busca de informaes
sobre esse professor, cheguei ao livro Um Vento Sagrado Histria de vida de um
adivinho da tradio Nag-Ketu brasileira (1996), do professor Muniz Sodr, e do
jornalista e msico Luiz Felipe de Lima. Um relato biogrfico acrescido de um conjunto
rico e diversificado de depoimentos de artistas, intelectuais, amigos e ex-alunos que
com ele conviveram, sobretudo nas quatro ltimas dcadas de sua vida.
Meu interesse pelo estudo historiogrfico da trajetria do professor e sacerdote
Agenor Miranda Rocha se construiu na perspectiva de uma Histria da educao,
pelas possibilidades que o tema oferece tanto para historiografia, quanto reflexo
sobre o ensino da histria e das culturas afro-brasileiras na escola, opondo-se
perspectiva homogeneizadora de afirmao essencialista e eurocntrica do ensino da
histria que as Leis 10.639/2003 e 11.645/2008, buscam reformular.
Desde 2012, quando iniciei meu projeto de pesquisa, tive acesso a um conjunto
diversificado de fontes documentais sobre Agenor Miranda Rocha mantidas na
residncia onde o professor viveu de 1953 a 2004: os originais das suas obras
publicadas, As naes Ktu: origens, ritos e crenas - os candombls antigos do Rio
de Janeiro (2000); Caminhos de Odu (2009) - livro editado a partir de um manuscrito
original de Agenor Miranda Rocha de 1928, sobre as tradies e conhecimentos de
matriz africana e a prtica da adivinhao na tradio afro-brasileira; Oferenda (1998)
poesia, que tambm teve uma edio espanhola, Ofrenda Como la flor que se
oculta entre las hojas (2001); e um manual sobre o ensino de Lngua Portuguesa
intitulado Cadernos de Portugus (2000); um acervo fotogrfico particular, jornais,
objetos rituais, documentos pessoais, correspondncias e sua biblioteca particular.
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Dentro desse conjunto, destaco dois documentos muito significativos, que
registram as lembranas do professor e sacerdote: O primeiro o filme Um Vento
Sagrado, do diretor Walter Pinto Lima (2001), um documentrio que apresenta um
longo depoimento do prprio Professor Agenor e tem a participao de intelectuais e
artistas, entre eles, o cantor e compositor Gilberto Gil, o acadmico Antnio Olinto, os
professores Reginaldo Prandi e Muniz Sodr. O segundo um relato escrito por
Digenes Rebouas Filho, Pai Agenor (1998), baseado em lembranas, depoimentos
e escritos de e sobre Agenor Miranda Rocha, na festa de seus 90 anos.
Com base nesses dois documentos, este texto busca, a partir de recortes
significativos dos registros de sua memria, apresentar um panorama da trajetria do
professor e sacerdote, em dois universos socioculturais distintos: o mundo negro dos
conhecimentos africanos, das tradies e oralidades das comunidades de terreiros de
candombl da Bahia e do Rio de Janeiro, onde ele foi aprendiz e mestre, e o mundo
branco da educao escolarizada e da cultura letrada do tradicional Colgio Pedro II e
do Instituto de Educao do Rio de Janeiro, entre as dcadas de 1930 e 1960, perodo
da sua atuao como docente.
AS MEMRIAS DA INFNCIA E FORMAO
Agenor Miranda Rocha nasceu em Luanda, Angola, no dia 8 de setembro de
1907. Homem branco, filho de pais portugueses, Antnio Rocha e Zulmira Miranda
Rocha. Seu pai era funcionrio diplomtico na embaixada brasileira em Angola e sua
me atriz, cantora e fadista, festejada em revistas e jornais da poca.
Uma histria curiosa envolve o seu nascimento. Em 1906, sua me foi
abordada por um homem numa feira-livre em Luanda, que a interpela e faz previses
sobre o seu futuro. Assim nos conta o prprio professor Agenor:
Minha me encontra um negro na feira, em Luanda. Ele lhe diz que o menino que ela tinha na barriga nasceria de oito meses, com uma mancha vermelha na cabea e nesse dia ele estaria por perto, porque sabia quando. Ela o deixaria dar-lhe o primeiro banho de sua vida? Indagou. Minha me nem se sabia grvida ainda, concordou para terminar aquela situao constrangedora que supunha ser causada pela insolao. Ela era branca, catlica e portuguesa. Oito meses depois, no dia oito de setembro, s primeiras dores do parto, o negro angolano bate na porta e espera a criana para dar-lhe o primeiro banho de ervas s por ele conhecido. Assim foi feito, visto que, alm de ser de oito meses, eu trazia na cabea a mancha prevista. O angolano disse, ento, que eu seria uma grande figura dentro da seita africana. (ROCHA apud FILHO, 1998, p.14)
O africano que havia feito tais previses insistiu em se aproximar e influir no
destino do menino. Isso acabou levando a famlia Miranda Rocha a se transferir, em
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1912, para a cidade de Salvador, na Bahia. Cercada por um rosrio de igrejas e
atravessada por uma heterogeneidade tnica prxima da frica, a capital baiana
pareceu, aos olhos do casal, o lugar ideal para quem desejava prolongar no Brasil a
experincia angolana.
O menino Agenor Miranda Rocha contava a, com pouco menos de cinco anos
de idade, e foi acometido de uma febre de origem desconhecida. O menino passa
pelos melhores mdicos de Salvador e os diagnsticos apontavam para o seu
falecimento. Uma vizinha toma a iniciativa de ir casa de Eugnia Ana dos Santos,
Me Aninha, fundadora, em 1910, do terreiro Ax Op Afonj um dos mais
tradicionais candombls da Bahia, para consult-la a respeito da sade do menino.
Jogando os bzios, Aninha verificou que a doena da criana era uma astcia do
destino para Oxal vir a ser feito, isto , a necessidade da iniciao do menino no
culto divindade responsvel por sua cabea. De volta, a vizinha relata ao casal as
palavras da ialorix1. (SODR, LIMA, 1996, p. 24) Os pais desesperados com a
situao do menino consentiram na sua iniciao. O Professor Agenor menciona
dessa forma os acontecimentos:
Nasci em 1907 e fui iniciado em 1912, portanto tinha s 5 anos quando acompanhava me Aninha, uma senhora imponente e natural, e o povo falava: L vai Aninha com seu santinho. O apelido de seu santinho pegou para desagrado meu. Pulquria foi quem confirmou o jogo que me Aninha fez para ver meu orix. Quando me Aninha viu o que o jogo revelava, no quis assumir a responsabilidade sozinha e mandou chamar Pulquria, para confirmar aquele Oxal, de qualidade to rara, que via como dono da minha cabea. E, por outro lado, a misso que eu trazia de vir a ser muito conhecido na seita africana. Pulquria, que residia tambm na Ladeira da Praa, num sobrado fronteirio ao que morava me Aninha, confirmou tudo o que fora visto por ela. Fui recolhido camarinha
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nome, Oxal me possui e o menino semimorto grita seu orunk3 em
p, no meio do salo. Depois disso, a doena, nunca explicada pelos mdicos, desaparece, e eu estou vivo, com 90 anos, contando tudo isso. (ROCHA apud FILHO, 1998, p.13)
Me Aninha ganha com isso a gratido e a confiana da famlia do menino,
tornando-se sua me-de-santo, mestra e orientadora que inicia o jovem nos
ensinamentos, tradies, ritos e prticas do candombl, desde a infncia at a
mocidade, quando ele se transfere para o Rio de Janeiro a fim de estudar medicina.
1 Ialorix Zeladora dos orixs de uma casa de candombl, tambm conhecida como me-de-santo.
2 Camarinha Quarto estritamente fechado onde ficam recolhidos os novios durante cerca de 17 dias
da iniciao.
3 Orunk Novo nome que o iniciado recebe e revela inspirado pelo orix, durante uma cerimnia no dia
do nome e com o qual passar a ser designado pela comunidade.
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Seus pais retornam a Portugal em 1926, Agenor e um irmo mais velho permanecem
no Brasil, morando na capital da repblica.
Sobre suas lembranas da Bahia de sua infncia, Agenor Miranda Rocha
destaca suas amizades de toda uma vida, o casario antigo colonial, as ruas centrais, o
Pelourinho e outros bairros, as festas populares e os candombls. Lembro-me quando
eu estudava na nossa casa de quintal grande, no bairro da Graa. Com o livro na mo,
suspendia os olhos e ficava ouvindo minha me, Zulmira Miranda estudando canto.
(ROCHA apud FILHO, 1998, p.33). Lembro-me perfeitamente de minha escola em
Salvador, onde tive um professor magnfico de portugus que muito me ensinou,
chamado Agenor Costa; at hoje conservo o dicionrio de sinnimos feito por ele. As
aulas eram de manh, numa escola no Rio Vermelho e depois nos Barris. (ROCHA
apud FILHO, 1998, p.13)
Em quase um sculo de vida, Professor Agenor conviveu com famosas
personalidades do candombl baiano, como Cipriano Abed (falecido em 1933),
considerado na frica um dos maiores conhecedores dos segredos de Osse, me
ensinou tudo que eu sei deste orix. (ROCHA apud FILHO, 1998, p.31) Martiniano
Eliseu do Bonfim