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PARANÁ Domingo, 8 de janeiro de 2006 4 GAZETA DO POVO CENA 1 - A família Oliveira Ferraz não é daqui. A mãe – Elza, 43 anos, e os filhos Wílson, 15, José Aílton, 19, e Luciana, 26, vieram de São Paulo e, entre idas e vindas indecisas, fizeram de Curitiba sua cidade satélite. A placa da rua onde moram – a Sperandio Domingos Foggiato, homenagem ao fotojornalista que trabalhou dos anos 30 a 50, entre outros veículos, para a Gazeta do Povo – indica que aquele bairro é o Prado Velho, mas ficou conhecido como Vila das Torres, ou Vila Pinto. Os fi- lhos de Elza são catadores de papel e abandonaram a escola no início do curso ginasial. CENA 2 - José Marcos Novak, arquiteto, e Adriano Moro, de- signer, ambos com 39 anos, há alguns meses decidiram se reu- nir para trabalhar na criação de utilitários – abajures, lustres e objetos do gênero. Fundaram a Alea, uma empresa para comer- cializar os futuros produtos. Vão precisar. As peças que fazem não são comuns. Além daquele toque de originalidade próprio dos designers, a dupla trabalha com resíduos, ou seja, vidros de compota, frascos de Yakult, embalagem de Gatorade ou cai- xinhas de remédio – fartamente encontrados no lixo. CENA 3 - O jornalista aposenta- do do Tribunal de Justiça, Arnoldo Anater, 67 anos, natu- ral de Concórdia (SC), dedicou parte de sua carreira ao serviço público, com cujos rendimentos criou dois filhos. Mas, na moci- dade, teve seus dias de repórter, com um bloquinho na mão e uma idéia na cabeça. Nos anos 60, início dos 70, trabalhou no míti- co Diário do Paraná, jornal dos Diários Associados, de Assis Chateubriand, o Chatô. Gostava de escrever matérias de rua – e lembra de ter feito algumas em favelas, como as do Parolin e do Prado Velho, nas imediações de onde está hoje a Vila das Torres. “Quando chovia, o rio transbor- dava e a gente vinha para cá”, conta. TODOS JUNTOS - Dias atrás, a reportagem da Gazeta do Povo provocou um encontro entre os Oliveira Ferraz, Arnoldo, Novak e Moro. O grupo não se conhe- cia, embora bem poderia estar agora tomando um sorvete de saquinho ou um capilé na rua principal do bairro que desperta um misto de medo e curiosidade nos curitibanos. Esses compa- nheiros acidentais têm muito em comum. Quando sai para as ruas, de segunda a sábado, ao lado de dois irmãos, Luciana encontra no lixo os detritos que José Marcos e Adriano tanto precisam para realizar suas peças utilitárias. E Arnoldo, há nada menos do que 30 anos, ti- nha curiosidade de entrar na Vila das Torres, já que nos seus tempos de repórter cobria aque- la área. Acompanhar o projeto de design e encontrar as portas da casa de Elza abertas encur- taram a viagem adiada por tan- tas décadas. Vizinho distante Não é a primeira vez que José Marcos Novak tenta se aproxi- mar da Vila das Torres. Arrisca pensar nisso todo santo dia, já que leciona no curso de Ar- quitetura da PUCPR – institui- ção que é vizinha da área. Não bastasse, Novak é um pensador pouco ortodoxo da cidade. Fica prestes a armar um motim se alguém propor ações urbanas cosméticas – dessas que trans- formam preservação do patri- mônio e melhorias em sinônimo plastificação e padronização. Não esperem que ele diga que a Vila Pinto é feia. Melhor pergun- tar o que ela revela sobre a ci- dade e boa viagem. Para ele, a vila diz respeito a Curitiba, e muito. Tanto que, há dois anos, chegou a montar um ateliê no bairro, como agregado da ONG Girassol, atualmente desativada. Atire a primeira pedra quem já pensou em montar uma espé- cie de escritório em local tão inusitado. Não por menos, quan- do se uniu com Moro para fazer design com resíduos, Novak não pestanejou antes de procurar os carrinheiros da Vila das Torres. Ao descer a ladeira que leva até a casa de Elza, Luciana, Wílson e José Aílton, o arquiteto e o designer deram asas às melhores intenções. Eles propõem parce- rias num espaço em que, reza a lenda, existem – entre pequenos, médios e grandes – 500 depósi- tos de papel velho e congêneres. Muitas desses espaços são pequenas usinas domésticas, instaladas perto da porta das cozinhas, dos quartos e de onde a criançada joga bola. Com sorte, uma parte bas- tante pequena do que sobra nas ruas todos os dias e espera a hora de ser vendido vai se trans- formar em abajures ou coisa que valha nas mãos dos designers. “Saber que uma caixa de remé- dio pode se tornar uma peça aju- da a dar sentido ao trabalho dos carrinheiros. Mas não gostaria que isso fosse visto como um pro- jeto social. É uma troca. A gente quer dar uma linguagem nova a produtos com que o pessoal da vila tem contato todo dia”, co- menta José Marcos Novak. Os preços de garrafinhas ou caixinhas intatas – única con- dição para serem reaproveitadas na produção de utilitários – é animador. Podem chegar a 30 centavos a unidade na cotação da dupla. Para a reciclagem padrão, são necessários cerca três quilos de papel até chegar a esse valor. Sem contar as varia- ções de preço que volta e meia sacodem o mercado dos carrin- hos. Em baixa estação, o quilo beira infames três centavos. Carrinho ao vento O empurrão que Novak & Moro precisavam para circular pelo bairro veio de Erondina Glaci de Oliveira, 50, diretora do Departamento Social do Clube de Mães da Vila das Torres e 35 anos de comu- nidade. Como ela é vizinha dos Oliveira Ferraz, achou que eles eram os companheiros de tra- balho que os rapazes estavam pedindo a Deus. Acertou. Lu- ciana é uma prova disso. A jovem tem um longo histórico profissional. Trabalhou como balconista, vendedora de mó- veis, faxineira, babá e – por coincidência – artesã, em Embu das Artes, conhecido reduto de artífices em São Paulo. A casa em que mora – um misto de residência com depósito e con- domínio, já que a família sublo- ca parte do terreno – tem obje- tos de artesanato espalhados aqui e ali, em especial bonecas de pano e ímãs de geladeira. A proposta de Novak inter- essa a Luciana – que gostaria de voltar à produção de objetos decorativos, seu ganha-pão em outros tempos, e oferecer uma vida mais estável à filha de 7 anos, Kathlenn Albano. Só não continuou nesse ou noutro ofí- cio por causa das vantagens da vida carrinheira: ganhos mais compensadores e a liberdade de não ter patrão e horário rígido. A ambulante Luciana e seus irmãos saem de casa por volta das 16h30. Seguem uma rota espartana pelas bandas do Batel, Shopping Curitiba, Ave- nida Iguaçu e já criaram laços com donas de casa, porteiros de prédio e lojistas. Volta e meia – em pleno batente – ela ouve: “O que uma morena tão bonita está fazendo catando papel?”. “É impressionante como a gente leva cantada”, diverte-se. Quando o trio retorna para a Vila das Torres já passa da meia-noite. Mal abre o portão e dá-lhe separar o material, dan- do fim no lixo orgânico que aca- ba se misturando ao papel. Ratos e baratas são atraídos quando a faxina da madrugada não acontece com rigor de quartel-general. O peso do carrinho – que pode chegar a 250 quilos –, os horários malucos e a difícil con- vivência com o estoque dentro de casa – mesmo assim – lhes parece um bom negócio. Os Oliveira Ferraz querem manter a firma que lhes rende R$ 400 mensais. Praticamente o alu- guel da casa onde moram. A sobra no orçamento vem do inquilino dos fundos – que paga aluguel na faixa dos R$ 150 a Elza e seus três filhos – mais agregados: netos e nora. Com folga, em 2006, vai dar para tirar alguns trocos sepa- rando o material que José Mar- cos e Adriano precisam para levar seu projeto adiante. E, quem sabe, fazer da casinha da Vila das Torres uma mini-sucur- sal de Embu das Artes. Arnoldo sacou o bloquinho e registrou essa história. Como nos velhos tempos. JOSÉ CARLOS FERNANDES TÃO LONGE, TÃO PERTO GAZETA REÚNE GENTE QUE NUNCA HAVIA SE VISTO, MAS TEM MUITA COISA EM COMUM Encontro inusitado no meio da vila Arnoldo Anater e a família Oliveira Ferraz: depois de 30 anos, visita à Vila das Torres. Fotos: Fernanda Preto/Gazeta do Povo Os designers explicam projeto para Luciana e Elza: Torres com grife. OPINIÃO O contraste e a esperança Em frente, uma moderna via, a Avenida das Torres. Nos fundos, um belo conjunto arquitetônico – a Pontifícia Universidade Católica do Paraná. No meio, num estreito espaço, a Vila das Torres, onde vivem sete mil pessoas. É gente que veio de todas as partes e de tantas atividades: da roça, das indústrias e do comércio. Muitas mulheres são diaristas, babás, empregadas domésticas. Como essa população vive, quase todos imaginam. Algumas ruas inter- nas têm anti-pó. Mas muitas casas são ranchos nas quais os ocu- pantes estão à mercê de ratos, baratas, moscas, cachorros e out- ros insetos e animais que têm seu hábitat no lixo que é catado nas ruas de Curitiba. A Vila das Torres é o centro dos carrinheiros. Para lá converge o lixo reciclável recolhido de grande parte da cidade. Os carrinhos são deixados na rua cobertos com lona preta. A sensação que se tem é a de estar em um cenário de bangue-bangue. Corridas de cavalos são disputadas nas ruas sem nenhum cuidado ou segurança. Mas há posto de saúde e um clube de mães. A convite do jornal Gazeta do Povo acompanhei uma equipe reportagem até a vila e fui apresentado ao projeto que o arquiteto José Marcos Novak e do designer Adriano Moro estão desenvol- vendo. Do contraste do que vi ficou em mim a esperança de que a vila se torne um grande centro de fornecimento de matéria-prima para a produção de utilitários. Sem falar nas lembranças que a experiência trouxe do tempo em que eu fazia reportagem. ARNOLDO ANATER É JORNALISTA. A REPORTAGEM POR OCASIÃO da entrada do ano-novo, a Gazeta do Povo con- vidou um leitor para participar de uma reportagem. A proposta teve dupla intenção – além de interatividade com o público o jornal quis provocar o desloca- mento dentro da cidade, isto é, fazer com que um morador de uma área transitasse em outra região – de preferência uma região à qual não iria natural- mente ou que tivesse muito desejo de conhecer. ALÉM DE ULTRAPASSAR divisas que se formam na capital – marcadas pelas distâncias, pelo trânsito difícil, pelas dife- renças sociais, pelo medo ou já pela imposição – o pequeno pro- jeto também nasceu com a intenção de apresentar pessoas que rompem as “determinantes urbanas” com propostas criati- vas e inovadoras, e não necessa- riamente movido pelo volunta- riado. FOI ASSIM que se chegou à área escolhida, a Vila das Torres, à família de Elza de Oliveira – que vive de catar papel; ao arquiteto José Marcos Novak e ao designer Adriano Moro, que trabalham com obje- tos recolhidos do lixo; e ao leitor Arnoldo Anater, que mora no Juvevê e nunca tinha ido à Vila das Torres, embora vontade não lhe faltasse. UM PONTO NO MAPA A família Oliveira Ferraz mora na Rua Esperandio Domingos Foggiato, área de alto trânsito de carrinheiros na Vila das Torres. Boa parte das casas funciona como pequeno depósito de material a ser reciclado. Os lotes de matéria-prima são gigantescos. O local também serve de pista para corrida de cavalos. PUC-PR Cietep PRADO VELHO REBOUÇAS JARDIM BOTÂNICO Av. Comendador Franco (Av. das Torres) R. Esperandio Domingos Foggiato Infografia: Adriana e Matias/GP Rio Belém R. Guabirotuba Arnoldo, 67 Adriano,39 José Marcos, 39 Luciana, 26 Elza, 43 José Aílton, 19 OPINIÃO Domingo, 8 de janeiro de 2006 GAZETA DO POVO 11 RIO DE JANEIRO – Há quem considere dra- mática a falta de assunto na mídia, em geral. Evidente que há fatos e situações que mere- cem noticiário, comentário e até mesmo polê- mica, como a lambança do PT e do governo, que ocupa a mídia há mais de seis meses e, embora arrefecendo a cada dia, ainda dará caldo por outros tantos, pelo menos, até a campanha eleitoral engrossar. Desastres pessoais ou coletivos, crimes de repercussão também se desdobram, às vezes até à exaustão. Dirão: a mídia não tem cul- pa, a realidade é assim mesmo, chata, e quando não é chata, é dramática. Que fazer? Daí que muito me admira a facúndia com que, de tempos em tempos, se descobre um assunto que não é crime, tragédia, corrup- ção, doença de algum figuraço, polêmica sobre isso ou aquilo. Assuntos neutros, que não fedem nem cheiram, mas revelam a necessidade de manter "a sociedade informa- da". Uma dessas informações à sociedade que rolou, semana passada, foi a nova faixa pre- sidencial, que terá não sei quantos fios de ouro e ornamentará o peito dos futuros pre- sidentes da República. Não tenho opinião formada sobre os ador- nos do poder. O Papa anda vergado ao peso de tantos paramentos e brocados. Reis e rai- nhas também. O imperador dom Pedro II era chamado de "papo de tucano" porque tinha um adorno em volta do pescoço feito com o papo de aves representativas de nossa fau- na, inclusive o tucano. Há gosto pra tudo. Quanto ao preço da nova faixa presidencial, reclamam que ela daria para comprar 5 mil e tantas cestas básicas. Considero este tipo de economia um exagero demagógico. A faixa de ouro poderá ser vendida, um dia, valorizada talvez, para pagar nossa dívida externa, socorrer os desa- brigados de um tsunami na Ásia ou ajudar a comprar o passe de Ronaldinho Gaúcho de volta ao Brasil. Folhapress CARLOS HEITOR CONY Faixa de ouro No Cântico dos Cânticos de Salomão o pescoço da amada é comparado à torre de marfim de Da- vi, seus olhos aos vivei- ros de Hesbom junto à porta de Bete-Arabim, seu nariz à torre do Lí- bano que olha para Da- masco, sua cabeça ao monte Carmelo. A ama- da é formosa como Tir- zá, aprazível como Jeru- salém e como as tendas de Quedar. As faces do amado são como can- teiros de bálsamo e colinas de ervas aromáticas. Os amantes recor- rem a animais, cereais, flores e frutas para cantarem seus encantos: os seios da amada são como os filhos gêmeos da gazela, seu ventre como um monte de trigo cercado de lírios, seus cabelos como o reba- nho de cabras que pastam em Gileade, suas delícias como as de um pomar de romãs, e o cheiro da sua respiração como o das maçãs... Como seria uma recuperação moderna destas referências à pai- sagem, à arquitetura, aos bichos e aos sabores e cheiros do cotidi- ano, na poesia, sem o risco de mal-entendido? Um Cântico dos Cânticos atualizado? O teu pescoço, amada minha, é como aquele hotel em Dubai que sobe, contorcendo-se, para olhar o mar e o deserto de um restau- rante cinco estrelas no topo. Os teus seios são como as caixas gêmeas de um sistema de som turbinado que faz vibrar o firma- mento com o seu woofer e sub-woofer. Como a curva da marquise do Maracanã pegando o sol poente é a curva do seu quadril, ó ama- da minha, irmã minha. Teus cabelos são como uma plantação trans- gênica ondulando ao vento, teu hálito tem o cheiro de um cheese- salada com fritas e uma coca, teu nariz é como o último arranha- céu de Pequim... – Epa! – Desculpe. Seria difícil. Como comparar, por exemplo, as delícias da amada ao sabor de um kiwi, a única fruta pós-bíblica que me ocorre? É difí- cil imaginar fruta menos erótica do que o kiwi. Nos cantares de Salomão as delícias evocadas são da uva, da maçã e do romã. Nada sobre o figo, que bate todas em lubricidade. Ou, melhor ainda, a melancia, a única fruta em que você pode meter a cara, a única fru- ta cujo consumo – dependendo de onde você estiver e dos ruídos que fizer – pode ser interpretado como um atentado ao pudor. "Como uma melancia rubicunda é a minha amada, e eu a devoro sobre um canteiro de mirra e incenso, e o seu sumo desce pelas mi- nhas faces como as águas que correm do Libano?" Melhor deixar os Cânticos como estão. Perfeitos. Agência O Globo LUÍS FERNANDO VERISSIMO Novos cânticos COLUNA DO LEITOR TAPA-BURACOS Os problemas no governo do presidente Lula parece que não acabam. Agora são os buracos nas rodovias. E desta vez não adianta dizer que eles são obras das elites conspiradoras, pois não foram feitos com picaretas na calada da noite, e sim obra de má gestão na manutenção e conservação das estradas e pontes. Agora, anunciam em caráter de emergência que vão gastar 400 milhões de reais numa operação "tapa-buracos", sem licitação pública. Como os critérios da escolha das empreiteiras são obscuros e como um buraco nunca é igual ao outro, os preços das obras também podem ser bem diferentes. E tudo isso vai acontecer jus- tamente num ano eleitoral onde os caixas dos partidos ficam ávidos por "doações" de cam- panha. Depois ainda querem que a sociedade dê um refresco nas críticas. Rubens Santos Empresário – Curitiba, PR RESPONSABILIDADE SOCIAL No dia 5/1/06, um senhor, aparentando sentir fortes dores nas pernas, deitou-se na calçada em frente ao prédio no qual eu trabalho. Ao prestar-lhe assistência, informou- me ser funcionário de uma empresa no Alto da XV. Imediatamente, liguei para a referida empresa e relatei o caso para a atendente que, verificando o nome e as características da pes- soa, constatou que ele não era funcionário da empresa. Grande foi minha surpresa ao ouvir: "Mandaremos um carro para socorrê-lo mesmo assim, afinal é um ser humano". Em menos de quatro minutos o carro já estava no local, com duas prestativas funcionárias, numa explícita demonstração de responsabilidade social e pre- ocupação com o próximo. Edson Medeiros de Camargo Servidor público federal– Curitiba, PR COMPAIXÃO O ato de cooperar com a mendicidade é um ato de humanidade e humildade. Em nosso país, quantos pais saem pela manhã a procurar tra- balho e voltam dias, meses e até por ano a fio para sua família sem o serviço. Poucas pessoas nunca sentiram o estômago doendo de fome. Privilégio de poucos nascer em berço esplêndi- do. Soberbos, julgam com infâmia o pedinte. O município solicita que não se incentive a men- dicância; mas, almas boas!, por compaixão cooperam com os mutilados por natureza e desempregados. Que o Criador olhe por nós e na próxima encarnação nasçamos saudáveis; para não termos que ouvir disparates de pes- soas desnaturadas. Wilson Vieira Vendedor – Curitiba, PR BENEFICENTE A antiga Sociedade Operária Beneficente Primavera, outrora freqüentada por pessoas de bem, que gastavam suas energias em bailes e saraus sadios nos anos 60,70 e 80, transformou-se num covil de gangues rivais que, depois de consumirem seus "tubões", saem pelas ruas causando grande vandalis- mo e colocando os moradores do bairro em risco. Quando termina a "festa", dividem-se em dois grupos; um desce pela Rua João Gasparini, e outro pela Rua Professor Ignácio Alves de Souza Filho. No encontro das duas ruas, promovem atos de terrorismo. Brigam armados de pedras e pedaços de ripas; no penúltimo final de semana surgiu arma de fogo disparada a esmo. Não para cima, mas para todos os lados. Era só o que faltava Curitiba agora ter vítimas de "balas perdi- das". Quando a Polícia Militar chega (quando atende) já se desfez o quebra-pau. Será que o bairro do Pilarzinho verá a polícia acompa- nhando essa juventude transviada na saída da Sociedade Primavera evitando que algo pior aconteça? Alcione Prá Sociólogo – Curitiba, PR IPTU Ressalto minha indignação com informações enganosas que o valor do IPTU em Curitiba, este ano, teve um aumento só de 5%. Teve, sim, um aumento real de 17,08% no meu caso – acho que deva ser na maioria dos ca- sos de proprietários de imóveis em Curitiba. No ano passado paguei à vista, com descon- to, o valor de R$ 676,00 e este ano estou pagando, pelo mesmo imóvel, o valor à vista de R$ 815,23. Portanto qualquer leigo vai ver que na realidade é bem diferente. Valdir Graf Curitiba, PR LITORAL A tão esperada férias em família no litoral chegou. Como em anos anteriores, encon- tramos os velhos problemas: excesso de lixo, amontoado nas calçadas, falta de iluminação pública e – este ano em maior número do que em outras temporadas – a maioria de lugares impróprios para banho. Os conhecidos dissa- bores são causados pelo homem. Não há des- culpa para isso. Mas o que fazem as adminis- trações municipais para bem atender os turis- tas? Fora a simpatia dos nativos, fica difícil pen- sar em voltar no ano que vem. Ludmilla A. Roncatto Advogada – Ponta Grossa, PR BANDEIRA NACIONAL É muito bonito ver nossos atletas levando ao pódio e agitando com patriotismo a Bandeira Nacional e cobrindo-se com ela, numa de- monstração de que naquele momento repre- sentam toda uma Nação forte, digna, hones- ta, trabalhadora e merecedora de respeito e admiração por todas as outras. Porém, foi com um misto de espanto e indignação que defrontei-me ontem (5/1) com a matéria des- ta Gazeta a respeito da "evidência do verde- amarelo" neste verão. Nela, apareciam fotos de modelos vestindo biquínis nas cores nacionais. Até aí, nada de mais. Só que tam- bém havia duas fotos mostrando o uso da Bandeira Nacional como canga e também como toalha de praia, evidenciando desre- speito e ignorância à Lei 5.700/1971 que dis- põe sobre seu uso e apresentação, bem como dos demais Símbolos Nacionais (o Hino Na- cional, as Armas Nacionais e o Selo Nacional). Acredito que, no afã de demonstrar naciona- lismo e amor à Pátria, não se pode banalizar e vulgarizar os seus símbolos, mas sim enal- tecê-los e respeitá-los, o que, além de em nos- sos lares, era ensinado nas antigas aulas de Educação Moral e Cívica. Luiz Henrique da Cunha Telles Professor – Curitiba, PR PIRAQUARA Prestemos aten- ção a esta aco- lhedora cidade do "interior-capi- tal". Equivocada- mente tem sido símbolo de forma negativa; de hos- pitais-terminais, presídios, rebe- liões, pobreza, favelão, esconderijo de "gente perigosa". O nome vem de "Toca dos Peixes"; peixe, água... símbolos de vida e natureza divina. É local, sim, de constantes pescarias (e paz e reflexão), de meio ambiente preser- vado, de plantas e animais, sob as bênçãos de brasileiros autênticos, de irmãos-índios. Tem também hospitais e presídios; porque abraça tudo e a todos, pois não há ninguém descartável. Favelas? É feita de gente e casas simples, mas que sempre tem um cafezinho amigo, como qualquer mansão, pois são lares, são seus "castelos". Tem novas soluções e propostas – públicas e privadas – surgindo aos poucos, da união local de esforços; de valorização da criança e do idoso, alavancados pelos jovens e adultos, por todos, enfim. Piraquara tem coral, tem poesia, tem rua principal; tem ar de cidade do interior (que privilégio), pertinho da nos- sa Curitiba. Piraquara é feita de brasileiros, de paranaenses, de todas as gentes. Gente "sempre alerta para servir, fazendo o melhor possível". Roberto Karam Curitiba, PR AS CORRESPONDÊNCIAS devem ser encaminhadas com identificação, endereço e profissão do remetente para a Coluna do Leitor – Gazeta do Povo, Praça Carlos Gomes, 4, CEP 80010-140 – Curitiba, PR. Fax (041) 3321-5472. E-mail [email protected]. Em razão de espaço ou compreensão, os textos podem ser resumidos ou editados. O jornal se reserva o direito de publicar ou não as colaborações. 08-04-11 Cor capital 7/1/06 13:12 Page 1

Agência O Globo Novos cânticos - UFPR

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P A R A N Á Domingo, 8 de janeiro de 20064 GAZETA DO POVO

CENA 1 - A família OliveiraFerraz não é daqui. A mãe –Elza, 43 anos, e os filhos Wílson,15, José Aílton, 19, e Luciana,26, vieram de São Paulo e, entreidas e vindas indecisas, fizeramde Curitiba sua cidade satélite.A placa da rua onde moram – aSperandio Domingos Foggiato,homenagem ao fotojornalistaque trabalhou dos anos 30 a 50,entre outros veículos, para aGazeta do Povo – indica queaquele bairro é o Prado Velho,mas ficou conhecido como Viladas Torres, ou Vila Pinto. Os fi-lhos de Elza são catadores depapel e abandonaram a escolano início do curso ginasial.

CENA 2 - José Marcos Novak,arquiteto, e Adriano Moro, de-signer, ambos com 39 anos, háalguns meses decidiram se reu-nir para trabalhar na criação deutilitários – abajures, lustres eobjetos do gênero. Fundaram aAlea, uma empresa para comer-cializar os futuros produtos. Vãoprecisar. As peças que fazemnão são comuns. Além daqueletoque de originalidade própriodos designers, a dupla trabalhacom resíduos, ou seja, vidros decompota, frascos de Yakult,embalagem de Gatorade ou cai-xinhas de remédio – fartamenteencontrados no lixo.

CENA 3 - O jornalista aposenta-do do Tribunal de Justiça,Arnoldo Anater, 67 anos, natu-ral de Concórdia (SC), dedicouparte de sua carreira ao serviçopúblico, com cujos rendimentoscriou dois filhos. Mas, na moci-dade, teve seus dias de repórter,com um bloquinho na mão e umaidéia na cabeça. Nos anos 60,início dos 70, trabalhou no míti-co Diário do Paraná, jornal dosDiários Associados, de AssisChateubriand, o Chatô. Gostavade escrever matérias de rua – elembra de ter feito algumas emfavelas, como as do Parolin e doPrado Velho, nas imediações deonde está hoje a Vila das Torres.“Quando chovia, o rio transbor-dava e a gente vinha para cá”,conta.

TODOS JUNTOS - Dias atrás, areportagem da Gazeta do Povoprovocou um encontro entre osOliveira Ferraz, Arnoldo, Novake Moro. O grupo não se conhe-cia, embora bem poderia estaragora tomando um sorvete desaquinho ou um capilé na ruaprincipal do bairro que despertaum misto de medo e curiosidadenos curitibanos. Esses compa-nheiros acidentais têm muito emcomum. Quando sai para asruas, de segunda a sábado, aolado de dois irmãos, Lucianaencontra no lixo os detritos queJosé Marcos e Adriano tantoprecisam para realizar suaspeças utilitárias. E Arnoldo, hánada menos do que 30 anos, ti-nha curiosidade de entrar naVila das Torres, já que nos seustempos de repórter cobria aque-la área. Acompanhar o projetode design e encontrar as portasda casa de Elza abertas encur-taram a viagem adiada por tan-tas décadas.

Vizinho distanteNão é a primeira vez que José

Marcos Novak tenta se aproxi-mar da Vila das Torres. Arriscapensar nisso todo santo dia, jáque leciona no curso de Ar-quitetura da PUCPR – institui-ção que é vizinha da área. Nãobastasse, Novak é um pensadorpouco ortodoxo da cidade. Ficaprestes a armar um motim sealguém propor ações urbanascosméticas – dessas que trans-formam preservação do patri-mônio e melhorias em sinônimoplastificação e padronização.Não esperem que ele diga que aVila Pinto é feia. Melhor pergun-tar o que ela revela sobre a ci-dade e boa viagem. Para ele, a

vila diz respeito a Curitiba, emuito. Tanto que, há dois anos,chegou a montar um ateliê nobairro, como agregado da ONGGirassol, atualmente desativada.

Atire a primeira pedra quemjá pensou em montar uma espé-cie de escritório em local tãoinusitado. Não por menos, quan-do se uniu com Moro para fazerdesign com resíduos, Novak nãopestanejou antes de procurar oscarrinheiros da Vila das Torres.Ao descer a ladeira que leva atéa casa de Elza, Luciana, Wílsone José Aílton, o arquiteto e odesigner deram asas às melhoresintenções. Eles propõem parce-rias num espaço em que, reza alenda, existem – entre pequenos,médios e grandes – 500 depósi-tos de papel velho e congêneres.Muitas desses espaços sãopequenas usinas domésticas,instaladas perto da porta dascozinhas, dos quartos e de ondea criançada joga bola.

Com sorte, uma parte bas-tante pequena do que sobra nasruas todos os dias e espera ahora de ser vendido vai se trans-formar em abajures ou coisa quevalha nas mãos dos designers.“Saber que uma caixa de remé-dio pode se tornar uma peça aju-da a dar sentido ao trabalho doscarrinheiros. Mas não gostariaque isso fosse visto como um pro-jeto social. É uma troca. A gentequer dar uma linguagem nova aprodutos com que o pessoal davila tem contato todo dia”, co-menta José Marcos Novak.

Os preços de garrafinhas oucaixinhas intatas – única con-dição para serem reaproveitadasna produção de utilitários – éanimador. Podem chegar a 30centavos a unidade na cotaçãoda dupla. Para a reciclagempadrão, são necessários cercatrês quilos de papel até chegar aesse valor. Sem contar as varia-

ções de preço que volta e meiasacodem o mercado dos carrin-hos. Em baixa estação, o quilobeira infames três centavos.

Carrinho ao ventoO empurrão que Novak &

Moro precisavam para circularpelo bairro veio de ErondinaGlaci de Oliveira, 50, diretora

do Departamento Social doClube de Mães da Vila dasTorres e 35 anos de comu-nidade. Como ela é vizinha dosOliveira Ferraz, achou que eleseram os companheiros de tra-balho que os rapazes estavampedindo a Deus. Acertou. Lu-ciana é uma prova disso. Ajovem tem um longo históricoprofissional. Trabalhou comobalconista, vendedora de mó-veis, faxineira, babá e – porcoincidência – artesã, em Embudas Artes, conhecido reduto deartífices em São Paulo. A casaem que mora – um misto deresidência com depósito e con-domínio, já que a família sublo-ca parte do terreno – tem obje-tos de artesanato espalhadosaqui e ali, em especial bonecasde pano e ímãs de geladeira.

A proposta de Novak inter-essa a Luciana – que gostariade voltar à produção de objetosdecorativos, seu ganha-pão emoutros tempos, e oferecer umavida mais estável à filha de 7anos, Kathlenn Albano. Só nãocontinuou nesse ou noutro ofí-cio por causa das vantagens davida carrinheira: ganhos maiscompensadores e a liberdadede não ter patrão e horáriorígido.

A ambulante Luciana e seusirmãos saem de casa por voltadas 16h30. Seguem uma rotaespartana pelas bandas doBatel, Shopping Curitiba, Ave-nida Iguaçu e já criaram laçoscom donas de casa, porteiros de

prédio e lojistas. Volta e meia –em pleno batente – ela ouve: “Oque uma morena tão bonitaestá fazendo catando papel?”.“É impressionante como agente leva cantada”, diverte-se.Quando o trio retorna para aVila das Torres já passa dameia-noite. Mal abre o portão edá-lhe separar o material, dan-do fim no lixo orgânico que aca-ba se misturando ao papel.Ratos e baratas são atraídosquando a faxina da madrugadanão acontece com rigor dequartel-general.

O peso do carrinho – quepode chegar a 250 quilos –, oshorários malucos e a difícil con-vivência com o estoque dentrode casa – mesmo assim – lhesparece um bom negócio. OsOliveira Ferraz querem mantera firma que lhes rende R$ 400mensais. Praticamente o alu-guel da casa onde moram. Asobra no orçamento vem doinquilino dos fundos – quepaga aluguel na faixa dos R$150 a Elza e seus três filhos –mais agregados: netos e nora.Com folga, em 2006, vai darpara tirar alguns trocos sepa-rando o material que José Mar-cos e Adriano precisam paralevar seu projeto adiante. E,quem sabe, fazer da casinha daVila das Torres uma mini-sucur-sal de Embu das Artes. Arnoldosacou o bloquinho e registrouessa história. Como nos velhostempos.

❧ JOSÉ CARLOS FERNANDES

TÃO LONGE, TÃO PERTO ❚ GAZETA REÚNE GENTE QUE NUNCA HAVIA SE VISTO, MAS TEM MUITA COISA EM COMUM

Encontro inusitado no meio da vila

Arnoldo Anater e a família Oliveira Ferraz: depois de 30 anos, visita à Vila das Torres.

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Os designers explicam projeto para Luciana e Elza: Torres com grife.

OPINIÃO

O contraste e a esperançaEm frente, uma moderna via, a Avenida das Torres. Nos fundos,um belo conjunto arquitetônico – a Pontifícia Universidade Católicado Paraná. No meio, num estreito espaço, a Vila das Torres, ondevivem sete mil pessoas. É gente que veio de todas as partes e detantas atividades: da roça, das indústrias e do comércio. Muitasmulheres são diaristas, babás, empregadas domésticas. Comoessa população vive, quase todos imaginam. Algumas ruas inter-nas têm anti-pó. Mas muitas casas são ranchos nas quais os ocu-pantes estão à mercê de ratos, baratas, moscas, cachorros e out-ros insetos e animais que têm seu hábitat no lixo que é catado nasruas de Curitiba.

A Vila das Torres é o centro dos carrinheiros. Para lá converge olixo reciclável recolhido de grande parte da cidade. Os carrinhos sãodeixados na rua cobertos com lona preta. A sensação que se tem éa de estar em um cenário de bangue-bangue. Corridas de cavalossão disputadas nas ruas sem nenhum cuidado ou segurança. Mashá posto de saúde e um clube de mães.

A convite do jornal Gazeta do Povo acompanhei uma equipereportagem até a vila e fui apresentado ao projeto que o arquitetoJosé Marcos Novak e do designer Adriano Moro estão desenvol-vendo. Do contraste do que vi ficou em mim a esperança de que avila se torne um grande centro de fornecimento de matéria-primapara a produção de utilitários. Sem falar nas lembranças que aexperiência trouxe do tempo em que eu fazia reportagem.

❧ ARNOLDO ANATER É JORNALISTA.

A REPORTAGEM

POR OCASIÃO da entrada doano-novo, a Gazeta do Povo con-vidou um leitor para participarde uma reportagem. A propostateve dupla intenção – além deinteratividade com o público ojornal quis provocar o desloca-mento dentro da cidade, isto é,fazer com que um morador deuma área transitasse em outraregião – de preferência umaregião à qual não iria natural-mente ou que tivesse muitodesejo de conhecer.ALÉM DE ULTRAPASSARdivisas que se formam na capital– marcadas pelas distâncias,pelo trânsito difícil, pelas dife-renças sociais, pelo medo ou jápela imposição – o pequeno pro-jeto também nasceu com aintenção de apresentar pessoasque rompem as “determinantesurbanas” com propostas criati-vas e inovadoras, e não necessa-riamente movido pelo volunta-riado. FOI ASSIM que se chegou àárea escolhida, a Vila dasTorres, à família de Elza deOliveira – que vive de catarpapel; ao arquiteto José MarcosNovak e ao designer AdrianoMoro, que trabalham com obje-tos recolhidos do lixo; e ao leitorArnoldo Anater, que mora noJuvevê e nunca tinha ido à Viladas Torres, embora vontade nãolhe faltasse.

UM PONTO NO MAPAA família OliveiraFerraz mora na RuaEsperandioDomingos Foggiato,área de alto trânsitode carrinheiros naVila das Torres. Boaparte das casasfunciona comopequeno depósito dematerial a serreciclado. Os lotesde matéria-primasão gigantescos. Olocal também servede pista para corridade cavalos.

PUC-PR

Cietep

PRADO VELHO

REBOUÇAS

JARDIM BOTÂNICO

Av. Comendador Franco (Av. das Torres)

R. Esperandio

Domingos Foggiato

Infografia: Adriana e Matias/GP

Rio B

elém

R. Guabirotuba

Arnoldo, 67

Adriano,39

José Marcos, 39

Luciana, 26

Elza, 43

José Aílton, 19

O P I N I Ã ODomingo, 8 de janeiro de 2006 GAZETA DO POVO 11

RIO DE JANEIRO – Há quem considere dra-mática a falta de assunto na mídia, em geral.Evidente que há fatos e situações que mere-cem noticiário, comentário e até mesmo polê-mica, como a lambança do PT e do governo,que ocupa a mídia há mais de seis meses e,embora arrefecendo a cada dia, ainda darácaldo por outros tantos, pelo menos, até acampanha eleitoral engrossar.

Desastres pessoais ou coletivos, crimes derepercussão também se desdobram, às vezesaté à exaustão. Dirão: a mídia não tem cul-pa, a realidade é assim mesmo, chata, equando não é chata, é dramática. Que fazer?

Daí que muito me admira a facúndia com

que, de tempos em tempos, se descobre umassunto que não é crime, tragédia, corrup-ção, doença de algum figuraço, polêmicasobre isso ou aquilo. Assuntos neutros, quenão fedem nem cheiram, mas revelam anecessidade de manter "a sociedade informa-da".

Uma dessas informações à sociedade querolou, semana passada, foi a nova faixa pre-sidencial, que terá não sei quantos fios deouro e ornamentará o peito dos futuros pre-sidentes da República.

Não tenho opinião formada sobre os ador-nos do poder. O Papa anda vergado ao pesode tantos paramentos e brocados. Reis e rai-

nhas também. O imperador dom Pedro II erachamado de "papo de tucano" porque tinhaum adorno em volta do pescoço feito com opapo de aves representativas de nossa fau-na, inclusive o tucano.

Há gosto pra tudo. Quanto ao preço danova faixa presidencial, reclamam que eladaria para comprar 5 mil e tantas cestasbásicas. Considero este tipo de economia umexagero demagógico. A faixa de ouro poderáser vendida, um dia, valorizada talvez, parapagar nossa dívida externa, socorrer os desa-brigados de um tsunami na Ásia ou ajudar acomprar o passe de Ronaldinho Gaúcho devolta ao Brasil.

Folhapress

CARLOS HEITOR CONY

Faixa de ouro

No Cântico dos Cânticosde Salomão o pescoçoda amada é comparadoà torre de marfim de Da-vi, seus olhos aos vivei-ros de Hesbom junto àporta de Bete-Arabim,seu nariz à torre do Lí-bano que olha para Da-masco, sua cabeça aomonte Carmelo. A ama-da é formosa como Tir-zá, aprazível como Jeru-salém e como as tendasde Quedar. As faces doamado são como can-teiros de bálsamo e colinas de ervas aromáticas. Os amantes recor-rem a animais, cereais, flores e frutas para cantarem seus encantos:os seios da amada são como os filhos gêmeos da gazela, seu ventrecomo um monte de trigo cercado de lírios, seus cabelos como o reba-nho de cabras que pastam em Gileade, suas delícias como as de umpomar de romãs, e o cheiro da sua respiração como o das maçãs...

Como seria uma recuperação moderna destas referências à pai-sagem, à arquitetura, aos bichos e aos sabores e cheiros do cotidi-ano, na poesia, sem o risco de mal-entendido? Um Cântico dosCânticos atualizado?

O teu pescoço, amada minha, é como aquele hotel em Dubai quesobe, contorcendo-se, para olhar o mar e o deserto de um restau-rante cinco estrelas no topo. Os teus seios são como as caixasgêmeas de um sistema de som turbinado que faz vibrar o firma-mento com o seu woofer e sub-woofer. Como a curva da marquisedo Maracanã pegando o sol poente é a curva do seu quadril, ó ama-da minha, irmã minha. Teus cabelos são como uma plantação trans-gênica ondulando ao vento, teu hálito tem o cheiro de um cheese-salada com fritas e uma coca, teu nariz é como o último arranha-céu de Pequim...

– Epa!– Desculpe.Seria difícil. Como comparar, por exemplo, as delícias da amada

ao sabor de um kiwi, a única fruta pós-bíblica que me ocorre? É difí-cil imaginar fruta menos erótica do que o kiwi. Nos cantares deSalomão as delícias evocadas são da uva, da maçã e do romã. Nadasobre o figo, que bate todas em lubricidade. Ou, melhor ainda, amelancia, a única fruta em que você pode meter a cara, a única fru-ta cujo consumo – dependendo de onde você estiver e dos ruídos quefizer – pode ser interpretado como um atentado ao pudor.

"Como uma melancia rubicunda é a minha amada, e eu a devorosobre um canteiro de mirra e incenso, e o seu sumo desce pelas mi-nhas faces como as águas que correm do Libano?"

Melhor deixar os Cânticos como estão. Perfeitos.

Agência O Globo

LUÍS FERNANDO VERISSIMO

Novos cânticos

COLUNA DO LEITOR

TAPA-BURACOSOs problemas no governo do presidente Lulaparece que não acabam. Agora são os buracosnas rodovias. E desta vez não adianta dizer queeles são obras das elites conspiradoras, poisnão foram feitos com picaretas na calada danoite, e sim obra de má gestão na manutençãoe conservação das estradas e pontes. Agora,anunciam em caráter de emergência que vãogastar 400 milhões de reais numa operação"tapa-buracos", sem licitação pública. Como oscritérios da escolha das empreiteiras sãoobscuros e como um buraco nunca é igual aooutro, os preços das obras também podem serbem diferentes. E tudo isso vai acontecer jus-tamente num ano eleitoral onde os caixas dospartidos ficam ávidos por "doações" de cam-panha. Depois ainda querem que a sociedadedê um refresco nas críticas.

Rubens SantosEmpresário – Curitiba, PR

RESPONSABILIDADE SOCIAL

No dia 5/1/06, umsenhor, aparentandosentir fortes doresnas pernas, deitou-sena calçada em frenteao prédio no qual eutrabalho. Ao prestar-lhe assistência, informou-me ser funcionário de uma empresa no Alto daXV. Imediatamente, liguei para a referidaempresa e relatei o caso para a atendente que,verificando o nome e as características da pes-soa, constatou que ele não era funcionário daempresa. Grande foi minha surpresa ao ouvir:"Mandaremos um carro para socorrê-lo mesmoassim, afinal é um ser humano". Em menos dequatro minutos o carro já estava no local, comduas prestativas funcionárias, numa explícitademonstração de responsabilidade social e pre-ocupação com o próximo.

Edson Medeiros de CamargoServidor público federal– Curitiba, PR

COMPAIXÃOO ato de cooperar com a mendicidade é um atode humanidade e humildade. Em nosso país,quantos pais saem pela manhã a procurar tra-balho e voltam dias, meses e até por ano a fiopara sua família sem o serviço. Poucas pessoasnunca sentiram o estômago doendo de fome.Privilégio de poucos nascer em berço esplêndi-do. Soberbos, julgam com infâmia o pedinte. Omunicípio solicita que não se incentive a men-dicância; mas, almas boas!, por compaixãocooperam com os mutilados por natureza edesempregados. Que o Criador olhe por nós ena próxima encarnação nasçamos saudáveis;para não termos que ouvir disparates de pes-soas desnaturadas.

Wilson VieiraVendedor – Curitiba, PR

BENEFICENTEA antiga Sociedade Operária BeneficentePrimavera, outrora freqüentada por pessoasde bem, que gastavam suas energias embailes e saraus sadios nos anos 60,70 e 80,transformou-se num covil de gangues rivaisque, depois de consumirem seus "tubões",saem pelas ruas causando grande vandalis-mo e colocando os moradores do bairro emrisco. Quando termina a "festa", dividem-seem dois grupos; um desce pela Rua JoãoGasparini, e outro pela Rua Professor IgnácioAlves de Souza Filho. No encontro das duasruas, promovem atos de terrorismo. Brigamarmados de pedras e pedaços de ripas; nopenúltimo final de semana surgiu arma defogo disparada a esmo. Não para cima, maspara todos os lados. Era só o que faltavaCuritiba agora ter vítimas de "balas perdi-das". Quando a Polícia Militar chega (quandoatende) já se desfez o quebra-pau. Será que obairro do Pilarzinho verá a polícia acompa-nhando essa juventude transviada na saídada Sociedade Primavera evitando que algopior aconteça?

Alcione Prá Sociólogo – Curitiba, PR

IPTURessalto minha indignação com informaçõesenganosas que o valor do IPTU em Curitiba,este ano, teve um aumento só de 5%. Teve,sim, um aumento real de 17,08% no meucaso – acho que deva ser na maioria dos ca-sos de proprietários de imóveis em Curitiba.No ano passado paguei à vista, com descon-to, o valor de R$ 676,00 e este ano estoupagando, pelo mesmo imóvel, o valor à vistade R$ 815,23. Portanto qualquer leigo vai verque na realidade é bem diferente.

Valdir GrafCuritiba, PR

LITORALA tão esperada férias em família no litoralchegou. Como em anos anteriores, encon-tramos os velhos problemas: excesso de lixo,amontoado nas calçadas, falta de iluminaçãopública e – este ano em maior número do queem outras temporadas – a maioria de lugaresimpróprios para banho. Os conhecidos dissa-bores são causados pelo homem. Não há des-culpa para isso. Mas o que fazem as adminis-trações municipais para bem atender os turis-tas? Fora a simpatia dos nativos, fica difícil pen-sar em voltar no ano que vem.

Ludmilla A. Roncatto Advogada – Ponta Grossa, PR

BANDEIRA NACIONALÉ muito bonito ver nossos atletas levando aopódio e agitando com patriotismo a Bandeira

Nacional e cobrindo-se com ela, numa de-monstração de que naquele momento repre-sentam toda uma Nação forte, digna, hones-ta, trabalhadora e merecedora de respeito eadmiração por todas as outras. Porém, foicom um misto de espanto e indignação quedefrontei-me ontem (5/1) com a matéria des-ta Gazeta a respeito da "evidência do verde-amarelo" neste verão. Nela, apareciam fotosde modelos vestindo biquínis nas coresnacionais. Até aí, nada de mais. Só que tam-bém havia duas fotos mostrando o uso daBandeira Nacional como canga e tambémcomo toalha de praia, evidenciando desre-speito e ignorância à Lei 5.700/1971 que dis-põe sobre seu uso e apresentação, bem comodos demais Símbolos Nacionais (o Hino Na-cional, as Armas Nacionais e o Selo Nacional).Acredito que, no afã de demonstrar naciona-lismo e amor à Pátria, não se pode banalizare vulgarizar os seus símbolos, mas sim enal-tecê-los e respeitá-los, o que, além de em nos-sos lares, era ensinado nas antigas aulas deEducação Moral e Cívica.

Luiz Henrique da Cunha Telles Professor – Curitiba, PR

PIRAQUARAPrestemos aten-ção a esta aco-lhedora cidadedo "interior-capi-tal". Equivocada-mente tem sidosímbolo de formanegativa; de hos-pitais-terminais,presídios, rebe-liões, pobreza, favelão, esconderijo de "genteperigosa". O nome vem de "Toca dos Peixes";peixe, água... símbolos de vida e naturezadivina. É local, sim, de constantes pescarias(e paz e reflexão), de meio ambiente preser-vado, de plantas e animais, sob as bênçãosde brasileiros autênticos, de irmãos-índios.Tem também hospitais e presídios; porqueabraça tudo e a todos, pois não há ninguémdescartável. Favelas? É feita de gente ecasas simples, mas que sempre tem umcafezinho amigo, como qualquer mansão,pois são lares, são seus "castelos". Tem novassoluções e propostas – públicas e privadas –surgindo aos poucos, da união local deesforços; de valorização da criança e doidoso, alavancados pelos jovens e adultos,por todos, enfim. Piraquara tem coral, tempoesia, tem rua principal; tem ar de cidadedo interior (que privilégio), pertinho da nos-sa Curitiba. Piraquara é feita de brasileiros,de paranaenses, de todas as gentes. Gente"sempre alerta para servir, fazendo o melhorpossível".

Roberto KaramCuritiba, PR

➜ AASS CCOORRRREESSPPOONNDDÊÊNNCCIIAASS devem ser encaminhadas com identificação, endereço e profissão do remetente para a Coluna do Leitor – Gazeta do Povo, PraçaCarlos Gomes, 4, CEP 80010-140 – Curitiba, PR. Fax (041) 3321-5472. E-mail [email protected]. Em razão de espaço ou compreensão, os textospodem ser resumidos ou editados. O jornal se reserva o direito de publicar ou não as colaborações.

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