2
Agricultura Familiar e Empreendedorismo: O exemplo de uma família em Calçado Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Ano 7 • nº 1075 Maio/2013 Calçado Numa região onde o costume é plantar feijão e milho, agricultores veem novas oportunidades com a produção de outras culturas Para alguns agricultores, a palavra empreendedorismo ainda é nova, mas, na prática, muitos sabem o que significa. Trata-se da capacidade para perceber oportunidades e investir nelas. Entretanto, engana-se quem pensa que é só no mundo dos negócios que o empreendedorismo está presente. Na zona rural, muitos agricultores já são considerados empreendedores, como é o caso do senhor Antônio Ferreira dos Santos, 75, morador da comunidade Marrecas, no município de Calçado (PE). Nascido em Jurema, mudou-se ainda criança para a zona rural de Calçado. Filho de agricultores, aprendeu com os pais a atividade de cuidar da terra. A necessidade de ajudar a família no trabalho do campo e as dificuldades da época fizeram com que seu Antônio interrompesse os estudos ainda menino. É casado com dona Edite Pereira de Melo, 66, com quem tem sete filhos. No passado, seu Antônio chegou a trabalhar na iniciativa privada por seis anos, mas é com o trabalho no campo que se considera realizado. “Eu adoro ser agricultor. Não tenho inveja do emprego de ninguém. Acredito que uma pessoa que tem uma casa e possui um hectare de terra fértil, é uma pessoa rica de verdade”, afirmou. Os filhos casaram e também são agricultores. Hoje, o casal mora numa área de 11 hectares. Naquela região, o costume é plantar feijão e milho, mas seu Antônio foi mais longe, viu que poderia fazer a diferença e ter sucesso investindo em outras culturas. Além de plantar o tradicional, começou a cultivar goiaba e laranja. Ele conta que tomou essa decisão observando o campo, pois percebeu que a terra é fértil e poderia dar muito mais. “O feijão chega de uma vez, mas eu gosto de ter sempre o que colher e tratando direito da produção, toda semana se pode ter o dinheiro da carne. Então, resolvi plantar goiabas e laranjas, que é possível colher o ano todo”, concluiu. Mas quem ouve seu Antônio falar das realizações que alcança através do campo, entende o motivo pelo qual toda essa alegria deu espaço para a preocupação no período de estiagem prolongada. No campo, a água é considerada um bem precioso, pois é através dela que vem a so- Seu Antônio ao lado da esposa, dona Edite Pereira

Agricultura familiar e empreendedorismo: o exemplo de uma família em Calçado

Embed Size (px)

DESCRIPTION

 

Citation preview

Agricultura Familiar e Empreendedorismo: O exemplo de uma família em Calçado

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Ano 7 • nº 1075

Maio/2013

Calçado

Numa região onde o costume é plantar feijão e milho, agricultores veem novas oportunidades com a produção de outras culturas

Para a lguns agr icu l to res , a pa lav ra empreendedorismo ainda é nova, mas, na prática, muitos sabem o que significa. Trata-se da capacidade para perceber oportunidades e investir nelas. Entretanto, engana-se quem pensa que é só no mundo dos negócios que o empreendedorismo está presente. Na zona rural, muitos agricultores já são considerados empreendedores, como é o caso do senhor Antônio Ferreira dos Santos, 75, morador da comunidade Marrecas, no município de Calçado (PE). Nascido em Jurema, mudou-se ainda criança para a zona rural de Calçado. Filho de agricultores, aprendeu com os pais a atividade de cuidar da terra. A necessidade de ajudar a família no trabalho do campo e as dificuldades da época fizeram com que seu Antônio interrompesse os estudos ainda menino. É casado com dona Edite Pereira de Melo, 66, com quem tem sete filhos.

No passado, seu Antônio chegou a trabalhar na iniciativa privada por seis anos, mas é com o trabalho no campo que se considera realizado. “Eu adoro ser agricultor. Não tenho inveja do emprego de ninguém. Acredito que uma pessoa que tem uma casa e possui um hectare de terra fértil, é uma pessoa rica de verdade”, afirmou.

Os filhos casaram e também são agricultores. Hoje, o casal mora numa área de 11 hectares. Naquela região, o costume é plantar feijão e milho, mas seu Antônio foi mais longe, viu que poderia fazer a diferença e ter sucesso investindo em outras culturas. Além de plantar o tradicional, começou a cultivar goiaba e laranja. Ele conta que tomou essa decisão observando o campo, pois percebeu que a terra é fértil e poderia dar muito mais. “O feijão chega de uma vez, mas eu gosto de ter sempre o que colher e tratando direito da produção, toda semana se pode ter o dinheiro da carne. Então, resolvi plantar goiabas e laranjas, que é possível colher o ano todo”, concluiu.

Mas quem ouve seu Antônio falar das realizações que alcança através do campo, entende o motivo pelo qual toda essa alegria deu espaço para a preocupação no período de estiagem prolongada. No campo, a água é considerada um bem precioso, pois é através dela que vem a so-

Seu Antônio ao lado da esposa, dona Edite Pereira

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Articulação Semiárido Brasileiro – Pernambuco

Realização Apoio

brevivência dos agricultores. “Eu me sinto muito triste quando o tempo está estiado. Quando está seco, mas tem comida para o gado, apesar da dificuldade, ainda é razoável, mas esse ano foi difícil”, lembrou.

Além de contar com culturas diferenciadas dos demais agricultores da região, outro ponto importante é que seu Antônio trabalha com produções limpas, ou seja, sem o uso de agrotóxicos. A decisão foi tomada depois de ter passado por quatro intoxicações provocadas pelos venenos. Hoje, para se defender das pragas que atacam a lavoura, faz uso de receitas caseiras e defensivos naturais produzidos por ele mesmo.

A vida simples do campo definitivamente conquista o casal. Apesar da zona urbana ser a causa da saída de muitos agricultores do campo, seu Antônio é firme na decisão de permanecer na roça. Quando perguntado se tem vontade de sair do sítio, a resposta é pontual e não deixa margens para dúvidas. No entanto, antes que seu Antônio respondesse, dona Edite interrompe a fala do marido com um “Ave-Maria”, mostrando o descontentamento ao imaginar a possibilidade de deixar o lugar pela cidade. É nesse momento que ele declara o amor e admiração que tem pelo campo. “Não, nós nunca tivemos vontade de sair daqui. A gente gosta é do sítio. Aqui é uma beleza, não tem barulho, é sossegado. Tem muita gente que, depois de algum tempo na zona rural, vai morar na cidade, mas não se dá bem lá, não”, alertou.

Descrevendo as qualidades da zona rural, seu Antônio conta o segredo para viver bem. Segundo ele, a razão é não parar. “A cidade é boa para quem tem condição financeira, mas muita gente que mora lá não tem qualidade de vida. Nosso estilo aqui é outro: de manhã, a gente tira o leite da vaca, depois pega a enxada e vai trabalhar. Quando chegamos às seis horas da noite, nós vamos dormir. É bom demais, não tem melhor!”, enfatizou.

Seu Antônio e dona Edite são exemplos de pessoas que sabem o valor do campo. Plantam, mas também cuidam, são conscientes da responsabilidade que têm nas mãos. Caminhando pela propriedade, seu Antônio aponta para as terras e confidencia que gosta de andar por todos os cantos, mas é quando chega no sítio onde mora e trabalha que se sente realmente feliz.

Vista da plantação de laranjas e goiabas