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VIII ENCONTRO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ECONOMIA ECOLÓGICA 5 a 7 de agosto de 2009 Cuiabá - Mato Grosso - Brasil AGROECOLOGIA E ECONOMIA ECOLÓGICA: RAÍZES COMUNS, FRUTOS DISTINTOS Lúcio André de Oliveira Fernandes (Universidade Católica de Pelotas) - [email protected]

Agroecologia e Economia Ecológica: raízes comuns, frutos distintos

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Page 1: Agroecologia e Economia Ecológica: raízes comuns, frutos distintos

VIII ENCONTRO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ECONOMIA ECOLÓGICA5 a 7 de agosto de 2009Cuiabá - Mato Grosso - Brasil

AGROECOLOGIA E ECONOMIA ECOLÓGICA: RAÍZES COMUNS, FRUTOS DISTINTOS

Lúcio André de Oliveira Fernandes (Universidade Católica de Pelotas) - [email protected]

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Agroecologia e Economia Ecológica: raízes comuns, frutos distintos.

Resumo

Este artigo busca apresentar a perspectiva da Agroecologia, desenvolvida no Brasil. Esta proposta tem com objetivo resgatar um papel central aos camponeses no manejo do processo produtivo, buscando garantir cidadania e viabilidade econômica. Está relacionada a uma perspectiva teórica de desenvolvimento rural baseado em uma agricultura camponesa autônoma e organizada cooperativamente, sendo tecnicamente superior, numa perspectiva verdadeiramente "Chayanoviana". A agroecologia como a aplicação de conceitos ao desenho e manejo de agroecossistemas sustentáveis proporcionou as bases cientificas e tecnológicas para esta tentativa. Usa uma metodologia que inclui a perspectiva sistêmica, co-evolução e processo decisório “de baixo para cima” que muito a aproxima da economia ecológica. Definições amplamente aceitas de agricultura sustentável concordam que ela tem de incluir três dimensões: ambiental, relacionada a idéia de sustentabilidade como cuidado com o meio, social, onde a equidade é a propriedade chave dos ecossistemas considerados, e viabilidade econômica, que a nível micro geralmente significa viabilidade econômica das unidades produtivas, mas também em consonância com a idéia de que o estoque de capital natural não deve ser degradado, concordando com a noção de sustentabilidade forte da economia ecológica. A agroecologia, todavia, apresenta-se como sendo a agricultura sustentável dos empobrecidos, elemento que pode ser responsável pela sua força política e que pode estar ausente na proposta política da economia ecológica.

Palavras-Chave: Agricultura sustentável, agroecologia, agricultores familiares, Brasil.

Abstract This paper aims at introducing the ‘Agroecology’ approach, developed in Brazil. This

proposal aims at rescuing a central role for peasant farmers in the management of the production process trying to ensure a sense of citizenship and making the peasants economically viable. It is related to a theoretical vision of rural development by peasant agriculture organized cooperatively and independently, being technically superior in a truly Chayanovian perspective. Agroecology as the application of ecological concepts to the design and management of sustainable agroecosystems has provided a scientific and technological basis for such attempts. It uses a methodology that comprises bottom up, participatory and systemic approaches, and a co-evolutionary perspective, quite similar to the principles of ecological economics. Widely accepted definitions of sustainable agriculture agree that it has to encompass three dimensions: environmental, related to the idea of ‘sustainability as stewardship’; Social where equity is the key property of agroecosytems considered, and economic viability, which, in its micro level, generally means farm economic viability, but also accepts that natural capital stock should not be depleted, agreeing with the ecological economics notion of strong sustainability. However, agrocology claims to be the sustainable agriculture of the impoverished, a point that strengths its proposal and which may be lacking in the political proposal of ecological economics.

Key Words. Sustainable agriculture , agroecology, peasants, Brazil.

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Introdução

Este artigo tem por objetivo discutir as relações entre a agroecologia a economia ecológica.

Estas duas correntes tem se definido como ciências da sustentabilidade, a primeira no campo

da agricultura e a segunda na economia.

Para atender seu objetivo este artigo começa por uma discussão sobre sustentabilidade e

agricultura para logo introduzir a perspectiva da agroecologia como a agricultura sustentável

dos grupos empobrecidos. Aborda sucintamente os problemas ambientais relacionados com a

agricultura e o desenvolvimento de alternativas sustentáveis e sua relação com a agricultura

familiar no Brasil. O artigo busca apresentar a simbiose das opções tecnológicas e sociais no

amalgama da agroecologia e a importância desta interação para a consolidação da

agroecologia como uma opção viável para o desenvolvimento rural sustentável. Elemento

servir a economia ecológica na elaboração de uma proposta politicamente viável para a

construção de um sistema econômico sustentável.

Sustentabilidade

Existem muitos conceitos de sustentabilidade. Há quase duas décadas Winpenny (1991) já

identificava a existência de pelo menos sessenta definições distintas. Ainda hoje a discussão

sobre o conceito e se a sustentabilidade pode ser atingida permanece em aberto. De um lado

existem os que acreditam que o desenvolvimento sustentável é perfeitamente exeqüível, e

suas expectativas estão alicerçadas na possibilidade de alterar as condições atuais

(consideradas insustentáveis), usando novas tecnologias e processos, que serão desenvolvidas

a medida que a necessidade estimule a criatividade humana (PEARCE E WARFORD, 1993).

Mas há outra perspectiva onde acredita-se que para que a sustentabilidade seja alcançada é

preciso primeiro desenvolver um modo completamente novo de pensar a respeito do mundo,

impondo limites e transformações ao sistema sócio-econômico atual (ECKERSLEY, 1992;

DOUTHWAITE, 1999). Dentro deste quadro Acselrad (1996) identificou cinco temas dentro

do discurso da sustentabilidade:

• Eficiência: Central a esta corrente de pensamento está a busca pela eficiência no

uso dos recursos do planeta. A lógica é utilitarista. O espaço institucional é o

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mercado. Este grupo inclui os “otimistas tecnológicos” e também os defensores

do mercado como regulador das questões ambientais. A racionalidade do mercado

levaria a alocação ótima dos recursos planetários.

• Escala. Esta corrente vê o sistema econômico como um subsistema da biosfera

(ecosfera) e a sustentabilidade dependeria da adoção de limites quantitativos ao

crescimento deste subsistema. Neo-Malthusianos, pessimistas tecnológicos e

economistas ecológicos seriam incluídos neste grupo. Estes acreditam que além da

eficiência há a necessidade de limitar uma escala (tamanho) ótima para a

economia, adequada a capacidade de suporte do planeta.

• Equidade. A lógica desta corrente encontra-se nas relações entre a justiça social e a

ecologia. Os pobres são as principais vítimas dos problemas ambientais. A lógica

de mercado destruiria as bases reprodutivas da natureza, bem como daqueles

grupos que depende diretamente dela para sua subsistência. Sustentabilidade só

seria alcançada colocando o mercado sobre controle.

• Auto-suficiência. Esta perspectiva defende a proposta de aumentar a suficiência e

autonomia das comunidades a nível local. Estas comunidades são vistas como

modelos de sustentabilidade por suas relações tradicionais com o meio ambiente.

Esta corrente de pensamento inclui a oposição ao mercado livre e a globalização.

• Ética. A corrente do pensamento ético elabora considerações sobre as atitudes

humanas de acordo com um juízo de valores. Reconhece que as atitudes dos

grupos humanos, e o próprio julgamento destas ações, são realizados sob

condições sociais e de poder político e econômico muito desiguais. As decisões

relativas aos meios, devem estar subordinadas aos objetivos sociais desejáveis.

Estas perspectivas diferentes em relação a sustentabilidade também tem implicações relativas

a discussão da sustentabilidade na agricultura. As definições e caminhos desta tem sido causa

de grande controvérsia. Isto torna ainda mais relevante explorar como a agricultura pode

contribuir para o objetivo maior da sustentabilidade do planeta. Esta contribuição pode ser

abordada a partir da análise das principais dimensões da sustentabilidade. As diferentes

perspectivas quanto à sustentabilidade na agricultura, como quanto a sustentabilidade em

geral, concordam que esta tem caráter multidimensional e que pelo menos três dimensões,

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econômica, social e ambiental devem ser consideradas (MÜLLER, 1997). Outros preferem

acrescentar ainda outras dimensões como a institucional (ASHLEY E CARNEY, 1999), ou a

cultural, política e ética (CAPORAL E COSTABEBER, 2002). Todavia o debate principal

não está no número de dimensões, mas em o que considerar como sustentável em cada

dimensão e nas trocas e compensações (trade-offs) entre dimensões.

1. Ecológica, ambiental ou biofísica. Está relacionada a perspectiva da

“sustentabilidade como proteção”, significando o controle dos recursos

ambientais, evitando danos, mas também com a percepção de “sustentabilidade

como suficiência” ou seja, produção de alimentos e fibras suficientes para

satisfazer as necessidades da população humana (LOWRANCE et al., 1986). Esta

talvez seja a dimensão onde a agricultura sustentável tenha mais claro seus

objetivos e caminhos. O objetivo é manter ou elevar as propriedades

ecossistêmicas de produtividade, resiliência e estabilidade. Propõe encorajar a

produção que atenda as necessidades da população humana, preservando os

ecossistemas. Pode ser relacionada com a perspectiva da economia ecológica de

um crescimento da produção limitado pela segunda lei da termodinâmica. Esta

pode ser assim expressa:

em um sistema isolado a matéria e energia disponíveis são continua e irrevogavelmente degradadas para um estado inacessível. O equilíbrio termodinâmico é alcançado quando toda a matéria e energia tornam-se inacessíveis (GEORGESCU-ROEGEN, 1977, p. 267).

Entropia seria definida como um índice de inacessibilidade da matéria-energia

(GEORGESCU-ROEGEN, 1977) e é maior quando um sistema se aproxima do equilíbrio

dinâmico (LOVELOCK, 1988). Modelos de agricultura sustentável estariam mais próximos

da vegetação clímax do que os da agricultura convencional, portanto também mais próximos

do equilíbrio e necessitando usar menos energia de baixa entropia para atingi-lo. Isto

permitiria a agricultura sustentável um balanço energético positivo na produção de biomassa

(GLIESSMAN, 1990). Em contraste a agricultura convencional estaria mais distante do

equilíbrio, sendo necessário um maior uso de energia (de baixa entropia) na forma de insumos

como fertilizantes químicos e pesticidas, normalmente não sustentáveis (GLIESSMAN,

1990).

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2. Social. A equidade é a propriedade chave do ecossistema considerada nesta dimensão.

Ênfase é dada na promoção do acesso e controle locais sobre os recursos, aumentando a

autonomia e respeitando a diversidade cultural das comunidades rurais (LOWRANCE et al.,

1986, ALTIERY, 1990, GLIESSMAN, 1997). Novamente, relacionado a perspectiva da

economia ecológica, questões distributivas são colocadas conjuntamente com as questões

produtivas ao contrário no arcabouço teórico da economia neoclássica, onde a distribuição

não se encontra colocada. Evitando uma juízos de valor, a economia neoclássica assume que

os fatores de produção (trabalho, capital e recursos naturais) serão remunerados de acordo

com suas contribuições (marginais) ao produto (PINDYCK e RUBINFELD, 1995). Todavia,

a distribuição concomitante a produção é uma característica real em qualquer processo

produtivo. Por exemplo, ninguém irá produzir sem saber, ou estimar, qual o retorno deste

esforço (MARTINEZ-ALIER, 2002). Então, planejar a distribuição precede a produção. Os

conflitos sobre a distribuição dos recursos, e do resultado da produção, entre os grupos

humanos, considerando também questões de raça, gênero, idade, são de interesse desta

dimensão da sustentabilidade na agricultura, bem como as relações entre os hemisférios norte

e sul do planeta.

3. Econômica: A perspectiva da agricultura sustentável inclui a noção de viabilidade

econômica. Na sua perspectiva micro, isto significa viabilidade econômica da unidade

produtiva, ou simplesmente a habilidade de permanecer produzindo (LOWRANCE et al.,

1986). Neste nível não há disputas, considerando estritamente aspectos financeiros. Mas

contestáveis são as inter-relações entre esta viabilidade e a necessidade de preservar a base

ecológica para a produção. Circunstâncias nacionais e internacionais, políticas e

macroeconômicas, geralmente determinam as tendências para os sistemas agrícolas e, por

conseqüência, o uso de recursos naturais e seus impactos ambientais (LOWRANCE et al.,

1986). Este é um espaço de disputa na perspectiva da teoria econômica. O pensamento

neoclássico tem incorporado a questão ambiental tratando a degradação ambiental como uma

externalidade que necessita ser incorporada ao custo de produção. Assim, os preços de

mercado vão refletir os custos sociais (PEARCE e TURNER, 1990). Como isso o mecanismo

de mercado levaria ao uso mais eficiente dos recursos naturais (WINPENNY,1990). Uma

noção de sustentabilidade fraca esta associada a este contexto. Isto implica na possibilidade da

substituição do capital natural (o meio ambiente) por capital manufaturado para obtenção de

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utilidade (bem estar), embora com a ressalva de formas de capital natural críticas serem

preservadas integralmente (PEARCE e BARBIER, 2000)

A perspectiva da Economia Ecológica advoga que o caminho para a sustentabilidade

passa pela substituição do crescimento econômico por uma melhoria qualitativa na

composição e estrutura dos estoques e fluxos (CONSTANZA e DALY, 1992). Nesta

"Economia de Estado Estacionário" as mudanças qualitativas também contam com inovações

tecnológicas e institucionais, mas a tecnologia continua limitada pela segunda lei da

termodinâmica (DALY, 1995). O crescimento deve ser substituído pela melhora qualitativa e

para obtenção desta os mecanismos de mercados não são suficientes, devendo haver acordos

sobre mecanismos de controle nacionais e internacionais (CONSTANZA e DALY, 1992;

DALY, 1995).

Associada a esta perspectiva está a noção de "sustentabilidade forte" que entende que o

capital natural e o capital manufaturado são essencialmente complementares e advoga a

necessidade, portanto, de preservar o capital natural integralmente (DALY,1995). As

perspectivas da agricultura sustentável concordam com esta noção de sustentabilidade forte,

embora operacionalizá-la gere resultados muito diferentes (OZKAYNAK et al., 2002). A

consideração destas três dimensões é utilizada em muitas análises quanto a sustentabilidade

na agricultura e quanto ao desenvolvimento rural sustentável (SEGNESTAM et al., 2000;

VAN DER WEF e PETIT, 2002)

Agricultura Sustentável

Na definição mais simples e operacional da agricultura sustentável, recorreríamos a noção de

agroecossistema. Um agroecossistema sustentável seria o mais próximo possível do

ecossistema natural, provendo ainda uma colheita sustentada (GLIESSMAN, 1997). Mesmo

esta compreensão aparentemente mínima da agricultura sustentável, não está livre de falhas e

contradições (ELLIS, 2000). Mas ainda mais, a definição de agricultura sustentável, não pode

estar restrita a idéia de um agroecossistema sustentável, exceto se o agroecossistema seja

entendido como toda a sociedade (CONWAY, 1987; CONVAY e BARBIER, 1990). Para ser

sustentável a agricultura deve ser também altamente produtiva, para atender a demanda de

alimentos e fibras da sociedade (LOWRANCE et al., 1986; CONWAY e BARBIER, 1990;

GLIESSMAN, 1997). Em resumo, uma agricultura sustentável deveria contribuir para

construir uma agricultura e um desenvolvimento rural ecologicamente correto,

economicamente viável e socialmente justo (ALTIERY, 1987; GLIESSMAN, 1997).

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O desenvolvimento desta perspectiva da agricultura sustentável pode ser relacionada a

diferente propostas. Abe Goldman (1995) sugere o uso de três veios conceituais, originários

do pensamento ecológico, econômico e sociológico.

O primeiro, de inspiração principalmente ecológica, é associado com a idéia de uma

capacidade de colheita sustentável para a agricultura, conjugada com a preservação dos

ecossistemas e recursos agrícolas, especialmente solos, mas também água, diversidade

genética, energia. Isto implica no uso de uma noção de capacidade de suporte, o que significa

não exceder o potencial dos solos, e demais recursos, em sustentar certa quantidade de

população ou demanda desta (GOLDMAN, 1995).

O segundo, ligado a perspectiva econômica está preocupado em atender as demandas

econômicas, mas observando restrições quanto a depredação dos recursos (GOLDMAN,

1995).

O terceiro, de uma perspectiva mais sociológica, procura sustentar as comunidades e os

valores destas. Busca equidade e qualidade de vida, mas questões institucionais aparecem

com importantes para a sustentabilidade. Goldman (1995) também salienta as tentativas da

economia política, de abarcar os temas ambientais. As questões de conflitos entre nações

desenvolvidas e em desenvolvimento são levantadas por eles.

Para ajudar a entender estas perspectivas, faz-se necessário também clarificar as bases,

científicas ou tecnológicas, da agricultura sustentável, e os processos sociais ligados a estas.

A idéia da agricultura sustentável organiza-se em torno do uso de recursos humanos e

biofísicos disponíveis, para atingir colheitas que satisfaçam as necessidades humanas. Para

tanto, busca incrementar o uso de recursos internos (ao agroecossistema) e/ou minimizar o

uso de recursos externos (PRETTY, 1996). Apesar deste consenso mínimo, existem muitas

visões e perspectivas conflitantes quanto a agricultura sustentável (BURTON et al., 1997),

mas estas perspectivas podem ser agrupadas como uma combinação de tentativas de se opor a

o que é considerado um insustentável caminho percorrido pela agricultura convencional ou

moderna.

Esta insustentabilidade está relacionada aos conceitos e práticas associadas a chamada

“revolução verde”. Esta desenvolveu o uso de variedades de alta produtividade, mas para

atingir estas produtividades as variedades tem uma elevada dependência do uso de insumos

externos, como fertilizantes sintéticos, pesticidas, sementes híbridas e mecanização pesada

(REIJNTJES et al., 1992). Mesmo aqueles que defendem que a “revolução verde” trouxe

avanços consideráveis na produção de alimentos, concordam com seus impactos negativos.

Estes incluem: os benefícios normalmente foram obtidos pelos agricultores com maiores

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recursos, a monocultura substituiu em larga escala os policultivos ou cultivos mistos, grande

variabilidade na produção, aumento em pragas e doenças plantas invasoras das culturas

agravado pelo uso dos pesticidas, diminuição dos retornos econômicos (CONWAY e

BARBIER, 1990).

Segundo Gliessman (1997) os principais problemas deste tipo de agricultura podem ser assim

agrupados: Degradação do Solo, as terras cultivadas vem sofrendo grandes danos com erosão

hídrica e eólica; Desperdício da Água. A agricultura é responsável por dois terços do uso

global da água, mas cerca de metade deste volume é desperdiçado; Poluição Direta.

Agricultura é individualmente quem mais contribui para a poluição ambiental global pelo uso

de agroquímicos; Dependência de Insumos Externos. As elevadas colheitas obtidas são

dependentes do uso de insumos externos as propriedades, regiões e países. Muitos destes

originários de recursos não renováveis; Perda de Diversidade Genética A opção por

variedades de alta produtividade ocasionou o deslocamento e a extinção de muitas variedades

tradicionais em todo o mundo. Perda de Controle dos Agricultores sobre a Produção Agrícola.

Deve-se a razões como decréscimo na parcela dos agricultores do preço pago pelos

consumidores e produção orientada para a exportação. Desigualdade Global. O padrão da

agricultura dependente de insumos externos, baseada em tecnologias do “primeiro mundo” e

mais adequadas para propriedades extensas, contribui para aumentar e manter a desigualdade.

Os problemas citados levantaram preocupações entre agricultores, consumidores, cientistas,

governos e público em geral quanto aos impactos e efeitos dos métodos da agricultura

moderna ou convencional. Isto levou a uma série de tentativas de transformar o padrão da

agricultura. Conforme Shepherd (1998) as diferentes tentativas de promover uma alternativa

sustentável para agricultura tem em comum os seguintes princípios e características:

.

• A rejeição da agricultura industrial e a busca de métodos com baixo uso de

insumos externos que possam ser produtivos e economicamente viáveis, bem

como ambientalmente corretos.

• O foco no solo, na reciclagem de nutrientes e energia através do sistema de

produção.

• Valorização do conhecimento local, significando dar prioridade a visão dos

agricultores no desenvolvimento de tecnologias.

• Uma perspectiva mais ampla em relação a conservação de solo e água que inclui

recursos como biodiversidade e vida silvestre integradas no sistema produtivo.

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Todavia, a capacidade destas propostas em sustentar a agricultura também tem sido

questionada, especialmente quando enfrentando stress ou choques (ex. secas), que são

considerados por alguns como as causas principais da insustentabilidade de alguns sistemas

agrícolas, mais do que as mais amplamente aceitas noções de tendências de

insustentabilidade, como erosão de solos, no uso dos recursos (GOLDMAN, 1995) Apesar

destes questionamentos, é aceitável considerar que um sistema agrícola sustentável busca:

Ter o mínimo de efeitos negativos no ambiente; não emitir substâncias tóxicas ou danosas na atmosfera, águas superficiais ou subterrâneas; preserve ou reconstrua a fertilidade do solo; evite erosão; mantenha a saúde do solo; use a água de tal forma que permita aos aqüíferos se reabastecerem; que as necessidades de água das pessoas e do ambiente sejam satisfeitas; dependa principalmente nos recursos do agroecossistema, incluindo comunidades próximas, por substituir o uso de insumos externos por ciclagem de nutrientes, melhor conservação e um conhecimento ecológico expandido; trabalhe por valorizar e conservar a diversidade biológica em paisagens silvestres e manejadas; garanta acesso a práticas agrícolas, conhecimento e tecnologias apropriados, e permita o controle local sobre os recursos agrícolas (GLIESSMAN, 1997, P. 13)

Buscando meios de atingir os objetivos gerais expressos acima, um grupo de diferentes

alternativas vem sendo desenvolvidas. Elas tem em comum muitas semelhanças, mas também

diferenças que permitem diversidade. Algumas delas são apresentadas a seguir. Segundo

Reijntjes et al., (1992), as principais divisões da agricultura alternativa seriam:

• Agricultura Biodinâmica. Um sistema holístico de agricultura desenvolvido por

Rudolph Steiner que busca conectar a natureza com as “forças criativas do

cosmos”. Uma tentativa de criar um “organismo agrícola integral” em harmonia

com seu habitat. Compostos e preparados especiais são utilizados (ex. Sprays

derivados de plantas). Fertilizantes sintéticos e pesticidas não são utilizados.

• Eco agricultura. Práticas agrícolas que melhora ou, pelo menos, não causam dano

ao ambiente, minimizando o uso de insumos químicos, embora não

completamente, como na agricultura orgânica.

• Agricultura Natural. Um sistema de agricultura desenvolvido por Masanobu

Fukuoka, que busca seguir a natureza minimizando a intervenção humana. Sem

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cultivos mecânicos, fertilizantes sintéticos ou preparados ou composto, sem capina

por herbicidas ou meios mecânicos, sem dependência de insumos químicos.

• Agricultura Orgânica. Um sistema de agricultura que encoraja solos saudáveis

através de práticas como ciclagem de nutrientes pelo uso de matéria orgânica

(como compostos e resíduos de culturas), rotações de culturas, e evita o uso de

sintéticos químicos.

• Permacultura. Um design de um sistema integrado e permanente ou auto-perpétuo

de espécies de culturas, árvores e animais.

Além destes podemos destacar no casso brasileiro a agroecologia, que tem uma perspectiva

mais intensa de inter-relação com as questões sociais, pois busca estudar os sistemas agrícolas

não apenas pela perspectiva dos sistemas ecológicos, mas incluindo as relações sócio-

econômicas e também olhando como sistemas indígenas se adaptaram as condições

ecológicas locais (ALTIERI, 1987)

Agroecologia e Sutentabilidade

Existem milhões de famílias no meio rural do Brasil lutando para sobreviver em um difícil

cenário sócio-econômico. A medida que estas famílias voltam-se para o meio-ambiente em

busca de alternativas para sua sobrevivência, também o fazem as organizações que as apóiam.

Neste esforço muitos adotam a opção pela agroecologia. Esta, em uma perspectiva mais

restrita, ou operacional, pode ser definida como:

A aplicação de princípios e conceitos ecológicos no desenho e manejo de agroecossistemas sustentáveis... (agroecossistemas sustentáveis são)...numa perspectiva mais geral uma versão de colheitas sustentáveis – a condição de perpetuamente colher biomassa de um sistema devido a capacidade do sistema de renovar-se ou ser renovado não ter sido comprometida (GLIESSMAN, 1997, p. 13).

Fisicamente, um agroecossistema pode ser limitado a qualquer unidade de interesse, como

uma região, um grupo de propriedades, uma propriedade, ou parte de uma. Os limites

espaciais são arbitrários. Por exemplo, arriscando exagerar na extensão da definição, Conway

(1987) e Conway e Barbier (1990) apresentam uma definição de uma hierarquia de

agroecossistemas. Esta vai desde um único espécime de planta ou animal e seu ambiente de

entorno até a nação, o sistema econômico e o mundo. Este pode ser um uso extremo, ainda

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que adequado, da definição, mas que destaca a interação entre sistemas ecológicos, sistemas

produtivos, e sistemas mais complexos, na hierarquia proposta.

Como as fronteiras de um agroecossitema são arbitrárias, é possível para melhor esclarecer as

relações entre os sistemas em hierarquia, aplicar o conceito de agroecossistemas de forma

mais restritiva, e manejável, a uma unidade de análise como uma propriedade rural ou uma

área da propriedade ou um grupo de propriedades, deixando claro as relações dentro do

sistema e entre os diferentes níveis dos sistemas.

Um agroecossitema é um campo, uma pastagem, um pomar e alguma porção de limites associados como quebra-ventos, cercas vivas e canais... . Agroecossistemas interagem com paisagens mais amplas, que tem limites indefinidos. Os limites das paisagens dependem do processo sendo considerado (HESS et al., 2000, p. 729).

O agroecossistema é uma unidade de análise e conceitualmente pode ser definido em termos

de um ecossistema que se relaciona com questões externas aos seus limites e com outros

sistemas naturais e sócio-econômicos. Um ecossistema, por sua vez, pode ser definido como:

Um sistema funcional de relações complementares entre organismos vivos e seu ambiente, com limites escolhidos arbitrariamente, e que no tempo e no espaço mantém um equilíbrio estável mas dinâmico (GLIESSMAN, 1997, p. 17)

Então pode ser uma planta ou animal único e o ambiente em seu entorno, ou um campo, ou

uma propriedade agrícola, ou uma região. Os limites irão depender dos objetivos que traçam

as fronteiras do estudo. A questão principal é que o conceito de agroecossitema não o limita

ao biofísico e suas interrelações, mas inclui os elementos sócio-econômicos e culturais.

Conway (1987) explica que para os ecossistemas naturais não existem metas definidas e suas

propriedades, que são resultado da evolução, seriam produtividade, estabilidade e resiliência.

Ainda de acordo com Conway (1987), para os agroecossistemas existe uma meta claramente

definida que é o incremento do valor social. Este pode ser definido de acordo com a economia

do bem estar como:

Uma função da quantidade de produtos e serviços produzidos pelo agroecossistema, sua relação com as necessidades humanas (ou felicidade) e sua alocação dentre a população humana (CONWAY, 1987, p. 100)

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Para avaliar a performance de um agroecossitema em relação a estas metas Conway

(1987) propõe quatro critérios:

• Produtividade. Quantidade de produto por unidade de insumo ou fator de produção;

• Estabilidade. Constância da produtividade quando enfrenta forças causadoras de

pequenos distúrbios;

• Sustentabilidade, Constância da produtividade quando enfrenta choques ou estresses

(grandes distúrbios);

• Equidade, capacidade de igualitariamente a produção entre os beneficiários humanos.

Conway (1987), no mesmo ano em que o relatório Brudtland foi promulgado, utiliza

sustentabilidade como um dos atributos dos agroecossistemas para alcançar incremento do

valor social. Já Altiere (1987) mantém a resiliência como o atributo de recuperar-se frente a

choques ou estresses em busca da sustentabilidade. Este foi o enfoque que tornou-se

hegemônico na literatura sendo o valor social substituído pela sustentabilidade como objetivo

do agroecosistema, e as propriedades analisadas sendo ampliadas, modificadas ou adaptadas

em diferentes estudos. Fernández (1995) acrescenta autonomia, Masera et al., (1999)

sugerem produtividade, resiliência, confiabilidade, equidade, estabilidade, adaptabilidade e

autonomia. Müller (1997) inclui eficiência, produtividade, resiliência, e biodiversidade entre

os critérios de seus indicadores de sustentabilidade de agroecossistemas.

Todavia, permanece a questão do que se quer sustentar. Como já foi exposto não há um

definição singular de sustentabilidade, embora possamos destacar as perspectivas da

sustentabilidade fraca e forte, sendo que com a última a agroecologia tem uma proximidade

pois sua orientação teórica e metodológica inclui:

a) Perspectiva sistêmica. Sistemas agrícolas são complexos e necessitam de um

entendimento das interações internas e entre sistemas. Isto inclui, por exemplo, os fluxos de

energia e nutrientes no sistema biofísico, mas também os fluxos entre estes e o sistemas sócio-

econômicos que incluem matéria e informação (SEVILLA-GUSMAN e WOODGATE,

1997). Estas interações vão dos microorganismos dos solos até elementos macroeconômicos

(GIAMPRETO e PASTORE, 2001)

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B) Uma visão coevolucionária. Este aporte direto da economia ecológica argumenta que

o meio ambiente (no caso na agricultura) tem mudado conjuntamente e continuam interagindo

com os sistemas sociais.

Os ecossistemas agrícolas de hoje tem características de solo, dinâmica de populações de vegetações espontâneas e relações inseto-planta que refletem a sua coevolução com o sistema social. Do mesmo modo, as instituições agrícolas de hoje refletem a vulnerabilidade dos solos afetados pela erosão eólica e hídrica, a adaptação das populações de insetos ao controle químico, a suscetibilidade das monoculturas a variações no clima, e a necessidade de manter a diversidade genética ao longo do tempo (NORGAARD, 1994, p.44)

Co-evolução é um processo de “feedback” positivo entre agricultores e o meio ambiente, e

transferência de funções ambientais, como manutenção e retroalimentação, dos ecossistemas

aos sistemas sociais, que por sua vez, influenciam o uso e percepções dos objetos físicos pela

sociedade (WOODGATE e REDCLIFT, 1998). Esta dinâmica sócio-ambiental ocorre de

forma continuada e interligada num mundo em mudança constante (NORGAARD, 1994)

Ao longo do tempo, co-evolução entre sociedade e natureza resultou não apenas em relações socioambientais de complexidade crescente, mas também em organizações sociais mais sofisticadas ... o que talvez possa ser resumido pela aceitação da sustentabilidade como um objetivo da política .. significando manter as ligações entre indivíduos e instituições que condicionam os ambientes natural, econômico e político. São estes ambientes que propiciam o suporte para as ações sociais que influenciam o desenvolvimento das escolhas sociais e das políticas ambientais e suas limitações (WOODGATE e REDCLIFT, 1998, p. 13)

Afirmações que corroboram com a perspectiva de que sustentabilidade pode ser

alcançada, não pela manutenção de constância ao longo do tempo, mas pela manutenção da

necessária margem de manobra para adaptação a mudanças contínuas (GAUTHIER e

WOODGATE, 2001).

C) A terceira orientação teórica e metodológica que pode ser destacada é diz respeito a

participação. Uma orientação “de baixo para cima” (bottom-up) que não apenas considera,

mas prioriza as contribuições daqueles a quem a agroecologia busca mais servir, populações

camponesas e indígenas. Seus conhecimentos, expertise, aspirações e manejo dos sistemas

naturais são os pontos de partida da pesquisa e do desenvolvimento de tecnologias (ALTIERI,

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1987; ALTIERI, 1990) da mesma forma que o ecossistema deve ser a base para os sistemas

agroecológicos (GLIESSMAN, 1997). A heterogeneidade deste local biológico e social

necessita ser identificada e reforçada por políticas que são participativas no seu processo

(SEVILLA-GUSMAN, 2001).

Agroecologia e agricultura familiar.

A opção pela agroecologia como caminho para agricultura sustentável traz consigo uma

opção explicita por reforçar sistemas agrícolas de agricultura camponesa ou familiar1. Nesta

opção explicita-se o compromisso social com os pobres do campo, mas também que os

sistemas tradicionais e indígenas foram adaptados próximos dos sistemas ecológicos

originais, uma característica que os manteve com base das práticas agrícolas ao redor do

mundo, provendo um forte componente da sustentabilidade (GLIESSMAN, 1997). Em

relação a dimensão social camponeses ou agricultores familiares são vistos como uma forma

mais eqüitativa de produção dentro do capitalismo2.

As características da produção camponesa ou familiar que atraem os agroecologistas foram

sintetizadas por Fernández (1995): Eles são relativamente auto-suficientes, trabalham em uma

lógica de reprodução da força de trabalho, e não em uma lógica de lucro, a produção é obtida

com base no uso de trabalho familiar e energia biológica (humana e animal), utilizam áreas

relativamente pequenas de forma bastante diversificada.

Os camponeses estão impelidos a produzir na agricultura de forma não especializada, o que implica numa heterogeneidade especial e numa diversidade biológica que buscam atender, a cada período, a satisfação das necessidades da unidade familiar (FERNANDÉZ, 1995, p. 125).

A proposta agroecológica, até certo ponto de forma acrítica, tende a exaltar e privilegiar

formas de agricultura indígenas e camponesas (ALMEIDA, 2003). O que, no caso brasileiro,

reforça a identidade camponesa da pequena produção familiar. Os agricultores familiares

brasileiros são considerados o “lócus” ideal para uma agricultura sustentável, pois trabalham

1 A literatura original refere-se aos camponeses (peasants). Neste texto utilizamos o conceito mais político que analítico de agricultores familiares em virtude de sua representação no Brasil, aceitando-se todavia a necessidade de diferenciação entre estes dois conceitos, que pela peculiaridade do caso brasileiro, aqui serão utilizados como sinônimos. 2 Para uma discussão sobre camponeses como modo de produção ver de Janvry 1981, Chayanov 1986, e Ellis 1993.

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em pequena escala e de forma diversificada, e ao mesmo tempo integram produção agrícola e

pecuária (CARMO, 1995).

A adoção da agroeocologia por grupos e movimentos populares tem por objetivo não somente

a sustentabilidade ambiental, mas uma opção de desenvolvimento rural baseada na agricultura

familiar ou camponesa como forma de promover a justiça social. Esta seria uma rota oposta a

tomada pela modernização conservadora e mais recentemente pela opção neoliberal, e deve

ser sustentada sobre elementos de resistência cultural, e também tecnológica, endógenos e

específicos as comunidades de agricultores (SEVILLA-GUZMÁN, 2001).

Esta concepção tem suas raízes numa perspectiva “Chayanoviana” de camponeses

organizados cooperativamente como uma classe independente (BERNSTEIN e BYRES,

2001) que os faz uma opção social e econômica viável para o desenvolvimento rural.

Certamente esta é uma simplificação das alternativas tecnológicas e processo sociais presentes

no movimento da agricultura sustentável no Brasil. As opções tecnológicas podem até serem

identificadas com correntes desenvolvidas internacionalmente como agricultura orgânica,

biodinâmica e natural, mas seus processos são também particulares ao caso brasileiro, como

demonstra a adoção da agroecologia e o desenvolvimento de redes, como a Ecovida. A opção

brasileira pela agroecologia buscou ser enraizada nas questões sociais, em oposição a opções

mais centradas na produção de alimentos biologicamente “limpos”, sem o uso de compostos

sintéticos (FERNANDÉZ, 1995)

Os princípios acima expostos são partilhados por muitos dos entusiastas da agroecologia no

Brasil. Os seminários internacionais de agroecologia, promovidos por ONGs, organismos

estatais e universidades, tem evidenciado esta perspectiva através das Cartas Agroecológicas

elaboradas ao final de cada evento. Também nas diversas experiências agroecológicas, hoje já

mais sistematizadas, no Brasil, este amalgama entre a questão social no campo e alternativas

ecologicamente corretas e economicamente viáveis para a agricultura, encontra-se em suas

origens (ALMEIDA, 1998). A agricultura de base ecológica, que tem como base científica a

agroecologia (CAPORAL E COSTABEBER, 2002), foi desenvolvida, e tornou-se a

alternativa mais visível a agricultura moderna no Brasil, a partir da demanda de grupos

empobrecidos por uma agricultura mais justa, onde se incluíram as questões ambientais

(ALMEIDA, 1998). Embora alguns possam ainda atribuir que estas questões ambientais são

uma preocupação apenas para grupos mais abastados ou nações afluentes, como se poderia

depreender da famosa curva de Kuznets ambiental (VEIGA, 2005), estas questões estão muito

presentes na luta pela vida de grupos pobres e, por isso, muito comumente mesclada ao

ativismo dos movimentos sociais (MARTINEZ-ALIER, 2002).

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Este pode ser o diferencial que o movimento agroecológico dispõe para firma-se como opção

de desenvolvimento rural sustentável. Talvez deva isso a radical rejeição aos processos

produtivos da revolução verde e também a uma sólida proposta tecnológica construída nas

últimas décadas. Todavia, não é possível negar que sua opção social igualmente radical, por

uma agricultura familiar ou camponesa, parece-lhe conferir a condição de protagonista de um

modelo de desenvolvimento rural sustentável que atende as dimensões ambiental, econômica

e social. Não obstante não ter se tornado hegemônica, a agroecologia ocupa espaço nas

políticas públicas, nos espaços acadêmicos, nos debates tecnológicos e, mais especialmente,

na construção social elaborada por milhares de agricultores, suas organizações e grupos de

apoio e assessoria, de um novo modelo de agricultura.

Este argumento pode trazer uma diferença importante para a compreensão dos resultados

alcançados pela agorecologia e, talvez, sugerir algumas reflexões à economia ecológica.

Há muitas semelhanças entre estas duas correntes, que se promulgam como ciências do

manejo da sustentabilidade em seus campos. Todavia a agroecologia ao partir da construção

de uma crítica ao modelo de agrícola implantado, enraizando-se numa forte perspectiva

social, parece ter sido capaz de apresentar-se como a alternativa viável ao modelo que critica.

Já a Economia Ecológica, ou economia da sobrevivência com descreve Muller (2008), pode

ter formulado críticas e um modelo alternativo consistente (DALY e FARLEY, 2005;

MULLER, 2008) e até desenvolvido alternativas concretas e formulado políticas adequadas

(CONSTANZA et al., 1996) mas, a despeito de seus esforços teóricos e metodológicos,

parece carecer de uma alternativa para vencer a “impossibilidade política” (DALY, 2005)

para a aceitação de seus pressupostos básicos, em especial a rejeição ao crescimento

econômico.

Talvez, se válida uma análise comparativa ao desenvolvimento da agroecologia, careça a

economia ecológica, ainda, de uma integração com o movimento social mais amplo, talvez

mesmo com o ecologista, para ser capaz de constitui-ser em uma alternativa, politicamente

viável, ao modelo econômico centrado no crescimento. Mas este é um tema para uma nova

investigação.

Considerações Finais

O objetivo inicial deste artigo era traçar um paralelo entre a agrecologia e a economia

ecológica. Alguns elementos comuns foram identificados e a sinergia entre as duas correntes

pode ser constatada. Todavia, a constatação final a que chega o texto é de que como elemento

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responsável pela viabilidade política da agroecologia, pode estar ausente na economia

ecológica. Para a agroecologia parece ter sido sua construção a partir de demandas sociais, e a

evolução da proposta juntamente com um movimento social agroecologista, se assim puder

ser chamado, que permitiu a visibilidade e a viabilidade política de um modelo alternativo a

agricultura moderna ou convencional.

O apelo que a agroecologia vem tendo, parece não se reprisar para a Economia Ecológica, o

que leva a indagar se as causas desta lacuna estariam numa ausência de relação, ou limitada

aproximação, com o movimento social mais amplo. A economia ecológica tem se esforçado

para, e obtido razoável sucesso em, construir uma alternativa ao modelo econômico

insustentável. Todavia, parece ainda não ter sido capaz de apresentar-se como um modelo de

desenvolvimento sustentável, para aqueles que necessitam de um modelo de desenvolvimento

alternativo e que, na ausência deste, seguem apostando nas velhas fórmulas.

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