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& especial D A irectório de atrimónio empresas e profissionais de rqueologia P CENTRO DE ARQUEOLOGIA DE ALMADA ARQUEOLOGIA | PATRIMÓNIO | HISTÓRIA LOCAL IIª Série | n.º 13 Julho 2005 12 euros ISSN 0871-066X especial Um Cometa na Pré-História Portuguesa Detectores de Metais e Arqueologia Os Azulejos da Quinta da Trindade D A irectório de atrimónio empresas e profissionais de rqueologia P adenda electrónica N.º 13 | Julho 2005

Al-Madan Online 13

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13 - Al-Madan Online (ISSN 2182-7265), n.º 13, apresentada publicamente a 8 de Setembro de 2005, em paralelo com edição em papel - Al-Madan (ISSN 0871-066X), IIª Série, n.º 13. Informação detalhada e resumos no sítio Web da revista.

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S U M Á R I O sal-madan online | adenda electrónica

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N.º 13 | Ju lho 2005

[http://www.almadan.publ.pt]

I Sumário

II Editorial | Jorge Raposo

Arqueologia

III Riba-Rio: um povoado calcolítico da planície do médio TejoJúlio Manuel Pereira

IV Os Pesos de Pedra Com Entalhes: possíveis vestígios pré-históricos da actividade da pesca na região de ConstânciaJúlio Manuel Pereira

V Intervenção Arqueológica no “Mercado Velho” de Palmela:primeiros resultadosAntónio Rafael Carvalho

Opinião

VI Sobre a Cristianização de um ForumAdriaan De Man

Património

VII Património e Identidade num Contexto de GlocalizaçãoMarta Anico e Elsa Peralta

VIII A Identificação do Forte Português em Quíloaou, como uma escavação arqueológica pode proporcionar resultadosopostos às conclusões do seu autorJoão Lizardo

IX Castelo de Monforte de Rio LivreJoão Mário Martins da Fonte e Ismael Basto Cardoso

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p. 5-11
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p. 13-24
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p. 25-42
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p. 43-46
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p. 47-51
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II al-madan online adenda electrónica ISSN 0871-066X | IIª Série (13) | Julho 2005C E N T R O D E A R Q U E O L O G I A D E A L M A D Aadenda

electrónica

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Nos últimos anos, desenvolveu-se em Portugal uma diversificada

área de prestação de serviços em Arqueologia, envolvendo um

número crescente de empresas e profissionais liberais que acorrem

às necessidades de pessoas individuais e colectivas, de natureza pública ou

privada.

Contudo, como seria de esperar de mecanismos de oferta e procura pouco

consolidados, esta é uma actividade ainda algo incipiente, em constante

mutação, onde não é fácil a quem dela precisa identificar e contactar as

alternativas de que dispõe, nem aos que poderão dar resposta a essas

solicitações promover as capacidades técnico-científicas que reúnem para as

satisfazer.

Se isto é particularmente visível no que respeita aos trabalhos arqueológicos

(em particular associados à prevenção ou minimização de impactos de grandes

ou pequenas obras), não deixa de ocorrer também na área do tratamento e

conservação preventiva ou curativa de bens móveis e imóveis, onde se regista

a mesma “fluidez” de mercado, nem, sequer, quando falamos de intervenções

no Património arquitectónico, embora aqui em menor grau, por se tratar,

na maioria dos casos, de empresas já estabilizadas.

Neste contexto, interessava reunir a informação dispersa por várias fontes e

proceder à sua actualização e validação junto dos próprios, de modo a produzir

uma primeira versão de um Directório de Empresas e Profissionais de

Arqueologia & Património, que constituísse uma ferramenta de trabalho útil e

eficaz.

O resultado é o que se apresenta no dossiê especial deste número (edição

em papel), que inclui perto de uma centena de empresas e profissionais e cobre

praticamente todo o tipo de intervenções de âmbito patrimonial. Naturalmente,

não estará aí representado o universo total deste tipo de prestadores de serviços

no nosso país, uma vez que alguns não terão sido inventariados na pesquisa que

esteve na base do inquérito promovido pela Al-Madan, e outros não se sentiram

motivados para lhe responder, ou não o fizeram em tempo útil. Mas é um

documento que, doravante, cremos de difícil dispensa.

Com este volume, para além da diversidade temática dos artigos,

crónicas, textos de opinião, notas de actualidade, noticiário diverso e

outras rubricas fixas a que já habituou os seus leitores, Al-Madan passa a

integrar uma Adenda Electrónica (em http://almadan.cidadevirtual.pt), onde se reúnem conteúdos que não foi possível contemplar na tradicional

edição em papel. Obedecendo aos mesmos objectivos e tratamento editorial,

garante-se assim o acesso online, em formato PDF, a informação científica ou

outra que perderia parte da sua pertinência e actualidade.

Nas páginas impressas ou pelo ciberespaço, o leitor certamente encontrará

momentos de leitura com prazer e de reflexão estimulante.

Jorge Raposo

Capa Jorge Raposo

Fase de escavação na olaria romana do Porto dos Cacos(Alcochete)

Fotografia © Centro de Arqueologia de Almada

al-madan IIª Série, n.º 13, Julho 2005

adenda electrónicaPropriedadeCentro de Arqueologia de AlmadaApartado 603 Pragal2801-602 Almada PORTUGAL

Tel. / Fax 212 766 975

E-mail [email protected]

Registo de imprensa 108998

Http://almadan.cidadevirtual.pt

ISSN 0871-066X

Depósito Legal 92457/95

Director Jorge Raposo ([email protected])

Conselho Científico Amílcar Guerra, António Nabais, Luís Raposo, Carlos Marques da Silva e Carlos Tavares da Silva

Redacção Rui Eduardo Botas, Ana Luísa Duarte, Elisabete Gonçalves e Francisco Silva

Colunistas Mário Varela Gomes, Amílcar Guerra, Víctor Mestre,Luís Raposo, António M. Silva e Carlos M. da Silva

Colaboram na edição em papel Mila Abreu, Jorge de Alarcão,Mário Almeida, M. C. André, Nathalie Antunes--Ferreira, Marta Anico, Nuno Bicho, Jean-Yves Blot, JacintaBugalhão, João L. Cardoso, António Rafael Carvalho, António SáCoixão, Miguel Correia, Luís Miguel Costa, Eugénia Cunha, A. DiasDiogo, Ana Luísa Duarte, José d’Encarnação, Alexandra Figueiredo,João Fonte, Patrícia Freire, Mário Varela Gomes, Susana GómezMartínez, Gisela Gonçalves, Jorge André Guedes, Amílcar Guerra,Natália Jorge, Vítor O. Jorge, Virgílio Lopes, A. Celso Mangucci,Carlos Alberto Mendes, Víctor Mestre, Paulo Morais, João Muralha,Leonor Pereira, João Raposo, Jorge Raposo, Luís Raposo, AnaRibeiro, Jorge Russo, Ana Luísa Santos, António Manuel Silva, CarlosMarques da Silva, Maria de Fátima Silva, A. Monge Soares, Ana M.Vale, António C. Valera, Rui Venâncio, Alexandra Vieira, RaquelVilaça e todos os que aderiram ao Directório de Empresas eProfissionais de Arqueologia & Património

Colaboram na adenda electrónica Marta Anico, IsmaelCardoso, António Rafael Carvalho, Adriaan De Man, João Martins daFonte, João Lizardo, Elsa Peralta, Júlio Manuel Pereira

Publicidade Patrícia Freire

Apoio administrativo Palmira Lourenço

Resumos Jorge Raposo (português), Luisa Pinho (inglês) e Maria Isabel dos Santos (francês)

Modelo gráfico Vera Almeida e Jorge Raposo

Paginação electrónica Jorge Raposo

Tratamento de imagem Jorge Raposo e Cézer Santos

Ilustração Jorge Raposo

Revisão Ana Luísa Duarte, Maria Graziela Duarte, José CarlosHenrique e Fernanda Lourenço

Distribuição da edição em papel CAA

Distribuição da adenda electrónica distribuição gratuita atravésde http://almadan.cidadevirtual.pt

Periodicidade Anual

Apoios Fundação Calouste Gulbenkian, Câmara Municipal de Almada, Câmara Municipal do Seixal, Instituto Português da Juventude

Apoio do Programa Operacional Ciência, Tecnologia, Inovação do Quadro Comunitário de Apoio III

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III.1 adendaelectrónicaadendaelectrónica

1. Localização

E ste arqueossítio situa-se na margem di-reita do Rio Almonda, a escassa distân-cia deste, à entrada Norte da localidade

da Azinhaga (concelho da Golegã), junto à Quinta deS. João da Ventosa, num terreno com um declivemuito suave para o rio, a uma altitude de cerca de 18metros, ocupando uma área estimada de pouco maisde dois hectares.

As suas coordenadas na Carta Militar de Por-tugal, 1:25 000, folha n.º 341, são as seguintes: UTM4356,5; 540,9.

2. Descoberta

O sítio foi referenciado pelo autor em1998, quando, no âmbito da preparaçãode tese de mestrado, efectuava prospec-ção de superfície na região.

Riba-Rio (Azinhaga, Golegã)um povoado calcolítico da planície do médio Tejo

notícia preliminar

por Júlio Manuel Pereira

Mestre em Pré-História e Arqueologia; Sócio do Centro deArqueologia de Almada.

A R Q U E O L O G I A ar e s u m o

Apresentação preliminar do sí-tio arqueológico de Riba-Rio(Golegã), situado na planície, naregião do Médio Tejo, junto àmargem direita de um dos aflu-entes deste rio − o Almonda −,onde o autor recolheu um inte-ressante conjunto de materiaisde superfície, onde se incluemalguns fragmentos de cerâmicacampaniforme.O sítio é interpretado comopovoado da Idade do Cobre.

p a l a v r a s c h a v e

Idade do Cobre; cerâmica cam-paniforme.

a b s t r a c t

Preliminary presentation of anarchaeological site situated inthe plain, on the right bank of atributary of the river Tagus −the Almonda −, in the MiddleTagus region, where the authorcollected an interesting set ofsurface archaeological vestiges,including some sherds of bell--beaker pottery.It is interpreted as a CopperAge settlement.

k e y w o r d s

Copper Age; bell-beaker pot-tery.

r é s u m é

Présentation préliminaire dusite archéologique de Riba-Rio(Golegã), situé en plaine, dansla région du Tage Moyen, prèsde la rive droite d’un des afflu-ents de ce fleuve − l’Almonda −,où l’auteur a rassemblé un en-semble intéressant de vestigesarchéologiques de surface com-prenant des fragments de céra-mique campaniforme.Ce site est interprété commeétant un peuplement de l’Âgedu Cuivre.

m o t s c l é s

Âge du Cuivre; céramique cam-paniforme.

adenda electrónica

3. Espólio recolhido

Aí, na camada arenosa clara sobrejacente a umaoutra mais argilosa que recobre um terraço de baixaaltitude, as lavras e sementeiras de milho puseram adescoberto abundante material lítico e cerâmico, bemcomo um fragmento de cobre inclassificável.

3.1. Pedra lascada

O material lítico é talhado em quartzito, quartzo,sílex e chert.

3.1.1. Quartzito

O quartzito é utilizadonuma cadeia operatóriadestinada à produção ex-pedita de lascas e algunsartefactos de talhe “lan-guedocense”.

Seria usado também,em expressão reduzida,para a produção de pesosde pedra com entalhes, deque se reproduz aqui um

dos dois exemplares recolhi-dos (ver Fig. 2).

Figura 1

Localização do sítio de Riba-Rio.

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A análise das características macroscópicas dosílex recolhido, permite-nos constituir quatro gruposrelativamente homogéneos:

− Sílex avermelhado, do tipo do de Rio Maior;− Sílex cinzento escuro a negro;− Sílex esbranquiçado, leitoso;− Sílex cor de mel.Conforme se pode verificar através do gráfico da

Fig. 4, parece haver uma nítida preferência pelo sílexdo tipo do de Rio Maior, de excelente qualidade, em-bora alguns núcleos possam apresentar geodos.

Segue-se-lhe o sílex cinzento a negro.Esta preferência poderá estar relacionada não

apenas com a qualidade do sílex, mas também coma proximidade das fontes de matéria-prima e com otamanho dos núcleos em que ela se apresenta, pois osílex amarelado (cor de mel), sendo excelente, não

Esta matéria-prima seria deaprovisionamento local, umavez que, a escassas dezenas demetros deste sítio, existem cas-calheiras constituídas por ca-lhaus rolados.

3.1.2. Quartzo

O quartzo, igualmente deorigem local, seria também uti-lizado, a avaliar pelos abun-dantes restos de talhe presentes.

A utilização de quartzohialino teria expressão reduzida(um único resto de talhe recupe-rado).

3.1.3. Sílex

O sílex era uma maté-ria-prima abundante, comoo documenta a presença deartefactos e fragmentos deartefactos nesse material ea quantidade de restos detalhe recuperados. O espó-lio recolhido é constituído,predominantemente, porlascas de sílex de colora-ções diversas; fragmentosde lâminas no mesmo ma-terial, algumas de grandelargura, de secções triangu-lares e trapezoidais, evi-denciando diversas técni-cas de talhe; furadores; ras-padores e núcleos explora-dos.

III.2

A R Q U E O L O G I Aa

adendaelectrónica al-madan adenda electrónica ISSN 0871-066X | IIª Série (13) | Julho 2005

C E N T R O D E A R Q U E O L O G I A D E A L M A D A

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Figura 2

Riba-Rio: peso de pedra comentalhes.

Figura 3

Riba-Rio: materiais líticos.

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− Um fragmento proximo/mesial de artefacto desecção subcircular, polido em toda a superfície, apre-sentando uma depressão transversal (provavelmentepara facilitar a fixação), exemplar pouco comumnesta região do Médio Tejo (ver Fig. 5).

Registe-se também a recolha de uma lasca deanfibolito de grandes dimensões, não tratada, o quepoderá indiciar um fabrico no local dos artefactos depedra polida.

3.4. Cerâmica

3.4.1. Cerâmica lisa

São abundantes neste arqueossítio os fragmentosde cerâmica lisa, embora, na sua maioria, devido aorevolvimento do terreno no decurso das práticasagrícolas, se apresentem com dimensões muito re-duzidas e, alguns, mesmo levemente erodidos. Poressa razão, grande parte desses fragmentos são atípi-

tem aqui uma expressão correspondente às suas pro-priedades.

É de referir a circunstância de terem sido reco-lhidas lascas de descorticagem, lascas parcialmentecorticais e de debitagem plena em todas as espéciesde sílex, o que significa que o mesmo era trazido pa-ra o sítio em núcleos e aqui trabalhado.

Realça-se igualmente o facto de serem tambémdetectados núcleos testados e abandonados, devido àfraca qualidade do sílex, núcleos esses muito seme-lhantes aos que, hoje em dia, ainda é possível encon-trar nas cascalheiras do Tejo e seus afluentes.

3.1.4. Chert

O chert, também está presente no local, emboracom uma expressão muito reduzida, atestando a di-versidade de matérias-primas empregues em funçãoda finalidade dos artefactos a que se destinam.

3.2. Pedra afeiçoada

A pedra afeiçoada está representada por mósmanuais (dois fragmentos de moventes e um frag-mento de dormente), em rocha granítica.

3.3. Pedra polida

A pedra polida é aqui escassa e traduziu-se na re-colha de apenas quatro fragmentos de artefactos, emanfibolito:

− Um fragmento proximal de artefacto de secçãosubcircular, com um excelente polimento, apresen-tando-se fracturado transversal e longitudinalmente;

− Um fragmento distal de um artefacto, conten-do apenas uma pequena fracção do gume;

− Um fragmento proximal de um artefacto desecção subcircular, mas com um achatamento numadas faces (muito provavelmente a face inferior),apresentando um polimento regular e o talão percu-tido;

III.3 adendaelectrónica

Figura 4

Riba-Rio: distribuição do sílexsegundo as suas característicasmacroscópicas.

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Per

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Figura 5

Riba-Rio: fragmento de artefacto de pedra polida.

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zidas pela impressão a pente, embora tambémestejam presentes escassos vestígios de cerâ-micas com caneluras e incisões.

As pastas são igualmente de boa qualida-de, levemente micáceas, apresentando outrose.n.p. (quartzo) de dimensões variáveis mas,raramente, de dimensão superior a 1 mm.

Apenas dois exemplares nos dão umaideia da sua forma, correspondendo, respecti-vamente, a uma taça de bordo reentrante, pou-co espesso (Fig. 7, n.º 1) e a um recipiente mui-to fino de forma acampanada, de excelentequalidade de fabrico (Fig. 7, n.º 5).

Os exemplares reproduzidos na Fig. 7, têmas seguintes características:

1 − Fragmento com pequena parcela debordo, com a espessura máxima de 0,7 mm.Bordo inclinado para o interior. Pasta com-pacta, apresentando superfícies de cor alaran-jada ostentando vestígios de mica. Fracturacom finas zonas superficiais da cor das super-fícies e zona intermédia cinzenta-escura, tor-nando visíveis raros e.n.p. (quartzo) de di-mensão inferior a 0,5 mm. Decoração inician-do-se a 6 mm do bordo, sendo constituída porbandas em ziguezague, inscritas entre linhashorizontais paralelas formadas por quadradospontilhados. Registe-se o facto de a temática de-corativa deste exemplar ser muito semelhanteà de um exemplar recolhido no sítio calcolíti-co de Casal das Gaitadas − Loures (SANTOS1994), embora este último tenha um bordoespessado e aquele um bordo fino.

2 − Fragmento sem bordo, com a espes-sura de 9 mm, de recipiente cuja forma geralnão é determinável. Pasta compacta, apresen-

tando superfícies de cor parda. Fractura mostrando azona intermédia de cor cinzento-escura, deixando verraros e.n.p. (quartzo), de dimensão inferior a 0,5 mm.A decoração é constituída por grupos de linhas emziguezague, paralelas entre si, formadas por peque-nos quadrados pontilhados.

3 − Fragmento sem bordo, com a espessura de6 mm, de recipiente cuja forma geral não é deter-minável. Pasta muito compacta, apresentando rarosvestígios de mica. Superfícies muito lisas, de corparda. Fractura mostrando a zona intermédia de corcinzento-escura e ostentando escassos e.n.p. (quartzo),de dimensão inferior a 0,5 mm. A decoração é cons-tituída por blocos de linhas formadas por pequenosrectângulos pontilhados, mantendo entre esses blo-cos uma superfície lisa em ziguezague.

4 − Fragmento sem bordo, com a espessura de6 mm, de recipiente cuja forma geral não é deter-minável. Pasta muito compacta e homogénea, apre-sentando escassos vestígios de mica. Superfícies decor vermelho-alaranjada. Fractura com finas zonassuperficiais da cor das superfícies e zona intermédia

cos, embora haja um número reduzido de fragmen-tos de bordos que permitem a reconstituição parcialdos recipientes cerâmicos.

As pastas são de boa qualidade, levemente mi-cáceas, apresentando outros elementos não plásticos(e.n.p.) de quartzo de dimensões muito reduzidas(inferiores a 1 mm).

A cozedura terá sido feita predominantementeem atmosfera redutora, com arrefecimento oxidante.

As paredes têm uma espessura compreendidaentre 0,5 cm e 1,2 cm.

3.4.2. Cerâmica decorada

São escassos os fragmentos de cerâmica decora-da recolhidos (menos de 2% de um universo de 533fragmentos), correspondendo a dez recipientes dife-rentes, de espessuras que vão desde 3 mm a 9 mm.

Está maioritariamente representada a técnica de-corativa linear-pontilhada, formada por pequenasimpressões quadrangulares ou rectangulares produ-

III.4

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Figura 6

Riba-Rio: cerâmica lisa.

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do do fragmento não permite averiguá-lo com cer-teza), e por incisões oblíquas, igualmente paralelasentre si.

4. Objectos metálicos

Foi recolhido neste arqueossítio um fragmentode utensílio de cobre dificilmente identificável, quese reproduz na Fig. 8, o qual atesta que os habitantesdo local já conheceriam a metalurgia deste metal ou,mais provavelmente, uma vez que não foram detec-tados outros indícios da metalurgia do cobre (lin-gotes, pingos de fundição, etc.), que teriam acesso aeste tipo de objectos através das redes de intercâm-bio transregionais.

III.5

cinzenta, tornando visíveis e.n.p. (quartzo) dedimensão variáveis, alguns superiores a 2 mm.A decoração é constituída por uma sucessãode linhas horizontais paralelas, formadas porpequenos quadrados pontilhados, excepcio-nalmente finos e delicados, com as quais seencontram outras linhas idênticas oblíquas depontilhado semelhante. Registe-se a surpre-endente coincidência da sua temática decora-tiva com a dos dois vasos campaniformes dodólmen da Sobreda, na Beira Alta (SENNA--MARTINEZ 1982: Fig. 8).

5 − Fragmento sem bordo, com a espessu-ra variando entre 3 mm (parte superior) e 5 mm(parte inferior), aparentando pertencer àstípicas caçoilas acampanadas do tipo “maríti-mo” ou “internacional”, que deram o nome aeste tipo de cerâmica. Pasta muito compactae homogénea. Superfícies de cor acastanha-da. Fractura expondo o interior, de cor muitoescura, não sendo visíveis e.n.p. A decoraçãoé constituída por linhas oblíquas, formadaspor um pontilhado muito fino, inscritas entreduas linhas paralelas. Na parte superior, para-lelamente a essa faixa decorada, existe umaoutra linha, não sendo possível verificar secorresponderia a nova faixa decorada, emvirtude do estado dessa zona.

6 − Fragmento sem bordo, com a espes-sura de 4 mm, de recipiente cuja forma geralnão é determinável. Pasta muito compacta eexcelente acabamento da superfície interna,que parece brunida. Superfície externa de coracastanhada e superfície interna muito escu-ra. Não são visíveis e.n.p. A decoração visí-vel consiste numa malha de linhas oblíquasformadas por um pontilhado muito fino, quese cruzam entre si, atingindo e até ultrapas-sando, por vezes, uma linha superior que lhes servede limite.

7 − Fragmento sem bordo, com a espessura de1,1 cm, de recipiente cuja forma geral não é deter-minável. Pasta compacta. Superfícies de cor acasta-nhada. Fractura mostrando a zona interior escura etornando visíveis e.n.p. (quartzo) de dimensão variá-vel, mesmo superiores a 2 mm. A decoração visívelé constituída por uma incisão horizontal e por fundasincisões oblíquas e paralelas entre si.

8 − Fragmento sem bordo, com a espessura de9 mm, de recipiente cuja forma geral não é determi-nável. Pasta compacta, apresentando superfícies decor alaranjada, sendo a interior bastante rugosa, devi-do à presença de abundantes e.n.p. de reduzida di-mensão. Fractura mostrando a zona interior muitoescura e com abundantes e.n.p. de dimensão inferiora 0,5 mm. A decoração visível é constituída por qua-tro incisões horizontais, fundas, paralelas entre si (éprovável que houvesse uma quinta linha, mas o esta-

adendaelectrónica

Figuras 7 e 8

Riba-Rio: cerâmica decorada (em cima) e fragmento de objecto de cobre (em baixo).

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5. Caracterização funcional

A caracterização de Riba-Rio como um povoadoresulta evidente, face à extensa mancha de dispersãodos materiais e à natureza dos achados, nomeada-mente a presença de cerâmica de carácter doméstico,de elementos de moagem e de pesos de pedra comentalhes, hoje inequivocamente associados a activi-dades de tecelagem (SENNA-MARTINNEZ 2000: 140),sem prejuízo de, em certos casos, poderem ser cono-tados com actividades de pesca, o que aqui seria pos-sível devido à proximidade de dois rios (Almonda eTejo).

6. Integração cronológico-cultural

A circunstância de estarmos em presença de reco-lhas de superfície, num espaço conturbado pelas prá-ticas agrícolas, coloca algumas dificuldades quanto auma aproximação rigorosa em termos de integraçãocrono-cultural.

Porém, a tipologia e características dos materiaisrecuperados e a grande homogeneidade da maioriados mesmos, bem como a presença de um fragmen-to de objecto de cobre, levam-nos a situar este povo-ado num momento do Calcolítico Pleno que, a ava-liar pela presença de cerâmicas campaniformes pon-tilhadas, incluindo as do chamado grupo “interna-cional”, aliada à escassez de cerâmica incisa e à ine-xistência de taças do tipo Palmela, poderá corres-ponder à primeira fase do Campaniforme, que J. L.Cardoso, a partir dos dados obtidos em Leceia, fazrecuar, para a Baixa Estremadura, à primeira metadedo III milénio (CARDOSO 1997-98: 92).

Concorre para confirmar a nossa suposição daprecocidade deste registo campaniforme, o facto de,em muitas regiões, os restantes elementos integran-tes do chamado “pacote” campaniforme (braçal de ar-queiro, ponta tipo Palmela, botões de osso com per-furação em V, punhal de lingueta, etc.) − aqui au-sentes − só aparecerem em desenvolvimentos tardiosdo campaniforme (ROOUSSOT-LARROQUE 1994: 311).No entanto, o exemplar n.º 4 da Fig. 7 − que, como járeferimos é idêntico a um outro estudado por Senna--Martinez − surge aqui como elemento perturbadordesta hipótese, uma vez que poderá apontar para ummomento mais tardio, devido “à saturação das su-perfícies pela decoração e à própria técnica desta(talvez já de roleta)” (SENNA-MARTINEZ 1982: 25).

A propósito da cerâmica campaniforme, refira-seque são conhecidos e estudados diversos arqueossí-tios localizados no Médio Tejo e Alto Ribatejo ondeeste tipo de cerâmica fez a sua aparição, com maiorou menor abundância.

Com efeito, destacam-se o Povoado da FonteQuente e a Gruta de Nª Sr.ª das Lapas, nas imedia-ções do Nabão (OOSTERBEEK e CRUZ 1992), a Lapa

do Saldanha (Pernes-Santarém) (CARREIRA e CAR-DOSO 1990) e a Gruta da Rexaldia (OOSTERBEEK etal. 1992), nas proximidades de Torres Novas.

Essa presença, porém, parece corresponder a ummomento mais tardio do Campaniforme, como oatesta a existência de formas de aculturação localcomo as taças do tipo Palmela. A confirmação destahipótese − o que apenas poderá vir a ser feito atravésde datações pelo radiocarbono, uma vez que o méto-do estilístico só por si não é fiável − poderia impedira generalização a esta região do modelo concebidopara a Estremadura, que assenta na verificação localde que o Campaniforme é “uma expressão materialespecífica, associada a um novo tipo de povoamen-to, que resultou do generalizado abandono dos sítiosfortificados edificados no início do Calcolítico” (CAR-DOSO 2002: 248), tanto mais que na região não foramdetectados verdadeiros sítios fortificados.

Efectivamente, nesses locais do Alto Ribatejo,essa cerâmica foi recuperada em contextos sepul-crais ou num povoado elevado (Fonte Quente), des-frutando de condições naturais de defesa, correspon-dendo esta implantação, certamente, a uma estraté-gia deliberada de domínio visual da região envolven-te, ou pelo menos, das principais linhas de aproxima-ção, a que não terão sido estranhas preocupações de-fensivas.

Todavia, o povoado de Riba-Rio tem caracterís-ticas totalmente opostas, situando-se em plena planí-cie do Tejo, em local de baixa altitude, em terrasférteis, muito próximo de cursos de água e sem qual-quer tipo de defesas naturais, situação idêntica à deoutros povoados calcolíticos da planície do MédioTejo, inéditos ou insuficientemente divulgados (Mon-te Pedregoso, Torrinha, Ribeira da Santa Catarina,etc.) (PEREIRA 2001).

A presença, neste local, de cerâmica campani-forme com decoração a pontilhado, incluindo a cor-respondente à fase “marítima”, deve ser interpretadacomo o resultado de contactos com os portadoresdeste tipo de cerâmica, no âmbito das amplas redesde trocas que, certamente, existiriam então entre ovale do Tejo e regiões mais ou menos distantes, re-sultantes da estratégia de diversificação dos recursosque caracteriza o Calcolítico.

A reduzida expressão dessa cerâmica decorada;o seu carácter exógeno, atestado pelo facto de a sua core textura serem diferentes das da cerâmica lisa reco-lhida no local e correspondente à tradição autóctone(com excepção talvez do exemplar 2 da Fig. 7); a cir-cunstância de ela ter sido recuperada numa pequenazona central do povoado − particularidade que é igual-mente registada noutros locais (ARNAUD 1993: 48;LAGO et al. 1998: 107) −, tudo isso parece indiciarum acesso restrito a esses bens, por parte de um pe-queno segmento dos habitantes do povoado, o que écompatível com o processo de diferenciação social ede formação de elites que caracteriza o Calcolítico.

III.6

A R Q U E O L O G I Aa

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C E N T R O D E A R Q U E O L O G I A D E A L M A D A

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CARREIRA, Júlio Roque e CARDOSO, João Luís (1990) − “O Espó-lio Arqueológico da Lapa do Saldanha - Pernes”. In Comunica-ções dos Serviços Geológicos de Portugal. Tomo 76, pp. 163--166.

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III.7

Efectivamente, como afirma Isabel Lisboa, “withina social group, the exchanged goods are used to main-tain the power of the elite over the society it rules,through the maintenance of a separate identity, sig-nalled by the display and consumption of goods oflimited access and high-status, to witch it holds exclu-sive access” (LISBOA 1994: 155).

7. Conclusão

Os elementos fornecidos pelo arqueossítio deRiba-Rio, pese embora a descontextualização dosachados, são mais um contributo − ainda que mo-desto − para a compreensão da rede de povoamentodesta região do Médio Tejo/Alto Ribatejo e, particu-larmente da “calcolitização” desse território, com assuas sincronias e diacronias, mostrando que a mes-ma é mais complexa do que os dados até há poucoconhecidos pareciam fazer crer, não se restringindoa presença de cerâmicas campaniformes a contextosfunerários e povoados de altura.

Bibliografia

ARNAUD, José Morais (1993) − “O Povoado Calcolítico de PortoTorrão (Ferreira do Alentejo): síntese das investigações reali-zadas”. Vipasca. 2: 41-60.

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CARDOSO, João Luís (2002) − Pré-História de Portugal. Lisboa:Verbo.

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IV.1 adendaelectrónicaadendaelectrónica

Introdução

A pesca é, seguramente, uma das activi-dades económicas mais antigas daregião do Médio Tejo, nas imediações

da vila de Constância. Tal como nos tempos históri-cos, ela terá sido praticada, certamente, pelas popu-lações que, ao longo da Pré-história, passaram ou sefixaram nas zonas ribeirinhas do Tejo e seus afluen-tes. Contudo, são parcos os vestígios dessa activida-de nessa época tão recuada, a que não será estranhaa inexistência de boas condições de preservação dosmesmos, particularmente quando correspondem amatérias facilmente perecíveis, como fibras vegetaisou os esqueletos dos peixes.

Por isso, não deve causar estranheza que, des-contando os escassos trapézios recolhidos na região(cuja relação com actividades piscatórias, através daintegração em instrumentos compósitos, é possível,mas não segura), os vestígios pré-históricos mais an-tigos aqui recuperados relacionáveis com a pesca, se-jam uns pequenos seixos de aspecto banal, designa-dos usualmente por pesos de rede ou pesos de pesca.Trata-se de uns simples seixos chatos, de contornoelipsoidal, ovalado ou, mais raramente, circular, nosquais se produziu o adelgaçamento intencional dazona mesial, mediante lascamento ou fricção em

possíveis vestígios pré-históricos da actividade da pesca na região de Constância

Os Pesos de Pedra Com Entalhespor Júlio Manuel Pereira

Mestre em Pré-História e Arqueologia; Sócio do Centro deArqueologia de Almada.

A R Q U E O L O G I A ar e s u m o

O autor apresenta alguns pesosde pedra encontrados na pro-ximidade da vila de Constância,os quais, apesar de algumas dú-vidas quanto à sua funcionali-dade, podem constituir os maisantigos vestígios pré-históricosda actividade da pesca na re-gião.

p a l a v r a s c h a v e

Pré-História; pesca; pesos depedra.

a b s t r a c t

The author presents somestone weights gathered nearthe town of Constância.Although some doubts persistwith regard to their functional-ity, they may well be the oldestvestiges of the prehistoricactivity of fishing in this area.

k e y w o r d s

Pre-History; fishing; stoneweights.

r é s u m é

On présente ici quelques galetsencochés rassemblés aux envi-rons du village de Constânciaet qui, malgré la persistance dequelques doutes en ce qui con-cerne à leur fonctionnalité,peuvent constituer les plusanciens vestiges de l'activitépréhistorique de la pêche danscette région.

m o t s c l é s

Préhistoire; pêche; galets enco-chés.

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pontos opostos, a fim de permitir que fossem amar-rados por aí a uma rede ou a um fio.

Os pesos de pesca: seu reconhecimento

Os pesos de pedra com entalhes foram assinala-dos pela primeira vez no século XIX, em estaçõeslacustres suíças e em estações de superfície da Fran-ça, na região da Aquitânia (NOUGUIER 1951: 225).

Em Portugal, em 1907, Martins Sarmento men-ciona pela primeira vez a recolha, no interior de umacasa do Castro de Sabroso, de cerca de “trinta pedrasovais com dois vergões laterais” (SARMENTO 1907:115), em granito, que se encontravam juntas, bemcomo de outras dispersas, mas às quais não atribuiufuncionalidade específica.

Seria só em 1925 que Joaquim Fontes, numaconferência realizada na Associação dos Arqueó-logos Portugueses, ao referir-se a seixos rolados eachatados que encontrou numa visita à Galiza, osidentificaria como pesos de tear ou de rede (FONTES1928: 57).

Tais pedras viriam a ser identificadas inequivo-camente como pesos de rede pelo Padre Eugénio

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bem como na Gruta de Ibne Amar, nas proximidadesde Estômbar (COSTA 1971: 599). No litoral Norte daPenínsula são conhecidos sob a designação de pou-tadas.

Outros, caracteristicamente “languedocenses”(Fig. 2), são peças em quartzito, de secção em para-lelograma, com encoches laterais, “várias vezes in-teiramente executadas apenas de um lado e somenteesboçadas do outro” (RAPOSO e SILVA 1980-81: 69).

Têm dimensões muito variadas − alguns commais de 20 cm de comprimento −, são apenas par-cialmente corticais e contêm arestas vivas, pelo que,embora geralmente sejam classificadas como pesosde rede, não é seguro quetenha sido essa a sua fun-cionalidade.

Outros ainda, comoo exemplar aqui repro-duzido (Fig. 3), recolhi-do em Carreço, a cercade um metro de profun-didade, aquando da cons-trução dos alicerces deuma casa (PAÇO 1970: 56),mais abundantes no lito-ral minhoto, são talhadosem seixos achatados, se-gundo o eixo maior, ten-do dimensões muito va-riadas.

São designados por chumbeiras por, nos tempossubactuais, serem usados para exercer a função daschumbeiras ou chumbadas na pesca à linha, sem pre-juízo de os de maiores dimensões também poderemter a funcionalidade de pesos de rede.

Por último, aqueles em que centraremos a nossaanálise, por serem do tipo que foi referenciado naregião em estudo, caracterizam-se por serem de pe-quenas dimensões, talhados em seixos rolados acha-tados − o que lhes confere naturalmente uma peque-na espessura −, e por apresentarem entalhes poucoacerados nas extremidades do eixo mais curto.

Esses entalhes são, geralmente, apenas dois, masé conhecido um exemplar com três entalhes do mes-mo lado, recolhido nos Alegrios (Idanha-a-Nova),aqui reproduzido (Fig. 4), e um outro com dois enta-lhes do mesmo bordo, recolhido no Monte do Frade(Penamacor) (VILAÇA 1995: 318), bem como umcom quatro entalhes, proveniente de Lavradores(Gaia), que se encontrará depositado no Museu deAntropologia Dr. Mendes Correia, na Faculdade de

Jalhay, pouco tempo depois (JA-LHAY 1927), ao referir-se aos querecolhera no castro de Santa Ma-ria de Oya, junto a Pontevedra(cit. por PAÇO 1970: 51), bem co-mo, no ano seguinte, ao descreveros que recuperara na estação “as-turiense” de La Guardia (JALHAY 1928); na mesmaaltura, em Portugal, Rui de Serpa Pinto, deu a conhe-cer a existência na estação “asturiense” de Âncora desete desses seixos talhados como os pesos de rede ede tear até então recolhidos e descritos (PINTO 1928).Alguns trabalhos imediatamente posteriores, de AbelViana e Afonso do Paço, viriam a chamar a atençãopara esses pesos de pedra, associando-os a activida-des piscatórias.

Isso significa que só tardiamente se começou adar importância à sua presença e, durante muito tem-po, exclusivamente em associação com as indústriasditas paleolíticas ou epipaleolíticas do litoral minho-to e da Galiza.

Assim, embora no nosso país, pelo menos a par-tir de 1928, eles tenham sido claramente identifica-dos como pesos de pesca, na vizinha Espanha algunsautores ainda lhes atribuem um carácter mágico-sim-bólico, por entenderem que corresponderiam a estili-zações dos “ídolos-violino” da civilização Cicládicaou das estatuetas de terracota do Neolítico da Tes-sália, da Macedónia e da Anatólia.

Por isso, não é de estranhar que, mesmo em pu-blicação relativamente recente (REQUENA e VARELA1994: Fig. 9, n.ºs 1 e 2), surjam dois exemplares refe-renciados como “ídolos-violino”.

Tipos de pesos de pedra

São essencialmente quatro os tipos de pesos depedra que têm sido identificados em contextos ar-queológicos.

Uns são espessos e ar-redondados, caracterizan-do-se por possuírem umsulco mediano no sentidodo eixo mais longo (em-bora, raramente, no senti-do do eixo mais curto),que geralmente o envolvecompletamente, mas quepode também, menos fre-quentemente, ocupar ape-

nas uma parte dessa superfície (CARDOSO 1996: Fig.2, n.º 3).

Ocorrem essencialmente em zonas litorais, ten-do sido referenciada a sua presença em locais tãodiferentes como o povoado de Leceia (Oeiras), aGruta II de Palmela, o Povoado de Pedrão (Setúbal),a Vinha da Poveira (Sines) (CARDOSO 1996: 108-109),

IV.2

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C E N T R O D E A R Q U E O L O G I A D E A L M A D A

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Figura 1

Peso de pesca com sulco longitudinalenvolvente recolhido em Leceia(CARDOSO 1996: fig. 2, n.º 2).

0 3 cm

Figura 2

“Peso de pedra” típico do “Languedocense”(RAPOSO et al. 1980-81: Fig. 13).

Figura 3

“Chumbeira” recolhida em Carreço,segundo PAÇO 1970; Fig. 3.

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Poderiam igualmente ser utilizadospara o mesmo fim em redes de emalhar eestacadas fixas para capturar o peixe navazante, processo ainda em uso nalgu-mas zonas do litoral há poucas décadas.

A circunstância de terem sido igualmente reco-lhidos pesos de pedra deste tipo inicialmente em ci-tânias do interior e, posteriormente, em alguns po-voados de altura mais afastados das linhas de água,tem levado alguns investigadores a manter em aber-to a hipótese de que poderiam também ter sido uti-lizados como pesos de tear.

Em reforço daquela tese é aduzido que, tendo-severificado o desaparecimento dos pesos de tear qua-drangulares, em barro (bem como os em forma decrescente, típicos do Sul do país), em contextos pos-teriores ao Calcolítico, a não se admitir a utilizaçãodos pesos de pedra como pesos de tear, ter-se-ia deconcluir pelo desaparecimento da actividade de tece-lagem, o que não faz sentido. Assim, “é possível que,a certa altura, as populações tenham deixado de fa-bricar especificamente pesos em argila e tenham co-meçado a utilizar, indistintamente, em teares e emredes (eventualmente para outro fim?), os pesos deseixos, já naturalmente modelados” (VILAÇA 1995),retomando-se na Idade do Ferro e na Época Romanaa tradição calcolítica dos pesos em barro, agora sobnovas formas.

As dúvidas quanto à sua utilização em tearesvieram a ser desfeitas com o achado, no Cabeço doCrasto de São Romão (Seia), de diversos desses sei-xos talhados, jazendo entre buracos de poste, “con-figurando a existência de um possível tear vertical”(SENNA-MARTINEZ 2000: 140).

Esta descoberta, porém, não exclui a possibili-dade de estes artefactos possuírem funções múlti-plas, pois casos há − como sucede no povoado doMaxial (Abrantes) −, em que, a par de pesos de pe-dra, foram recuperados pesos de tear quadrangularesem barro cozido, pelo que, ou estaríamos aqui em

presença de dois tipos de teares ou de arte-factos com funcionalidades distintas.

O seu aparecimento em monumentossepulcrais como a Anta 1 do Val da Laje(Tomar) ou a Anta dos Pombais (Marvão)tem fundamentado, como já vimos, a

Ciências do Porto (cit. por BRANDÃOe LANHAS 1971: 585). Adiante divul-gamos também um exemplar, reco-lhido no Monte Pedregoso, que apre-senta quatro entalhes (dois em cadaeixo). Desconhece-se a finalidadedessa multiplicidade de entalhes,sendo de admitir que se destinasse apossibilitar uma melhor fixação.

A utilização dos pesos de pedra

Os pesos de pedra de sulco transversal têm sus-citado diversas interpretações no tocante à sua fun-cionalidade, embora prevaleça a tese da utilizaçãoem actividades piscatórias (CARDOSO 1996).

Em relação aos pesos de pedra com entalhes la-terais existem menos dúvidas quanto à sua utiliza-ção, particularmente no que se refere aos que pos-suem entalhes nas extremidades do eixo maior, co-mo são geralmente os do litoral minhoto, admitindo--se que os de menores dimensões servissem comopedras de arremesso de anzol, na pesca à linha, umpouco como as chumbadas actuais. Nos anos 1930,foi ainda referenciada a utilização com esse fim nolitoral do Minho, sendo as suas dimensões variáveisconsoante a espécie que se pretendia pescar (PAÇO1970: 54).

Os de maiores dimensões teriam uma utilizaçãoidêntica aos do tipo anterior, ou mesmo outras nãoespecificadas, como sugeriu Henri Breuil, que estu-dou alguns destes exemplares provenientes da es-tação de Carreço e que sustentou que “[…] não há ne-nhuma razão para pensar que estas peças tenhamservido de pesos de rede ou de linha” (BREUIL et al.1962: 89), tratando-se “[…] visivelmente de utensí-lios e não de pesos” (BREUIL et al. idem: 105).

Quanto aos que serão objecto deste apontamen-to − os que possuem entalhes nas extremidades doeixo menor −, é geralmente aceite que seriam uti-lizados em redes de mão para pesca em águas baixas,destinando-se a mantê-las na vertical (Fig. 5), siste-ma ainda hoje utilizado em águas interiores, nomea-damente em zonas lagunares, embora usando chum-beiras em vez de pesos de pedra.

IV.3 adendaelectrónica

Figura 4

Peso de pedra com três entalhes do mesmo lado,procedente de Alegrios (VILAÇA 1995: Est.ª CLXXXIV).

Figura 5

Representação da possível utilização dos pesos de pesca (CLEYET-MERLE 1990: 146).

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suposição de que poderiamter também um carácter má-gico-simbólico, correspon-dendo a ídolos ou, eventual-mente, a representações sim-plificadas dos ídolos alme-rienses. Contudo, pensamosnão haver fundamento sufi-ciente para essa suposição,pelo que optamos pela expli-cação mais simples − tratar--se-ia de artefactos do quo-tidiano do morto, que acom-panhariam o seu espólio vo-tivo, tal como as lâminas desílex ou os machados de pe-

dra polida, ou ainda, poderiam ser tão só o resultadode actividades de pesca realizadas nas proximidadespara alimento dos construtores dos megálitos.

A sua distribuição na região de Constância

Os pesos de pedra com entalhes laterais, quer naFrança e Suíça, quer ainda na Espanha e em Por-tugal, distribuem-se principalmente por zonas ondeseria possível a exploração do meio aquático (mari-nho, fluvial ou lacustre), o que reforça a convicçãode que teriam sido utilizados como pesos de pesca.

Nesta região do Alto Ribatejo, nas imediações davila de Constância, tendo presente os exemplares re-censeados, constata-se que também apresentam umadistribuição ribeirinha, conforme se pode ver na Fig. 6.

É provável que a sua distribuição real seja maisvasta, quer por uma ainda insuficiente prospecçãoactual, quer pela falta de divulgação desses achados.Só um trabalho de divulgação e de prospecção con-tinuada permitirá, no futuro, umavisão mais correcta e exacta dessadistribuição.

Na Tabela I, indicam-se os sí-tios e os contextos em que é donosso conhecimento terem sidorecolhidos pesos de pedra, jáobjecto de divulgação, ainda querestrita, sendo a caracterizaçãofuncional e cronológico-culturala que foi avançada por quem ospublicou.

De seguida passaremos a for-necer uma informação mais de-talhada acerca de pesos de pedrarecolhidos pelo autor.

1. Quinta do Maia Velho − Montalvo (Constância)

Nas proximidades da Quinta do Maia Velho,arredores de Montalvo, num terraço na margem di-reita do Rio Tejo, foram recolhidos dois pesos depedra (um de talhe simétrico unifacial e outro de ta-lhe simétrico bifacial), bem como alguns artefactossobre seixo quartzítico de talhe “languedocense”.

O facto de se tratar de achados isolados, descon-textualizados, e a escassez dos elementos existentesnão permitem caracterizar com rigor a ocupação pré--histórica do local.

2. Tancos (Vila Nova da Barquinha)

Em 1994, na foz da Ribeira de Tancos, afluenteda margem direita do Rio Tejo, na cascalheira doleito da ribeira, foi recolhido um peso de pedra.

Tratando-se também de um achado isolado, des-contextualizado, não é possível associá-lo a qualquerperíodo cronológico-cultural, embora o facto de,muito próximo, a montante, existir um povoado doNeolítico Final/Calcolítico − o Casal dos Cucos −possa suscitar a hipótese de estar relacionado comessa ocupação.

3. Tancos − Ferrolhoa (Vila Nova da Barquinha)

No vale da Ribeira de Tancos, na zona da Ferro-lhoa, foi recolhido um peso de pedra, de talhe simé-trico unifacial (Fig. 7).

Tratando-se de um achado isolado, descontex-tualizado, não é possível associá-lo a qualquer perío-do cronológico-cultural, embora se possa tambémsuscitar a hipótese de este peso estar relacionadocom a ocupação existente nas proximidades, no Ca-sal dos Cucos.

IV.4

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C E N T R O D E A R Q U E O L O G I A D E A L M A D A

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Figura 6

Distribuição dos pesos de pesca naregião em torno de Constância.

0 3 cm

Figura 7

Peso de pedra recolhido na margem daRibeira de Tancos.

Dese

nho:

Júlio

Per

eira.

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IV.5 adendaelectrónica

Tabela 1

Pesos de Pedra Recolhidos na Região de Constância (Alto Ribatejo)

Sítio Concelho N.º de Pesos Materiais associados Caracterização funcional Cronologia proposta

Bom Sucesso Abrantes Vários Acampamento / Oficina de Talhe Paleolítico Inferior / Médioe “Languedocense”

Amoreira Abrantes Dezenas Povoado ou habitat temporário Neolítico

Jogada Abrantes Vários Necrópole megalítica Neolítico / Calcolítico

Maxial Abrantes 1 Povoado Calcolítico

Anta 1 do Val da Laje Tomar 1 Necrópole Neolítico

Alto do Carrinho Chamusca Vários Indeterminado Indeterminado

Quinta de São Vicente Constância 1 Povoado Neo-Calcolítico

Alminhas Constância 1 Povoado Neo-Calcolítico / Bronze inicial

Chã da Bica I Constância 2 Acampamento / Oficina de talhe / Paleolítico Inferior / Médio/ Povoado e Neo-Calcolítico

Chã da Bica Constância 1 Acampamento / Oficina de talhe / Neo-Calcolítico/ Povoado

Ponte de Santo António / Constância 3 Acampamento / Oficina de Talhe / Paleotíco Médio e/ Antoninho I Povoado Neo-Calcolítico

Quinta do Morgado Constância 3 Acampamento / Oficina de Talhe / Paleolítico Inferior / Médio/ Povoado e Neo-Calcolítico

Ribeira da Ponte da Pedra / Vila Nova da Barquinha 1 Indeterminado Indeterminado/ Pomar dos Pessegueiros

Barreira Vermelha Vila Nova da Barquinha Vários Indeterminado Indeterminado

“Bifaces, unifaces, calhaus truncados, raspadores, núcleos, lascas”(BATISTA 1995: 62).

“Indústria lítica em quartzito (lascas, seixos afeiçoados, pontas,raspadores, anfibolite polida reutilizada para a obtenção de peças dotipo ‘seixo afeiçoado’ e raros elementos em sílex (pontas, lâminas elamelas)” (OOSTERBEEK e CRUZ 1993: 158).

“Núcleo de sílex, fragmento de machado de pedra polida” (BATISTA 1995: 61).Nas intervenções realizadas nas antas entretanto localizadas, foram recolhidas lascas em quartzo, sílex e anfibolito, bem comofragmentos de cerâmica manual, incluindo um fragmento do bordode um recipiente com furo de suspensão e um outro com decoração incisa (CRUZ e OOSTERBEEK 1998).

Seixos afeiçoados de talhe “languedocense” em quartzito; lascas desílex e lâminas e lamelas no mesmo material, com e sem retoque;uma conta de colar de cor verde; um fragmento de clava em xistoanfibólico, uma conta discóide em xisto; cerâmica diversa, incluindoum prato de bordo almendrado e um fragmento de cerâmicapontilhada e diversos fragmentos de vasos globulares; fragmentos de“ídolos de cornos” e pesos de tear quadrangulares em cerâmica; uma mó plana e artefactos de pedra polida.

“Lâminas sem retoque; lâminas retocadas num ou nos dois bordos(algumas como elementos de foice); encoches; raspadeiras; largasdezenas de pontas de seta em sílex de tipologia diversificada [...];escopros; enxós e machados de anfibolite e grauvaque, parcialmentepolidos, de secção ovalóide, achatada ou trapezoidal; diversosnúcleos de lamelas em quartzo hialino; diversas lascas com ou semretoque em sílex, quartzo hialino e quartzito, [...] macro-utensíliosuni ou bifaciais (choppers e chopping tools)” (OOSTERBEEK et al. 1992: 40).

Núcleos e lascas em quartzito, um biface no mesmo material e um“disco” em anfibolito, ambos com arestas muito vivas. Na zona maiselevada (cerca de 100 m de altitude), foram recolhidos fragmentosde sílex e um fragmento de mó em granito.

“Lasca semi-cortical de sílex, mó plana movente, fragmento de talãode machadinha de calcedónia” (BATISTA 2004: 60).

“Seixos talhados simples uni e bifaciais [...], núcleo unifacial informe,lascas semi-corticais simples, mós planas [...], quartzo leitoso, cristalde rocha (lascas), cerâmicas lisas do calcolítico do Sudoeste [...] eraras com decoração incisa” (BATISTA 2004: 61).

“Lascas corticais e semi-corticais, algumas delas retocadas (entalhes edenticulados) [...], fragmento de biface (ponta), seixos talhados detalhe uni e bifacial, núcleos levallois [...], cerâmicas grosseiras, uma delas com restos de mamilo, mós planas movente e dormente,machado de pedra polida de secção circular/oval, pequeno seixoachatado com duas depressões centrais efectuadas através depicotado, lascas de sílex, quartzo hialino e leitoso”. (BATISTA 2004: 65).

“Pico, seixos talhados uni e bifaciais [...], raspador lateral, núcleosinformes, pequeno disco achatado, lasca cortical retocada e lascassemi-corticais simples [...], cerâmicas lisas do Calcolítico do Sudoeste(formas esféricas)” (BATISTA 2004: 67).

“Núcleos discóides, núcleos bifaciais e sobre lasca [...], grandequantidade de seixos talhados uni e bifaciais, núcleos, pico, discoatípico, lascas semicorticais, sílex (lascas, lâmina simples), mó plana”(BATISTA 2004: 69).

“Núcleos, machado de mão, núcleo discóide, lascas não corticais [...],machados de pedra polida de secção circular e rectangular, seixotalhado unifacial, lascas corticais e semicorticais, mós planas, sílex(lâminas, lamelas, lascas, núcleo de lamelas), lascas de quartzohialino” (BATISTA 2004: 77).

Uma indústria lítica, essencialmente sobre quartzito, de talhe“languedocense” (incluindo numerosos “discos”, mascompreendendo também numerosos biface).

Diversos artefactos em quartzito de tipologia do Paleolítico Inferior,bem como “discos” de talhe “languedocense”.

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4. Tancos − Lagoa Fedorenta (V. N. da Barquinha)

A Lagoa Fedorenta é uma zona situada entreTancos e Vila Nova da Barquinha, na margem direi-ta do Rio Tejo, constituída por uma extensa casca-lheira no leito de cheia desse curso de água, ondeoutrora houve um braço do rio, constituindo umalagoa malcheirosa, que D. João III, em 1550, autori-zou que fosse rompida, desviando o curso do rio.

Nesse local foi recolhido um peso de pedra degrandes dimensões, talhado bifacialmente de formaligeiramente dissimétrica (Fig. 8).

Tratando-se de um achado iso-lado, totalmente descontextualiza-do, não é possível associá-lo a qual-quer período cronológico-cultural.

5. Pedregoso (Vila Nova da Barquinha)

Este sítio arqueológico foi descoberto pelo autorem finais de 1992. Situa-se no limite entre os con-celhos de Vila Nova da Barquinha e da Golegã, namargem direita do Rio Tejo, ocupando o declive sua-ve de ambos os lados de uma pequena linha de água,tributária da Ribeira de Vale Marques, até à altitudemáxima de 25 metros.

Este arqueossítio corresponde a uma ocupaçãoromana − provavelmente uma villa −, tendo sido re-colhidas tégulas, ímbrices e cerâmica diversa, inclu-indo fundos de ânforas, pesos de tear, um fragmentode conta de colar em pasta vítrea e uma moeda.

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Contudo, para além de material romano, nos ter-renos baixos periodicamente revolvidos pelos traba-lhos agrícolas e, ocasionalmente, inundáveis, foramrecolhidos três pesos de pedra, que aqui se reprodu-zem (Fig. 10), lascas de sílex, lâminas e lamelas nomesmo material, um pequeno fragmento de uma pla-ca de xisto decorada com pequenos triângulos, umfragmento de um braçal de arqueiro ou, talvez maisadequadamente, de um esticador têxtil, e seixosquartzíticos de talhe “languedocense”, incluindo um“disco”.

Os exemplares números 2 e 3 foram já divulga-dos por Ana Rosa CRUZ (1996: Est. CLVIII, n.ºs 2 e4), embora os desenhos apresentem pouco rigor.

Tratando-se de materiais provenientes de recolhasde superfície em contextos completamente revolvi-dos e abrangendo períodos crono-culturais diversifi-cados, não é possível associar estes pesos de pedra auma cronologia específica.

6. Cardal − Torrinha Pequena (V. N. da Barquinha)

Este sítio foi descoberto pelo autor em 1998. Si-tua-se no Bairro do Cardal, nas traseiras de uma ur-banização recente, numa zona conhecida por Torri-nha Pequena.

Na superfície de um terreno silto-argiloso, aver-melhado, que recobre um terraço de baixa altitude(34 metros), na margem direita do Rio Tejo, recolhe-mos um pequeno núcleo de sílex com negativos delascas, diversos subprodutos do talhe do sílex, umfragmento de lâmina obtida por percussão directa euma lâmina de quartzo, além do peso de pedra, emquartzito, que aqui se reproduz (Fig. 9), o qual foiadelgaçado por retoque unifacial.

Os escassos elementos que até ao momento pos-suímos não permitem caracterizar com rigor a ocu-pação pré-histórica do local. Contudo, admitimos −com as necessárias reservas − que possamos estarem presença de um sítio com ocupação numa fase detransição Mesolítico/Neolítico.

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Figura 8

Peso de pedra recolhido nacascalheira da Lagoa Fedorenta.

Figura 9

Peso de Pedra recolhido na Torrinha Pequena.

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Embora este sítio pareça corresponder a umazona de actividades específicas (produção e proces-samento de alimentos) do povoado do Monte Pedre-goso, que lhe fica fronteiro, e por isso, integrável noCalcolítico Final/Idade do Bronze, não é seguro queo peso de pedra corresponda ao mesmo período, an-tes sendo de admitir com plausível a sua maior anti-guidade.

IV.7

7. Torrinha I (Vila Nova da Barquinha)

Este sítio foi descoberto em 1993 por elementosda Associação Histórico-Cultural de Vila Nova daBarquinha.

Situa-se frente ao Povoado do Monte Pedregoso,numa pequena elevação (24 metros de altitude), en-tre a Ribeira de Vale Marques e a Ribeira da Ponteda Pedra, na margem direita do Rio Tejo, e desen-volve-se sobre uma camada arenosa sobrejacente aum terraço quaternário.

Nesse local, numa área muito restrita (cerca de500 m2), aquando do revolvimento da terra para arealização de trabalhos agrícolas, para além de frag-mentos de cerâmica lisa, tem vindo a ser recolhido,à superfície, um importante conjunto lítico, incluindolascas, núcleos e lâminas de sílex, raspadeiras, buris,raspadores, um elemento de foice com lustro de uso,diversos elementos de moagem e artefactos de pedrapolida, incluindo um fragmento de enxó em fibrolite.

Numa zona restrita dessa pequena elevação,afastada do local de maior concentração daquelesmateriais, e onde se deu o desmantelamento par-cial do terraço, ali não coberto da aludida camadaarenosa, foram recolhidos seixos quartzíticos afei-çoados, de talhe “languedocense”, incluindo um“disco” bem como o peso de pedra que aqui se re-produz (Fig. 11), o qual foi adelgaçado por retoquebifacial.

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Figura 10

Pesos de pedra recolhidos no Pedregoso.

Figura 11

Peso de pedra recolhido naTorrinha I.

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8. Monte Pedregoso (Golegã)

Este sítio arqueológico (também conhecido porAlto Pedregoso) foi descoberto por elementos da As-sociação Histórico-Cultural de Vila Nova da Barqui-nha, em 1994, na sequência do desenvolvimento daprospecção de superfície em torno de um sítio ar-queológico romano do Pedregoso

O Monte Pedregoso situa-se precisamente nolimite entre os concelhos de Vila Nova da Barquinhae da Golegã, desenvolvendo-se no sentido deste últi-mo, a 25 metros de altitude, na margem direita doRio Tejo, nas proximidades da confluência de umpequeno curso de água temporário com a Ribeira deVale Marques, afluente da Ribeira da Ponte da Pe-dra.

Os abundantes vestígios arqueológicos foramrecolhidos à superfície numa camada arenosa de coravermelhada sobrejacente ao terraço quaternário,revolvida pelos trabalhos agrícolas, a qual se estendeaté ao sítio do Pedregoso sem soluções de continui-dade. O espólio recolhido é constituído por núcleose lascas residuais de sílex de diversas colorações;lamelas e lâminas finas com ligeiro predomínio dasde secção triangular, em sílex; uma conta de colardiscóide, de cor verde; elementos de foice; um fura-dor em sílex sobre lâmina trapezoidal; um fragmen-to de cerâmica de tradição do Neolítico Antigo evo-lucionado; fragmentos de cerâmica globular lisa edecorada com incisões em “espinha”; fragmento decerâmica com decoração impressa por puncionamen-to; fragmento de uma taça campaniforme com deco-ração constituída por reticulados; numerosos frag-mentos de mós em granito; seixos afeiçoados emquartzito, de talhe “languedocense” e abundantes ar-tefactos de pedra polida.

Foram igualmente recolhidos quatro pesos depedra, de que se representam aqui dois (Fig. 12), ten-do os outros dois já sido divulgados (CRUZ 1996: est.CLVIII).

É de realçar o facto de o exemplar n.º 1 apresen-tar também dois levantamentos em locais opostos doeixo maior, que parecem ter sido efectuados por per-cussão indirecta, eventualmente para permitir umaamarração em cruz. Para além disso, tem a particu-laridade de o lascamento do eixo menor ter sido feitoalternadamente em cada face e o do eixo maior ape-nas numa face.

O exemplar n.º 2, para além do lascamento, foisujeito a uma operação de fricção para provocar oaprofundamento da reentrância.

Em nossa opinião, alicerçada em prospecção sis-temática e continuada do local há vários anos, face àquantidade e diversidade dos achados e ao facto de,aquando dos primeiros revolvimentos do solo pormotivo das lavras, serem perfeitamente individuali-záveis as zonas de habitação ou de actividades de ta-lhe em função das concentrações de materiais ce-râmicos e líticos, estamos perante um povoado − umdos mais importantes e extensos das terras baixas damargem direita do MédioTejo.

Apesar de algum arcaísmo de parte da indústriade sílex atestar uma ocupação anterior do local, ascaracterísticas da cerâmica decorada ali recolhida,levam-nos a integrar este sítio no Calcolítico Final // Idade do Bronze.

9. Riba-Rio (Golegã)

Este arqueossítio foi por nós referenciado pelaprimeira vez em 1998. Situa-se na margem direita doRio Almonda, a escassa distância deste, à entrada

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Figura 12

Pesos de pedra do MontePedregoso.

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Norte da localidade da Azi-nhaga (concelho da Golegã),num terreno com um declivemuito suave para o rio, a umaaltitude de cerca de 18 metros.

Aí, em sucessivas visitasao local, aquando da prepa-ração das lavras para a se-menteira de milho, na cama-da arenosa clara sobrejacentea uma outra mais argilosa querecobre um terraço de baixaaltitude, tivemos oportunida-de de recolher abundante ma-terial lítico, constituído, predominantemente, por las-cas de sílex de colorações diversas, fragmentos delâminas trapezoidais no mesmo material, algumas degrande largura, núcleos e ainda seixos quartzíticostalhados, bem como fragmentos de artefactos de pe-dra polida. Foram também recuperados muitos frag-mentos de pequenas dimensões de cerâmica lisa ealguns de cerâmica campaniforme, bem como umfragmento de cobre inclassificável.

Recentemente recolhemos no local também doispesos de pedra, um deles em quartzito, adelgaçadopor retoque unifacial (Fig. 13, n.º 1).

A diversidade, tipologia e características dosmateriais recolhidos e a extensão da sua mancha dedispersão levam-nos a interpretar o sítio como umpovoado, atribuível ao Calcolítico.

Peso e dimensões

A Tabela 2 sintetiza os achados conhecidos, so-bre os quais existem elementos quantitativos, tendoa sua análise conduzido aos seguintes resultados:

A) Peso

É muito reduzido o número dos exemplares (11)sobre os quais possuímos informação quanto ao seupeso. Contudo, nessa pequena amostra, verifica-seque a maioria tem um peso inferior a 100 gramas,resultado idêntico ao verificado no Castelo Velho deCaratão, onde o mais pesado atinge 80 g, e aos valo-res obtidos por Raquel Vilaça no conjunto de sítiosda Beira Baixa por si estudado (VILAÇA 1995: 319),onde, entre 16 exemplares, apenas um excede os 100 g(114 g).

Todavia, enquanto que estes últimos chegam apesar apenas 20 g e os do Castelo Velho do Caratão25 g, os exemplares analisados recolhidos nesta re-gião distribuem-se entre 52 g (exemplar da TorrinhaPequena) e 249 g (exemplar da Lagoa Fedorenta),este ultrapassando largamente o limite imediata-mente inferior, representado pelo exemplar da Fer-rolhoa (116 g).

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Figura 13

Pesos de pedra recolhidos em Riba-Rio.

Tabela 2

Pesos de Pedra Recolhidos na Região de Constância (Alto Ribatejo)

Sítio Comprimento [cm] Largura min. [cm] Espessura máx. [cm] Peso [g] Matéria-prima Observações

Torrinha Pequena 4,90 4,00 1,30 52,00 quartzito

Torrinha I 8,10 5,30 1,00 92,00 grauvaque

Pedregoso 6,30 5,10 1,50 - xisto

Pedregoso 7,60 4,90 1,80 108,00 grauvaque

Pedregoso 8,00 5,20 1,10 - grauvaque

Monte Pedregoso 7,60 5,30 1,40 100,00 xisto anfibólico

Monte Pedregoso 9,60 6,30 2,20 221,00 xisto anfibólico

Monte Pedregoso 7,80 5,20 1,60 - -

Monte Pedregoso 8,40 5,30 1,10 - -

Lagoa Fedorenta 9,80 6,40 2,10 249,00 quartzito

Tancos 7,30 4,80 2,00 - xisto anfibólico

Ferrolhoa 8,90 5,10 1,50 116,00 quartzito

Quinta do Morgado 7,40 3,40 1,20 58,00 quartzito

Quinta do Morgado 7,60 5,20 1,30 90,00 -

Quinta do Maia Velho 7,50 5,00 1,20 - -

Quinta do Maia Velho 7,30 3,50 0,80 - quartzito

Alminhas 5,20 4,70 - - -

Chã da Bica I 7,60 4,40 - - -

Ponte de Sto António I 8,20 4,40 - - -

Amoreira 8,30 5,00 2,20 - quartzito

Amoreira 10,20 4,20 1,20 - quartzito

Amoreira 7,20 4,10 1,40 - quartzito

Amoreira 7,30 3,20 1,00 - quartzito

Amoreira 5,40 2,10 1,50 - quartzito

Amoreira 6,60 - - - quartzito Fragmento

Amoreira - 4,00 - - quartzito Fragmento

Riba-Rio 7,00 3,20 1,50 68,00 quartzito

Riba-Rio 6,30 3,70 1,40 56,00 xisto anfibólico

Val da Laje 6,80 4,20 2,00 - xisto anfibólico

Maxial 6,30 4,40 0,90 - xisto anfibólico

B) Espessura máxima

Há uma notável semelhança entre todos os pesosde pedra analisados (25) no tocante à espessura.Efectivamente, embora a mesma oscile entre 0,8 cm(exemplar da Quinta do Maia Velho) e 2,2 cm

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(exemplar n.º 1 do Monte Pedregoso), a maioria(72%) situa-se num valor igual ou inferior a 1,5 cm.

Registe-se que os sete pesos de pedra recolhidosno povoado dos Três Moinhos (Beja) têm tambémuma espessura que oscila entre 0,9 cm e 1,7 cm(CARDOSO 1996: 114).

C) Comprimento

Conforme se pode verificarpelo gráfico junto, o comprimen-to dos 29 pesos analisados é va-riável, oscilando entre 4,9 cm(exemplar da Torrinha Peque-na) e 10,2 cm (um exemplar daAmoreira).

No entanto, é perfeitamen-te visível que a maioria se situano intervalo entre os 6 cm e os9 cm.

Resultados semelhantes fo-ram obtidos no Castelo Velhodo Caratão (Mação), onde os 14pesos de pedra recolhidos vari-am entre 5,1 cm e 7,4 cm, e nossete exemplares do povoadodos Três Moinhos, entre 5,1 cme 7,5 cm (CARDOSO 1996: 114).

D) Largura mínima

No tocante à largura míni-ma (medida entre entalhes), amesma distribui-se entre 2,1 cm(exemplar da Amoreira) e 6,4 cm(exemplar da Lagoa Fedorenta),centrando-se a sua distribuiçãoentre os 4 cm e os 6 cm.

E) Matérias-primas utilizadas

Os exemplares presentes naregião são feitos a partir de ma-térias-primas abundantes local-mente, de fácil recolha, nomea-damente nas cascalheiras doscursos de água. Foram princi-palmente executados a partir deseixos achatados, geralmenteapresentando um bom rolamen-to, de quartzito, grauvaque existos anfibólicos, não se cons-tatando nenhuma preferênciamarcada por qualquer destasmatérias-primas que pudessesignificar um grau de selecçãoapurado, quer no tocante à du-reza, quer à granulosidade.

Contudo, a observação parece indiciar que oquartzito seria a matéria-prima principal para o fa-brico de tais artefactos na transição para o Neolíticoou no início deste período, não talvez pelas pro-priedades especiais desta matéria-prima, mas por sera mais utilizada (a par do sílex) para o fabrico dosdemais artefactos necessários à vida diária desseslongínquos povoadores deste espaço geográfico.

Entalhes

A quase totalidade dos exemplares analisadospossui entalhes simétricos ou com uma dissimetriamuito ligeira. Constituem excepções os exemplares1 e 3 do Pedregoso e o exemplar da Lagoa Fedo-renta, o qual, como já vimos, é excepcional a todosos títulos.

De uma forma geral, os entalhes são provocadospor levantamentos obtidos bifacialmente. Porém,como já vimos, alguns têm entalhes unifaciais, o quesó sucede com seixos quartzíticos.

Registe-se também o facto de haver um exem-plar em que o talhe foi feito por retoque bilateral masalternadamente em cada face − o exemplar 2 doMonte Pedregoso −, tipo de talhe que já havia sidodetectado num exemplar da Quinta do Morgado e noexemplar da Anta 1 do Val da Laje, aqui não repro-duzidos.

Todos os entalhes foram obtidos por percussãodirecta, com excepção do exemplar 1 do Monte Pe-dregoso, e só foi detectada a técnica da fricção noexemplar 2 daquele sítio.

Cronologia

É praticamente impossível determinar a cronolo-gia dos pesos de pedra partindo exclusivamente dosdados morfológicos ou morfométricos que apresen-tam.

Assim, a mesma terá de ser deduzida a partir doselementos materiais associados aos mesmos, quepossam constituir um termo de referência crono-cul-tural, tarefa difícil e pouco rigorosa, em virtude de,como vimos, alguns pesos serem provenientes deachados isolados e os restantes recenseados na re-gião corresponderem a recolhas de superfície, sendopoucos aqueles que foram recuperados em contextosestratigráficos bem definidos.

Nalgumas regiões ainda ocorre uma dificuldadeadicional, motivada pelo conhecimento da utilizaçãode tais pesos de pedra em época muito recente (PAÇO1970: 54; BRANDÃO e LANHAS 1971: 582). Essa é,porém, uma dificuldade que parece não existir aqui,onde a utilização de pesos de pedra em cerâmicaconheceu larga generalização desde os tempos his-tóricos.

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Embora não deixando de admitir a possibilidadede tais artefactos, noutros contextos, poderem tertido a funcionalidade de pesos de tear, a circunstân-cia de a totalidade dos exemplares aqui divulgadoster sido recolhida na imediata proximidade de cursosde água e até mesmo no seu leito e o facto de, salvoos exemplares do Maxial, Monte Pedregoso e Riba-Rio (e eventualmente os da Amoreira), não teremsido recolhidos no interior de povoados, levam-nos aadmitir a forte probabilidade de terem sido utilizadosem actividades piscatórias.

Porém, com os dados actualmente existentes,não é possível determinar se as actividades haliêuti-cas que os mesmos parecem documentar teriam umcarácter de uma certa permanência, levando à fixa-ção das populações, ou se seriam marcadas por umasazonalidade relacionada com o ciclo de reproduçãodas espécies piscícolas, gerando ocupações de carác-ter temporário. Só o estudo de restos faunísticos − in-existente até ao momento − poderia ajudar a esclare-cer esta questão e, particularmente, o papel do povo-ado da Amoreira (onde foram recuperadas dezenasde pesos de pedra) nesta zona do vale do Tejo.

IV.11

Aqui, tal como noutras regiões do país, os pesosde pedra abrangem uma cronologia que vai desde atransição para o Neolítico (Torrinha Pequena,Amoreira) até uma fase avançada do Calcolítico e,eventualmente, início da Idade do Bronze (Maxial,Riba-Rio), sendo um exemplo notável de sobrevi-vência de uma técnica de trabalho da pedra de ori-gem milenar.

Conclusão

Este trabalho visou chamar a atenção e dar aconhecer um conjunto de artefactos que poderãoconstituir as únicas marcas visíveis na região daactividade da pesca na Pré-História − os pesos depedra com entalhes.

A distribuição dos pesos de pedra torna evidenteque, nesta região, os mesmos ocorrem ao longo dedois eixos principais, que correspondem aos maisimportantes cursos de água que a atravessam − oTejo e o Zêzere.

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IV.12

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V.1 adendaelectrónicaadendaelectrónica

1. Introdução

O sítio arqueológico que foi objecto detrabalhos arqueológicos 1 encontra-sedefinido entre a Rua Hermenegildo Ca-

pelo e a Rua Mouzinho de Albuquerque, e localiza--se em pleno centro histórico da Vila de Palmela 2.

A intervenção arqueológica 3 ocorreu no espaçodeixado livre pela demolição de todo o conjunto deedifícios de propriedade camarária, que ameaçavamruína.

Os resultados obtidos revelaram-se uma surpre-sa inesperada em termos de documentação arqueo-lógica, que veio enriquecer de forma notável o co-nhecimento que tínhamos sobre a evolução e quoti-diano tardo-medieval na área urbana de Palmela 4.

O local encontra-se igualmente inserido na ZonaEspecial de Protecção do Castelo de Palmela, defini-da pela Portaria n.º 944/85, D.R., 1ª série, n.º 288 de14 de Dezembro.

2. O “Mercado Velho” de Palmela:breves notas sobre a evolução histórica doespaço envolvente, desde o Período Islâmico

Se por um lado, verificamos que são escassos oselementos disponíveis para efectuar a história espe-cífica deste edifício e bairros anexos, constatamos,porém, que investigá-la é o mesmo que investigar ahistória da Vila de Palmela, no seu espaço fora demuralhas.

Intervenção Arqueológicano “Mercado Velho” de Palmelaprimeiros resultados

por António Rafael Carvalho

Arqueólogo. Serviço de Arqueologia da Câmara Municipal de Palmela.

A R Q U E O L O G I A ar e s u m o

Apresentação dos primeirosresultados da intervenção ar-queológica no chamado “Mer-cado Velho” da vila de Palmela(Setúbal), que contribuiu deforma assinalável para o conhe-cimento do quotidiano tardo--medieval desta área urbana.O autor destaca o achado deproduções cerâmicas do séculoXIV oriundas do reino de Fez(Marrocos), pela primeira vezdocumentadas em Portugal.

p a l a v r a s c h a v e

Idade Média; cerâmica; cerâmi-ca norte-africana.

a b s t r a c t

The author presents the firstresults of the archaeological ex-cavations in the “Old Market”of Palmela (Setúbal), which havecontributed greatly to ourknowledge of the daily life inthis urban area during late Med-ieval times.He highlights the discovery of14th century ceramic produc-tions from Fez (Morocco), whichare now documented for thefirst time in Portugal.

k e y w o r d s

Middle Ages; pottery; north--African pottery.

r é s u m é

Présentation des premiers ré-sultats de l’intervention archéo-logique dans le-dit “Ancien Mar-ché” de la ville de Palmela (Setú-bal), qui a contribué de maniè-re signifiante à la connaissancedu quotidien médiéval tardif decette zone urbaine.L’auteur met en relief la décou-verte de productions céramiquesdu XIVème siècle originaires deFez au Maroc, pour la premièrefois répertoriées au Portugal.

m o t s c l é s

Moyen Âge; céramique; céra-mique d’Afrique du Nord.

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Se compararmos o volume de conhecimentos quetemos, entre o Castelo e a Vila fora de muralhas, veri-ficamos que o estado da investigação está mais avan-çado no castelo e que ainda existem muitas dúvidasem relação às origens e evolução da Vila de Palmela.

A primeira questão tem a ver com a sua origem.Como se formou e porquê?

Felizmente, a intervenção no “Mercado Velho”forneceu elementos fora de contexto que permitemsustentar novas hipóteses de como se estruturava apaleocupação na colina de Palmela, desde a Anti-guidade Tardia até à conquista Portuguesa.

Apesar do papel incontornável do Castelo dePalmela no ordenamento do território, condicionan-do a sua evolução histórica em contexto medieval 5,

1 Os trabalhos arqueológicos tiveram início em Setembro de 2002, após aautorização dada pelo Instituto Português de Arqueologia.2 Sede de Concelho. Área Metropolitana de Lisboa. Distrito de Setúbal.3 Participaram nos trabalhos de campo, Jorge Oliveira e quatrotrabalhadores indiferenciados. No desenho de campo contámos comFrancisco Cebola. No trabalho de gabinete, participaram Fátima Felicíssimo,Cláudia Dias de Oliveira e Frederico Regala. Agradecemos à Drª TeresaRosendo, chefe de Divisão do Património Cultural, e às arqueólogas IsabelCristina Fernandes e Michelle Teixeira toda a colaboração prestada.4 Acrescentando novos dados referentes à paleocupação da área urbana dePalmela, na Antiguidade Tardia e Período Islâmico.5 Pelos atributos de prestígio e domínio do espaço que desde cedo lheforam associados, pela fundação da estrutura militar, atribuída à elite árabedos Banu Matari, em meados do século VIII.

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serviços à elite islâmica instalada dentro demuralhas.

A transformação desse povoamento, ini-cialmente disperso, num bairro, poderá ter de-corrido lentamente, fruto de aumento demo-gráfico natural e das oportunidades económi-cas abertas pela posição de Palmela comosede de domínio regional da Arrábida e foz dorio Sado.

Parece-nos claro que a área urbana de Pal-mela nasce desse arrabalde que se instala naencosta voltada a Norte, junto ao castelo, pro-vavelmente em meados dos séculos IX-X, pe-

ríodo que coincide com o domínio dos Banu Danisde Alcácer em Palmela.

É de aceitar que em meados do século XII o ar-rabalde seja abandonado, devido ao clima de guerraentão vivido na região.

Após a primeira conquista portuguesa de Pal-mela e concessão do primeiro Foral, por D. AfonsoHenriques, a comunidade islâmica reocupa o arra-balde, desta vez contando com apoio e protecção ré-gia.

A consolidação do domínio português no BaixoSado no decurso do século XIII, após a conquistadefinitiva de Alcácer do Sal, em 1217, e o desenvol-vimento de Setúbal, foram acontecimentos que per-mitiram estabilidade suficiente para que a populaçãocristã, inicialmente dentro de muralhas, saísse e vies-se ocupar uma área adossada ao arrabalde mudéjarpalmelense.

Os séculos XIII e XIV serão marcados pelo cres-cimento da vila de Palmela fora de muralhas, assis-tindo-se a um aumento da sua população civil, en-quanto, por oposição, verificamos a crescente milita-rização e apropriação quase total do castelo pela Or-dem de Santiago.

A fraca documentação arqueológica desses sécu-los na vila de Palmela prende-se com o incrementoda construção em espaço urbano, que parece ter var-rido a Vila de Palmela a partir do início do séculoXV e que provavelmente se prolongou até ao séculoXVII.

Essa surto de edificação, talvez reflexo naturalde um aumento demográfico e de recursos mone-tários, numa área urbana sem muitos espaços físicosde expansão, porque se encontrava rodeada por re-guengos e propriedades da Ordem de Santiago, in-centivaram os palmelenses a construírem em “pro-fundidade”.

o espaço fora de muralhas teve uma dinâmica evolu-tiva que importa conhecer.

Este espaço é, em contexto islâmico e de ummodo geral no al-Andalus, um território pleno de re-cursos e vocacionado para um conjunto de funçõesque não encontram disponibilidade ou coerência den-tro de muralhas.

É, em suma, o local de reunião dos comerciantesna esplanada, o espaço de trabalho de muçulmanos emoçarabes que vivem das actividades agrícolas e ar-tesanais (fornos de cerâmica, etc.), o espaço de ora-ção colectiva. E é também o espaço sagrado, onde osmortos repousam na maqbara, voltados para Meca.

Trata-se de uma vasta área, complementar aocastelo, fervilhante de vida, e comporta-se como pla-ca giratória, plena de pessoas, ideias e produtos, quea “elite / Khassa” do castelo, fiscalizava, analisava edefendia.

Deste modo, não foi nenhuma surpresa a confir-mação arqueológica, em 2004, da existência de umarrabalde de cronologia islâmica, fora de muralhas,graças aos vestígios existentes junto ao actual edifí-cio da autarquia de Palmela.

A problemática neste momento prende-se com oséculo em que nasceu o referido arrabalde.

A instalação de uma khassa de origem tribal ára-be não lhes permite explorar o território directamen-te, dado que esse é o atributo dado à ‘amma e aosmoçarabes.

A khassa dos Banu Matari, que se instala emPalmela em meados do século VIII, tem uma funçãomilitar específica no seio do ahl al-Sham, que de-pressa será esquecida em proveito próprio.

Face ao exposto, torna-se necessária a implanta-ção de alguns casais agrícolas na colina de Palmela,para assegurar de forma continuada e sem rupturasuma série de recursos alimentares e a prestação de

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Figura 1

Proposta de reconstituição daestrutura urbana de Balmalla(Palmela), nos séculos X-XI.

Segundo os dados actualmentedisponíveis, Palmela com o seuarrabalde seria, em contextoCalifal e Taifa, um “hisn-medina”.Trata-se de um termo árabe queaparece nas fontes da época paradesignar uma estruturaadministrativa que é superior a umcastelo / hisn, mas que não tem oestatuto de cidade / medina.

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Como pudemos constatar no decurso da demo-lição e depois na intervenção arqueológica, a cons-trução da Praça, que foi inaugurada no dia 27 deJulho de 1952, levou à total destruição de toda a in-formação arqueológica aí existente, porque a base doedifício foi escavada no substrato geológico de Pal-mela, que corresponde aos afloramentos de arenitosdo Miocénico.

Antes da demolição do edifício e casas anexas,os serviços técnicos da autarquia efectuaram um le-vantamento topográfico, que serviu de base no nos-so trabalho de campo.

Também foram tiradas algumas fotografias, masquase todas referentes ao edifício da praça. A ausên-cia de fotos em relação às casas anexas prende-secom o perigo de derrocada eminente que esse con-junto apresentava.

3. A intervenção arqueológica

A intervenção arqueológica teve lugar entre 16de Setembro e 11 de Outubro de 2002.

O trabalho foi integralmente financiado pela Câ-mara Municipal de Palmela.

O desenho de campo e o trabalho de topografiaforam efectuados no decurso da escavação arqueo-lógica e prolongaram-se até ao dia 15 de Novembro.

Uma das condicionantes com que nos depará-mos no decurso da escavação foi uma fase de mautempo (algumas semanas), que condicionou a pro-gressão adequada dos trabalhos.

Ao escavarem na rocha, para obterem mais es-paço útil e também matéria-prima para construção,foram certamente, desmontados e destruídos muitosvestígios arqueológicos ulteriores.

Parece ser essa a razão de haver uma clara dis-crepância entre a informação deduzível da análise dadocumentação histórica e a realidade arqueológicaque nos é dado observar.

A lixeira identificada no decurso dos trabalhosarqueológicos referidos neste texto irá nascer numazona de fronteira da área urbana tardo-medieval como reguengo de Fetais, pertencente à Ordem de San-tiago, facto que obrigou a Vila de Palmela a expandirsempre para Norte, numa faixa estreita, ancorada àsescarpas voltadas para o Vale de Barris.

No século XVI (inícios), a lixeira será desactiva-da. As habitações aí construídas serão um pouco pos-teriores, provavelmente de meados do século XVII.

Desse século até ao século XX, a informação éescassa e resume-se a uma série de pisos de ocupa-ção, com ausência de espólio arqueológico.

Perante a escassez de registos documentais, so-corremo-nos de fontes orais, de moradores locais, deidade avançada, que quase diariamente iam apare-cendo junto à escavação para saberem de novidades.

Segundo o Sr. João Monteiro, com mais de 60anos, nascido em Palmela, no local onde em meadosdos anos 1950 foi construída a praça, existia umacocheira, habitando uma família no andar de cima.Esse conjunto era separado no seu lado Poente poruma rua com escadas, que depois foi incorporadapelo edifício da praça.

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Figura 2

Planta síntese dos pisos 1 e 2,ilustrando as áreas funcionais doespaço intervencionado, já com amalha da escavação implantada.

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Em termos de resultados, podemos agrupar osquadrados intervencionados em dois grupos: os queforneceram documentação e níveis estratigráficos eos que revelaram ausência de níveis arqueológicos.

Esses elementos permitiram elaborar a Tabela 1.

3.1. A escavação

Como já foi referido, a intervenção arqueológicateve início no dia 16 de Setembro de 2002, após tersido implantada no local pela equipa de topografiada autarquia uma quadrícula que ocupasse toda aárea que iria ser intervencionada.

A malha, com quadrados de 2 por 2 m, foi ori-entada de W a E, e de N a S. No sentido N-S, foramatribuídos números por ordem crescente (de 1 a 11).No sentido W-E, foram atribuídas letras ordenadaspor ordem alfabética (de I a U).

O acompanhamento que efectuámos no decursoda demolição não foi claro acerca do potencial ar-queológico do local. De facto, ficámos com a ideiavaga de que o local seria estéril arqueologicamente,à semelhança de outras situações anteriormente de-tectadas no centro histórico de Palmela.

Face a esses dados, e como desconhecíamos porcompleto a realidade arqueológica existente, decidi-mos em termos de abordagem, seleccionar algumassequências de quadrados distintos para efectuar son-dagens.

A primeira selecção de quadrados incidiu no es-paço que correspondia ao chão do Mercado.

Iniciámos os trabalhos nos quadrados L10, L11,M10, M11, N10, 09, 010 e P9.

Não foi surpresa nenhuma quando, logo apóstermos decapado o nível de superfície, a UE 1, entreos 10 e os 20 cm, surgiu a base geológica, que nestelocal corresponde às camadas de arenitos arenosos ecalcários do Miocénico de Palmela. A base geológi-ca apresentava-se rudemente desventrada pela esca-vação efectuada nos anos 1940-50, quando foi ergui-do o edifício do Mercado Municipal.

Os outros quadrados intervencionados, o R5 e oS5, foram escolhidos porque se localizavam quase ameio do espaço anexo ao Mercado, num terreno ocu-pado por moradias antigas que teriam sido poupadas,

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Tabela 1

“Mercado Velho” de Palmela (quadrados intervencionados)

Ausência de documentação arqueológica [I, J, L, M, N, O, P, Q, R, S] Com documentação arqueológica [N, O, P, Q, R, S, T, U]

Q1 R1 S1

N2 O2 P2 Q2 R2 S2

L3 M3 N3 O3 P3 Q3 R3 S3

I4 J4 L4 M4 S4 T4 U4

I5 J5 L5 M5 R5 S5 S5 T5 U5

I6 J6 L6 M6 T6 U6

J7 Q7 R7 S7

J8 Q8 R8 S8

J9 O9 P9 Q9

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L11 M11

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Figura 3

Planta síntese do potencialestratigráfico identificado no“Mercado Velho” de Palmela.

A. Afloramento rochoso eargilas; ausência de níveisarqueológicos;

B. Lixeira tardo-medieval;estratigrafia segura;

C. Lixeira tardo-medieval semestratigrafia segura;

D. Escassos níveis estratigráficos.

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tarefa que conseguimos porque, como pudemosdepois verificar, a área intervencionada a abrangeuna sua totalidade.

A lavagem integral do espólio recolhido já per-mitiu a identificação de novas variantes de formascerâmicas, no âmbito das tipologias quinhentistas dePalmela.

3.2. Estruturas e compartimentos

A remoção da UE 1, permitiu identificar umconjunto de estruturas e compartimentos.

Como seria de esperar, no espaço ocupado peloedifício do Mercado, os únicos elementos estruturaisque conseguiram sobreviver à demolição correspon-dem, na sua totalidade, ao edifício do século XX aíedificado.

Não foram identificadas estruturas ou espólio deépocas ulteriores, porque, como já foi referido, aconstrução do edifício no século XX levou à escava-ção integral do subsolo e o piso térreo foi assentedirectamente na rocha.

Panorama radicalmente oposto foi identificadono espaço correspondente às edificações anexas aoMercado e que correspondiam à malha construtivaprimitiva.

Apesar da demolição e da remoção dos entulhosefectuada logo em seguida, essa acção parece terafectado muito pouco as unidades estratigráficas e asestruturas aí existentes.

Definiu-se um total de dez muros e cinco com-partimentos.

V.5

em termos de escavação mecâni-ca, nos anos 1940-50. Os resulta-dos foram decepcionantes, por-que os níveis de argila que aflo-ravam à superfície correspondemà sequência estratigráfica geoló-gica do local.

Entretanto, efectuámos son-dagens nos quadrados Q7, Q8,R7, R8, S7 e S8. Como prevía-mos, aflorou novamente a basegeológica, ora constituída porargila ou arenitos. Foi identifica-do um muro que fazia parte dahabitação aí existente. Junto aoalçado dessa estrutura, foi possí-vel detectar resquícios estratigrá-ficos com escasso espólio arqueo-lógico.

Face a estes resultados, ini-ciámos a limpeza dos quadradosT6 e U6. Retirada a UE 1, asunidades estratigráficas seguintesrevelaram uma fraca potência, as-sociada a escasso espólio arqueo-lógico de meados do século XVI(1ª metade). Parámos momentaneamente a son-dagem ao nível da UE 7.

No final da primeira semana começou a chover,situação que permitiu lavar em extensão a área queestávamos a intervir. Essa acção de lixiviaçãoremoveu lixos recentes e camadas finas resultantesda demolição. Uma análise mais atenta permitiu ve-rificar a ocorrência de escassa cerâmica vidrada dosfinais do século XV e inícios do XVI, que aflorava àsuperfície do quadrado T4.

No inicio da segunda semana de trabalhosdemos início a uma sondagem nos quadrados T4 eT5, efectuando uma decapagem da UE 1 (restos dademolição), que cobria toda a área mas apresentavadiferentes espessuras. Ao contrário do que tinhaacontecido nos quadrados atrás referidos, após reti-rarmos uma película de 5 a 10 cm de lixos, resul-tantes da demolição, deparámo-nos com uma cama-da de cor escura, rica em matéria orgânica e cerâmi-cas dos séculos XV-XVI. Designámos esta unidadeestratigráfica como UE 14a.

Ao longo da segunda semana e no decurso daterceira, verificámos que esta camada correspondia auma lixeira e que se estendia para Sul (T6, U5 e U6)e para Norte. (S4, S3, S2, R3, R2, R1, Q3, Q2, Q1,P3, P2, O3, O2, N3, N2 e M3).

O espólio exumado foi imenso e centrava-segrosso modo no século XV.

Face aos resultados decepcionantes que tínha-mos obtido nos quadrados referentes ao espaço doMercado, demos por concluída a escavação nessesector e investimos na escavação integral da lixeira,

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N O P Q R S T U V

1

2

3

4

5

6

7

Muro 11

Muro 10

Muro 9

Muro 8

Muro 7

Muro 6

Muro 4

Muro 3Muro 5

Muro 1

Muro 2(não visível)

Figura 4

Conjunto de estruturas ecompartimentos identificados apósa remoção da UE 1.

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V.6

A R Q U E O L O G I Aa

adendaelectrónica al-madan adenda electrónica ISSN 0871-066X | IIª Série (13) | Julho 2005

C E N T R O D E A R Q U E O L O G I A D E A L M A D A

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3.3. Unidades estratigráficas

A escavação integral do espaço do Mercado per-mitiu identificar um conjunto de 31 unidades estrati-gráficas.

Apesar desse grande número, a grande maioriacorresponde a pisos que não forneceram espólio ar-queológico.

De forma a sintetizar a informação obtida, ela-borámos a Tabela 2, que apresentamos junto.

Por outro lado, para ilustrar a realidade estrati-gráfica identificada, seleccionámos o Perfil 1, quecorresponde aos cortes estratigráficos mais significa-tivos do local intervencionado.

Este perfil apresenta a sequência estratigráficaobtida no interior do Compartimento 1 (que coincidecom a do interior dos Compartimentos 2 e 3) e no es-paço anexo, situado a SW, em direcção ao “MercadoVelho” de Palmela.

Se, no interior do Compartimento, a sequênciaestratigráfica identificada encontra-se completa, noespaço imediatamente anexo, depois da vala de cons-trução do Muro 1, a estratigrafia (inicialmente compouca expressão em virtude de o afloramento geoló-gico − arenito e argila − se encontrar mais à superfí-cie), só apresentava alguns vestígios junto à paredeinterna do edifício conhecido como Matadouro deAves. Correspondia a pisos do chão do referidoedifício, revelando escassez de espólio arqueológico.

4. A documentação arqueológica

Apesar de termos recolhido um espólio docu-mental arqueológico desmedido, ele é na sua quasetotalidade proveniente da lixeira tardo-medieval

Tabela 2

“Mercado Velho” de Palmela (unidades estratigráficas)

Ausência de espólio arqueológico Com documentação arqueológica

UE 1. Demolição UE 14b. Areia UE 2a. Fragmentos de tijoleiras

UE 2b. Lentícula argilosa UE 17. Piso UE 2e. Fragmentos do tijoleiras

UE 2c. Piso UE 19. Piso UE 8. Escasso espólio

UE 2d. Piso UE 20. Chão UE 9. Mistura com a lixeira

UE 3. Vala UE 21. Vala UE 14a. Lixeira

UE 4. Base da rua UE 22. Sedimento UE 15. Lixeira

UE 5. Calçada UE 23. Sedimento UE 16. Cerâmicas muçulmanas e posteriores

UE 6. Bolsa UE 24. Vala

UE 7. Sedimento UE 25. Sedimento UE 18. Escasso espólio

UE 10. Bolsa UE 26. Vala UE 29. Escasso espólio

UE 11. Entulhos UE 27. Piso UE 30. Lixeira

UE 12. Piso UE 28. Piso UE 31. Lixeira

UE 13. Nível argiloso

UE 1. Cobre toda a área intervencionada. Resultou da de-molição total do edifício do Mercado e casas anexas. Apresentauma espessura média entre os 10 cm e os 50 cm em algumaszonas. Ausência de espólio arqueológico.

UE 2a.. Piso fino de terra acastanhada que se estendia por todoo compartimento. Foi desmantelado no decurso da demolição.Contém alguns fragmentos de tijoleira. Existe unicamente no com-partimento 1, junto à parede do Matadouro de Aves.

UE 2b.. Pequena lentícula argilosa, de cor acinzentada, comexpressão junto à parede do Matadouro. Ausência de espólio.

UE 2c.. Piso de argila cinzenta. Ausência de espólio arqueológico.

UE 2d.. Piso de areia amarela, finíssimo, e alguns fragmentospequenos de arenito de Palmela. Ausência de espólio arqueológico.

UE 2e.. Piso misturado com entulho. Apresenta uma cor acas-tanhada e contém alguns fragmentos de tijoleira. O sedimentoencontra-se alterado por causa da demolição. Assenta directa-mente no afloramento rochoso de arenito.

UE 3.. Bolsa de terra acastanhada, que corresponde à vala de cons-trução do muro lateral do Matadouro de Aves. Ausência deespólio arqueológico.

UE 4.. Conjunto de sedimentos misturados que correspondemà base da Rua Mouzinho de Albuquerque.

UE 6.. Bolsa argilosa que perturbou as unidades estratigráficas la-terais e que assenta no topo do muro 1. Corresponde a um se-dimento argiloso de tom levemente avermelhado. Ausência deespólio arqueológico.

UE 7.. Sedimento de cor acastanhada. Ausência de espólio ar-queológico.

UE 8.. Sedimento arenoso, de tonalidade amarelada e com tex-tura um pouco argilosa. Contém algum espólio arqueológico demeados do século XV, que mostra algum rolamento.

UE 14a.. Corresponde ao primeiro nível da lixeira. Camada es-pessa, de cor negra, rica em matéria orgânica, fauna e fragmen-tos cerâmicos do século XV.

UE 14b.. Pequenas bolsas de areia amarela. Ausência de espólioarqueológico.

UE 15.. Nível semelhante ao descrito na EU 14a, apresentandocontudo menos espólio e fauna e uma textura mais arenosa.

UE 16.. Argila de cor cinza-avermelhada. Apresenta escasso es-pólio arqueológico, algum de cronologia islâmica. Acompanha emtodo o comprimento o muro 1, correspondendo à sua vala de cons-trução.

UE 26.. Sedimento arenoso acastanhado claro. Corresponde à valade construção do muro 5.

V6 U6 U7 T7 S7 S8 R8

188.00

187.00

186.00

185.00

NE SW

3

26 7

8

14a

14b 14b

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2a 2a2e

2a

afloramento rochoso

argila do afloramento geológico afloramento rochoso

ME

RC

AD

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Mur

o 1

Mur

o 11

Muro 5

Parede do Matadouro de Aves

Muro doMatadouro de Aves

Rua Mouzinho de Albuquerque

Figura 5

“Mercado Velho” de Palmela: Perfil 1.

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machados e enxós de pedra polida, geralmente comoprotectores de tempestades com relâmpagos.

Será que o aparecimento deste tipo de utensíliospré-históricos na lixeira é consequência dessas cren-ças e práticas? É provável. Contudo, também temosque aceitar um reaproveitamento funcional destesutensílios líticos em contexto medieval, porque aquase totalidade de fragmentos exumados só apre-senta a secção de pedra que contém o gume.

V.7

(unidades estratigráficas 14 a, 15, 30 e 31),cronologicamente inserida entre o final doséculo XIV e o início do século XVI.

As restantes unidades estratigráficas, cro-nologicamente inseridas no Período Moderno,forneceram escassa documentação arqueo-lógica e correspondiam quase sempre a pisos.

A análise preliminar que já foi efectuadaao referido conjunto, permite afirmar que es-tamos perante uma zona de despejo de lixosdomésticos de âmbito urbano, provavelmenteprovenientes de um “bairro”.

Talvez tenha tido origem na remodelaçãodo tecido urbano, ocorrida após o saque Cas-telhano à Vila de Palmela, episódio efectuadono decurso do cerco de Lisboa (Revolução de1383-1385).

A lixeira terá sido desactivada nos iníciosdo século XVI, fase datada por dois fragmen-tos de majólica italiana identificados na UE 30(Quadrado R1).

Se a documentação arqueológica recolhida na li-xeira (cerâmicas, metais e fauna) é reflexo do quoti-diano da Vila de Palmela no final da Idade Média(séculos XIV-XV) e início do Período Moderno (sé-culo XVI), também lhe estão associados outros hori-zontes cronológicos, da Pré-História e Período Ro-mano até à Fase Muçulmana, testemunhos de outrasocupações ocorridas na área envolvente e que têmque ser correctamente valorizados.

As produções locais e regionais, que correspon-dem à quase totalidade da documentação arqueológi-ca, serão mencionadas de forma geral, porque repre-sentam tipologias conhecidas, que têm sido objectode vários estudos referentes à Vila de Palmela 6, des-de a década de 1990.

4.1. Documentação arqueológica fora de contexto

A) Pré-História

A documentação pré-históricaexumada na lixeira corresponde nasua quase totalidade a fragmentos deutensílios em pedra polida, de crono-logia que poderá remontar ao Neo-lítico Final e Calcolítico.

Até ao momento não identificá-mos fragmentos cerâmicos coevos dosmateriais líticos. Tal facto permite-nossupor que a recolha destes instrumen-tos terá sido efectuada na área urbanade Palmela e região envolvente 7, ten-do ocorrido em contexto tardo-me-dieval, provavelmente no século XIV.

Por outro lado, chegaram até aoséculo XX tradições populares queatribuem qualidades profiláticas aos

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Figura 6

O Mediterrâneo Ocidental no período defuncionamento da lixeira do “Mercado Velho” de Palmela.

Mapa síntese (finais do século XIV e inícios doséculo XV).

MP 79 (S2-3/31)

0 3 cm

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Figuras 7 e 8

Utensílio em pedra polida elocalização das ocupações pré-históricas na colina de Palmela.

6 FERNANDES e CARVALHO, estudosreferentes à Rua de Nenhures, Rua do Castelo, Rua do Salgueiro, Rua Augusto Cardoso, Rua CoronelGalhardo e Castelo de Palmela, que foram publicados em diferentesrevistas e actas de encontros.

7 Como hipótese de trabalho, julgamos que esses machados, pela suatipologia e horizonte cronológicoproposto (Neolítico Final/Calcolítico),sejam provenientes do povoado deChibanes, arqueossítio próximo dePalmela e também do castelo de

Palmela, locais que foram ocupadosdesde essa época até ao PeríodoRomano. Sabe-se actualmente que aocupação pré-histórica do morro docastelo foi sistematicamente destruídano decurso da implantação da estruturamilitar islâmica.

0 500 m

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B) Moeda alto-imperial

A moeda de cronologiaalto-imperial exumada na li-xeira, corresponde a uma emis-são comemorativa da funda-ção de Mérida 8 e foi encon-trada no Q S3, na UE 30, as-sociada a cerâmicas e faunasdo século XV.

Trata-se do primeiro exem-plar monetário romano reco-lhido na Área Urbana de Pal-mela. Até ao momento, só tí-nhamos recolhido algumasmoedas romanas no interiordo Castelo de Palmela.

Será que este elemento,claramente fora de contexto,é indício de povoamento alto--imperial na área Urbana dePalmela, indicando a existên-cia de um casal agrícola?

Pensamos que sim, por-que todos os elementos soltos encontrados na lixeira− sejam eles de cronologia pré-histórica ou islâmica−, têm correspondência em termos ocupacionais naárea envolvente (castelo, colina de Palmela e Serrado Louro).

C) Elemento de cinturão visigótico

Uma das grandes novidades em termos docu-mentais, foi a identificação de um elemento de fivelaclaramente visigótica, infelizmente fora de contexto,porque encontrava-se misturada no meio da lixeiratardo-medieval (Q S3, UE 31).

Até ao momento, só havia indí-cios de presença romana tardia emPalmela, na área do castelo (algumascerâmicas de tradição visigótica eelementos de cantaria).

Outro dado interessante é o re-ferente ao topónimo que é conserva-do pelos muçulmanos − Balmalla −,que, na nossa perspectiva, resulta daarabização do termo latino Palmelæ(“Palma pequena”).

O elemento de cinturão dado aconhecer é um documento impor-tante, que prova a existência de umapresença visigótica em Palmela, denatureza ainda pouco clara, que teráservido de base à instalação muçul-mana do Banu Matari, em meadosdo século VIII.

A peça possui uma cronologiacentrada nos séculos VI a VII.

Segundo o quadro elaborado por Gisela Ripoll 9,esta tipologia inicia-se no seu nível III (525 a 560d.C.) e continua nos níveis IV e V, atingindo datasposteriores a 640 d.C., para terminar a sua produçãopouco depois da conquista muçulmana da Hispânia.

Um exemplar semelhante foi encontrado em Co-nimbriga 10, tendo sido datado dos séculos V a VI d.C.

De produção peninsular, corresponde a um ele-mento do vestuário que começou a ser usado a partirda época de Alarico II, até Amalarico, que deu inícioao reinado visigodo independente da regência ostro-goda (480/490-525) 11.

Os exemplares conhecidos são quase todos decontextos funerários, sendo raros os que são prove-nientes de contextos habitacionais.

Trata-se de um adereço de vestuário aceite pelaselites exteriores ao Reino Visigótico, como se provapelo seu aparecimento em Sala / Marrocos, e mesmoem áreas peninsulares pouco dominadas pela monar-quia visigótica, no Norte de Espanha, junto à regiãoBasca.

D) Cerâmicas islâmicas

As cerâmicas islâmicas exumadas no “MercadoVelho” dividem-se em dois grupos:

− As que são provenientes da vala de construçãodo Muro 1 (UE 16) e que são cronologicamenteanteriores à construção dessa estrutura (Grupo A).

− As cerâmicas provenientes dos reinos muçul-manos tardo-medievais (Reino de Granada ou Naza-ri, Reino Merinida ou de Fez e do Próximo Oriente),exumadas na lixeira, nos níveis correspondentes aosséculos XIV e XV (UE 14 a e 15) (Grupo B).

Tanto num caso como no outro, correspondem apequenos conjuntos de peças.

V.8

8 Trata-se de uma moeda daoficina de Augusta Emerita e terásido cunhada por ordem doImperador Tibério, em comemoração do imperadorAugusto divinizado.9 RIPOLL, Gisela (1987) − Problèmesde Chronologie et de Typologie aPropos du Mobilier FunéraireHispano-Visigothique. Actes des IXJournées d’ArchéologieMerovingienne, pp. 101-107.10 ALARCÃO, Adília (1994) −Museu Monográfico de Conimbriga.Colecções. Lisboa: InstitutoPortuguês de Museus, p. 142(Fivela, nº 435.13 − Id. Inv. 68.40.Dimensões − 39x28 mm. Cronologia:− séculos V a VII d. C. Aro oval, largo e bombeado, mais espesso decada lado do eixo, curto e fino.Fusilhão escudiforme).11 RIPOLL, ob. cit.

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0 1 cm

Figura 9

“Mercado Velho” de Palmela:moeda alto-imperial.

MP 383 (S3/31)0 3 cm

Figura 9

“Mercado Velho” de Palmela:elemento de cinturão visigótico.

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res do Islão segundo a tradição almóada, que conti-nua vigente em certos aspectos do quotidiano.

Esta afirmação entra em contradição com a pos-tura oficial dos merinidas, que aboliram a tradiçãoalmoada e repuseram a tradição maliquista.

Os melhores paralelos que encontramos para apeça exumada no Mercado de Palmela, correspon-dem aos conjuntos de caçarolas provenientes dos ní-veis do século XIV de Ceuta 12 e Fez 13.

Apresenta um tipo de bordo específico das pro-duções merinidas, que não encontramos nas formassemelhantes e contemporâneas, produzidas no reinode Granada.

12 HITA RUIZ, José Manuel eVILLADA PAREDES, Fernando (2000)− Una Aproximación al Estudio de laCerámica en la Ceuta Mariní. Actasdo Encontro Sobre CerámicaNazarí y Mariní, pp. 291-328.13 FILI, Abadía (2000) − LaCéramique de la Madrasa Mérinideal-Bu ‘inaniyya de Fés. Actas doEncontro Sobre Cerámica Nazarí yMariní, pp. 259-290.

V.9

E) Cerâmicas da fase islâmica de Palmela (Grupo A)

Até ao momento, os únicos fragmentos de cerâ-micas que correspondem à fase islâmica de Palmelaforam recolhidos na vala de construção do Muro 1.

O referido muro, que corresponde à estruturamais antiga identificada no local intervencionado, te-rá sido construído em meados do século XIV, e ates-ta um episódio anterior ao início da transformaçãodeste espaço em lixeira.

A presença residual de cerâmicas muçulmanasna referida vala de construção, apresentando crono-logias das Fases Califal e I Taifas, permite supor que,nas imediações ou mesmo no local, existiram ocu-pações islâmicas − talvez casais? − que geriam eco-nomicamente o espaço envolvente.

Não é a primeira vez que detectamos na área ur-bana cerâmicas islâmicas.

4.2. Cerâmicas exumadas em contexto

4.2.1. Cerâmicas merinidas e nazaris (Grupo B)

A) As produções merinidas.

Foi com alguma surpresa que identificámos umapeça que apresenta as características específicas dasproduções cerâmicas com origem no Reino Merini-da (actual Marrocos).

Trata-se de um fragmento de caçarola, com cor-dão lateral.

A superfície interna encontra-se coberta por ummelado espesso e fino.

Segundo Abdallah Fili, no seu estudo sobre “LaCéramique de la Madrasa Mérinide al-Bu ‘inaniyyade Fés”, e que podemos transpor para as restantesproduções merinidas encontradas em Marrocos, ascerâmicas desta época são geralmente mais sóbriasnos seus programas decorativos que as nazaris, suascontemporâneas, porque os olei-ros do reino merinidaseguem os valo-

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0 10 cm

MP 367 (55-T6/16)

MP 368 (55-T6/16)

MP 369 (55-T6/16)

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Figura 10

“Mercado Velho” de Palmela:cerâmicas islâmicas da UE 16.

MP 144 (T4/15)Figura 11

“Mercado Velho” de Palmela: fragmento de caçarola deprodução merinidia com cordão lateral, que tem por paraleloscaçarolas recolhidas em Ceuta, datadas do séc. XIV (em cima, segundo HITA RUIZ e VILLADA PAREDES 2000).

0 10 cm

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Como já foi referido, as produções merinidassão raras na Península Ibérica e as conhecidas comotal remontam ao século XIII.

Até ao momento, estão identificadas como taisem Algeziras, que foi escolhida pelos Banu Marínpara sede do seu domínio territorial no al-Andalus,no âmbito da Jhiad levada a efeito a partir de 1275pelo soberano merinida Abu Yusuf Ya’kub.

Essa intervenção no al-Andalus termina poucodepois de 1286, no reinado de Abu Ya’kub Yusuf (fi-lho do primeiro), quando este teve que fazer frenteaos ataques dos soberanos Zaiânidas.

Trata-se de um conjunto cerâmico proveniente deníveis estratigráficos seguros, dado a conhecer porTORREMOCHA SILVA et al. 14, datado de finais do sé-culo XIII a inícios do século XIV.

Algumas das formas de Algeziras são semelhan-tes a peças cerâmicas exumadas no Dar al-ImiaraAlcacerense, mas aparentemente ausentes em sítioscoevos almoadas de Portugal. Será que se trata deproduções merinidas, de finais do século XIII, e nãoalmoadas, como temos considerado até ao momen-to?

Face ao exposto, é difícil traçar o percurso que apeça merinida exumada em Palmela teve que efectu-ar para chegar até aqui, porque a sua aquisição ésempre variada. Pode ser produto de pirataria ou decomércio. Poderá ter sido adquirida por cristão oumouro, português ou estrangeiro.

Até ao momento, trata-se de um exemplar únicoem território português.

B) Taças de carena acusada e bordo com lábio “aplanado inciso”

A intervenção no “Mercado Velho” de Palmelapermitiu exumar em contexto estratigráfico seguroum pequeno conjunto de taças de carena acusada,cobertas com melado de cor amarelo, que possuem aparticularidade de ter um tipo de bordo que denomi-namos de “bordo com lábio aplanado inciso”.

Trata-se de produções que se situam na linhaevolutiva das tipologias almoadas do Garb al-Anda-lus.

Possuem um tipo de pasta e melado idêntico àsproduções almoadas exumadas no castelo de Alcácerdo Sal que temos vindo a dar a conhecer ultima-mente 15.

Apesar de possuírem notáveis semelhanças comcertas peças almoadas exumadas no castelo de Alcá-

cer, trata-se, pela posição estratigráfica da lixeira do“Mercado Velho” de Palmela, de produções especí-ficas do século XIV e não almoadas.

Se a sua inserção cronológica não oferece pro-blemas, difícil torna-se definir qual a sua origemgeográfica e cultural.

Uma das chaves para resolver a questão pode en-contrar-se em Alcácer do Sal.

A grande maioria das produções exógenas decronologia almoada de Alcácer é proveniente dasoficinas de Sevilha e de Ceuta, detectando-se rarasimportações da região de Múrcia e Ilhas Baleares.No panorama actual da investigação, é difícil saber-mos se estamos perante produções com origem nasolarias mudéjares de Sevilha, ou se, pelo contrário,foram produzidas nas olarias merinidas de Ceuta oude Fés.

Mesmo na vila de Palmela, é a primeira vez queesta forma é identificada.

Só conhecemos dois locais em Portugal ondeapareceram cerâmicas deste tipo: Alcácer e Loulé.Datamos do século XIV os exemplares provenientesda alcáçova do castelo de Alcácer do Sal, apesar daausência de níveis estratigráficos seguros. Em Loulé,o fragmento de taça semelhante dado a conhecer édatado do período almóada 16, classificação que nãoaceitamos, tendo em conta os dados de Palmela eAlcácer.

C) As cerâmicas nazaris

À semelhança de outros locais intervencionadosna Vila de Palmela, também aqui no âmbito da es-cavação arqueológica do Mercado, exumámos empequena quantidade cerâmicas provenientes de cen-tros oleiros do Reino de Granada.

As formas identificadas correspondem a peçasde serviço de mesa: taças e jarras.

V.10

14 TORREMOCHA SILVA, A.;NAVARRO LUEGO, I. e SALADO

ESCAÑO, J. (2000) − La Cerâmica deÉpoca Mariní en Algeciras. Actas doEncontro Sobre Cerámica Nazarí yMariní, pp. 329-376.15 Entre outros trabalhos,podemos referir: PAIXÃO, FARIA eCARVALHO (2001) − Aspectos daPresença Almoada em Alcácer do Sal(Portugal) e Cerâmicas Almoadas deal-Qasr al-Fath.16 LUZIA, Isabel (2001) − “O n.º 3da Rua das Bicas Velhas: um exemplo de testemunhos daépoca moderna em Loulé”. Al-Úlyà.Loulé. 8: 84, fig. do desenho 2.

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0 10 cm

MP 188 (T5/14a)

MP 187 (T5/14a)Figura 12

“Mercado Velho” de Palmela: taças de carenaacusada e bordo com lábio “aplanado inciso”.

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actividade muito variada no Mediterrâneo ocidental,na sua postura com o Magreb. Actuavam como co-merciantes, outras vezes como piratas. Serviam deintermediários dos genoveses ou catalães, nas rotascomerciais com o Norte de África. Outras vezes, atítulo particular, pedem autorização régia para com-prar e vender produtos proibidos nos portos muçul-manos, como é o caso de um judeu de Setúbal que,em 1400, pede autorização régia para vender mel noreino de Granada.

Convém referir que as produções cerâmicas na-zaris tiveram uma grande aceitação na época. A títu-lo de exemplo, poderemos referir que essas peças fo-ram usadas na corte dos Anti-Papas instalada na ci-dade francesa de Avignon 18 e também na cidadeegípcia de Alexandria 19, no período Mameluco.

17 Publicado na série “TextosUniversitários de Ciências Sociais eHumanas”, em 1998.18 VÁRIOS AUTORES (1995) −De l’Orient à la Table du Pape:l’importation des céramiques dans la région d’Avignon aux XIVe-XVIesiècles.19 FRANÇOIS, Véronique (1999) −Céramiques Médiévales à Alexandrie.Institut Français d’ArchéologieOrientale, pp. 82- 98.

V.11

Apresentam quase sempre alguma decoração epossuem as superfícies, ou uma delas, cobertas poresmalte ou vidrado.

O fragmento de fundo de taça com pé em anel[MP 87 (S2-3/31)], apresenta bons paralelos com ta-ças idênticas exumadas na cidade de Granada e queforam datadas do século XIV.

A identificação destas produções tardo-medievais,merinidas ou nazaris em Palmela, levanta algumasquestões interessantes.

Por um lado, quem são os consumidores e utili-zadores deste tipo de cerâmica?

Poderíamos pensar que se trata de importaçõesvocacionadas unicamente para a comunidade mudé-jar palmelense.

A presença deste tipo de cerâmicas no interiordos castelos de Palmela, Sesimbra (só nazaris) e deAlcácer, no Paço da Ordem de Santiago (nazaris emerinidas?), permite afirmar que a sua raridade nosconjuntos arqueológicos exumados, poderá traduzirmais a sua dificuldade em termos de aquisição, doque ser reflexo de uma restrição de ordem social.

Sobre esta questão, é importante ler a tese dedoutoramento de Filipe Themudo Barata “Navega-ção, Comércio e Relações Políticas: os Portuguesesno Mediterrâneo Ocidental (1385-1466)” 17. Nestetrabalho, o autor demonstra, com recurso a abundan-te documentação, que os portugueses tinham uma

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Figuras 13 e 14

“Mercado Velho” de Palmela:cerâmicas nazaris e, em baixo,mapa de distribuição dasproduções nazaris e merinidas.

Produções nazaris

Produções merinidas.

0 20 km

MP 156 (U6/14a)

MP 87 (S2-3/31)

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MP 59 (U6/15)

D) Cerâmicas (locais?) de influência nazari.

Também detectámos um pe-queno conjunto de cerâmica co-mum, com decoração a branco, detipo geométrico e outro pseudo--floral.

Trata-se de um tipo de trata-mento decorativo que foi aplicadoa várias formas de cerâmica co-mum, provenientes de oficina ouoficinas desconhecidas, mas quesupomos que sejam na sua maio-ria de origem local, por causa dotipo de pasta utilizada e tratamen-to final da peça.

Apesar de terem pouca ex-pressão em Palmela, apareceramalguns raros exemplares em Al-cácer do Sal (um fragmento), Se-simbra (um fragmento) e em Sin-tra (um fragmento). Mais recente-mente foi dada a conhecer cerâmi-ca com este tipo de decoraçãoexumada em Santarém (dois frag-mentos) 20.

Aceitamos a hipótese de queos oleiros da região envolvente dePalmela, ou até de Palmela, se ins-piraram em produções análogasde origem exógena.

De facto, detectámos algumasproduções nazaris e, raramente,merinidas, em cerâmica comum,

que apresentam temática decorativa similar. Serão asproduções exumadas em Palmela falsificações dessaclasse de peças? Trata-se de uma questão ainda emaberto.

Denominamos esta gramática decorativa como“decoração tipo Palmela”.

4.2.2. Cerâmicas muçulmanas de proveniênciaOriental (Egipto e Síria / Palestina?)

As peças MP 59 e MP 155 inserem-se numa clas-se de cerâmicas que classificamos como orientais.

De facto, os paralelos que conseguimos encon-trar levam-nos a pensar que estamos em presença decerâmicas que foram produzidas em centros cerâmi-cos muçulmanos da vasta área que vai desde o Egi-pto até à Síria/Palestina.

Também poderemos estar em presença de imi-tações egípcias de cerâmicas da área Síria/Palestina,com influência iraniana, hipótese posta por Véroni-que François, no estudo que fez dos conjuntos me-dievais exumados em Alexandria.

De facto, uma das peças que apresenta em fo-tografia no referido estudo, tem um conjunto de atri-butos que também estão visíveis na peça MP 155 doMercado e, que segundo a autora, é uma peça persaseljúcida 21.

A presença de produções muçulmanas de pro-veniência oriental é um facto que temos que ter emconta no estudo das produções exógenas exumadasem Palmela.

Em síntese, a análise das cerâmicas exógenasexumadas no “Mercado Velho” permitiu detectar pe-la primeira vez em Portugal a presença de produçõesde reinos muçulmanos do Magreb e do Oriente. Talfacto permite levantar novos campos de investigaçãoe traçar novas leituras para a realidade tardo-medie-val em Palmela.

Outra linha de acção tem a ver com a pesquisaque estamos a efectuar sobre a questão do comércioe guerra com o Norte de África, em conjunto com aanálise das questões económicas levantadas por mu-çulmanos, quando efectuavam trocas comerciais comos reinos cristãos.

Estas questões e respectivas respostas estão ex-postas na obra indispensável do Mi’yar de al-Wansa-risi 22, que faz uma compilação de sentenças sábiasde ulemas do al-Andalus e do Magreb, desde o sécu-lo X até ao início do século XVI.

V.12

20 Catálogo da exposição“Santarém e o Magreb”, 2004, p. 104 / peça 14 e p. 105 / peça 15.Segundo Carla Ferraz, trata-se depeças dos séculos XII-XIII. Os nossos paralelos apontam antes para produções dos séculosXIV e XV.21 FRANÇOIS, Ob. cit., Pl. 16, peçacom a foto n.º 20. O exemplarapresentado tem a parede lateral

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0 5 cm

MP 1

MP 885

Figura 15

“Mercado Velho” de Palmela:cerâmicas locais (?) de influêncianazari.

0 5 cm

MP 155 (R2/30)

Figura 16

“Mercado Velho” de Palmela:cerâmicas muçulmanas deproveniência Oriental. Em baixo, taça em pé deanel, com decoração internade tipo Oriental.

moldada e coberta por esmalte decor branca.A peça do Mercado MP 155também apresenta a superfícieexterna moldada, mostrandomotivo floral idêntico à peça deAlexandria, mas encontra-secoberta por esmalte de cor verde.Será que estamos em presença deuma peça seljúcida de influênciapersa, de finais do século XIII,

ou será antes uma imitação doséculo XIII-XIV efectuada noEgipto? Estamos mais inclinadospara a segunda hipótese.22 Publicada e ordenada porLAGARDÉRE, Vincent (1995) −Histoire et Société en OccidentMusulman au Moyen Âge: analyse du Mi’yar d’Al-Wansarisi. Ed. C.C.C. n.º 53.

Page 37: Al-Madan Online 13

V.13

4.2.3. Produções de Sevilha

Identificámos um leque significativo de cerâmi-cas atribuíveis às oficinas de Sevilha.

Trata-se de um conjunto de peças vidradas e es-maltadas que, segundo os dados do “Mercado Ve-lho”, começaram a chegar a Palmela em meados doséculo XIV.

As primeiras formas a chegar correspondem a ti-pologias abertas, do tipo prato em disco.

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0 10 cm

Figura 17

“Mercado Velho” de Palmela: produções sevilhanas do século XV e inícios do XVI.

Figura 18

“Mercado Velho” de Palmela: fragmentosda denominada “loza arcaica sevilhana”, do século XIV.

MP 63 (U5/14a)

MP 185 (S3/30)

MP 186 (S3/30)

MP 30

Page 38: Al-Madan Online 13

Segundo PLEGUEZUELO e LAFUENTE 23, estas for-mas, denominadas de “loza arcaica”, foram pro-duzidas nos fornos de Sevilha unicamente no séculoXIV.

Os referidos autores afirmam que se trata de pro-duções para consumo local e que as peças considera-das de “luxo” seriam as oriundas do reino Nazari ede Aragão.

A presença deste grupo de cerâmicas em Pal-mela, em Alcácer 24 e no Castelo de Alcoutim 25

(Portugal) e em Alexandria 26 (Egipto), permite su-por que existia uma vertente de exportação das pro-duções sevilhanas do século XIV que os nossos cole-gas de Sevilha desconheciam.

Essa vertente exportadora é reconhecida para oséculo XV e seguintes, graças aos trabalhos efectua-dos em cidades e colónias espanholas da América.

Essas produções também foram identificadas no“Mercado Velho” de Palmela e são frequentes emterritório português. Podemos citar os casos de Se-simbra, Alcácer do Sal e Silves, entre outros.

Estas mesmas produções tardias também foramencontradas em níveis arqueológicos do século XV--XVI de Alexandria (Egipto) 27.

As importações de Sevilha que, como vimos,têm início no século XIV, apesar de aparecerem emvários pontos da área urbana de Palmela e no caste-lo, foram sempre produtos que chegaram em peque-na quantidade, podendo deste modo deduzir-se que

eram cerâmicas apreciadas e de “luxo”, só acessíveisa determinadas camadas populacionais.

Em termos de aquisição, poderemos sugerir umtérmino para meados do século XVI, coincidindoprovavelmente com o aumento da produção portu-guesa de cerâmicas desta natureza em Lisboa.

4.2.4. Produções valencianas

As produções valencianas de Manises e Paternativeram uma enorme aceitação nos finais da IdadeMédia.

Consideradas cerâmicas de luxo, foram expor-tadas em quantidades industriais para o Norte da Eu-ropa, Portugal, reino de Castela, e aparecem em Ale-xandria, no Reino Mameluco do Egipto, em concor-rência directa com outras produções de “luxo” de in-fluência chinesa e persa.

No “Mercado Velho” de Palmela, pudemos exu-mar alguns exemplares, que possuem programas de-corativos que poderemos considerar como comuns.

São peças que se encontram em Inglaterra, Fran-ça e até mesmo Alexandria, como é o caso do moti-vo presente no interior da nossa peça [MP 46 (R-S2//14 a)].

Uma das peças mais interessantes exumadas noMercado é a referente à MP 5 (O3/30). Correspondea uma taça esmaltada, com carena, datada do séculoXV. Apresenta no seu interior um motivo heráldico,

V.14

23 PLEGUEZUELO, Alfonso eLAFUENTE, M. Pilar (1995) −“Cerámicas de AndalucíaOccidental (1200-1600)”. InSpanish Medieval Ceramics in Spainand the British Isles. pp. 217-244.24 Até ao momento resume-se a dois fragmentos. Sãoprovenientes da escavação dosantigos Paços da Ordem deSantiago, no Castelo de Alcácer do Sal (inéditos em estudo).25 CATARINO, Helena (2003) −“Cerâmicas da Baixa Idade Média e de Inícios do Período ModernoRegistadas no Castelo da Vila deAlcoutim”. In Actas das 3ªs Jornadasde Cerâmica Medieval e Pós-Medievalde Tondela, pp. 161-177.26 FRANÇOIS, ob. cit., pp. 82- 98.27 FRANÇOIS, ob. cit.

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0 10 cm

MP 63 (U5/14a)

MP 18 (Q2/30)Figura 19

“Mercado Velho” de Palmela: produçõessevilhanas do século XV e inícios do XVI.

À direita, reconstituição de prato em disco.Trata-se de um tipo de louça que foi exportadapara o Norte da Europa, especialmente paraInglaterra e Países Baixos.

Page 39: Al-Madan Online 13

V.15

que representa as armas do reino de Ara-gão. Na parede exterior, o programa deco-rativo confunde-se com as temáticas uti-lizadas pelas produções sevilhanas da al-tura.

4.3. Produções cerâmicas de proveniência local e regional

Não nos iremos alongar muito na análise pre-liminar que efectuámos em relação à cerâmica re-gional e local de Palmela proveniente da lixeira, por-que o conjunto exumado é idêntico ao que é normalencontrar nos níveis dos finais da Idade Média e iní-cio do período moderno,e que temos vindo a estu-dar e publicar nos últimosanos.

Os únicos elementosque diferem do que é nor-mal na área urbana de Pal-mela, dizem respeito maisà quantidade de cerâmicaexumada e à identificaçãode algumas variantes queaté então ainda não ti-nham sido detectadas nosoutros locais intervencio-nados.

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Produções valencianas.

0 20 km

0 10 cm

MP 5 (O3/30)

MP 64 (U5/14a) MP 46 (R-S2/14a)

MP 2 (T4/14a)

MP 6 (Q2/30)

Figura 20

“Mercado Velho” de Palmela: cerâmicas valencianas e mapa de distribuiçãode achados do mesmo tipo na região.

Figura 21

“Mercado Velho” de Palmela: cerâmicasde produção local e regional.

Page 40: Al-Madan Online 13

Em suma, o espólio recolhido foi enquadrado emgrupos funcionais de uso:

− No grupo das cerâmicas de mesa e apresenta-ção de alimentos, identificámos taças, escudelas,pratos, copos, púcaros, jarras, jarrinhas, tigelas e al-gumas formas indeterminadas.

− Nas cerâmicas de cozinha, inserimos as pane-las, as caçarolas, as marmitas e as frigideiras.

− Nas cerâmicas de armazenamento, transporte econservação, temos a considerar as bilhas, as jarras,as talhas e algumas formas indeterminadas (cantil?).

− Nas cerâmicas de uso variado, incluímos os al-guidares, as bacias e as tampas.

− Para o grupo de cerâmicas de iluminação, sótemos a considerar as candeias.

− Nas cerâmicas de uso artesanal, só identificá-mos um peso de tear.

− Nas de uso arquitectónico, só temos telhas etijoleiras.

Foi ainda identificado um outro grupo fun-cional, que denominámos de uso lúdico. Neleincluímos as malhas de jogo, um cachimboe os brinquedos em cerâmica.

V.16

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0 10 cm

MP 134 (T5/14a)

MP 146 (Q2/30)

MP 545 (Q2/30)

Figuras 22 e 23

“Mercado Velho” de Palmela: cerâmicas de produção locale regional que denominámos “tipo Palmela” (duas variantesde prato, em baixo, e uma de caçarola, à direita).

Page 41: Al-Madan Online 13

A restante documentação arqueológica exumadacorresponde a objectos metálicos e a moedas. Infe-lizmente o conjunto encontrava-se bastante deterio-rado. Esse espólio provém todo das unidades estra-tigráficas da lixeira. Foi possível identificar um con-junto de alfinetes e uma agulha. Em relação às moe-das, elas correspondem quase todas a ceitis. A leitu-ra preliminar efectuada a alguns exemplares permi-tiu identificar o rei D. Duarte e o rei D. Afonso V.

6. Conclusões

Para a elaboração deste nosso contributo sobreas cerâmicas exumadas no “Mercado Velho” de Pal-mela, necessitámos de efectuar uma análise prelimi-nar de toda a documentação exumada.

A especial atenção dada à análise sumária queefectuámos das cerâmicas exógenas tem a ver, porum lado, com a sua raridade no conjunto analisado e,por outro, com a qualidade da informação obtida,que permite orientar o nosso trabalho de investi-gação para além do âmbito das trocas comerciais.

De facto, ao documentarmos pela primeira vezem território português um fragmento de cerâmicaespecífica das produções merinidas do reino de Fez(Marrocos), para o século XIV, e tendo em conta aausência desta forma nos níveis portugueses de Ceu-ta ou Qasr-es-Seghir (Alcácer Ceguer), detectámosum facto que levanta uma série de questões de difí-cil resposta.

Por outro lado, a escavação do “Mercado Velho”de Palmela, permitiu pela primeira vez exumar a se-guinte documentação:

− Indício de presença romana alto-imperial naárea Urbana de Palmela (uma moeda).

− Confirmação de presença visigótica em Pal-mela (elemento de cinturão, com datação desde o sé-culo VI até ao século VIII, fazendo o ponto de uniãoentre a presença tardo-romana e a presença islâmicaem Palmela).

− Confirmação do arrabalde islâmico de Palme-la.

− Documentou-se pela primeira vez em Portugala presença de cerâmicas do século XIV merinidas(Marrocos).

− Pensamos que os dois exemplares cerâmicostardo-medievais, de proveniência Oriental islâmica,exumados no Mercado sejam únicos em Portugal.

− Confirmou-se a presença precoce de cerâmi-cas de Sevilha e Valência, que começaram a chegara Palmela no século XIV.

28 GOMES, Rosa Varela (2003) −“Brinquedos Muçulmanos deCerâmica do Sul de Portugal”. In Actas das 3 Jornadas de CerâmicaMedieval e Pós-Medieval. Tondela,pp. 93-103.29 CARVALHO, António Rafael(2005) − “Fragmentos deMiniaturas em Cerâmica,Provenientes do Palácio Almóadade Alcácer”. Al-Madan. Almada. IIª Série. 13: 148.30 GOMES, ob. cit., pp. 94 (peça G da fig. 1), 96 e 98.31 Corresponde a uma das formasmais abundantes de Palmela, mas que curiosamente têm poucaexpressão a nível regional (ver odesenho da peça MP 134, quecorresponde a uma variante destaforma). Tanto em Alcácer do Sal,como em Sesimbra, a sua presençaé pouco expressiva, sendoaparentemente desconhecida navizinha cidade de Setúbal, facto queachamos estranho, mas queadmitimos seja mais reflexo dapouca documentação arqueológicados séculos XIV-XV exumada atéao momento.32 Inédita, em estudo pelo autor,no âmbito da programação donúcleo museológico do Castelo de Alcácer do Sal.33 Importante cidade portuária do reino Nazari.34 GOMES, ob. cit., pp. 96-97.

V.17

4.4. Os brinquedos tardo-medievais exumados no Mercado

Na investigação que efectuámos sobre esta te-mática, temos verificado que os raros estudos exis-tentes abordam a problemática unicamente para oscontextos muçulmanos.

Podemos referir o trabalho recente de Rosa Va-rela Gomes, no estudo que faz dos brinquedos islâ-micos encontrados em Silves e seu enquadramentono al-Andalus. A autora apresenta um conjunto deminiaturas de peças em cerâmica encontradas emSilves, Mértola e Loulé, em contextos almoadas, queconsidera como brinquedos − “... dadas as suasreduzidas dimensões e a inexistência de vestígios deutilização ao fogo, devem ser interpretados comobrinquedos” 28.

Também nos níveis almoadas de Alcácer do Salfoi exumado, no seu Dar al-Imiara, uma miniaturade um jarro em cerâmica que teve a função de brin-quedo 29. Trata-se de uma peça idêntica a uma outraexumada em Silves 30.

No Mercado, exumámos alguns fragmentos deminiaturas em cerâmica, imitando formas de uso do-méstico, que interpretamos como brinquedos.

Até ao momento, só detectámos duas peças di-ferentes, uma sem uso e a outra mostrando utilizaçãono fogo. Este último facto poderá prender-se com aimitação que as crianças faziam das lides domésticasdos adultos. Este facto está demonstrado para os ní-veis muçulmanos do século XIII de Múrcia.

Os brinquedos do Mercado de Palmela imitam aforma tipológica que denominamos de “caçarolatipo Palmela” 31 e se enquadra cronologicamente nosséculos XIV-XV.

Em território português, para os séculos XIV--XV, só encontramos um paralelo no Paço da Ordemde Santiago do Castelo de Alcácer do Sal. Trata-sede uma miniatura de um copo de duas asas, com péem bolacha, típico das produções lisboetas de mea-dos dos séculos XIV-XV 32.

A outra miniatura identificada é semelhante àexumada no Mercado de Palmela e já referida. Éprovável que seja uma produção de Palmela vendidapara Alcácer!

No âmbito da Península Ibérica, o único parale-lo que identificámos é mais de âmbito cronológico.Trata-se de um conjunto de 31 peças em miniaturaque foram exumadas em Almeria 33 e atribuídas aum período compreendido entre os séculos XIII e oXVI, sendo a maior parte inserida nos séculos XIV--XV 34.

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Page 42: Al-Madan Online 13

− Detectou-se uma produção sevilhana de mela-do e verde típica do século XIV, tornando-se Palmelaneste momento o único local em Portugal onde apa-rece esta série cerâmica.

− Exumaram-se no Mercado duas miniaturas daforma cerâmica “caçarola tipo Palmela”, que corres-pondem a brinquedos para meninas. É a primeira vezque são detectados brinquedos para crianças em Pal-mela, estando estes datados do século XIV-XV. Oúnico paralelo que conhecemos, são duas peçasidênticas e a miniatura de um copo de duas asasexumado no Paço da Ordem de Santiago do Castelode Alcácer do Sal. Em Portugal, os únicos exem-plares publicados estão datados do final do períodoislâmico e referem-se a miniaturas exumadas em Sil-ves, Loulé e Mértola.

− Identificou-se um resto humano na lixeira tar-do-medieval, mostrando deste modo a importânciaque tem o estudo da fauna exumada.

− Elaborámos uma listagem das espécies con-sumidas em Palmela e detectaram-se dois animaisutilizados para obtenção de peles: lince e gato bravo.

− Detectou-se a existência de actividades arte-sanais, aparentemente ausentes nas fontes documen-tais conhecidas (caso da tecelagem, curtição de pelese couros e metalurgia de ferro).

− Confirmou-se a forte presença da comunidademuçulmana de Palmela e prováveis ligações com osreinos muçulmanos do Norte de África e Oriente.

Os dados preliminares expostos no presente tex-to demonstram o carácter excepcional da quantidadee qualidade da documentação arqueológica exuma-da.

Neste momento, estamos na fase de desenhoexaustivo da documentação, de forma a podermospublicar regularmente alguns conjuntos.

A finalizar, realçamos a importância científicadesta intervenção para o conhecimento da história eevolução da área urbana da Vila fora de muralhas epara a renovação das linhas de orientação da investi-gação que tínhamos em curso.

V.18

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VI.1 adendaelectrónicaadendaelectrónica

A diluição dos valores clássicos na topo-logia da cidade tardo-antiga, em vez deobrigar a uma espécie de ruralidade intra-

-urbana passiva, permitiu reformulações conscientesda organização interna romana. Há muitas provas deactividade construtiva nitidamente gerida (GUTIÉR-REZ LLORET 1993), que só pode ser interpretada numquadro de optimização de recursos e, por conseguin-te, de consistência populacional. Já tivemos oportu-nidade de discutir as razões e as consequências des-tas transformações noutro lado (DE MAN 2004a;2004b); refira-se apenas brevemente que o século IVassiste a uma crispação generalizada, cuja causa pri-mária reside menos na actuação episcopal do que no

Sobre a Cristianização de um Forumpor Adriaan De Man

Bolseiro da Fundação para a Ciência e a Tecnologia.

O P I N I Ã O or e s u m o

Algumas considerações sobre ofenómeno de cristianização dofórum da cidade romana de Co-nimbriga (Condeixa-a-Nova), si-tuado genericamente no séc. IV.O autor constata que a pressãopopular terá resistido às direc-tivas no sentido do afastamen-to dos locais de enterramentodo interior do espaço urbanoda cidade.

p a l a v r a s c h a v e

Época romana; Forum; Cristia-nismo; Práticas funerárias.

a b s t r a c t

Some remarks on the Christi-anisation − generally dated 4thcentury − of the forum of theRoman city of Conimbriga(Condeixa-a-Nova).The author shows that popularpressure is likely to have resis-ted directives aiming to takeburying grounds away frominside the town.

k e y w o r d s

Roman times; Forum; Christi-anity; Funerary practices.

r é s u m é

Quelques considérations sur lephénomène de christianisationdu forum de la ville romaine deConímbriga (Condeixa-a-Nova),attribué de manière génériqueau IVème siècle.L’auteur constate que la pres-sion populaire aura résisté auxdirectives allant dans le sens del’éloignement des lieux d’ense-velissement à l'intérieur de l’es-pace urbain de cette ville.

m o t s c l é s

Epoque romaine; Forum; Chris-tianisme; Pratiques funéraires.

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desaparecimento de uma elite urbana. De facto, adesconexão física dos núcleos de povoamento de-veu-se ao crescente desinteresse − e empobrecimen-to − dos magistrados locais, e deste modo o ever-getismo público perdeu a sua principal força motora:a vontade de promoção pessoal. É neste contexto quea estrutura religiosa se evidencia enquanto único ca-talizador organizado ou credível, e é ilustrativo que apartir de Diocleciano e Constantino praticamente sóas inscrições eclesiásticas mencionem a construçãode novos edifícios (ALFÖLDY 2001: 11). No entanto, ointeresse dos bispos em dotar a comunidade de infra--estruturas divergia radicalmente daquele que exis-tira por parte dos decuriões alto-imperiais.

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Figura 1

Conimbriga: vista aérea com localização da necrópole.

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Colocamos grandes reticências às opiniões queolham o poder episcopal como novo redistribuidorde riqueza (GÓMEZ FERNÁNDEZ 1999: 336), porque oseu destino já não era o bem comum, mas os fundospassaram a ser canalizados para os interesses da reli-gião. Durante o século IV, as próprias autoridades as-sistiram na construção de basílicas cristãs, e a confis-cação dos templos por Constantino teria resultadonum aumento de património, passível de reconver-são, a adicionar à propriedade da Igreja. Contudo,pode não ter havido uma transferência assim tão li-near do pagão para o cristão. A principal motivaçãoimperial deve ter sido a obtenção de receitas atravésde vendas, em vez de simplesmente doar potenciaislocais de culto. A Igreja não terá saído muito favore-cida deste processo (ENJUTO SÁNCHEZ 2000: 411--412), mas o facto de o Ocidente não conhecer umaelite capaz de se lançar num tal empreendimentoimobiliário, exceptuando o próprio bispo, pode terfeito com que os templos tenham, em última instân-cia, revertido para a pertença da estrutura cristã.

A partir de um estádio avançado do Império,encaramos como muito improvável que o poder cen-tral se tivesse continuado a preocupar com a erecçãode igrejas nas províncias. A realidade das pequenas

sedes episcopais era de uma quase total autarciaeconómica; o bispo surgia cada vez mais comoadministrador de um património que não parava deaumentar, através de heranças e doações, fenómenodesde cedo legitimado por determinação imperial; oCodex Theodosianus (XVI, 2, 4) reconhece à Igrejaa capacidade jurídica de acumular bens (DÍAZ 1995:52). Estes serviam não apenas para cobrir gastos pró-prios, mas também os que decorriam da manutençãodas igrejas e os que a sua acção social implicava,nomeadamente a assistência a doentes, pobres eperegrinos (SOTOMAYOR 1979: 388). Ainda assim, osrecursos eram limitados, e os edifícios de boa cons-trução obrigavam a uma reconversão arquitectónica,e não à sua demolição. Oficialmente, os loca sacrapagãos deviam ser arrasados; o mesmo Codex Theo-dosianus contém uma lei de 435 que insiste na des-truição dos templos pagãos, purificando-os ao colo-car uma cruz no seu lugar (GÓMEZ FERNÁNDEZ 2000:270). Mas simultaneamente, durante a primeira me-tade do século V, um sermão de S. Pedro Crisólogoincita para “que se transformem em igrejas os templos,que se convertam em altares as aras” (CABALLEROZOREDA e SANCHEZ SANTOS 1989: 2-3). No Apologe-ticum de Tertuliano (37, 4) torna-se evidente que asuperioridade cristã tinha levado a uma situação emque todos os edifícios pagãos (palatium, senatum,forum) tinham sido reconvertidos (BRENK 1994: 134),só que, de modo curioso, em discurso directo, “dei-xámo-vos apenas os templos” (sola uobis reliquimustempla)… Na origem destas indicações algo contra-ditórias estará, de certeza, a desigual aplicação dasleis, conforme a aplicabilidade de um projecto arqui-tectónico ex nihile. A maioria das cidades ocidentaisesgotara grande parte das suas capacidades emmuralhas defensivas (JOHNSON 1983: 10), obras queterão terminado apenas nos primeiros decénios doséculo IV. Por esta altura, a instalação de igrejas in-tramuros era já uma realidade; o I Concílio de Tole-do menciona-as expressamente, em finais dessa cen-túria (BARRAL I ALTET 1982: 114).

Os fora da cidade de Roma parecem ter sidocristianizados apenas no decurso do século VII, masé de lembrar que, na maior parte das cidades, elesmantinham uma função comercial quando já nãolhes era reconhecido valor político, num movimentode “deslocação de poder” (MARCONE 2000: 54). Asciuitates das províncias limítrofes podem ter conhe-cido uma desagregação precoce no carácter simbóli-co do núcleo físico da sua romanidade. Em associa-ção à implantação de um sincretismo locativo entretemplo pagão e cristão, seria possível ver na praça doforum uma continuidade mercantil, eventualmente atender para um mercado sazonal.

Em Conimbriga, o último conjunto articulado dealterações físicas do forum ocorreu, segundo CON-GÈS (1987: 736-741), durante o século IV, ainda queos indicadores cronológicos sejam relativos.

VI.2

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Figura 2

Conimbriga: detalhe da necrópole,adaptado de ALARCÃO e ETIENNE

1977.

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Em suma, julgamos bastante plausível a trans-formação do templo do forum em espaço cristão, jádurante o século IV, numa lógica de optimização derecursos. Os cemitérios intramuros atestam a exis-tência de locais sagrados dentro da cidade, em redordos quais se tendiam a concentrar, apesar da manu-tenção de normas contra a sepultura urbana no Co-dex Theodosianus (XVI, 5, 7, 3), pelo menos até 381.Na prática, a pressão popular ia exigindo este tipo deinumação, que viria a ser normalizado, em 561, qua-se dois séculos depois, no I concílio de Braga (VIVES1963: 75).

NotaApós a finalização do texto, demo-nos conta de

que Manuel Real (1992: 1) já levantara esta questãodurante a IV Reunião de Arqueologia Cristã His-pânica, mas desconhecemos se chegou a desenvol-vê-la.

VI.3

Também a ala oriental do criptopórtico foi re-convertida em cisterna, além do acrescento tardio deum conjunto de latrinas (ALARCÃO e ETIENNE 1977:145-150). Em princípio, nada impede que esta re-modelação seja fruto de um “renascimento teodosia-no” (ABÁSOLO 1999: 87), mas já se viu que o primei-ro actor local passara a ser o bispo. A area sacraremodelada, em contexto oficial cristão, pode consti-tuir uma resposta às directivas oficiais, que apela-vam à destruição dos templos antigos. Não teria sidonecessário proceder a grandes transformações; MAR-TÍN DE CÁCERES (1995: 25) fez notar as característi-cas isomórficas da actividade litúrgica, já que asmesmas formas eram compartilhadas por pagãos ecristãos. A cultura e a religião são conceitos distintos(DÍAZ e TORRES 2000: 236), e geralmente não se jus-tapõem completamente.

Um dos fragmentos de Late Roman C (tipo 3 F)− de sigillata Foceense Tardia, portanto − é prove-niente dos estratos de destruição do forum. Na mesa--redonda tida em Conimbriga em 1975, Hayes foiacusado de se ter equivocado em relação à dataçãoque apresenta para esta forma, o segundo quartel doséculo VI, dado que se vivia na convicção de que omonumento tivesse sido destruído pelos Suevos.Desde então, confirmou-se a datação, e tem havidoalguma abertura à ideia de que o forum se possa terdesmoronado apenas no século VI (ALARCÃO 2004:105), mas isso não implica automaticamente idênti-ca sorte para o templo.

Dez das sepulturas englobadas na necrópole doforum encontram-se em articulação evidente com omonumento; os defuntos foram enterrados entre apraça e a escadaria do templo. Por coincidência, atípica orientação Este-Oeste pôde ser respeitada, e oscorpos concentram-se num espaço tão estreito quehouve constantes sobreposições. Esta característicapode muito bem não ser indicativa da inexistência deuma gestão racional do espaço (DE MAN 2004: 53);pelo contrário, a manutenção do carácter funeráriode um mesmo local é indicador da sua importânciapública (GUTIÉRREZ LLORET 1993). O conjunto apre-senta ainda traços evidentes de um cemitério ro-mano, apesar de se situar dentro do perímetro da ci-dade; trata-se de um fenómeno bem difundido (AL-BIACH et al. 2000: 70). Vários túmulos são delimita-dos por alinhamentos de tegulae, formando uma cai-xa rectangular, um modelo que persiste durante oBaixo Império, e o conceito mantém-se generalizadoaté o século VI. Perante os dados das Fouilles de Co-nimbriga, várias outras inumações situam-se numperíodo posterior, pelo menos se a cisterna, cujo en-chimento serviu de base para as sepulturas, for con-siderada contemporânea do templo cristão. Neste ca-so, teria havido uma sobrevivência bastante tardia doedifício de culto, para ainda poder constituir umareferência quando a cisterna já se encontrava inuti-lizada.

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Foto

: Adr

iaan

De M

an.

Figura 3

Conimbriga: aspecto actual do local, na direcção NO.

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VI.4

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Património e Identidadenum contexto de Glocalizaçãopor Marta Anico e Elsa Peralta

Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da UniversidadeTécnica de Lisboa.

r e s u m o

Os fenómenos identitários e de“patrimonialização” à luz da ar-ticulação entre a afirmação dasculturas locais e o contexto glo-bal em que se inserem.As autoras defendem o concei-to de “glocalização” da cultura con-temporânea, onde a estandar-dização dos modos de vida àescala global se desenvolve emparalelo com o ressurgimentode “localismos” frequentemen-te apoiados na valorização daHistória, do Património e dastradições locais.

p a l a v r a s c h a v e

Antropologia; Património; iden-tidades; globalização.

a b s t r a c t

Identity-awareness and “patri-monialisation” phenomena basedon the articulation of local cul-tures with the global contextwhere they find themselves.The authors defend the con-cept of “glocalisation” of contem-porary culture, where standard-isation of lifestyles around theworld coexists with a resurgenceof “localisms” usually based onthe importance of History,Heritage and local traditions.

k e y w o r d s

Anthropology; Heritage; identi-ties; globalisation.

r é s u m é

Les phénomènes identitaires etde “mise en patrimoine” à la lu-mière de l’articulation entrel’affirmation des cultures loca-les et le contexte global danslequel elles s’intègrent.Les auteures défendent le con-cept de “glocalisation” de la cultu-re contemporaine, dans laque-lle la standardisation des mo-des de vie à l’échelle globale sedéveloppe en parallèle avec larésurgence de “particularismeslocaux” fréquemment basés surla valorisation de l’Histoire, duPatrimoine et des traditions lo-cales.

m o t s c l é s

Anthropologie; Patrimoine; iden-tités; globalisation.

A glocalização da cultura na contemporaneidade

A globalização encontra-se, assim, intimamenterelacionada com a intensificação e aceleração dacompressão do espaço e do tempo na vida económi-ca, social e cultural.

A reorganização espacial e temporal à escalaglobal veio alterar o tipo de relações sociais predomi-nantes nas sociedades pré-modernas, caracterizadaspor um contacto face-a-face, possibilitando, atravésdos sistemas de transportes e comunicações, encon-tros mais distanciados. A globalização afastou deforma radical a cultura do seu constrangimento espa-cial, ou seja, a cultura desterritorializou-se, permitin-do que um número crescente de indivíduos à escalaglobal participe nas realidades imaginadas de outrasculturas.

O mundo da contemporaneidade, mais do queum mosaico ou puzzle cultural, é antes um mundo decultura em movimento, em que sujeitos e objectos sedesvincularam de localidades particulares. A culturapode ser assim conceptualizada como sendo “reterri-torializada”, um conceito que se refere ao seu pro-cesso de reinscrição em novos contextos espaciais etemporais, e que conduz a uma relocalização em am-bientes culturais específicos. Esta nova acepção su-gere que, apesar da conexão entre cultura e local po-der estar enfraquecida, isto não significa que a cultu-ra tenha perdido o seu espaço. Simplesmente ganhounovos referentes de territorialização à escala mundi-al, cujas fronteiras reais e simbólicas são altamenteinstáveis.

VII.1

Introdução

F ace às tendências de homogeneizaçãocultural e à perda das referências de esta-bilidade, com a consequente “desautori-

zação” da tradição na regulação da vida social, assis-te-se frequentemente, por parte do poder local, a umresgate de um passado (re)construído pelo presentemediante a patrimonialização dos elementos cultu-rais locais. Neste contexto, não só o passado é recu-perado, como também são exaltadas todas as activi-dades e expressões que, assumindo uma dimensãoexplicitamente territorial, se possam converter numinstrumento ao serviço do fortalecimento da identida-de de uma comunidade. Estas iniciativas, frequente-mente protagonizadas pelos agentes políticos locais,assumem também um carácter instrumental, poispermitem contribuir para a legitimação dos poderesinstituídos, na medida em que a oferta de actividadese bens culturais responde aos anseios de uma popu-lação carente de vínculos de identificação para como território e o passado. Por outro lado, no caso dascidades de pequena e média dimensão, que procu-ram afirmar-se como um espaço significativo nocontexto das escalas de prestígio nacionais, o patri-mónio pode ser utilizado, pela visibilidade e legiti-mação simbólica que confere, como argumento nanegociação do seu posicionamento. Assim sendo,apesar de fixarem uma imagem diferenciada do seupassado, estas localidades promovem simultanea-mente uma abertura ao exterior e à modernidade,concretizando o nexo global local.

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Assim sendo, a cultura globalizada não se res-tringe à cultura desterritorializada, é também, e si-multaneamente, uma cultura reterritorializada, namedida em que os sujeitos e objectos culturais sedesvinculam de localizações espaciais fixas e se re-localizam em novos cenários culturais, um movi-mento dicotómico que INDA e ROSALDO (2002) de-signam com o neologismo “de/territorialização”.

A de/territorialização reporta-se, portanto, a umatendência no sentido da tradução das formas cultu-rais importadas, que são interpretadas e apropriadasde acordo com as condições locais de recepção, o quesignifica que a tradução cultural não é unilinear, massim processual. INDA e ROSALDO (2002) designameste processo de “costumização”, APPADURAI (2002)de “indigenização”, LULL (2000) como “transcultu-ralização”, HANNERZ (1992) “criolização” e GARCIACANCLINI (1989) “hibridação”. A globalização nãopode, portanto, ser concebida unicamente do pontode vista da homogeneização, na medida em quecomporta, simultaneamente, um elevado grau de he-terogeneização. Assim sendo, independentemente da

existência de uma convergência cultural à escalamundial, o mundo permanecerá, ao mesmo tempo,repleto de diferenças.

A deslocalização massiva de populações, bemcomo a desterritorialização da cultura iniciada comas revoluções industrial e urbana, e intensificada nacontemporaneidade, conduziram a uma crescentehomogeneização cultural e à perda dos referentes deestabilidade e de identidade. Muitos autores têm,com efeito, notado que as sociedades contemporâ-neas carecem de uma ligação afectiva às referênciasdo passado, padecendo de uma amnésia colectiva(ASSMANN 1995; HERVIEU-LEGER 2000; HUYSSEN1995). David LOWENTHAL (1985) refere mesmo queo passado é, para as sociedades contemporâneas, “umpaís estrangeiro”.

Este afastamento em relação ao passado, bemcomo a crescente valorização das identidades colec-tivas, como consequência desta estandardização dosmodos de vida à escala global é, assim, concomi-tante com o ressurgimento de diversas formas delocalismo, como sejam as reacções étnicas e/ou re-gionalistas que se baseiam na valorização e afirma-ção da história e das tradições locais, produzindo umsentimento de nostalgia que fez com que o patri-mónio fosse considerado como um bem absoluto,axiomático e de valor incontestável.

Usos do património e da identidade num mundo glocalizado

Este fenómeno de valorização social do patri-mónio fez com que, um pouco por todo o lado, se de-senvolvessem acções no sentido do resgate e activa-ção do património cultural, protagonizadas por vá-rios agentes locais, em particular pelos poderes insti-tuídos. Estes vêem aqui uma oportunidade de renta-bilidade simbólica, através da legitimação das suasopções políticas, bem como de rentabilidade econó-mica, mediante a utilização do património como fac-tor de captação de fluxos turísticos e, como conse-quência, de desenvolvimento local.

No entanto, o processo de construção de um dis-curso patrimonial não é, de todo, um processo uni-lateral e unívoco, como as teses da “invenção da tra-dição” (HOBSBAWM e RANGER 1983) ou da “hege-monia cultural” (GRAMSCI 1971) nos têm levado acrer, uma vez que é possível identificar uma multi-plicidade de actores sociais relevantes, que partici-pam na construção das narrativas patrimoniais junta-mente com o poder político.

Entre estes incluem-se o poder económico, osinteresses académicos e os técnicos. Em relação aopoder económico, verifica-se uma disponibilizaçãode recursos que pretende obter como contrapartidabenefícios de imagem. No que se refere aos interes-ses académicos, estes legitimam as activações, certi-

VII.2

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“Este afastamento em relação ao passado,

bem como a crescente valorização das

identidades colectivas, como consequência

desta estandardização dos modos de vida

à escala global é, assim, concomitante

com o ressurgimento de diversas formas de

localismo [...] que se baseiam na valorização

e afirmação da história e das tradições locais,

produzindo um sentimento de nostalgia que

fez com que o património fosse considerado

como um bem absoluto, axiomático e de

valor incontestável.”

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quando as localidades são sujeitas a reconversõessócio-demográficas com um peso considerável.

No primeiro caso, a desestruturação económicaresultante da reconversão de sectores de actividadeou do abandono de actividades produtivas estrutu-rantes no tecido local tem, além de implicações eco-nómicas, importantes consequências sociais e cultu-rais, provocando uma sensação de perda que conduza uma fixação patrimonial de lugares, objectos e ma-nifestações que remetem para a memória colectivado passado (HEWISON 1987; WRIGHT 1985). PRATS(no prelo) designa este processo como “a musealiza-ção da frustração”. Nestas circunstâncias, a activa-ção de repertórios patrimoniais cumpre, por um lado,o objectivo da conservação dos referentes identitá-rios, e por outro, a reconversão de antigas instalaçõesprodutivas em atracções turístico-culturais.

No segundo caso, a reconfiguração sócio-demo-gráfica, ora associada à desertificação populacional,ora ao seu crescimento súbito, resultante da expan-são das periferias urbanas em virtude dos fluxos mi-gratórios internos e externos, conduziu ao desenvol-

VII.3

ficando-as com o rigor científico das investigaçõesdesenvolvidas, permitindo, por esta via, a obtençãode um reconhecimento social, recursos económicose prestígio. Os técnicos, estando encarregues de con-ceber e executar a linguagem formal destas acti-vações, permitem neutralizar o conteúdo ideológicodas mesmas.

Isto significa que, no contexto da sociedade plu-ral em que vivemos, a activação patrimonial resultade um processo complexo de negociação entre varia-dos actores sociais, ainda que consideremos que estaactivação depende, fundamentalmente, da acção dospoderes políticos, pois são estes que detêm os meiosnecessários para a elaboração e veiculação de umrepertório discursivo, que tem por base a selecção dedeterminados elementos culturais, a sua ordenação eposterior interpretação.

No que se refere a esta selecção de elementosculturais, as políticas culturais locais, responsáveispela maior parte dos processos de patrimonializaçãode carácter local, formulam, com frequência, os seusdiscursos patrimoniais com base na sobrevalorizaçãopré-existente dos elementos culturais fortemente vi-venciados pelas respectivas populações, na medidaem que foram estes elementos que permitiram deli-mitar simbolicamente as suas fronteiras relativamen-te às localidades envolventes. Esta valorização fazcom que as populações reclamem a constituição deelementos patrimoniais, com especial ênfase na figu-ra do museu local, percepcionados como símbolosdas suas vivências singulares.

Isto significa que os elementos culturais, patri-monializados pelo poder político, remetem para aexistência de uma hierarquia de valor que é fruto deprocessos identitários. Ou seja, o poder político ope-ra uma activação patrimonial que incide sobre os ele-mentos culturais que, a priori, são valorizados pelaprópria comunidade local. Não se pretende com istodizer que não possam existir invenções ex nihilo, ouque o poder político se encontre refém da comuni-dade, na medida em que existe sempre um espaçopara a dialogia e negociação. Pretende-se apenas di-zer que, no que concerne à problemática em apreço,a existência de uma negociação identitária prevale-cente favorece o grau de consensualização em tornodas activações patrimoniais. Isto quer dizer que o po-der político e a sociedade se envolvem num proces-so de negociação, constante e permanente, com a fi-nalidade de alcançar o maior grau de consenso pos-sível em torno do discurso patrimonial, procurandoestabelecer uma correspondência entre o mesmo e arealidade social, conforme é percepcionada pela co-munidade.

Este factor identitário, que nunca pode ser ex-cluído na análise das activações patrimoniais, é espe-cialmente significativo quando, por um lado, as loca-lidades são submetidas a transformações económi-cas, muitas vezes bruscas e traumáticas, e por outro,

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“No contexto da sociedade plural em que

vivemos, a activação patrimonial resulta de

um processo complexo de negociação

entre variados actores sociais, ainda que

consideremos que [...] depende,

fundamentalmente, da acção dos poderes

políticos, [...] que detêm os meios necessários

para a elaboração e veiculação de um

reportório discursivo, que tem por base

a selecção de determinados elementos

culturais, a sua ordenação e

posterior interpretação.”

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vimento de projectos em que o factor identitário éparticularmente relevante, na medida em que per-mite não só a re-afirmação dos referentes culturaisda população autóctone, como também uma articu-lação com os quadros de referência globais.

Para além da valorização do património resul-tante da sua dimensão identitária, verifica-se um ou-tro tipo de valorização produzida na sequência daassociação quase mecânica, embora frequentementeinfundada, entre património e desenvolvimento. Sobo epíteto de desenvolvimento local, sustentável ouendógeno, os políticos acenam a bandeira dos bene-fícios gerados pela captação de fluxos turísticos tra-zidos pelos bens patrimoniais, na medida em que es-tes fornecem os elementos necessários para o desen-volvimento de uma indústria turística “diferencia-da”. Num mundo onde se assiste ao esbatimento dasdiferenças, quanto mais distintivas forem as tradi-ções oferecidas, maior será a sua implantação nomercado turístico. Contudo, raramente se realizamestudos de viabilidade que permitam sustentar a rela-ção directa entre património turismo desenvol-vimento, não se prevendo os recursos económicosnecessários para a manutenção dos bens patrimoni-ais activados e ficando, muitas vezes, por concretizaro tão apregoado desenvolvimento.

Por outro lado, num contexto de competiçãocrescente entre cidades e localidades pela captaçãode investimentos exteriores, as culturas locais, regio-nais e nacionais, bem como o seu respectivo patri-mónio, são explorados para a publicitação das suascaracterísticas distintivas no novo contexto global.No caso das cidades de pequena e média dimensão,que procuram afirmar-se como um espaço significa-tivo (AUGÉ 1998) no contexto das escalas de prestí-gio das cidades nacionais, o património pode ser uti-lizado, pela visibilidade e legitimação simbólica queconfere, precisamente como argumento na negocia-ção do seu posicionamento.

A tradição e o património são elementos que su-postamente atestam sobre a “qualidade de vida” daslocalidades, contribuindo para a captação de investi-mentos exteriores. Em Portugal, à semelhança doque acontece noutros países, o território é pontuadopor localidades que aspiram a ser percepcionadascomo centros de maior ou menor importância, sus-ceptíveis de polarizar a actividade administrativa,comercial, política e simbólica da região em que seinserem.

Na medida em que pretendem afirmar-se comoum centro de um espaço significativo, reivindicamtítulos de glória, que designam uma pretensa especi-ficidade que permite uma identificação diferenciada,quer para consumo interno dos seus habitantes, querpara consumo externo dos seus visitantes. As vilas ecidades de Portugal pretendem afirmar-se num es-paço simbólico como a capital de algo significativoe diferenciado, como a “Capital do Gótico” (Santa-rém), a “Cidade dos Templários” (Tomar), a “Vilados Tapetes” (Arraiolos) ou a “Terra dos Leitões”(Bairrada). Assim sendo, estas identificações simbó-licas para com territórios específicos, ao mesmotempo que procuram captar visitantes, apresentam--se como indicadores e medidas da eficácia do exer-cício do poder político local.

Apesar de fixarem uma imagem diferenciada doseu passado, estas cidades promovem simultanea-mente uma abertura ao exterior e à modernidade.Com efeito, estas representações, ao mesmo tempoque ancoradas numa suposta tradição, fornecem umaprova de modernidade e de integração no novo es-paço económico europeu. Como refere AUGÉ (1998:74) “reivindica-se a profundidade histórica do mes-mo modo que a abertura ao exterior, como se aque-la equilibrasse esta”, fornecendo o local a ornamen-tação necessária à concretização do global.

VII.4

P A T R I M Ó N I Oo

adendaelectrónica al-madan adenda electrónica ISSN 0871-066X | IIª Série (13) | Julho 2005

C E N T R O D E A R Q U E O L O G I A D E A L M A D A

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“O património, enquanto sistema de

representação, permite estabelecer uma

articulação entre o global e o local,

adquirindo uma importância fundamental,

na medida em que contribui para a

afirmação do carácter distintivo das

culturas locais no contexto global

em que se inserem.”

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Bibliografia

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WRIGHT, P. (1985) − On Living in a Old Country: the nationalpast in contemporary Britain. London: Verso.

VII.5

Conclusão

O património, enquanto sistema de represen-tação, permite estabelecer uma articulação entre oglobal e o local, adquirindo uma importância funda-mental, na medida em que contribui para a afirmaçãodo carácter distintivo das culturas locais no contextoglobal em que se inserem. A reorganização do espa-ço, assente nas novas possibilidades de circulaçãoacelerada que afastam os viajantes dos centros destaslocalidades, é, portanto, acompanhada por um pro-cesso simultâneo de publicitação dos produtos cul-turais, supostamente enraizados na história e nasidentidades locais, como mecanismo de atracção devisitantes, promovendo uma diferenciação entre omomento presente da viagem, compensando a suatransitoriedade com a imbricação num tempo distan-te e imaginado. O património fornece-nos, assim, osreferentes de significação para nos situarmos em re-lação ao passado quando, muitas vezes, já nada res-ta dele. Neste sentido, não só o passado é recupera-do, como também são exaltadas todas as actividadese expressões culturais que, assumindo uma dimen-são explicitamente territorial, se possam converternum instrumento ao serviço do fortalecimento daconstrução de uma identidade simbólica num con-texto glocal.

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A Identificação do Forte Português em Quíloaou, como uma escavação arqueológica pode proporcionar resultados opostos às conclusões do seu autor

por João Lizardo

Advogado. Estudioso amador de vestígios da Expansão Portuguesa.

r e s u m o

Considerações acerca da forta-leza da Ilha de Quíloa (na costaoriental de África, a Sul de Dar--es-Salam, na actual Tanzânia),construída pelos portugueses noinício do século XVI e cujas ruínasforam incluídas pela UNESCO nalista do "Património Mundial".Reinterpretando os dados re-sultantes de escavação realiza-da no início dos anos 1960 peloarqueólogo britânico NevilleChittick, o autor contesta queas actuais ruínas correspondamà fortaleza portuguesa, propon-do antes uma cronologia do sé-culo XVIII.

p a l a v r a s c h a v e

Idade Moderna; África; expan-são portuguesa; fortalezas.

a b s t r a c t

Remarks on the fortress of theIsland of Quíloa (off the coastof East Africa, south of Dar-es--Salam, in present day Tanzania),built by the Portuguese at thebeginning of the 16th century andwhose ruins were included inUNESCO’s “World Heritage” list.By reinterpreting data resultingfrom excavations made at thebeginning of the 1960s by Britisharchaeologist Neville Chittick,the author disputes that the ex-isting ruins really belong to thePortuguese fortress and suggestsa 18th century chronology instead.

k e y w o r d s

Modern Age; Africa; Portugueseexpansion; fortresses.

r é s u m é

Considérations autour de la for-teresse de l’Île de Quíloa (sur lacôte orientale de l’Afrique, auSud de Dar-es-Salam, dans l’actu-elle Tanzanie), édifiée par lesportugais au début du XVIème

siècle et dont les ruines ont étéintégrées par l’UNESCO dans laliste du “Patrimoine Mondial”.Réinterprétant les données ré-sultant d’une fouille réalisée audébut des années 60 par l’ar-chéologue britannique NevilleChittick, l’auteur conteste lefait que les actuelles ruines cor-respondent à la forteresse por-tugaise, proposant plutôt unechronologie du XVIIIème siècle.

m o t s c l é s

Période Moderne; Afrique; ex-pansion portugaise; forteresses.

No entanto, a realidade não é tão simples comoa imagem que surge aos nossos olhos, existindomúltiplos obstáculos para a pretendida associação da“Gereza” com a obra que os portugueses edificaramem Quíloa, tornando-se difícil, para não dizer impos-sível, fazer coincidir tal fortaleza com as descriçõesque nos foram deixadas pelos relatos coetâneos daconstrução que foi levada a cabo pelo primeiro Vice--Rei da Índia, D. Francisco de Almeida.

VIII.1

Na ilha havia um castelo...

A fortaleza de Quíloa foi a primeira obrade relevo a ser construída pelos portu-gueses para além das costas do Oceano

Atlântico e, embora o seu período de utilização ti-vesse sido muito curto (1505-1512), esta caracterís-tica, só por si, torná-la-ia merecedora de especialatenção. Mas, além disso, a fama que aureolava o“reino” onde foi implantada, contribuiu para umaimagem que veio nos nossos dias a ser reforçadacom a classificação, em 1981, pela UNESCO, do con-junto das suas ruínas como “Património Mundial” 1.

Para quem tenha presente esta mítica ideia, aprimeira visão que se percepciona da pequena ilhaonde se situava a cidade de Quíloa é a de um caste-lo à beira-mar, apresentando um estilo de construçãoque satisfaz plenamente o nosso imaginário quantoao que julgamos ser um típico “castelo medieval”.

Face a esta imagem, não será de admirar que afortificação, localmente designada como “Gereza” 2,seja associada à primitiva obra dos portugueses e,como tal, a Fundação Calouste Gulbenkian tivesseprojectado e propagandeado que iria tomar medidaspara a sua recuperação 3 e, que, pela mesma razão, adita “Gereza” tenha sido encomiasticamente referidapor personalidades tão diversas como Miguel Portasou Maria João Avillez 4.

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1 A classificação da UNESCO abrange as ruínas quer da “cidade” de Quíloa,situada na pequena ilha de Kilwa Kisiwani, quer as ruínas da vizinha ilha deSongo Mnara, ambas situadas na costa da Tanzânia, a Sul de Dar-es-Salam.2 O termo “gereza”, que actualmente significa “prisão” em suaíli, surge comotendo óbvia origem portuguesa, embora pareça mais discutível que derive dapalavra “igreja”, como é sustentado na zona − p. ex. SUTTON, John (1992) −A Thousand Years of East Africa. Nairobi: The British Institute in Eastern Africa, p. 88.3 A respeito dos planos da FCG, vide, p. ex., artigos na revista Visãode 2002-03-21, no Jornal de Letras de 2001-05-02, ou ainda a exposiçãoitinerante denominada “A Fundação Calouste Gulbenkian e o PatrimónioHistórico Português no Estrangeiro”, que esteve patente na Academia deCiências até 2004-06-20.4 Vide AVILLEZ, Maria João − Portugal. As Sete Partidas para o Mundo. Veja-seainda recente notícia no jornal Público de 2004-07-08, dando conta dadisponibilidade do IPPAR e da representação portuguesa na UNESCO paracolaborarem na conservação da “Gereza”.

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Segundo este, conforme carta então enviada parao reino, tratar-se-ia de “huuma fortaleza que se po-desse ser compraria por anos de minha vida, vee laVossa alteza porque he tam forte que se esperaranela el rei de França e tem apousemtamento de mui-to boas casas pera duas tamta gente e desenbarquonos batees as pipas por huuma esquada de seis de-graaos demtro no baluarte que he o mais forte dacasa” 5. Todos os cronistas corroboram estas afir-mações, sendo de realçar que a utilização do termo“baluarte” remeteria para uma construção de grandemodernidade, que traduziria um conhecimento douso da artilharia e demais técnicas da pirobalísticacoincidente com o papel vanguardista então assumi-do por Portugal em matéria bélica.

Além disso, segundo outras descrições, “… quehavia de ter a fortaleza em quadra, que per quadratinha sessenta braças, e em hum canto pera a bandada cidade huma torre quadrada, sobradada com o an-dar do muro […] toda a obra em roda se fazia comoutra torre quadrada per a banda da baya, em quea terra fazia uma ponta, e na torre a porta pera omar, e nas casas dentro mandou alevantar a torre demenagem, de dous sobrados fortes, com janelas pe-ra todas as partes, de que podia jogar artilharia” 6.Sabe-se ainda que, em Setembro de 1506, uma equi-pa de pedreiros portugueses e quatro pedreiros “mou-ros”, “acabaram de cerrar hos muros de dentro” e a“torre de sobola porta do baluarte”, detendo a for-taleza em Fevereiro de 1507 a impressionante quan-tidade de 73 armas de fogo 7, o que corresponde aum entusiasmo pela sua utilização que já era bempatente desde a renovação do castelo de Vila da Fei-ra.

Para o território nacional, comoexemplo de uma fortificação contempo-rânea de Quíloa, poder-se-ia escolher pa-ra comparação uma estrutura modesta ealheia à iniciativa régia, como é o caso doCastelo de Barbacena, aonde toda a cons-trução foi orientada para o uso da artilha-ria, mesmo ao nível do piso térreo, deforma a proporcionar um tiro flanqueanteque “batesse” toda a frente da muralha,multiplicando-se as aberturas com esseobjectivo, nomeadamente nas torres, queeram ocas até à base.

Que não era o que parecia…

Porém, e ao contrário das descriçõescitadas, o edifício a que nos vimos referin-do traduz-se num quadrado de modestasdimensões (20 m x 20 m), com duas torresnos vértices opostos, de bases maciças esem aberturas para o tiro senão nos pisossuperiores, não mostrando quaisquer tra-

ços que possam corresponder ao que seria de esperarde uma fortificação evoluída do início do séc. XVI.

É certo que este obstáculo seria ultrapassável secolocássemos a hipótese de que as notícias então en-viadas para o reino, por serem de difícil comprova-ção directa, teriam uma forte componente de exage-ro, para fins de auto-promoção dos seus autores, e,nesse caso, seria natural que a realidade tivesse fica-do aquém das descrições acima citadas. Mas, exis-tem vários factores que, para este caso, tornam pou-co credível uma tal teoria.

Deve fazer-se notar que a fortaleza actual estáinstalada de uma forma demasiado avançada relati-vamente à linha da costa, o que originou a forte ero-são e rápido desaparecimento da sua fachada Norte,sem que esteja em posição de controlar eficazmenteo acesso de navios à Ilha, mais parecendo que estalocalização tinha em vista impedir o seu acesso apartir do continente, como teria sucedido com a in-vasão dos “zimbas” no séc. XVI 8.

Além disso, esta escolha da praia leva a que aconstrução fique num plano inferior relativamente àsfalésias que começam a elevar-se a Leste, colocan-do-a a um nível mais baixo do que o da cidade, oque, sob o ponto de vista militar, a tornaria pouco ounada aconselhável para dominar a povoação indíge-na, assim como também não dominaria o porto.

Poder-se-ia hipotetizar que o seu rápido aban-dono se tornaria, nesse caso, explicável por esta erra-da escolha do local aonde se situava, mas, além domais, e tanto quanto se saiba, não se afigura que osportugueses fossem especialmente descuidados noque diz respeito à implantação das suas constru-ções…

VIII.2

5 Carta de D. Francisco deAlmeida citada por Pedro Dias, em História da Arte Portuguesa noMundo. O espaço do Índico, pág. 356.6 Transcrição de PEREIRA, Mário(1994) − “Da Torre ao Baluarte”.In A Arquitectura Militar na ExpansãoPortuguesa. Lisboa: CNCDP, p. 41.7 Transcrição de CALADO, Rafael(1989) − História das FortificaçõesPortuguesas no Mundo. Edições Alfa,p. 112.8 Nos finais do século XVI, os“zimbas” invadiram a Ilha atravésde uma passagem a vau que a ligavaao continente e teriam então“comido” boa parte da população,sendo certo que, descontados osexageros, se tratou de um eventoprofundamente traumatizante, quepoderá explicar eventuais cautelasem matéria de defesa. Vide SANTOS,Fr. João (1999) − Etiópia Oriental eVária História de Cousas Notáveis doOriente. Lisboa: CNCDP, p. 235 [ed. original 1608].

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C E N T R O D E A R Q U E O L O G I A D E A L M A D A

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Figura 1

A fortaleza de Quíloa, usualmentedesignada por “Gereza”. Fotografiaaérea do Museu de Dar-Es-Salam.

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Divagando por outras bandas

Para Neville Chittick, e face às investigaçõesque realizou, não existia qualquer margem para dú-vidas quanto à origem “árabe” da “Gereza”, tratan-do-se de uma obra dos inícios do séc. XIX realizadapor um representante do sultão de Mascate 10.

Poderá parecer estranho que o aspecto “medie-val” inicialmente invocado surja numa construçãolevada a cabo no séc. XIX, mas as características dasfortificações da Península Arábica que tinham sido“exportadas” para a Costa Oriental de África corres-pondem inteiramente a essa aparência.

A “Gereza” é contemporânea das grandes obrasna fortaleza de Zanzibar, sendo ambas da responsa-bilidade de um “eunuco” que agia em nome do sul-tão de Mascate 11, e, citando uma opinião alheia, “osfortes de Quíloa e Zanzibar são tão patentementesemelhantes no conjunto da sua construção, espe-cialmente nas suas gordas torres, em feitio de barril,e nas suas passagens muradas, que, em si próprios,já sugerem um arquitecto comum” 12.

A arquitectura militar de origem árabe fez surgirnos primeiros anos do séc. XIX uma série de forta-lezas nesta costa, todas de idênticas características,em Siyu 13, Lamu, Zanzibar e Quíloa.

VIII.3

Como se voltará a sustentar, existem muitas ou-tras objecções quanto à ligação da “Gereza” com oforte português que é vulgarmente proposta, mas,entretanto, dever-se-á trazer à colação um estudo so-bre Quíloa que resultou de aturadas escavações ar-queológicas aí levadas a cabo. O autor optou por si-tuar a obra portuguesa neste local, e, aparentemente,a respeitabilidade da sua opinião deveria afastar to-das as dúvidas que se pudessem colocar.

Uma escavação exemplar

Os países da África Oriental têm conhecido umnotável conjunto de arqueólogos, entre os quais so-bressai mediaticamente a família Leackey, dotadosde estreita ligação com a época áurea da arqueologiabritânica, que acompanhou o evoluir dos trabalhosna zona, nomeadamente quanto a Quíloa, observadapor Mortimer Wheeler em 1955.

Nesse grupo destacou-se Neville Chittick que,no início dos anos 1960, dedicou a sua actividade àescavação das ruínas da cidade a que os vimos re-ferindo, aí praticando uma arqueologia que, pelascondições de vida locais, se aproximava da imagemmais aventurosa desta Ciência, mas que, ao contrárioda visão romântica, nada tinha a ver com a ambiçãode achar “tesouros”, mas sim com a minuciosa reco-lha e registo de todos os indícios que pudessem con-tribuir para o conhecimento do passado.

Este trabalho de Neville Chittick foi condensadoem dois grossos volumes 9, que permitem adoptarvários tipos de análises no que toca à localização dafortaleza que tinha sido construída às ordens deD. Francisco de Almeida, ultrapassando até a pro-posta do autor desse livro.

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9 CHITTICK, Neville (1974) − Kilwa:an islamic trading city on East Africancoast. Nairobi: The British Institutein Eastern Africa.10 Uma inscrição árabe sobre aporta de entrada da fortalezareferiria a data de 2 de Abril de1807. STRANDES, Justus (1899) −The Portuguese Period in East Africa.4ª edição em língua inglesa.Nairobi, p. 58 [1899, 1ª ediçãoalemã]. 11 Pouco tempo depois o sultãoabandonou Mascate para se instalarem Zanzibar, que passou aconstituir a capital dos seusdomínios, os quais, para além doactual Oman, abrangiam a costaafricana desde o Rovuma até àactual fronteira do Quénia com aSomália.12 STRANDES, ob. cit.: 58.13 A cidade de Siyu fica situada nacosta ocidental da Ilha de Pate, noarquipélago de Lamu, no Norte doQuénia.

Figuras 2 e 3

Aspecto de um dos volumes da obra de NevilleChittick e localização da “Gereza” e do conjuntofortificado de Makutani, in SUTTON, John (2000) −Kilwa: a history of the ancient swahili town...

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Tal não significa que aí não existissem tambémconstruções doutro tipo, como o Forte de Jesus e res-pectivas fortificações de apoio, de origem portugue-sa, mas utilizados então pelos naturais de Mombaça.Ou até uma ou outra bateria costeira para algumas pe-ças de artilharia, de origem indefinida e datação im-precisa, embora, provavelmente, fosse desse tipo aprimeira fortificação de Zanzibar, realizada em 1700,logo após a saída dos portugueses 14. Mas, no seuconjunto, estas obras são pouco significativas.

Tradicionalmente, as cidades suaíli limitavam-sea estar dotadas de muros de demarcação do espaço ur-bano, de finalidades mais simbólicas do que defensi-vas 15, com excepção de Pujini, na ilha de Pemba, queapresenta uma autêntica muralha, no sentido que asso-ciamos aos castelos medievais, mas que poderá tersido construída sob a orientação de portugueses 16, e dacidade de Pate que, nos primeiros anos do séc. XVIII,travou duros combates com as nossas tropas, o quelevou ao reforço do muro inicial.

Surgem ainda em vários locais (Gedi, p. ex.) mu-ros com orifícios especialmente orientados para o ti-ro de “espingarda”, mas, de qualquer forma, trata-sede obras com fraca expressão, que permitiam a totaldestruição da cidade perante ataques de meros “ban-doleiros”, como sucedeu com Kua, na ilha de Juane--Mafia, por volta de 1818.

Entretanto, na Península Arábica, desde os finaisdo séc. XVIII e até meados do séc. XX 17, multipli-cava-se a construção de estruturas fortificadas, compredomínio de torres redondas excepcionalmente bar-rigudas (em feitio de “barril”, como as denominou o

autor atrás citado), com patente cariz arcaizante, emque eram negligenciados os materiais construtivos eonde o aspecto aparatoso sobrelevava da eficácia mi-litar.

Se compararmos, por exemplo, a fortaleza de AlRiffa e a de Arad, ambas no Bahrein, sendo a primei-ra de 1812 e a segunda do séc. XVI 18, poderemosfacilmente constatar no primeiro caso, um claro des-interesse pelos aspectos militares e pela adequaçãoao uso da artilharia, em favor da imponência cons-trutiva, traduzindo um vincado retrocesso em maté-ria militar face ao segundo exemplo, que era contem-porâneo do forte português dessa Ilha.

Este tipo de fortalezas, como já se disse, foi “trans-plantado” para a costa africana, aonde estava essencial-mente dotada de finalidades simbólicas (aliás, não seconhecem grandes combates em que tivessem tidoutilização) e, portanto, as mesmas não devem serconfundidas com a arquitectura castrense europeia.

Regressando a Quíloa...

Neville Chittick estava bem consciente desta di-ferenciação, não tendo deixado margem para dúvi-das quanto ao carácter árabe da “Gereza”, mas aca-bou por aceitar que a mesma poderia ter resultado doaproveitamento de uma hipotética construção por-tuguesa, mais por exclusão de partes do que devidoa qualquer outro fundamento, limitando-se a utilizardois argumentos a favor dessa ideia, que, no entanto,são facilmente rebatíveis.

VIII.4

14 A residência fortificada deChake-Chake, na Ilha de Pemba, a norte de Zanzibar, talvez aindado séc. XVIII, apresentacaracterísticas diferentes, commenos exuberância de formas doque as fortalezas que foramreferidas no texto, embora sejainquestionável a sua origemislâmica.15 Muitas vezes nem sequerexistia o muro de delimitação doperímetro urbano, como, aliás, era o caso de Quíloa, ao contráriodo que foi sustentado pelos nossoscronistas. Vide, p. ex., SUTTON, John (2000) − Kilwa: a history of the ancient Swahili town, with a guide to the monuments…Nairobi: The British Institute inEastern Africa, p. 20.16 A este respeito, vide “Sinais da Expansão Portuguesa na CostaOriental de África: sécs. XVI eXVII”. Islenha. Funchal: DirecçãoRegional de Assuntos Culturais. 33: 50-63.17 Refira-se, por exemplo, que o forte da cidade de Dubai, no essencial, foi construído porvolta de 1900, e, no entanto,apresenta o aspecto medieval quese apontou para a “Gereza”. A respeito desta matéria, AL-ROSTOMANI, Ahmed Hassan(1993?) − Gulf and it’s ArchitecturalHeritage. Dubai.

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Figuras 4 e 5

Fortalezas de Zanzibar (à esquerda, finais do séc. XVIII) e de Lamu (à direita, primeira década do séc. XIX).

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Esta fervilhante actividade exigia óbvias medi-das de segurança e instalações alfandegárias apro-priadas, o que torna facilmente explicável que se ti-vesse verificado o afastamento do sultão local e oaparecimento da “Gereza”, em substituição das ante-riores instalações francesas.

Um detalhado relatório de escavação

Chittick apoiou também a sua opção na desco-berta de ruínas subjacentes à “Gereza”, pertencentesa construções habitacionais que datou do séc. XV,porque essa descoberta coincidia com as referênciasdos cronistas portugueses que afirmavam que D. Fran-cisco de Almeida tinha mandado arrasar algumascasas para proceder à construção da fortaleza, argu-mento cuja relevância mais adiante se examinará.

Mas, neste aspecto, não deixa de ser útil atentarem notícia quanto a uma primeira e improvisadafortificação “árabe”, que teria sido realizada no iní-cio do séc. XVIII e para a qual também teria sidonecessária a demolição de casas existentes na pra-ia 23.

De qualquer forma, independentemente do queatrás se referiu, sucede que todos os demais resulta-dos das escavações na “Gereza” são demolidora-mente desfavoráveis para a tese que sustenta a suaorigem portuguesa.

Em Quíloa, durante a investigação arqueológica,foram achadas oito moedas nacionais, de D. Afonso Va D. Manuel 24, mas nenhuma se encontrava no localonde, supostamente, os portugueses se teriam insta-lado e vivido durante perto de sete anos.

E também não foi detectado qualquer vestígio decerâmica de origem portuguesa 25, o que resultariadeveras estranho se se tratasse de uma construçãoaonde os portugueses tivessem mantido uma guar-nição permanente.

Mas, sobretudo, Chittick não conseguiu detectarnenhum pormenor construtivo que se pudesse dife-renciar da obra “árabe”, sendo pouco crível que umarqueólogo altamente capacitado, que efectuava umrigoroso trabalho de escavação, não chegasse a obser-var qualquer diferença entre duas construções comorigens tão diferentes e a que se sobreporiam trezen-tos anos de separação, a não ser que, na realidade,essa sobreposição fosse totalmente inexistente.

Face à uniformidade construtiva que resulta des-tas observações de Chittick, para que a “Gereza” fos-se atribuível aos portugueses, seria imprescindívelque não tivesse existido senão uma construção quese teria mantido até aos nossos dias, o que contradiztodos os dados históricos.

E é totalmente inverosímil que a obra que hojese observa seja atribuída aos portugueses, não sóporque nos textos nada aponta nesse sentido, mastambém porque a mesma apresenta uma péssima

18 A fortaleza de Arad foiescavada e estudada por ArchibaldG. Walls, autor do livro Arad Fort,Bahrain, Manama, 1987.19 Sobre a tardia implantação do“pinheiro bravo” em Portugal, vide,por ex., SILVA, A. R. Pinto da(1991) − “A Paleoetnobotânica naArqueologia Portuguesa”. Gazetadas Aldeias. Janeiro de 1991, p. 39.Sobre as madeiras utilizadas nasnaus portuguesas, vide FERNANDES,Mário (1998) − “A Carreira daÍndia…”. Al-Madan. II Série, 7: 94.20 CHITTICK, ob. cit., I vol., p. 222.21 M’BOKOLO, Elikia (2003) −África Negra, História e Civilização.Lisboa: Vulgata, p. 307.22 Num exemplo do número de“peças” taxadas na Alfândega deQuíloa a favor do Sultão deZanzibar, no período entre 1862--1867, foram por aí exportados 97 203 escravos. Dados recolhidosin SULIVAN, Captain G. L. (2003) −Dhow Chasing in Zanzibar Waters.2ª ed. Zanzibar, pp. 54, 89, 166,171 ou 224 (1ª ed., Londres,1873). Embora, em meados do séc. XIX, este negócio tivesse sidotransferido para uma novapovoação, Kilwa Kivinje, fundada apouco mais de trinta quilómetros aNorte da Ilha, as suas regrasmantiveram-se inalteráveis.23 STRANDES, ob. cit.: 240 −Em 1710, “In Kilwa… the housebelonging to a local MuslinManabacare (Mwana Bakari) had been turn into a fort”.24 CHITTICK, ob. cit., II vol., pp. 285, 293, 294, 298 e 301.25 Idem, II vol., p. 313.

VIII.5

Ao estudar o edifício, foram detectadas duas ja-nelas numa parede exterior cujos lintéis eram feitosde madeira de pinheiro mediterrânico, provavelmen-te pinus pinaster e, por essa razão, Chittick supôsque essa madeira tivesse sido reaproveitada a partirde alguma nau portuguesa.

No entanto, seria desde logo muito estranho queas naus de uma das primeiras armadas para a Índiapudessem ir prescindindo de bocados da sua estrutu-ra pelo caminho, assim como também seria estranhoque um material facilmente inflamável tivesse sidoutilizado numa zona especialmente exposta aos ata-ques do inimigo. Mas, sobretudo, tudo indica que opinheiro-bravo, ou seja, o pinus pinaster, ainda nãofosse utilizado em Portugal no início do séc. XVI, oque inviabiliza totalmente a suposição de Chittick 19.

Além disso, a análise através do radiocarbonoforneceu para essas madeiras a data de 1775 20, eembora tal datação tivesse sido considerada irrele-vante, porque poderia resultar da contaminação dasamostras que tinham servido de base para essas aná-lises, a mesma provavelmente será correcta e forneceuma explicação que ajuda a compreender as origensdesta fortaleza.

Surgem outros ocupantes na ilha

Com efeito, no último quartel do séc. XVIII,Quíloa constituiu uma importante base francesa parao comércio de escravos e, neste caso, já se torna per-feitamente normal a presença de madeiras de pi-nheiro mediterrânico, em consonância com os dadosfornecidos pelo radiocarbono.

Aliás, em 1776, foi assinado um tratado entre o“negreiro” Jean Vincent Morice e o sultão de Quíloa,permitindo que o francês tivesse uma fortaleza onde“poderia instalar tantos canhões quantos desejassee a sua bandeira” 21. Embora tal não tivesse sidointegralmente concretizado, é de supor que tivesseexistido uma construção nessa época, que seria im-prescindível para o armazenamento e segurança da“mercadoria” que era embarcada nos navios do fran-cês e estaria convenientemente situada na praia,podendo vir a ser reaproveitada posteriormente.

Entretanto, tinha-se verificado um incessantecrescimento do comércio de escravos, centrado emZanzibar, e, por isso, o Sultão de Mascate sentiu anecessidade de se apoderar de Quíloa, que constituíaentão a principal base para o seu fornecimento, pois“Quíloa é o principal porto de embarque […]. Osescravos que chegam a Quíloa vindos do interiorsão frequentemente retidos durante alguns mesescom o duplo objectivo de recuperarem a saúde parase tornarem mais comerciáveis e aprenderem a lín-gua suaíli…”, sendo objecto de rigoroso controlo acobrança dos direitos alfandegários que resultavamda sua exportação 22.

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técnica construtiva, ou, nas palavras do arqueólogo,“this fort is built of rough random rubble, set in arather poor lime mortar” 26, sublinhando Chittickque os vestígios de construções suaílis do séc. XVapresentavam melhor qualidade de construção do queos muros da fortaleza que se lhes sobrepõe.

Por outro lado, quando os portugueses, em 1512,anunciaram que tinham desmantelado a sua edifi-cação, tal implicaria um certo grau de destruição dasmuralhas, que seria facilmente detectável.

No entanto, aquele anúncio deve ser entendidoem termos hábeis, pois, regra geral, tal desmantela-mento limitar-se-ia ao retirar da artilharia e à demo-lição das estruturas superiores, dado que os meios daépoca tornariam inviável que, atendendo à sua espes-sura, se procedesse ao total desmanchar das mura-lhas.

Mas, de qualquer forma, é irrecusável que per-maneceriam vestígios portugueses que seriam vi-síveis, até porque trezentos anos de erosão alterariamforçosamente o aspecto dos muros que restassem eos tornariam distinguíveis da obra “árabe” que se lhessobrepusesse.

Por excessivo gosto pelo uso do contraditório,poder-se-ia colocar a hipótese de que a fortaleza ini-cial tivesse sido totalmente demolida e, seguidamen-te, os seus alicerces fossem destruídos para aprovei-tamento como material de construção mas, aindaassim, seria pouco provável que essa situação esca-passe à observação de N. Chittick, que a detectounoutras construções, sendo frequente a referência a“alicerces roubados” no que diz respeito a várias zo-nas da cidade.

E uma hipotética demolição da fortaleza inicialdeixaria no local, seguramente, uma quantidade deentulho que qualquer arqueólogo minimamente ca-paz não deixaria de detectar aquando da escavaçãoda “Gereza”.

Mas, para além de todos estes óbices, pode ain-da trazer-se à colação um outro obstáculo que, pro-vavelmente, Chittick não teria presente.

É que o mestre-de-obras responsável por Quíloa,Tomás Fernandes, construiu seguidamente as forta-lezas de Socotorá e de Ormuz 27, sendo de supor quenão existiriam grandes alterações no seu estilo detrabalho, atendendo a que, nesse espaço de tempo,esteve entregue a si mesmo, sem fáceis contactoscom a Europa, e, no entanto, não existe a menor se-melhança entre a obra de Ormuz e a “Gereza”, o quetorna mais uma vez altamente improvável qualquerorigem portuguesa para esta última.

Arriscando a formulação de outra hipótese

Nos finais do séc. XIX, a tradição indígena apon-tava uma outra localização para o forte português 28,situando-o em Makutani (ver Fig. 2), aonde foi insta-lado o palácio dos sultões de Quíloa após a partidados portugueses e até ao seu definitivo afastamentodo poder pelos “árabes” de Zanzibar e Mascate, noinício do séc. XIX, e existem algumas razões paraque esta hipótese seja devidamente ponderada.

Começando pela localização, Makutani talvez per-mitisse um melhor controlo do tráfego marítimo 29 edominava estrategicamente a cidade indígena, tal

VIII.6

26 CHITTICK, ob. cit., I vol., p. 213.27 Vide DIAS, Pedro (1998) −História da Arte Portuguesa noMundo. O espaço do Índico. Lisboa:Círculo de Leitores, pp. 356, 377ou 387.28 STRANDES, ob. cit.: 57.29 A predominância de Makutani é sustentada por STRANDES

(ob. cit.: 57) − “[…] indeed dominatethe harbour entrance” −, embora talopinião não coincida com o pontode vista de John SUTTON, in Kilwa: A history…, p. 21.

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Figura 6

A primitiva fortaleza de Ormuz,segundo o desenho de GasparCorreia nas Lendas da Índia. O tracejado corresponde aestruturas que ainda sãodetectáveis, o que permite concluirque o desenho reproduziucorrectamente a construção deTomás Fernandes.

É de supôr que fosse equiparável asua obra em Quíloa.

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formá-lo num émulo das dezenas de “casas de Co-lombo” que se encontram espalhadas pelo Mundo oudo “Hotel Braganza”, aonde um moderno autarcalisboeta pretendeu instalar Eça de Queirós.

Quanto à obra de Neville Chittick em Quíloa, aforma rigorosa como recolheu e divulgou os dadosda sua investigação possibilitam agora que sejamobtidas conclusões diferentes das que formulou masque assentam num trabalho que, por todo o conheci-mento que faculta, se supõe poder ser consideradocomo exemplar.

30 Sobre a fortaleza de Ormuz,vejam-se, “Vestígios daArquitectura Manuelina e SuaPersistência no Golfo Pérsico ePenínsula Arábica” e “Técnicas eGostos Indígenas na ArquitecturaPortuguesa da Época dosDescobrimentos: os casos dasfortalezas de Ormuz e Barém”.Islenha, 25: 92-100 e 31: 145-158.

VIII.7

como veio a ser reconhecido pelos sultões locais,que para aí se transferiram depois da saída dos por-tugueses.

Por outro lado, foi detectado um ceitil de D. João IInessas ruínas e, apesar de não terem sido recolhidosoutros materiais a que fosse atribuível uma origemportuguesa, será necessário sublinhar que esta zonafoi limitadamente escavada por N. Chittick, que sepreocupou sobretudo com os vestígios suaílis doséc. XV.

Por outro lado, sob o palácio de Makutani exis-tem também vestígios de construções anteriores, doséc. XV, e, portanto, o segundo argumento que atrásse referiu relativamente à origem da “Gereza”, tam-bém pode ser aplicado a este local.

Além disso, parte deste palácio inclui aspectosfortificados, com um primeiro andar assente sobreum piso dotado de um talude bastante acentuado,sendo difícil encontrar nesta zona do mundo umaconstrução em escarpa, destinada a rebater o impactodos projécteis da artilharia, para além deste caso.

Porém, em Ormuz, na muralha Leste original,encontramos um talude idêntico em inclinação e al-tura, construído por Tomás Fernandes com o objec-tivo de obter o melhor rendimento para o tiro deartilharia e a melhor resistência aos projécteis inimi-gos, traduzindo uma inovação na arquitectura militarda fase inicial da pirobalística que tem paralelismocom Makutani, onde surge como um elemento dis-sonante, a não ser que o relacionemos com a obraque Tomás Fernandes terá levado a cabo em Quíloa.

Para Ormuz 30, é fácil constatar a existência doselementos característicos dessa época, quer através dodesenho de Gaspar Correia, quer através da observa-ção directa, e, em conjunto, aí se detectam as tronei-ras cruzetadas (que também surgem na capela da Ilhade Moçambique); os dispositivos para o tiro razanteao correr dos muros; as torres poligonais; os peque-nos cubelos semi-circulares ou os “baluartes” quesão típicos da arquitectura militar portuguesa do iní-cio do séc. XVI e que, por mais que se procure, nãoencontram lugar na “Gereza”.

No entanto, sem observações mais detalhadastambém não é fácil fazer coincidir a obra de Maku-tani com tais características ou com as descriçõesdos cronistas de D. Francisco de Almeida, suceden-do que, até à data, todos os olhares, incluindo o doautor destas linhas, tinham sido direccionados para olado errado, ou seja, para a “Gereza”, não sendo porenquanto possível formular qualquer proposta segu-ra quanto à localização do forte português.

Mas, por outro lado, afigura-se ser incontornávela conclusão de que a “Gereza” nunca teve nada a vercom a obra do séc. XVI, e, por isso, não há qualquerrazão para que, em nome das glórias pátrias de an-tanho, os portugueses vão em romaria admirar esseforte que, no fundo, poderá não ter passado de umdepósito de escravos, a não ser que se pretenda trans-

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Figura 7

Fortaleza de Ormuz, pormenor da construção inicial.

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Castelo de Monforte de Rio Livrepor João Mário Martins da Fonte e Ismael Basto Cardoso

Finalistas da Licenciatura em Arqueologia da Universidade doMinho

r e s u m o

Contextualização histórica egeográfica e caracterização ar-quitectónica do Castelo de Mon-forte de Rio Livre (Chaves),fortificação documentada des-de o século XI.O autor apresenta as linhas ge-rais de um projecto de investi-gação histórica e arqueológica,sobre o qual assentaria a salva-guarda e valorização de um mo-numento dotado de elevado po-tencial turístico.

p a l a v r a s c h a v e

Idade Média; Idade Moderna; ar-quitectura militar; castelo.

a b s t r a c t

Historic and geographical con-text and architectural descrip-tion of the Castle of Monfortede Rio Livre (Chaves), a fortwhich has been documented sincethe 11th century.The author outlines a historicaland archaeological research proj-ect which would be the basisfor safekeeping a very impor-tant monument whose touristpotential cannot be disregarded.

k e y w o r d s

Middle Ages; Modern Age; mil-itary architecture; castle.

r é s u m é

Mise en contexte historique etgéographique ainsi que caracté-risation architectonique du Châ-teau de Monforte de Rio Livre(Chaves), fortification réperto-riée depuis le XIème siècle.L’auteur présente les grandeslignes d’un projet de recherchehistorique et archéologique, surlequel se baserait la sauvegardeet la valorisation d’un monumentdoté d’un potentiel touristiqueélevé.

m o t s c l é s

Moyen Âge; Période Moderne;architecture militaire; château.

Tem acesso pala Estrada Nacional 103, que ligaChaves a Bragança, entre os quilómetros 182 e 183,por um desvio à direita, através de um estradão emterra batida.

O Castelo de Monforte está classificado como Mo-numento Nacional pelo Decreto-Lei 37/728, de 5 de Ja-neiro de 1950, sendo um monumento afecto ao Ins-tituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR).

O antigo Castelo, de que hoje restam apenas ruí-nas, abrigava nas suas muralhas de sólida alvenariaem granito uma pequena povoação, a vila de Mon-forte de Rio Livre, sede de concelho do mesmo nome,que abrangia a área de várias freguesias, hoje per-tencentes aos concelhos de Chaves e Valpaços (CAR-VALHO 1929). O concelho de Monforte de Rio Livrefoi extinto no século XIX, mais propriamente a 31 deDezembro de 1853, data em que foi dissolvido emproveito dos concelhos de Chaves e de Valpaços.

O topónimo “monforte” tem origem no latim“mons fortis”, literalmente “monte forte”. O topóni-mo “rio livre” pode ter origem no facto de o Casteloestar a salvo das cheias dos rios Tâmega e Rabaçal,estar, portanto, “livre de rio” ou “sem rio” (CARVA-LHO 1929). Outros, porém, como relata João Vaz deAmorim, afirmam que o topónimo “rio livre” se re-fere a um antigo privilégio dos habitantes desta re-gião, que era o de poderem pescar livremente duran-te todo o ano nas águas do rio Rabaçal, usufruindodelas para rega, entre outras coisas.

IX.1

1. Contexto histórico-geográfico

O Castelo de Monforte de Rio Livre loca-liza-se no distrito de Vila Real, conce-lho de Chaves e freguesia de Águas

Frias, sensivelmente 2 km a Sul da sede de freguesiae 12 km a Nordeste da sede de concelho.

Encontra-se implantado no alto de um outeiro daSerra do Brunheiro, aproveitando os afloramentos ro-chosos existentes no local, isolado e em contextorural, perto da confluência da ribeira de Águas Frias.Destaca-se na paisagem e beneficia de uma privile-giada posição geoestratégica, com ampla visibilida-de, em particular sobre a veiga de Chaves. As coor-denadas (Gauss) são as seguintes: Latitude 36,8º;Longitude 24,9º; a altitude a que se encontra o caste-lo é de 861 metros, valores lidos na folha 35 daCarta Militar de Portugal à escala 1/25 000. A nívellitológico, a rocha dominante na zona é o granito, doqual é feito o aparelho construtivo do Castelo.

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Figura 1

Pormenor da folha 35 da Carta Militar de Portugal à escala 1/25 000, com a localização do Castelo de Monforte de Rio Livre.

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O conjunto classificado é constituído pelas ruí-nas da vila de Monforte de Rio Livre, compreenden-do o Castelo propriamente dito, com a torre de me-nagem e o respectivo pátio, implantado na zona maiselevada, e a cerca vilã, que define um recinto sub-elíptico, estendendo-se ao longo da encosta declivo-sa, com um traçado algo irregular adaptado à topo-grafia do terreno.

A origem do castelo propriamente dito, enquan-to estrutura muralhada que define um pequeno es-paço, deve procurar-se nos primórdios da Recon-quista Cristã. Eram estruturas exclusivamente mili-tares, bastante rudimentares, quase sempre fruto dainiciativa das populações locais, implantadas emlocais elevados e acidentados, privilegiando o cam-po de visão, ocupando, muitas vezes, antigos povoa-dos fortificados. Estes castelos roqueiros dos primór-dios da Reconquista foram a resposta encontradapelas populações locais face às razias muçulmanas eincursões normandas (BARROCA 1990-1991).

O século IX ficou marcado por um avanço signi-ficativo da Reconquista Cristã, graças à acção deAfonso III das Astúrias, que levou a cabo uma sériede presúrias. A presúria de Chaves no ano de 872 pe-lo Conde Odoário 1 garantiu o controlo pelas forçascristãs de um eixo de circulação vital − a bacia tec-tónica Régua-Verín −, que permitia o acesso até jun-to do Douro (BARROCA 1990-1991). Este processofoi acompanhado de perto por uma reorganizaçãomilitar e administrativa com base nos condados (uni-dades políticas), nos territoria (unidades eclesiásti-cas) e nas civitates (unidades militares e administra-tivas). Importa destacar as civitates, que eram gran-des unidades territoriais dirigidas por condes, ondeum castelo presidia aos destinos militares, estando

dele dependentes uma série de estruturas castelares.A fase das civitates foi, de resto, o período áureo do“incastelamento” do Norte de Portugal, multiplican-do-se a construção de estruturas militares (BARROCA2003). Eram referidos na documentação por vocábu-los como “monte”, “mons”, “castrum” ou “alpe”, sen-do, contudo, estruturas bastante rudimentares. Cha-ves era sede de civitas, estando dela subordinadosuma série de castelos roqueiros, pelo que interessavaaveriguar se o Castelo de Monforte de Rio Livre se-ria já um desses castelos.

A bibliografia tradicional refere a construção doCastelo de Monforte por D. Afonso Henriques, apósconquista aos Mouros em 1139, embora tal nãopasse de uma mitificação historiográfica.

A mais antiga referência ao Castelo de Monfortede Rio Livre, que primeiramente se denominaria S. Pe-dro de Batocas, data de finais do século XI. No refe-rido documento do Liber Fidei da Sé de Braga cons-ta: “civitatem Batocas […] in territorio Flaviensis dis-currente rivulo Tamica” (cit. in TEIXEIRA 1996). Nou-tro documento do Liber Fidei pode ler-se: “territo-rio Flabias subtus mons Batocas discurrente flumenTamice in villa quod vocitant Sancti Stephani” e“[…] per mediatorio de Marius […] et inde per AquasFrígidas et sub ipsa civitatelia de Batocas” (idem).Já no século XII, noutro documento do Liber Fideisurgem novas referências a Batocas: “in villa que vo-catur Turris sub monte Batocas discurrente flamineTamice territorio Flavias” e “in villa Sancti Stephanide Flabias sub monte Batocas aquis discurrentibusad flumen Tamice” (idem). Na documentação da épo-ca os sítios eram inúmeras vezes localizados no es-paço geográfico pela proximidade ou dependência deuma estrutura militar. As expressões “subtus”, “sub”,

IX.2

1 Doação de Odoino ao Mosteirode Celanova, de 1 de Outubro de982: “…data est terra adpopulandum illustrissimo viro domnoOdoario digno bellatori, in EraDCCCCX, a príncipe serenissimodomno Adefonso; qui venit in civitateFlavias, secus fluvium Tamice, viços etcastella erexit, et civitates minivit, et villas populavit, atque eas certislimitibus formavit, et terminis certislocavit, et inter utrosque habitantesdivisit, et omnia ordinate atquefirmate bene cuncta disposuit”(cit. in BARROCA 1990-1991).

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Figuras 2 e 3

Fotografias aéreas do Castelo de Monforte de Rio Livre, nas escalas 1/5000 (à esquerda, em levantamento de 1958) e 1/25 000 (à direita, em levantamento de 1995).

Fonte: Centro Nacional deInformação Geográfica.

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e corporizava o poder desse território. O triunfo dasterras conduziu, de certa maneira, a um “desincaste-lamento”, face à redução das estruturas fortificadasoriginada pela nova organização territorial e adminis-trativa. Os castelos que ascenderam à chefia de umaterra constituem, por excelência, o modelo de caste-lo românico em Portugal (BARROCA 1990-1991). Im-plantavam-se no alto dos montes, aproveitando os aflo-ramentos rochosos, de forma a potenciar a defesa dolocal e permitir um amplo campo de visão. O casteloromânico era concebido para uma “defesa passiva”,procurando, antes de mais, resistir a operações de cer-co e assalto.

Num outro documento do século XII do LiberFidei, há referência a um nobre tenente do castelo:“domnus Gonsalvus de Sousa, tenens Montem For-tem supra Flavias” (cit. in MACHADO 1994), peloque, provavelmente, o Castelo de Monforte de RioLivre seria castelo cabeça-de-terra.

No século XIII, com a progressiva afirmação ecentralização do poder régio, o sistema baseado nas

IX.3 adendaelectrónica

Figuras 4 e 5

Representação do Castelo de Monforte de Rio Livre, segundo o Livro das Fortalezas, de Duarte de Armas (bandas Nordeste, à esquerda, e Sudoeste, em cima).

etc., são muito comuns na definição dessa relação dedependência militar e espacial, sendo acompanha-das, muitas vezes, da indicação do território em quese implantam e da proximidade de cursos fluviaismais importantes (BARROCA 1990-1991), como se po-de constatar no anteriormente exposto, em que o “mon-te Batocas” é utilizado como ponto de referência.

A insistente referência ao monte Batocas pareceindiciar o carácter fortificado do local, onde se deve-rá ter erguido um castelo, com maiores ou menoresarranjos defensivos (TEIXEIRA 1996). A designaçãode civitate e civitatelia com que também é referido osítio poderá atestar uma ocupação recuada no tempo,sobretudo como expressão da memória de ali terexistido um povoado fortificado da Idade do Ferroou um aldeamento/acampamento romano (idem).

O incremento que a Reconquista Cristã registouna segunda metade do século XI, sobretudo com ascampanhas de Fernando, o Magno, trouxe consigoalgumas alterações ao nível das estruturas adminis-trativas e militares. A organização do território emcivitas deixara de fazer sentido pois, face aos novoscondicionalismos militares, era necessário organizar--se o território em áreas mais pequenas. Começamentão a surgir na documentação medieval as referên-cias às terras, novas unidades administrativas e mili-tares, com uma área muito menor que as civitates, eque tinham à frente dos seus destinos militares umcastelo cabeça-de-terra de que era tenente (tenens)um elemento da nobreza local. Passa-se de um mode-lo essencialmente condal para um modelo essencial-mente senhorial (BARROCA 1990-1991), face à cres-cente influência da nobreza local, os chamados “in-fanções”. Cada terra possuía uma única estrutura mi-litar, o castelo cabeça-de-terra, onde se concentrava

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terras começa a entrar em decadência e os tenentes aser esvaziados das suas funções. Paulatinamente, es-sas nomenclaturas começam a desaparecer na docu-mentação, passando, nos finais do século XIII, a ha-ver referências aos julgados, espaços civis e judici-ais, confiados a juízes de nomeação régia (BARROCA2003). Se as civitates corresponderam a um modelocondal e as terras a um modelo senhorial, os julga-dos corresponderam à afirmação do modelo régio,ou seja, à política de centralização do poder e de con-trolo da nobreza, levada a cabo por Afonso III e porD. Dinis (BARROCA 2003).

A partir de meados do século XIII começam asurgir nos castelos portugueses novas soluções ar-quitectónicas, vocacionando-os agora para uma “de-

fesa activa”, característica do castelo gótico, feitonão só para resistir aos assédios inimigos, mas tam-bém para contra-atacar.

Em 1258, nas Inquirições de D. Afonso III relati-vas ao julgado de Rio Livre (Batocas), surge a refe-rência ao nome de uma paróquia: “parrochia SanctiPetri de Batocas” (cit. in TEIXEIRA 1996), que seidentifica com o mons/monte ou civitate/civitateliade Batocas.

No século XIII, surgem as vilas fortificadas deiniciativa régia, com funções de capitalidade sobreum território mais ou menos vasto, o respectivo ter-mo. Em 1273, D. Afonso III concedeu carta de forala “hominibus populatoribus de villa mea de Monteforti de Rio Livre” (cit. in GOMES 1993), na tentativade fomentar o seu povoamento, denominando-se ago-ra Monforte de Rio Livre. No reinado do mesmo mo-narca, procedeu-se à reconstrução do Castelo e das suasmuralhas após as guerras contra Leão. Esta recons-

trução foi concluída no reinado de D. Dinis, ficandoo Castelo dotado de torre de menagem e sendo am-pliada a muralha da vila.

Face ao carácter de vila fronteiriça, a fundaçãoda mesma parece representar uma iniciativa associa-da à estabilização e consolidação da fronteira Nortedo Reino, defendendo um eixo natural de penetraçãono território nacional (TEIXEIRA 1996).

O Castelo de Monforte sofreu várias obras derecuperação militar e civil nos séculos seguintes, no-meadamente nos reinados de D. Fernando, D. João Ie D. Manuel I.

As dificuldades de manutenção e povoamento davila encontram-se bem evidentes quando em 1420foi instituído o couto de homiziados, por D. João I,

pois “dicta vjlla he muj desfraudade por seermujto no stremo e por razam das guerras pas-sadas” (cit. in GOMES 1993), com o propósitode aumentar o povoamento e garantir a defesado território à custa dos homiziados, que, emcontrapartida, logravam alcançar o perdão (MO-RENO 1986), ou quando D. João II determinaque “os moradores das aldeias e casais a umalégua de distancia, se recolhessem e viessemmorar continuamente muros adentro da vila”(cit. in TEIXEIRA 1996).

Em 1512, foi concedido novo foral à vilapor D. Manuel I, na tentativa de evitar o seudespovoamento. Os forais outorgados a um ter-ritório despovoado ou raiano, como no caso deMonforte de Rio Livre, apresentam como par-ticularidade uma certa ligeireza fiscal, com ointuito de favorecer a fixação das populaçõesnas zonas mais agrestes (CASTRO 2002).

No numeramento de 1527-1532, viviam navila apenas trinta moradores, quando várioslugares do seu extenso termo, com 862 mora-dores distribuídos por 44 aldeias, ultrapassa-vam já aquele número (GOMES 1993).

Em 1796, a vila encontrava-se “quasi despovoa-da e arruinada, pois não tem mais do que cincomoradores, três dentro dos demolidos muros e dousda parte de fora” (cit. in TEIXEIRA 1996)

A vila persistiu até meados do século XIX, embo-ra nunca tenha sido demasiado povoada, até que, em1853, foi abandonada devido à extinção do concelhode Monforte de Rio Livre, em consequência dasreformas administrativas de Mouzinho da Silveira.

Há uma lenda que se refere ao êxodo da popu-lação da vila. O Castelo e a vila de Monforte de RioLivre foram um senhorio do irmão de D. João V, opríncipe D. Francisco. Este era famoso pelo seu maucarácter, associado à falta de juízo. Por ocasião deuma visita do senhor aos seus domínios, os homensbons do concelho quiseram presenteá-lo com produ-tos da região. Porém, a terra era pobre e apenas con-seguiram obter figos e pinhas, cujas colheitas seefectuavam na altura. Na dúvida, decidiram ofere-

IX.4

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Figura 6

Representação do Castelo deChaves (banda Sudoeste), segundoo Livro das Fortalezas, de Duarte deArmas, avistando-se, no cantosuperior esquerdo, o Castelo deMonforte de Rio Livre.

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IX.5

cer-lhe os figos, que sempre seriam mais apreciados,pensaram. O infante considerou esta generosa ofertacomo uma afronta à sua real pessoa. Decidiu entãocastigar o autor da ideia: mandou-o amarrar a umposte e ordenou aos seus soldados que lhe atirassem,um a um, todos os figos. Consta que no fim do exer-cício de tiro ao alvo, o infeliz homem, afogado emfigos esborrachados, desabafou com os seus pares:“Olha se tínhamos oferecido as pinhas!” Diz a tra-dição que, apesar do humor da vítima, os munícipesficaram muito desgostosos com esta atitude do se-nhor, e que esta foi uma das causas determinantes doêxodo da população da vila, que poucos anos depoisficou deserta.

2. Caracterização arquitectónica

A torre de menagem encontra-se implantada deforma proeminente na zona mais elevada, dominan-do todo o conjunto defensivo. Data do século XIV eserviria de residência ao alcaide, funcionando, emcaso de perigo eminente, como um último e quaseinexpugnável reduto de resistência aos ataques dosadversários. Possui planta quadrangular, com entra-da por uma porta de arco de volta perfeita situado aonível do primeiro andar, acessível pelo adarve ou ca-minho de ronda, ao qual se acede por uma escadariabastante arruinada encostada à muralha interior dopátio da torre de menagem. Sobre a porta sobres-saem os negativos de um possível alpendre desapa-recido. O rés-do-chão da torre de menagem é ocupa-do por uma cisterna com abertura superior situada nocentro do pavimento do primeiro andar. O tecto actu-al deste primeiro andar é formado por uma abóbadade berço em granito, situada a grande altura e queoutrora terá provavelmente constituído o tecto de umpavimento intermédio, que seria o segundo andar,vendo-se ainda as estruturas de apoio do sobrado eos vãos nas paredes que iluminavam o andar: duas

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frestas e uma janela dedupla fresta em arco de volta quebrada. Numdos ângulos deste desaparecido segundo andardesenvolve-se uma escada em caracol, de grani-to, integrada na espessura da parede. O topo datorre encontra-se actualmente ocupado por um telha-do de construção moderna. Externamente, o topo datorre é coroado a toda a volta por mísulas, queserviriam de suporte ao já desaparecido machicoulis,que era um balcão corrido a toda a volta do topo datorre, suportado pelas mísulas, intervaladas por mata-cães, e coroado por ameias, permitindo o tiro verti-cal. No topo da torre, existem também duas gárgulasde escoamento de águas pluviais. A encimar tudo isto,está um marco geodésico de construção moderna.

O pátio da torre de menagem apresenta umaplanta sub-rectangular, com um aparelho elevado desilhares bem aparelhados, em aparelho pseudo-isó-domo. Seria possivelmente aí que se localizariam ascavalariças e instalações para serviçais, entre outras.O acesso é feito do exterior da fortaleza por uma por-ta de arco de volta perfeita, situada na face Sul. Uma

Figuras 7 e 8

Planta do Castelo de Monforte de Rio Livre, segundo o Livro das Fortalezas, de Duarte de Armas.

Em baixo, planta militar do mesmo Castelo (século XVIII).

A. Castelo AntigoB. Igreja matrizC. Quartel de cavalariaD. FonteE. Porta para a GalizaF. Porta para BragançaG. Baluarte da porta principalH. Muralhas do casteloI. Lugar da Vila

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outra porta, mais larga e também em arco de voltaquebrada, situada na face Oeste, liga directamente opátio da torre de menagem à antiga vila. Existemduas portas principais na cerca da vila: a porta paraGaliza e a porta para Bragança, junto da qual selocalizava a Igreja Matriz, existindo ainda outrospostigos, dos quais apenas restam as aberturas no pa-no de muralhas.

As portas que ligam o interior com o exterior dorecinto convertem-se em pontos-chave na organiza-ção do traçado intramuros. As vias que unem as di-versas portas constituem o esqueleto da forma urba-na. As portas surgem como sistema gerador dos ei-xos viários intramuros, em que há uma bifurcação deruas a partir das mesmas (MARTÍN 2000). As ruas,que constituem a estrutura urbana, convergem paraas portas da muralha.

A cerca medieval que envolve a vila define umrecinto que está actualmente coberto de vegetação,que esconde e dificulta a leitura e percepção dos ar-ruamentos, das habitações, da Casa da Câmara, daCadeia, da Igreja Matriz e da Capela da Senhora doPrado. A cerca apresenta um formato irregular, adap-tado à topografia do local, e tem aproximadamente180 metros de comprimento máximo e 120 metrosde largura máxima. O traçado das muralhas estavacondicionado pelas próprias características irregula-res do terreno, o que impedia que a superfície do re-cinto fosse muito alargada e condicionava fortemen-te as opções em matéria de “desenho” do amuralha-mento (MONTEIRO 1999).

De referir também uma muralha interior, que se-parava a vila do castelo propriamente dito e suas di-versas dependências.

Será também provável a existência de uma bar-bacã a circundar parcialmente a área do castelo, nazona de mais difícil defesa. Tratava-se de um murode altura mais baixa do que a muralha, construído noexterior desta, visando oferecer um primeiro obstá-culo àqueles que pretendiam assaltar a praça, comoé possível verificar-se no Livro das Fortalezas, deDuarte de Armas. É mais que provável a existênciade um fosso ou cava que circundaria todo o períme-tro do Castelo ou se circunscreveria a uma determi-nada zona mais sensível.

Seria também importante averiguar acerca dasremodelações realizadas no Castelo em meados doséculo XVII, por alturas da Restauração da Inde-pendência, havendo referência à construção de balu-artes, mas que já não se encontram visíveis.

A antiga vila de Monforte de Rio Livre teve oseu brasão de armas, que se encontra numa das salasda Câmara Municipal de Valpaços (AMORIM 1947).O fuste do seu pelourinho encontra-se depositado noMuseu da Região Flaviense (MARTINS 1997).

No decorrer do século XX foram realizadas umasérie de obras no Castelo, nomeadamente a consoli-dação e restauro das suas muralhas, a construção,

nos anos 80, do telhado que coroa a torre de me-nagem e, nos anos 90, o arranjo dos espaços exterio-res, dotando-os de parque automóvel, zonas verdes ede lazer e iluminação dos panos de muralha.

Posto isto, o Castelo de Monforte de Rio Livre éum excepcional exemplar de uma arquitectura mili-tar gótica, preparado para uma “defesa activa”, comtorre de menagem e respectivo pátio e aglomeradourbano fortificado, abandonado e em ruína. A maiorparte do conjunto actualmente edificado data de fi-nais do século XIII e primeira metade do seguinte.

É uma vila com uma função essencialmentedefensivo-militar, criada por iniciativa régia, numaregião em que se procuravam atrair populações me-diante a concessão de privilégios. É um núcleo forti-ficado de pequenas dimensões e planta irregular, si-tuado num local estratégico (DIAS 1990).

3. Resumo do Projecto

Mais do que produzir conhecimento histórico--cientifico, o desenvolvimento de trabalhos arqueo-lógicos deve ser também encarado como um motordinamizador das regiões.

O projecto a realizar no Castelo de Monforte se-ria enquadrado e subsidiado pelo Instituto Portuguêsdo Património Arquitectónico (IPPAR), já que é ummonumento que está sobre a tutela deste Instituto. Oprojecto poderia também contar com a ajuda finan-ceira e logística da Câmara Municipal de Chaves ede empresas privadas da região.

O Castelo de Monforte de Rio Livre encontra-selocalizado numa região subdesenvolvida, altamentedesertificada e carenciada de estruturas básicas, peloque o Património arqueológico pode, e deve, ser en-carado como potencial recurso, fonte de importantescontrapartidas para a população local.

O Castelo é, por si só, um local com enormeatractivo turístico e patrimonial, aliado ao seu en-quadramento paisagístico, no alto de um outeiro daSerra do Brunheiro, com vasto domínio visual sobrea veiga de Chaves.

A verdade é que, apesar de todo o seu interessepatrimonial, cientifico, arqueológico, histórico e ar-quitectónico, nunca foi devidamente valorizado.

A bibliografia sobre o local é bastante escassa,sendo apenas resultado do interesse de um restrito nú-mero de pessoas. Apesar disso, o sítio é referido pelaCâmara Municipal de Chaves como elemento turís-tico e patrimonial do concelho, sendo largamente co-nhecido e divulgado a nível regional e até nacional.

Por outro lado, o estudo do local viria a revelarnovos conhecimentos, tendo em conta a larga diacro-nia ocupacional do sítio, salvaguardando-se e valo-rizando-se um conjunto monumental ameaçado pelaabundante vegetação que o cobre, pelas intempériesda Natureza e até por acções antrópicas de variada

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cara Augusta (Braga) a Asturica Augusta (Astorga),passando por Aquae Flaviae (Chaves), permitindo oseu controlo e vigilância. Esta variante Norte da ViaXVII saía possivelmente de Aquae Flaviae (Chaves)pela Ponte de Faiões, passando na proximidade doCastelo de Monforte e dirigindo-se posteriormentepara o Castro de Avelãs, em Bragança. De referirtambém a sua localização estratégica, que permitiaum privilegiado campo de visão sobre a veiga de Cha-ves. Há referências ao aparecimento de duas aras nasimediações do Castelo. Uma encontra-se depositadano Museu da Região Flaviense e outra na Igreja Pa-roquial de Santo António de Monforte, servindo depia para água benta (MARTINS 1997).

Ambas as etapas cronológicas só poderão sercomprovadas através de uma série de campanhas deprospecções intensivas e de sondagens arqueológi-cas cirúrgicas em sítios específicos, dependendo es-tas do resultado das prospecções.

A ocupação medieval do sítio, a confirmar-se asua primeira edificação no século XI, insere-se nocontexto da Reconquista Cristã, num conjunto deavanços e retrocessos de Norte para Sul, levado acabo pelos Cristãos, tendo o Castelo o papel de manu-tenção e defesa do território conquistado. A ascensãode Monforte de Rio Livre a cabeça de território acon-teceu no reinado de D. Afonso III, no mesmo proces-so de organização da fronteira setentrional tentadapor este monarca e que deu origem, por exemplo, aoCastelo de Montalegre (GOMES 2003). No reinado deD. Dinis, teve também papel de elevada importância,uma vez que, sendo um castelo fronteiriço, mantinhae definia as fronteiras e o território que se queriammarcados entre Portugal e Castela, após a assinaturado Tratado de Alcañizes, em 1297.

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ordem, procurando minimizar-se ao máximo essesimpactos negativos.

Posto isto, os trabalhos a realizar no âmbito doestudo e salvaguarda do Castelo de Monforte deRio Livre seriam os seguintes: limpeza do terreno,prospecção, escavação, conservação e restauro deestruturas, trabalho de gabinete e laboratório, divul-gação e musealização do sítio e publicação dos resul-tados. Fundamental seria o uso da fotografia aérea erespectiva análise comparada com a planta elabora-da por Duarte de Armas e com a realizada no séculoXVIII.

Este palimpsesto onde se sobrepõem diversosníveis arqueológicos, tem todas as condições para setornar num ponto de suma importância a nível na-cional e ponto de partida para uma rede intercastelarque estenderá este património até à Galiza. Outroaspecto interessante seria a revitalização e recupera-ção do antigo caminho entre Chaves e Vinhais, quepassava por Monforte, usado desde a Época Romanaaté pelo menos à Época Contemporânea, criando-seuma rota pedestre. Seria também relevante a recria-ção de uma feira medieval, que até à relativamentepouco tempo ainda se realizava no próprio Castelo,fomentando-se o usufruto pedagógico deste local porparte da população.

A zona adstrita ao Castelo de Monforte tem umalarga diacronia de povoamento, podendo a sua pri-meira ocupação ser possivelmente atribuída a umpovoado fortificado da Idade do Ferro, dito “castro”,tendo em conta as inúmeras referências em diversasfontes bibliográficas. Este “castro” teria sido apro-veitado pelos romanos, que aí construíram um forteou aldeamento, utilizado como ponto de vigia e decomunicações à distância (VERDELHO 2000).

A provável ocupação do sítio por umpovoado fortificado da Idade do Ferro é bas-tante plausível, já que o local apresenta con-dições propícias para a sua implantação, no-meadamente uma localização geoestratégi-ca, a grande altitude, com condições naturaisde defesa que poderiam ser complementa-das com construções defensivas artificiais,um amplo campo de visão sobre a paisagemcircundante, perto da confluência de linhasde água que abasteciam a população locale férteis campos agrícolas, favoráveis àprática de actividades agropecuárias.

No que concerne à possívelexistência no local de um forte oualdeamento romano, esta podeser compreendida e explica-da pelo facto de nas suasredondezas passar uma viaromana, mais especifica-mente a variante Norte daVia XVII do Itinerário deAntonino, que ligava Bra-

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Figura 9

Castelo de Monforte de Rio Livre.

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O Castelo foi sofrendo, ao longo dos tempos,diversas remodelações, até ser abandonado no sécu-lo XIX.

É também bastante importante averiguar acercada ocupação medieval do sítio, procurando definircom certeza a primeira edificação castelar do local econfirmar as posteriores ocupações.

O Castelo de Monforte tem um enorme atractivoturístico e patrimonial, aliado ao seu excepcional en-quadramento paisagístico, pelo que urge potenciareste sítio, tornando-o inteligível ao cidadão comum epermitindo o seu usufruto. É indispensável um pro-jecto multidisciplinar de estudo e salvaguarda do lo-cal. O desenvolvimento do interior terá de passar pe-la recuperação e valorização do seu Património his-tórico e arqueológico, sendo importante a participa-ção activa das populações locais e a aposta nos re-cursos endógenos. É importante integrar este Patri-mónio na vida das pessoas, que até defendem o mo-numento, mas tendem a ignorá-lo, já que não tirambenefícios dele. O turismo cultural deve, cada vezmais, ser encarado como um sustentáculo para a eco-nomia local, pelo que se deve fomentar a indústriado Património.

Agradecimento

Os autores endossam um especial agradecimento ao Prof. DoutorFrancisco Sande Lemos, pelas suas indispensáveis e pertinentessugestões na elaboração deste artigo.

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Figura 10

Castelo de Monforte de Rio Livre.Pormenor da Torre de Menagem,coroada pelas mísulas quesuportavam o balcão corrido(machicoulis).