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 TEORIAS E PRÁTICAS CONTEMPORÂNEAS AUTOGESTÃO HOJE

Albert Chomsky e Outros - Autogestao Hoje

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  • TEORIAS E PRTICAS CONTEMPORNEASAUTOGESTO HOJE

  • Michael AlbertNoam ChomskyPablo Ortellado

    Murray BookchinAbraham Guilln

    Traduo: Felipe Corra e Raphael Amaral2004

    (C) CopyleftFasca Publicaes Libertrias

    TEORIAS E PRTICAS CONTEMPORNEASAUTOGESTO HOJE

  • Traduo, Reviso e Notas: Felipe Corra e Raphael Amaral

    Ilustrao da Capa: Eric Drooker (hp://www.drooker.com)

    Projeto de Capa: Danilo Carpigiani

    Diagramao: Vitor Reis

    Fasca Publicaes Libertrias Caixa Postal 4147 - So Paulo/SP [email protected]

  • Apresentao

    Buscando a Autogesto

    Autogesto Industrial

    A Autogesto do Capital

    Autogesto e Tecnologias Alternativas

    Socialismo Libertrio

    Sobre os Autores

    09

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    43

    49

    61

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    Sumrio

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    ApresentaoA principal lio da revoluo espanhola ,

    sem nenhuma dvida, que a autogesto uma necessidade que aparece cada vez mais nos

    conitos patres/trabalhadores. Como explicar que a autogesto surja em casos to dessemelhantes quanto a Espanha de 1936,

    a Frana em 1968 e a Polnia em 1970?

    -Frank Mintz

    No vero de 1974, atravs da anlise Autogesto: Uma Mudana Radical, os pensadores marxistas Alain Guillerm e Yvon Bourdet discutiam como o conceito de autogesto (no mbito do local de trabalho) vinha sendo cada vez mais deturpado, desviado de sua origem e funo, e tambm co-mentavam sobre a generalizao da distoro desse concei-to, sendo que o simples fato da participao era, por si s, considerado, para muitas pessoas, como autogesto.

    O que os preocupava era tentar entender e diferenciar a autogesto de outras formas de atuao dos trabalhado-res dentro do local de produo. Partindo sempre das di-ferenas, eles demonstravam como os conceitos de parti-cipao, co-gesto, controle operrio e cooperativa no implicam, necessariamente (e, em alguns dos casos, de-nitivamente), em autogesto. Aqui, cabe ressaltar, como os autores o zeram anteriormente, os problemas em associar esses termos com o conceito de autogesto.

    Na participao, h a possibilidade de abolir qualquer vontade de transformao por parte do trabalhador, uma vez que este passa a estar inserido de tal maneira na empre-sa, que comea a desejar que ela tenha lucros cada vez maio-res (por exemplo, quando os trabalhadores compram aes

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    de suas prprias empresas, ou no caso de participao nos lucros). O trabalhador que poderia se voltar contra o sistema capitalista, acaba se integrando a ele e o defendendo (mes-mo que ele no saiba disso, mas de qualquer forma, acaba o fazendo), impedindo, dessa forma, qualquer possibilidade de autogesto.

    Em outro vis, a co-gesto faz com que os empregados no apenas participem nos lucros, mas tambm nas decises da organizao tcnica e na poltica geral do local em que trabalham. Diferentemente da participao, aqui, o em-pregado no apenas um instrumento, mas pode contribuir com iniciativa e criatividade integradas ao processo de pro-duo. Porm, a denio das metas e os objetivos da em-presa no esto sob controle dos trabalhadores. Nessa forma de gesto, os trabalhadores so representados por outros, geralmente eleitos por voto direto, que so apenas consulta-dos sobre questes salariais, benefcios sociais promovidos pela empresa, demisso de empregados, tecnologias que se-ro utilizadas, planos e balanos da empresa. O poder de di-reo dos empresrios, no entanto, no posto em questo, impedindo assim a autogesto.

    Sobre o controle operrio, mesmo sendo um avano maior autogesto do que a co-gesto (pois uma interven-o conitiva, em que atenuaes nos mtodos de explorao so, literalmente, arrancadas dos empresrios, por exemplo, atravs de greves); o controle da produo por parte de um dirigente capitalista, partido ou do Estado que tambm con-trolam o salrio dos empregados, no questionado. E caso seja, isso ocorre apenas em pontos especcos, pois a funo dos dirigentes (estes, desligados da produo, apenas distri-buindo ordens) no colocada em xeque, mantendo, portan-to, a hierarquia e a verticalidade no local de trabalho.

    J nas cooperativas, para os autores, onde a autoges-

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    to realmente acontece, pois o poder se dissolve entre todos os trabalhadores. Porm, as cooperativas acabavam por se congurar como ilhotas de autogesto no seio de um sis-tema capitalista, submetidas a todo tipo lei mercadolgi-ca de concorrncia. Alm disso, mesmo que se considerasse uma multiplicao do sistema de cooperativas (at mesmo uma generalizao deste), elas no iriam contra (pelo menos diretamente) o Estado e suas ramicaes, sendo que a ho-rizontalidade e a participao na tomada de decises se con-nariam aos locais de trabalho, e, fora dele, seriam mantidas as medidas repressivas, autoritrias e ditatoriais do Estado, impedindo o pleno alcance da autogesto, no sentido econ-mico, poltico e social.

    Sendo assim, considerando que h trinta anos, o desvir-tuamento acerca do termo autogesto j gerava preocupa-o em pessoas que notavam esse fato, nos dias de hoje (em que se fortalece cada vez mais a tendncia da esquerda de se apropriar e reivindicar para si idias e objetivos que os anarquistas j proclamavam h mais de um sculo) para as pessoas que tm como objetivo uma sociedade autogestio-nria, essa discusso deve ser realizada com nfase.

    H, de certa forma, no senso comum, a idia de que auto-gesto a gesto da produo pelos prprios produtores, ou simplesmente, o autogoverno. A proposta desta publicao polemizar com esse conceito e tentar, atravs dos textos selecionados, demonstrar que a autogesto no se conna produo ou poltica, mas tambm atinge as relaes tanto econmicas quanto sociais.

    No se trata apenas de buscar uma denio para o que vem a ser autogesto, mas demonstrar suas prticas contem-porneas, suas diversas aplicaes e mostrar como a clareza desse conceito e de seus aspectos se faz necessria a todos que no esto dispostos a reformar a sociedade (mantendo,

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    portanto, suas bases), mas sim alter-la completamente. A au-togesto, posta em prtica pelos revolucionrios anarquistas de 1936 e que sofre acusaes de ser um modelo econmico invivel, vem se mostrando atravs dos anos a nica forma real de terminar com a explorao do trabalho pelo capital e pelo Estado e de acabar com a alienao no trabalho.

    Isso posto, a escolha dos textos para composio desta obra foi realizada com o intuito de fornecer abordagens di-versas sobre o mesmo tema, tendo em vista que com esses textos, o leitor vai notar que, longe de ser algo ultrapas-sado e politicamente invivel, a autogesto (a autogesto efetiva e generalizada) to vivel quanto atual, alm de ser extremamente necessria.

    Abrindo o livro, h um texto de Michael Albert que foi composto por trs captulos de seu livro Moving Forward Program for a Participatory Economy publicado em 2000, no qual ele realiza uma anlise relativamente didtica e de f-cil acesso sobre o que vem a ser autogesto, de que forma e onde ela implantada, esclarecendo diversas dvidas sobre contradies que possam surgir em um sistema autogerido, e explicando como a autogesto pode ser aplicada na econo-mia. Ele ressalta a importncia da formao de conselhos, tanto de produtores como de consumidores, para que se efe-tive uma prtica autogestionria, principalmente no mbito econmico. um texto que pode ser tido como explicativo e de muita importncia para quem est criando suas primeiras dvidas sobre o assunto e tambm para os que j possuem uma longa lista de questes em mente.

    O texto em seqncia uma anlise de Noam Chomsky

    1 - Moving Forward Program for a Participatory Economy, escrito por Michael Albert e publica-do em 2000 pela editora AK Press (www.akpress.org).

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    escrita originalmente em 1977 com o ttulo original de Industrial Democracy e publicada recentemente no livro Radical Priorities. O texto trata de algumas experincias europias e norte-americanas com empresas em que os trabalhadores chegaram a possuir algum tipo de poder na gesto. Ele demonstra como uma maior participao dos trabalhadores nas tomadas de decises das fbricas preocupa o empresariado. Porm, no se esquece de ressaltar, que, em muitas empresas, esse tipo de atuao dos trabalhadores, para os empresrios, prefervel, uma vez comparada ao que realmente vem a ser a autogesto e o perigo que ela representa para os atuais donos das empresas. Chomsky no deixa escapar a crtica que deve ser feita a este tipo de gesto de produo na qual, por mais que o trabalhador no que completamente ausente na tomada de decises, no ultrapassa a democracia industrial, no efetivando, portanto, um processo real autogestionrio e transformador.

    Em seguida, apresentamos um estudo realizado por Pa-blo Ortellado em 1999, que est originalmente na publicao Democracia e Autogesto da revista Temporaes, no qual, pas-sando por diversos modelos de produo industrial, o autor realiza uma abordagem histrica, principalmente sobre as experincias autogestionrias dentro do desenvolvimento das cooperativas. bem ressaltado o papel das cooperativas no Brasil, mas a abordagem no se resume apenas a essa regio, passando tanto pela Amrica do Norte como pela Europa. O eixo central do estudo , novamente, problemati-

    2 - O livro Radical Priorities uma coletnea de textos de Noam Chomsky feita por C. P. Otero que acabou de ser reeditada (2003) e lanada em sua terceira edio pela editora AK Press (www.akpress.org).3- A publicao Democracia e Autogesto de 1999 e foi lanada pela editora Humanitas. Alm do texto j apresentado, o livro traz outros escritos sobre o assunto.

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    zar sobre como as cooperativas atuam e se essa atuao real-mente conduz a uma sociedade autogestionria ou simples-mente a uma democratizao do capital, ou ento a uma autogesto controlada pelo capital.

    Posteriormente ao artigo acima, temos o texto de Murray Bookchin, que faz parte do livro Toward an Ecological Society, de 1981, no qual o autor coloca em xeque a viso economi-cista, que reduz a autogesto a uma forma de racionalizao da produo, fazendo com que seja apenas mais um dentre os inmeros mtodos de organizao do trabalho. Um as-pecto importante desse artigo a polmica levantada contra Marx e Engels, na qual Bookchin demonstra que a fbrica, longe educar, hierarquiza e aprisiona o produtor. Porm, o foco central do artigo o debate que h tempos vem sen-do realizado por pessoas preocupadas com uma profunda transformao social (Walter Benjamim, por exemplo), em que a dita neutralidade da tcnica sobre as relaes sociais questionada em todos os seus aspectos. um texto funda-mental no qual Bookchin no deixa dvidas: discutir apenas a autogesto, sem se deter em conceitos como autonomia e autodeterminao, criar uma hierarquia baseada tanto na obedincia quanto na autoridade.

    Finalizando, h a contribuio de Abraham Guilln. O fragmento a introduo do livro Socialismo Libertrio Ni Capitalismo de Monoplios, Ni Comunismo de Estado, publi-

    4 - Toward an Ecological Society, publicado pela Black Rose Books, em 1981, foi composto por uma srie de escritos de Bookchin, feitos ao longo dos anos 70, perodo em que ele estava for-temente inuenciado pelo crescente movimento ecologista. Este texto foi publicado em Portugal na revista A Idia, 35-37, junho de 1985, e posteriormente no livro: BOOKCHIN, Murray. Textos Dispersos. Lisboa: Socius, 1998. A traduo para o portugus foi feita por Antonio Cndido Franco, sendo posteriormente adaptada ao portugus brasileiro.5 - O livro Socialismo Libertrio Ni Capitalismo de Monoplios, Ni Comunismo de Estado, foi publicado pela editora Madre Tierra em 1990. O fragmento aqui apresentado a introduo do livro, que tem o ttulo de preciso libertar a espcie humana e no s o trabalhador enquanto classe.

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    cado em 1990. Nesse texto, o autor faz uma anlise crtica do sistema econmico sovitico, no qual a planicao eco-nmica centralizada concentrou toda a deciso econmica nas mos de uma pequena elite burocrtica que estava fora do campo da produo. interessante como o autor mos-tra que o socialismo sem a autogesto nada mais faz do que continuar deixando os trabalhadores alienados e explo-rados. O que antes era feito pelo patro privado, passou a ser feito pela burocracia totalitria do partido comunista. O texto mostra ainda que a autogesto fator chave na busca de uma sociedade realmente participativa e expe de forma bastante elucidativa quais so os princpios e objetivos para que busquemos um socialismo no qual a liberdade esteja sempre presente.

    Esperamos que aprecie cada um dos textos escolhidos e que realize um bom proveito de suas leituras.

    Sade e anarquia!

    Os editores

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    Buscando a AutogestoMichael Albert

    Autogesto...toda autoridade completamente degradante.

    Ela degrada aqueles que a exercem e degrada aqueles que sofrem seus efeitos... Quando ela

    usada com certa bondade, e acompanhada de prmios e recompensas, ela terrivelmente

    desmoralizante. As pessoas, nesse caso, so menos conscientes da horrvel presso que est

    sendo colocada sobre elas, ento seguem ao longo de suas vidas em uma espcie de conforto

    rude, como animais domesticados, sem nunca perceber que esto provavelmente imaginando

    a opinio das outras pessoas, vivendo pelos padres de outras pessoas, praticamente

    vestindo o que poderia se chamar de roupas de outras pessoas, e nunca sendo elas mesmas por

    um nico momento.-Oscar Wilde

    Qualquer economia certamente envolve muitas decises, desde as de longo alcance at as relativamente limitadas. Quem decide? Quanto cada agente deve participar nas deci-ses econmicas? Ns acreditamos que a resposta que cada agente deve participar do processo de tomada de decises, na mesma proporo que ele afetado pelas conseqncias, ou o que ns chamamos de autogesto. Ns preferimos essa, ao invs das mais tpicas respostas: que ns devemos ser a favor da liberdade econmica ou do direito de se fazer qualquer coisa que se queira com pessoas ou proprie-dades, ou para todos terem a mesma participao em todas

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    as decises econmicas o tempo todo, ou para se dar mais participao aos mais conhecidos ou bem sucedidos do que para aqueles que so menos conhecidos ou mal sucedidos. Qual a coerncia de preferirmos a autogesto como nosso objetivo na tomada de decises?

    Decises

    Um homem pode pescar com uma minhoca que se alimentou de um rei, e pode tambm comer o

    peixe que se alimentou dessa minhoca.

    -Shakespeare

    Minha noo de democracia que, sob ela, o mais fraco deve ter as mesmas oportunidades

    que o mais forte... Nenhum pas no mundo demonstra atualmente qualquer preocupao

    pela proteo dos oprimidos...A verdadeira democracia no pode ser

    conduzida por vinte homens sentados ao centro. Ela deve ser conduzida desde baixo, pelas

    pessoas de todas as vilas.

    -Gandhi

    Imagine que um trabalhador, numa fbrica, tenha sua pr-pria rea de trabalho. Suponha tambm que ele queira colo-car um quadro com a foto de sua lha na parede. Qual deve ser sua participao nessa deciso? Indo mais ao ponto, qual deve ser minha participao na deciso sobre o quadro com a foto da lha dele, se eu trabalho do outro lado da fbrica, em outra diviso, ou at mesmo do outro lado da cidade?

    Suponha que uma outra trabalhadora queira escutar punk rock ou new age jazz durante todo o dia no local onde ela trabalha. Qual deve ser a participao dela nessa deci-so? E qual deve ser a minha participao, se eu trabalho

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    apenas um andar acima dela, e posso escutar claramente a msica? E se eu trabalhasse do outro lado da cidade?

    Suponha que uma equipe, em algum local de trabalho, esteja decidindo um horrio comum. Qual deve ser a parti-cipao de cada membro nessa deciso, ou em relao aos outros trabalhadores da fbrica? E os companheiros que uti-lizam a produo desse grupo em outra parte da fbrica? E os companheiros que consomem os produtos da fbrica na cidade ou do outro lado do pas?

    Ou suponha que voc viva perto da minha fbrica. Qual deve ser a sua participao, em relao minha, no que diz respeito ao barulho que minha fbrica produz na sua vizi-nhana? Voc consome produtos que eu ajudo a produzir. Qual deve ser a sua participao com relao ao que a fbri-ca produz, s nossas escolhas para organizao e produo, e minha situao de trabalho?

    Estas so todas questes muito srias e pertinentes. No h uma resposta nica, obviamente. No possvel que, em cada um destes casos, a pessoa deva ter total participao ou nenhuma participao, participao equivalente, mais ou menos participao. Estes casos se diferem. No possvel que a regra do cada pessoa, um voto - vencendo a maioria seja tima sempre, ou fazer uma votao na qual quem con-seguir trs quintos vence, ou utilizar o consenso, e assim por diante. So mtodos diferentes. Mas talvez haja ao menos um nico modelo que abranja todos estes casos e todas as outras tomadas de deciso econmicas tambm.

    Autogesto

    Aplicar o mesmo termo disciplina para conceitos desconexos como os estpidos

    impulsos reexivos de um corpo com mil mos e mil pernas, e a coordenao espontnea dos

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    Um trabalhador, evidentemente, deve ter participao total nas decises sobre a foto de sua lha que ca em sua mesa. Ele decide, eu no tenho participao, j que meu es-pao de trabalho ca ao lado do dele. Mas eu devo ter po-der de veto sobre a opo dos meus vizinhos de tocar punk rock em seu espao o dia todo, mesmo estando nesse local de trabalho que ca ao lado. Semelhantemente, um grupo de trabalho deve ter mais participao nas suas escolhas opera-cionais, mas os grupos que consomem seus produtos devem ter alguma participao tambm, na mesma proporo que so afetados. Uma vez que se tente expressar estes simples pontos, a lio bvia que:

    As decises freqentemente se diferem por razo do quanto elas afetam diferentes indivduos ou grupo de indivduos. E

    Como resultado, a regra do cada pessoa, um voto - vencendo a maioria, ou a regra de quem tiver dois-

    atos de conscincia poltica para um grupo de pessoas, abusar das palavras.

    O que a docilidade bem ordenada do criador pode ter em comum com as aspiraes de uma classe

    lutando por sua emancipao?-Rosa Luxemburgo

    Por que os trabalhadores devem concordar em ser escravos de uma estrutura

    fundamentalmente autoritria? Eles prprios devem ter o controle sobre ela. Por que as

    comunidades no devem ter participao plena na gesto das instituies que afetam suas

    vidas?-Noam Chomsky

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    teros dos votos vence, ou o consenso, ou a ditadura, ou qualquer forma particular de tomada de deciso, so meramente alternativas tticas para a implanta-o de algum modelo mais geral num contexto espe-cco, ao invs de um m em si mesma. Ento, disso tambm resulta que:

    Endeusar um nico mtodo de tomada de deciso e consider-lo aplicvel em qualquer situao o sis-tema de voto direto, ou consenso, ou um poder dita-torial para uma pessoa signica no considerar que diferentes abordagens para distribuir as tomadas de deciso inuenciam a adaptao em diferentes situ-aes, mesmo se ns estivermos tentando executar o mesmo modelo.

    Ento, o que ns realmente precisamos no colocar al-gum mtodo de tomada de deciso sobre todos os outros, mas escolher nossos mtodos de tomada de deciso baseados em quo apropriados eles so, para melhor executar um mo-delo escolhido no contexto especco que ns enfrentamos.

    Mas qual modelo ns devemos almejar? Assumindo que ns respeitamos todos os envolvidos, quando decidimos espontaneamente como tomar decises especcas na vida cotidiana, ns automaticamente tentamos dar a cada agen-te uma participao proporcional ao grau que ele afetado. Ns no temos um amigo que decide qual o lme que to-dos vo ver, e ns tambm no fazemos simplesmente uma votao. Todos amigos tm o poder de dar sua opinio, e se algum j tiver visto o lme ou tiver alguma outra necessi-dade urgente, essa pessoa pode ter maior poder de deciso sobre isso. E enquanto ns no pudermos atingir de forma perfeita um nvel de autogesto, no qual todos tenham par-

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    ticipao nas tomadas de deciso de forma exatamente pro-porcional ao grau que so afetados pelas conseqncias, ns sabemos por intuio que qualquer desvio desses meios far com que ao menos uma pessoa tenha um impacto excessivo nas decises e que esteja sendo negada a justa poro de im-pacto a pelo menos uma outra pessoa.

    Certamente, algumas vezes existem razes para violar a participao proporcional de todos. Suponha que haja um repentino anncio que uma grande onda esteja vindo em nosso rumo. Um de ns um especialista em sobrevivncia nessa situao e o resto das pessoas da cidade nada sabe so-bre a questo. Uma rpida mudana para uma ditadura prudente nesse caso. Mas este critrio no anula nossa ten-dncia natural de defender a participao nas tomadas de deciso, de forma proporcional aos efeitos causados, como nosso modelo guia para uma boa economia? Isso sugere que temos que adotar, ao invs disso, como muitos defenderiam, a participao nas tomadas de deciso de acordo com o co-nhecimento relevante ao assunto e a qualidade das decises que ns esperamos que uma pessoa atinja? Vamos ver.

    Conhecimento e DecisesEsta reorganizao ir depender, acima de tudo,

    da completa familiaridade do trabalho com a situao econmica do pas; de um completo

    estoque de abastecimento, de um conhecimento exato das fontes de matria prima, e de uma

    organizao prpria das foras produtivas para uma gesto eciente.

    -Alexander Berkman

    O conhecimento relevante para as decises vem de duas formas.

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    Existe o conhecimento do carter das decises, do seu contexto e de suas implicaes mais comuns. E

    H tambm o conhecimento de como cada pessoa percebe estas implicaes e, especicamente, como elas do valor s diversas alternativas.

    O primeiro tipo de conhecimento , freqentemente, bas-tante especializado, como no caso do heri da grande onda que tem o completo domnio sobre esse conhecimento. Mas o segundo tipo de conhecimento sempre disperso, uma vez que ns somos, cada um, individualmente, os maiores es-pecialistas do mundo, considerando nossas prprias avalia-es. Eu sei bem que eu no quero me afogar. Eu sou o maior especialista do mundo, segundo as minhas avaliaes dos impactos das situaes sobre mim. Voc est considerando a si mesmo. Shawn, Sally, Sue, Sam e Samantha esto consi-derando a eles prprios. Agora, pode ser que Sally tambm seja a maior especialista do mundo em algumas situaes de caractersticas e valores mais comuns... mas isso diferente de como ela ou eu nos sentimos a respeito dos efeitos mais comuns destas situaes sobre ela ou sobre mim.

    Portanto, sempre que as decises de conhecimento es-pecializado, relativas a algumas questes, puderem ser di-fundidas o suciente para que cada agente tenha condies de avaliar a situao e ter sua prpria viso, de como ele afetado em um longo tempo, para expressar isso na deciso, cada agente deve ter participao proporcional aos efeitos que ele ir sofrer. Sempre que isso for impossvel por algu-ma razo, e os prejuzos por se cometer um erro forem gran-des, ns provavelmente precisaremos funcionar por algum tempo de acordo com um modelo diferente, que transra temporariamente a autoridade, ainda que dentro de meios

    2)

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    que no subvertam permanentemente nosso objetivo prvio de autogesto. Obviamente, nesse caso, o objetivo est se afastando daquilo que mais desejvel, e a concluso sobre a necessidade de se distribuir conhecimento para permitir a autogesto evidente.

    Em suma, o fato de voc ser um qumico e entender a qu-mica e a biologia de uma camada de tinta numa parede e os efeitos que ela pode ter, e de eu ser um pintor ou um fabrican-te de carros e no entender a qumica envolvida nesse pro-cesso, e tendo eu apenas as informaes que voc transmite, isso no signicar que sua opinio vai ter um peso maior, na tomada de deciso, quando formos decidir se minhas pa-redes tero que ser pintadas, ou se toda a nossa comunidade quer ou no a pintura. Isto signica, de qualquer forma, que os meus companheiros membros da comunidade e eu, deve-mos ouvir o seu depoimento de especialista antes de tomar uma deciso. Voc uma fonte de informao importante, certamente, mas na tomada de deciso em si, voc se torna como todos os outros. No que diz respeito ao fornecimento de informao, voc um especialista, mas na prpria deci-so, voc ter uma participao proporcional aos efeitos so-fridos por voc, assim como ns, que teremos uma participa-o proporcional aos efeitos que recairo sobre ns.

    Conselhos e Outras Implicaes

    A organizao dos conselhos, portanto, tece uma diversicada rede de corpos cooperativos

    no seio da sociedade, regulando sua vida e progresso de acordo com sua livre iniciativa.

    E tudo aquilo que discutido e decidido nos conselhos extrai o seu poder efetivo da compreenso, da determinao, da ao da

    humanidade laboriosa.-Anton Pannekoek

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    Assim, o objetivo da autogesto que cada agente in-fluencie as decises proporcionalmente ao quanto ele afetado, sendo entendido como um problema, o fato de se dar a alguns agentes, participao em demasia e a outros, pouca participao. Para chegarmos autogesto e fazer-mos com que as decises sejam satisfatrias, cada agente deve ter fcil acesso s avaliaes relevantes dos resulta-dos esperados, e deve ter conhecimento geral e segurana intelectual suficientes para entender as avaliaes e de-senvolver suas preferncias sob sua luz. A organizao da sociedade deve garantir que as fontes das anlises, que te-nham relao com a tomada de deciso, sejam imparciais, diversas e bem testadas. Portanto, para a autogesto, cada indivduo ou grupo envolvido numa deciso deve pos-suir meios organizacionais para ter sucesso e tornar suas vontades conhecidas, assim como meios para control-las de maneira sensata, com suas contribuies bem-informa-das, tendo a influncia proporcional adequada.

    Numa economia, para atingir a dita autogesto, ns precisamos de vrias instituies (as quais ns chamamos de conselhos de trabalhadores e consumidores) para ser-

    Oua, Revoluo, ns somos companheiros, veja - Juntos, ns podemos tomar tudo: Fbricas,

    arsenais, casas, navios, ferrovias, orestas, campos, pomares, linhas de nibus, telgrafos,

    rdios (Jesus! Atinja o inferno com as rdios!), fbricas de ao, minas de carvo, poos de

    petrleo, gs, todas as ferramentas de produo, (um grande dia pela manh). Tudo - E entreg-

    los s pessoas que trabalham. Orden-los e administr-los para ns, as pessoas que

    trabalham.-Langston Hughes

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    virem como veculos de tomada de deciso para coletivos de trabalhadores e consumidores de diferentes tamanhos. Dessa forma, conselhos de grupos-de-trabalho, distri-buio, locais de trabalho, indstrias e grupos de convi-vncia, vizinhanas, comunidades e municpios, so ne-cessrios como veculos para que aqueles afetados pelas decises expressem suas preferncias individuais e gru-pais sobre estas decises, decidindo suas prioridades, im-plementando resultados, etc. Ns tambm precisamos de uma difuso das informaes que fornea o conhecimen-to necessrio para que todos aqueles que sejam afetados pelas interaes econmicas, possam julg-las. Tambm necessrio que cada agente possua uma segurana pesso-al, e que seja suficientemente capacitado para que se sinta confortvel resolvendo, expressando, argumentando em benefcio, e escolhendo suas preferncias. E, finalmente, ns precisamos de meios de distribuio, de organizao no local de trabalho e de outras interaes institucionais que respeitem e promovam o modelo da autogesto e cumpram as exigncias de difundir informao e de forta-lecer os trabalhadores.

    Existem muitas implicaes institucionais no esforo para que a influncia na tomada de deciso seja feita de forma proporcional s conseqncias sofridas, e discer-nindo at das implicaes mais importantes deste mode-lo, quando aplicado. Mas o modelo, em si mesmo, ho-nesto. No prximo captulo, ns mostramos um programa de exigncias e aes que visam encorajar a autogesto econmica. Os prximos captulos contm assuntos adi-cionais que visam esse objetivo, como a organizao nos locais de trabalho e como ocorre a distribuio.

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    Perguntas & Respostas sobre AutogestoA autoridade tende a tornar quem a defende,

    um injusto e arbitrrio; ela tambm faz com que aqueles que se submetem a ela aceitem a ofensa,

    sejam subservientes e servos. A autoridade corrompe quem a detm e humilha sua vtima.

    -Mikhail Bakunin

    Uma Economia Participativa silencia as pessoas que discordam dela? Preocupa-me que um equivalente do Chomsky (contudo esperemos que essa pessoa tenha muito menos para falar) possa achar mais dif-cil se expressar numa Economia Participativa do que num sistema de mercado.

    Eu no consigo ver porque isso deva ser assim. Em pri-meiro lugar, ningum tem significativamente mais recursos que o outro, portanto uma imprensa livre numa Economia Participativa no tem dono e no pode estar a servio de poucos e, por isso, no pode ser impedida. Segundo, uma Economia Participativa valoriza a diversidade. Isso tem um significado considervel. Isso significa que a dissidncia respeitada por seus prprios mritos, mesmo em lugar da evidncia de sua validade, pelo exato motivo que o progres-so freqentemente depende disso. Uma sociedade com uma

    6 - Teorizada por Michael Albert e Robin Hahnel, a Economia Participativa (Participatory Eco-nomics em ingls, geralmente citada pelo acrnimo ParEcon) um modelo para a sociedade - apenas econmico - concebido para executar e promover certos tipos de resultados. Os valo-res-guia so a igualdade (material e em circunstncia prolongada/beneciada enquanto opera na economia), solidariedade, diversidade e autogesto (signicando participar das decises na mesma proporo em que se afetado por elas). De acordo com o raciocnio de Albert, a au-togesto s acontece quando no se restringe ao nvel da produo, mas atinge todo o nvel econmico da sociedade. Em um sistema autogestionrio, a Economia Participativa seria o processo econmico que melhor se adequaria s necessidades da sociedade. (N. T.)

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    7 - A Z Magazine um projeto autogerido que tem como principal coordenador o economista Michael Albert, autor desse texto. uma revista que tem textos dos mais variados autores de todo o mundo e que tratam geralmente de poltica, economia, ecologia e movimentos sociais (www.zmag.org). (N. T.)

    Economia Participativa deveria, portanto, creio eu, reservar espao e recursos para apoiar de forma ativa as pessoas que discordam dela.

    Mas a comunidade no decidiria se o trabalho de um dissidente foi dignamente remunerado?

    A Economia Participativa no funciona dessa maneira. Toda a comunidade no faria um julgamento sobre cada lo-cal de trabalho dessa maneira. Certamente, um grupo de pes-soas pode decidir por criar um local de trabalho, como uma revista ou qualquer outra coisa, e comear a operar dentro da economia. Seu problema se torna saber se a produo de esforos tem valor suficiente para justificar a energia apli-cada. Mas isso no apenas uma grande deciso feita por todos... isto depende das pessoas que querem produzir. E, para prevenir resultados indesejveis, a sociedade poderia decidir coletivamente eu acredito que seria assim, de fato que os pontos de vista da minoria e dos dissidentes mere-cem um grande apoio sem propores, alm daquele apoio que os princpios econmicos possam dar espontaneamente, das possibilidades remotas, por exemplo, que elas so vli-das, e que crescero com impacto e relevncia.

    Uma Economia Participativa no poderia bloquear os dissidentes do mesmo modo que os mercados fa-zem, talvez mesmo at o ponto de que algo como a prpria Z Magazine no pudesse existir?

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    H um sentido nisso, sim. Suponha que algumas poucas pessoas decidam criar uma revista em uma Economia Parti-cipativa. E suponha que pouqussimas pessoas queiram isso pouqussimas mesmo, usando os tpicos procedimentos de planejamento para decidir a questo para justificar o sis-tema de planejamento nos dando todas as informaes que necessitamos. Qual a alternativa, ento?

    Bem, ns poderamos fazer isso com trabalho volun-trio tentando fazer as coisas de modo a conseguir pblico, e continuar depois.

    Ou ns poderamos apelar para algum escritrio de administrao especial, que tem bases no valor dissi-dente da coisa o valor dissidente sendo algo que a economia reconhece amplamente, como um tipo de investimento social (mais ou menos como a filantro-pia agora, em certo sentido, mas controlado demo-craticamente).

    Ento, enquanto esses so problemas reais em qualquer sociedade, difcil para eu considerar que a Economia Par-ticipativa no seja muito superior nestes eixos do que qual-quer outro modelo econmico que saibamos a respeito.

    Para as decises, por que no utilizar o consenso o tempo todo?

    Pela mesma razo que ns no escolheramos o simples voto para decidir o tempo todo, ou seramos contra as pessoas que fazem o que querem a toda hora pois o consenso conduz a uma distribuio particular de influncia que consistente com as normas guias em alguns casos, mas no em outros.

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    Mas eu devo esclarecer algo. Quando as pessoas falam sobre consenso, muitas vezes elas confundem duas partes primeiro, comunicao clara e completa, fornecendo espa-o para os afetados se expressarem, etc. A parte de processo. Segundo, cada pessoa possuindo veto sobre qualquer plano proposto ou deciso. A parte de contribuio com a deciso.

    O primeiro aspecto, a parte do processo, quase sempre apropriado e pode ser conciliado com qualquer dispositivo de votao, apesar disso ser incomum num contexto elitista. O segundo aspecto, o direito de participar na deciso, um elemento que algumas vezes faz sentido, mas muitas vezes no faz, e a Economia Participativa deve empreg-lo algu-mas vezes, mas muitas outras vezes, no.

    Mas todos no devem concordar com cada deciso?

    No, no h razo para acreditar que os humanos, mes-mo na melhor sociedade que ns possamos imaginar, iro sempre enxergar tudo sob o mesmo prisma. Ao invs disso, ns podemos prever com convico que haver incontveis situaes, nas quais os envolvidos, as partes afetadas, te-ro opinies contraditrias tanto valores como avaliaes que as conduzem ao favorecimento de diferentes opes. Ter uma forte dissidncia no um sinal de falha, de modo algum, e muitas vezes essencial vitalidade e ao progres-so, de fato. Agora, pode-se perguntar, o que voc far com o avano da dissidncia e, por exemplo, uma coisa muito boa a se fazer, quando possvel, fornecer os meios para a sua expresso na experincia e explorao do avano, de forma que, entre outras coisas, se o caminho dos vitorio-sos se demonstrar indesejvel, o caminho dissidente conti-nuar sobre a mesa para implementao. Essa a lgica da diversidade aplicada s decises.

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    Por que ns no podemos dizer vale qualquer coi-sa? Por que cada parte no pode apenas cumprir seu papel? Por que deveria haver limites para os in-divduos, e se houver, o que fazer com os indivduos que os violarem? Utilizar represso?

    O vale qualquer coisa no uma opo, pois interna-mente inconsistente. Se eu fao qualquer coisa que eu que-ro, isso pode restringir a sua capacidade de fazer qualquer coisa que voc queira. Portanto, por exemplo, suponha que eu queira ser seu proprietrio e decidir sobre sua vida. Voc ento no tem opo, apesar de eu estar me beneficiando do vale qualquer coisa. Em um nvel menor, suponha que eu queira empregar voc como um escravo assalariado voc agora possui opes limitadas, enquanto eu me beneficio do vale qualquer coisa. Tanto os proprietrios de escravos como os capitalistas, ambos apelam idia que eles devem ser livres para prosseguir com suas vontades, defendendo ento a escravido e a escravido assalariada como um di-reito deles. A razo disso no ser constrangedor, ou de no dever ser, porque as vontades deles no deixam os ou-tros com as mesmas liberdades que eles reivindicam para si mesmos. Agora, em um nvel muito menor, mas ainda relevante, se eu quero ouvir rdio muito alto e voc quer silncio, ns no podemos, ambos, fazer o que quisermos se estivermos dividindo um pequeno local de trabalho. Por-tanto, existem limites. Uma boa economia, ou sociedade, no organizada pelo objetivo do vale qualquer coisa. Pelo contrrio, ela necessita de mecanismos pelos quais as pessoas possam escolher livremente no contexto das livres escolhas dos outros, e para a economia, isso que a Econo-mia Participativa proporciona.

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    Voc tambm pergunta, se algum violar os limites que uma Economia Participativa impe, o que acontece? H muitas possibilidades. As pessoas que esto incomodadas possivelmente no vo querer enfrentar a violao, pois isso simplesmente no digno do tempo delas para causar uma confuso. Ou, se a violao for relevante, deve haver uma interveno ela pode ser local ou pode envolver pes-soas treinadas para essa tarefa. Ter uma boa sociedade no significa no ter disputas, no precisar de julgamentos, no precisar de uma interveno para negociar humanamente, mas efetivamente, com as pessoas anti-sociais, muito me-nos com assassinos em srie... mas estes so assuntos para a poltica, no para a economia, exceto medida que, se tais funes existem em uma boa economia, a remunerao ser pelo esforo e pelo sacrifcio, os complexos de tarefas sero balanceados, as participaes nas decises sero pro-porcionais, etc.

    Em Busca da AutogestoEra uma vez um im, e nas proximidades de sua vizinhana viviam alguns letes de ao.

    Um dia, dois ou trs letes sentiram um sbito desejo de sair e visitar o im, e comearam a

    conversar sobre como seria agradvel fazer isso.Outros letes vizinhos, sem querer, ouviram a conversa deles, e tambm, foram inuenciados

    pelo mesmo desejo. Outros mais se juntaram a eles, at que todos os letes comearam a

    discutir o assunto, e mais e mais o vago desejo deles tornou-se um estmulo.

    Por que no ir hoje?, disseram alguns deles; mas outros eram da opinio que seria melhor

    esperar at amanh.Entretanto, sem que eles tivessem percebido

    isto, estavam movendo-se involuntariamente para perto do im, que estava l completamente

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    Concordando que a principal meta para um movimento que defenda a Economia Participativa a autogesto, ou a participao nas tomadas de deciso, de forma proporcio-nal ao quanto se afetado; quais as exigncias que podemos fazer hoje, e que iro nos ajudar a caminhar em direo autogesto amanh?

    Criar conselhos de trabalhadores e de consumidores

    Se os trabalhadores tivessem noo que eles podem parar todos os trens de alta velocidade, amarrar com

    correntes poderosas todos os navios no oceano. Todos os instrumentos do universo, toda mina e todo moinho; as

    tropas e os exrcitos das naes, iriam, ao comando deles, permanecer em silncio.

    -Joe Hill

    tranqilo, aparentemente, no prestando ateno neles. E ento eles continuaram discutindo, por todo o tempo

    sendo atrados, sem sentir, e cando mais prximos ao vizinho, e quanto mais conversavam, mais eles sentiam

    o impulso crescendo e cando mais forte, at que os mais impacientes declararam que deveriam ir naquele dia,

    independente do que o resto zesse.Alguns foram ouvidos dizendo que era seu dever visitar o im, e que eles deveriam ter ido h muito tempo atrs. E, enquanto eles conversavam, continuaram a se mover

    cada vez mais e mais, sem perceber que se movimentavam. Ento, nalmente, os impacientes prevaleceram, e, com

    um impulso irresistvel, toda a turma gritou, No h sentido em esperar. Ns iremos hoje. Ns iremos agora.

    Ns iremos de uma vez. E ento, como uma massa unnime, eles correram, e em seguida estavam grudando

    rapidamente no im por todos os lados. Ento o im sorriu para os letes de ao no terem nenhuma dvida, de

    que estavam pagando esta visita com seus prprios livres arbtrios.

    -Oscar Wilde

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    Democratizar o acesso informaoO bom senso o que h de mais bem distribudo

    no mundo, pois cada um pensa estar bem provido dele, at aqueles mais difceis de

    satisfazer. -Ren Descartes

    O fato de cada trabalhador, em algum local de trabalho ou indstria, ou cada consumidor em uma vizinhana ou mu-nicpio, ter uma opinio pessoal separada de seus colegas de trabalho ou seus vizinhos, signica relativamente pouco. Ao invs disso, para decidir conjuntamente e buscar novas rela-es, os trabalhadores e os consumidores precisam se encon-trar para compartilhar suas vises, atingir desejos coletivos, e defender juntos as opes escolhidas.

    Os conselhos democrticos so instituies locais que os trabalhadores e os consumidores utilizam para buscar seus objetivos coletivos. Um primeiro passo para criar os conselhos de trabalhadores e de consumidores, se reunir para discutir a idia de conselho. Isso um bom ponto para comear. A partir disso, formalizar as regras do conselho e estar de acordo com um programa local de membros, para seguir os fundamen-tos e para que os trabalhadores e os consumidores busquem mudanas, com relao a tudo, desde salrios e condies de trabalho, at oramentos e investimentos. A partir da, eles po-dem aperfeioar seus programas, de acordo com suas experi-ncias contnuas e seu crescimento em tamanho e fora.

    Eu fao minhas atividades porque eu no posso ser uma mera expectadora e ver algo errado sem

    protestar.Eu no faria mais me lamentando do que eu

    poderia fazer se eu estivesse me afogando.

    -Emma Goldman

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    Ningum pode tomar boas decises sem informaes exatas e abrangentes. Se voc tem o direito de escolher, mas est desprovido das informaes que sustentam suas opes, a escolha se torna uma charada. Para participar de forma inteligente, as pessoas precisam de informaes so-bre as decises que as afetam. Os esforos para democra-tizar as informaes nos locais de trabalho e nos oramen-tos municipais, regionais, estatais e nacionais, favorecem a autogesto por tornar a informao disponvel, o que uma condio fundamental para a autogesto. E mais, exigir que a informao seja exposta de forma simples, disponvel e compreensvel, e o direito de ter acesso a ela durante o tempo de trabalho pago, e no durante o lazer, tambm ajudam a autogesto.

    No suciente que as formas de governo tenham o consentimento passivo ou implcito

    dos governados, a sociedade estar segura apenas se for democrtica e autogovernada

    em sentido completo, o que implica que todos os cidados devam, no apenas, ter o

    direito de inuenciar suas polticas, se eles assim desejarem, mas que seja dada a maior

    oportunidade possvel para que todos os cidados realmente exeram os seus direitos.

    -G.D.H. Cole

    Democratizar a tomada de deciso no local de trabalho

    Quando os trabalhadores forem a sociedade, eles iro regular seu trabalho, at que a oferta e a

    procura sejam reais, e no especuladas; e ser possvel medir ambas, para que as sociedades

    que tenham necessidades, possam supr-

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    O fato de existirem conselhos com membros informados, cria a possibilidade de se lutar por benefcios salariais, po-sies sociais, preos, investimentos e tudo na vida econ-mica. Mas por que os trabalhadores e consumidores devem lutar por seus desejos, novamente, cada vez que uma nova questo surgir? E por que lutar para ganhar o direito de par-ticipar diretamente das decises, ao invs de participar ape-nas quando houver uma luta longa e debilitante?

    bom para os conselhos de trabalhadores (ou sindicatos) fazer uma campanha que vise forar aqueles que tomam as decises, para que elevem os salrios e melhorem as condi-es de trabalho, obviamente. E isso tambm bom para os conselhos de consumidores ou movimentos, forarem o go-verno para que altere a distribuio de verbas e faa contro-le de poluio, por exemplo. Mas tambm seria bom, tanto para os conselhos de trabalhadores como de consumidores, receber como parte das responsabilidades dirias normais de seus membros e de forma tranqila, aumento de salrios, melhoria de condies, ou alterao oramentria, por razo de seu poder legtimo na tomada de deciso, sem ter que lutar por isso.

    Em outras palavras, juntamente com os ganhos via luta de conselhos e sindicatos, que exercem presso para chegar aos resultados desejados, democratizar a tomada de deciso econmica tambm requer ganhar poder para os conselhos no atual processo de tomada de deciso. Este poder pode

    las; no haver mais escassez articial, nem pobreza dentro da produo, entre uma imensa

    relao de coisas que devem substituir a pobreza pelo bem-estar. Em suma, no haver mais

    desperdcio e nem tirania.-Willian Morris

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    variar, desde os modestos ganhos, como possuir um ou dois delegados do conselho nas reunies industriais ou governa-mentais, com o intuito de comunicar os objetivos do conse-lho, ganhar alguns direitos de deciso em algumas reunies, at ganhar direitos completos de deciso, em quaisquer ou-tros setores dos locais de trabalho ou do governo, com rela-o s decises econmicas.

    Em suma, ns usamos os conselhos, e outros meios a nos-sa disposio, para lutar por melhores condies e outras reformas, obviamente, mas ns tambm lutamos contra a natureza da contestao por si s, contra os sistemas de con-ito e pela futura tomada de deciso.

    Aumentar o poder dos consumidores sobre a produo

    As vidas das pessoas esto tumultuadas. H uma sensao de crise para os homens, assim

    como para as mulheres, e para as crianas tambm. Ns temos idia ou at mesmo um

    indcio de como as pessoas podem e devem viver, no como vtimas, da forma que as mulheres

    viveram no passado, nem como tomos que apenas giram ao redor de seus prprios eixos,

    mas como agentes morais em uma comunidade humana?

    -Brbara Ehrenreich

    A deciso sobre o que um local de trabalho vai produzir e se ele vai utilizar uma ou outra tecnologia, no deve ser inteiramente feita pelas pessoas que trabalham nesse local, mesmo que elas estejam num conselho de trabalhadores. Essas decises tambm afetam os consumidores e vizinhos desse local de trabalho, por isso, eles tambm devem ter par-ticipao nas decises.

    Incorporar todos os agentes de forma proporcional na to-

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    mada de decises, requer um aumento do poder daqueles sub-representados. As exigncias dos comits de superviso das vizinhanas, com relao aos impactos ecolgicos e ou-tros impactos locais de um local e trabalho, so desejveis, assim como as exigncias para a participao dos consumi-dores nas decises dos locais de trabalho no que diz respeito aos produtos e preos. Tais exigncias podem beneciar os pobres e tambm ampliar a conscincia, fortalecer o com-promisso, e desenvolver uma nova organizao para obter ainda mais benefcios no futuro.

    Democratizar os oramentos sociais

    Imagine que os humanos estejam to estruturados que desejem a oportunidade de

    tomar para si o trabalho produtivo livremente. Imagine que eles queiram ser livres da

    intromisso dos tecnocratas e dos governantes, banqueiros e magnatas, loucos bombardeadores,

    que se dedicam a fazer testes psicolgicos em camponeses, defendendo seus lares, cientistas do comportamento que no conseguem diferenciar um pombo de um poeta, ou qualquer outro que

    tente colocar a liberdade e a dignidade para fora da vida ou jog-las no esquecimento.

    -Noam Chomsky

    Pense numa cidade decidindo seus oramentos para educao, saneamento, novas moradias, novas clnicas de sade, removedores de neve, ou qualquer outra coisa. Quem afetado? Na maioria das vezes, todos os cidados, claro. Quem toma as decises? Na maioria das vezes, funcionrios pblicos, eleitos pela elite, pressionados pe-las corporaes locais e nacionais, tentando maximizar os lucros, claro.

    Para nos movermos em direo a uma maior partici-

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    pao, as exigncias de aumento de participao sobre o volume ou propsito dos itens oramentrios, assim como as despesas militares nacionais, os programas de bem-es-tar estatais, ou as verbas municipais destinadas a um novo hospital, certamente so bons fatores. As exigncias que tornem pblicos os oramentos e que incorporem os conse-lhos de trabalhadores e de consumidores nas tomadas de deciso sobre os oramentos, como uma parte natural do processo, so excelentes fatores tambm.

    De fato, assim como em todo componente de um pro-grama da Economia Participativa, a idia central que as exigncias que melhoram as condies para os oprimidos so boas. Mas, alm disso, se a retrica e o processo de cam-panhas para atingir tais exigncias tambm aumentarem a solidariedade, o entendimento e a organizao da Econo-mia Participativa, ser uma outra importante melhoria. E nalmente, se as campanhas puderem conquistar, no ape-nas melhores condies, mas um novo campo de atuao no qual seja mais fcil ainda se conquistar benefcios no futuro, e isso o ideal.

    Utilizando a autogesto em nossos prprios projetos e movimentos

    ...o nico capaz de ter o papel de direo o ego coletivo da classe trabalhadora que tem o

    direito soberano de cometer erros e aprender a dialtica da histria por si s. Vamos colocar

    isso de forma bastante direta: os erros cometidos por um verdadeiro movimento revolucionrio

    de trabalhadores , historicamente, muito mais produtivo do que as corretas decises do mais

    admirvel Comit Central.-Rosa Luxemburgo

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    Imagine que tenhamos um movimento que defenda vigo-rosa e intransigentemente que os agentes devam inuenciar as decises econmicas completamente, nas mesmas pro-pores que so afetados por essas decises. Agora imagine que, em seus prprios processos, esse mesmo movimento promova uma pessoa que faa levantamento de fundos, um grande doador, ou algum com muita instruo, de um tipo ou de outro, para uma posio de poder acima de outros do grupo ou mesmo acima de grande parte dos membros e prejudique a organizao, impedindo que maioria dos par-ticipantes tenha uma participao proporcional ou ainda qualquer participao sobre a agenda do movimento.

    No um belo quadro. Este movimento no iria apren-der e se instruir pela sua prpria experincia de autogesto, pois ele no teria uma experincia verdadeira de autoges-to. Esse movimento no serviria como um modelo que le-gitimasse a eccia de suas reivindicaes, pois ele funcio-naria, pelo contrrio, como as instituies que ele se ope. Esse movimento no teria uma nova prtica, incorporando o que ele prega, mas possuiria, ao invs, uma prtica con-servadora, enfraquecendo sua credibilidade a aqueles para os quais ele fala. Esse movimento no seria adequado e le-gitimado por todos os seus membros e nem receberia seus maiores talentos e participaes, mas geraria, ao contrrio, um conito interno e uma pssima moral.

    Por essas razes, construir a si mesmo para incorporar regularmente mais autogesto em seus prprios processos, deve ser um componente programtico muito crtico de um movimento de participao econmica. Os projetos do mo-

    Voc tem que ser a mudana que voc quer ver no mundo.

    -Gandhi

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    vimento, liderados por poucos mas compostos por muitos, que nada fazem para democratiz-los, so meios inecientes em busca da autogesto na ampla sociedade que habitam.

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    Autogesto IndustrialNoam Chomsky

    Na Holanda, sob a ocupao nazista, o marxista holands Anton Pannekoek, produziu seu estudo clssico Workers Coucils, uma destilao de muitos anos de experincia e re-exes no movimento dos trabalhadores. Os trabalhadores, escreveu ele, devem ser os donos das fbricas, donos de seu prprio trabalho, conduz-lo de acordo com suas pre-ferncias. De modo que a propriedade coletiva no deva ser confundida com a propriedade pblica, um sistema no qual os trabalhadores so comandados por ociais do Esta-do, que dirigem a produo. Os trabalhadores devem, eles mesmos, tomar o controle completo dos meios de produo e de todo planejamento e distribuio. O capitalismo uma forma transitria, combinando tcnica industrial moder-na com o princpio social arcaico de propriedade privada. Tecnologia industrial avanada combinada com proprieda-de coletiva signica uma humanidade de cooperao li-vre, a prpria meta do movimento dos trabalhadores. Ele tambm escreveu que a idia de propriedade coletiva dos meios de produo est comeando a tomar conta das men-tes dos trabalhadores.

    A observao de Pannekoek a respeito das sociedades industriais se provou correta independentemente dos Esta-dos Unidos, ainda que a tirania russa tenha esmagado vrias vezes essas aspiraes na Europa Oriental. Naturalmente, no existe nada se aproximando remotamente da verdadei-ra democracia industrial, mas as idias esto vivas e a luta para realiz-las continua, um problema que no de pouca relevncia para o capitalismo internacional. Sob o ttulo The Swedish Labor, Equality is Being Boss, Leonard Silk escre-

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    veu no New York Times (em 7 de Abril de 1976) sobre os temores dos capitalistas suecos que esto tentando moderar o avano para a igualdade e para o controle preservando as fortes prerrogativas de gesto da economia mista, que permanece sendo considerada com desprezo por muitos empregadores americanos. Ele adverte que as multinacio-nais americanas na Europa devem tambm considerar a co-gesto como algo muito bom, se comparada ao maior con-trole dos trabalhadores, que poder acontecer no futuro.

    Similarmente, o Economist de Londres (de 19 de Feverei-ro de 1977), discutindo as iniciativas sindicais na Holanda (as quais no so como os ameaadores projetos introduzi-dos pelos sindicatos dinamarqueses e suecos), aponta que os sindicatos no esto somente atrs (e tm) a maior fatia de um bolo que est crescendo, mas tm controle ao escolher a receita, ao misturar e tambm ao assar esse bolo. Corres-pondentemente, corporaes multinacionais esto lanan-do um olhar sptico sobre qualquer proposta para investir na Holanda. De fato, o utuar do capital o artifcio mais importante para preservar a velha ordem sob ataque.

    Uma necessidade no toma to seriamente os pesadelos daqueles que detm e dirigem a economia internacional ca-pitalista e suas ramicaes locais. A extenso da democra-cia para o local de trabalho tem sido, at ento, limitada e as foras alinhadas para dar apoio s estruturas autocrticas tradicionais da ordem transitria, da mesma forma que aquelas ajudas da administrao do Estado, continuam po-derosas. Entretanto, as presses em direo democracia in-dustrial no podem ser diminudas.

    A Gr-Bretanha um caso interessante para se apontar. Em Janeiro passado, uma comisso governamental enca-beada pelo historiador de Oxford, Alan Bullock, entregou um relatrio propondo a participao de trabalhadores na

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    administrao de grandes empresas. O relatrio arma que a vinda da era da democracia em nossa sociedade um processo que inevitavelmente afeta a vida de todas as pes-soas como um todo, e isto no pode ser excludo do local de trabalho. Sendo severamente rechaado por membros da industria na comisso, o relatrio sugere uma frmula 2x + y para o controle administrativo: um nmero igual de representantes de trabalhadores e acionistas (2x) e um grupo no meio balanceando (y). Apoiando a proposta, Jack Jones do Sindicato dos Trabalhadores do Transporte escreve que levou-se aproximadamente cem anos para estender o sufrgio para todos os homens e mulheres adultos. Ns no podemos dispor do luxo de uma espera de cem anos para cidadania industrial.

    Mesmo se as recomendaes de Bullock fossem ser im-plementadas, o que parece improvvel, elas provariam estar muito distantes de uma cidadania industrial ou da pro-priedade coletiva defendida pelo socialismo libertrio, mas iriam constituir uma forma de participao modesta na ges-to. No entanto, estas propostas vo alm das realizaes do trabalho continental europeu. Por isso a ardente oposi-o de representantes das corporaes industriais britni-cas altamente centralizadas. O diretor geral da Confederation of British Industry alertou que a menos que este relatrio seja recusado e desacreditado, a face empresarial da Ingla-terra ser mudada irrevogavelmente.... Cem subsidirias de corporaes multinacionais, principalmente americanas, tambm seriam afetadas. Mesmo se as propostas forem ar-quivadas, elas devem ser aplicadas de alguma maneira nas indstrias nacionalizadas, e elas j tm agitado um intenso debate na Inglaterra e provocado muito interesse nos crcu-

    8 - Confederao da Indstria Britnica (N. T.)

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    los de negcios de todo lugar.A revoluo dos trabalhadores, escreveu Pannekoek,

    no um evento singular de durao limitada, mas par-ticularmente um processo de organizao, de auto-educa-o, no qual os trabalhadores gradualmente (...) desenvol-vem fora para (...) construir seu novo sistema de produo coletiva. O critrio comparativo para a extenso do sufr-gio no sculo XIX no ausente de mrito. Presses dos tra-balhadores para o aumento de participao, enquanto per-manecem limitadas, podem conduzir para uma realizao que no tenha justicativa, mesmo tcnica ou moral, para os sistemas hierrquicos e autoritrios do capitalismo ou suas variedades estatais.

    Bernard Nossiter observa no Washington Post (em 26 de Janeiro de 1977) que embora as questes levantadas pelo Re-latrio Bullock paream remotas nos Estados Unidos, onde a legislao social (...) tipicamente atrasada se compara-da Europa, ela no entanto, algum dia poderia atingir os Estados Unidos tambm. De fato, os Estados Unidos no tm estado plenamente isolados dos esforos para estender princpios democrticos s instituies centrais da socieda-de industrial. Para citar um exemplo, a Business Week (em 28 de Maro de 1977) fez uma reportagem sobre um progra-ma de participao de trabalhadores na fbrica da General Foods Corporation, citando o executivo encarregado que diz que do ponto de vista da vida de trabalho humanista e dos resultados econmicos, voc pode considerar isso um suces-so. Os problemas permanecem, entretanto o principal deles que alguns administradores e o corpo de funcionrios vi-ram suas prprias posies ameaadas porque os trabalha-dores atuaram quase que bem demais na administrao de seus prprios negcios.

    Desde as primeiras fases da revoluo industrial, isso tem

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    sido a constante objeo aos procedimentos democrticos. Economicamente, eles tm se mostrado bem sucedidos, mas como um jornal britnico se queixou um sculo atrs, eles no deixaram um lugar seguro para os patres. E ainda, a experincia com o controle dos trabalhadores pode con-vencer queles que realizam o trabalho do mundo, que eles no precisam marchar com a batida de um tambor, mas podem na realidade tomar o controle direto sobre o sistema de produo, dando desta maneira, um signicado real ao conceito de democracia.

    A esquerda esteve freqentemente alerta para as pro-postas como as do Relatrio Bullock, e com a justia. Con-forme as crticas tm alertado, elas podem dar uma cara democrtica hierarquia capitalista (Neil Kinnock) e criar um sistema frustrante que poderia espalhar descr-dito sobre a ampla idia de democracia industrial (Ken Coates e Tony Topham).

    O prprio presidente da comisso falou de uma nova relao entre sindicatos e indstria com o argumento de que o setor privado pode continuar e ser fortalecido, e no h dvida que a preocupao com os salrios e a produti-vidade tem sido o principal fator, motivando muitos que defendem tais programas, os quais esperam que vo substi-tuir essas necessidades por outras. John Dunlop, economista de Harvard e criador da Secretaria do Trabalho, discutiu a importncia da experincia europia com os conselhos de trabalhadores no contexto da preocupao por meios de obteno de esforos e performances melhorados, novos meios de treinar e supervisionar os trabalhadores, e novos procedimentos para desenvolver a disciplina para minimi-zar as reclamaes ou dissipar protesto. No exatamente o que Pannekoek, por exemplo, tinha em mente. Sem dvida isso representa a atitude que ser adotada por defensores do

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    sistema autocrtico preponderante do controle industrial da mesma forma como eles se esforam para desviar ou contro-lar as foras democrticas.

    Mas a esquerda deve, no entanto, receber bem esses de-senvolvimentos, enquanto critica suas limitaes e enfatiza a imensa lacuna entre participao e a verdadeira gesto e propriedade coletivas. A experincia obtida numa partici-pao limitada, a compreenso das capacidades de algum e o absurdo das reivindicaes de autoridade, podem ser uma experincia libertadora que ir levar adiante, deniti-vamente, um movimento para transformar a sociedade in-dustrial, eliminando a dominao capitalista e a autocracia do Estado.

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    A Autogesto do CapitalPablo Ortellado

    A ltima etapa do desenvolvimento do capitalismo assistiu ao aparecimento de um novo e estranho fenmeno: a ascen-so da economia social ou, como ela tambm gosta de ser cha-mada, economia solidria ou, ainda, extravagncia dos trpi-cos, autogesto. Fenmeno aparentemente estranho porque faz reaparecer sob a roupagem daquilo que foi a ltima sria contestao do capitalismo, algo que pode receber apoio con-comitante dos sindicatos, de entidades civis no governamen-tais e de agncias governamentais de fomento pesquisa e ao desenvolvimento social. Como se deu essa curiosa ascenso?

    A economia social, como conhecida na Europa, um conceito que se refere a toda uma gama de atividades econ-micas, no necessariamente integradas, onde a propriedade jurdica dos meios de produo parcial ou totalmente dos trabalhadores. Ela se refere, portanto, a uma srie de fenme-nos aparentados, mas diferentes, como as ESOPs america-

    9 - Antonio Manchado Lozano, presidente da Confederao Espanhola de Economia Social muito consciente das implicaes dos termos. Ele diz: esta terminologia [empresas autogeri-das] no a usamos em Espanha, faz j alguns anos. Aqui, caberia uma reexo sobre o porque eliminamos o termo autogesto em nosso discurso [], em minha opinio, tem sido, entre outras razes, porque encerra alguns matizes polticos que, em toda Europa, tm sido identicados com uma ideologia situada entre o socialismo utpico e o comunismo, o que, em determinado momen-to, pareceu ruim para competir nos mercados das economias livres. (Perspectivas das empre-sas autogeridas In: C. G. Vieitez (org.) A empresa sem patro. Marlia, UNESP, 1997, p. 128)

    10 - ESOP (Employee Stock Ownership Plan) um plano de benefcio e contribuio dentro de uma empresa, onde os empregados compram e mantm os ttulos da companhia. Isso ocorre de diver-sas formas: compras diretas das aes; atravs de bnus recebidos; planos de diviso de lucros. Geralmente so utilizadas para abastecer um mercado nas divises departamentais entre os donos de empresas bem sucedidas, para recompensar e motivar os empregados, fazendo com que eles trabalhem com mais anco (anal, agora o prprio empregado um scio de onde trabalha). Sistema desconhecido at 1974, atualmente cerca de 11.000 companhias dos EUA o utilizam (inclusive ban-cos do grupo ABN AMRO), atigindo um nmero em torno de 8,5 milhes de trabalhadores. (N. E.)

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    nas, as ECOPs inglesas, os fundos acionrios sindicais suecos e as cooperativas, que esto em toda parte, mas com maior fora na Itlia e na Espanha.

    As cooperativas so muito antigas, tm como marco histrico 1844, data da formao da cooperativa dos Pio-neiros de Rochdale, inspirada por Robert Owen, socialista utpico, como gostam os marxistas e capitalista prspe-ro. Desde ento, o cooperativismo foi uma parte inte-grante do movimento dos trabalhadores, embora tenha sido obliterado, desde o final dos anos 1870 pelo socia-lismo revolucionrio marxista e anarquista e, finalmente, a partir de 1917, pela verso leninista do socialismo de Estado. Ele foi mais ou menos resgatado e comeou a cres-cer nos anos 60 deste sculo e abrange hoje porcentagens relevantes da economia de muitos pases (um exemplo: Espanha, 3% do PIB e 6% do emprego).

    No exatamente uma coincidncia que o crescimento do setor da economia social tenha comeado junto com os movimentos autonomistas dos trabalhadores nos anos 60 e tenha se acelerado imediatamente depois (final dos anos 70/ incio dos anos 80) mesmo perodo da expan-so do novo modelo produtivo capitalista: a assimilao ocidental dos ensinamentos do toyotismo japons como

    11 - ECOP (Employee Common Ownership Plan), possuindo a estrutura semelhante a ESOP, essa experincia comeou ser efetivada no incio da dcada de 1990, na Inglaterra, onde cerca de 20 companhias (da rea de transporte coletivo) foram vendidas para coletivos de emprega-dos, algumas vezes coduzidos por gerentes, outras vezes pelo sindicato. Como na ESOP, os empregados, a partir desse ponto, tm que fazer a empresa render de qualquer modo. (N. E.)

    12 - de se notar que o marco histrico das cooperativas seja Rochdale (1844) e no New Harmony (1825). Isso demonstra no apenas a preponderncia do modelo das cooperativas de consumo sobre as cooperativas de produo, como tambm o fato da autogesto estar ofuscada pela mstica da propriedade coletiva numa cooperativa de produo, muito alm da questo da propriedade, se coloca cotidianamente a questo da gesto democrtica.

    13 - Perspectivas das empresas autogeridas In: C. G. Vieitez (org.) A empresa sem patro. Marlia, UNESP, 1997, p. 197.

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    lean management. Nos anos 60 e 70, uma srie de movimentos de trabalha-

    dores conhecidos como movimentos autonomistas pas-sou a colocar em xeque, em todo mundo, alguns princpios ento essenciais ao capitalismo. Esses movimentos caracte-rizaram-se fundamentalmente pela luta contra os interesses patronais por meios heterodoxos (isto , fora dos sindicatos): num momento inicial, roubos e sabotagens, em seguida, gre-ves selvagens, organizao atravs de comisses e ocupaes e tomadas de fbricas. Nessas tomadas de fbricas, os tra-balhadores punham em prtica alguns princpios de organi-zao coletiva da produo: rotatividade das tarefas, dimi-nuio ou extino dos nveis hierrquicos, diminuio da distino entre concepo e execuo atravs da deliberao coletiva e igualdade entre os cargos (em geral poltica isto , na assemblia, cada homem um voto mas, em muitos casos, tambm econmica ou seja, nivelando os salrios).

    Essas tomadas e a aplicao desses princpios reforaram as resistncias anti-tayloristas que nunca haviam desapareci-do e colocaram em primeiro plano nas reivindicaes traba-lhistas a modicao da organizao produtiva na vertente revolucionria, para a nova sociedade comunista, na vertente reformista, para a humanizao das relaes de trabalho. Do ponto de vista do capital, essas reivindicaes tiveram uma recepo a princpio resistente. Elas pareciam improdutivas e s foram aceitas e parcialmente incorporadas na medida em

    14 - Lean Management um sistema cientco de produo onde todo o processo comercial, e no apenas o manufaturamento, melhorado e renovado continuamente atravs de uma eliminao sistemtica de todo e qualquer desperdcio. A idia central a constante melhoria da produo, de modo a permitir que cada um dos setores, em compasso um com o outro, atue de maneira rpida e limpa. um sistema de organizao do servio, que tem seus principais exemplos em fbricas japonesas, como a Toyota e a Honda. (N. E.)Para uma panormica destes princpios, veja Heinz Metzen e Dirk Bsenberg, Lean management. S. l., CETOP, 1993.

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    que se mostravam como a nica sada razovel contra uma possvel e provvel exploso revolucionria.

    Foram precisos os estudos pioneiros das novas teorias da administrao para que se comeasse a ver que havia efe-tivamente uma elevao da produtividade com as tcnicas gerenciais participativas, com o trabalho em equipe, com a rotatividade das tarefas e com a diminuio dos nveis hie-rrquicos. Mas foi, sem dvida, o exemplo da indstria au-tomobilstica japonesa o argumento decisivo em favor de uma mudana fundamental, de uma profunda reestrutura-o produtiva.

    Os japoneses que, ironicamente, haviam aprendido com a sociologia do trabalho americana dos anos 40, mostra-vam agora para os ocidentais as virtudes de seu modelo produtivo: grosso modo, trabalho em equipe, reduo do desperdcio dos estoques e suprimentos, reduo da ociosi-dade hierrquica, horizontalizao e integrao dos setores e descentralizao das decises no fundamentais. Receita essa a que os ocidentais deram seu tempero: em oposio estabilidade e ao compromisso de trabalho para toda vida das empresas japonesas (receita do temporrio apazigua-mento do conito de classes), estabeleceu-se uma precari-zao das relaes de trabalho, com aumento do trabalho de meio perodo, do trabalho temporrio e a reduo dos benefcios trabalhistas.

    Tudo isso, casado com o enxugamento dos quadros cau-sado pela reestruturao produtiva, gerou um enorme de-semprego. E foi no rastro desse novo desemprego que a economia social encontrou seu empuxe. Retomada agora, no como alternativa socialista, mas, pelo menos declara-

    15 - Para uma exposio terica detalhada dessa tese, veja Joo Bernardo, Economia dos conitos sociais. So Paulo, Cortez, 1991.

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    damente, como uma alternativa capitalista ao problema do desemprego, a economia social encontra apoio em sindica-tos, organizaes no governamentais e agncias estatais de fomento (embora, por outro lado, ainda sofra enormes resis-tncias: em alguns sindicatos e na justia do trabalho que, no adaptados, temem tornar-se anacrnicos e numa parce-la do empresariado que teme que iniciativas bem sucedidas ameacem sua hegemonia).

    Mas, apesar desse arranque recente, o desenvolvimento das cooperativas, mesmo no Brasil, data dos anos 60. Ele fazia parte, inicialmente, do movimento contestador dos anos 60 e 70 e se apresentava freqentemente como uma al-ternativa em germe forma de organizao capitalista. Ime-diatamente em seguida, o movimento cooperativista soube se adaptar ao reuxo dos movimentos socialistas e implan-tao de novas formas de organizao do trabalho para se lanar como uma alternativa humana onde se casavam ges-to democrtica e reduzida perda dos postos de trabalho.

    Tudo isso, claro, desvinculado de pretenses polticas e discursos ideolgicos explcitos. Vale lembrar que a le-gislao brasileira sobre cooperativas (que regulamenta e d incentivos) de 1971, do auge do regime militar e que um elemento importante do universo da economia social, as ESOPs (plano de venda de aes para os trabalhadores), foram criadas tambm nos anos 70 por um senador conser-vador americano para contrabalanar as exigncias radicais da esquerda e constituir uma alternativa controlada de de-mocratizao da propriedade.

    importante notar que as cooperativas tm tido, nos lti-mos tempos, relativo apoio dos governos e tem se mostrado uma parte importante e inofensiva dos programas sociais

    16 - Organizao das Cooperativas Brasileiras. Autogesto ao alcance das cooperativas. S.l., s.d.

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    que visam diminuir o impacto social do capitalismo globa-lizado. A favor delas, os estudos mostram que empresas cooperativas demitem menos nas pocas de crise, do maior estabilidade e salrios um pouco melhores do que empresas convencionais. Por outro lado, essas cooperativas s conse-guem se manter na medida em que esto na periferia da con-corrncia capitalista global, em setores onde no h muita competio e onde no so necessrios grandes investimen-tos. Mesmo na Espanha, onde h um relevante setor coope-rativo, as mdias (menos de 50 trabalhadores) e principal-mente as pequenas empresas (menos de 10 trabalhadores), constituem 98% das cooperativas. E no ser surpreenden-te que, tambm na Espanha, se encontre o perl das coope-rativas que Cndido Vieitez v no Brasil: 1) freqentemente cooperativas esto afeitas a atividades rurais ou suburbanas; 2) as cooperativas de consumo tm constitudo um plo re-lativamente expressivo; 3) o artesanato uma das atividades que tem propiciado a formao de pequenas cooperativas; 4) uma das formas mais correntes de organizao cooperativa resulta da associao de pequenos produtores independen-tes; 5) h agora formao de cooperativas a partir de esta-belecimentos capitalistas em processo falimentar e que so assumidos pelos trabalhadores.

    Podemos, levando essas observaes adiante, generalizar um pouco e armar que as cooperativas autogeridas (que devem ser distinguidas das cooperativas com gesto tradi-

    17 - Para alguns dados importantes tanto para o Brasil, quanto para o mundo sobre a reduo do emprego nessa nova fase do capitalismo, veja o artigo de Gilberto Dupas, A lgica da economia global e a excluso social Estudos Avanados 34 (1998). Para as polticas sociais que tentam minimizar o impacto da excluso (que parecem estar se expandindo), do mesmo autor: A lgica econmica global e a reviso do Welfare State Estudos Avanados 33 (1998): 171-183.

    18 - Lozano, Op. Cit., passim, mas sobretudo, p. 133.

    19 - Ibid., p. 132.

    20 - Temas da autogesto dos trabalhadores In: Vieitez (org.) Op. Cit., pp. 9-24.

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    cional) s subsistem na medida em que esto menos expos-tas competio global, em que no necessitam de grandes investimentos e em que a atividade tem baixa produtividade mdia. Talvez mesmo o contra-exemplo que normalmente se aponta, Mondragn, s tenha podido subsistir na medida em que abandonou denitivamente os traos autogestion-rios que apresentou em algum momento por exemplo, quando expandiu os procedimentos representativos e am-pliou a diferenciao salarial.

    Mas porque as cooperativas autogeridas s conseguem se manter na medida em que esto na periferia do capitalis-mo? Talvez porque seu princpio esteja em contradio fun-damental com o princpio capitalista. Quanto mais demo-crtica uma empresa, quanto mais discute coletivamente os problemas, quanto mais cria mecanismos de apropriao autnoma do trabalho, menos ela eciente do ponto de vis-ta capitalista, porque atravanca a produo com assemblias, porque tem baixa produtividade e porque no consegue se adequar s exigncias do mercado capitalista: cumprir pra-zos heternomos, fornecer representantes com autonomia decisria, etc.

    Por que vemos hoje ento, mais uma vez, a ascenso no Brasil de empresas autogeridas? O que representa hoje a ANTEAG (Associao Nacional dos Trabalhadores de Em-presas Autogeridas), a ATC (Associao Trabalho-Capital) e as Incubadoras de Cooperativas das universidades?

    Em primeiro lugar, preciso lembrar que o que levou criao da ANTEAG e depois da ATC foram as falncias generalizadas de indstrias no Brasil causadas pela brusca

    21 - Dois desses traos foram utilizados por Hans Jrgen Rsner na confeco de um grco que visava analisar a estabilidade dos empregos. Veja, Concorrncia global: consequncias para a poltica de negociao capitalista In: O trabalho em extino? So Paulo, Centro de estudos da Fundao Konrad Adenauer Stiftung, 1996, p. 30.

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    abertura concorrncia internacional levada a cabo desde o governo Collor. Algumas dessas empresas, logo aps ou um pouco antes de falirem, foram assumidas pelos trabalhado-res que tinham assim a possibilidade de manter a empresa e seus empregos, ainda que, em geral, a muito custo: menores salrios e instabilidade, seja pela situao da empresa no mercado, seja pelo prprio despreparo administrativo dos envolvidos. Foi no cenrio dos primeiros repasses de em-presas aos trabalhadores que algumas pessoas ligadas aos sindicatos e suas agncias de pesquisa resolveram sistema-tizar uma metodologia que pudesse facilitar a adaptao ao novo regime e fazer a empresa prosperar. Foi assim que se criou a ANTEAG e depois a ATC com seus assessores e di-retores tcnicos.

    Mais ou menos no mesmo perodo, antigos militantes da Campanha contra a fome ligados a UFRJ comearam a desenvolver um projeto que visava gerar emprego para a populao de baixa renda atravs da formao de coo-perativas populares de servio. Nascia assim a Incubadora Tecnolgica de Cooperativas Populares, cujo modelo inspi-rou outras semelhantes em diversas universidades do pas (treze, at o momento).

    Mas quais so as caractersticas e perspectivas dessas cooperativas e qual o alcance da sua autogesto? Elas so antes de tudo, cooperativas criadas naquela periferia do ca-pitalismo: empresas de produo falidas que no resistiram competio internacional e pequenas empresas populares de servio (empresas de limpeza, artesanato, etc.) Elas pos-suem, portanto, aquelas condies de desenvolverem os me-canismos democrticos. Mas at que ponto eles podem faz-lo e at que ponto os gestores encarregados de implant-los pretendem faz-lo?

    Comecemos pela segunda questo. Qual o programa

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    dessas organizaes que pretendem promover as coopera-tivas autogeridas: as Associaes de empresas, as Incuba-doras, os sindicatos, as organizaes da Igreja? Todas essas organizaes tm suas diferenas, mas talvez no seria des-propositado dizer que nenhuma delas tem um programa poltico explcito. Externamente, para o pblico geral e para as agncias governamentais, elas alegam buscar apenas re-solver o problema do desemprego criar novos empregos ou evitar que os empregos de empresas falidas se percam. Mas, extra-ocialmente, elas alimentam discretamente o so-nho de ver as cooperativas prosperarem e se multiplicarem at abrangerem empresas de alta tecnologia e competitivi-dade e constiturem uma poro signicativa do PIB.

    H ainda, nos casos de maior politizao, uma retoma-da do programa owenista de transformao social pela di-fuso de empreendimentos cooperativos. claro que tudo isso agora pincelado com conceitos marxistas, de forma a se conseguir uma sntese do rigor cientco do materialismo histrico e o perfume renovado do socialismo utpico. Alm disso, todos os recursos que conhecemos posteriormente pelo Welfare State so incorporados: incentivos scais s co-operativas, crdito privilegiado, etc. Mas at onde podera-mos mesmo pensar que um tal cenrio levaria a uma efetiva transformao social?

    Se queremos casar o crescimento econmico com de-mocracia na gesto do trabalho e atenuao das diferenas sociais, ento podemos pensar numa retomada j em si complicada do Welfare State com uma poltica de pro-moo de cooperativas autogeridas. Mas, tudo isso se apia em alguns pressupostos: na crena de que lgica atual da concorrncia capitalista global permite polticas sociais crescentes, na crena de que as empresas autogeridas pos-sam abranger setores competitivos, de alta tecnologia e pro-

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    dutividade sem se descaracterizar e, nalmente, que o que se entende por autogesto efetivamente o avesso socialista do capitalismo.

    E se nenhum desses pressupostos parece receber conr-mao denitiva da experincia, podemos fazer as seguintes observaes. Do ponto de vista da militncia: ser que a bu-rocracia encarregada de fomentar a autogesto (os assesso-res, os tcnicos, os diretores, etc.) se encarregar de promover a capacitao administrativa do coletivo dos trabalhadores, buscando sua autonomia, e no far apenas a formao de lideranas, que cria gestores na empresa que, por sua vez, dependem de gestores nas instituies que os formam? Do ponto de vista terico: se essa concepo da autogesto no leva em conta o papel dos gestores (ou da burocracia, como preferir), ela parece conrmar a confuso que se v na teoria entre o carter coletivo da propriedade e o carter coletivo das relaes de produo. No porque a propriedade da empresa igualmente dividida que a sua gesto democr-tica mesmo se os diretores so eleitos.

    Alm disso, devemos apenas constatar que, para alguns desses entusiastas das cooperativas, duas caractersticas es-senciais do capitalismo so consideradas compatveis com um regime de autogesto: a desigualdade salarial e a manu-teno da lgica capitalista de ampliao crescente da pro-duo (e, antes de tudo do Capital). Esses dois traos esto evidentemente ligados; faz parte essencial da lgica capita-lista a promessa de ganhos diferenciados (ou seja, ganhos maiores relativos) para os bem-sucedidos e mesmo ganhos absolutamente maiores para os mal-sucedidos. tambm por isso que a igualdade salarial faz parte de qualquer rei-

    22 - A esse respeito, veja o texto de Joo Bernardo Autogesto e Socialismo In: Democracia e Autogesto. So Paulo, Humanitas, 1999 e tambm Castoriadis, Les rapports de production en Russie In: La Socit bureaucratique, tome 1. Paris, Union Gnrale dditions, 1973.

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    vindicao autogestionria: porque alm de ser incompatvel (mais do que isso, contrria) com uma gesto hierrquica do trabalho, ela rompe com a lgica capitalista do crescimento da produo desigualmente distribudo pois se no h distino salarial no h motivao heternoma para o au-mento da produo e do consumo.

    Se no rompemos com a lgica que forma gestores, ento temos apenas novas diferenciaes mascaradas pelo carter coletivo da propriedade a repetio ligeiramente modi-cada do equvoco que levou a considerar a Unio Sovitica um regime socialista. Ainda que se supere esse problema e se crie instituies que visem no formar gestores vindos do cho da fbrica, mas fomentar a autonomia administrativa do coletivo dos trabalhadores, resta enfrentar o problema da desigualdade salarial e do carter capitalista da produo. Claro que isso no pode ser resolvido no capitalismo: no se pode nivelar salrios, nem diminuir o ritmo da produo, porque o empreendimento se inviabiliza economicamente. Mas preciso colocar essas questes como problemas, como desaos a serem superados e no como dados pressupos-tos da economia. Do contrrio, se tudo for bem-sucedido, no melhor dos casos, teremos apenas um pouco mais de demo-cracia no capitalismo, levaremos apenas as tendncias parti-cipacionistas do toyotismo ao seu limite capitalista, teremos apenas a autogesto do capital.

    23 - Quanto a esse ponto complicado e polmico, posso aqui apenas remeter a Castoriadis. Veja as pginas nais de Valor, igualdade, justia, poltica In: As encruzilhadas do labirinto. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987, pp. 264-335 e tambm, A hierarquia dos salrios e dos rendimentos In: A experincia do movimento operrio. So Paulo, Brasiliense, 1985, pp. 247-258.

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    Autogesto e Tecnologias AlternativasMurray Bookchin

    A autogesto, nos seus mais variados e ricos signica-dos, esteve, desde sempre, estreitamente associada no de-senvolvimento das tcnicas, ainda que esta associao nem sempre tenha merecido a ateno que seria de desejar. No entanto, ao pr em relao estes dois aspectos, no quero, de modo algum, comprometer-me numa relao simpli-cadora, isto , uma relao que reduza a complexidade dos problemas tcnicos a um determinismo tecnolgico. Os ho-mens so seres quase inteiramente sociais. Eles desenvol-vem um conjunto de valores, de instituies e de relaes culturais que permitem, ou no, o desenvolvimento de tcnicas. preciso, creio, insistir de novo no fato de certas invenes tcnicas fundamentais ao desenvolvimento do capitalismo, como por exemplo a mquina a vapor, serem j conhecidas dos gregos h mais de dois mil anos. Com efeito, o fato de uma tal fonte de energia no ter sido, na poca, seno usada como simples brinquedo, testemunha largamente a importncia que tiveram os valores ticos e culturais da antiguidade sobre a evoluo das tcnicas em geral e, em particular, sobre todas as pocas no submetidas a uma lgica de mercado.

    Mas, de uma outra forma, seria tambm de um simplis-mo inaceitvel negar as relaes das tcnicas existentes, em determinado perodo histrico, com o modo como a hu-manidade dene e interpreta a idia de autogesto. E, uma tal armao particularmente evidente nos dias de hoje, quando a autogesto concebida principalmente em ter-mos econmicos, tais como controle operrio, democra-cia industrial, participao dos trabalhadores, isto , nos

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    termos dos velhos anarco-sindicalistas, como uma espcie de coletivizao econmica. Mais tarde discutiremos como uma tal interpretao da autogesto, compreendida apenas em termos econmicos pode ocultar e diferir outras inter-pretaes da palavra, nomeadamente aquelas que se pren-diam com as idias de federalismo municipal da sociedade medieval, das sees revolucionrias de 1793, e da Comuna de Paris. Mas, para j, cada vez mais evidente que hoje, quando falamos de autogesto, falamos de uma forma ou de outra, de sindicalismo. Falamos de uma formao eco-nmica que se relaciona com a organizao do trabalho, o emprego dos materiais e das mquinas, bem como com a repartio social dos recursos materiais. Em suma, ns fala-mos das tcnicas ou da tecnologia.

    Mas, a partir do momento em que questionamos os pro-blemas tcnicos como importantes, ns abrimos caminho a um nmero considervel de paradoxos, que no podem ser resolvidos pelo simples efeito da retrica ou da frmula mo-ral mais conhecida. Se o papel da tcnica, na formao do pen-samento e da sociedade, tem sido, por vezes, exagerado por autores diversos, nas suas opinies sociais, como Marshall MacLuhan ou Jacques Ellul, no podemos contudo negar a sua inuncia, e at o seu indispensvel contributo, na cria-o das instituies sociais e das atitudes culturais. O sentido altamente economicista que a palavra autogesto hoje evoca, no seno, por si mesmo, uma prova gritante do grau de apropriao que as palavras sofrem na sociedade industrial.

    24 - Basta, a este propsito, observar o lugar que a ciberntica tomou na linguagem cotidiana. Ns no pedimos j um conselho a algum, mas ns pedimos a sua retroao. Em vez de estabelecermos um dilogo, ns solicitamos uma entrada. Esta invaso sinistra do mundo do logos, entendido este enquanto razo, representa a subverso no s das interaes humanas, mas da prpria personalidade, enquanto fenmeno orgnico de desenvolvimento. O homem-mquina de La Mettrie integra hoje a sua propriedade moderna como um sistema ciberntico, no apenas a nvel fsico mas ao nvel da sua prpria subjetividade.

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    O termo auto, enquanto prefixo, e a palavra gesto tornam-se, no plano das idias e dos sentidos, opostos um ao outro. A idia de gesto tende a apagar a idia de au-tonomia. Pela influncia dos valores tecnocrticos sobre o pensamento, a autogesto, conceito fundamental a uma administrao libertria da vida e da sociedade, foi prete-rida a favor de uma estratgia de gesto eficaz e rentvel. Deste modo, a idia de autogesto cada v