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Alberto Melucci – Um Objetivo para os Movimentos Sociais? 1 Alberto Melucci Um Objetivo para os Movimentos Sociais? Cristina Kiki Mori

Alberto Melucci Um Objetivo para os Movimentos Sociais? · social' é um sistema de ação que liga orientações e significados plurais. (...) as análises têm de romper sua aparente

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Alberto Melucci – Um Objetivo para os Movimentos Sociais?

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Alberto Melucci

Um Objetivo para os Movimentos Sociais?

Cristina Kiki Mori

Alberto Melucci – Um Objetivo para os Movimentos Sociais?

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Após os anos 70: uma reavaliação teórica (pg. 49-52)

● Últimos vinte anos (déc. 70): novas formas de ação coletiva antes intocadas pelos conflitos sociais.

● Estruturas políticas e conceituais em crise, impulsionam ampliação do conhecimento empírico e redefinição das categorias analíticas.

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Após os anos 70: uma reavaliação teórica

Sociedades complexas contemporâneas

1. Novas formas de agregação social – de natureza permanente, não conjuntural. - Coexistem a outras categorias mais consolidadas, mas

são componente estável e irreversível dos sistemas sociais contemporâneos.

2. Função de socialização e participação “submersa” preenchida por novas formas de solidariedade conflitual, abrem novos canais para agrupamento e seleção de elites.

- Meios tradicionais de socialização política, inovação cultural e modernização institucional se redefiniram.

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Após os anos 70:uma reavaliação teórica

Sociedades complexas contemporâneas:

3. Controle da complexidade precisa cada vez mais se ocupar com a relação entre sistemas institucionais de representação e tomadas de decisão e novas formas de ação.

- As novas formas não são adaptáveis aos canais existentes de participação e às formas tradicionais de organização política.

● Resultados difíceis de prever, aumentando grau de incerteza nestes sistemas.

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Após os anos 70: uma reavaliação teórica

Estrutura teórica de análise

● Contribuição teórica dos anos 70: dualismo.

● Análise da ação coletiva:− como efeito de crises estruturais ou contradições;

ou− como expressão de crenças e orientações

compartilhadas.

● Impedem de ver ação social como sistema de relações.

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Após os anos 70: uma reavaliação teórica

Teorias a partir dos anos 70

● Isolamento/solidariedade (Tilly, 1975; Useem, 1980)

− Isolamento: teorias do comportamento coletivo e da sociedade de massa (Smelser, 1963; Kornhauser, 1959); − ação coletiva resultado de crise econômica e

desintegração social.− negligencia dimensão do conflito. Reduz ação a

patologia/marginalidade.

− Solidariedade: movimentos como expressão de interesses partilhados dentro de situação estrutural comum (condição de classe).− não explicam passagem das condições sociais à ação

coletiva (condição de classe para consciência de classe).

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Após os anos 70: uma reavaliação teórica

Teorias a partir dos anos 70

● Estrutura/ motivação (Webb, 1983)

● Estrutura: ação coletiva resulta da lógica do sistema (ênfase no contexto sócio-econômico)

● Motivação: ação resulta de crenças pessoais (ênfase no papel da ideologia e valores).

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Após os anos 70: uma reavaliação teórica

Teorias que ultrapassam dualismos

● Europa: ● Touraine (1973, 1978); Habermas (1976).● Abordagem estrutural, sistêmica. ● Mudanças no capitalismo pós-industrial explicam

surgimento de novas formas de conflito e novos atores.

● EUA: ● McCarthy & Zald (1973, 1977, 1979); Gamson

(1975); Tilly (1978)● Abordagem de mobilização de recursos.

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Após os anos 70: uma reavaliação teórica

● Melucci: movimentos devem ser examinados como sistemas de ação.

● Descobrir o sistema de relações internas e externas que constitui a ação.

● Problemas insolúveis:● Teorias estruturais: explicam o porquê, mas não

como. Hipotetizam sobre o conflito potencial sem considerar ação concreta dos atores.

● Teorias mobilização de recursos: explicam como, mas não porquê. Vêem ação como mero dado, não conseguem examinar significado e orientação.

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Após os anos 70: uma reavaliação teórica

Conclusões● A ação coletiva deve ser considerada como uma

interação de objetivos, recursos e obstáculos, como uma orientação intencional que é estabelecida dentro de um sistema de oportunidades e coerções.

● Movimentos como sistemas de ação que operam num campo sistêmico de possibilidades e limites.

● Organização: ponto crítico de observação. − Modo como os atores constituem ação é conexão concreta entre

orientações e oportunidades e coerções sistêmicas.

● Aproveitar o legado dos anos 70: concentração no como, sem negligenciar o porquê.

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Sobrecarga política (pg. 52-54)

● Inovações importantes em relação a análises norte-americanas que reduzem movimentos a crenças ou comportamento de massa:

● Conceito de estrutura de oportunidade política (Tarrow): relevante para análise da ação coletiva como um sistema.

● “Paradigma de interação múltipla” (Kriesberg, 1981, 1982)

● Problema: concentram análise no nível político mais do que na “sociedade civil”.

● Conflitos reduzidos ao sistema político.

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Sobrecarga política

– Nível político é apenas um aspecto. ● Conflito freqüentemente pode afetar o modo de

produção ou vida cotidiana das pessoas.

– Motivação não apenas “econômica” (cálculo custo-benefício).

– Buscam também solidariedade e identidade (não mensuráveis ou calculáveis). Pizzorno (1983) e Melucci (1982).

– Movimentos dos anos 80: concentram-se na necessidade de auto-realização.

● Contestam lógica do sistema nos campos culturais e na vida cotidiana.

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Sobrecarga política

– Abordagens de mobilização de recursos e teorias de troca política: afastam-se dos paradigmas anteriores, baseados no interesse de classe ou valores partilhados.

– Refletem clima cultural mutante, e problema de administrar a incerteza em sistemas complexos.

– Abordagem exagera função da política, enquanto movimentos se deslocam para terreno não-político.

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Sobrecarga política

● Conflitos sociais contemporâneos afetam sistema como um todo.

● Ação coletiva não é apenas para trocar bens

num mercado político.

● Movimentos contemporâneos possuem orientação antagônica que surge de e altera a lógica das sociedades complexas.

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O que é um movimento? (pg. 54-57)

● Movimentos são difíceis de definir conceitualmente e dificilmente se pode comparar definições.

– Tarrow (1983) ajuda a esclarecer distinção entre:● movimentos (formas de opinião de massa)● organizações de protesto (formas de organizações

sociais)● eventos de protesto (formas de ação).

– Tilly (1978): “um movimento social é um fenômeno de opinião de massa lesada, mobilizada em contato com as autoridades” (pg. 55).

● Exemplo de generalização empírica (não analítica).

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O que é um movimento?

● “Um movimento raramente atua de maneira concertada e sua existência deve ser inferida das atividades de organizações que reivindicam representá-lo” (Tarrow, 1983).

● Abordagem de mobilização de recursos enxerga toda forma de ação política não-institucional como movimento social. – Perigo: palavra “movimento” se tornar sinônimo

de tudo que muda na sociedade.

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O que é um movimento?

● Definição de protesto:– Se considerado como todo confronto com as

autoridades, também reduz ação coletiva à dimensão política.

● Há, para Melucci, necessidade de mudar de definições empíricas para definições analíticas.

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O que é um movimento?

Abordagem atual

● Pressupõe unicidade do movimento

● Acredita que unicidade fornece explicações satisfatórias sobre origens e orientação.

● Vê movimento como personagem que atua na cena histórica com unidade de consciência e ação.

● Movimentos dispendem grande parte de seus recursos tentando manter unidade e certa homogeneidade.

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O que é um movimento?

– Ao considerar um movimento como personagem, análise ignora que unidade é mais resultado do que ponto de partida.

● Esta visão demanda assumir que há uma espécie de “espírito” oculto do movimento, ao invés de considerá-lo como um sistema de relações sociais.

– “O que é empiricamente chamado de 'movimento social' é um sistema de ação que liga orientações e significados plurais. (...) as análises têm de romper sua aparente unidade e descobrir os vários elementos nela convergentes e possivelmente tendo diferentes conseqüências.” (pg. 56).

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O que é um movimento?

● O significado de uma ação coletiva depende de seu sistema de referência e de suas dimensões analíticas.

● Melucci define analiticamente movimento social como ação coletiva:a) baseada na solidariedade b) desenvolvendo um conflitoc) rompendo os limites do sistema em que ocorre a

ação.

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O que é um movimento?

● Movimentos não possuem a unidade que proclamam.

● Movimentos não devem ser reduzidos à patologia social ou ao comportamento agregado.

● “A delinqüência pode ser tratada, as reivindicações podem ser negociadas, mas o comportamento antagônico não pode ser inteiramente integrado” (pg. 57).

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A esfera de ação dos movimentos contemporâneos (pg. 58-60)

● Nova esfera de conflitos – sociedades capitalistas pós-industriais, complexas ou avançadas (sintoma do impasse atual).

● Desenvolvimento do capitalismo requer intervenção crescente nas relações sociais, sistemas simbólicos, identidade individual e necessidades.

● Os bens “materiais” são produzidos e consumidos com a mediação dos gigantescos sistemas informacionais e simbólicos.

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A esfera de ação dos movimentos contemporâneos

● Conflitos sociais saem do tradicional sistema econômico-industrial para as áreas culturais: afetam identidade pessoal, o tempo e o espaço na vida cotidiana, a motivação e os padrões culturais da ação individual.

● Revelam uma mudança maior na estrutura dos sistemas complexos e novas contradições aparecem, afetando sua lógica fundamental.

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A esfera de ação dos movimentos contemporâneos

Sistemas complexos

– Dependem e aumentam capacidade autônoma das identidades pessoais e coletivas.

● não sobrevivem sem certa capacidade autônoma dos elementos individuais de produzir e receber informação nas redes informacionais complexas.

– Precisam cada vez mais de integração, que demanda controle sobre o processo pelo qual as pessoas dão significado às coisas e às suas ações.

● Poder microfísico (Foucault, 1977); ou mudança de natureza externa para “interna” (Habermas, 1976).

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A esfera de ação dos movimentos contemporâneos

● Conflitos anos 80: revelam estas novas contradições.

● Surgem nas áreas do sistema que estão ligadas aos investimentos informacionais e simbólicos mais intensivos e expostos às pressões maiores pela conformidade.

● Atores dos conflitos: cada vez mais temporários.

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A esfera de ação dos movimentos contemporâneos

– Função dos movimentos: revelar os projetos, anunciar à sociedade que existe um problema fundamental numa dada área.

– Crescente função simbólica (espécie de nova mídia).

– Lutam por projetos simbólicos e culturais, por um significado e uma orientação diferentes da ação social, e não meramente por bens materiais ou aumento de sua participação no sistema.

– Acreditam que a gente pode mudar nossa vida cotidiana quando lutamos por mudanças mais gerais na sociedade.

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A esfera de ação dos movimentos contemporâneos

– A esfera de ação e os projetos dos conflitos antagônicos devem ser definidos no nível sincrônico do sistema.

● A esfera de ação dos novos conflitos sociais é criada pelo sistema e por suas exigências contraditórias.

– Os atores podem ser definidos apenas levando em conta fatores diacrônicos e conjunturais, principalmente no âmbito do sistema político.

– A ativação de resultados específicos depende de fatores históricos e conjunturais.

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A esfera de ação dos movimentos contemporâneos

● Questões relevantes:

a) Como os atores coletivos administram seus recursos a fim de manter e desenvolver sua ação? Como eles interagem com seu ambiente, particularmente com os sistemas políticos?

b) Qual é a situação sistêmica e a orientação de um movimento?

– Sem responder à segunda questão, análises omitem novidade e conteúdo específico dos movimentos sociais emergentes.

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O padrão organizacional (pg. 60-62)

● Melucci prefere falar de redes de movimentos ou de áreas de movimento:

– uma rede de grupos partilhando uma cultura de movimento e uma identidade coletiva (Reynaud, 1982).

● Inclui organizações “formais” e “informais” que conectam núcleos de indivíduos e grupos a uma área de participantes mais ampla.

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O padrão organizacional

– Movimentos sociais estão mudando suas formas organizacionais, se tornando completamente diferentes das organizações políticas tradicionais.

– Adquirindo autonomia crescente em relação aos sistemas políticos.

– Subsistema específico: criou-se um espaço próprio para a ação coletiva nas sociedades complexas.

● São pontos de convergência de formas de comportamento diferentes que o sistema não pode integrar (conflitantes, desviantes, culturalmente inovadoras etc).

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O padrão organizacional

● Característica das redes de movimentos (Gerlach & Hise, 1970):

a) permitem associação múltipla;b) militância é apenas parcial e de curta duração;c) envolvimento pessoal e solidariedade afetiva é

requerida como condição para participação.

● Não é fenômeno temporário, mas uma alteração morfológica na estrutura da ação coletiva.

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O padrão organizacional

– Modelo bipolar: latência e visibilidade.● Pólos reciprocamente correlacionados.

– Latência: permite que as pessoas experimentem diretamente novos modelos culturais.

● Cria novos códigos culturais e faz com que os indivíduos os pratiquem.

– Visibilidade: grupos surgem para enfrentar autoridade política em decisão específica.

● Demonstra oposição à lógica que leva à tomada de decisão com relação à política pública.

● Indica ao resto da sociedade que o problema específico está ligado à lógica geral do sistema e que modelos culturais alternativos são possíveis.

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O padrão organizacional

– Nova forma organizacional é um objetivo em si mesma.

– Ação focalizada nos códigos culturais: a forma do movimento é uma mensagem, um desafio simbólico aos padrões dominantes.

– Profetas sem encantamento, praticam no presente a mudança pela qual eles estão lutando.

– Redefinem o significado da ação social para o conjunto da sociedade.

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O resultado e sistemas políticos (pg. 62-64)

● Para estes movimentos, o êxito ou o fracasso são, estritamente falando, conceitos sem significado.

● A própria existência do movimento é uma reversão dos sistemas simbólicos dominantes. Mas não é assim do ponto de vista político.

● O direito a ser reconhecido como diferente é uma das mais profundas necessidades na sociedade pós-industrial ou pós-material.

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O resultado e sistemas políticos

– O “êxito” de um movimento no campo político enfraquece o movimento, aumenta sua segmentação, leva alguns grupos à profissionalização e à burocratização, e outros ao sectarismo disruptivo.

– Evitar correia de transmissão: na passagem da latência à visibilidade, organizações de proteção exercem função de fornecer recursos financeiros e organizacionais para campanhas públicas sobre decisões específicas, ainda reconhecendo a autonomia das redes submersas.

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O resultado e sistemas políticos

Espaço público intermediário– Novo espaço político designado além da distinção

tradicional entre Estado e “sociedade civil”

● Função não é institucionalizar os movimentos, nem transformá-los em partidos.

● É fazer a sociedade ouvir suas mensagens e traduzir suas reivindicações na tomada de decisão política, enquanto os movimentos mantêm sua autonomia.

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O resultado e sistemas políticos

Conclusões

● Reivindicações conflituais e poder não podem ser mantidos pelos mesmos atores.

● Uma sociedade aberta aceita a coexistência de um poder criativo e de conflitos sociais ativos sem entrar em colapso.