Alceu Amoroso Lima - Tristão de Athayde

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     ALCEU AMOROSO LIMA – TRISTÃO DE ATHAYDE

    PERFIL DO ACADÊMICOQuarto ocupante da Cadeira 40, eleito em 29 de agosto de 1935, na sucessão de

    Miguel Couto e recebido em 14 de dezembro de 1935 pelo Acadêmico FernandoMagalhães. Recebeu os Acadêmicos Afonso Pena Júnior, Viana Moog, Gilberto Amado,

    Augusto Meyer, Dom Marcos Barbosa e José Américo de Almeida.

    Cadeira:

    40

    Posição:

    4

    Antecedido por:

    Miguel Couto

    Sucedido por:

    Evaristo de Moraes Filho

    Data de nascimento:

    11 de dezembro de 1893

    Naturalidade:

    Petrópolis - RJ

    Brasil

    Data de eleição:

    29 de agosto de 1935

    Data de posse:

    14 de dezembro de 1935

    Acadêmico que o recebeu:

    Fernando Magalhães

    Data de falecimento:

    14 de agosto de 1983

    BIOGRAFIA 

    Alceu Amoroso Lima, nasceu na cidade de Petrópolis, a 11 de dezembro de 1893. Filho de

    Manuel José Amoroso Lima e de Camila da Silva Amoroso Lima, faleceu em Petrópolis,Rio de Janeiro, a 14 de agosto de 1983.

    http://www.academia.org.br/academicos/miguel-coutohttp://www.academia.org.br/academicos/evaristo-de-moraes-filhohttp://www.academia.org.br/academicos/fernando-magalhaeshttp://www.academia.org.br/academicos/evaristo-de-moraes-filhohttp://www.academia.org.br/academicos/fernando-magalhaeshttp://www.academia.org.br/academicos/miguel-couto

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    Cursou o Colégio Pedro II e formou-se em Direito pela Faculdade do Rio de Janeiro em1913.

    Crítico literário e polígrafo adotou o pseudônimo de Tristão de Ataíde. Em 1926 publicou o

    livro "Afonso Arinos"- estudo crítico sobre a obra do escritor mineiro falecido em 1916.

    Em "Estudos" reuniu, em cinco séries, trabalhos de crítica datados do período 1927-1933,sendo considerado o crítico do modernismo.

    Convertido ao catolicismo por influência de Jackson de Figueiredo, Alceu tornou-se um dosmais respeitados paladinos da Igreja Católica no Brasil. Assumiu a direção do Centro DomVital, que congregava os líderes do catolicismo no Rio de Janeiro.

    Na década de 1930 é incansável a produção editorial de Alceu Amoroso Lima: "Introduçãoà Economia Moderna"(1930): "Preparação à Sociologia (1931); "No limiar da Idade

    Nova"(1935); "O Espírito e o Mundo"(1936); "Idade, Sexo e Tempo" (1938).

    Com a morte de Miguel Couto em 1934, Alceu Amoroso Lima candidata-se à vaga deixada

    na Academia Brasileira de Letras pelo ilustre clínico. Eleito, tomou posse no ano seguinte.

    Catedrático de Literatura Brasileira na Faculdade Nacional de Filosofia, foi um dosfundadores, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, foi Diretor de AssuntosCulturais da Organização dos Estados Americanos (1951).

    Alceu Amoroso Lima e Afrânio Peixoto eram concunhados e tiveram como sogro o autor do

    "Mauá", acadêmico, industrial e consagrado advogado Alberto de Faria.

    Além dos livros acima citados, desenvolveu Alceu grande atividade jornalística e ministroucursos sobre civilização brasileira em universidades estrangeiras, inclusive na Sorbonne e

    nos Estados Unidos. Como articulista o Jornal do Brasil, destacou-se no combate aoregime militar.

    BIBLIOGRAFIA 

    Crítica;

    Redenção, 1918; Afonso Arinos, 1922;

    em Estudos reuniu, em cinco séries, trabalhos datados do período 192!19"";

    # espírito e o mundo, 19"$;

    %ontribuição & hist'ria do modernismo, 19"9;

    (r)s ensaios sobre *achado de Assis, 19+1;

    oesia brasileira contempor-nea, 19+1;

    Estética liter.ria, 19+/;

    # crítico liter.rio, 19+/;

    rimeiros estudos, 19+8;

    Intro!"#o $ %it&rat!ra 'ra(i%&ira, 19/$;

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    0uadro sintético da literatura brasileira, 19/$;

    #lao ilac 3antolo4ia5,19/;

    Estudos liter.rios, or46Afr-nio %outinho, 19$$;

    *eio século de presença liter.ria, 19$96

    (eoria, crítica e hist'ria, or46 76*6 (eles, 198;

    Religião;Tentativa de itinerário, 1929; Adeus à disponibilidade, 1929;De Pio II a Pio XI, 1929;Freud, 1929; As repercussões do catoliciso, 19!2;"ontra#revolu$%o espiritual, 19!!;Pela a$%o cat&lica, 19!';(leentos de a$%o cat&lica,19!)#19*+;Dois randes bispos, 19*!#19**; A ire-a e o .ovo /undo, 19*!;/ensae de 0oa, 19';/edita$%o sobre o undo interior, 19'*; A vida sobrenatural e undo oderno, 19';3%o Francisco de Assis, 19)!;Tudo 4 ist4rio, 19)!5

    Pro'%&)a( (ociai(;reparação & sociolo4ia, 19"1;

    roblema da bur4uesia, 19"2;

    ela reforma social, 19"";

    a tribuna e da imprensa, 19"/;:o limiar da idade noa,19"/;

    *editação sobre o mundo moderno, 19+2;

    *itos de nosso tempo, 19+";

    # problema do trabalho,19+$;

    # eistencialismo, 19/1;

    Direito e política;Introdu$%o à econoia oderna, 19!;Introdu$%o ao direito oderno, 19!!;

    Pol6tica, 19!2;Indica$ões Pol6ticas, 19!5

    Pedagogia, psicologia, memórias;Debates peda&icos, 19!1;Idade, se7o e tepo, 19!);8uaniso peda&ico, 19**;o: de /inas, 19*';/an%s de 3%o

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    /eorando dos 9, or5 F5 Assis >arbosa, 19)*;ários pre=ácios e colabora$%o e diversos peri&dicos5

    TE*TOS ESCOLHIDOS

    O CR+TICO LITER,RIO

    Considero, a crítica literária não como uma atividade parasitária da literatura de criação e aela contraposta, mas como uma atividade autônoma, apenas distinta da atividade criadora,

    mas cheia de contatos com ela e representando, antes de tudo, uma concepção geral daexistência. Nisso está, creio mesmo, a grande dignidade e a grande responsabilidade da

    crítica literária, que passa assim, de atividade subordinada, a esforço intelectual livre eoriginal. E a esforço que implica não apenas em uma atitude analítica mas sintética; nãoapenas de comentário e julgamento, mas ainda de construção própria; não apenas deanotação aos livros estranhos, mas de visão própria; não apenas literária, mas vital. É umavisão geral da vida. Não uma visão livresca, nem só literária ou mesmo exclusivamenteestética. Alguém que faz da crítica a sua vivência habitual (e julgo indispensávelabrasileirar o espanholismo, tão justificável como existência, de existir) – não pode limitar-se a ver nela apenas um conjunto de anotações às atividades estéticas ou intelectuais dos

    outros. E a vida toda que tem diante dos olhos. Deve fazer da crítica um modo de exprimirsua própria visão total da vida. Tudo, portanto, entra no domínio da crítica, já que a

    atividade filosófica – contida na concepção geral da vida – compreende a universalidade

    das coisas, consideradas em suas relações mais gerais, em suas origens, em seus fins,em suas raízes. Filosofia, poesia e oração se tocam, intimamente, por essa insatisfaçãodas aparências. O crente, o poeta e o filósofo querem vencer, por suas próprias forças, aservidão das superfícies e penetrar no âmago das coisas, dos segredos, dos silêncios... Acrítica pertence a esse conjunto de atitudes no espírito. Criticar não é se prender a umaobra, a esta obra. Embora seja ela o seu objetivo direto e imediato, para vê-la bem, tem deultrapassá-la. Deve procurar ver tudo. Ver o conjunto das coisas. Procurar o que fica antes,por trás ou depois da obra. Considerar o conjunto das obras. Nunca perder de vista atotalidade da existência. Não se confinar nunca no recanto da realidade em que seencontra nem confundir o particular com o geral. A estreiteza de espírito é, por isso

    mesmo, um dos maiores defeitos de um crítico literário. É a negação formal da natureza desua própria atividade. Saber compreender, saber abrir-se ao real, ao real na sua infinitacomplexidade, eis um dos dons preliminares de todo crítico que se preza. A docilidade ao

    grande cântico das criaturas que se eleva de todos os recantos do universo, como umasinfonia infinita em que cada objeto tem o seu papel a desempenhar, em que cada atitude

    tem a sua razão de ser, – é o passo inicial, é a disposição preliminar para que exista críticaliterária e não apenas sectarismo crítico. É mister não confundir essa exigência preliminare essencial à própria natureza da crítica literária, de ter olhos para tudo, – com ocepticismo ou com o ecletismo. O céptico é aquele que não crê em nada e para quem,portanto, são indiferentes todas as atitudes. O crítico céptico não se abre a toda realidade.

    Fecha-se a ela, por começar justamente negando tudo aquilo que seja afirmação, crença,substância, permanência, vendo todas as coisas como um cenário fugaz de figuras mais

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    ou menos imaginárias. O eclético, ao contrário, crê em tudo; acha bons todos os pontos devista; não faz distinções entre erro e verdade, entre bom e mau, entre sim e não.Colocando-se no extremo oposto ao céptico, acaba confundindo-se com ele. Pois tanto faz

    aceitar ou rejeitar tudo, indistintamente. No fim, o que há é uma confusão total, uma totalindiferença e, portanto uma evasão da vida verdadeira, do drama do real. Abrir a sua

    inteligência a todo o real não é, portanto, excluir a discriminação das coisas e das pessoas.Longe disso. É justamente a condição indispensável para que essa discriminação se faça,

    não arbitrariamente ou na base de uma apreensão parcial da realidade, mas sobre umfundamento realmente inabalável. Abrir o espírito à compreensão de todas as coisas nãoé, portanto, equiparar tudo na linha de rejeição ou de aceitação total e indiscriminada. É justamente permitir que a apreciação crítica não seja uma anotação meramente subjetiva eunilateral, mas represente realmente uma visão geral das coisas.

    Essa visão se faz, entretanto, como ficou dito de início – “através das obras alheias”.

    Nisso se distingue, de modo formal, a crítica da filosofia. Não se trata de uma interpretaçãodireta e sim indireta do universo. No primeiro caso teríamos uma atividade puramente

    filosófica, pois pensamos filosoficamente quando meditamos diretamente sobre a essênciados seres e suas manifestações. A crítica opera sempre de modo indireto. Seu objetoimediato não são os seres naturais e sim entidades acrescentadas à natureza. Não a estae sim à arte e aos frutos de sua atividade é que se aplica o esforço intelectual do crítico.As obras de arte é que são o objeto imediato da crítica literária, como dissemos nasegunda parte de nossa definição inicial. A elas se aplica diretamente a nossa atenção.Em torno delas gira toda a nossa atividade. A medida do valor do que fazemos, como

    críticos, é a obra alheia a que aplicamos a nossa inteligência. Por isso mesmo é quedevemos sempre, nos críticos, distinguir a sua visão geral da vida e a sua visão particulardas obras, através das quais o crítico elabora a sua filosofia. Sucede, mesmo, que essa

    atividade em relação às obras é a mais importante. Um crítico vale o que valem os seus julgamentos sobre as obras que analisa. Sua visão geral da vida é secundária em relação

    à sua apreciação das obras. Esta é que especifica a sua atividade. É a causa formal desua condição de crítico. Digo isso, desde logo, para não pensarem que coloco as obrasalheias como simples pretexto ou mesmo como simples instrumento de meditaçãofilosófica de um crítico. Julgo que as duas atividades são complementares. Não há crítica,verdadeiramente, sem uma filosofia da vida e sem um julgamento das obras. Quando se

    dissociam as duas faces da mesma realidade, mutila-se também a nossa atividade. Epassamos então, ou a relegar os autores e as obras para um plano secundário e portantoa sacrificar a atividade crítica precípua às nossas intenções metacríticas. Ou então,desdenhamos dessa metacrítica para nos prendermos apenas a uma espécie depositivismo crítico que é tão mutilante para a natureza total dessa posição do espírito,

    como é a exclusão sistemática da metafísica dentro de um sistema de ciências meramenteexperimentais ou naturais.

    Visão da vida através das obras alheias, e destas através daquela, exige a crítica,portanto, uma perene retificação para não nos deixarmos vencer - nem pela tentação do

    abandono das obras e dos autores, em benefício de uma constante afirmação do nossoeu, da nossa própria visão das coisas - em que a obra alheia entre apenas como um

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    estímulo inicial - nem pelo apagamento exagerado do nosso próprio eu, para nosconfinarmos no papel de simples reflexos da obra alheia. No equilíbrio justo entre essesdois pólos está a linha mestra do nosso roteiro crítico mais autêntico.

    De um lado a necessidade da visão dando à crítica a sua grandeza natural. “Where there

    is no vision, art and literature perish”. De outro o dever de colocar a obra estudada nocentro imediato de sua cogitação e de não a converter em simples elemento ou pretextopara ilustrar um sistema de interpretação geral das coisas. A visão é, pois, indispensável

    para dar à atividade crítica todo o seu âmbito e o seu equilíbrio total. Mas a obra é querepresenta a realidade concreta e imediata com a qual o crítico tem de se haver. Por ela

    começa toda essa aventura apaixonada, caminho da crítica literária, em suas numerosasvicissitudes, que vamos tentar seguir, ao menos em suas linhas mestras, ao longo deste

    ensaio, fruto de vinte e cinco anos de experiência pessoal por essas regiões já tãoexploradas.

    A posição do crítico em face da obra alheia se processa em três fases, que podemoschamar de preparação, leitura e redação.

    (O Crítico Literário, Alceu Amoroso Lima)

     

    MACHADO DE ASSIS- O CR+TICO

    Perdeu-se, em Machado de Assis, um dos maiores dos nossos críticos. O conceito deMário de Alencar, vendo na vocação crítica - "a feição principal do seu engenho", creio quepode ser perfeitamente ratificada. Entre as grandes famílias espirituais em que se podemdistribuir os escritores, creio que duas das mais importantes são - a dos criadores e a dos

    críticos. Cada uma delas exige qualidades psicológicas particulares, se bem quedesenvolvidas num terreno intelectual comum, pois a crítica literária é uma forma de

    criação, como esta participa também do gênio crítico. No criador predominam asqualidades de invenção, de fantasia, de vida, de originalidade, de síntese. No crítico, as de

    bom gosto, de cultura, de sensibilidade receptiva, de análise. O criador é um impulsivo, ocrítico um receptivo. No criador trabalham as forças de inovação. No crítico as de

    apreciação. O criador é a verve , o crítico o "gosto", segundo a distinção de Diderot. Numpredomina a afetividade, no outro a inteligência.

    Como o ser humano é um só, não há criador que não seja um crítico latente, como não hácrítico que não possua em si os elementos de um criador. O gênio literário é aquele que semove indistintamente nos dois terrenos e em ambos se sente perfeitamente à vontade.

    Machado de Assis foi um crítico malogrado. Cultivou o gênero no alvorecer de sua vida

    literária. E logo, com tanta inclinação para o mesmo, que em 1865 pode traçar as páginasdo Ideal do Crítico, que, de certo modo marcaram, não só um conceito modelar de crítica

    literária, mas ainda o padrão que o devia guiar toda a vida nas escassas mas expressivasproduções que do gênero nos legou.

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    O que distinguia desde logo a sua concepção e a crítica era o alto apreço em que a tinha.E que manteve por toda a vida. Considerava a crítica, em 1865, como "a melhor obra dosnossos dias". E nunca, até morrer, teve uma palavra de desconsideração por uma

    atividade literária que abandonou, por ter optado pela vertente oposta, onde os críticos emgeral são tratados com azedume. Parece, pois, ter mantido toda a vida o ideal crítico, que

    traçara na mocidade. A crítica era então, para ele, não apenas um devaneio ou umaapreciação acidental, mas uma atividade grava e indispensável, um gênero literário

    fundamental, uma verdadeira magistratura das letras. Não considerava a crítica comoAnatole France - simples passeio do leitor pelas obras, mas como Sainte-Beuve. Nãopugnava, nem pelo Impressionismo à maneira de Lemaire, nem pelo Determinismo críticoà maneira de Taine, que iria mais tarde florescer por aqui. O crítico era para ele ummagistrado. Era um dos poderes na República das Letras. Para Machado o PoderLegislativo, nessa República, era representado pelos Clássicos, pela Tradição, pelas "leispoéticas", pela Gramática. O Poder Executivo eram os autores, em prosa ou verso. E oPoder Judiciário, os críticos. Da harmonia desses três poderes, não explícitos masimplícitos na estética do mestre, derivavam a paz e o progresso das letras.

    O Poder Legislativo fornecia as leis fundamentais do Estado literário, sem as quais tudoseria desordem, anarquia e regresso. Machado sempre foi um inimigo da improvisação. Sólhe parecia fecunda a inspiração que obedecesse às regras da liberdade literária. Escreverbem, para ele, não era apenas obedecer ao movimento espontâneo de um talento inato.Era dominar a expressão, depurar o estilo, procurar a palavra justa, vencer o tumulto da

    criação sem lhe arrancar a espontaneidade. "Nem descuido, nem artifício: arte", eis o lemade sua arte poética. As qualidades que louvava no escritor eram sobretudo aquelas que se

    conquistavam com esforça e pertinácia. A perfeição - eis a medida de todo escritor que sepreza. E esse amor da perfeição, fruto da vontade e do tempo, não é apenas um conselho

    mas um preceito. "Com os anos, adquire-se a firmeza, domina-se a arte, multiplicam-se osrecursos, busca-se a perfeição que é a ambição e o dever (sic) de todos os que tomam dapena para traduzir no papel as suas idéias e sensações." Sempre censurou o desleixo daforma, e louvou o cuidado com ela. Sempre se insurgiu contra a preocupação de produzirmuito, com sacrifício do polimento da obra. Não tolerava a poesia que desprezasse adisciplina do verso . Julgava mesmo que "a boa versificação é uma condição indispensávelà poesia". O poeta devia disciplinar a sua inspiração, para melhor aproveitar os seusefeitos estéticos e expressivos. Era um cultor dos clássicos, que lia e citava

    freqüentemente em toda sua obra, até mesmo nos romances, e louvava aqueles que notrato com os velhos mestres da língua aprimoravam o seu instrumento literário e mesmo o

    seu talento expressivo. Esses participavam da "boa" doutrina literária e portanto os quedesdenhavam dos clássicos pecavam contra as leis que devem governar a literatura.

    Louva, por exemplo, em Porto Alegre, "um espírito educado nas boas doutrinas literárias,robustecido por fortes estudos, afeito à contemplação dos modelos clássicos".

    Não quer tampouco a linguagem afetada por solecismos ou derivando ao correr da pena esim cuidada e polida, sem influências estrangeiras ou vulgares. "Entre os muitos méritos

    dos nossos livros nem sempre figura o da pureza da linguagem. não é raro ver

    intercalados em bom estilo os solecismos da linguagem comum. Defeito grave, a que se junta o da excessiva influência da língua francesa."

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    Vê-se, pois, que a literatura para Machado de Assis não era uma selva despoliciada, emque os escritores andassem à solta, guiados apenas por seus instintos poéticos, e simuma cidade civilizada, em que a vida fosse mais apurada justamente pelo fato de

    dominarem, não a licença individual mas as leis da convivência humana. A beleza é umfruto da obediência à lei e não da anarquia e da revolta. O Poder Legislativo era, portanto,

    para Machado de Assis, um órgão fundamental da República Literária. Ele se mostrousempre partidário da literatura dirigida e não do liberalismo artístico...

    E a quem cabia a aplicação dessas leis poéticas elaboradas pelos Clássicos da língua,pela Tradição, pelo Bom Senso? Justamente aos críticos. Uma literatura só progride

    quando possui uma crítica que a policie e anime a produção literária. A ausência dessacrítica, na literatura brasileira do seu tempo (em 1859 ou em 1875) era o principal motivo

    do marasmo que ia pelos arraiais literários. Em 1865 escrevia - "Com que largos intervalosaparecem as boas obras! Como são raras as publicações seladas por um talentoverdadeiro!...Quereis mudar essa situação aflitiva? Estabelecei a crítica". (...)

    O Poder Executivo dessa bela República, de que o próprio Machado foi em nossa história

    literária a figura culminante, não era um Poder Arbitrário, que eliminasse ou escravizasse asi os dois outros poderes dessa Democracia Cultural. E sim o poder supremo, dentro dainterdependência e da harmonia, segredo da prosperidade geral das letras. Os poetas eprosadores que constituíam esse Poder Supremo deviam pois respeito e obediência aosditames dos dois poderes suplementares - as leis do bom gosto e as decisões da críticahonesta.

    E essa devia guiar-se, na alta responsabilidade das suas funções por qualidades queMachado enumera desde o alvorecer de sua carreira literária e nunca repudiou, antessempre aplicou, nas poucas vezes em que, no decorrer da sua vida de romancista-ensaísta, voltou a particar de passagem atividades críticas. Essas qualidades eram: aciência e a urbanidade; a consciência e a perseverança; a coerência e a tolerância; aindependência e a imparcialidade.

    Foram essas as oito virtudes cardeais que Machado de Assis atribui ao exercício damagistratura crítica em sua República Literária. Podia-se com elas constituir,desenvolvendo-as à luz de toda a sua obra, um pequeno código de crítica, que até hoje

    conserva a sua atualidade, e merece ser aplicado. Louva essas qualidades comoindispensáveis à "crítica fecunda", única que merece ingresso na Cidade das Letras, pois a"crítica fértil" é filha daquilo que ele chama - "as três chagas da crítica de hoje: o ódio, a

    camaradagem e a indiferença".

    Machado de Assis foi um clássico, um delicado, um casto, um aplicado, nunca improvisou,

    nunca amou o sensacionalismo, o imoralismo, a hipérbole, e cultivou ao contrário odiscernimento, o respeito às leis poéticas, às boas doutrinas literárias, ao bom gosto, à

    correção do estilo, à madureza da reflexão, à constância no estudo dos caracteres ou nopolimento do vernáculo, a tudo enfim o que de bom indicou nesse código do bom gosto

    que está esparso em seus escassos mas fortes estudos críticos.

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    Foi o crítico malogrado, talvez porque sentiu entre o seu temperamento de tímido e asexigências da sua concepção da Crítica como uma magistratura literária, - uma distânciaexagerada e quiçá uma contradição invencível. Que fez? Fundiu o crítico no romancista. E

    deu-nos, num só planalto, a soma de duas vertentes.

    T. DE A. (Machado de Assis, Obras completas, volume III, 1962)

     

    ELITES E MASSAS

    À medida que vamos penetrando no âmago desta solene Declaração de DireitosUniversais do Homem, vamos também notando o seu caráter analítico e não sintético, querevela uma codificação mais de tipo anglo-saxônico do que latino. O modelo da codificação

    de tipo latino foi, sem dúvida, o Código Napoleônico, cuja concisão é tão admirável que ésabida a declaração de Stendhal de ler todas as manhãs um artigo, ao menos, do CódigoCivil de Napoleão" como exercício de estilo"! As leis inglesas e norte-americanas são, emgeral, prolixas e portanto de um estilo, de fundo "romântico", que Stendhal abominava. Por

    outro lado, esse estilo analítico anglo-saxônico revela um caráter tópico desse sistemalegislativo: o da sua elaboração indutiva a partir dos costumes. Ao passo que o estilo

    sintético latino revela o caráter dedutivo de sua elaboração, a partir da razão mais que dosfatos. Daí a flexibilidade concreta da legislação de tipo anglo-saxônico, e a rigidez bem

    mais abstrata da legislação de tipo latino. Talvez por esse motivo é que os elaboradoresdesse admirável documento preferiram para o seu título o temo Declaração ao termo

    Código. Este possui uma conotação mais rigorosa e inflexível do que a adotada,precisamente para significar que essas regras universais partiram da observação dos fatose não de uma dedução ideológica e devem ser aplicadas em harmonia com osacontecimentos históricos e com as circunstâncias sociais e não como um enquadramentodisciplinar. Quando confrontamos o quadro ideal dessa Declaração de Direitos com ascondições imperfeitas, senão catastróficas, do momento histórico que vivemos,compreendemos bem a justificativa desse realismo na elaboração, na apreciação e naaplicação desse magnífico esboço de uma sociedade jurídico-moral perfeita.

    O artigo VI da Declaração está assim redigido: "Todo homem tem o direito de ser, em

    todos os lugares, reconhecido como pessoa perante a lei."

    Embora subentendido desde o primeiro artigo, nunca é demais que se relembre essacondição predeterminante da cada membro da sociedade, em qualquer sítio ou condiçãoem que se encontre, seja nacional ou estrangeiro, seja inocente seja culpado, seja ummembro útil ou inútil da coletividade, como pessoa humana, isto é, uma entidade em si enão apenas como um elemento passivo ou uma parte apenas de um todo social.

    Sabemos que uma das tendências características dos tempos modernos, em qualquerregime político ou situação geográfica e social, é para uma civilização de massas. O

    próprio crescimento demográfico acelerado da humanidade, em conseqüência dosprogressos científicos no trato da saúde humana, leva naturalmente a essa tendência à

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    vida aglomerada e citadina, em megalópoles cada vez mais concentradas, em que oindivíduo tende a ser facilmente transformado em robô e integrado em organismosanônimos. Foi, sem dúvida, o exagero de uma civilização burguesa, de tipo individualista,

    que está levando a vida moderna, em todos os continentes, a um novo tipo de civilizaçãocada vez mais coletivista. Não se trata, na aplicação desse artigo, de propor qualquer

    retrocesso ao individualismo. E sim o respeito a uma exigência intrínseca, tanto danatureza do homem como da natureza da sociedade. O personalismo é o oposto do

    individualismo, por mais que possa confundi-los o mau emprego de uma terminologiapouco usual. Não se opõe, porém, de modo algum à socialização imposta pelas condiçõessociais e pelos deveres que a comunidade impõe a cada um de seus membros. Atendência à civilização de grandes massas humanas, nas quais se integrem naturalmentesuas elites culturais e morais, é um tendência irreversível. Não se trata de negar aexistência das elites. Mas de impedir que se oponham elites a massas como se asprimeiras fossem os únicos elementos ativos da sociedade e as massas elementospassivos.

    Quando Pio XII falou da necessidade de transformar as massas em povo, aceitava essaconcepção de massas como sendo um elemento passivo ou mesmo negativo nassociedades. O nome não importa. O que importa é reconhecer que a civilização moderna,quaisquer que sejam as circunstâncias de sua mutação em processo, tende a dar àsmassas uma importância cada vez maior, tanto na satisfação de suas necessidadesfundamentais, como em sua participação ativa na sociedade, através da alfabetização

    universal, da cultura popular, dos meios modernos de comunicação e assim por diante.

    A hipertrofia do conceito de elite é tão errada como sua confusão com uma estruturaaristocrática de sociedade. A passagem da sociedade feudal à sociedade burguesa deuênfase exagerada ao conceito de elite, como se esta viesse substituir a nobreza do antigo

    regime. O liberalismo político e econômico pretendeu substituir os privilégios de sanguepelos de saber e sobretudo de fortuna. As elites econômicas, sobretudo a chamada

    plutocracia, é que vieram substituir a aristocracia do regime feudal ou monárquicoabsoluto. E com isso se processou um abismo crescente entre elites (ou falsas elites) emassas, que teve conseqüências desastrosas para os destinos da sociedade moderna.Inclusive o de introduzir o preconceito de tratar as massas como aglomerados indistintosde criaturas humanas e só as elites como coexistência da unidades distintas às quais

    então se reservava a condição de personalidade.

    Massas e elites formam uma só unidade, dentro de uma sociedade racionalmenteorganizada. A diferença que as distingue está ou, antes, deve estar no valor qualitativo daspessoas, individualmente consideradas, e não dos grupos ou classes a que pertencem. Oconceito de elite não é um conceito de grupo ou de classe, mas de qualidade individual. Aselites nas massas e as massas nas elites são o fim a que deve tender toda sociedade bemorganizada. E para isso é mister que "todo homem tenha o direito de ser, em todos oslugares, reconhecido como pessoa perante a lei".

     A LIBERDADE RELIGIOSA 

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    O problema crucial da liberdade religiosa é de que trata o artigo seguinte, o artigo XVIII.

    "Art. XVIII - Todo homem tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião;este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestaressa religião ou crença pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou

    coletivamente, em público ou em particular."

    Esse é outro dos direitos que parecia definitivamente adquirido pela civilizada moderna.Um dos méritos do liberalismo foi, sem dúvida, tentar destruir privilégios tradicionalmenteligados à raça, ao sangue, à força, à religião, através do conceito de igualdade de direitos.O erro do liberalismo foi não estender esse conceito à via econômica, mantendo asdesigualdades econômicas como invectiváveis e até mesmo... providenciais. Foi essecalcanhar de Aquiles que o liberalismo está vendo seus méritos desconhecidos e

    arrastados pelo mesmo turbilhão provocado por seus erros. E um desses méritos quepassou a ser desconhecido foi, precisamente, o da liberdade de consciência. Enquanto o

    elemento religioso predominou, tanto nas sociedades pagãs como nas sociedades cristãs,a religião se tornou um privilégio, diretamente ligado ao reconhecimento dos direitos

    individuais. A luta pela dissociação entre os direitos individuais, pertencentes à naturezahumana, independente de fé religiosa e essa profissão de fé, ligada a cada ser humano emparticular, e não a essa condição de membro da espécie humana (pois a fé é umarevelação e uma instrução ("ex auditu") acrescentada à natureza humana e não inatanela), foi extremamente lenta e penosa. Parecia, entretanto, que o racionalismo do séculoXVIII, no que teve de positivo, tinha alcançado esse objetivo, dissociando o Direito daReligião, cada qual com sua autonomia própria. Mesmo aqueles que reconhecem as

    origens divinas, últimas, do Direito, em suas raízes nas leis providenciais do universo, nãonegam ou pelo menos não devem negar a autonomia dos direitos humanos em face da féreligiosa. Essa luta pelo reconhecimento do chamado Direito Comum foi um dos grandes

    méritos do liberalismo. Acontece, porém que esse desconhecimento das raízes autônomase absolutas do Direito, seja na Natureza Humana seja na Lei Divina, levou ao positivismo

     jurídico e à subordinação gradativa do Direito à Política, depois de tê-lo libertado daReligião. E a emenda foi então pior que o soneto. E o Direito veio a perder totalmente, emmuitos casos, sua autonomia, passando a subordinar-se ao arbítrio e às vicissitudes dasrevoluções políticas e à transferência do poder econômico.

    A liberdade de religião, então, que parecia garantida pelo reconhecimento da autonomia,tanto do Direito como da Religião, pelo liberalismo, veio de novo a ser atacada, já agorapor motivos opostos. Já agora, não era o privilégio de uma Religião, que desfavorecia asoutras religiões, mas o privilégio do Estado, a-religioso, que vinha criar obstáculos àliberdade religiosa, qualquer que fosse.

    Nos Estados confessionais, como a Espanha, por exemplo, vemos a religião do Estado(que é no caso o catolicismo) criando obstáculos à liberdade de outras religiões. O mesmoacontece nos Estados muçulmanos, com os privilégios concedidos ao islamismo. E assimcom o budismo, o xintoísmo ou os cultos animistas, em outros Estados, asiáticos ou

    africanos.

  • 8/19/2019 Alceu Amoroso Lima - Tristão de Athayde

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    A sabedoria da regra de liberdade, consignada neste artigo, é que se coloca acima davariedade "de fato" dos cultos religiosos, sem procurar definir qual deles o verdadeiro equais os falsos., Podemos nós, cristãos, como os muçulmanos ou outros, considerar que a

    verde religiosa não pode ser entregue ao indiferentismo. Pode haver muitos caminhos dechegar à Verdade Suprema - e a verdade religiosa é a única verdadeiramente suprema,

    pois transcende as próprias medidas humanas. Mas isso não impede que reconheçamosque uma coisa é a verdade religiosa "em si" e outra a sua coexistência com outros tipos de

    religião, que invocam igualmente a verdade como lhes pertencendo. O único meio racionalde dirimir essas posições opostas é precisamente o de distinguir o estado de exigênciadoutrinária do estado de convivência social de fato. E é precisamente esse ponto que todoo artigo da Declaração ora comenta. Não se trata de dirimir situações sociológicas. Enesse pontoe é o bom senso, é a observação histórica, é o raciocínio prático que noslevam ao "pluralismo social". Podemos dizer que o verdadeiro humanismo é naturalmentepluralista. A unidade que existe entre todos os homens precede a variedade, mas nãosubsiste praticamente sem o reconhecimento desta. Daí a superioridade intrínseca daconcepção pluralista, especialmente numa sociedade de tipo crescentemente"universalista" como a nossa, da era industrial e tecnológica que estamos vivendo. Todo

    unitarismo, hoje em dia, resulta num despotismo, em que a liberdade religiosa é arrastadade roldão com outras imunidades, que a sabedoria dos séculos tinha lentamente

    elaborado. Este artigo é fruto dessa sabedoria. Há meio século talvez parecesse, comooutros, supérfluo ou redundante.

    Hoje nos parece cada vez mais atual. Vimos, por exemplo, como no próprio âmbito daIgreja Católica, cujo culto é tradicionalmente dirigido pela razão (a ponto de Bernard Shaw

    ter lançado um de seus muitos paradoxos, ao dizer que nunca seria católico por ser aIgreja "excessivamente racionalista"), foi difícil chegar ao ecumenismo. O texto relativo à

    liberdade de consciência, durante o Vaticano II (redigido pelo saudoso jesuíta "father"Murray, cujo conceito de liberdade foi tão combatido pelos antiliberais, como foi o deMaritain), foi refundido sete vezes e não chegou a uma forma satisfatória. Mais simples emais aceitável, do ponto de vista puramente sociológico como é o desta Declaração, é oque está consubstanciado neste artigo.

    Nele estão bem especificadas as diversas facetas da atitude religiosa ou não, impedindoque uma impeça socialmente a liberdade de e outra. e garantindo, com isso, o direito da

    explicitação da fé e de sua transmissão educativa até hoje negada por legislaçõestotalitárias que, garantindo em princípio a liberdade religiosa, tudo fazem "na prática" paraimpedi-la ou limitá-la. O recrudescimento das paixões religiosas ou anti-religiosas, emnosso tempo, é um prova da vitalidade e da atualidade do sentimento religioso que tantos já deram como definitivamente extirpado da espécie humana. Mas justamente por isso é

    que as liberdades garantidas neste artigo, básicas para a coexistência pacífica dahumanidade, devem ser enfaticamente garantidas e praticadas por todas as legislações; o

    que infelizmente ainda está longe de acontecer em nossos dias de paixões contraditóriasdesencadeadas.

    (Os Direitos do Homem e O Homem sem Direitos, 1974.)

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