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ÁLCOOL E FÍGADO

Álcool e Fígado

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ÁLCOOL E

FÍGADO

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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL

Reitor: Prof. Ruy Pauletti / Vice-Reitor: Prof. Luiz Antonio Rizzon / Pró-Reitor de Planejamento e Desenvolvimento Institucional: Prof. José Clemente Pozenato / Pró-Reitora de Graduação: Profª Liane Beatriz Moretto Ribeiro / Pró-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa: Prof. Luiz Antonio Rizzon / Pró-Reitor de Extensão e Relações Universitárias: Prof. Armando Antônio Sachet / Pró-Reitor Administrativo: Prof. Enestor José Dallegrave / Chefe de Gabinete : Profª Gelça Regina Lusa Prestes / Coordenador da EDUCS: Prof. Mário Gardelin.

Conselho Editorial da EDUCS: Prof. Mário Gardelin (Presidente) / Prof. Jayme Paviani / Jimmy Rodrigues / Luiz Antônio Assis Brasil / Prof. Paulo Luiz Zugno / Prof. Sílvio Paulo Botomé.

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MILTON SÉRGIO BERTELLI FÁTIMA MARIA CONCI

com a colaboração de ÂNGELO ALVES DE MATTOS

MAURO SÉRGIO BERTELLI MÔNICA SOLDATELLI PAVIANI

SÉRGIO G. S. DE BARROS

ÁLCOOL E

FÍGADO

EDUCS

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Universidade de Caxias do Sul 1997

© by Milton Sérgio Bertelli, Fátima Maria Conci e colaboradores 1ª edição: 1997

Editoração e composição Suliani – Editografia Ltda. R. Veríssimo

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) Biblioteca Central – Universidade de Caxias do Sul – Caxias do Sul, RS

Bertelli, Milton Sérgio, 1933- Álcool e fígado / Milton Sérgio Bertelli, Fátima Maria Conci e colabo-

radores. – Caxias do Sul: EDUCS, 1997. 219 p.: il. Bibliografia ISBN 1. Fígado – Patologia – 2. Cirrose hepática I. Conci, Fátima Maria II.

Título CDU 616.36 616.36-004

Direitos reservados: EDUCS Editora da Universidade de Caxias do Sul Rua Sinimbu, 387 – Bairro de Lourdes – Caixa Postal 1352

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Tel.: (054)222.7667 95001-970 – Caxias do Sul – RS

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Ao Nélson Pedrinho Ferrarri, professor e médico, que soube ser colega leal e amigo de todas as horas, fica aqui nossa saudade. Ao Farjala Catan, professor e médico que, pela convicção de suas idéias, retidão de caráter e pelo entusiasmo com que abraçava suas causas, fica nossa admiração.

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Agradecimentos

Queremos expressar aqui nossa gratidão aos professores médicos ÂNGELO MATTOS por transmitir toda sua experiência no capítulo sobre “Peritonite Bacteriana Espontânea”; e SÉRGIO BARROS pelo capítulo atualizado de “Hepatite C e Álcool”. Certamente, a presença destes dois renomados nomes da hepatologia brasileira enriquece sobremaneira esta obra. Ao médio MAURO SÉRGIO BELLÓ BERTELLI, pela atualização e colaboração no “Tratamento da Encefalopatia Hepática”. À médica MÔNICA PAVIANI pela revisão exaustiva e precisa sobre o “Metabolismo do Etanol”.

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Os autores agradecem também aos colaboradores: Cristina Antonini Arruda Danilo Calegari Ivana Bragante Leandro Totti Cavazzola Magda Morais Bestetti Maira Hartemann Marília Zanette

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SUMÁRIO

Introdução / 13

Primeira parte O PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DA DOENÇA HEPÁTICA ALCOÓLICA / 15

1 – Metabolismo do álcool: aspectos bioquímicos / 15 1.1 – Transformação do etanol em acetaldeído / 17

Via da desidrogenase alcoólica / 17 Via da catalase / 22 Via do sistema microssomal de oxidação do etanol – Meos / 24

1.2 – Acetaldeído / 27 1.3 – Transformação do acetaldeído em acetato / 30

2 – Mecanismos de lesão do álcool / 33 2.1 – Alteração do potencial redox intracelular / 33 2.2 – Efeitos gerais do acetaldeído / 35 2.3 – Dano mitocondrial / 36

2.3.1 – Evidências morfológicas / 37 2.3.2 – Alteração na integridade funcional da mitocôndria

/ 39 2.4 – Estado hipermetabólico e disponibilidade de oxigênio / 44

2.4.1 – Metabolismo do etanol e consumo de oxigênio / 44 2.4.2 – Disponibilidade de oxigênio e dano hepático

alcoólico / 45 2.5 – Fibrogênese hepática / 47

2.5.1 – Síntese do colágeno / 48 2.5.2 – Degradação do colágeno hepático / 52

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Segunda parte HEPATOPATIAS ALCOÓLICAS / 55

3 – Fatores predisponentes para o alcoolismo e para doença hepática alcoólica / 57

4 – Esteatose hepática / 63 4.1 – Etiologia / 64 4.2 – Quadro clínico / 64 4.3 – Exames complementares / 65 4.4 – Tratamento / 68 4.5 – Prognóstico / 68

5 – Hepatite alcoólica ou esteatonecrose / 70 5.1 – Definição / 70 5.2 – Etiologia / 71 5.3 – Epidemiologia / 75 5.4 – Quadro clínico / 76 5.5 – Complicações / 76 5.6 – Exames complementares exames bioquímicos / 78 5.7 – Tratamento / 82

6 – Fibrose hepática / 85 6.1 – Etiologia / 85 6.2 – Quadro clínico / 86 6.3 – Exames complementares / 86 6.4 – Tratamento / 87

7 – Cirrose hepática / 88 7.1 – Cirrose alcoólica / 89 7.2 – Diagnóstico da cirrose alcoólica / 90 7.3 – Fisiopatogenia / 90 7.4 – Manifestações clínicas da cirrose hepática / 91 7.5 – Sintomas principais / 91 7.6 – Diagnóstico laboratorial da cirrose / 93

8 – Síndrome hepatorrenal / 95 8.1 – Patogenia da SHR / 96 8.2 – Patologia / 97 8.3 – Quadro clínico / 97 8.4 – Alterações laboratoriais / 98 8.5 – Evolução / 98 8.6 – Diagnóstico e diagnóstico diferencial / 99 8.7 – Tratamento / 99

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9 – Hipertensão portal / 103 9.1 – Etiologia / 103 9.2 – Complicações / 104 9.3 – Fisiopatologia / 104 9.4 – Diagnóstico da hipertensão portal / 111

10 – Encefalopatia hepática (EH) / 114 10.1 – Definição / 115 10.2 – Quadro clínico / 115 10.3 – Exames complementares / 117 10.4 – Etiologia / 119 10.5 – Prognóstico / 120 10.6 – Neuropatologia / 121 10.7 – Patogenia / 121 10.8 – Tratamento de encefalopatia hepática / 126

11 – Hemorragia por varizes de esôfago / 130 11.1 – Tratamento da hemorragia ativa / 130

12 – Tratamento da ascite na cirrose hepática / 136

13 – Peritonite bacteriana espontânea / 137

Terceira parte EPIDEMIOLOGIA / 159

14 – Epidemiologia da cirrose / 160 14.1 – Mortalidade por cirrose / 160 14.2 – Mortalidade por cirrose em vários países / 161 14.3 – Caxias do Sul X RS / 164 14.4 – Sexo e álcool na cirrose / 166 14.5 – Classe social e cirrose / 166 14.6 – Epidemiologia da cirrose alcoólica no Brasil / 167 14.7 – Tratamento da cirrose hepática e nossa conduta

frente ao alcoolista / 170

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15 – Alcoolismo em Caxias do Sul / 171 15.1 – Material e métodos / 171 15.2 – Resultados / 172 15.3 – Ingesta alcóolica por idade e sexo / 174 15.4 – Quantidade de etanol ingerido / 176 15.5 – Tempo de ingesta / 179 15.6 – Estado nutricional / 182 15.7 – Aspectos clínicos e quantidade de etanol ingerido /

184 15.8 – Conclusão / 185

16 – Doenças hepáticas em alcoolistas crônicos / 186 16.1 – Material e métodos / 186 16.2 – Resultados / 187 16.3 – Padrões de alcoolismo / 189 16.4 – Quadro clínico / 191 16.5 – Avaliação bioquímica / 193 16.6 – Laparoscopia / 202 16.7 – Histologia / 205 16.8 – Conclusão / 207

17 – Alcoolistas e o vírus da hepatite C / 209 17.1 – O que é vírus da hepatite C? / 209 17.2 – Epidemiologia no paciente alcoolista / 210 17.3 – Detecção / 211 17.4 – Fatores de risco / 212 17.5 – Repercussões da infecção pelo vírus C / 213 17.6 – Hepatite viral do tipo C nos alcoolistas do RS / 213 17.7 – Tratamento / 214 17.8 – Conclusão / 215

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AOS ALCOÓLICOS ANÔNIMOS

O estudo do doente cirrótico sempre foi pa-ra mim um desafio ao longo dos meus trinta anos de profissão. Cheguei a um estágio em que me dei conta de que deveria estudar e me dedi-car ao dono do fígado e não só ao fígado.

Foi neste momento que comecei a trabalhar com o alcoolista, procurando entendê-lo e vê-lo como na realidade é: um doente orgânico.

Iniciei um trabalho junto aos alcoólicos a-nônimos, porque cheguei à conclusão de que nenhum tipo de tratamento hospitalar ou em clínicas especializadas, às vezes por tempos longos, é eficaz se não tivermos uma continui-dade após o paciente retornar às suas ativida-des, que deve ser, na nossa opinião, a mais pre-coce possível.

Foi nesta hora que a irmandade dos alcoóli-cos anônimos me acolheu e junto com eles fun-damos grupos com várias sessões semanais em hospital, com a ajuda inestimável de um grupo formado de psicólogas e psiquiatras.

É assim que o alcoolismo está sendo abor-dado por nós e estamos obtendo sucesso no seu tratamento.

É um caminho difícil, árduo, mas as vitórias que temos conseguido têm um valor todo espe-cial.

Não poderia eu, neste momento, deixar de agradecer profundamente à equipe de psicólo-gas e psiquiatras orientada pela Dra. Isabel de Massena Pimentel Bissi e aos alcoólicos anôni-mos a inestimável ajuda que sempre tive. Neles, certamente, está grande parte do sucesso alcan-çado.

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? Milton Sérgio Bertelli

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PRIMEIRA PARTE

O PROCESSO

DE

DESENVOLVIMENTO

DA

DOENÇA HEPÁTICA

ALCOÓLICA1

1 Mônica Soldatelli Paviani, autora desta parte, é Médica Psiquiatra, membro do Instituto

de Gastroenterologia de Caxias do Sul e Componente do Grupo de Tratamento do Alcoo-lismo.

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METABOLISMO DO ÁLCOOL ASPECTOS BIOQUÍMICOS

Dentre as diversas funções do fígado, destaca-se a de desintoxicação de produtos tóxicos. Em vista disso, o álcool, sendo um desses agentes, encontra no fígado a possibilidade de diminuição de seu nível de toxici-dade. Como o termo álcool é vago, usaremos neste trabalho, preferenci-al-mente, o termo etanol.

Cerca de 2% a 10% da quantidade de etanol ingerida é eliminada a-través dos rins e pulmões, o restante é oxidado no fígado. Quando o e-tanol está presente neste, torna-se o seu combustível de preferência, po-dendo até deslocar 90% de todos os outros substratos normalmente uti-lizados pelo fígado.

O etanol, no fígado, passa por complexos processos bioquímicos – a chamada Oxidação do Etanol. Primeiramente o álcool (etanol) é trans-formado em acetaldeído, sendo que o hepatócito tem três vias para tal processo: 1. via da desidrogenase alcoólica (ADH) em nível do citossol; 2. via do sistema oxidante microssômico do etanol (MEOS), localizado no retículo endoplasmático e 3. via da catalase localizada nos peroxisso-mas. (Fig.1)

Em seguida, o acetaldeído é transformado em acetil-Coa sob a ação da coenzima desidrogenase do acetaldeído e o acetil-Coa é desdobrado em acetato. Em síntese, esse é o metabolismo do etanol no fígado, que tem o objetivo de chegar ao acetato, substância inócua, como produto final.

Pretende-se, agora, descrever cada etapa do metabolismo. Lieber (1981,316) realizou o seguinte esquema para representar o me-

tabolismo do álcool:

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Metabolismo do álcool / 17

Figura 1 – Oxidação do etanol no hepatócito e relação dos dois derivados (acetalde-ído e H) com alterações do metabolismo interno diário como anomalias do metabo-lismo de lípides, hidratados de carbono e proteínas. NAD = nicotinamida adenina dinucleotídeo; NADH = NAD reduzido; NADP = nicotinamida adenina dinucleotídeo fosfato; NADPH = NADP reduzido; MEOS = sistema microssômico do etanol; ADH = desidrogenase alcoólica. A linha tracejada assinala vias que são deprimidas pelo etanol. O símbolo i- indica interferência ou fixação.

1.1 TRANSFORMAÇÃO DO ETANOL EM ACETALDEÍDO

Normalmente, em condições fisiológicas, ou seja, no paciente não-alcoólatra, a principal via do metabolismo do etanol é a via da desidro-genase alcoólica (ADH).

VIA DA DESIDROGENASE ALCOÓLICA

A enzima desidrogenase alcoólica está presente em maior quantida-de no fígado, existindo, também, em pequena quantidade em outros te-

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cidos, como o do rim e o da mucosa gástrica. A desidrogenase alcoólica (ADH) existe, normalmente, com a possível função de desintoxicar pe-quenas quantidades de álcool produzidas por fermentação no intestino e, ainda, de desidrogenar esteróides e participar da oxidação dos ácidos graxos.

A desidrogenase alcoólica cataliza a reação:

CH3CH2OH + NAD+ CH3CHO + NADH + H+ citossol etanol ADH acetaldeído NAD NADH H+

O etanol, para ser oxidado a acetaldeído, perde hidrogênio (H+) que será transferido para o cofator nicotinamida adenina dinucleotídeo (NAD), resultando na forma reduzida do cofador (NADH). O NAD fun-ciona como cofador aceptor e receptor de hidrogênio.

Essa reação bioquímica pode resultar, em certas ocasiões, na geração excessiva de NADH, equivalentes redutores, levando a alteração do es-tado redox do citossol. O desvio do potencial redox é considerado o primeiro passo de alteração provocada pela oxidação do etanol, pois é responsável por numerosas anomalias metabólicas.

Com a produção excessiva de NADH, tem-se, por exemplo, a eleva-ção da concentração de lactato em relação ao piruvato, devido à produ-ção maior de lactato e à diminuição de sua utilização. Atribui-se a essa alteração duas conseqüências metabólicas: hipoglicemia e hiperlactaci-demia. A hipoglicemia ocorre devido à redução do piruvato (em favor a via de formação do lactato) pela via metabólica da glicose, ou seja, dimi-nui a gliconeogênese de aminoácidos. A outra conseqüência é a hiperlac-tacidemia, que pode evoluir para acidose láctica e reduzir a capacidade do rim de excretar ácido úrico. Esse fator, associado à cetose induzida pelo álcool, leva à hiperurecemia secundária, agravando ou precipitando episódios de Gota.

Alguns dos equivalentes de hidrogênio são transferidos do citossol por mecanismo de lançadeira para as mitocôndrias. Uma vez que a mem-brana mitocondrial é impermeável ao NADH, o equivalente redutor que corresponderá ao H+ entrará na mitocôndria ao participar de processos bioquímicos tipo: ciclo do ácido málico, ciclo de alongamento dos ácidos graxos e ciclo do alfa-glicerofosfato, sendo estes mecanismos de lançadei-

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ra. Estes ciclos são assim chamados, porque utilizam o hidrogênio prove-niente do NADH+ e o lançam para dentro da mitocôndria.

A alteração da relação NADH/ NAD eleva também a concentração do alfa-glicerofosfato, que aprisiona ácidos graxos, favorecendo o acú-mulo de triglicerídeos no fígado.

Constatou-se, ainda, uma diminuição da oxidação de ácidos graxos, na presença do etanol. Isso se explica por uma transferência do hepatóci-to em utilizar o etanol como fonte de energia, no lugar dos ácidos gra-xos, que é sua principal fonte, em condições normais. Ou seja, normal-mente, na ausência do etanol, a fonte de H+, para a cadeia mitocondrial de elétrons, é dada pelo ciclo do ácido cítrico – doador de hidrogênio – a-través da oxidação dos ácidos graxos. Quando ocorre o mecanismo de lançadeira, em que os equivalentes de hidrogênio gerados pela oxidação do etanol são lançados para dentro da mitocôndria, o etanol passa a ser a fonte de hidrogênio para a cadeia mitocondrial de transportes de elé-trons. Outra maneira de o excesso de NADH levar a uma redução da atividade do ciclo do ácido cítrico é pela diminuição da velocidade das reações do ciclo, as quais precisam de NAD+. (Fig.2)

Figura 2 – Mostra o mecanismo lançadeira, onde o hidrogênio, proveniente da oxi-dação do etanol, é utilizado, preferencialmente, na cadeia de transporte de elétrons. A oxidação dos ácidos graxos se apresenta deprimida, com conseqüente deposição hepática de gordura. E a atividade do ciclo do ácido cítrico, normalmente doador de hidrogênio, também encontra-se deprimida. ( : via predominante / : via deprimida)

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A diminuição da oxidação de ácidos graxos, resultando na deposição hepática de gordura, segundo Lieber (1981), é possível ser considerada como a principal causa da esteatose, primeira fase da lesão hepática alco-ólica. É preciso que fique claro que o acúmulo hepático de gordura não aumenta indefinidamente, apesar de um consumo de álcool contínuo. Dessa forma, outros mecanismos influenciam para o avanço da lesão he-pática alcoólica, além da alteração do estado redox.

Controle da Via da Desidrogenase Alcoólica

A concentração da enzima ADH (desidrogenase alcoólica) pode ser um fator importante na determinação da taxa do metabolismo do etanol. No entanto, quando os níveis de ADH estiverem normais, o que poderá limitar o metabolismo será a disponibilidade do cofator NAD (nicotina-mida adenina dinucleotídeo) e a capacidade celular de dissociar o com-plexo ADH-NADH e reoxidar o NADH. A hiperatividade da enzima ADH não corresponde, necessariamente, a uma elevação da taxa de oxi-dação do etanol. Já, quando os níveis ou a atividade da enzima ADH diminuem, esta torna-se um fator limitante, pois ocorre diminuição da taxa de oxidação do etanol.

A atividade total da ADH no fígado mostrou-se um tanto dependen-te de alterações dietéticas. Por exemplo, uma diminuição na atividade da ADH ocorreu após dieta deficiente em proteínas observada em ratos, com efeitos similares no ser humano. Com esta constatação, conclui-se que a desnutrição pode proporcionar menor velocidade do metabolismo do etanol, aumentando os seus níveis sangüíneos e, conseqüentemente, aumentando os efeitos do etanol sobre o cérebro. Porém, isso não impli-ca o efeito contrário, ou seja, uma dieta rica em proteínas não assegura ausência de lesões orgânicas na presença do etanol.

Em alguns trabalhos, a indução da atividade de ADH foi observada após ingestão prolongada de álcool. No caso de Bode e colaboradores, citados por Rognstand e Grunnet (1979), eles encontraram um aumento da atividade da ADH de 1.8 para 2.6 unit /g fígado após uma semana de tratamento com álcool (15% de etanol na bebida de água). No entanto, após três semanas de tratamento, a atividade da enzima declinou para valores-controles inferiores (1.5 versus 2.1 unit /g fígado nos controles).

Como já foi mencionado, em níveis normais de ADH, um outro sítio-controle na via de metabolismo do etanol é a reoxidação do NADH do citossol. A reoxidação do NADH ocorre na tentativa de equilibrar o ex-cesso de equivalentes redutores no citassol. É realizada através da transferência de H+ do NADH para dentro da mitocôndria, via sistemas de lançadeira e estes equivalentes redutores são, então, oxidados pela

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lançadeira e estes equivalentes redutores são, então, oxidados pela cadeia de transporte de elétrons, isto é, pela cadeia respiratória mitocondrial.

As concentrações intracelulares de substratos intermediários das lan-çadeiras são responsáveis pela regulação da transferência de equivalentes redutores a partir do citassol até as mitocôndrias. Por exemplo, no jejum prolongado a velocidade do metabolismo do etanol reduz, devido aos níveis baixos de substratos para a lançadeira, diminuindo a atividade dos ciclos transportadores de H+. Já a adição de substratos, os quais ativam várias vias biossintéticas, aumenta a utilização do etanol no fígado. O piruvato e lactato ativam sistemas de lançadeiras pelo aumento dos níveis de elementos intermediários. Tais elementos, como ácido, aspartato e alfa-glicerofosfato, mostraram-se superiores em células de ratos alimen-tados do que em ratos em jejum, em estudos de diversos autores (Meijer e colaboradores; Ylikahri e Maenpaa), segundo Rognstand e Grunnet (1979). Enfim, uma variedade de substratos gliconeogênicos estimula o metabolismo do etanol por aumentar a necessidade de energia. (Fig.3)

Figura 3 – Os sítios-controle do metabolismo do etanol são os seguintes: 1) nível de ADH (desidrogenase alcoólica): quando está baixo, uma quantidade mai-or de etanol fica sem ser oxidada; 2) reoxidação do NADH do citossol: quando dimi-nui a reoxidação do NADH, menor quantidade de NAD fica disponível para oxidação

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do etanol; 3) cadeia respiratória mitocondrial: controla o metabolismo quando o nível de álcool hepático está elevado, afetando a remoção do acetaldeído. Os seguintes sinais significam, respectivamente: (? )- aumento na concentração; (? )- diminuição na concentração; (? )- via aumentada.

Outras importantes reações que requerem energia são aquelas que mantêm gradientes iônicos entre a célula e o meio. Reações, como a ati-vação da enzima Na+, K+ -ATPase. O aumento da atividade da bomba de sódio é o mecanismo básico pelo qual o metabolismo aumentado do eta-nol ocorre in vivo, após consumo crônico de álcool, segundo estudos de Israel e colaboradores, citados por Rognstad e Grunnet (1979). Um e-xemplo para o aumento na atividade da bomba de sódio é a ação termo-gênica dos hormônios tireoídeos. Consumo crônico de álcool tem efeitos similares no metabolismo hepático do etanol àqueles produzidos pelos hormônios tireoídeos. Ambos os hormônios e o consumo crônico de eta-nol produzem marcado aumento na atividade da alfa-glicerofosfato oxi-dase mitocondrial. Os estudos sugerem, também, que a atividade au-mentada dos sistemas de lançadeira deve ser um dos fatores responsáveis pela resposta adaptativa ao consumo de álcool.

O controle da utilização de etanol pode ser exercido exclusivamente pela cadeia respiratória mitocondrial, se a capacidade da desidrogenase alcoólica e os sistemas de lançadeira forem marcadamente mais altos que o fluxo através de suas etapas. Em caso de aumentar-se o nível do etanol hepático, seu metabolismo pode ser controlado pela cadeia respiratória mitocondrial, pois afetará a remoção do acetaldeído da mitocôndria (a-cetaldeído é oxidado primeiramente na mitocôndria).

A via da desidrogenase alcoólica tem o potencial de desintoxicar cer-ca de 180g de etanol por dia, segundo S. Sherlock (1988). Dessa forma é a via primariamente utilizada pelo organismo.Quando os níveis de eta-nol ultrapassam esse limite, o fígado recorre a outra via, a MEOS.

VIA DA CATALASE

Conforme citam Rognstand e Grunnet (1979), Chance e colaborado-res esquematizaram o mecanismo de ação da catalase da seguinte forma:

catalase + H2O2 cat.H2O2 (complexo I) cat.H2O2 + H2O2 cat. + O2 +2H2O

A catalase necessita de H2O2 para formar cat.H2O2, que reage com uma molécula de peróxido de hidrogênio, normalmente com outra molé-

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cula de H2O2 (água oxigenada). Mas pode reagir com o etanol, em cir-cunstâncias especiais.

Reação tipo peroxidase:

cat. H2O2 + CH3CH2OH cat. + CH3CHO + 2H2O

A maioria da catalase no hepatócito pode ser localizada nos peroxis-somas que têm a maior capacidade de produzir peróxido de hidrogênio, embora este pode ser produzido também nos processos microssomais e mitocondriais. Estima-se que menos de 2% dos peróxidos de hidrogênio formados nos peroxissomas passam para o citoplasma, devido a dois motivos: permeabilidade da barreira e alto conteúdo de catalase nos pe-roxissomas. O peróxido de hidrogênio no citossol pode reagir preferen-cialmente com a glutationa peroxidase, não resultando em oxidação do etanol, nesse local.

Figura 4 – Representa um peroxissoma, onde encontra-se a maior quantidade de catalase e de peróxido de hidrogênio, com a porcentagem maior de produção de complexo I. E, a seguir, representa a contaminação microssômica da catalase, com uma produção pequena de complexo I que, por sua vez, poderia reagir com o etanol.

O principal fator limitante para a atividade da catalase é a taxa de formação de peróxido de hidrogênio, sendo que a água oxigenada (H2O2) não é muito fornecida no fígado. A quantidade de água oxigena-

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da produzida gira em torno de 3-3,6 µ mol /hora /g de fígado, corres-pondendo a 2% do índice de oxidação de etanol, o que equivale a 178 µ mol /hora /g de fígado. Admite-se que o microssoma suplementado com NADPH pode produzir peróxido de hidrogênio numa taxa suficien-te e a catalase pode ser encontrada em pequenas quantidades em micros-somas isolados, ou seja, a catalase contaminou a fração microssômica, não fazendo parte da membrana do retículo endoplasmático, a esse pro-cesso denomina-se preparações microssômicas contaminantes. Dessa forma, a oxidação do etanol nos microssomas pode ser, em parte, devido à ação da catalase. No entanto, Lieber faz a seguinte ressalva: "...acredita-se que a catalase não basta para explicar a oxidação micros-sômica do etanol" (1991, 365). (Fig. 4)

Níveis baixos do complexo I de catalase (complexo peróxido de hi-drogênio – catalase) podem sugerir que está havendo a reação deste com o etanol, indicando a participação da catalase no metabolismo do etanol. Porém, a taxa de oxidação de etanol pela catalase é baixa no fígado com baixa concentração de etanol administrada. Enfim, de um modo geral, a via da catalase não representa significativa importância no metabolismo do etanol.

VIA DO SISTEMA MICROSSOMAL DE OXIDAÇÃO DO ETANOL – MEOS

Esse sistema tem sido estudado pelo grupo de C.S.Lieber, que o cha-mou de MEOS – Sistema Microssomal de Oxidação do Álcool, apesar da denominação MEOS – Sistema Microssomal de Oxidação do Etanol ser mais conhecida. Quem observou o sistema pela primeira vez foram Orme-Johnson e Ziegler em 1965, como menciona Rognstand e Grunnet (1979).

Observou-se que o etanol, quando administrado por tempo prolon-gado, produz uma proliferação do retículo endoplasmático liso (REL), o que indica que a fração microssômica do hepatócito, que contém o REL, está metabolizando o etanol. O sistema microssômico capaz de metaboli-zar o álcool necessita de O2 e da forma reduzida da nicotinamida adeni-na dinucleotídeo fosfato (NADPH), semelhantemente aos sistemas de hidroxilação de drogas:

C2H5OH + NADPH + H+ + O2 CH3CHO + NADP+ + 2H2O

O MEOS se localiza nos microssomas e seus três componentes mi-crossomais são o citocromo P-450, NADPH-citocromo-c-redutase e fosfo-

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lipídios (lecitina). Na verdade, existe uma família de P-450, sendo que cada um é específico para cada tipo de indutor. Perante a variedade de citocromo P-450, o uso prolongado de etanol leva ao aumento de um ti-po especial de P-450. Este mostrou ter características únicas, como prefe-rência ou capacidade seletiva para catalizar a oxidação do etanol. Joly e colaboradores, citados por Lieber (1981), demonstraram, em experimen-tos com ratos, que o P-450 induzido pelo álcool tem propriedades dife-rentes daquele induzido pelo fenobarbital ou pelo metilcolantreno, por exemplo.

O aumento, induzido pelo etanol, do citocromo P-450 e de outros constituintes: fosfolipídios e redutase do citocromo P-450, juntamente com a proliferação adaptativa das membranas do REL, explica o aumen-to significativo da atividade da MEOS após consumo prolongado de eta-nol. O conseqüente aumento da oxidação do etanol foi demonstrado in vitro: quando a concentração de etanol aumentou em tecido hepático iso-lado houve uma respectiva elevação da oxidação. Nos seres humanos, constatou-se aceleração progressiva da depuração sangüínea do etanol, em concentrações altas deste.

O MEOS, além de repartir com os outros sistemas microssônicos a u-tilização de O2 e NADPH, reparte, também, uma falta relativa de especi-ficidade. Isto quer dizer que com o desenvolvimento do MEOS, há con-comitante atividade aumentada de uma variedade de enzimas micros-somais desintoxicadoras de drogas. Por exemplo, observou-se, no ser humano, em uso crônico de etanol, um aumento da depuração sangüínea de meprobamato e pentobarbital e aumento dos níveis metabólicos de aminopirina, tolbutamina, propranolol e rifampicina. Drogas, como war-farin, fenitoína, tolbutamida e isoniazida, têm vida média mais curta (até 50%), em ex-alcoólatras, sendo necessárias doses mais altas para fins te-rapêuticos. Essa tolerância metabólica persiste por várias semanas após a abstinência de álcool. Ocorre o contrário da tolerância com outras dro-gas, um exemplo é a digitoxina que aumentará a sua vida média com o uso crônico de etanol, sendo necessário reduzir as doses terapêuticas, devido ao seu efeito acumulativo.

A interação álcool-medicação pode ser perigosa, sendo necessária a abstinência total de álcool no uso de inibidores da MAO, por exemplo. O dissulfiram leva a reações importantes por inibir a transformação do ace-taldeído em acetato. Outros medicamentos provocam reações menores em presença do etanol, como metronidazol, cloranfenicol, griseofulvina, furazolidona, quinacrina e sulfoniluréias.

Já constatou-se que o alcoólatra tem uma tolerância para várias dro-gas. No entanto, o contrário, o aumento na oxidação do etanol, observa-do após indução de enzimas de metabolização de drogas, não pode ser

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confirmado, pois estudos divergem nos seus resultados. Enquanto al-guns experimentos in vivo ou in vitro demonstraram algum efeito, outros não foram conclusivos quanto ao efeito da administração de drogas no metabolismo do etanol. Lieber (1981) relata que os barbitúricos aumen-tam a atividade total do MEOS hepático e a depuração do etanol no san-gue. Esta depuração acelerada ocorreria, também, em asmáticos em con-seqüência do consumo prolongado de drogas, e nos diabéticos em uso de tolbutamida.

A indução microssômica pode levar à toxidade de certos compostos, ou seja, a toxicidade seria desencadeada com a ativação do retículo en-doplasmático pelas enzimas. Exemplos para isso temos o tetracloreto de carbono e drogas de uso comum, como isoniazida e acetaminofen que aumentam sua toxicidade por maior ativação pelos microssomas causada pelo uso crônico de etanol. Outro exemplo é o da digitoxina, já citado acima. Associada à toxicidade está a ativação intestinal de vários pró-carcinógenos e mutógenos, que coincide com a maior incidência de cân-cer observada em alcoólatras. Estas questões todas foram revisadas por Lieber e colaboradores (1981).

Microssomas induzidos têm também o efeito de acelerar a degrada-ção do ácido retinóico, explicando, assim, os níveis baixos de vitamina A hepática em alcoólatras. Essa depleção das reservas hepáticas de vitami-na A pode afetar a integridade dos hepatócitos. Foi observado, em ratas e no ser humano, o aparecimento de lisossomas multivesiculares, em condições de significativa depleção de vitamina A. Sabe-se que, habitu-almente, a vitamina A em grandes quantidades é toxica. No alcoólatra mais facilmente ela torna-se hepatotóxica, talvez devido a um aumento da formação de um metabólito tóxico, como no caso dos agentes xenobi-óticos. A toxicidade da vitamina A também estaria relacionada com a indução de enzimas do retículo endoplasmático. Em estudos com ani-mais tratados cronicamente com etanol foram constatadas alterações morfológicas e funcionais nas mitocôndrias, como sinais de toxicidade. Por isto, temos que cuidar da administração de vitamina A em alcoóla-tras, apesar de parecer lógico que, no alcoólatra com baixos níveis da vitamina, deve-se corrigir seus níveis. Quanto mais administrarmos vi-tamina A, mais será depletada, causando danos e mais causará toxicida-de. A correção do déficit da vitamina A, em casos de cegueira noturna ou de disfunções sexuais, em alcoólatras deve ser cuidadosa.

A respeito ainda da indução de enzimas microssomais causada pela ingestão alcoólica, em decorrência do desenvolvimento do MEOS, temos a indução da enzima gama-glutamil transpeptidase (GGTP). A dosagem laboratorial da GGTP tem importância na clínica para auxiliar no diag-nóstico de doença hepatobiliar e para avaliar abstinência alcoólica. Na

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abstinência alcoólica seus valores apresentam-se normais, caso contrário estarão elevados.

Resumindo, o MEOS é responsável pelo metabolismo acelerado do etanol. É um sistema importante na adaptação ao metabolismo do etanol após o seu consumo crônico, porque tem capacidade de ser induzido e de desenvolver, aumentar sua capacidade. Conhece-se que com o con-sumo crônico de etanol aumenta a tolerância ao etanol e a outras drogas. Isso é explicado pelo MEOS, responsável pela adaptação metabólica onde há depuração acelerada do etanol do sangue e maior capacidade de me-tabolizar drogas. Estes conhecimentos foram obtidos em estudos contro-lados recentes, pois anteriormente a tolerância ao etanol era atribuída apenas à adaptação do Sistema Nervoso Central. A adaptação metabóli-ca, portanto, deve ser considerada.

1.2 ACETALDEÍDO

Todas as três vias mencionadas têm, como produto da oxidação do etanol, o acetaldeído. Este é uma substância tóxica, por isso a taxa de metabolismo do acetaldeído deve ser aproximada àquela taxa em que o mesmo não atinge o nível tóxico.

O acetaldeído não é um metabólito natural em mamíferos, é apenas formado da oxidação do etanol, e, na ausência deste, seu nível no corpo é zero. Trabalhos recentes mostraram que a concentração de acetaldeído não é a mesma em diferentes órgãos do corpo. No fígado, a concentra-ção é maior, comparada a outros tecidos.

Uma pessoa de 70kg (padrão) tem capacidade de metabolizar apro-ximadamente 180g de etanol por dia, embora esse valor possa ser bem maior em alcoólatras. Nos seres humanos, a taxa de metabolismo do e-tanol no fígado está entre 0.9 e 2.3 µ mole/g /min. Isso designa um limi-te aproximado para a capacidade do órgão metabolizar acetaldeído.

Observou-se que as concentrações de acetaldeído no sangue (taxa em µ M) são mais baixas que a quantidade total de etanol metabolizado no corpo. Isso implica que o acetaldeído está sendo metabolizado no mesmo órgão que o produz. Weiner (1979) cita os experimentos de Eriksson e Sip-pel que mostraram que quando a concentração de acetaldeído no fí-gado era alta – 200 a 250 µ mole/g , no sangue periférico era de apenas 25 µ mole / ml. O nível de acetaldeído no fígado tem que estar no míni-mo entre 50 µ M e 100 µ M, antes de ser encontrado no sangue periféri-co.

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Segundo a citação de Weiner (1979), Truitt mostrou que alcoólatras tendem a ter níveis mais altos de acetadeído sangüíneo do que os não-alcoólatras, recebendo a mesma dose de etanol (Gráfico 1).

Esse dado reflete a produção elevada de acetaldeído com catabolis-mo diminuído deste nos alcoólatras. Catabolismo diminuído é devido, possivelmente, ao dano hepático induzido pelo etanol, mudanças estru-turais nas organelas, incluindo a mitocôndria. Esta ficaria com a capaci-dade reduzida para oxidar o acetaldeído.

Quanto ao sexo, as fêmeas tenderam a ter concentrações mais altas de acetaldeído, comparadas com as dos machos, nos estudos de Eriksson e Sippel. Esse dado pode ser correlacionado com a constatação clínica de que a doença hepática alcoólica ou a cirrose propriamente dita ocorre mais precocemente nas mulheres.

No cérebro, apenas uma pequena concentração de acetaldeído pode ser encontrada durante a ingestão de etanol. Não se sabe se essa quanti-dade é suficiente para interferir no metabolismo cerebral ou nos eventos neuroquímicos.

Tem sido mostrado que o coração pode metabolizar acetaldeído, é claro, uma pequena taxa se comparado com o fígado. Na verdade, a ati-vidade da desidrogenase do aldeído pode ser encontrada essencialmen-te em quase todos os tecidos do corpo, incluindo o coração, os rins, o músculo e o cérebro. O acetaldeído, nesses tecidos, pode ser metaboli-zado, mas não formado, por isso seus níveis nesses tecidos são baixos.

Regulação do Metabolismo do Acetaldeído

A concentração de acetaldeído no fígado é dependente da taxa de formação e da taxa de eliminação. Qualquer evento que influenciar um dos fatores acima sem influenciar o outro alterará o nível de acetaldeído no fígado.

A taxa de formação do acetaldeído é basicamente a taxa total de oxi-dação do etanol pelo fígado, incluindo reações catalisadas pela desidro-genase alcoólica, pela catalase e pelo MEOS.

A taxa de eliminação se dá pela oxidação do acetaldeído a acetato, catalisada primeiramente pelo aldeído desidrogenase dependente de NAD. Alguma quantidade de acetaldeído pode ser reduzida a etanol, de volta ao citossol, pela desidrogenase alcoólica sob certas condições, pois a reação é reversível:

ADH C2H5OH + NAD+ C2H4O + NADH + H+

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Cerca de 1 a 5% do acetaldeído produzido no fígado não é metaboli-zado neste e entra na circulação sistêmica. Entre 50% e 100% desse ace-taldeído, que sai do fígado, é metabolizado em tecido não-hepático.

Normalmente não se considera o fato de que acetaldeído produzirá etanol no corpo. No entanto, sob condições em que a razão NAD / NA-DH diminui, não é surpreendente que acetaldeído, realmente, possa ser reduzido a etanol in vivo. Um potencial redox favoreceria a formação do etanol.

Como o acetaldeído é oxidado na mitocôndria, qualquer fator que diminua o sistema de transporte de elétrons mitocondrial afetará o me-tabolismo do acetaldeído. Este, também, será influenciado pela condição da mitocôndria com respeito ao seu edema, por exemplo. Não há dúvida de que dois fatores, o nível do aldeído desidrogenase (ALDH) e a con-dição (estado) da mitocôndria devem governar a taxa de oxidação do acetaldeído, ou seja, sua remoção (Fig.5). A relação entre a atividade da mitocôndria, níveis de etanol e níveis de acetaldeído tem sido recente-mente discutida por Eriksson, citado por Weiner (1979).

A influência do nível da enzima ALDH, como reguladora do meta-bolismo do acetaldeído, será tratada no subtítulo seguinte.

Considerando-se a influência do estado da mitocôndria, pode-se es-perar que o estado nutricional geral do indivíduo seja importante no es-tudo da oxidação do acetaldeído. Dietas hipoprotéicas diminuem a oxi-dação do etanol e acumulam acetaldeído, conforme o observado em ex-perimentos.

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Figura 5 – A taxa de eliminação do acetaldeído (sua oxidação) depende: 1) do nível da ALDH ou da menor atividade da ALDH; 2) do estado da mitocôndria (menor habi-lidade para regenerar NAD+).

Além de tudo isso, complicações produzidas pela ingestão crônica de etanol, com respeito a níveis de minerais e vitaminas e síntese protéica, podem também levar a alterações no metabolismo do acetaldeído e, por conseguinte, afetar os níveis encontrados no corpo. Estes elementos po-dem salientar a constatação de Truitt, já mencionada, em que os níveis de acetaldeído sangüíneo em alcoólatras são maiores que em não-alcoólatras para a mesma dose de ingestão de etanol.

Enfim, o acetaldeído é um metabólico tóxico e deve ser efetivamente removido do corpo. Porém com o uso crônico de álcool, sua remoção torna-se cada vez mais difícil e, talvez, possa-se racionalizar um papel do acetaldeído no problema da intoxicação alcoólica.

Gráfico 1 – O nível de acetaldeído encontrado no alcoólatra é superior para a mes-ma quantidade de álcool ingerido.

1.3 TRANSFORMAÇÃO DO ACETALDEÍDO EM ACETATO

A enzima aldeído desidrogenese (ALDH) é responsável pelo meta-bolismo do acetaldeído. O modo de ação catalítico da ALDH não é bem determinado, pois essa enzima tem sido bem menos investigada que a

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desidrogenase alcoólica. Segundo Weiner (1979), em 1963, uma revisão sobre a ALDH foi escrita por Jacoby.

A reação catalisada pela ALDH é essencialmente irreversível:

ALDH aldeído + NAD+ + H2O ácido- + NADH + 2H+

Para essa reação, a enzima necessita do NAD, da mesma forma que a desidrogenase alcoólica necessita. Assim, o metabolismo do etanol, como um todo, basicamente requer o envolvimento de duas etapas oxidativas dependentes de NAD, a primeira catalisada pela ADH (desidrogenase alcoólica) e a segunda pela ALDH (aldeído desidrogenase).

O aldeído desidrogenase, como outras desidrogenases dependentes de NAD, requer dois substratos, aldeído e coenzima. Na verdade, a ALDH requer água como um terceiro substrato. Assim, a enzima tem uma escolha para ligar-se com o aldeído ou NAD e, a ALDH, como ou-tras desidrogenases dependentes de NAD, liga-se ao NAD antes de li-gar-se ao aldeído.

A ALDH está localizada virtualmente em todos os órgãos do corpo – fígado, rim, útero, gônadas, intestino delgado. A enzima é encontrada na mitocôndria, como também no citossol e nas regiões microssomais da célula. Formas multimoleculares de enzimas, possuindo diferentes pro-priedades catalíticas e físicas, podem ser encontradas em muitas das or-ganelas subcelulares. O papel fisiológico da existência dessas isoenzimas não é conhecido. No entanto, considera-se que a enzima ALDH mito-condrial é a principal responsável pelo metabolismo do acetaldeído.

A oxidação de acetaldeído no fígado tem lugar na matriz da mito-côndria. Durante moderada ingestão do etanol, quando o nível de etanol encontrado no sangue está abaixo de 5 mM, o nível de acetaldeído hepá-tico estará abaixo de 10 µM e sua oxidação ocorrerá primariamente na mitocôndria. Durante excessiva ingesta de etanol, quando os níveis de etanol no sangue podem ser tão altos quanto 25 – 40 mM, o nível de ace-taldeído hepático pode atingir 200 µM e, sob essas condições de excessi-va produção de acetaldeído, este pode ser oxidado no citossol do fígado ou nos microssomos.

O fígado é capaz de metabolizar aproximadamente 90% a 95% do a-cetaldeído produzido durante a oxidação do etanol. Como já foi visto, o estado da mitocôndria influencia o metabolismo do acetaldeído. Tería-mos que esclarecer, agora, a correlação do nível da ALDH com o nível do metabolismo do acetaldeído. É incerto, se o nível da enzima é etapa limitante ou não no metabolismo. Certos trabalhos sugerem que a enzi-

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ma pode estar presente em quantidade suficiente para manipular todo acetaldeído produzido, não sendo etapa limitante.

Mas, já foi constatado que há níveis mais altos de acetaldeído, após consumo de mesma quantidade de etanol, em alcoólatras, do que em não-alcoólatras. Na tentativa de explicar tal fenômeno, surgem algumas dúvidas. Por exemplo, não se sabe se o etanol induz ou reprime a síntese de ALDH. O acúmulo de acetaldeído no alcoólatra pode ser explicado por uma atividade diminuída da ALDH ou pela redução dos seus níveis. Foi observado que a redução da enzima persiste após a abstinência em alguns alcoólatras e desaparece em outros. O acúmulo de acetaldeído também pode ser explicado em nível de dano mitocondrial. Na presença de etanol ocorre uma diminuição na habilidade da mitocôndria para re-generar NAD, que é necessária na reação de transformação do acetalde-ído em acetato e conseqüentemente, com a falta de NAD, há repercussão na atividade da ALDH, que decresce.

Na verdade, a redução dos níveis de enzima parece não ter muita importância ou influência, pois foi observada redução da sua isoforma citossólica, enquanto que a redução da forma mitocondrial da enzima não está clara e, no entanto, é esta última (forma mitocondrial da enzi-ma) que catalisa a oxidação de quantidade significativa de acetaldeído. A forma citossólica não tem importância expressiva.

Quanto às drogas inibidoras de ALDH, a mais conhecida é o dissul-firam (Antabuse). Uma pequena dose de dissulfiram (25-50mg/kg) redu-ziu em 26% a atividade da enzima, e doses maiores de 150-600mg/kg causaram 65% de redução na atividade, aumentando a concentração de acetaldeído hepático de 154 para 475 mM. Esses níveis elevados causa-ram toxicidade, e esta é a base da administração do dissulfiram: provo-car toxicidade para deter o alcoólatra de beber.

Como produto do metabolismo do acetaldeído, tem-se o acetato. Es-te, em seguida, é oxidado até água e dióxido de carbono ou, então, transformado através do ciclo do ácido cítrico em outros compostos bio-químicos importantes, tais como ácidos graxos.

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MECANISMOS DE LESÃO DO ÁLCOOL

Os efeitos tóxicos do álcool podem ser atribuídos ao acetaldeído e à geração de NADH.

2.1 ALTERAÇÃO DO POTENCIAL REDOX INTRACELULAR

Com a oxidação do etanol, pela desidrogenase alcoólica, há transfe-rência de H+ para o NAD+, o que leva a um aumento da razão NA-DH/NAD+. A geração acentuada de NADH é responsável por um nú-mero de anormalidades metabólicas, como já foram mencionadas na primeira parte deste capítulo. A alteração do potencial redox e as anor-malidades metabólicas são basicamente descritas por Lieber.

Primariamente NADH/NAD+ elevada reflete um aumento da relação lactato/piruvato, devido ao decréscimo na utilização e à produção ele-vada de lactato pelo fígado. O lactato sérico eleva-se, provocando por si a hiperlactacidemia e/ou aumentando a hiperlactacidemia prévia, por exemplo, dos diabéticos.Quando os níveis séricos de lactato são muito elevados, tem-se a acidose láctica. A hiperlactacidemia também tem co-mo conseqüência a hiperuricemia, quando associada à cetose. A hiperu-recemia não ocorre apenas pelo aumento do ácido úrico sérico, mas tam-bém pela diminuição de sua excreção urinária. Lieber (1981) relata que, durante e após o delirium tremens e episódios de convulsões, é evidencia-do maior aumento das concentrações de ácido úrico sérico. Dessa forma explica-se o fato do álcool agravar a gota, conforme se observa na clíni-ca.

A produção elevada de lactato implica a redução do piruvato, como se viu. E, como conseqüência indireta da hiperlactacidemia, tem-se a hi-

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poglicemia, pois menos piruvato estará disponível para a gliconeogênese de aminoácidos.

O aumento da razão NADH/NAD+ eleva a concentração de alfa-glicerofosfato, a qual favorece acúmulo hepático de triglicerídeos. O hi-drogênio produzido substitui os ácidos graxos (AG) como combustível, levando ao acúmulo destes e, por conseguinte, à cetose, à trigliceridemi-a, à esteatose e à hiperlipidemia. Hidrogênios equivalentes são transfe-ridos para dentro da mitocôndria pelos sistemas lançadeira e esta usará os H+ equivalentes, originados do etanol antes da oxidação, através do ciclo do ácido cítrico de fragmentos de dois carbonos derivados do ácido graxo. Assim é que se explica a diminuição na oxidação dos ácidos gra-xos, estes que deveriam ser a principal fonte de energia do fígado são suplantados pelo álcool. Essa substituição também ocorre porque a ativi-dade do ciclo do ácido cítrico é deprimida, parcialmente, devido à lenti-dão das reações do ciclo que requerem NAD+. Não é apenas a alteração funcional do potencial redox que causa a depressão da oxidação dos AG., as alterações da mitocôndria decorrentes do abuso crônico de álco-ol também levam à diminuição da oxidação de ácidos graxos.

A depressão da oxidação dos ácidos graxos resulta na deposição he-pática destes, desenvolvendo a esteatose alcoólica, o primeiro estágio da injúria alcoólica no fígado.

O aumento das concentrações do lactato pode ser também uma das explicações da formação do colágeno e seu depósito na doença hepática alcóolica. A fibrogênese será melhor comentada adiante.

Muitos mecanismos complexos estão envolvidos na fibrogênese, mas por enquanto queremos salientar que a alteração do potencial redox po-deria influenciar na fibrogênese, através do acúmulo de lactato. Este po-deria inibir, por exemplo, a oxidação da prolina e contribuir para a fi-brogênese. A reserva elevada de prolina livre no fígado está correlacio-nada com a cirrose alcóolica. É importante observar que a alteração do estado redox tem um efeito de diminuir a síntese protéica, de um modo geral. Isso significa que as diversas formas de proteína sofrem um efeito diferente, ou seja, enquanto a síntese protéica de colágeno aumenta, ou-tras proteínas têm sua síntese diminuída. A atrofia muscular do alcoóla-tra é um dado clínico que reflete a ação do álcool sobre a diminuição da síntese protéica. (Fig.6)

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Figura 6 – Esquema das alterações metabólicas em conseqüência da alteração do potencial redox (aumento da razão NADH/NAD). (- - - -: via deprimida / seta ? : aumento / seta ? : diminuição)

2.2 EFEITOS GERAIS DO ACETALDEÍDO

O acetaldeído é um metabólico muito reativo e tóxico, por isso é ca-paz de se combinar com os fosfolipídios, com os radicais dos aminoáci-dos e com os grupos sulfidrílicos. Conseqüentemente, afeta as membra-nas plasmáticas, despolimerizando as proteínas e alterando os antígenos de superfície. Em vista da reatividade do acetaldeído, vários dos seus efeitos metabólicos poderiam, aqui, ser listados, por exemplo, efeitos neurotóxicos, alteração na síntese de proteínas mitocondriais e outros. O acetaldeído também reduz a atividade dos sistemas lançadeira mitocon-driais, inibindo a fosforilação oxidativa com diminuição na capacidade mitocondrial do fígado de oxidar ácidos graxos. Este último efeito cita-do não ocorre pelo seu efeito direto, mas pela formação de NADH, co-mo explicado anteriormente.

Outro sítio de toxicidade do acetaldeído é o microtúbulo hepático. Encontrou-se in vivo redução dos microtúbulos e alterações microtubula-

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res em associação com secreção diminuída de proteína e retenção protéi-ca no fígado. Os microtúbulos são indispensáveis para a secreção normal da proteína. Quando estão alterados há inibição da secreção das glico-proteínas e da albumina recém-sintetizada pelo hepatócito, e a água, que normalmente é retirada em proporção correspondente à proteína, fica retida no hepatócito – edema do hepatócito – principalmente causa da hepatomegalia. A esteatose corresponde à apenas a metade do peso bru-to do fígado.

A interação do acetaldeído com aminoácidos (a.a.) também pode causar toxicidade. Por exemplo, a interação do acetaldeído com o amino-ácido L-cisteína não causa por si a toxicidade, pois tal complexo (acetal-deído – L-cisteína) não é tóxico. No entanto, a utilização da cisteína para formar este complexo leva à depressão de glutationa (GSH) no fígado. A GSH é formada por três aminoácidos: um deles é a cisteína. A quantida-de reduzida de GSH, provocada pela falta de cisteína disponível, favore-ce o dano peroxidativo das membranas, uma vez que normalmente re-presenta um dos mecanismos para varrer os radicais livres tóxicos. A im-portância da preservação da glutationa (GSH) consiste no fato de que o uso crônico de etanol induz à geração elevada de radicais livres pelo mi-crossoma, causando o dano peroxidativo, que é favorecido na ausência de glutationa.

De uma maneira resumida, foram expostos os efeitos gerais do ace-taldeído, segundo Lieber (1981).

2.3 DANO MITOCONDRIAL

O que será apresentado a seguir está baseado em Samuel William French (1979).

Evidencias morfológicas e bioquímicas comprovam que a ingestão al-coólica causa lesão mitocondrial. Esta ocorre principalmente no fígado, mas também em uma variedade de outros órgãos.

O dano mitocondrial é importante, porque é a base da hipótese de que o álcool ou seus metabólicos têm um efeito tóxico direto nas células, uma vez que ocorre falência das funções celulares dependentes da per-formance normal da mitocôndria. No caso do hepatócito, há falência de funções como metabolismo dos lipídios, processos metabólicos depen-dentes de energia e reações controladas pelo cálcio no citossol, por e-xemplo.

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Lieber relata que a mitocôndria fica mais suscetível aos efeitos do a-cetaldeído, mesmo que este se apresente em baixas concentrações, após o uso crônico de álcool.

2.3.1 EVIDÊNCIAS MORFOLÓGICAS

As evidências morfológicas são particularmente importantes.

Alteração no Tamanho da Mitocôndria

Alargamento mitocondrial é também conhecido como megamitocôn-dria e tem sido observado em biópsias hepáticas de alcoólatras. Anorma-lidades mitocondriais já podem estar presentes na esteatose alcoólica. Na hepatite alcoólica encontra-se megamitocôndria medindo 10 – 20 µM em diâmetro, em apenas alguns hepatócitos e em número de uma ou duas por células.

Diferentes características de anormalidade mitocondrial podem o-correr. As megamitocôndrias, às vezes, podem não apresentar sua dupla membrana e crista. É importante salientar que a megamitocôndria não corresponde ao edema mitocondrial. Na megamitocôndria a densidade de sua matriz é normal e, no edema mitocondrial a densidade é rarefei-ta. Contudo, em alguns estudos, foi observado aumento da opacidade da matriz nas megamitocôndrias.

Iseri e Gottlieb, citados por French (1979), subdividiram a mitocôn-dria gigante em três tipos:

a) Tipo esferóide que tinha crista esparsa e media 12 µM em diâme-tro.

b) Tipo alongado, medindo 15µM de largura. Havia inclusões crista-linas, as quais corriam paralelas ao eixo logitudinal da mitocôn-dria.

c) Forma irregular, com abundante crista e muitas inclusões cristali-nas.

O número de tipos de mitocôndrias gigantes não variou com a quan-tidade de álcool ingerido. Apenas a quantidade delas foi aumentada com a alta ingestão.

Segundo trabalhos de Oudea e colaboradores realizados com inges-tão alcoólica experimental, com o aumento do número de mitocôndrias é preferencial que um aumento individual do volume da mitocôndria, não sendo avaliados nesse trabalho casos de hepatite alcoólica. Trabalhos de

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Riessling e colaboradores ao avaliarem pacientes com hepatite alcoólica observaram um aumento do diâmetro da mitocôndria. Ficou a hipótese de que o aumento do número ou do seu tamanho pode refletir diferen-tes estágios na progressão da doença alcoólica. E a megamitocôndria (aumento do tamanho) é basicamente característica da hepatite alcoólica, sugerindo que ela é o resultado direto da toxicidade do etanol. Tem sido difícil determinar, nos referidos trabalhos, o significado funcional da megamitocôndria induzida pelo álcool, pois nenhuma alteração na taxa de oxidação do piruvato ou succinato foi observada, na presença de me-gamitocôndrias em pacientes alcoólatras.

Não está bem esclarecida, também, a patogênese das megamitocôn-drias. Conclui-se, apenas, que, como o aumento do seu número é peque-no nas células hepáticas de alcoólatras, elas são o resultado de um defei-to na expressão do genoma mitocondrial individual, e não o resultado da inibição de uma via nuclear direta. Nesse último caso, a quantidade de megamitocôndria seria maior, pois a alteração de uma via nuclear a-carretaria alterações em toda sua área respectiva.

Experimentos também tiveram como objetivo determinar se alguma dieta poderia prevenir as alterações mitocondriais. Por exemplo, injeção de vitamina B2 em animais com deficiência dessa vitamina, rapidamente, a mitocôndria gigante voltou ao tamanho normal por divisão da mega-mitocôndria. Observou-se, também, que essa pode ser transitória sem alteração nenhuma na composição da dieta.

Inclusões Mitocondriais

Inclusões Cristalinas

As inclusões cristalinas ocorrem, principalmente, em mitocôndrias ti-po alongadas, e algumas vezes em megamitocôndrias esferóides. Seu significado funcional é desconhecido, porém tem sido procurado correla-cionar sua freqüência com o grau de abuso alcoólico e com a função mi-tocondrial. Sabe-se que, com o abuso alcoólico, há aumento da freqüên-cia de mitocôndrias alongadas. Mas estas, tal como as megamitocôn-drias, provalvemente não afetam significativamente a função mitocon-drial. Dessa forma, as inclusões cristalinas não seriam uma expressão do dano hepático.

As inclusões cristalinas podem estar presentes em outras doenças: Diabete Mellitus, Hepatite Viral, Doença de Wilson, Mucopolisacaridoses e com o uso de anticoncepcional oral. As inclusões induzidas por contra-

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ceptivos orais não foram associadas a alterações de testes funcionais hepáticos.

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Grânulos Mitocondriais

Um aumento no número e tamanho de grânulos da matriz mitocon-drial tem sido observado em biópsias de fígados com doença alcoólica. Esses grânulos podem representar seqüestro circunscrito de cálcio ou outros cátions divalentes.

São lábeis e desaparecem em 15 minutos de isquemia, talvez devido à depleção de ATP ou devido à depressão da fosforilação oxidativa. Quando ocorre estimulação de uma atividade secretória que necessita de cálcio, este poderia ser liberado da mitocôndria e, assim os grânulos mi-tocondriais desapareceriam como conseqüência. No entanto, liberação de cálcio e diminuição do número de grânulos não apresentam correlação correspondente.

Portanto, é questionado esse depósito de cálcio nos grânulos da ma-triz mitocondrial. A literatura não descreve nenhum dado que suporte ou confirme essa idéia.

Edema Mitocondrial

A evidência de edema mitocondrial in vivo foi indicada pela rarefa-ção da matriz e pela ruptura da membrana externa. Essas características morfológicas traduzem o dano mitocondrial hepático causado pela inges-tão crônica de álcool, conforme conclui Lieber, citado por French (1979).

2.3.2 ALTERAÇÃO NA INTEGRIDADE FUNCIONAL DA MITOCÔNDRIA

Permeabilidade e Fragilidade

Pode-se avaliar o dano mitocondrial causado pelo álcool através das alterações na permeabilidade mitocondrial. As membranas mitocondriais interna e externa diferem em sua permeabilidade e em características osmóticas.

A membrana mitocondrial interna tem permeabilidade seletiva, per-mitindo a passagem de móleculas descarregadas de um peso molecular até 100 – 150. Já a membrana externa parece ser livremente permeável para ambas as moléculas carregadas e descarregadas com peso molecular superior, a cerca de 10.000. Assim, proteínas mitocondriais, íons e nucle-otídeos estão no compartimento interno da mitocôndria, envolto pela membrana interna e matriz.

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Alterações na permeabilidade da mitocôndria podem ser detectadas, considerando fundamentalmente três aspectos: edema osmótico do com-partimento da membrana interna, a perda de proteínas localizadas neste, e a elevação de agentes que normalmente são excluídos da mitocôndria. A fragilidade é o edema osmótico do compartimento interno, causado pela alteração na pressão osmótica ou na elevação de sais.

O edema do compartimento da membrana interna é correlacionado com a diminuição da fosforilação oxidativa, a diminuição no controle respiratório da mitocôndria e com o aumento da taxa de respiração e da atividade de enzimas latentes, onde a permeabilidade a substrato, catali-sadores ou coenzimas é fator limitante. Por exemplo, Palmieri e colabo-radores concluíram que o álcool aumenta a permeabilidade da mitocôn-dria a substratos e ao NAD.

O que sugere que a permeabilidade mitocondrial deve ser aumenta-da in vivo é a dosagem de enzimas derivadas da mitocôndria no soro de pacientes alcoólatras crônicos, exemplo, a glutamato desidrogenase e a enzima mitocondrial. Na interpretação desses resultados, surgem dois problemas. Um problema põe em questão qual é a célula de origem da mitocôndria danificada, pois uma variedade de tecidos pode ter liberado essas enzimas, apesar de o fígado ser a principal fonte. O segundo pro-blema é a razão para o escape de enzimas das mitocôndrias, ou seja, há dúvidas se as enzimas são liberadas de mitocôndrias danificadas de célu-las viáveis ou são liberadas por necrose celular total.

A fragilidade é constatada morfologicamente ao observar-se o ede-ma do compartimento da membrana interna, com a ruptura de outras membranas, a expansão da membrana interna e a rarefação da matriz in vivo.

A patogênese do aumento na fragilidade, induzida pelo álcool, de mitocôndrias hepáticas tem sido investigada. Experimentos concluíram que a fragilidade e a permeabilidade aumentadas podem resultar da hi-drólise de fosfolipídios ou da ação detergente de ácidos graxos livres ou lisolecitina. Observou-se que a heparina e albumina protegeram a mito-côndria do edema e do aumento da permeabilidade, induzidas pela liso-lecitina e pelos ácidos graxos livres liberados da hidrólise de fosfolipí-dios. Albumina e heparina previnem a hidrólise da membrana interna da mitocôndria, preservando a barreira de permeabilidade. A albumina também seqüestra ácidos graxos livres, protegendo a mitocôndria.

De um modo geral, o aumento na fragilidade induzida pelo álcool pode ser um resultado do aumento na atividade da fosfolipase mitocon-drial ou alteração da cadeia de transportes de elétrons, a qual manifesta-se in vitro.

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Composição Protéica

De um modo geral, na ingestão crônica de etanol, ocorre uma dimi-nuição da proteína mitocondrial que pode resultar da diminuição da taxa de síntese de DNA mitocondrial ou nuclear e da saída de proteína da mitocondria. Sabe-se que a diminuição de proteínas transportadoras e/ ou enzimáticas tem como conseqüência a alteração das funções mitocon-driais.

Os níveis de proteínas na mitocôndria sofrem influência de vários fa-tores. Por exemplo, a ação do hormônio glucagon reduz o nível de certas proteínas mitocondriais. Quanto à atividade das enzimas mitocondriais, essa pode aumentar ou diminuir com a ingestão crônica de álcool, mas deve-se lembrar de que latência enzimática, disponibilidade de substrato e cofatores também devem estar envolvidos. Contudo, segundo a litera-tura, o acetaldeído tem efeito inibitório direto no succinato e na alfa-glicerofosfato desidrogenase e citocromo oxidase (enzimas mitocondri-ais).

Composição Lipídica

Alterações na composição de triglicerídeos, de colesterol, de fosfoli-pídios e de ácidos graxos mitocondriais, causadas pela ingestão alcoólica, têm sido estudadas.

Sugere-se que a alteração nos AG (ácidos graxos) resulte de uma combinação dos efeitos do álcool no metabolismo lipídico, tais como: mobilização aumentada do tecido, diminuição na taxa de oxidação de ácidos graxos e inibição do sistema desaturação-elongação. Sendo que a inibição da dessaturação e a mobilização de AG seriam mediadas pela noradrenalina liberada pelo acetaldeído. A diminuição da taxa de oxida-ção dos AG, porém, pode resultar da inibição da cadeia respiratória do ciclo do ácido cítrico.

Bioenergética

Estudos de Banks e colaboradores e Rubin e colaboradores indicam que o consumo crônico de álcool leva a alterações na capacidade da mi-tocôndria de transformar energia química através da respiração celular. Numerosas funções celulares, como biossíntese, transporte e trabalho mecânico realizadas pelas células, necessitam de energia na forma de

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ATP para serem suportadas, e a mitocôndria fornece esse suplemento de energia.

A ingestão crônica de álcool leva a uma deficiência de ATP no fígado e cérebro. A patogênese dessa deficiência não é definida, existindo três hipóteses que sustentam uma possível explicação. A primeira é sugerida por Gordan. Admite-se uma síntese diminuída de ATP hepático devido aos níveis elevados de derivados de ácidos graxos CoA de cadeia longa, que impedem a transformação de ADP para ATP dentro da mitocôndria. A disponibilidade de ADP e de fósforos inorgânicos controlam a síntese de ATP. A deficiência de síntese de ATP explicaria a redução dos pro-cessos dependentes de energia do fígado como também o transporte de equivalentes redutores do citossol à mitocôndria (sistema lançadeira), du-rante a oxidação do etanol.

A segunda hipótese corresponde também a uma diminuição na taxa de síntese de ATP, porém devido à perda do controle da respiração ou inibição do fluxo de elétrons através da cadeia de transporte de elétrons. Experimentos evidenciam que o etanol deprime os estágios 3 e 4 da res-piração mitocondrial e reduz o controle respiratório no fígado. A capa-cidade da mitocôndria hepática em oxidar o acetaldeído encontra-se re-duzida devido ao consumo crônico de etanol. Por sua vez, o acetaldeído em excesso (não-oxidado) potencializa o dano da respiração mitocondri-al.

A terceira hipótese expõe uma redução dos níveis de ATP no fígado, devido a um aumento da taxa de utilização de ATP pela célula. Foi ob-servado um aumento da taxa de consumo de oxigênio pelo tecido hepá-tico. Certos estudos constataram que, após um intervalo de tempo de abstinência, o nível de controle respiratório e os estágios 3 e 4 da respi-ração da mitocôndria estavam normais. Com esses resultados pode-se concluir que a depressão na respiração e a perda do controle respiratório são reversíveis com a abstinência. Outro trabalho em que foi inibido o transporte ativo de Na+ e K+ , dependente de ATPase, houve uma dimi-nuição da taxa de consumo de oxigênio em animais. Esse dado sugere que o consumo aumentado de oxigênio pode provir de um aumento da taxa de hidrólise de ATP pela bomba de Na+ e K+ na membrana celular do hepatócito, com conseqüente deficiência de ATP.

Todo esse estado metabólico tem como conseqüência o aumento na vulnerabilidade da zona centrolobular das células hepáticas para hipóxia e necrose. O estado hipermetabólico mantém relação direta com a viabi-lidade das células. Assim, o aumento do consumo de oxigênio leva ao aumento do gradiente de oxigênio ao longo da extensão dos sinusóides, observando-se na zona 3 ou centrolobular necrose devido à hipóxia

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(conseqüente ao desvio de fluxo de oxigênio dessa zona para os sinusói-des).

O estado hipermetabólico induzido pelo etanol pode representar uma supersensitividade alfa-adrenérgica, na qual o hormônio da tireóide e a cortisona apresentam um papel permissivo. Adrenalectomia, tireoi-dectomia, uso de propiltiouracil ou fentolamine preveniram o estado hi-permetabólico causado pelo etanol. Catecolaminas também podem estar envolvidas. Sabe-se que há flutuações nos receptores sensitivos adrenér-gicos, durante a ingestão de etanol e abstinência, flutuações estas que podem resultar das alterações na taxa de liberação das catecolaminas.

Transporte de Cálcio

A ingestão crônica de etanol causa uma redução da taxa de cálcio pe-la mitocôndria hepática. A patogênese desse mecanismo é desconhecida. Porém, existe a hipótese de que um conteúdo alterado de fosfolipídios da mitocôndria pode levar a uma diminuição no cálcio.

Essa diminuição do cálcio afeta várias funções hepáticas. A mitocôn-dria é responsável pela compartimentalização intracelular do cálcio, con-trolando sua concentração no citossol e preparando sua atividade secre-tória.

Papel dos Ácidos Graxos no Dano Mitocondrial

É descrito na literatura que o metabolismo do etanol inibe a oxidação dos ácidos graxos na mitocôndria através da inibição do ciclo do ácido cítrico e/ ou da deterioração da cadeia respiratória.

O acetil-CoA de cada cadeia longa está aumentado na esteatose, ou seja, no consumo agudo de álcool. Esses ácidos graxos de cadeia longa têm afetado o transporte de metabólicos e íons que atravessam a mem-brana mitocondrial, inibindo a translocação de DNA (adenina nucleotí-deo), aumentando a permeabilidade para cátions monovalentes, aumen-tando a permeabilidade para prótons e fornecendo substrato para sínte-se de ATP. As alterações acima podem refletir um papel de regulação da acetil-CoA de cadeia longa e não patologia mitocondrial.

Peroxidação Lipídica

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Tem sido observado a peroxidação lipídica em frações microssomais e mitocondriais, em animais de experimentação com administração pro-longada de etanol. Supõe-se que a peroxidação resulte do sistema mi-crossomal catalisado pelo NADH, ou seja, que a peroxidação lipídica seja causada pelo etanol ao induzir os microssomas a formar radicas livres (tóxicos). Segundo Lieber, a via microssomal, a qual requer O2 e NAD-PH, realmente, é capaz de gerar peróxidos lipídicos, pois a atividade aumentada do oxidase microssomal do NADPH pode resultar na produ-ção elevada de H2O2, favorecendo a peroxidação lipídica.

A peroxidação pode ser destrutiva aos lipídios e conseqüentemente causar a perda de proteínas na membrana mitocondrial. Edema, lise e perda de proteínas ocorrem nas mitocôndrias, durante peroxidação in vivo. Há muita controvérsia nos estudos, mas, de um modo geral, pode concluir-se que a peroxidação lipídica reflete a quantidade de antioxi-dante e ácidos graxos polisaturados presentes. Segundo Samuel W.French (1979), a peroxidação detectada não é relevante para o estado da mitocôndria in vivo.

Em conclusão, a peroxidação lipídica é um processo bioquímico, no qual formam-se radicais livres que têm alto potencial de destruição sobre a mitocôndria.

A lesão peroxidativa é agravada por um outro fator: a diminuição dos níveis de glutation, que é um protetor da ação tóxica dos radicais livres, por causar a depuração desses radicais. Como já foi explicado (no relato dos efeitos gerais do acetaldeído), o acetaldeído liga-se ao amino-ácido L-cisteína, impedindo a formação de glutation, ou liga-se ao pró-prio gluta-tion, impossibilitando sua ação depurativa. Mas Lieber faz a seguinte observação: "... a diminuição do glutation per si não basta para produzir lesão hepática. Talvez seja necessária uma formação maior de radicais livres." (1991, 370)

2.4 ESTADO HIPERMETABÓLICO E DISPONIBILIDADE DE OXIGÊ-

NIO

2.4.1 METABOLISMO DO ETANOL E CONSUMO DE OXIGÊNIO

Já foi mencionado que a quantidade de desidrogenase alcoólica e a transferência de equivalentes redutores para dentro da mitocôndria po-dem ser estágios limitantes no metabolismo do etanol. Estudos realiza-

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dos no início da década de 70 indicaram que o principal estágio limitante é a taxa de reoxidação mitocondrial de equivalentes NADH produzidos. Estes equivalentes NADH produzidos, no metabolismo do etanol, são oxidados pela mitocôndria preferencialmente que os equivalentes da o-xidação de outros substratos.

A oxidação do etanol até acetato utiliza 60% a 80% do oxigênio (O2) consumido pelo fígado, dessa forma limitando outros processos de oxi-dação. O NADH, ao ser oxidado, consome O2, mas CO2 não é produzi-do, observando-se, assim, uma acentuada redução na razão CO2 /O2. A baixa produção de CO2 reflete certo grau de inibição da atividade do ciclo do ácido cítrico.

A taxa dos diversos processos metabólicos é limitada por seus reque-rimentos de energia da célula. Esses requerimentos são normalmente comunicados à mitocôndria pelos níveis relativos de ADP, ATP e fosfato inorgânico, ou melhor, pelo potencial de fosforilação.

Conforme Israel e colaboradores (1979), se existe uma relação entre a taxa de metabolismo do etanol e o consumo de O2, suas correlações de-veriam existir: 1. A taxa do metabolismo do etanol deveria ser direta-mente relacionada à taxa do metabolismo basal da célula. 2. Um aumento da capacidade da célula para utilizar oxigênio a nível mitocondrial deve-ria levar a um aumento da taxa do metabolismo do etanol.

Ambas correlações surgiram, experimentalmente, com resultados di-versos conforme o animal utilizado (rato, coelho, cavalo, cachorro, etc.).

Já se tem o conhecimento de que a ingestão crônica de etanol pode levar a um aumento do metabolismo do etanol, no homem e em animais experimentais. O estado hipermetabólico do fígado é evidenciado pelo aumento de cerca de 20% a 60% da taxa de consumo de O2, em ratos. Não há nenhum dado disponível para a taxa de consumo de O2 nos fíga-dos dos alcoólatras. Provalvemente, o aumento da utilização de O2 total ocorre independente do mecanismo responsável pelo aumento do meta-bolismo do etanol. A utilização de oxigênio por grama de fígado é afe-tada marcadamente pela presença ou ausência de hepatomegalia, que freqüentemente ocorre durante o consumo crônico de etanol, dependen-do do tipo de dieta, peso e idade do animal usado.

2.4.2 DISPONIBILIDADE DE OXIGÊNIO E DANO HEPÁTICO ALCOÓLICO

Na doença hepática alcoólica, a necrose hepatocelular é normalmente vista na periferia do ácino (área centrolobular). A necrose ocorre justamente na zona de mais baixa tensão do oxigênio, determinando a relação da oxigenação tecidual com o dano hepático. A área

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da oxigenação tecidual com o dano hepático. A área centrolobular é a zona do ácino mais distante do ponto de irrigação sangüínea, por isso as tensões de oxigênio são as mais baixas. As células dessa região ficam tão distantes de seus próprios vasos aferentes quanto daqueles dos ácinos adjacentes. A zona periférica ou periferia microcirculatória é a zona 3 do ácino. E as porções mais periféricas das zonas 3 de vários ácinos adjacen-tes correspondem à área perivenular. Com a progressão do dano ocor-rendo apenas nesta área, a região danificada assume a forma de uma es-trela do mar.

Quando a disponibilidade de oxigênio é reduzida abaixo do normal por qualquer condição fisiológica, farmacológica ou patológica, há acen-tuação da hipóxia periacinar com progressão para dano hepático e necro-se. No alcoólatra ocorrem com bastante freqüência duas condições em que diminui a disponibilidade de O2: a depressão respiratória devido à pesada intoxicação alcoólica ou devido a patologias como pneumonia e insufi-ciência pulmonar e, como segunda condição, a anemia que também pode ocorrer em alcoólatras.

Em estudos de Israel e colaboradores (1979) sobre lesões hepáticas, devido ao uso crônico de etanol foram observadas alterações centrolo-bulares (periacinar), caracterizadas por necrose, degeneração e infiltrado leucocitário. A gordura centrolobular estava sempre presente, indepen-dente de presença ou não de necrose.

Segundo S.Sherlock (1988) a gordura se acumula nas zonas 3 e 2, res-pectivamente zonas centrolobular e médio-lobular, com esteatose difusa nos casos mais graves. A gordura pode se apresentar na forma macrove-sicular ou microvesicular, sendo esta mais freqüente. Os corpúsculos hia-linos de Mallory consistem de inclusões citoplasmáticas localizadas nas áreas centro-lobulares e parecem estar em conexão com as vesículas da membrana plasmática e o núcleo. Podem persistir por até seis meses após a suspensão do etanol.

Considerando-se que o dano hepático causado pelo etanol é muito sensível à redução na disponibilidade de O2, foi feito um estudo, por Israel e colaboradores (1979), com a administração da droga propiltiou-racil, que reduz o consumo de O2 tecidual, através de seu efeito antitire-oideano. O tratamento com propiltiouracil protegeu contra o dano hepá-tico produzido pela hipóxia, mostrou redução nos pontos de necrose he-pática e redução dos níveis de TGO.

A falta de glicogênio no fígado de animais com ingestão de etanol poderia somar-se ao dano isquêmico, uma vez que o glicogênio é reque-rido para sustentar glicólise anaeróbica. Animais com uso crônico de e-tanol têm seu efeito mais suscetível à anóxia que os de animais-controle.

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Não se tem conhecimento se a hipóxia é o mecanismo pelo qual le-sões hepáticas ocorrem no alcoólatra, embora hipoxemia e anemia ocor-ram com freqüência em alcoólatras. Segundo Israel e colaboradores (1979, 441) vários fatores predispõem a hipóxia hepática em alcoólatras, tais como:

1. Estado hipermetabólico / Hepatomegalia 2. Anemia a) Problemas nutricionais concomitantes b) Hemorragia/Gastrite Aguda c) Anemia funcinal 3. Disfunção respiratória e saturação de hemoglobina a) Depressão respiratória b) Fumo c) Disfunção pulmonar d) Infecções respiratórias 4. Fatores hemodinâmicos a) Cardiomiopatia alcoólica

Um efeito, a ser avaliado, das baixas tensões de O2, é que estas ini-bem a destruição de colágeno, muito mais que a síntese deste. Essa con-dição resultaria no acúmulo de colágeno e fibrogênese. Foi observado que, em pacientes com esteatose e fibrose, a saturação de O2 da hemo-globina na veia hepática é reduzida.

2.5 FIBROGÊNESE HEPÁTICA

Apesar do alcoolismo ser uma das principais causas de cirrose, ape-nas 8% a 10% dos alcoólatras a desenvolvem, segundo estatísticas ameri-canas (EUA). Isso sugere que outros fatores, como dieta, tóxicos ou ge-nética, também são importantes na patogênese da cirrose.

Até o desenvolvimento da cirrose, muitas lesões típicas do consumo de etanol ocorrem no fígado -esteatose, hepatite alcoólica e fibrose. A es-teatose é uma condição reversível e não há evidência de que ela pre-disponha a cirrose (não leva à cirrose diretamente). Apenas há achados que sugerem a associação entre a infiltrição de gordura no hepatócito e a fibrogênese, como: o aumento na atividade da enzima colágeno prolina hidroxilase, em ratos e macacos e maior concentração de triglicerídeos

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em macacos com hepatite alcoólica e cirrose, do que naqueles com estea-tose apenas.

A hepatite alcoólica, entretanto, tem mostrado preceder o desenvol-vimento da cirrose no homem. A necrose e a inflação polimorfonuclear, características da hepatite alcoólica, levariam ao processo cicatricial da cirrose, mas este pode não ser o único mecanismo envolvido. Na verda-de, pode não ser uma etapa necessária no desenvolvimento de cirrose alcoólica. Em algumas populações da Europa e do Japão, a cirrose co-mumente desenvolve-se em alcoólatras sem um característico estágio intermediário de hepatite alcoólica com extensa inflamação polimorfonu-clear. Levanta-se a questão do que poderia iniciar o processo de cirrose na ausência de hepatite alcoólica. Talvez, a presença de mínima inflama-ção e necrose seja suficiente para o gatilho da fibrose, ou ainda, o etanol poderia ter efeitos diretos sobre o metabolismo do colágeno, indepen-dente de necrose e inflamação.

A fibrose hepática inicia com um aumento da deposição de colágeno, sem nenhum colapso do retículo hepático. A deposição excessiva de co-lágeno no tecido hepático é um marco no desenvolvimento da doença hepática crônica. Em biópsias hepáticas, o conteúdo do colágeno em fí-gados cirróticos é quatro a cinco vezes maior que em fígados normais. Essa deposição de colágeno pode resultar ou da síntese de colágeno au-mentada, ou da degradação diminuída ou de ambas. Enfim, o mecanis-mo da fibrogênese ainda é desconhecido.

2.5.1 SÍNTESE DO COLÁGENO

A biosíntese do colágeno envolve a síntese de cadeias de polipeptí-deos de colágeno não-hidroxilados, no retículo endoplasmático rugoso, seguido pela hidroxilação de prolina e por outros eventos bioquímicos. O colágeno é composto por dois tipos de aminoácidos especiais: hidroxi-prolina e hidroxilisina, derivados respectivamente de dois aminoácidos primários prolina e lisina. O característico no colágeno é seu conteúdo rico de prolina e hidroxiprolina, um aminoácido raro. A hidroxilação da prolina à hidroxiprolina é catalizada pela enzima colágeno-prolina-hidroxilase. Em seguida há a formação de moléculas procolágenos, ainda nos ribossomos, e a extrusão destas para dentro do espaço extracelular, com formação de fibrina e fibras colágenas entrecruzadas.

A fibrose na doença hepática alcoólica ocorre proeminentemente na área centrolobular, e em alguns casos levando à obliteração de ramos da veia hepática. A área centrolobular ou zona 3 do ácino (descrita por Rap-

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paport e Hiraki) é a última a receber O2 e nutrientes, associada, ainda , à deficiência de ATP e consumo elevado de oxigênio, torna-se o local onde ocorre a lesão. Devido à fibrose ocorrer nessa área, tentou-se correlacio-nar a hipóxia e a formação de lactato com a fibrogênese. In vitro, a enzi-ma colágeno-prolina-hidroxilase (que transforma a prolina em hidroxi-prolina) existe como precursora inativa, e pode ser ativada pela anóxia, lactato e ascorbato. Segundo Lieber, concentrações elevadas de lactato têm sido associadas com atividade aumentada da enzima in vitro e in vi-vo.

Existe uma relação entre a oxidação do etanol e a fibrogênese. A con-seqüência da oxidação do etanol é o acúmulo de NADH e o aumento da razão NADH/NAD, como visto anteriormente. Um dos resultados desse produto (NADH) é o aumento na quantidade de lactato produzi-do pelo piruvato, e conseqüente aumento da razão lactato/piruvato. A atividade da desidrogenase alcoólica é maior no centro que nas zonas periportais do lóbulo. Poder-se-ia especular que taxas maiores de meta-bolismo do etanol e acúmulo de lactato ocorrem na zona centrolobular do fígado, e isto explicaria a deposição aumentada de colágeno nessa zona.

Via de formação do ácido lático:

NADH + H+ NAD+

ácido pirúvico ácido lático lactato desidrogenase

Obs.: O NADH é proveniente do metabolismo do etanol.

A razão NADH/NAD+ elevada, que ocorre durante a oxidação do etanol, também pode levar à fibrogênese, aumentando a disponibilidade de prolina. A quantidade de prolina livre tem sido correlacionada com o conteúdo de colágeno de fígados cirróticos. O aumento das concentra-ções de prolina sérica e hidroxiprolina no soro foram encontradas em pacientes alcoólatras com cirrose ou hepatite alcoólica. Os valores do so-ro diminuíram em pacientes alcoólatras com acompanhamento sem in-gestão de etanol, em abstinência, sugerindo que o etanol tenha sido a causa da elevação dos valores. O aumento da concentração de prolina no soro pode estar associada a um aumento do conteúdo de prolina livre no fígado, o qual, por sua vez, é associado com deposição aumentada de colágeno. O acúmulo de prolina é devido a ambos: um aumento da sínte-se e diminuição da degradação de prolina (inibição da enzima prolina oxidase).

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A prolina é formada a partir do ácido glutâmico e da arginina. Foi observado que a transformação do ácido glutâmico à prolina é aumenta-da na presença do etanol, e este inibe a oxidação da prolina para glicose. O resultado desse fenômeno bioquímico é um aumento dos níveis de prolina. Quanto à outra fonte de prolina, a arginina, sua contribuição na doença hepática alcoólica não é determinada (Fig.7).

Figura 7 – Representação do excesso de prolina, em decorrência da ação do etanol sobre sua formação, a partir do ácido glutâmico, e sobre sua oxidação à glicose.

Em pacientes com hepatite alcoólica, foi determinado um marcado aumento da atividade da enzima colágeno-prolina-hidroxilase hepática. Sendo que, dentre esses pacientes, as mais altas taxas de atividade de enzima foram encontradas naqueles com mais extensa fibrose na biópsia hepática. Pacientes com infiltrado de gordura no fígado (esteatose) tive-ram apenas moderadas elevações de enzima, enquanto aqueles com cir-rose inativa tiveram atividade da enzima normal. Em relação ao estágio da esteatose, vale acrescentar que a fibrose pericentral já pode ocorrer nesse estágio, porém a deposição de colágeno não é suficiente para tor-nar-se visível ao microscópio óptico, conforme reconhece Lieber.

A hiperatividade imunológica pode representar um papel na fibro-gênese pela sua associação com necrose de células hepáticas e inflamação, e com a liberação de fatores fibrogênicos ou durante reações antígeno-anticorpo ou de linfócitos estimulados. O acetaldeído, ao provocar modi-ficações na membrana do hepatócito, pode resultar na formação de antí-geno, ou ele mesmo pode tornar-se antigênico graças à combinação cova-lente com proteínas normais ou anormais do fígado.

A dimunição na imunidade celular a antígenos não-específicos em pacientes com doença hepática alcoólica é provavelmente causada pela

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má nutrição e por uma deficiência das vitaminas, tais como ácido fólico e piridoxina.

A adição de etanol ou acetaldeído resultou na transformação aumen-tada de linfócitos de pacientes com hepatite alcoólica e hepatite crônica ativa, mas naqueles com cirrose inativa, esteatose, hepatite viral ou fíga-do normal não foi observado. Os linfócitos dos pacientes com hepatite alcoólica liberam um fator, o qual aumenta a formação e a secreção de hidroxiprolina, favorecendo a síntese de colágeno.

O depósito de colágeno inicia na zona perivenular onde ocorre a pro-liferação de miofibroblastos. Após, a fibrose estende-se para a zona pe-rissinusoidal, onde há aumento das células de Ito, com transformação destas em células de transição. Com o abuso de etanol, observou-se também a proliferação de miofibroblastos concomitantemente com o de-pósito progressivo de colágeno. A composição do tecido fibroso sugere a participação de uma célula fibroblástica de grande potencial biosintético. Estudos sugerem que os miofibroblastos e os linfócitos mononucleares representam um papel importante no depósito excessivo de colágeno. Segundo Lieber, a proliferação dessas células pode ser um dos fenôme-nos mais precoces do desenvolvimento da fibrose.

Ao mecanismo imunológico também tem sido atribuída a evolução progressiva da lesão hepática, em certos casos em que há suspensão do consumo de etanol pelo paciente.

O colágeno hepático total (frações de colágeno solúvel e insolúvel) está aumentando em pacientes com hepatite alcoólica e cirrose, mas não naqueles com esteatose. Por sua vez, a razão de colágeno solú-vel/insolúvel está aumentado na hepatite alcoólica e cirrose. O colágeno solúvel é um precursor do colágeno insolúvel.

O início da formação da fibrose (colágeno solúvel) está associado a um aumento paralelo das células parenquimais. A mais avançada cirrose está associada a uma célula pobre em colágeno insolúvel, o qual tem uma meia vida prolongada.

Como relata Esteban Mezey (1979), vários tipos de colágeno, os quais diferem na composição da cadeia, têm sido descritos. O colágeno no fígado normal é predominantemente tipo I. Um acúmulo de colágeno tipo III foi demonstrado em cirrose por imunohistoquímica em áreas de hepatócitos necrosados. Há uma associação entre o colágeno tipo III e células parenquimais lesadas, sugerindo que hepatócitos, os quais têm sido demonstrado conter colágeno-prolina-hidroxilase, podem sintetizar este tipo de colágeno. Histoquimicamente, procolágenos e colágenos tipo I e III são depositados, com elastina e fibronectina. Na progressão do processo, há inicialmente deposição de abundantes maços de colágeno

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nas áreas perivenulares, formando a esclerose perivenular, e, por último, desenvolvendo fibrose e cirrose.

Glicosaminoglicans tem uma função na armação extracelular e na ar-quitetura do colágeno durante fibrogênese in vivo. O aumento desses ácidos mucopolissacarídeos foi encontrado em fígados de pacientes com hepatite alcoólica e cirrose.

2.5.2 DEGRADAÇÃO DO COLÁGENO HEPÁTICO

A maioria do colágeno corporal é relativamente inerte: no entanto, acompanhando a deposição de colágeno aumentada secundária ao dano de certos tecidos, tais como músculo e fígado, a degradação do colágeno pode tornar-se muito rápida. O desenvolvimento da fibrose pode ser rapidamente reversível, enquanto a cirrose avançada está associada com uma meia vida prolongada do colágeno insolúvel, compatível com uma diminuição na taxa do catabolismo do colágeno. A deposição de coláge-no foi atribuída a uma maior inibição da sua degradação do que da sua síntese.

O colágeno na forma de fibrina é estável à temperatura e pH ambien-te e resistente ao ataque de enzimas proteolíticas. Enzimas capazes de digerir peptídeos sintetizados artificialmente em pH fisiológico têm sido encontradas em biópsias hepáticas de pacientes com fibrose. A atividade da colagenase, a qual degrada o colágeno em pH neutro, demonstrou estar elevada em fibrose hepática e estar localizada principalmente nas células de Kupffer. Também foi observado um aumento do número e do tamanho dessas células. Embora a degeneração das fibrinas de colágeno terem ligação com as células de Kupffer, segundo o microscópio eletrôni-co, o significado da proliferação das células de Kupffer em relação à de-gradação do colágeno não está bem elucidada. Isso pode explicar o au-mento da atividade da colagenase neutra que foi observado, principal-mente na etapa inicial da lesão hepática alcoólica. Com o decorrer da a-gressão, a atividade da enzima diminui e progride com o acúmulo de colágeno.

O aumento da degradação de colágeno hepático, associado à doença hepática alcoólica, pode ser sugerido por dois meios. O primeiro pelo aumento da atividade de enzimas lisossômicas encontradas no soro de pa-cientes alcoólatras. Essas enzimas representam um papel na degrada-ção de fragmentos de colágeno produzidos pela ação da colagenase, e na degradação de mucopolissacarídeos. O outro meio é pelo aumento da excreção urinária de hidroxiprolina ligada a peptídeo e da glicosamino-

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glicans, em pacientes com hepatite alcoólica e cirrose. Esses elementos encontrados na excreção urinária, após uso crônico de etanol, podem, no entanto, ser encontrados também em doenças colagenosas.

A quantidade de deposição de colágeno na lesão hepática associada ao etanol dependerá das taxas relativas de síntese e degradação, as quais permanecem, ainda, sem determinação.

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SEGUNDA PARTE

HEPATOPATIAS

ALCOÓLICAS

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A grande difusão do uso e abuso de bebidas alcoólicas no mundo to-

do faz com que sejam muito freqüentes as conseqüências hepáticas da ingestão etílica, a tal ponto que esta se constitui na segunda mais fre-qüente causa de hepatopatia, perdendo apenas em incidência para a he-patite viral aguda tipo A, que ainda tem caráter de ocorrência endêmica e até epidêmica na infância principalmente em países subdesenvolvidos. Esta grande suscetibilidade do fígado ao álcool deve-se ao fato de que 80% a 90% do álcool ingerido sofre metabolismo hepático. Os restantes 10% a 20% são eliminados principalmente pelo pulmão sem sofrer meta-bolismo e se constituem na porção-medida pelos testes exalatórios (ba-fômetros) na expiração – método utilizado para avaliação de ingestão alcoólica inclusive para fins legais, cujo nível mínimo para detecção é 80mg/dl (Manual de Farmacologia Clínica, Terapêutica... – Darcy R. Lima). Assim torna-se imprescindível o conhecimento das patologias hepáticas alcoólicas que se constituem fundamentalmente em 3 doenças:

– esteatose hepática; – hepatite alcoólica; – cirrose alcoólica. Esta classificação que se baseia principalmente em aspectos histológi-

cos pode conter uma 4ª patologia: a fibrose hepática, por muitos conside-rada uma patologia em si e não apenas conseqüência passiva (cicatricial) de necrose e inflamação prévias.

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Fatores predisponentes para o alcoolismo e para a doença hepática alcoólica / 57

3

FATORES PREDISPONENTES PARA O ALCOOLISMO E PARA

A DOENÇA HEPÁTICA ALCOÓLICA

Fatores genéticos e ambientais independentes podem determinar a suscetibilidade para o desenvolvimento da dependência ao álcool (alcoo-lismo) e para o desenvolvimento de hepatopatias alcoólicas.

Suscetibilidade ao Alcoolismo

A idéia de que o alcoolismo é familiar é antiga. Em cerca de 150 es-tudos revisados em 1980 por Goodwin, todos, exceto um (Elderton e Pearson, 1910) confirmaram maiores taxas de alcoolismo entre parentes de alcoólicos do que na população geral. Porém familiar, naturalmente não significa hereditário e é muito difícil a separação dos efeitos da cons-tituição genética dos devidos ao meio ambiente, já que ambos são passa-dos ao indivíduo pelos progenitores.

Um dos meios para superar este problema é comparar as taxas de concordância para o alcoolismo em gêmeos idênticos e não-idênticos. Assim, o meio ambiente é similar para ambos os gêmeos monozigóticos e dizigóticos e uma taxa de concordância mais elevada nos monozigóticos indicaria uma predisposição genética. A maioria dos estudos chegaram a esta conclusão, embora as taxas de concordância tenham variado. Kaij (1960) encontrou uma taxa de concordância para o alcoolismo em 54% no grupo monozigótico e apenas 28% no grupo dizigótico num estudo de 174 pares de gêmeos masculinos. Outros estudos (Partenen, Bruun e Markkanen 1966; Jonsson e Nilsson, 1968) não observaram diferenças com relação às conseqüências do alcoolismo, mas confirmaram uma taxa de concordância para os hábitos alcoólicos em gêmeos monozigóticos

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que nos dizigóticos. Da mesma forma, Loehlin (1972) encontrou um va-lor de hereditariedade para consumo de álcool de 0,54 para gêmeos masculinos, e Kaprio e colaboradores (1978) um valor de 0,37. Estes es-tudos mostram que os hábitos alcoólicos dos gêmeos monozigóticos são mais uniformes que nos dizigóticos, e isto ocorreu mesmo quando os gêmeos monozigóticos tenham crescido separadamente. A base genética subjacente a este padrão hereditário de ingesta alcoólica é desconhecida, mas pode estar relacionada a variações no metabolismo do álcool, o qual também se mostrou sob um alto grau de controle genético em estudos com gêmeos. Vesell, Page e Passananti (1971) observaram um valor da hereditariedade de 0,98 para as taxas de eliminação do álcool, enquanto Forsander e Eriksson (1974) encontraram um valor de 0,8 para as taxas de eliminação do álcool no sangue venoso e de 0,6 a 0,8 para o acetalde-ído. Kopun e Propping (1977) não só confirmaram estes achados, mas o último autor também mostrou que a suscetibilidade à intoxicação pelo álcool em gêmeos também é fortemente regulada por fatores genéticos.

Contudo, estudos com gêmeos podem sofrer críticas de que repre-sentam uma população geneticamente selecionada. Também indivíduos que parecem iguais tendem a ser tratados de forma idêntica, e assim o meio ambiente pode não ser tão similar para os gêmeos dizigóticos como o é para os monozigóticos. Para transpor estas críticas, estudos seme-lhantes foram realizados em meio-irmãos e crianças adotadas (Winokur e Clayton, 1968; Schuckit, Goodwin e Winokur, 1972; Goodwin e colabo-radores, 1973, 1974; Cadoret, Caie e Grove, 1980) e estes estudos tam-bém indicaram que fatores genéticos determinam os hábitos alcoólicos. As crian-ças adotadas apresentam maior probabilidade de necessitar tra-tamento por problemas decorrentes do álcool se um ou ambos os pais biológicos tivesse tratado um problema alcoólico. Além disto, os meio-irmãos cujo pai biológico comum tivesse um problema alcoólico tiveram mais problemas com álcool que a população geral, independente de se-rem criados ou não com o pai alcoolista.

Devido a estas evidências de uma predisposição genética ao alcoo-lismo tem sido pesquisados numerosos marcadores genéticos que pos-sam identificar o genótipo suscetível. Assim, antígenos de grupos san-güíneos e tipos de imunoglobulinas foram muito estudados. Porém, os achados tem sido inconsistentes e podem ser criticados.

Os marcadores específicos tendem a se concentrar em populações isoladas e em grupos étnicos especiais, que podem também ter uma ba-gagem cultural peculiar, incluindo hábitos de consumo de álcool e é mui-to difícil separar os efeitos da tradição dos devidos à constituição gené-tica.

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Também, na maioria dos estudos dos marcadores genéticos, o grupo de alcoólicos não foi representativo o suficiente e é difícil encontrar con-troles com idade, profissão, condições de vida e bagagem étnica simila-res.

Além disto, o consumo de álcool em si pode causar alterações bio-químicas que impedem a identificação de alguns marcadores; o alcoolis-mo não está geneticamente ligado à cegueira para cores, mas o álcool causa distúrbios temporários na visão em cores (Thurline, 1972).

Todos os estudos antes mencionados com gêmeos, meio-irmãos e adotados, que mostraram uma predisposição genética ao alcoolismo, fo-ram realizados em homens e investigar a razão para a diferença na inci-dência de alcoolismo entre os sexos é um exemplo a mais da dificuldade de separar as influências genéticas das ambientais. As tentativas de de-monstrar que os padrões de ingesta alcoólica também são hereditários nas mulheres foram menos conclusivas (Goodwin e colaboradores, 1977). O alcoolismo é claramente menos comum em mulheres, mas isto certa-mente não é herdado como uma predisposição ligada ao sexo.

Suscetibilidade para o Desenvolvimento de Lesão Hepática Alcoó-lica

Vários estudos em alcoólicos mostram que uma grande ingestão al-coólica durante vários anos está associada a uma maior incidência de cir-rose. Porém, observando por outro ângulo, a incidência de cirrose em alcoólicos permanece surpreendentemente baixa, e não se pode fazer uma relação simples de dose-resposta entre a ingestão alcoólica e o grau de lesão hepática. Por isto, tem sido sugerido que outros fatores adicio-nais, genéticos ou ambientais influenciam na suscetibilidade ao desen-volvimento da doença hepática.

Possíveís Fatores Genéticos

1 – HLA-B "locus"

Alguns estudos indicam que a suscetibilidade a lesões hepáticas in-duzidas pelo álcool mostrou um desequilíbrio da "linkage" com alelos do "locus" B do antígeno leucocitário humano (HLA). A linkage pode ser com diferentes "pools" de genes, mas deve sempre com o mesmo "locus". Um estudo de Bailey e colaboradores (1976) num grupo de caucasianos

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britânicos mostrou uma incidência aumentada do HLA-B8 em pacientes com cirrose alcoólica e uma incidência normal em pacientes com esteato-se alcoólica. Esta observação foi confirmada por Morgan e colaboradores em 1980, que também demonstraram uma elevada incidência de B8 em pa-cientes britânicos com hepatite alcoólica severa, não observada em pacientes com cirrose inativa ou esteatose. Um estudo de Melendez e colaboradores em 1979 descreveu a associação de outro alelo do locus B – B13, associado com cirrose alcoólica em pacientes chilenos. Também foi descrita uma associação entre cirrose alcoólica e o alelo BW40 em pacien-tes escandinavos (Bell e Nordhagen). Contudo, outros autores não de-monstraram esta relação com alelos do "locus" B, isto pode ter ocorrido pela variedade na composição do grupo estudado.

Mesmo aceitando uma associação com os alelos do "locus" B, preci-samos considerar a natureza dos fatores genéticos responsáveis por essa associação. Algumas hipóteses devem ser consideradas:

1ª) Os genes que regulam a resposta imune (Ir genes) estão presentes no cromossomo 6, próximo ao "locus" dos genes que controlam a expres-são dos antígenos de histocompatibilidade (HLA) na membrana celular. Os genes que codificam a Ir e o HLA -B ou -D tendem a permanecer as-sociados com certa freqüência numa dada população. Desta forma, a as-so-ciação de uma doença com certo fenótipo HLA-B ou -D pode indicar a influência de um grupo de genes da resposta imune, predispondo a-quele indivíduo àquela doença.

2ª) Uma outra alternativa é que genes que controlam processos não-imunes que predispõem ao desenvolvimento de uma certa doença tam-bém possam estar próximos ao "locus" dos HLA-B ou -D e mostrar um desiquilíbrio na ligação com estes genes. Assim, a associação de uma do-ença com um determinado fenótipo HLA pode indicar fatores hereditá-rios imunológicos ou não-imunológicos, determinando a suscetibilidade à doença.

2 – Variações no Sistema Enzimático: ADH e ALDH

A suscetibilidade individual pode também ser resultado de variações no sistema enzimático que metaboliza o álcool. A Desidrogenase Alcoóli-ca (ADH) tem múltiplas formas moleculares. Esta heterogeneidade se desenvolve no período peri-natal e é encontrada no fígado adulto em extensões variáveis. Na eletroforese de homogenados de fígado humano foram demonstradas mais de nove bandas principais de ADH. A ativi-dade específica da ADH também varia largamente e variações de mais de 50 vezes foram relatadas em fígados de autópsia.

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Baseado na análise dos padrões eletroforéticos da ADH de homoge-nados de fígados de autópsia, Smith e colaboradores (1972-73) sugeriram haver três separados "loci" de genes, designados ADH1, ADH2 e ADH3, os quais codificam três cadeias de polipeptídeos estruturalmente distin-tas, alfa, beta e gama, respectivamente. Como a ADH é um dímero, as múltiplas formas moleculares podem ser homodiméricas ou heterodimé-ricas. Desta maneira, o esquema tradicional foi modificado. Por exemplo, havia sido descrita por Von Wartburg e colaboradores, em 1974, uma ADH atípica com um pH ótimo baixo, maior atividade e comportamento diferente frente aos inibidores. De acordo com o modelo de Smith, este comportamento atípico é o resultado do polimorfismo genético no "lo-cus" do gen ADH2 que codifica uma cadeia beta2, a qual difere da cadeia normal beta¹ pela substituição de um aminoácido. O polimorfismo genéti-co também está presente nas cadeias gama¹ e gama², codificadas pelo "lo-cus" ADH3 e outras isoenzimas da ADH foram sendo descritas.

O significado in vivo de polimorfismo da ADH ainda não está claro, mas foi proposto (Von Wartburg e colaboradores), que as diferenças in-dividuais e raciais na sensibilidade ao álcool possam ser parcialmente determinadas por isso. Os caucasianos têm uma baixa incidência de ADH atípica, mas as populações mongólicas têm uma incidência de aproxima-damente 85%, e os orientais metabolizam o álcool mais rapidamente que os caucasianos (Reed e colaboradores, 1976). Além disto, muitos japone-ses sofrem de uma desagradável síndrome de "flushing" após ingestão alcoólica moderada. Foi sugerido que isto poderia ser causado pela ADH atípica mais ativa, produzindo altos níveis de acetaldeído na circulação que mediaria este efeito nocivo. Contudo, ainda não foi demonstrada uma correlação direta entre ADH atípica e altos níveis sangüíneos de acetaldeído. Outros autores (Goedde e colaboradores 1979) sugeriram que a causa dos elevados níveis séricos de acetaldeído observados em muitos japoneses após a ingestão de álcool deve-se à ausência de uma isoenzima de alta atividade da desidrogenase do acetaldeído.

O metabolismo do acetaldeído, o primeiro produto da oxidação do etanol, merece considerável atenção, pois tem sido implicado no desen-volvimento tanto da dependência ao álcool (Davis & Walsh, 1970) como nas lesões hepáticas alcoólicas (Cederbaum, Lieber e Rubin, 1974). Kors-ten e colaboradores, 1975), relataram que os alcoolistas apresentam ní-veis séricos de acetaldeído maiores que os controles após a ingestão de uma mesma quantidade de álcool e Jenkins & Peters em 1980 demonstra-ram que os alcoolistas, mesmo com mínimas evidências de lesão hepática tinham uma atividade de oxidação do acetaldeído menor que o normal. Estas diferenças poderiam ser secundárias ao abuso crônico de álcool, mas a possibilidade que elas possam representar uma anormalidade pri-

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mária que predispõe as lesões hepáticas alcoólicas pelo acúmulo tóxico do acetaldeído foi reforçado pelo estudo de Schuckit & Rayses (1979) – que descreveram que, após a ingestão de álcool, os filhos não-alcoólicos de pais alcoolistas, também tinham níveis séricos de acetaldeído signifi-cativamente maiores que o normal.

Da desidrogenase do acetaldeído foram separadas duas isoenzimas com diferentes atividades e afinidade pelo acetaldeído. Num estudo de autópsia de fígados de japoneses, Goedde e colaboradores encontraram em 52% dos casos apenas a isoenzima de baixa afinidade, enquanto em todos os fígados de alemães estudados pelos mesmos autores continham ambas as isoenzimas. Eles sugeriram, como mencionado anteriormente, que a ausência da isoenzima ALDH de alta afinidade mais do que pre-sença da ADH atípica, seria responsável pela síndrome de "flushing" ob-servada em muitos japoneses, de forma que ela seria causada mais pela demorada oxidação do que pela rápida produção do acetaldeído.

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ESTEATOSE HEPÁTICA

A esteatose hepática ou fígado gorduroso se constitui na deposição intra-hepatocitária de gorduras. Pode ser definida morfologicamente – pelo menos 5% dos hepatócitos com acúmulo de triglicerídeos; ou bio-quimicamente – um mínimo de 5g% de lipídios no tecido hepático. É a primeira lesão a ocorrer após a ingestão alcoólica, podendo surgir mes-mo após uma ingestão de relativa curta duração (em ratos foi observado seu surgimento até num espaço de 5 dias após administração de uma quantidade de álcool que correspondia a 70% da ingestão calórica total).

A esteatose pode ocorrer isoladamente, como uma única lesão pre-sente, ou em associação com outras lesões hepáticas alcoólicas como a hepatite e a cirrose.

Apesar de ser a mais comum das hepatopatias alcoólicas, não é pa-tognomônica desta situação, tendo sido descrita em outros quadros in-clusive hepatites medicamentosas, gestação, nutrição parenteral, cortico-terapia, diabetes e nas desnutrições protéicas tipo Kwashiorkor. Este fato serviu de motivação para uma confusão etiológica por muito tempo difundida (muitos leigos acreditam até hoje) que a doença hepática do etilista era decorrente de sua má nutrição, já que este comumente tem uma nutrição inadequada em decorrência da substituição que faz das calorias alimentares pelas calorias vazias do álcool, anorexia e outros dis-túrbios gastrintestinais, como a gastrite aguda alcoólica com vômitos. Hoje, sabe-se que isto não é verdade, podendo quando muito ser um fator colaborador, pois o etanol em si e as alterações que decorrem do seu metabolismo no hepatócito são os responsáveis principais pelas le-sões hepáticas.

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4.1 ETIOLOGIA

A causa inicial da esteatose é a não-utilização dos ácidos graxos pelo ciclo do ácido cítrico como fonte de hidrogênio, que são substituídos pe-lo H proveniente do metabolismo do etanol pela desidrogenase alcoóli-ca, mais facilmente disponíveis. Assim os ácidos graxos não-utilizados ficam acumulados dentro do hepatócito. A fonte dessas gorduras acumu-ladas pode resultar de um aumento da síntese hepática de triglicerídeos, da mobilização de ácidos graxos livres dos depósitos periféricos, da própria ingestão dietética com uma absorção e síntese intestinal aumen-tada de triglicerídeos. (Fudamentals of Gastroenterology, Powel e Piper, p.127).

Esta deposição de gorduras leva ao abaulamento do hepatócito, al-gumas vezes chegando a 6 vezes o seu volume normal. Porém não são apenas as gorduras as responsáveis por esse aumento: elas respondem por 50%, os outros 50% devem-se ao acúmulo de proteínas, eletrólitos e estes por efeito osmótico determinam também o acúmulo de água. Fi-nalmente isto leva ao principal sinal observado no paciente portador de esteatose – a hepatomegalia.

4.2 QUADRO CLÍNICO

Clinicamente, a esteatose costuma se apresentar assintomática ou oli-gossintomática, e os sintomas que o paciente apresentam e que motiva-ram sua procura de atendimento médico em geral decorrem de outras lesões associadas – hepatite ou cirrose alcoólicas, ou de outros quadros que não a hepatopatia, tais como: polineuropatias alcoólicas, gastrites agudas alcoólicas, síndromes de abstinência, etc. Também não há sinais específicos e a hepatomegalia pode ser o único achado no exame físico (presente em 70-80% dos casos, -DHA Adávio, p.86).

Outros sinais como a icterícia e seus acompanhantes: colúria e hipocolia são raridade quando a esteatose é a única lesão presente, assim sua ocorrência deve-nos alertar para a possível presença de lesão mais grave associada.

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4.3 EXAMES COMPLEMENTARES

Laboratório

Os achados laboratoriais também são pobres. Usualmente as assim chamadas provas funcionais hepáticas (transaminases, bilirrubinas, fosfa-tase alcalina, tempo de protrombina, proteinograma, etc.) estão normais.

A alteração mais observada nesses pacientes é o aumento da gama glutamil-transpeptidase (GGT), mas mesmo isto não é decorrente da es-teatose mas do etilismo em si.

Ultra-sonografia

Na USG se observa freqüentemente o aumento de volume do fígado, podendo a esteatose apresentar-se de forma focal ou mais comumente difusa, que é bastante característica devido à atenuação do feixe sonoro determinada pela gordura presente no parênquima hepático.

As camadas superficiais possuem aspecto ecorefringente e as cama-das profundas ficam mal caracterizadas pela atenuação. A esteatose focal se apresenta como uma área localizada de maior refringência com limites bem marcados e onde as estruturas vasculares atravessam sem desvio ou compressão. Não há sinais de bosseladuras na superfície hepática. Estes dois últimos sinais auxiliam na diferenciação com uma lesão tumoral que a esteatose focal pode simular. (Cerri in DHA – Adávio, p.57).

Tomografia Computadorizada

A quantidade de gordura encontrada no fígado normal é proporcio-nal ao peso corpóreo. Na obesidade o teor de gordura aumenta, vindo a diminuir com a perda de peso. O nível normal de triglicerídeos varia de 1 a 5mg/g de peso do órgão, podendo, nos obesos, chegar a mais de 100mg/g. O aumento do teor de gordura no fígado acarreta diminuição do seu coeficiente de atenuação nos cortes tomográficos.

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Ressonância Magnética

A imagem da RM de rotina não é sensível na infiltração gordurosa hepática difusa, mas no caso de infiltração focal mostra uma região de intensidade aumentada.

A infiltração gordurosa produzida experimentalmente com aumento maciço dos triglicerídeos hepáticos não mostrou alterações significativas nos tempos de relaxamento T1 e T2 e apenas um pequeno aumento na intensidade hepática, embora um curto T1 e prolongado T2 para gordu-ra. Isto é explicado pelo fato de que quando são usadas as técnicas de rotina, o principal sinal provém dos prótons de água no fígado os quais não são afetados pela infiltração gordurosa.

Uma modificação da técnica especialmente designada para observar pequenas diferenças nas taxas de precessão dos prótons aquosos e alifá-ticos (imagem espectroscópica do próton) é sensível a pequenas altera-ções no conteúdo de gordura do fígado e pode separar um fígado nor-mal de um com esteatose.

Os sinais tomados quando os prótons de água e de gordura estão em direções opostas criam uma imagem de contraste nas quais as regiões de gordura são de menor intensidade. Assim as infiltrações focal e difusa são vistas como regiões hipointensas.

Estudos experimentais em animais mostram que para cada mg de triglicerídeo depositado no fígado ocorre uma diminuição de 1,6 UH (unidades Hounsfield) em seu coeficiente de atenuação.

Quantidade de Gordura no Fígado Estimada pela TC

Existe uma relação entre os coeficientes de atenuação no fígado e do baço demonstrada por Pierkarskie e Cols., onde a densidade normal do fígado é cerca de 7-8 UH mais alta que a do baço, onde não costuma o-correr esteatose.

Usando esta relação, é possível estimar, de forma aproximada, a quantidade de gordura contida no órgão, o que pode ser um indicador tanto da severidade do processo quanto da eficácia terapêutica num a-companhamento. Se um determinado paciente apresenta índice de ate-nuação do fígado em torno de 10 UH e o baço 50 UH por exemplo, a densidade hepática deveria ser de 58 aproximadamente (relação de Pier-karskie). Assim, 58 - 10= 48, 48:1,6= 30 mg/g, desta forma teríamos uma estimativa do teor de gordura intra-hepático.

A infiltração gordurosa é reversível. A deposição de triglicerídeos pode se processar rapidamente e da mesma forma ser revertida após

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cessar a ingestão alcoólica, havendo citações na literatura de reversão do aspecto tomográfico em até 6 dias, porém na maioria das vezes é possí-vel observar melhora nítida em 30 dias.

Na maioria das vezes a esteatose é difusa e uniforme, ficando o ór-gão como um todo com o coeficiente de atenuação diminuído. As estru-turas vasculares portais são melhor visualizadas devido à redução da densidade do parênquima adjacente.

Alguns pacientes apresentam a forma focal onde o aspecto não é uni-forme, sendo na maioria das vezes de difícil diagnóstico diferencial com neoplasia. A observação de vasos normais, atravessando a área suspeita seria um critério de benignidade, porém pode haver falsos-negativos e, se houver dúvida, realiza-se a biópsia percutânea sob controle tomográ-fico. Essa forma ocorre com mais freqüência na esteatose alcoólica em relação às outras etiologias e quando associada à cirrose (DHA, Adávio, p.61).

Laparoscopia

Na visão macroscópica, podemos observar, além do aumento de vo-lume, que o fígado apresenta margens finas ou rombas, superfície lisa com reflexo luminoso preservado e uma coloração mais amarelada, co-mumente com múltiplos pequenos pontos amarelados subcapsulares di-fusos na superfície hepática (meu, + Laparoscopia – Polak, p.85 e DHA – Adávio, p.53).

Histologia

O diagnóstico de esteatose alcoólica é suspeitado no paciente que tem história de ingestão alcoólica, geralmente crônica. Apresenta hepa-tomegalia e não apresenta evidências clínicas e laboratóriais de lesões mais graves como a hepatite e a cirrose (a menos que esteja associada a estas últimas, fato comum, mas nestes casos geralmente se considera co-mo principal o diagnóstico destas).

O diagnóstico é firmado com o estudo histológico de fragmento he-pático obtido por biópsia, onde são observados os vacúolos intra-hepatocitários antes preenchidos por gorduras (estas não são observadas diretamente, pois são destruídas no preparo das lâminas). A esteatose pode ser macro ou microvesicular. Inicialmente a gordura se deposita sob a forma de pequenas gotículas no citoplasma do hepatócito, as quais se fundem e passam a ocupar a quase totalidade do espaço intracelular.

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Caracteristicamente na esteatose alcoólica a gordura deposita-se co-mo um grande vacúolo isolado, deslocando o núcleo do hepatócito (ma-crovesicular), presente na zona 3 e/ou 2 do ácino hepático (regiões cen-trolobular e mediozonal, atingindo principalmente os hepatócitos próxi-mos à veia hepática central). Pode também ocorrer ruptura dos hepatóci-tos distendidos com a formação de cistos gordurosos e até lipogranulo-mas, circundados por macrófagos, eosinófilos e linfócitos que surgem em resposta à presença de lípides extracelulares (meu + DHA – Adávio, p. 53, p. 86 e Bockus Fígado, p. 385).

Classificação Histológica

A esteatose pode ser classificada por sua intensidade de 0 a 4+, de-pendendo das células hepáticas, contendo gordura: < 25% das células contendo gordura representam 1+ e > 75% das células, 4+ (CMAN, vol. 1/84 p. 44).

4.4 TRATAMENTO

Não há terapêutica específica para a esteatose. O tratamento se ba-seia fundamentalmente na abstinência de álcool.

4.5 PROGNÓSTICO

O prognóstico é bom se houver parada da ingestão alcoólica, haven-do regressão total das lesões usualmente sem seqüelas, voltando o fíga-do a sua estrutura e funcionalidade normais.

São, entretanto, citados na literatura casos de esteatose com compli-cações graves como icterícia colestática, embolias gordurosas pulmona-res, cerebrais e renais e morte súbita.

Vale lembrar, porém a dificuldade da distinção em alguns casos en-tre a hepatite alcoólica e a esteatose severa, neste aspecto Galambos chama a atenção para fatos como: o alcoólatra que bebe com freqüência apresenta poucas células inflamatórias nas regiões de necrose hepatoce-

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lular; na es-teatose maciça, os hepatócitos cheios de gordura deslocam os hepatócitos degenerados e necrosados.

Assim, quando a fibrose e a inflamação são mínimas, os sinais histo-lógicos de hepatite alcoólica não são visualizados nestes fígados gordu-rosos. Num estudo de autópsia de 14 fígados diagnosticados como fíga-do gorduroso, Galambos encontrou em dois deles sinais de hepatite al-coólica em alguns lóbulos, que não teriam sido detectados em biópsia por agulha (não o foram nem na necrópsia).

Finalmente, nas primeiras publicações, o fígado gorduroso alcoólico costumava ser o diagnóstico aplicado a doenças que hoje são reconheci-das como hepatites alcoólicas (Bockus, Fígado, p. 387).

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HEPATITE ALCOÓLICA OU ESTEATONECROSE

Sinonímia

Estateatonecrose, Necrose Hialina Esclerosante

5.1 DEFINIÇÃO

A hepatite alcoólica é, da mesma forma que as demais hepatites, um processo inflamatório associado à necrose hepatocitária, que ocorre em decorrência do uso de álcool. Mais comumente é observada em etilistas crônicos, após um uso abusivo de álcool e representa uma manifestação reversível, intermediária entre a esteatose e a cirrose no espectro das hepatopatias alcoólicas. Tem por definição – uma lesão tóxica aguda do fígado, inflamatória e degenerativa, vista em alcoolistas após consumo excessivo de etanol e caracterizada por necrose, inflamação e, algumas vezes, com corpúsculos hialinos à histologia (corpúsculos de Mallory) (Nomenclature, Diagnostic Criteria and Diagnostic Methodology for Diseases of the Liver and Biliary Tract, 1976). Ela não inclui necessariamente esteatose, fibrose ou cirrose alcoólica, mas pode freqüentemente estar associada a estas condições (Mendenhall, Clinics in Gastr., p. 417).

Assim, por definição, podemos observar um paciente com cirrose de-senvolver uma hepatite alcoólica – cirrose em atividade – é a expressão pre-ferida por alguns nestes casos.

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5.2 ETIOLOGIA

PAPEL DO ÁLCOOL E DO ACETALDEÍDO

A causa principal para este evento é a destruição das organelas intra-hepatocitárias promovida pelo acetaldeído, já que este é intensamente rea-tivo com as proteínas, principal constituinte dessas organelas (Ga-lambos).

A hepatite alcoólica é considerada uma lesão pré-cirrótica: a cirrose alcoólica se desenvolve em conseqüência dela. Costuma ocorrer após a-nos de ingestão alcoólica excessiva, embora em alguns pacientes ela apa-reça no espaço de um ano de ingestão. Em muitos, contudo, ela nunca ocorre, mesmo após décadas de ingestão de álcool. Não há uma explica-ção para esta aparente resistência à doença e, teoricamente, fatores de risco com uma predisposição genética, disfunção imunológica e deficiên-cias nutri-cionais podem estar envolvidos (Mendenhall, Clinics in Gastr., p.418). Mais de 80% dos pacientes com hepatite alcoólica beberam por 5 anos ou mais antes de desenvolverem qualquer sintoma atribuível à do-ença hepática. A probabilidade de desenvolverem hepatite alcoólica é pequena naqueles que bebem menos de 60 g/dia de etanol ou naqueles em que o álcool fornece menos de 20% de suas calorias diárias. O risco de doença hepática alcoólica aumenta à medida que cresce o consumo diário de etanol e a duração da ingestão torna-se mais longa. A probabi-lidade de ocorrer hepatite alcoólica é maior ainda naqueles cujo consumo diário de etanol excede a 160g. Observa-se que 160g de etanol fornecem 1.120 calorias e esta é aproximadamente a capacidade metabólica diária de um adulto médio não-etilista, isto corresponde à quantidade máxima metabolizada pela desidrogenase alcoólica. A partir dessa quantia diária, o metabolismo é feito através do MEOS, que se acha induzido no etilismo crônico. Este fato explica a razão da hepatite alcoólica em geral necessi-tar do uso prévio prolongado de quantidades maiores de álcool para ocorrer. Desta forma, o paciente já tem este mecanismo funcionante e metaboliza grandes quantidades de etanol (Galambos). É importante citar que embora a ingestão de grande quantidade de bebida alcoólica seja essencial para o desenvolvimento da hepatite alcoólica, a embria-guez não o é. A hepatite alcoólica muitas vezes ocorre em cidadões ati-vos, produtivos, que têm sucesso em negócios ou carreiras profissionais e posições de responsabilidade e que raramente mostram sinais de into-xicação alcoólica.

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Na nossa experiência, em geral o paciente tem uma história prévia de uso prolongado de álcool e justamente não apresenta os sinais de embri-aguez por metabolizar todo o álcool ingerido já tendo ao longo do tem-po estimulado o sistema microssomial de oxidação de etanol (MEOS) do hepatócito para este metabolismo. Assim, todo álcool ingerido é metabo-lizado em acetaldeído e a hepatite alcoólica ocorre após um grande abu-so de álcool, dando origem a uma grande formação de acetaldeído. Se assim não fosse, o máximo que o hepatócito metabolizaria de álcool seria 160g/dia, o restante ingerido permaneceria em circulação e levaria à em-briaguez pela depressão da córtex cerebral.

Como visto anteriormente, no capítulo referente ao metabolismo do etanol, é atribuído ao acetaldeído em si o potencial reativo tóxico que levaria inicialmente à destruição das organelas intra-hepatocitárias, cujo conteúdo primordial é protéico, e finalmente à própria necrose do hepa-tócito.

O papel do álcool em si, no desenvolvimento das hepatopatias, tem sido matéria de discussão ao longo do tempo e sofrido influências soci-ais, ideológicas, culturais e políticas, além das evidências médicas e expe-rimentais (doc. 14/101).

Lelbach, num estudo de 334 alemães alcoolistas demonstrou uma re-lação entre a quantidade e a duração da ingestão e a ocorrência de doen-ça hepática alcoólica.

Consumo de Etanol 100-152g/dia 188-236g/dia m=126,5 m=226

duração do alcoolismo (anos) 7,9 +/-4,1 7,9 +/-3,8 biópsia hepática Incidência normal 40% 10% esteatose 46% 43% hepatite alcoólica 14% 33% cirrose 0% 14%

As alterações histopatológicas encontradas na biópsia hepática e o consumo diário de etanol foram comparados nos dois grupos que bebi-am: (1) menos que 160g/dia ou (2) mais que 160g/dia. A duração média da ingestão foi a mesma em ambos os grupos. A hepatite ocorreu em menos da metade naqueles que bebiam menos que 160g de etanol/dia, quando comparados àqueles cuja ingestão excedia a 180g/dia. A esteato-se ocorreu com igual freqüência nos dois grupos, mas a cirrose ocorreu apenas no último grupo.

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Parece que tanto a quantidade de ingestão como o tempo total de consumo total do etanol são fatores essenciais na produção da cirrose.

Embora estas considerações sejam de grande importância para o en-tendimento dos efeitos da ingestão na cirrose em grandes populações, deve ser lembrado que a hepatite e a cirrose podem-se desenvolver em alguns indivíduos após curtos períodos de ingestão excessiva de etanol. Sabe-se que a hepatite alcoólica se desenvolve após menos de um ano de elevado consumo de álcool e a cirrose dentro dos 18 meses seguintes à hepatite alcoólica.

PAPEL DOS FATORES NUTRICIONAIS

Foi sugerido que a má nutrição ou a deficiência de vitaminas deixaria o fígado suscetível à necrose hepatocelular e à fibrose induzida pelo ál-cool. A má nutrição é comum entre os pacientes com hepatite alcoólica, porém o papel das vitaminas, proteínas ou calorias, no desenvolvimento da hepatite alcoólica ou na progressão desta lesão à cirrose, não é expli-cado.

PAPEL DOS FATORES GENÉTICOS

Sherlock enfatiza a possível importância da predisposição genética e constitucional à lesão hepática alcoólica. Acredita-se que esta seja ligada ao sexo.

Várias observações sugerem uma aumentada suscetibilidade à lesão hepática alcoólica nas mulheres (doc.1/101), (especialmente nas mulheres negras p/ Galambos).

Estas hipóteses são fortalecidas pela observação que a taxa de morta-lidade por hepatite alcoólica é maior entre mulheres que entre homens; que nas autópsias, a idade média das mulheres com cirrose alcoólica é 10 anos mais jovem que dos homens; que a proporção de mulheres com cir-rose alcoólica aos 40 anos de idade é maior e que a média de idade das mulheres com cirrose é significamente menor que a dos homens quando é feito o diagnóstico da doença hepática por biópsia.

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REAÇÕES IMUNOLÓGICAS NA HEPATITE ALCOÓLICA1

Algumas observações levam a crer que fatores imunológicos tenham um papel na etiologia e/ou evolução de hepatite alcoólica.

Alguns estudos mostraram que: a) Fígado autólogo adicionado à cultura de linfócitos de pacientes

com hepatite alcoólica provocava aumento na produção do "Fator de Ini-bição da Migração" (MIF);

b) Os linfócitos obtidos de pacientes com hepatite alcoólica são cito-tóxicos (Kakumu e Leevy, 1977) e a pré-incubação em acetaldeído au-menta a sua citotoxicidade;

c) O sobrenadante desses linfócitos contém uma linfocina fibrogênica que aumenta a síntese de colágeno, embora o linfócito em si não tenha efeito nesse processo.

A disponibilidade de corpúsculos hialinos de Mallory isolados e pu-rificados obtidos de fígados post mortem levou à demonstração de que esta glicoproteína causa uma produção aumentada do MIF pelos linfóci-tos sensibilizados e pode bloquear a reação citotóxica (Zetterman e Le-evy, 1975). O antígeno alcoólico hialino e seu anticorpo são demostráveis no soro, no fígado e nos rins de pacientes com hepatite alcoólica (Kana-gasundarum, Kakumu, Chen e Leevy, 1977). A quantidade de corpúscu-los alcoólicos hialinos liberados em circulação e a resposta do hospedeiro determinarão a quantidade de anticorpos produzidos pelos linfócitos B.

Os complexos imunes têm quimiotaxia por neutrófilos levando à in-filtração por leucócitos polimorfonucleares análogos aos da reação infla-matória aguda. A lesão hepática pode ser acompanhada por leucocitose periférica, febre, hipoprotombinemia, aumento dos produtos de degra-dação da fibrina, efeitos anticomplemento e trombocitemia devidos ao processo imune. Há uma diminuição nos linfócitos T periféricos sem alte-rações nos linfócitos hepáticos. Com a persistência do estímulo antigêni-co, independente da produção de anticorpos, ocorre uma fase após o desaparecimento do infiltrado polimorfonuclear hepático. A fase prolife-rativa é caracterizada por um aumento nos linfócitos de 40.000 a 60.000 por 10 mg de tecido hepático comparado ao nível normal de 1.000 linfó-citos por 10 mg de tecido hepático. Isto é seguido por necrose progressi-va, proliferação fibroblástica e eventual distorção lobular característica da cirrose (Kanagasundaram e Leevy, 1979).

1 Clinics in Gastr., May/1981, p. 300.

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5.3 EPIDEMIOLOGIA

INCIDÊNCIA

A verdadeira incidência é desconhecida, já que muitos pacientes pro-curam serviços médicos e mesmo os atendidos, especialmente nas formas leves, necessitam de biópsia hepática para confirmação diagnóstica, o que nem sempre é realizado. Os dados de literatura situam entre cerca de 13% a 34% das lesões hepáticas alcoólicas (French e colaboradores, num estudo retrospectivo de todas biópsias hepáticas no Martinez VA Hospital, observaram hepatite alcoólica em 13,3% dos casos. Lelbach, conforme dados citados antes, observou hepatite alcoólica em 14% dos pacientes no alcoolismo moderado e 33% dos alcoolistas pesados, com uma incidência geral, em ambos os grupos, de 23,5%. Mendenhall, num estudo prospectivo de 995 alcoolistas com doença hepática, descreveu uma incidência de 33,8% de hepatite alcoólica não-complicada.

DISTRIBUIÇÃO POR SEXO, IDADE E RAÇA

Qualquer pessoa que consuma quantidades excessivas de etanol, per-sistentemente, é considerada de risco para o desenvolvimento de hepati-te alcoólica. Desta forma, a distribuição da doença por sexo, faixa etária e raça vai ter estreita relação com a população de etilistas estudada.

Em nosso estudo, refletiu-se a maior incidência de etilistas do sexo masculino em caucasianos pesquisados, sendo este o perfil de maior in-cidência de hepatite alcoólica. Mendenhall e colaboradores obtiveram resultado similar (predominância no sexo masculino) num estudo coope-rativo, envolvendo seis Centros Médicos para Veteranos de Guerra nos EUA, porém cita que avaliando coletivamente 542 casos relatados de vá-rios autores com pacientes não-veteranos, a distribuição sexual foi apro-ximadamente igual, 288 homens para 234 mulheres.

A faixa etária de maior ocorrência é a de 35 a 55 anos. Entretanto, há uma tendência a que esta ocorra numa faixa mais jovem, em decorrência do aumento do alcoolismo entre adolescentes e adultos jovens de ambos os sexos.

Quanto à distribuição por raça, ela tende a refletir a da população geral estudada.

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5.4 QUADRO CLÍNICO

Essa é a síndrome hepática alcoólica mais difícil de diagnosticar, de-vido as suas manifestações mutáveis, que variam desde um processo to-talmente assintomático, até uma insuficiência hepática aguda e florida, que é grave.

Classicamente, é uma enfermidade incidiosa que se desenvolve em semanas, com anorexia, vômitos, icterícia, emagrecimento, febre baixa e dor abdominal. Isso contrasta com a clássica manifestação aguda da he-patite viral, em que os sintomas evoluem em dias; porém, convém lem-brar que a hepatite viral pode também evoluir de forma subaguda, espe-cialmente as hepatites B e C.

Em muitos pacientes, a hepatite alcoólica pode ser apenas um com-ponente de um distúrbio multissistêmico, resultante de enfermidade al-coólica. Algumas manifestações extra-hepáticas podem sugerir ao clínico uma causa alcoólica para a doença hepática. São elas: a hemorragia gas-trintestinal (por gastrite, síndrome de Mallory Weiss, varizes gastroeso-fágicas), pancreatite, neurite periférica, miopia proximal, artrite gotosa, síndromes neurológicas como o delirium tremens (síndrome de abstinên-cia), encefalopatia de Wernicke, contratura de Dupuytren e inflamação da parótida, sinais ou dados laboratoriais de desnutrição, incluindo-se insuficiências protéicas, calóricas e vitamínicas.

As aranhas vasculares e o eritema palmar ocorrem principalmente no paciente já cirrótico, porém podem ser vistos na hepatite alcoólica e são uma raridade na esteatose isolada.

5.5 COMPLICAÇÕES

ENCEFALOPATIA HEPÁTICA

Em casos mais graves, o quadro clínico pode incluir os sinais e os sin-tomas de encefalopatia hepática, o que é um indício de mau prognóstico. Em sete estudos envolvendo 227 pacientes portadores de severa hepatite alcoólica clínica, 66 (59%) de 111 que desenvolveram encefalopatia, fale-ceram. No entanto, a encefalopatia resultante do desiquilíbrio eletrolíti-co, da hemorragia gastrintestinal e do uso de narcóticos ou depressores

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não indica, necessariamente, o mesmo prognóstico grave que a encefalo-patia resultante apenas da insuficiência hepatocelular.

HIPERTENSÃO PORTA

Da mesma forma que a esteatose importante, a hepatite alcoólica por si só pode resultar em hipertensão porta e apresentar aumento das pres-sões capilares hepáticas, varizes esofágicas, ascite e esplenomegalia. Isto pode ocorrer numa fase da doença em que tanto a lesão histológica quanto a hipertensão porta são total ou parcialmente reversíveis.

INFECÇÕES

Geralmente a hepatite alcoólica está associada à febre moderada (37,3 a 38,3º C), porém, podem ocorrer calafrios e picos também febris de 39,5ºC, sem infecção concominante. Também podem ocorrer infec-ções, como a peritonite bacteriana espontânea, a pneumonia de aspira-ção, a sepse e outras, sendo mandatória sua exclusão nesses pacientes.

SÍNDROME HEPATORRENAL

É uma complicação severa que pode acompanhar a hemorragia gas-trintestinal, a sepse ou a grave insuficiência hepática. Caracteriza-se por oligúria com baixo sódio urinário (inferior a 10 mEq/1) e elevada osmo-laridade urinária, sem evidência de hipovolemia ou de azotemia pré-renal. Esta última é de difícil exclusão, pois esses pacientes, com freqüên-cia, têm associada uma depleção de volume intravascular. Assim, é im-portante corrigir todos os elementos que possam prejudicar a perfusão renal, com a administração adequada de líquidos e eletrólitos, a manu-tenção adequada da pressão oncótica e hidrostática. A síndrome hepa-torrenal desaparecerá se a hepatite alcoólica desaparecer na histologia.

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5.6 EXAMES COMPLEMENTARES-EXAMES BIOQUÍMICOS

Bilirrubinas

A elevação das bilirrubinas é observada com freqüência. Geralmente, a hiperbilirrubina é moderada (1 a 5 mg/dl), porém pode ser acentuada (20 a 30 mg/dl).

Transaminases

A elevação da SGOT (AST) encontra-se caracteristicamente na faixa de 2 a 10 vezes acima dos limites superiores normais e, em contraste com a hepatite viral, está mais elevada do que a SGPT (ALT). Embora o au-mento da relação SGOT/SGPT seja útil para sugerir uma etilogia não-viral para a enfermidade hepática ativa, não é um marcador bioquímico específico para a hepatite alcoólica. Além disso, não existe correlação en-tre o grau de elevação da SGOT e qualquer parâmetro histológico da hepatite alcoólica. É importante lembrar que a elevação da SGOT pode ser devida a complicações não-hepáticas do alcoolismo, incluindo-se mi-opatia, hemólise e pancreatite.

Gamaglutamil-Transpeptidase (Gama GT)

Os níveis de Gama-GT podem estar desproporcionalmente elevados quando comparados à fosfatase alcalina, isto é, devido à bem conhecida indução das enzimas microssomais pelo álcool.

Hemograma

As alterações hematológicas são comuns na hepatite alcoólica e inclu-em anemia, leucocitose ou leucopenia e certo grau de trombocitopenia. Essas alterações podem-se relacionar à lesão hepática, aos efeitos tóxicos do álcool em si, ou podem ser explicadas por fatores nutricionais, como a deficiência de ácido fólico. O mecanismo da leucocitose, que pode atingir proporções leucemóides, é atribuído geralmente à substancial necrose hepatocelular (Clin.Méd.AN vol. 1/84, p.50).

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Biópsia Hepática

Achados (CMAN v. 1/84, p. 45-7)

Necrose das Células Hepáticas

São descritos dois tipos de morte celular hepática na hepatopatia al-coólica. A primeira é um corpo acidofílico inespecífico (apoptose) e a se-gunda é denominada necrose lítica ou degeneração vacuolar. A degene-ração vacuolar é o sinal de gravidade e correlaciona-se com a elevação das enzimas séricas e é vista nos hepatócitos centrolobulares na hepatite alcoólica e na necrose hialina esclerosante. Ainda não foi determinada a patogenia da degeneração vacuolar; alguns consideram uma alteração degenerativa, e outros, que seja o resultado de uma retenção de proteí-nas.

Megamitocôndria

O aumento das mitocôndrias está evidente nos hepatópcitos de 93% dos casos de hepatopatia alcoólica. São encontrados dois tipos de mega-mitocôndrias:

a) As mitocôndrias elípticas, em agulha ou em forma de charuto, en-contradas nos hepatócitos periportais, são inespecíficas e encontradas em várias enfermidades hepáticas e também em fígados normais; b) As mi-tocôndrias esféricas são mais específicas da doença hepática causada pelo álcool,

apesar de haver controvérsia na literatura quanto a este fato devido à dificuldade em distinguir os dois tipos.

Quando são encontradas megamitocôndrias esféricas nos hepatócitos centrolobulares é mais provável que a etiologia seja uma hepatopatia al-coólica. Mas, é necessário excluir-se outras estruturas que se assemelham às megamitocôndrias através da microscopia eletrônica ou pela coloração pelo PAS após a digestão do glicogênio.

O significado clínico das alterações mitocondriais na hepatopatia al-coólica é discutível. Tem sido argumentado que essas alterações sejam mais adaptativas que degenerativas. No entanto, os pacientes com hepa-topatia alcoólica tendem a liberar enzimas mitocôndriais para o sangue, sugerindo que as alterações mitocondriais façam parte da doença hepáti-ca.

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Corpúsculos de Mallory

Na hepatite alcoólica, os hepatócitos localizados na região centrolo-bular contêm, com freqüência, corpúsculos citoplasmáticos hialinos. Não são, no entanto, patognomônicos da hepatopatia alcoólica, pois são en-contrados em outras enfermidades hepáticas. Mas, quando encontrados nos hepatócitos centrolobulares, associados a alterações esteatósicas e a uma história de abuso de álcool são fortemente indicativos de hepatopa-tia alcoólica.

Sua presença deve ser confirmada pela técnica da imunoperoxidase ou pela microscopia eletrônica, já que é freqüente a identificação falso-positiva e falso-negativa dos corpúsculos de Mallory.

Os corpúsculos de Mallory parecem representar uma agregação a-normal de filamentos intermediários. Como são comumente em condi-ções não-relacionadas ao álcool em que esteja presente uma colestase crônica ou exista desnutrição, é possível que a deficiência de vitamina A implique sua patogenia e, esta hipótese é reforçada pelo fato desta defi-ciência vitamínica ocorrer em todas as fases da hepatopatia alcoólica, com ou sem os corpúsculos de Mallory.

Para Boitnott e Maddrey, a quantidade de corpúsculos de Mallory, presentes numa biópsia hepática, pode ser usada como um previsor da intensidade da lesão hepatocelular, da fibrose ativa, da inflamação agu-da e da inflamação focal no controle evolutivo de pacientes tratados com corticoterapia para a hepatite alcoólica.

Cabe citar que, além de estar presentes na hepatite alcoólica, podem ser vistos na cirrose, onde se localizam principalmente nos hepatócitos próximos aos septos fibrosos e também podem ser detectados ainda na fase de esteatose se forem usados anticorpos para os corpúsculos de Mallory na sua detecção

Alterações Inflamatórias

Infiltrados inflamatórios agudos e crônicos são encontrados na hepa-topatia alcoólica. Na hepatite alcoólica, muitas vezes, são observados leucócitos polimorfonucleares na região centrolobular. A associação dos polimorfonucleares com os corpúsculos de Mallory foi descrita por Mal-lory em 1911 e por Phillips e Davidson em 1954.

Também pode ser encontrada uma colangiolite aguda periportal com proliferação dos ductos, fibroblastos e pequeno número de polimorfonu-cleares. No entanto, essa lesão é inespecífica, já que é encontrada na co-lestase de várias etiologias.

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Infiltrados Linfocitários

As infiltrações inflamatórias crônicas são consideradas, atualmente, parte da hepatopatia alcoólica e tanto a necrose fragmentária como as infiltrações linfocíticas e por células plasmáticas na lesão necrótica hialina central são observadas com freqüência à medida que a enfermidade evo-lui. Devido a essa observação, tem-se suspeitado que a imunidade celu-lar possa agir como um mecanismo para a progressão da doença.

Também foi aventada a hipótese de que a necrose fragmentária pos-sa dever-se a uma hepatite crônica ativa, causada pelo vírus B, associada à lesão provocada pelo álcool. Essa assertiva baseia-se no fato de que os marcadores sorológicos para o vírus da hepatite B terem sido encontra-dos com mais freqüência em pacientes com hepatopatia alcoólica do que na população geral. Esta observação foi descrita inicialmente por Petti-grew e colaboradores, e outros autores a confirmaram. É importante ci-tar que, em alguns casos, mesmo com todos os testes sorológicos para hepatite B negativos, foi encontrado o DNA do vírus da hepatite B inte-grado ao DNA do hospedeiro e este fato sugere que a infecção pelo ví-rus B possa desempenhar algum papel para o desenvolvimento de cirro-se e do hepatoma na hepatopatia alcoólica. A associação do vírus C com o etilista crônico é abordada em capítulo específico desta obra.

Evolução

Nos casos com alterações histológicas de leves a moderadas e poucos sintomas, a evolução é relativamente benigna. Por outro lado, os pacien-tes com doença severa requerem semanas ou meses para se recuperar. Além da incomum lentidão do processo de cura, a hepatite alcoólica fre-qüentemente piora durante as primeiras semanas de internação. Essa piora, clínicamente, reflete-se na deterioração dos exames laboratoriais e ocorre a despeito da abstinência do álcool, do estrito repouso e de uma dieta nutritiva. Ocasionalmente, ela pode ser decorrente de complicações específicas como infecção, hemorragia ou alterações eletrolíticas; porém, na maio-ria dos casos, não se encontram explicações. Assim, a hepatite alcoólica não se comporta da mesma forma que as hepatites tóxicas, em que a remoção do agente tóxico é acompanhada de melhora da doença.

Todos os pacientes devem ser acompanhados de perto, pois não se pode prever quais piorarão muito durante as primeiras semanas. A fre-qüência da piora espontânea (15 a 50%) torna desejável a biópsia hepáti-ca precoce, quando as condições de coagulação permitirem.

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Os pacientes que se recuperaram clinicamente podem apresentar à histologia uma resolução total do processo; podem também caminhar para uma hepatite crônica ou apresentar cirrose. Em alguns pacientes podem permanecer graus variáveis de fibrose pericentral e perissinusoi-dal.

5.7 TRATAMENTO

Tratamento de Sustentação

O tratamento da hepatite alcoólica é, basicamente, de sustentação.

Sedação

São comuns os sintomas de abstinência e é necessário prevenir as convulsões, o delirium tremens, através de doses adequadas de sedativos. A depuração hepática da maioria dos sedativos pode estar comprometi-da, mas podemos usar com cuidado o clordiazepóxido, o diazepam e o oxazepam.

Correção Hidroeletrolítica

O tratamento de sustentação inclui a correção da desidratação, do desequilíbrio eletrolítico, das anormalidades da glicose e das deficiências de potássio e magnésio.

Dieta

Recomenda-se, muitas vezes, uma dieta de elevado teor calórico, a-inda que não exista evidência de que qualquer modificação dietética es-pecífica seja útil. A restrição de proteína só é necessária nos pacientes com encefalopatia hepática.

Vitaminas

Geralmente é necessária a correção das deficiências vitamínicas, por exemplo, de ácido fólico, de ferro e de complexo B.

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Repouso

O repouso no leito é desejável para os pacientes graves que, geral-mente, estão confusos e incapazes de deambular. Não existe evidência de que o repouso prolongado no leito afetará a cura.

Tratameno intensivo

Complicações secundárias graves, como a sepse, a hemorragia gas-trintestinal, o coma, a insuficiência cardíaca e renal muitas vezes são sufi-cientemente intensas para necessitar tratamento de sustentação numa unidade de tratamento intensivo.

Tratamento específico

Não existe tratamento específico comprovado para a hepatite alcoóli-ca, nem que diminua a ameaça de cirrose, ou diminua a possibilidade de evolução com piora progressiva espontânea ou aumente a sobrevida nos pacientes graves com encefalopatia hepática, cuja tendência à mortalida-de precoce é de mais de 50%.

Alguns tratamentos específicos têm sido propostos, a maioria em ní-vel experimental, outros com resultados conflitantes e nenhum indicado comprovadamente para uso clínico. Discutiremos a seguir algumas des-tas medidas com a ressalva de que seu uso, na prática médica, necessita de maiores avaliações.

Corticóides

Alguns estudos que avaliaram o uso de corticóide na hepatite alcoó-lica grave mostraram efeitos benéficos. Helman e colaboradores relata-ram que a prednisona, na dose de 40 mg/dia, por 4 semanas levava a um índice de sobrevida de 95% contra 64% nos controles e o que foi mais significativo, um índice de sobrevida de 89% nos pacientes com encefa-lopatia, comparado com sua mortalidade de 100% naqueles que não re-ceberam corticóide. Resultado semelhante foi obtido por Maddrey e co-laboradores Contudo, outros estudos como o de Blitzel e colaboradores, Campra e colaboradores e Depew e colaboradores, todos bem documen-tados, não mostraram qualquer benefício com os corticóides.

Avaliando o efeito do corticóide no subgrupo de pacientes com he-patite alcoólica grave e encefalopatia hepática em vários trabalhos de diferentes investigadores, de um total de 111 pacientes, a sobrevida do grupo tratado foi de 56% (31 de 55) e no grupo controle de 25% (14 de 56). Assim, os corticóides poderiam beneficiar estes pacientes com doen-ça severa associada à encefalopatia.

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Insulina e Glucagon

Estes hormônios estimulam a regeneração hepática nos animais de experiência e, num trabalho de Baker e colaboradores, foi sugerido que essas substâncias produziam uma resposta favorável nos pacientes com hepatite alcoólica, porém, mesmo sob as condições de rígido controle em que os pacientes foram estudados, surgiu uma profunda hipoglicemia em um paciente durante o tratamento.

Propiltiuracil

A lesão hepática pelo álcool é mais acentuada nas regiões centrolobu-lares, onde o tecido é, fisiologicamente, mais anóxico. Se houvesse uma relação causa-efeito, a diminuição da necessidade de oxigênio pelo fíga-do poderia ser citoprotetora contra a lesão alcoólica. Foi proposto que o propiltiuracil poderia produzir este efeito. Orrego e colaboradores rela-tam que esta droga na dose de 300 mg/dia resultava numa melhora mais rápida dos sintomas clínicos e dos parâmetros laboratoriais da hepatite alcoólica, quando comparada com o placebo. Halle e colaboradores não observaram efeito significativo sobre a mortalidade nos pacientes mais graves.

D-Penicilamina

A D-Penicilamina inibe a síntese do colágeno in vitro e reduz a fibro-se hepática produzida experimentalmente em ratos pela deficiência de colina. Num estudo de Resnick e colaboradores com D-Penicilamina, du-rante oito semanas na hepatite alcoólica não revelou melhora na sobre-vida, porém, histologicamente, a lesão hepatocelular e a fibrose pareciam menores quando comparadas com controles. A D-Penicilamina produz severos efeitos colaterais.

Colchicina

A colchicina inibe a fibrogênese e diminui a formação de colágeno em condições experimentais. Num estudo a longo prazo com a dose de 1 mg/dia, Kershenobich e colaboradores observaram um retardo na evo-lução para cirrose. Esta dose é relativamente segura para uso clínico (CMAN vol.1 p, 51-3).

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FIBROSE HEPÁTICA

A fibrose é caracterizada como um acúmulo de tecido conectivo no órgão, é um achado freqüente na doença hepática alcoólica.

6.1 ETIOLOGIA

Há uma discordância sobre a origem dessa lesão: se é precedida por lesão hepatocelular inflamatória e degenerativa ( hepatite alcoólica), ou se desenvolve-se com um processo independente como o observado na doença hepática experimental produzida pelo álcool.

Para Leevy (Clinics in Gastr. May 1981, p.296), os mecanismos imu-nes têm um importante papel na síntese de colágeno. Este autor demons-trou que o sobrenadante de linfócitos hiperativos, adicionado à cultura de fibroblastos, fígado autólogo ou pele, causa um significativo aumento na secreção de colágeno pelos microtúbulos. Uma variedade de antíge-nos estimula os macrófagos a liberar monocinas ou os linfócitos a produ-zir linfocinas, que são fibrogênicas. Estas monocinas e linfocinas estimu-lam a produção de fibronectina que, por sua vez, modula o fibroblasto para aumentar a síntese de colágeno. O linfócito em si não provoca fi-brogênese; quando a lesão tissular ativa desaparece, o sobrenadante de macrófagos e linfócitos não mais contém monocinas e linfocinas e há uma cessação da produção ativa de colágeno. Para maiores detalhes, ver par-te I-Metabolismo do Etanol.

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6.2 QUADRO CLÍNICO

Não há sintomas específicos desta enfermidade, que comumente é assintomática.

A fibrose centrolobular, associada à hepatite alcoólica, pode ser res-ponsável pela hipertensão porta, na ausência de cirrose. E, nestes casos, o quadro clínico observado é aquele da hipertensão portal e suas conse-qüências.

6.3 EXAMES COMPLEMENTARES

EXAMES LABORATORIAIS

Aqui também não dispomos de nenhum exame específico que indi-que a presença ou grau de fibrose hepática, principalmente quando esta não esta associada a outras lesões como a hepatite alcoólica ou a cirrose.

Na maioria dos casos as provas de função hepática estão na normalida-de, apenas em casos mais severos, uma fibrose intensa pode determinar certa colestase com elevação da Fosfatase Alcalina, GGT e 5-nucleotidase e, raramente, levar a sinais de hipertensão porta e comprometer, por si só, a função de síntese hepática com alteração de tempo de protrombina.

Aqui também é freqüente encontrarmos elevação da GGT, mas não em decorrência da fibrose hepática, mas sim do alcoolismo.

Assim sendo, o exame de eleição tanto para o diagnóstico, como para a avaliação da extensão da fibrose hepática continua sendo a biópsia com estudo histológico.

Histologia

O diagnóstico da fibrose, assim como a avaliação de suas característi-cas, distribuição e intensidade são feitos pelo estudo histológico.

A fibrose pode ser periportal ou centrolobular, porém a central é mais específica da hepatopatia alcoólica.

A fibrose pericelular – depósitos de colágeno no espaço de Disse – também é característica dessa enfermidade.

Quando surge a fibrose em ponte, ligando as áreas central e portal, está pronto o cenário para a cirrose. As fibroses pericelular e pericentral

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são consideradas a primeira fase da fibrose e podem ser a lesão precur-sora da cirrose alcoólica.

O colágeno pericelular pode ser reduzido com o tratamento o que se associa à melhora da função hepática, mas os septos fibrosos não res-pondem a qualquer medida terapêutica (CMAN, vol. 1/84, p.48). Discu-te-se a origem celular do colágeno pericelular. Alguns acham que seja a célula Ito e outros os miofibroblastos.

A fibrose centrolobular pode ser responsável por hipertensão portal na ausência de cirrose.

6.4 TRATAMENTO

O uso de drogas que inibem a fibrogênese e/ou a síntese de coláge-no (D-penicilamina e colchicina), e que teriam indicação na terapêutica da fibrose hepática alcoólica já foi discutido no capítulo da hepatite alcoóli-ca.

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CIRROSE HEPÁTICA

HISTÓRIA

O termo cirrose vem da palavra grega "Kippós". Embora costumei-ramente se atribua a descrição da cirrose a Laennec; o endurecimento e a deformidade do fígado eram reconhecidos pelos gregos e romanos mui-to tempo antes.

No século II d.c., Aretäus descreveu a inflamação do fígado como uma condição que poderia levar ao endurecimento (Skirros).

Vesalius em 1543 foi provavelmente o primeiro a sugerir que as be-bidas alcoólicas poderiam ter um efeito danoso sobre o fígado e, em 1793 Matthew Baillie chamou a atenção da relação entre a ingestão de bebidas alcoólicas e a doença hepática.

A ascite com cirrose foi primeiramente descrita em 1590; a insuficiên-cia hepática com cirrose em 1685 e a hipertensão portal (obstrução do fluxo) em 1761.

Carswell, em 1838, fez a primeira descrição histológica detalhada do fígado cirrótico.

Laennec considerou os septos fibrosos no fígado cirrótico como no-vas estruturas que se desenvolviam devido à neoformação de tecido conjuntivo e, Rokitansky, em 1842, sugeriu que a cirrose é o resultado de uma resposta ativa do tecido conjuntivo aos distúrbios circulatórios e à reação inflamatória. Portanto, a fibrogênese ativa, como parte integrante do processo cirrótico, foi identificada há mais de 150 anos.

A definição aceita atualmente para a cirrose foi sugerida já em 1930 por Rossle, que propôs 3 critérios para cirrose:

1. necrose do parênquima hepático; 2. formação ativa de tecido conjuntivo e 3. regeneração de células hepáticas num aspecto nodular.

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FATOS HISTÓRICOS DA BIÓPSIA HEPÁTICA

Paul Ehrlich, em 1884, foi o primeiro a realizar uma biópsia hepática no ser humano. Ele estava estudando o conteúdo de glicogênio do fíga-do em pacientes diabéticos, porém, apenas meio século após, a biópsia hepática tornou-se um método de aplicação clínica.

Lucatello realizou uma punção hepática para estudos citológicos em 1895.

Em 1907, Schupfer acumulou uma série de biópsias hepáticas e esplê-nicas. Ele realizou dezenas de aspirações hepáticas sem nenhuma compli-cação descrita.

Em 1920 Josefson renovou o interesse nas biópsias hepáticas. Bingel, em 1932, descreveu 100 biópsias hepáticas consecutivas com

duas complicações fatais. Em 1926, Olivet relatou 140 biópsias hepáticas com três mortes. A biópsia hepática alcançou largo uso e tornou-se um valioso auxiliar

na avaliação clínica dos pacientes com doença hepática, após a publicação de um trabalho de Iversen e Roholm em 1939.

7.1 CIRROSE ALCOÓLICA

A cirrose hepática é uma doença crônica do figado, caracterizada, histologicamente, pela presença de fibrose e formações nodulares difusas com importante desorganização da arquitetura lobular e vascular do ór-gão.

O principal agente etiológico entre os pacientes adultos da cirrose é o álcool, chegando em alguns dados estatísticos como os nossos (Caxias do Sul) a ter implicação em 90% dos casos.

A cirrose alcoólica pode ocorrer com a ingestão de álcool em um pe-ríodo mínimo de cinco anos (mulheres) e 10 anos (homens) quantidade superior a 80g ao dia. O interesse é salientar que nossa casuística parte de outro capítulo do livro, onde não encontramos nenhum caso de cirro-se alcoólica com ingestão de menos de 300g de etanol por dia.

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7.2 DIAGNÓSTICO DA CIRROSE ALCOÓLICA

O seu diagnóstico é antes de tudo histológico. A biópsia hepática pode trazer subsídios diagnósticos, terapêuticos e evolutivos. É uma avaliação completa. Entretanto, em pacientes com alterações da coagula-ção sangüínea, sinais inequívocos de hipertensão portal e insuficiência hepatocelular, o procedimento pode ser desnecessário.

O diagnóstico da cirrose alcoólica e de outras hepatopatias alcoólicas baseia-se quase exclusivamente na história clínica do paciente e a princi-pal conduta terapêutica é a retirada do agente causador, o álcool.

7.3 FISIOPATOGENIA

A maneira como o acetaldeído lesa em última análise a célula hepáti-ca já foi amplamente debatida em outra parte desta obra. Vale conside-rar que a instalação da fibrose e da regeneração nodular do fígado de-termina o aparecimento da hipertensão portal, hemodinamicamente de-finida como uma pressão na veia porta superior a 10mmhg ou 14cm de H2O.

A medida da pressão portal pode ser direta ou indireta. O método direto de utilizar a pressão venosa hepática encunhada (PVHE), menos a pressão da veia cava inferior é o método mais simples, mais seguro e preciso nos pacientes com hepatologia alcoólica, pois estes possuem uma maior resistência através de sinusóides hepáticos e perderam ou apre-sentam grande redução no número de colaterais.

Vimos que a hipertensão portal da cirrose alcoólica costuma ser sinu-soidal e explica em parte como sua função hepatocelular está mais com-prometida, comparada com outros tipos de cirrose. Instalada a hiperten-são portal passa a ser desenvolvida extensa rede de circulação colateral que objetiva restabelecer o fluxo sangüíneo direcionado para a circulação cardiopulmonar.

O estabelecimento da hipertensão portal e da extensão de colaterais associados à disfunção hepatocelular determinam o aparecimento de três importantes complicações da cirrose hepática: a encefalopatia, a ascite e a ruptura de varizes gastro-esofágicas.

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7.4 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DA CIRROSE HEPÁTICA

Considerando do ponto de vista funcional, a cirrose hepática caracte-riza-se por insuficiência progressiva do parênquima e por alterações da circulação venosa e arterial e, em particular, no sistema porta.

As manifestações clínicas podem ser baseadas nesses dois distúrbios fundamentais. Limitar-nos-emos aqui, apenas a enumerar alguns sinto-mas e sinais que mais adiante serão abordados com maior profundidade, quando a conduta frente aos mesmos será ventilada.

IDADE-SEXO-RAÇA

A cirrose alcoólica costuma ser mais freqüente dos 30 aos 50 anos. Acomete mais o homem. Em nossa experiência é rara na raça negra.

7.5 SINTOMAS PRINCIPAIS

01 – Queda progressiva do estado geral: ao lado da perda de peso observa-se diminuição e flacidez da massa muscular.

02 – Febre: na cirrose alcoólica é relativamente freqüente, com eleva-ções discretas, melhorando com o estado clínico.

03 – Hematêmese e melena: são as manifestações mais temíveis da cirrose. Geralmente provocadas por uma ruptura de varizes esofági-cas, gastrite hemorrágica, esofagite e úlcera péptica. Outros fenôme-nos hemorrágicos podem ser representados pelas epistaxes, gengi-vorragias e púrpuras.

04 – Sintomas decorrentes das perturbações endócrinas: comuns a perda da libido, queda de pêlos, ginecomastia dolorosa no homem e a amenorréia, esterilidade e congestão dolorosa das mamas na mu-lher.

05 – Icterícia: geralmente os níveis de bilirrubina não estão muito ele-vados no cirrótico, porém cifras acima de 10mg de BT traduzem mau prognóstico, com exceção para os casos de descompensação que se seguem à ingestão excessiva de álcool.

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06 – Edema: surge com a hipoalbuminemia e geralmente precede o aparecimento da ascite.

07 – Anemia: é freqüente na cirrose, e as causas fundamentais são: hemolise, hemorragia gastrintestinal, deficiência de ácido fólico, de-ficiência de ferro, inibição de medula óssea. O etanol ingerido diari-amente suprime a resposta da medula óssea a doses diárias de 50mg de ácido fólico em pacientes anêmicos. Em contraposição, a abstinên-cia do álcool em paciente internado melhora espontaneamente o quadro de anemia devido a este fator. A deficiência de vitamina B12, piridoxina e riboflavina pode produzir anemia, porém seu papel na anemia dos cirróticos não está bem determinado.

08 – Ascite: sinal dos mais característicos na cirrose descompensada. Sua evolução é variável, dependendo da intensidade dos fatores responsáveis pelo seu aparecimento. A peritonite bacteriana e o tra-tamento da ascite serão abordados posteriormente. O hidrotórax ocorre com alguma freqüência sempre em companhia da ascite.

09 – Alterações cutâneo-mucosas: são expressas pela queda de pêlos axilares peitorais e pubianos, aranhas vasculares no tronco, braços, pescoço e rosto, eritema palmar, unhas esbranquiçadas, língua ver-melha e lisa, pele seca e rugosa, petéquias e sufusões hemorrágicas.

10 – Hálito hepático: observado em casos de cirrose mais avançados e quando intenso é de mau prognóstico.

11 – Hepatomegalia: o tamanho do fígado varia de acordo com a fase evolutiva da doença, sendo palpável em 60% dos casos. Na fase final da enfermidade, costuma ser impalpável. O rápido aumento do fí-gado com queda importante do estado geral sugere associação com hepatocarcinoma.

12 – Esplenomegalia: na cirrose alcoólica não costuma ser palpável e seu aumento é notado apenas pela percussão.

13 – Circulação colateral: traduz desvio de sangue através de veias superficiais para o sistema cava-inferior ou cava-superior. Geralmen-te mais nítida quando acompanhada de ascite.

14 – Manifestações neuropsíquicas: são expressas pela sonolência, eu-foria, agitação e traduz geralmente grave insuficiência hepática. Nas manifestações neurológicas os sinais mais freqüentes é o "Asterixis" (flapping) caracterizado por movimentos involuntários, amplos, ir-regulares e rápidos de flexão e extensão dos dedos quando o pacien-te mantém a mão dorso-fletida.

15 – Encefalopatia hepática-coma hepático: pode surgir espontanea-

mente sem fator precipitante ou em paciente com icterícia e ascite.

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Nas fases terminais da doença, traduzem insuficiência hepatocelular. Em outros casos, a encefalopatia pode ser desencadeada por hemor-ragia gastrintestinal, diuréticos, paracentese abdominal, cirurgias, in-fecções, vômitos, diarréia e grande ingestão protéica. O quadro neu-rológico é gradual: leve euforia, depressão ou discreto temor, confu-são mental, "flapping", torpor e coma. Raramente surgem convulsões e o sinal de Babinsky costuma ser positivo. Maiores detalhes serão abordados na terapêutica do coma hepático.

16 – Vale ressaltar alguns sinais pouco freqüentes como a hipertrofia de parótidas (às vezes com abcesso) e a contratura de Dupuytren que nos alcoólatras crônicos não é tão rara e de difícil tratamento mesmo após a cirurgia.

7.6 DIAGNÓSTICO LABORATORIAL DA CIRROSE

O diagnóstico da cirrose hepática é antes de tudo histológico. Com os avanços de novos métodos imunohistoquímicos, a biópsia pode trazer subsídios, diagnósticos e evolutivos. Normalmente, porém, em pacientes com alterações da coagulação sangüínea, sinais clássicos de hipertensão portal e insuficiência hepatocelular, o procedimento pode ser desneces-sário. O diagnóstico da cirrose alcoólica baseia-se quase exclusivamente na história clínica, mas a prevalência da infecção pelos vírus B e C deve ser investigada.

• Eletroforese das Proteínas: estando a síntese da albumina, alfas e betaglobulinas na dependência total ou parcial da função hepatocelu-lar, haverá na cirrose diminuição daquelas frações. Embora os níveis de gamaglobulina estejam quase sempre elevados na cirrose, sua normalidade não exclui o diagnóstico. Na cirrose do adulto pode ha-ver fusão da gama com a betaglobulina em virtude da presença de gamaglobulinas de menor sensibilidade. Esta fusão beta-gama, quando bem nítida, é importante para o diagnóstico e mesmo prog-nóstico da cirrose, pois costuma acontecer nos casos mais graves. A alfa-fetoproteína, na tentativa de detectar a presença do hepatocarci-noma, é preconizada de 06 em 06 meses por alguns autores. Nós pre-ferimos a ultra-sonografia por ser um exame mais prático e econômi-co e vemos sua indicação especialmente na descompensação da cirro-se sem causa aparente e presença de hepatomegalia.

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• Transaminases: de valor relativo nas cirroses, sua elevação é discreta com exceção de necroses intensas. Está levemente aumentada na cirrose ativa.

• Bilirrubinas: nas formas benignas costuma estar normal ou levemente aumentada. Quando acima de 10mg de BT indica mau prognóstico.

• TAP: o tempo de protrombina abaixo de 50% também é um indicati-vo importante de gravidade do caso.

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8

SÍNDROME HEPATORRENAL

CONCEITO E CLASSIFICAÇÕES

A expressão síndrome hepatorrenal foi utilizada pela primeira vez em 1932, para descrever a insuficiência renal pós-operatória nos pacientes com obstrução biliar, embora já em 1863 Austin Flint reconhecesse a as-sociação entre cirrose descompensada e insuficiência renal oligúrica. En-tre as décadas de 1940 e 1950 esta definição foi estendida para incluir quase todas as doenças que atingem os rins e o fígado. Isto acabou ge-rando confusões e dificultando o diagnóstico mais preciso e a conduta mais adequada em cada caso. Para evitar estes problemas, Conn, em 1973, introduziu a expressão síndromes pseudohepatorrenais para dife-renciar estas outras condições da síndrome hepatorrenal (SHR) propria-mente dita.

Desta maneira, considera-se:

• SÍNDROME HEPATORRENAL – é a ocorrência de insuficiência renal progressiva, sem qualquer causa evidente nos pacientes com doença hepática avançada. Na maioria dos casos ocorre na cirrose e na hepa-tite fulminante, embora tenha sido descrita na neoplasia hepática ma-ligna e após hemihepatectomia.

• SÍNDROMES PSEUDOHEPATORRENAIS – são vários distúrbios nos quais estão envolvidos o fígado e os rins; porém a doença hepática não desempenha uma função etiológica da insuficiência renal. Inclui um amplo espectro de doenças infecciosas, circulatórias, genéticas e sistêmicas, como por exemplo, a insuficiência cardíaca congestiva, choque, anemia falciforme, leptospirose, intoxicação por tetracloreto de carbono, LES, etc., em que a insuficiência hepática e renal são si-multâneas, devidas a uma causa comum. Inclui-se aqui também as si-tuações em que há simultaneidade de doença hepática e insuficiência renal, porém estas se devem a causas diversas, e a doença hepática não é a causa da insuficiência renal.

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• SÍNDROME DE STAUFFER – é o inverso da síndrome hepatorrenal. Corresponde à disfunção hepática que ocorre em alguns pacientes com carcinoma renal e pode ser corrigida pela nefrectomia. Pode ser incuída nas síndromes pseudohepatorrenais.

8.1 PATOGENIA DA SHR

A patogenia da SHR ainda não está bem esclarecida. Acredita-se na natureza funcional do problema, pois mesmo com a função renal muito alterada, os rins dos portadores de SHR não apresentam senão mínimas anormalidades histológicas. A função tubular é mantida com uma capa-cidade normal de reabsorção de sódio e com a capacidade de concentra-ção renal conservada. Reforça esta posição o fato, já tradicionalmente conhecido, de que os rins de pacientes que morreram devido à SHR vol-tavam a funcionar quando transplantados para pacientes com uremia crônica e, a SHR reverteu em pacientes submetidos a transplante hepáti-co. O aumento da resistência sinusoidal do fígado acarreta a retenção de líquido na re-gião esplâncnica, o que resulta em reduções no fluxo plas-mático renal, na taxa de filtração glomerular (TFG), no débito urinário e na excreção de sódio. Estudos sobre hemodinâmica renal, utilizando ar-teriografia renal, têm comprovado uma redução característica na perfu-ção do córtex renal, sendo esta intensa vasoconstrição cortical revertida após a morte. Os fatores que causam esta vasoconstrição são desconhe-cidos. Um mecanismo teórico é que seja uma resposta fisiológica às alte-rações na circulação extra-renal. Outra teoria é da de que um agente hu-moral, produzido ou parcialmente inativado pelo fígado, possa estar en-volvido.

O débito cardíaco e o volume sangüíneo em geral estão aumentados nos pacientes com cirrose. Mesmo assim, o volume plasmático circulante efetivo diminui devido ao armazenamento esplâncnico de sangue e ao desvio deste para as derivações arteriovenosas na pele e nos músculos. As observações de que o sangramento gastrintestinal, o tratamento diu-rético ou a perda de líquidos pelo trato digestivo podem desencadear uma SHR e podem ocorrer melhoras na função renal, após a infusão de expansores de volume ou a criação de derivação peritoniovenosa ou por-tocava, incriminam a hipovolemia na patogenia dessa síndrome. O rim responde a esta redução no volume circulante efetivo com vasoconstri-ção, que leva à redução do fluxo sangüíneo renal, da TFG (Taxa de Fil-tração Glomerular) e do desvio do sangue para fora do córtex renal. As-

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sim, inicia um círculo vicioso com o aumento da renina e angiotensina. Outros fatores que podem contribuir para a alteração na perfusão renal são: a redução na síntese renal de prostaglandinas e a diminuição da produção de cininas, substrato de renina ou fator natriurético atrial e a endotoxemia crônica.

Tem sido propostos dois padrões hemodinâmicos associados à insu-ficiência renal oligúrica:

1º – reduções no volume plasmático e no débito cardíaco associadas ao aumento da resistência vascular renal, onde os pacientes apresentam melhora transitória na função renal após a expansão do volume.

2º – volume plasmático e débito cardíaco normais ou aumentados, vasoconstrição renal e nenhuma resposta à expansão de volume.

Muitas vezes é impossível diferenciar estes dois tipos pela clínica ou mesmo por exames laboratoriais.

8.2 PATOLOGIA

As alterações que ocorrem após a morte pela autólise tem dificultado os estudos histológicos dos rins de pacientes com SHR. Foram descritas alterações como o espessamento da membrana basal glomerular e do mesângio, deposição de imunocomplexos nas paredes capilares, lesões tubulares devidas a graus variáveis de necrose. No entanto, as anorma-lidades observadas não se correlacionam bem com a função renal.

Microscopia Eletrônica – Mandal e colaboradores estudaram com mi-croscopia eletrônica 5 pacientes que faleceram por SHR e encontraram mitocôndrias edemaciadas com pequenos corpúsculos negros e microvi-losidades distorcidas. A membrana nuclear estava íntegra, mas, em al-guns casos, houve dissolução e ruptura nas membranas basal e plasmáti-ca. As alterações glomerulares eram mínimas ou ausentes. Estes autores concluíram que o quadro era de necrose tubular aguda isquêmica.

8.3 QUADRO CLÍNICO

A SHR geralmente ocorre em pacientes com cirrose avançada que a-presentam os sinais e os sintomas desta. A maioria tem icterícia, hepato-esplenomegalia, hipoalbuminemia, hipertensão portal, ascite e retenção

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maciça de sódio. Muitas vezes, a pressão arterial está abaixo da habitual para o paciente, porém hipotensão profunda não é característica desta síndrome. Num estudo de Ring-Larsen sobre a incidência e os tipos de insuficiência renal nos pacientes que tinham cirrose avançada, com coma hepático no estágio 3 ou 4 encontrou insuficiência renal em 65% dos ca-sos, em 38% era SHR, 8% tinham NTA (Necrose Tubular Aguda) e nos casos restantes a insuficiência renal não pode ser classificada como NTA ou SHR. O início da oligúria e da azotemia ocorreu repentinamente e freqüentemente foram desencadeadas por hemorragia digestiva, uso vi-goroso de diurético ou paracentese.

8.4 ALTERAÇÕES LABORATORIAIS

Os níveis de uréia e creatinina em geral não atingem aqueles obser-vados nas doenças renais primárias avançadas. A hiperbilirrubinemia, quando presente, interfere na determinação da creatinina. Portanto, nes-tes casos, a creatinina não é um bom indicador da gravidade da insufici-ência renal na doença hepática.

Encontramos hiponatremia nesses pacientes, decorrente da redução na depuração de água livre. Pode ocorrer hipocalemia em conseqüência de vômitos, diarréia, uso de diuréticos, hiperaldosteronismo secundário, necrose tubular aguda e alcalose respiratória. A urina em geral é ácida e contém pequenas quantidades de proteína. O sedimento é inespecífico à microscopia ótica, podendo ser anormal à microscopia eletrônica quando associado à elevação do sódio urinário. Isso tem levado alguns autores a postular a NTA isquêmica como causa da insuficiência renal da SHR.

8.5 EVOLUÇÃO

A evolução caracteriza-se por insuficiência renal rapidamente pro-gressiva durante uma ou duas semanas e o resultado geralmente é fatal. A recuperação varia de 0 a 15% e, em geral, está associada à melhora rápida da função hepática, mas é pouco provável nos pacientes com cir-rose alcoólica. O óbito raramente resulta da própria insuficiência renal e os pa-cientes morrem por insuficiência de múltiplos órgãos antes que a

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creatinina atinja 10 mg/dl. A evolução clínica e o prognóstico são iguais nos pacientes com ou sem oligúria.

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8.6 DIAGNÓSTICO E DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

A SHR deve ser suspeitada quando o paciente, com doença hepática crônica, tiver um débito urinário de 400 ml/dia ou menos. É necessário fazer o diagnóstico diferencial com azotemia pré-renal e NTA entre ou-tras. Na SHR o sódio urinário está tipicamente abaixo de 10 mEq/l e a osmolaridade urinária está pelo menos 100 mOsm acima da plasmática. A relação entre creatinina sérica e urinária é menor que 30 para 1 e a excreção fracionada de sódio (EF/Na) está abaixo de 1%. Estes valores são indistinguíveis dos observados na azotemia pré-renal. A diminuição da pressão capilar pulmonar em cunha favorece esta última hipótese.

Se o sódio urinário estiver acima de 10 mEq/1 e a EF/Na acima de 1% deve-se pensar em necrose tubular renal. A osmolaridade urinária está aumentada no início da SHR, sugerindo a preservação da função tubular. À medida que o quadro evolui, a osmolaridade urinária iguala-se à plasmática - é controverso se isto se deve à progressão da SHR para NTA, ou é uma variação da primeira. A dosagem da microglobulina be-ta-2 urinária não tem sido útil na diferenciação entre SHR e NTA.

Os pacientes com insuficiência hepática grave, que têm pressão arte-rial baixa, ascite hipertensiva e retenção significativa de sódio parecem ser mais suscetíveis a desenvolverem SHR. No entanto, não existe qual-quer característica clínica ou teste laboratorial específico que indique an-tecipadamente a ocorrência desta síndrome.

Nos pacientes com SHR são considerados sinais de mau prognóstico: – aumento da renina plasmática; – aumento do tromboxano B2 urinário; – diminuição do sódio urinário e – diminuição da prostaglandina E2 urinária.

8.7 TRATAMENTO

O fundamental no tratamento da SHR é identificar as causas reversí-veis da disfunção renal. Também é muito importante evitar a utilização de medicamentos que possam lesar ainda mais o fígado e os rins. Os poucos relatos de recuperações espontâneas ocorreram por melhora na função hepática. Assim, devemos atuar na correção das situações poten-cialmente reversíveis de descompensação hepática.

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Síndrome hepatorrenal / 101

MEDIDAS DE MANUTENÇÃO

a) Correção da hipovolemia: através da infusão de albumina, dextrano, soluções salinas ou outras soluções cristalóides.

b) Correção de desequilíbrios eletrolíticos. c) Dieta hipoprotéica, rica em carboidratos ou aminoácidos de cadeia

ramificada para atenuar a azotemia. d) Tratamento da encefalopatia hepática, hemorragia digestiva ou in-

fecções. e) Evitar diuréticos, pois pode afetar adversamente a hemodinâmica

renal e o débito cardíaco. f) Evitar agentes nefrotóxicos como os aminoglicosídeos e antiinflama-

tórios não-esteróides. g) Plasma fresco leva a um aumento no substrato de renina circulante e

a diminuição na concentração de renina periférica, levando a um aumento imediato no débito urinário e na depuração de creatinina.

MEDICAMENTOS

Teoricamente, os medicamentos que pudessem diminuir a resistência vascular renal e aumentar o fluxo sangüíneo renal seriam benéficos na SHR. Foram testados vários medicamentos com resultados variáveis, porém nenhum proporcionou benefícios persistentes.

• Octapressina – em doses pequenas diminui a resistência vascular renal,

aumentando o fluxo sangüíneo renal e a perfusão cortical. Os resul-tados são variáveis e os pacientes hipotensos respondem melhor que os normotensos.

• Dopamina – em doses subpressóricas reverte, parcialmente, as altera-ções hemodinâmicas da SHR.

• Metaraminol – a infusão breve tem mostrado resultados desapontado-res, mas um estudo mostrou bons resultados com infusão contínua prolongada.

• Captopril – nas doses de 25 a 50 mg a cada 6 horas se mostrou inefi-caz.

• Bloqueadores do Canal de Cálcio – poderiam ser eficazes para reverter o vasoespasmo renal e podem vir a ser uma opção terapêutica adicio-nal se puderem ser usados sem produzir hipotensão secundária.

• Diálise – sua utilidade potencial seria a correção da sobrecarga hídri-

ca e do desequilíbrio eletrolítico.

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• Hemodiálise – é considerada ineficaz no tratamento da SHR, embora existam alguns relatos esporádicos de recuperação após a sua realiza-ção. Pode ser útil nos pacientes à espera de transplante hepático.

• Ultrafiltração Arteriovenosa Contínua – pode-se evitar com ela a hipo-tensão, uma das grandes desvantagens da hemodiálise nesses pacien-tes.

• Diálise Peritoneal – é ineficaz e há dificuldades técnicas devido à ascite e à coagulopatia.

• Paracentese – a base teórica para sua realização seria aumentar, transi-

toriamente, o débito cardíaco e urinário, possivelmente através da atenuação do efeito compressivo sobre a veia cava inferior. A retira-da de grande volume pode diminuir o volume extracelular. Não é preconizada normalmente, pois seu valor global com ou sem expan-são simultânea do volume plasmático é questionável.

• Filtração da Ascite e Reinfusão Intravenosa das Proteínas Concentradas – a redistribuição dos líquidos orgânicos levaria a aumentos na TFG e na excreção urinária de sódio. Os fatores limitantes são seu efeito tran-sitório e o risco de peritonite.

Derivação Peritoniovenosa

Existem vários relatos de aumento da sobrevida de 1 a 3 anos em pa-cientes com SHR, utilizando derivações peritoniovenosas, mas a maioria destes estudos foi retrospectiva, não-controlada e excluiu pacientes com doença hepática grave. Um estudo prospectivo (Linas e colaboradores ref. 22), comparando a derivação peritoniovenosa com o tratamento clí-nico em 20 pacientes com hepatopatia grave e SHR mostrou melhora a-centuada da função renal nos pacientes com derivação, porém o índice de sobrevida não foi diferente nos pacientes tratados clinicamente. Isto enfatiza que a gravidade da doença hepática é que determina o resulta-do final. Talvez as derivações peritoniovenosas possam ser úteis no sub-grupo de pacientes com fases iniciais de SHR.

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Síndrome hepatorrenal / 103

Derivação Portocava

Este tratamento raramente é aplicado na SHR do paciente cirrótico devido à morbi-mortalidade muito elevada. Schroeder relatou seis casos de anastomoses portocava término-terminais em cirrose alcoólica com mortalidade cirúrgica de 50% e uma sobrevivência prolongada (120 me-ses) dos 3 casos restantes.

Bloqueio Simpático Lombar

Atua provavelmente na atenuação da hiperatividade simpática renal. Há relatos de melhora da função renal num subgrupo de pacientes cirróticos com SHR e TFG inferiores a 25 ml/min.

Imersão

Epstein demonstrou que a imersão em água com a cabeça de fora aumenta o volume sangüíneo central através da redistribuição dos líqui-dos extra e intracelular com melhora na excreção renal de sódio e água. Seu efeito é transitório e sua aplicação repetida é demorada, dispensiosa e requer monitorização constante, o que torna o método impraticável.

Transplante Hepático

O transplante hepático é eficaz para normalizar a função renal nos pacientes com SHR, apesar dos relatos de transplante nessa síndrome ser em pequeno número de pacientes. Relatos de Iwasuki e Wood mostram índices de sobrevida de até 4,5 anos em pacientes com SHR submetidos a transplante hepático. Gonwa, revisando 155 transplantes hepáticos, rela-tou índices de sobrevida em 3 meses de 80% dos pacientes com ou sem SHR, estes últimos, porém, necessitaram hospitalizações mais prolonga-das.

Atualmente o transplante hepático não tem uma boa relação cus-to/benefício nesses pacientes, mas poderá ser eficaz no futuro.

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9

HIPERTENSÃO PORTAL

Há várias definições para a hipertensão portal. Para Lebrec pode ser definida como uma elevação da pressão acima

de 10 mmHg na veia porta e em seu território ou também como uma di-ferença superior a 5 mmHg entre a pressão porta e a pressão na veia ca-va inferior.

Para Bosch e colaboradores é uma síndrome clínica caracterizada pe-lo aumento patológico na pressão venosa porta e pela formação de cola-terais portossistêmicos que desviam o sangue porta para a circulação sis-têmica. Esta maior pressão porta gera um aumento no gradiente de pres-são entre a veia porta e as veias hepáticas e veia cava inferior. Este gra-diente é fundamental na definição da hipertensão portal, pois nem todo paciente com maior pressão venosa porta deve ser considerado como tendo hipertensão portal clínica (ex. uma pressão intra-abdominal alta devida à gestação ou ao meteorismo que faz aumentar as pressões tanto da veia porta como da veia cava inferior, assim não modifica o gradien-te). Considera-se como hipertensão porta clinicamente significativa quando o gradiente de pressão porta está acima de 12 mmHg, pois só nestes valores é que surgem as complicações.

9.1 ETIOLOGIA

As causas mais comuns de hipertensão porta são: – Doenças Hepáticas Crônicas:

– cirrose – hepatite crônica – carcinoma hepatocelular – hepatopatia alcoólica

– Infestações Parasitárias:

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– esquistossomose – Trombose da Veia Porta

9.2 COMPLICAÇÕES

– Varizes esofagogástricas: a principal complicação da hipertensão porta é a ruptura de varizes esofagogástricas com sangramento maciço, muitas vezes fatal.

– Ascite – Encefalopatia Hepática – Gastropatia Hipertensiva – Maior Suscetibilidade às Infecções Bacterianas – Distúrbios no Metabolismo de Compostos Endógenos e Medica-

mentos

9.3 FISIOPATOLOGIA

Formação dos Colaterais Portossistêmicos

Os colaterais portossistêmicos se instalam através da abertura, dila-tação e hipertrofia de canais vasculares preexistentes, decorrentes do aumento na pressão porta e constitui também uma função do tempo. É possível que haja também um componente de angiogênese ativa na for-mação dos colaterais.

Uma vez formados os colaterais, a resistência ao fluxo sangüíneo é menor nestes que no leito porto-hepático obstruído. Os colaterais hipertrofiados podem responder a estímulos vasoativos endógenos e farmacológicos. É provável que sejam hipersensíveis à serotonina que eleva muito sua resistência vascular, a qual pode ser reduzida pela estimulação beta-adrenérgica. Os agentes farmacológicos podem influenciar a formação e o fechamento dos colaterais. As modificações da resistência colateral podem influenciar a pressão porta.

O fechamento dos colaterais ocorre quando sua resistência ultrapassa à do leito porto-hepático.

A pressão porta pode aumentar por um aumento no fluxo sangüíneo porta, por uma maior resistência vascular ou por uma combinação de ambos.

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Hipertensão portal / 105

O gradiente de pressão no sistema porta é o resultado do produto do fluxo sangüíneo pela resistência vascular que se opõe ao fluxo, o que pode ser definido pela seguinte equação (Lei de Ohm):

?????????????????????????????????????????????? P = Q x B

onde: ? P = Gradiente de pressão porta. A pressão porta pode ser medida por

várias técnicas e os resultados podem ser enunciados em milímetros de mercúrio (mmHg ou torr), em centímetros de água (cm H2O) ou em newtons por metro quadrado (N/m² ou pascal). 1mm Hg = 1,36 cm H2O = 133,3 N/m².

Q = fluxo sangüíneo dentro de todo o sistema venoso porta, que na hipertensão porta inclui os colaterais portossistêmicos. Os resultados das mensurações do fluxo são enunciados em mililitro ou litro por minuto.

R = resistência vascular do sistema venoso porta, que representa as so-mas das resistências seriadas da veia porta e do leito vascular hepá-tico e da resistência paralela das colaterais (na hipertensão porta a resistência vascular é influenciada não somente pelo leito vascular porto-hepático, mas também pelas colaterais que podem transportar até 90% do fluxo sangüíneo porta).

A resistência não pode ser medida diretamente, porém pode ser calculada a partir das mensurações simultâneas do gradiente de pressão e do fluxo sangüíneo. Os resultados são enunciados em milímetros de mercúrio por mililitro-1 por minuto ou em dinas por centímetro-5 por se-gundo. Os fatores que influenciam a resistência vascular podem ser e-quacionadas como (Lei de Poiselle):

R = 8µL /pi r4

onde: µ = coeficiente de viscosidade do sangue. As modificações na viscosi-

dade sangüínea devidas a alterações no hematócrito e na concentra-ção de proteínas plasmáticas também podem influenciar a resistên-cia, especialmente após sangramento gastrintestinal.

L = comprimento do vaso: na hipertensão portal pode contribuir bas-tante para a resistência ao fluxo, principalmente nos colaterais que, freqüentemente, são longos e tortuosos.

r = raio do vaso

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Por esta equação percebe-se que o raio dos vasos é o principal fator que influi na resistência vascular e assim exerce grande influência na fi-sio-patologia da hipertensão porta. O raio dos vasos, por sua vez, pode ser influenciado por modificações passivas (ex. dilatação em resposta a um aumento de pressão e do fluxo sangüíneo ou contração quando di-minui o volume sangüíneo) ou ativamente por fatores que modificam o estado contrátil do músculo liso vascular (estímulos neurogênicos, fato-res humorais e agentes farmacológicos).

Teoria Retrógrada da Hipertensão Portal

Por muitos anos admitiu-se que a hipertensão porta era devida ape-nas a uma maior resistência ao fluxo sangüíneo porta devida a um blo-queio pré-hepático, intra-hepático ou pós-hepático que determinava um sistema venoso porta congestionado, com um fluxo venoso porta diminuí-do.

Teoria do Fluxo Anterógrafo

Estudos posteriores, levando em consideração também o fluxo san-güíneo dos colaterais portossistêmicos mostraram que o fluxo porta au-menta muito na hipertensão portal, apesar de sua maior parte circular através das colaterais. Desta forma, surgiu uma nova teoria na qual se propunha que o fluxo venoso porta aumentado desempenharia um papel central na patogênese da hipertensão porta.

Vários experimentos mostraram que um aumento na resistência re-sulta em hipertensão porta, porém um maior fluxo venoso porta não é suficiente para elevar a pressão porta até os valores observados na hi-pertensão porta. Assim, o maior fluxo venoso é considerado um fator a mais que contribui para a manutenção e a piora da hipertensão porta.

Fatores que Influenciam a Resistência Vascular

Qualquer causa que eleve a resistência ao fluxo sangüíneo em qual-quer local do sistema porta resulta em hipertensão porta. As causas mais comuns são as doenças que aumentam a resistência na circulação hepática (cirrose e outras doenças hepáticas) ou na veia cava porta (trombose, compressão extrínseca). As doenças que causam bloqueio ao fluxo ante-rógrafo hepático também causam hipertensão porta mas são mais raras, e apresentam semelhanças hemodinâmicas com insuficiência cardíaca de baixo débito.

Resistência Normal

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Hipertensão portal / 107

Normalmente o principal local de resistência ao fluxo sangüíneo por-ta é a microcirculação hepática, mas este grande leito vascular possui uma resistência muito baixa, menos de 5mmHg de pressão de perfusão são suficientes para manter o fluxo sangüíneo porta normal (20 ml / min-

1/kg). Além disto, a circulação hepática consegue acomodar grandes mudanças do fluxo sangüíneo porta com alterações mínimas na pressão porta. A veia porta normal não contribui muito para a resistência global ao fluxo porta.

Resistência na Hipertensão Porta

Na hipertensão porta o padrão de resistência varia acentuadamente. Na hipertensão porta pré-hepática, a resistência hepática não se modifi-ca, porém em nível da obstrução da veia porta há um enorme aumento na resistência. Já na cirrose a resistência na veia porta é normal, mas a resistência hepática, nas áreas sinusoidais e pós-sinusoidais apresenta uma acentuada elevação. Quando há hipertensão também a circulação colateral influencia a resistência global ao fluxo portal.

Resistência Vascular na Cirrose

O aumento na resistência vascular hepática ocorre principalmente nos sinusóides hepáticos (a obstrução pré-sinusoidal e da veia hepática tam-bém foram sugeridas mas não comprovadas).

Até recentemente se admitia que o aumento da resistência vascular hepática da cirrose era uma conseqüência mecânica fixa da distorção da arquitetura vascular hepática causada pela fibrose, cicatrização e forma-ção de nódulos. Entretanto, existem evidências cada vez maiores de que a resistência vascular hepática não é fixa na cirrose, mas que há um com-ponente ativo que pode ser modificado por vários estímulos. Este com-ponente modificável pode ser devido, em parte, à contração e ao rela-xamento ativos dos miofibroblastos dos septos fibrosos que circundam os nódulos e as vênulas terminais. Outras estruturas contráteis podem estar presentes nas células sinusoidais e vênulas porta e hepáticas e as terminações nervosas adrenérgicas estão em íntimo contato com essas células. Assim, a contração persistente desses elementos devida à esti-mulação neurogênica ou humoral pode contribuir para o aumento da re-sistência hepática ao fluxo. Alguns estudos experimentais mostraram que a resistência vascular de fígados normais e com cirrose pode ser aumen-tada por vários vasodilatadores, e esta resposta foi maior em fígados cirróticos, sugerindo uma hiperatividade desses fatores na cirrose.

Resistência Portocolateral

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Na fase avançada da hipertensão portal, a circulação colateral pode conduzir mais de 90% do sangue que penetra no sistema porta e, nestes casos, é obvio que a resistência vascular desses vasos pode influenciar bastante a resistência global ao fluxo sangüíneo porta e, portanto, à pres-são porta.

Esses vasos possuem uma quantidade substancial de músculo liso e podem exibir alterações ativas no diâmetro.

Estudos em animais mostraram que a serotonina (5-hidroxitriptamina ou 5-HT) faz aumentar a resistência porta e que have-ria participação dos receptores 5-HT na resposta hipertensiva à serotoni-na. A administração de bloqueadores seletivos do receptor 5-HT2 acarre-ta queda significativa na pressão porta sem modificação na hemodinâmi-ca sistêmica ou no fluxo porta, sugerindo que a resistência pré-hepática portocolateral é responsável por parte do aumento da pressão porta e que o relaxamento desses vasos pode representar uma nova abordagem no tratamento farmacológico da hipertensão porta.

A resistência portocolateral pode ser aumentada por vários agentes farmacológicos, especialmente os vasoconstritores esplâncnicos, e algu-mas destas substâncias são usadas para reduzir a pressão porta. Entre-tanto, este aumento na resistência portocolateral diminui o efeito redu-tor da pressão porta como foi demonstrado para a vasopressina, propa-nol e somatostatina, o que determinou a introdução de terapia combina-da, acrescentando um nitrovasodilatador associado ao vasodilatador esplâncnico para exacerbar a queda da pressão porta.

Vasodilatação Esplâncnica e Aumento do Fluxo Venoso Porta

Nos estágios avançados da hipertensão porta observa-se um aumen-to do fluxo porta o que contribui para a manutenção e o agravamento da síndrome hipertensiva porta. A importância deste fator tem sido enfati-zada em excesso, pois a pressão porta continua elevada mesmo quando o fluxo porta é reduzido para os valores normais. Não obstante, a maior parte do tratamento farmacológico da hipertensão porta tem consistido em corrigir este fator.

O aumento do fluxo venoso pode resultar de uma acentuada vasodilatação arteriolar nos órgãos esplâncnicos que drenam para a veia porta. Desta maneira, na hipertensão porta o sistema venoso porta exibe simultaneamente um aumento de fluxo sangüíneo e na resistência vascular. Muitos mecanismos foram sugeridos para explicar esta extraordinária anormalidade hemodinâmica, que provavelmente é um fenômeno multifatorial, envolvendo mecanismos neurogênios, humorais e locais:

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Hipertensão portal / 109

Vasodilatadores Circulantes: Muitas substâncias foram propostas, principalmente vasodilatadores de origem esplâncnica que sofrem meta-bolismo hepático e poderiam acumular-se na circulação sistêmica em vir-tude da menor captação hepática causada pela hepatopatia ou por shun-tagem portossistêmica ou por ambas. Esses vasodilatadores incluem:

• neuropeptídeos; • protaciclina; • adenosina; • ácidos biliares; • amônia; • endotoxinas; • hormônios vasodilatadores gastrintestinais; • Glucagon: é o vasodilatador humoral para o qual existe mais evi-

dências de um papel significativo na promoção da hiperemia esplâncnica na hipertensão porta. O glucagon é um poderoso vasodilatador esplânc-nico cujos níveis aumentam de maneira acentuada na cirrose e em mode-los experimentais de hipertensão porta. O hiperglucagonismo também foi implicado na vasodilatação esplâncnica que se observa após shunts portocava cirúrgicos. Foi sugerido que o hiperglucagonismo pode ser responsável por cerca de 30% a 40% da vasodilatação esplâncnica da hi-pertensão porta crônica. O glucagon pode promover a vasodilatação a-través de duplo mecanismo: relaxando o músculo liso vascular e redu-zindo a sensibilidade aos vasoconstritores endógenos, como a adrenali-na, angiotensina II e vasopressina. Porém há estudos com resultados di-vergentes, onde na hipertensão porta experimental a vasodilatação es-plâncnica não esteve necessariamente associada ao hiperglucagonismo.

• Óxido Nítrico ou Fator Relaxante Derivado do Endotélio (FRDE) ou Endotelina. Foi sugerido que contribuiria para a vasodilatação es-plâncnica associada à hipertensão portal. Também é possível que uma produção insuficiente deste poderoso vasodilatador endógeno contribua para as anormalidades observadas na hipertensão porta.

Estudos com outras substâncias, incluindo neuropeptídeos, secretina, colecistocinina, polipeptídeo pancreático e estrogênios, mostraram que podem induzir vasodilatação esplâncnica em doses farmacológicas, po-rém não na amplitude observada e em doses fisiológicas. Da mesma forma, a redução de endoxinas e amônia pela neomicina produziram re-sultados conflitantes.

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Vasodilatação Periférica e Circulação Sistêmica Hiperdinâmica

A vasodilatação esplâncnica na hipertensão porta está associada à va-sodilatação periférica e a uma circulação sistêmica hipercinética. A pres-são arterial média e a resistência periférica estão acentuadamente redu-zidas, e o débito cardíaco está aumentado. É provável que haja meca-nismos comuns entre esta anormalidade circulatória e a vasodilatação esplâncnica. Os inibidores do óxido nítrico (FRDE) corrigem rapidamen-te a hipotensão arterial e a resistência sistêmica reduzida, mas há evi-dências de que indicam uma resposta diferente da circulação esplâncnica daquela observada em outros leitos periféricos.

Admite-se que a vasodilatação periférica desempenhe um papel im-portante na ativação dos sistemas neurohumorais que induzem a reten-ção de sódio, expansão do volume plasmático e o acúmulo de ascite nos cirróticos. Portanto, a circulação sistêmica apresenta-se acentuadamente vasodilatada apesar dos níveis elevados de vasoconstritores endógenos, pois é justamente a vasodilatação periférica que ativa esses sistemas va-soativos endógenos na tentativa de manter a pressão arterial.

A vasodilatação e a hipotensão arterial poderiam ser mais acentua-das ainda se o sistema nervoso simpático, o sistema renina-angiotensina e o hormônio antidiurético não estivessem aumentados; mesmo assim, provavelmente devido a uma maior produção de glucagon e de outras subs-tâncias vasodilatadoras, há uma resposta atenuada aos vasoconstri-tores endógenos na hipertensão porta. Não obstante, estudos realizados em pacientes com cirrose e ascite mostraram que apesar da pressão arte-rial e da resistência vascular sistêmica baixas, há territórios vasculares que mostram acentuada vasoconstrição, tais como a artéria femural, a artéria cubital e os rins. Provavelmente, grande parte da diminuição da resistência periférica nesses pacientes poderia ser explicada pela vasodi-latação esplâncnica. Foi sugerido que a reversão da vasodilatação es-plâncnica poderia melhorar a perfusão renal nos pacientes com cirrose, ascite e síndrome hepatorrenal.

Volume Plasmático Expandido

O aumento do volume plasmático é uma constante na hipertensão porta e provavelmente é devida à retenção renal de sódio que é aciona-da pela vasodilatação periférica. Assim, a expansão do volume plasmáti-co é uma resposta destinada a preencher a árvore vascular dilatada. Esta é uma resposta muito precoce. Hipotensão, retenção de sódio e expansão do volume plasmático ocorrem antes do aumento do débito cardíaco. É provável que um volume plasmático expandido desempenhe um papel permissivo no aumento do débito cardíaco.

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Hipertensão portal / 111

Em alguns casos, o volume sangüíneo expandido e a circulação hiper-cinética permitem uma estabilização hemodinâmica, deixando de ocorrer qualquer retenção adicional de sódio. Entretanto, quando os distúrbios são mais pronunciados e acompanhados por uma maior fuga transcapilar de albumina, não é mais possível conseguir este tipo de compensação hemodinâmica e a retenção de sódio continua, resultando na formação de ascite e edema.

A expansão do volume plasmático comporta uma maior importância do que se atribuía tradicionalmente na patogenia dos distúrbios circula-tórios da hipertensão porta. Assim, a redução de volume plasmático com uma dieta pobre em sódio e o uso da espironolactona representa outro possível tratamento da hipertensão porta, que poderia ser muito apro-pria-do para a terapia combinada com tratamentos que agem através de mecanismos diferentes. A administração de diuréticos pode ser uma eta-pa muito importante quando se pretende usar nitrovasodilatadores, pois será necessário um volume plasmático reduzido para manter os efeitos desses agentes.

9.4 DIAGNÓSTICO DA HIPERTENSÃO PORTAL

Achados Clínicos

• Colaterais abdominais visíveis; • Esplenomegalia – é comum na hipertensão porta, porém pode estar

ausente em alguns pacientes e não é específica, podendo ocorrer por ou-tras causas.

• Ascite; • Encefalopatia hepática; • Sangramento gastrintestinal. Nenhum destes achados é específico. Porém, quando estão presentes,

a hipertensão porta deve ser aventada.

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Exames Complementares

• Ultrasonografia: Permite avaliar o tamanho do baço e da via porta. • Endoscopia Digestiva Alta: a descoberta de varizes esofágicas, gás-

tricas ou ectópicas confirma a existência de hipertensão porta. • RX de Tórax: Pode revelar um aumento da veia ázigo em relação

ao ângulo traqueobrônquico, porém este achado não é específico da hipertensão porta, podendo estar presente em pacientes com insuficiência cardíaca ou obstrução da veia cava superior. Veias Hemiázigos muito grandes podem determinar uma sombra paravertebral esquerda. • Gasometria arterial: pode evidenciar uma hipóxia arterial, compli-cação infreqüente da hipertensão porta.

• Tomodensitometria com injeção de contraste. • Ressonância Magnética.

ESTUDOS HEMODINÂMICOS

Mensuração da Pressão Porta

É o método direto mais apropriado para avaliar a presença e o grau de hipertensão porta. A punção de um ramo intra-hepático da veia porta é o método mais comum, que pode ser realizado via percutânea ou por via venosa através da via hepática. A ultrassonografia pode ser utilizada para localizar a veia porta ou seus ramos.

Durante uma cirurgia abdominal, a pressão porta pode ser medida diretamente introduzindo-se uma agulha ou um cateter na luz da veia porta ou uma veia ileal. A cateterização da veia umbilical também permi-te a mensuração direta da pressão porta. Entretanto, ambas as técnicas exigem anestesia geral e os valores hemodinâmicos obtidos nessas con-dições diferem das mensurações feitas sem cirurgia, pois a anestesia ge-ral modifica a circulação esplâncnica.

Mensuração do Gradiente de Pressão Venosa Porta

É um método indireto amplamente utilizado para avaliar a pressão porta por ser simples e seguro. Constitui no gradiente entre a pressão em cunha da veia hepática, medida com a ponta do cateter bloqueada numa pequena veia hepática e a pressão livre da veia hepática medida da junção da veia hepática com a veia cava inferior.

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Hipertensão portal / 113

Critérios para Avaliação Correta da Pressão em Cunha:

1º – curva de pressão estável; 2º – ausência de refluxo do contraste para dentro do cateter; 3º – queda nítida da pressão pela retirada do cateter.

Nos cirróticos as pressões em cunha medidas em diferentes veias he-páticas são idênticas. O valor final é obtido pelo encunhamento do cate-ter em duas veias hepáticas para obter-se dois valores idênticos. Se hou-ver discrepância entre as duas mensurações obtém-se a pressão de uma ter-ceira veia hepática. A terceira mensuração em geral é idêntica a uma das duas mensurações prévias e será utilizada como o valor final. Nos pacientes com cirrose a pressão numa veia hepática ocluída por um balão fixado na ponta do cateter é idêntica à pressão em cunha.

Resultados

Normal – o gradiente entre pressão venosa hepática encunhada e li-vre varia de 1 a 4 mmHg.

Hipertensão Porta extra-hepática: o gradiente está normal. Hipertensão Porta intra-hepática: gradiente está elevado. Hipertensão Porta pré-sinusoidal: o gradiente está ligeiramente ele-

vado, oscilando de 5 a 15 mmHg e a pressão porta é mais alta que a pressão hepática encunhada.

Cirrose: o gradiente varia de 10 a 30 mmHg, porém, às vezes, o gra-diente é inferior ou até normal. Nesses pacientes não se observam as complicações da doença e as provas hepáticas estão normais.

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ENCEFALOPATIA HEPÁTICA (EH)

Sinonímia

Coma Hepático, Encefalopatia Portossistêmica, Pré-Coma Hepático A respeito do termo mais adequado optamos por encefalopatia

hepática por nos parecer mais abrangente o que também é compartilhado por vários autores. No caso específico da encefalopatia que ocorre na cirrose, ambos os componentes – "déficit" metabólico do parênquima hepático e shunts portossistêmicos estão presentes em graus variados, desta forma, o termo portossistêmica negligenciaria a deficiência funcional do fígado, sendo o termo mais inadequado ainda nos casos em que a encefalopatia decorre de insuficiência hepática fulminante (IHF), onde em geral não se observaram colaterais venosos portossistêmicos (embora na IHF possa haver desvios dos constituintes do sangue venoso porta para a circulação sistêmica através de derivações intra-hepáticas). Talvez seja apenas bem empregado quando a encefalopatia decorre das derivações portossistêmicas cirúrgicas em que o fígado tenha uma funcionalidade relativamente preservada, no entanto, aqui também deve-se excluir os casos de degeneração hepatocerebral onde há "déficits" neurológicos irreversíveis devido à lesões estruturais no sistema nervoso central. Quanto ao termo coma embora de largo uso e sabidamente corresponda a várias fases evolutivas, pode dar margens a confusões, pois nem todos reconhecem as fases ini-ciais da encefalopatia como coma, daí o uso do termo pré-coma, menos abrangente ainda.

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Encefalopatia hepática / 115

10.1 DEFINIÇÃO

É uma síndrome neuropsiquiátrica que se caracteriza principalmente pela inibição neuronal, de origem metabólica e potencialmente reversí-vel, decorrente de doenças hepáticas agudas ou crônicas.

Deve-se excluir deste conceito as patologias em que há alterações es-truturais dos neurônios, incluindo a degeneração neuronal, onde os "dé-ficits" neurológicos são irreversíveis e podem ocorrer em associação com doenças hepatocelulares crônicas e derivações portossistêmicas.

10.2 QUADRO CLÍNICO

O quadro clínico é similar a outras encefalopatias e deve-se estar atento à presença de sintomas ou de sinais da hepatopatia subjacente (ic-terícia, ascite, edema de membros inferiores, sinais de alterações da cra-se como hematomas, equimoses, gengivorragias, epistaxe, circulação co-lateral, etc.) para que se correlacionem os quadros, assim como as evi-dências de outros distúrbios que podem simular a encefalopatia hepática, como a Doença de Wilson, a encefalopatia de Wernicke e os traumatis-mos cranianos (TCE). Especialmente no paciente etilista onde além da hepatopatia, o consumo de etanol pode desencadear a Síndrome de Wernicke, por deficiência de tiamina e também o estado de embriaguez candidata-o a quedas e acidentes freqüentes, podendo ocorrer um TCE. Além destes, a Síndrome de Abstinência do Álcool pode apresentar sin-tomas neuropsiquiátricos difíceis de diferenciar num primeiro momento daqueles de certas fases da EH.

A apresentação clínica é classicamente dividida em 4 estágios (referentes aos graus de depressão do SNC e no geral similares a todos quadros comatosos, especialmente os de origem metabólica).

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Estágios Clínicos

Estágio I

Os primeiros sinais dessa síndrome são alterações psiquiátricas e comportamentais, com redução sutil da função intelectual, que reflete principalmente a disfunção prosencefálica bilateral. Inicialmente podem passar desapercebidos no exame médico de rotina, sendo mais evidentes para os membros da família e amigos do paciente.

Caracterizam este estágio: – confusão mental discreta, irritabilidade, depressão ou euforia; – redução da atenção e lentificação da capacidade de realizar ativi-

dades mentais; – distúrbio do padrão de sono. Podem ser relatadas alterações da personalidade, hipersonia, inver-

são do padrão de sono e deterioração do rendimento escolar ou no tra-balho.

Estágio II

Neste estágio estão presentes: – sonolência, letargia; – "déficits" motores grosseiros; – alterações evidentes da personalidade, comportamento incovenien-

te, desorientação intermitente (instantes); – incapacidade de realizar atividades mentais.

Estágio III

– Torporoso porém despertável; – incapaz de realizar atividades mentais; – confusão mental intensa com desorientação no tempo e espaço,

amnésia, episódios de agitação, agressividade e raiva, fala ininteligível.

Estágio IV

É o coma propriamente dito. Pode ser subdividido em: IV a: coma com resposta a estímulos dolorosos; IV b: coma sem resposta a estímulos dolorosos.

Hálito Hepático

Pode ser um sinal clínico útil da insuficiência hepática e/ou derivação portossistêmica, porém é subjetivo, variável, inespecífico e sua etiologia

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não está esclarecida com certeza, podendo ser devida a produtos nitro-genados de pequeno peso molecular do metabolismo das bactérias enté-ricas como os mercaptanos.

10.3 EXAMES COMPLEMENTARES

Psicometria

Os testes psicométricos podem ser realizados para detectar e quanti-ficar anormalidades sutis na função mental dos pacientes com doença hepática que não apresentam sinais clínicos evidentes da EH ou que este-jam no grau I.

Os mais simples são: – orientação de tempo, espaço e pessoal; – lembrança de fatos atuais; – séries de subtração do sete; – escrita manual; – desenho de figuras; – desenho de uma estrela de cinco pontas; – teste de conexão numérica lógica, etc.

Eletroencefalograma (EEG)

As anormalidades do EEG encontradas na EH podem ser úteis e em geral têm boa correlação com o estágio clínico, podendo, às vezes, esta-rem presentes mesmo antes que as manifestações clínicas sejam eviden-tes, mas não são específicas e podem ocorrer em outras encefalopatias metabólicas como a uremia, a hipercapnia e a hipoglicemia além de po-derem persistir após a recuperação clínica de um episódio de EH.

Nos estágios finais da EH tendem a ocorrer ondas trifásicas paroxís-ticas e em geral se associam ao prognóstico sombrio e à redução pro-gressiva nas amplitudes das ondas sem o retorno de freqüências rápidas, mas com períodos de supressão é particularmente ameaçadora.

O EEG também é valioso no diagnóstico diferencial, podendo reve-lar distúrbios focais, atividade convulsiva e outras alterações que suge-rem um diagnóstico alternativo.

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Respostas Visuais Provocadas (RVP)

A RVP é uma avaliação da integridade funcional do SNC em geral e do sistema visual em particular. RVP anormais têm sido encontradas na EH latente (pré-clínica) e os graus de anormalidade eletrofisiológica da RVP parecem correlacionar-se com o estágio clínico da síndrome.

Padrões específicos de anormalidade no traçado da RVP podem auxi-liar na diferenciação entre as diversas encefalopatias.

Exames Laboratoriais

Não há nenhum exame específico para a EH.

Glutamina e Alfa-Cetoglutaramato no Líquor

As concentrações liquóricas de glutamina e alfa-cetoglutaramato têm mostrado boa correlação com o estágio da EH, porém não se preconiza sua realização de rotina já que a punção lombar destes pacientes pode estar contra-indicada pela presença de uma coagulopatia grave ou pela elevação da pressão intracraniana (PIC).

Amônia Arterial

Foi considerado por longo tempo o único exame laboratorial útil no diagnóstico da EH, porém tem sido questionada sua utilidade, pois não está presente em todos os pacientes com EH e seus níveis não se correla-cionam diretamente com a gravidade da síndrome.

Outros exames laboratoriais podem ser úteis:

• para diagnóstico e avaliação da doença hepática subjacente – aminotransferases, – bilirrubinas, – eletroforese das proteínas, – tempo de protrombina.

• ou dos fatores desencadeantes como: – pesquisa de medicamentos no soro e na urina, – nível sangüíneo de etanol, – culturais de sangue, urina e escarro para investigar quadros infec-

cio-sos, – citológico e cultural do líquido ascítico, pois a peritonite bacteriana

espontânea (PBE) pode ser responsável pela descompensação do pacien-te,

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– glicemia – a hipoglicemia e a encefalopatia hipoglicêmica podem ocorrer na insuficiência hepática, principalmente na aguda e menos co-mumente na doença crônica,

– eletrólitos séricos, principalmente o potássio, – gasometria arterial – o equilíbrio ácido-básico pode ser afetado por

vários fatores, podendo comprometer a função mental e influenciar as manifestações da EH.

A alcalose é o distúrbio mais comum, sendo a respiratória mais fre-qüente que a metabólica, porém ambas podem ocorrer concomitante-mente. A acidose intracelular pode contribuir para a hiperventilação e a alcalose respiratória.

O tratamento diurético (levando à deficiência de potássio), os vômi-tos, a diarréia e as transfusões sangüíneas maciças podem causar alcalose metabólica. A acidose metabólica é mais rara e geralmente atribuível à acidose lática ou à insuficiência renal relacionada à síndrome hepatorre-nal ou à acidose tubular renal. Já a acidose respiratória costuma aconte-cer apenas em fases terminais.

– Uréia e Creatinina – a elevação da creatinina acima de 2 mg tem va-lor prognóstico.

10.4 ETIOLOGIA

A encefalopatia hepática pode ocorrer sempre que a função hepatoce-lular estiver muito comprometida, independente da etiologia da doença hepática. É mais freqüente nos pacientes com cirrose descompensada.

Fatores Desencadeantes

Em nossa experiência com hepatopatias alcoólicas só raramente uma hepatite alcoólica evolui para encefalopatia, na maioria das vezes isto ocorre na cirrose, especialmente nas de grau severo, e os fatores desen-cadeantes mais comuns são:

– Hemorragia Digestiva Alta; – Hipocalemia decorrente do tratamento diurético; – Falência hepatocelular.

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Outros fatores também podem ser os precipitantes: – constipação – infecções – sobrecarga na ingestão protéica – alcalose metabólica hipocalêmica – alterações eletrolíticas e ácido-básicas – diarréia – vômitos – hipoglicemia – hipóxia – anemia – hipotensão – paracentese abdominal – desidratação – azotemia – medicamentos hipnótico-sedativos (barbitúricos, benzodiazepíni-

cos) – que exercem seus efeitos neuroinibidores em recptores que poten-cializam a ação do GABA (complexo ionóforo cloreto/receptor benzodi-azepínico/ ácido gama-aminobutírico).

10.5 PROGNÓSTICO

O prognóstico da encefalopatia hepática depende fundamentalmente do grau de função hepatocelular remanescente, do tipo de fator desen-cadeante e da possibilidade de remoção ou correção deste. Por exemplo, num paciente cirrótico sem icterícia ou alterações da crase sangüínea que desencadeia uma encefalopatia por hipocalemia em decorrência de tra-tamento diurético – este sendo prontamente diagnosticado e corrigido terá uma recuperação muito melhor do que o paciente com grau avança-do de hepatopatia, com icterícia, acentuado prolongamento do tempo de protrombina e que desencadeia uma encefalopatia por hemorragia diges-tiva intensa por ruptura de varizes esôfago-gástricas. Sem dúvida o pior de todos os prognósticos ocorre no paciente em fase final de cirrose, com função hepatocelular totalmente deteriorada, onde o fator desenca-deante pode ser até insignificante ou mesmo ocorrer de forma espontâ-nea.

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10.6 NEUROPATOLOGIA

Não há lesões estruturais cerebrais típicas na encefalopatia hepática. Em alguns pacientes pode ser encontrado um aumento do número e do tamanho dos astrócitos (principalmente os do tipo Alzheimer II) no cé-rebro, cerebelo, putamem e globo pálido. Estas alterações podem ser devidas a efeitos tóxicos da amônia (que se mostrou tóxica para cultura de astrócitos in vitro) e são reversíveis.

10.7 PATOGENIA

O mais provável é que a etiologia seja multifatorial, havendo várias hipóteses sobre sua patogenia.

A encefalopatia hepática pode ser devida à impossibilidade hepática de remover adequadamente certas substâncias do plasma que, direta ou indiretamente, alteram a função do SNC.

SUBSTÂNCIAS ENVOLVIDAS NA PATOGENIA DA ENCEFALOPATIA

Amônia

O papel da amônia no desencadear da encefalopia hepática é o mais estudado e o mais aceito dos fatores patogênicos.

Metabolismo da Amônia

A principal fonte de produção da amônia é a degradação de aminoá-cidos, aminas e purinas pelas bactérias entéricas, podendo ser formada também por microorganismos que desdobram a uréia e a urease intesti-nais. Após produzida, ela é levada ao fígado onde é convertida em uréia e glutamina pelo ciclo de Krebs-Hensleit.

Mecanismos Patogênicos da Amônia

Na insuficiência hepática, este ciclo não funcionará adequadamente e haverá aumento da amônia circulante.

No cérebro esta amônia exerceria ações complexas direta e indireta-mente que levariam à encefalopatia:

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– A amônia diminui a formação de alfa-cetoglutarato e aumenta a produção de glutamina no ciclo do ácido tricarboxílico, reduzindo o me-tabolismo energético cerebral (alguns autores consideram que a alteração energética seja conseqüência e não causa da encefalopatia e que a gluta-mina seria derivada das reservas de glutamato e não do alfacetoglutara-to).

– As maiores concentrações de amônia levam à excitação neuronal (desinibição neuronal pós-sináptica) em algumas regiões do cérebro e inibição neuronal em outras.

Fatores favoráveis na hipótese da amônia

a) A amônia aumenta na insuficiência hepática e sua captação pelo cé-rebro e pelos músculos está aumentada;

b) a amônia pode produzir encefalopatia (por ex: esta encefalopatia ocorre em crianças com hiperamonemia devido à deficiências congênitas das enzimas do ciclo da uréia de Krebs-Hensleit;

c) as medidas terapêuticas que diminuem a absorção de amônia pelos intestinos produzem melhora na encefalopatia hepática.

Fatores contrários à hipótese da amônia

a) Os níveis plasmáticos da amônia não se correlacionam diretamente com o grau da encefalopatia hepática;

b) as convulsões são raras na encefalopatia hepática enquanto são comuns na intoxicação aguda por amônia e nas síndromes de hiperamo-nemia congênita.

c) a amônia administrada a cirróticos com "déficit" de função hepato-celular não produz as alterações eletroencefalográficas da encefalopatia hepática.

Ação Sinérgica de Várias Toxinas (Mercaptanos, Ácidos Graxos de Cadeia Curta, Fenóis )

Estas substâncias também funcionam como neurotoxinas e costumam estar aumentadas na encefalopatia, porém em quantias que por si só se-riam insuficientes para produzir uma encefalopatia ou coma.

Entretanto, a combinação dessas substâncias, agindo de modo sinér-gico sobre o SNC, poderia levar ao quadro de EH.

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Mecanismo de Ação

Estas toxinas inibem a Na+K+ATPase, enzima responsável pelo transporte ativo de sódio e potássio entre o líquido extracelular e o cito-plasma celular. Ela é encontrada em grandes concentrações no cérebro, nas células endoteliais dos capilares cerebrais e de outros tecidos nervo-sos, onde contribui para o controle iônico. A inibição desta enzima leva-ria ao aumento de sódio intracelular e à redução da neurotransmissão.

Fatores favoráveis à teoria das toxinas

a) Há aumento dos mercaptanos, ácidos graxos de cadeia curta e dos fenóis na insuficiência hepática;

b) os mercaptanos e os ácidos graxos de cadeia curta podem acarre-tar uma encefalopatia;

c) doses de amônia menores que as necessárias para desenvolver coma, quando associadas a ácido octanóico e metanetiol, produzem coma em ratos normais e as concentrações cerebrais dessas toxinas nesses ra-tos é semelhante à encontrada em ratos em coma por desvascularização hepática.

Fatores contrários à teoria das neurotoxinas sinérgicas

a) Não há correlação entre os níveis plasmáticos e cerebrais dos mer-captanos e o estágio da EH;

b) da mesma forma que a amônia os mercaptanos em altas doses cos-tumam provocar estados convulsivos e estes são raros na EH.

Falsos Neurotransmissores

Na insuficiência hepática são descritas reduções das concentrações neuronais dos verdadeiros neurotransmissores (noradrenalina e dopa-mina) e aumento das concentrações de serotonina e falsos neurotrans-missores (octopamina e feniletanolamina). Estas alterações levariam à redução na excitação e ao aumento na inibição neuronal.

Esta formação de falsos neurotransmissores seriam decorrentes do maior aporte ao cérebro dos seus precursores, os aminoácidos aromáti-cos. Estes, por sua vez, estão elevados no cérebro em decorrência da diminuição da relação da concentração plasmática entre aminoácidos de cadeia ramificada e aminoácidos aromáticos, observada em pacientes com insuficiência hepática crônica. Também colabora o aumento da con-centração cerebral de glutamina, decorrente da ação da amônia na célula cerebral e o maior afluxo desta através de mecanismos de troca por ami-noácidos aromáticos na barreira hematoencefálica.

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Fatores favoráveis à hipótese dos falsos neurotransmissores

a) Há aumento dos ditos falsos neurotransmissores na insuficiência he-pática;

b) a relação plasmática entre aminoácidos de cadeia ramificada e a-romáticos costuma diminuir em pacientes cirróticos;

c) o afluxo de glutamina do cérebro é relatado em animais com insu-ficiência hepática;

d) em ratos com encefalopatia com lesão hepática por galactosamina foi observada diminuição na concentração de noradrelina e dopamina, diminuição da afinidade dos receptores à dopamina e aumento da octa-pamina no corpo estriado.

Fatores contrários à teoria dos falsos neurotransmissores

a) As alterações cerebrais descritas por essa hipótese não produziram coma;

b) a administração intraventricular de octapamina em ratos normais levou à intensa redução da noradrelina no cérebro, porém não houve nenhuma alteração na consciência;

c) a relação plasmática entre os aminoácidos de cadeias ramificadas e os aminoácidos aromáticos nos pacientes com cirrose reflete a redução da função hepatocelular, porém não se correlaciona com o grau de ence-falopatia hepática;

d) a administração oral ou endovenosa de aminoácidos de cadeia ramificada não melhora a encefalopatia hepática;

e) esta hipótese implica redução da neurotransmissão dopaminérgica, porém medicamentos dopaminérgicos, como a L-dopa e a bromocriptina não melhoram a encefalopatia hepática. Além disto, em coelhos com co-ma hepático não houve alterações significativas nos receptores dopami-nérgicos pós-sinápticos. Portanto, não parece que as alterações da neuro-transmissão dopaminérgica desempenhem função importante na patoge-nia da encefalopatia hepática;

f) a biópsia cerebral de pacientes cirróticos que morreram com ence-falopatia hepática mostrou concentrações maiores de noradrenalina e dopamina e diminuição da octopamina justamente ao contrário das alte-rações previstas por essa hipótese.

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GABA

Estrutura do neurotransmissor GABA:

Constitui-se num complexo subdividido farmacologicamente em: – um receptor GABA – um receptor BZ – ionóforo cloreto com receptores barbitúrico

Fisiologia do Complexo GABA

Estes receptores estão relacionados alostericamente. A ativação do receptor GABA abre o ionóforo cloreto, aumentando a permeabilidade da membrana neuronal ao Cl–, este entrará no neurônio, causando a hi-perpolarização da membrana, fenômeno que é a base da neurotransmis-são inibitória GABAérgica.

Já o receptor BZ controla a eficácia do GABA na abertura do ionófo-ro do Cl–. Assim, os agonistas dos receptores BZ (ex. benzodiazepínicos) aumentam a freqüência das aberturas do canal de Cl– produzidas pelo GABA.

Mecanismos Patogênicos da GABA na EH

Haveria 3 mecanismos possíveis para explicar o aumento da neuro-transmissão GABAérgica na insuficiência hepática:

a) maior disponibilidade de agonistas GABA: Alguns autores rela-tam que a EH estaria associada ao aumento dos níveis plasmáticos de GABA, proveniente da produção intestinal.

Embora não comprovado ainda, na insuficiência hepática haveria uma maior permeabilidade da barreira hematatoencefálica ao GABA, e este, sendo captado pelos neurônios atingiria os receptores

GABA e intensificaria a neurotransmissão GABAérgica. b) aumento da quantidade ou afinidade dos receptores do GABA:

Na EH de vários modelos animais foram observados aumentos na quan-tidade de receptores GABA e/ ou BZ, porém esta observação não é constante e necessita maior comprovação.

c) potencialização alostérica da ação do GABA: devido à presença de agonistas para os receptores benzodiazepínicos (BZ) e barbitúricos.

A participação do receptor GABA/BZ na EH não depende apenas do aumento dos níveis séricos do GABA, do aumento da permeabilidade da barreira hematoencefálica ao GABA ou da quantidade de receptores GABA, embora estes intensifiquem o tônus GABAérgico.

Estudos com animais sugerem que haveria um aumento funcional do tônus GABAérgico mediado alostericamente pelo receptor BZ, prova-

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velmente devido à existência de uma substância endógena com proprie-dades semelhantes ao diazepam.

Fatores favoráveis a teoria do complexo GABA

a) Neurônios do SNC de coelhos com EH mostraram-se 3 a 5 vezes mais sensíveis que de controles à depressão por agonistas GABA em ex-periências in vitro. Por outro lado, a administração de antagonistas dos receptores BZ (flumazenil) aumentou significamente a atividade dos neurônios nos coelhos com EH;

b) o flumazenil melhorou a consciência e reduziu as alterações do EEG em pacientes com EH.

Fatores contrários à teoria do complexo GABA

a) Embora a administração de antagonistas BZ produza melhora das condições mentais em alguns pacientes, estas são temporárias e não in-fluenciam a taxa de sobrevivência do paciente com EH.

10.8 TRATAMENTO DA ENCEFALOPATIA HEPÁTICA1

Os princípios gerais de tratamento da encefalopatia hepática, inde-pendente de sua etiologia devem visar:

1) medidas para melhora da função hepatocelular (atualmente so-mente medidas exclusivamente experimentais, salvo o transplante hepá-tico, são disponíveis);

2) fatores precipitantes identificados devem ser prontamente corri-gidos (incluindo distúrbios ácido-básicos e hidroeletrolíticos, uso de drogas depressoras do Sistema Nervoso Central, infecções de qualquer espécie, hemorragia digestiva, uso de drogas hepatotóxicas, distúrbios do metabolismo da glicose, pancreatite e hipertensão intracraneana con-comitantes);

3) manobras de minização da interação entre bactérias entéricas e produção de compostos nitrogenados por meios farmacológicos e /ou mecânicos;

4) prevenção e /ou tratamento de quaisquer complicações que ten-dam a exacerbar a encefalopatia hepática (especialmente hipoxemia).

As medidas específicas envolvem a saber: 1 Mauro Sérgio Bertelli, autor deste item (10.8), Mestre em Farmacologia PE FFCM/PA e

Professor das disciplinas de Farmacologia e Gastroenterologia e Hepatologia da UCS.

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DIETA E NUTRIÇÃO

A despeito da redução da ingesta protéica total ou parcial ser preco-nizada, um balanço nitrogenado positivo deve ser encorajado no pacien-te com encefalopatia hepática, a fim de minimizar perda muscular e oti-mizar função hepatocelular, desde que não haja intolerância protéica (a-gravamento das condições do paciente pelo aumento de compostos ni-trogenados circulantes). A proteína de origem vegetal hidrolizada não é preferível em função de seu pretenso efeito laxativo atribuído ao seu conteúdo em fibras e glicídios não-absorvíveis. No entanto, maior núme-ro de investigações clínicas são necessárias antes de considerarmos tal reposição nutricional como tratamento sistemático.

AMINOÁCIDOS DE CADEIA RAMIFICADA

A despeito da constatação de redução liquórica e sérica dos aminoá-cidos: leucina, isoleucina e valina, além de treonina e argina na vigência da encefalopatia hepática, não há evidência clínica de que sua suplemen-tação, através de nutrição parenteral ou enteral, tenha efeitos benéficos na sobrevida desses pacientes, embora possam ser utilizados naqueles pa-cientes que necessitem suporte calórico/protéico, a fim de manter ba-lanço nitrogenado positivo, especialmente desnutrido.

LIMPEZA MECÂNICA DOS CÓLONS

Constitui fator importante no tratamento, de baixo custo e de alta e-ficácia, facilmente alcançado através de enemas de limpeza, colônica com água tépida associados ou não ao glicerol e utilizados de forma sistemá-tica. Não estimulamos o uso de manitol ou glicerol por via oral, confor-me preconizado por alguns autores, em função do freqüente agravamen-to das condições hidroeletrolíticas nos pacientes submetidos à intensa catarse osmótica.

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ANTIBIÓTICOS

O uso de antibióticos ou quimioterápicos visando a diminuição da flora entérica provou ser extremamente útil no tratamento da encefalo-patia hepática.

O fármaco ideal para tal fim deve reunir as qualidades de pobre ab-sorção e espectro que abranja a flora bacteriana entérica. Classicamente, o antibiótico preconizado é a neomicina que, embora não-comercializada no Brasil, pode ser obtida em algumas drogarias de manipulação em nosso meio mediante importação. As tetraciclinas (especialmente a oxite-traciclina) também podem ser utilizadas, no entanto, devido ao apareci-mento freqüente e precoce de resistência bacteriana, seu uso crônico é proibitivo. Recentemente, Morsan e colaboradores determinaram a im-portância da flora anaeróbica colônica na formação de compostos nitro-genados e, em estudo comparativo usando metronidazol e neomicina concluíram pela eficácia semelhante de ambos, tornando o metronidazol uma alternativa plausível, especialmente em nosso meio, a despeito de sua maior absorção sistêmica em relação à neomicina.

LACTULOSE E LACTITOL

Pela ausência de dissacaridases nos microvilos intestinais, a lactulose e o lactitol, incapazes de serem degradados, produzem efeito osmótico levando à limpeza entérica mecânica e, além disso, por sua degradação pela flora intestinal em ácido lático e outros ácidos orgânicos com subse-qüente alteração do PH intraluminal têm efeito direto sobre esta mesma microflora, além de eventual efeito quelante de compostos nitrogenados.

Seguramente são os fármacos de escolha para o tratamento ambula-torial de pacientes com insuficiência hepática severa, com sinais encefa-lopáticos crônicos.

O lactitol apresentaria vantagens teóricas sobre a lactulose no que diz respeito à palatabilidade e conseqüente aceitação do tratamento por parte do paciente; contudo, dificilmente é obtido em nosso meio.

Tais produtos ainda apresentam vantagens de possuírem efeito si-nérgico com os antibióticos acima relatados e podem ser utilizados por via retal sob a forma de enemas nos pacientes incapacitados de os rece-ber por via oral.

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TRANSPLANTE HEPÁTICO

Em centros em que tal procedimento é exeqüível, constitui-se em tra-tamento definitivo, embora necessite de aporte técnico e condições de suporte de difícil acesso em nossa realidade médica atual.

DROGAS EXPERIMENTAIS

Baseado na teoria dos falsos neurotransmissores na gênese da ence-falopatia hepática, o uso de levadopa e bromocriptina, ambos agonista do dopaminérgicos, este último com um possível efeito anti-serotoninérgico associado provaram benefícios em pacientes com encefa-lopatia hepática crônica com exacerberações freqüentes, embora seu uso sistemático careça de maior comprovação científica.

O uso de insulina associado ao glucagon experimentalmente parece aumentar a capacidade regenerativa hepática, assim como extratos cito-sólicos de hepatócitos sob regeneração, embora tais fatos necessitem de comprovação de eficácia em humanos.

O uso de interferon em hepatite viral fulminante pode diminuir a ne-crose hepática maciça, assim como o uso de prostaciclinas. No entanto, o seu sucesso depende fundamentalmente de uso antes do desenvolvimen-to da encefalopatia.

Em virtude da nova teoria do papel do sistema GABAérgico da gê-nese da encefalopatia hepática, os antagonistas ao receptor benzodiaze-pínico do receptor GABAérgico como o flumazenil (Ro 15-1788 Labora-tório Hof-fman-Roche) provaram determinar melhora do status neuroló-gico de animais submetidos a modelo experimental de coma hepático. Tal medicamento encontra-se atualmente em fase de experimentação clí-nica.

A despeito da falta de estudos controlados, o tratamento da síndro-me de hipertensão intracraneana provocado por edema cerebral de pro-vável mecanismo vasomotor, através do uso de manitol endovenoso em bolo (1gr/Kg EV de 1/1 hora), talvez tenha lugar na terapêutica do coma hepático, especialmente quando houver possibilidade de monitorização da pressão intracraneana e naqueles pacientes em estágio III e IV da en-cefalopatia hepática, uma vez que o achado de edema cerebral como provável fator determinante do óbito nestes pacientes é da ordem de 38%.

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HEMORRAGIA POR VARIZES DE ESÔFAGO

Representa a complicação mais temida e grave da hipertensão portal e uma das principais causas de óbito.

O sangramento das varizes e quais as que apresentam o maior risco de sangrar novamente são questões difíceis de responder. A esofagite concomitante parece não ser fator importante como já foi demonstrado experimentalmente.

Vários fatores foram considerados como pregnosticadores de san-gramento; eles incluem o tamanho das varizes, a pressão intravaricosa, a classificação de Child, as marcas ou manchas sobre os canais varicosos e as aranhas vasculares.

Resumindo os vários trabalhos já realizados chega-se à conclusão de que o sangramento é mais provável nos pacientes mais enfermos (classi-ficação de Child) e com varizes calibrosas. A relação com o tamanho das varizes é fácil de entender, quanto maior o diâmetro maior será a tensão da parede, até mesmo quando a pressão portal for a mesma. Fica claro também nas várias estatísticas que os pacientes com hepatopatia avança-da sangram mais, independente dos outros fatores de risco para o san-gramento.

11.1 TERAPIA DA HEMORRAGIA ATIVA

As medidas gerais para tratar os pacientes com hemorragia varicosa são essencialmente as mesmas adotadas para qualquer paciente com san-gramento gastrintesinal alto. São usadas soluções salinas e sangue, atra-vés de veias de grande calibre, fatores de coagulação e plaquetas quando indicado. O local e a atividade do sangramento devem ser determinados

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por endoscopia. Ressaltamos que 30% dos cirróticos que sangram são por outras causas além das varizes e não serão beneficiados com medi-das visando ao tratamento da hipertensão portal ou diretamente dirigi-das às varizes.

Ao realizar a endoscopia, é prudente fazer antes uma lavagem gás-trica por sonda não sendo preconizada a água gelada e sim morna, a fim de determinar se o sangramento é ativo e tentar retirar o sangue que está no estômago a fim de que o exame endoscópio seja mais completo e mais fácil de ser realizado. Se o estado mental do paciente estiver alte-rado em virtude de encefalopatia associada é prudente intubar a via res-piratória, prevenindo, assim, a aspiração antes de iniciar qualquer tipo de lavado gástrico ou endoscopia.

VASOPRESSINA

A arginina vasopressina é um hormônio polipeptídeo com nove ami-noácidos. É um poderoso vasoconstritor que reduz acentuadamente o fluxo venoso e a pressão portal. Pode ser administrado por via intra-arterial com uma infusão seletiva, na forma de jatos ou infusão contínua na veia. A via intravenosa é tão eficaz como a arterial, além de ser mais segura e mais fácil de utilizar. A dose habitual de vasopressina é de 0,1 a 1,0 u /min com uma dose única e inferior a 0,4 u /min nos pacientes ou com doença vascular conhecida.

Existem controvérsias nos numerosos ensaios clínicos no sentido de demonstrar a eficácia ou não da vasopressina. Parece haver certa ten-dência para algum benefício.

SOMATOSTATINA

É um peptídeo natural com muitos efeitos inibitórios sobre a função gastrintestinal. Sua meia vida, muito curta, limitou sua utilização clínica, porém a elaboração do análogo octapeptídeo cíclico de ação mais longa (octreotídeo) fez ser um agente mais interessante para o tratamento de ampla variedade de problemas gastrintestinais. Exerce um efeito sobre a circulação mesentérica que parece resultar em uma queda do fluxo san-güíneo portal. Os trabalhos demonstram que o efeito somastotatínico é igual ou melhor do que a vasopressina, para o controle das hemorragias por varizes e com menos complicações.

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BALÃO DE SENGSTAKEN-BLAKEMORE

Pode ser usado como coadjuvante do tratamento antes da esclerote-rapia. Seu uso é problemático em virtude da alta taxa de complicações, além do que deve ser usado por médico ou enfermeira com grande ex-periência.

ESCLEROTERAPIA

Os estudos sobre a eficácia da escleroterapia endoscópica começaram a aparecer em 1970 com uso dos endoscópicos flexíveis e fibras óticas.

É difícil avaliar os múltiplos relatos sobre a escleroterapia endoscó-pia em virtude das técnicas serem extremamente variadas, para conse-guir erradiação das varizes. Sem entrarmos em detalhes das várias técni-cas e discussão das mesmas, nos aparece que a maioria dos endoscopis-tas realiza a esclerose das varizes com apenas um endoscópio e uma agu-lha para escleroterapia. O sulfato tetradecil de sódio e o morruato de sódio são os agentes esclerosantes mais comumente usados nos EUA. Na Europa é mais usado o oleato de etanolamina e polidocanol, o último em geral para injeções paravaricosas.

Nossa experiência é com o uso do oleato de etanolamina. Os vários trabalhos mostram que o ideal ainda não foi elaborado.

No tratamento das varizes de esôfago, sempre repetimos a esclerose na primeira semana e, após, de 20 em 20 dias. A dose de etanolamina que usamos raramente ultrapassa a 10ml por sessão. Em média o trata-mento se completa no fim de 06 a 08 sessões. Quanto aos resultados, en-saios randomizados de escleroterapia terapêutica clínica, mostram uma redução no número de mortes em torno de 25%. As complicações da es-clerose variam desde disfagia até perfuração de esôfago e morte. Dor torácica e febre ocorrem em até 40% dos pacientes. A bacteremia ocorre em 05% a 10%, porém não constitui perigo significativo. A ulceração fre-qüentemente é mais comum nos pacientes de alto risco. As úlceras rasas podem significar uma esclerose eficaz e eventualmente apresentam he-morragia secundária.

INJEÇÃO ENDOSCÓPICA DO POLÍMERO

A injeção endoscópia do adesivo tecidual n-butil 2-ciano-acrilato (Histoacryl) para o tratamento de varizes esofágicas está sendo realizada recentemente. É um agente adesivo tecidual que endurece em 20 segun-

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dos. Admite-se com o acrilato conseguir um controle mais rápido do sangramento com menos efeitos colaterais, mas há um grande incoveni-ente de envolver o risco de danificar o equipamento endoscópico.

LIGADURA ENDOSCÓPICA DE VARIZES

Realizada à semelhança da ligadura de hemorróidas está sendo tes-tada por alguns colegas do Brasil com bons resultados e custos relativa-mente reduzidos. Tem vantagens sobre a esclerose com medicamentos no tocante aos efeitos colaterais, mas, por outro lado, existe a necessida-de do uso de tubo externo com 25cm de comprimento e sedação do paci-ente.

A colocação da bandagem é relativamente simples, no lugar de cada ligadura forma-se uma úlcera superficial que não é tão profunda como na escleroterapia convencional e geralmente cicatriza de 14 a 16 dias. Um trabalho preliminar com uma técnica que combina escleroterapia mais ligadura sugere que a erradicação de varizes esofágicas pode ser conse-guida com uma média de apenas três sessões de tratamento e pode im-plicar menos recidiva de sangramento que qualquer técnica usada isola-damente.

VARIZES GÁSTRICAS

Cerca de 10% a 15% dos pacientes que sangram têm varizes fúndicas visualizadas na endoscopia. O uso de esclerose convencional, nesses ca-sos, não parece ter muito sucesso e a taxa de complicações é mais alta.

A terapia combinada com ligadura de varizes seguida de injeção de 01 a 02 ml de sulfato de tetracedil de sódio a 1% dentro das varizes a-baixo do local da ligadura demonstrou um controle efetivo da hemorra-gia tanto a longo quanto a curto prazo. O uso do omeprazol é importan-te nesses casos para diminuir a acidez. Finalmente, para os pacientes que não respondem à terapia endoscópica, o procedimento SPIT é a melhor conduta.

TRATAMENTO CIRÚRGICO

Quando a terapia clínica e endoscópica falham, os cirurgiões e o radiologista devem ser recorridos para a solução do problema. As inúmeras maneiras que o cirurgião dispõe para resolver o sangramento das varizes esofágicas estarão sempre relacionadas com a gravidade da

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varizes esofágicas estarão sempre relacionadas com a gravidade da he-patopatia. (Classificação de Child).

O procedimento mais simples e com menos risco consiste em chulear a variz suspeita e encerrar rapidamente a cirurgia abdominal; no entan-to, a taxa de insucesso é muito alta. A cirurgia com shunts porto sistêmi-co é altamente eficaz, mas está associada à morbidez e à mortalidade elevadas, principalmente com o paciente classe C de Child.

Há vários tipos de shunts porto sistêmicos: portocava-término late-ral, portocava látero-lateral, mesocava (enxerto em H), espleno renal com esplenectomia, espleno renal distal e outros menos freqüentes. Dois grandes fatores pesam na decisão da escolha do shunts: o tempo neces-sário para realizar a cirurgia (os pacientes mais graves necessitam opera-ções mais rápidas) e a quantidade de fluxo sangüíneo portal que persiste após o procedimento, pois sabe-se que um fluxo menor corresponde a um maior risco de encefalopatia. O shunt espleno renal constitui prova-velmente a melhor operação global, porém tem alguns inconvenientes. A operação é tecnicamente mais difícil além de não ser bem tolerada em pacientes com ascite volumosa. Uma abordagem mais cuidadosa e alter-nativa para os pacientes com varizes esofágicas sangrantes é a secção e-sofágica. Sigiura e Tutagawa relataram sua experiência com 276 pacientes que haviam sido submetidos a uma secção esofágica, vasotomia seletiva, desvascularização paraesofágica, esplenectomia e piloroplastia. A taxa de sobrevida era de 83% aos 07 anos com recidiva de sangramento de ape-nas 2,3%.

Vários pesquisadores concluíram que a secção esofágica poderia ser aventada se o paciente voltasse a sangrar após duas secções de esclerote-rapia endoscópica, entretanto a secção esofágica está teoricamente con-tra-indicada em virtude de maior risco de sangramento através da anas-tomose, quando fica próxima de uma úlcera profunda produzida pela escleroterapia endoscópica. A abordagem cirúrgica final para um indiví-duo com um sangramento varicoso intratável é o transplante de fígado.

TERAPIA RADIOLÓGICA-EMBOLIZAÇÃO E SHUNTS

A cateterização da veia coronária e de todas as colaterais que alimen-tam as veias gástricas e esofágicas, a partir da veia esplênica, permite ao radiologista embolizar e, conseqüentemente, ocluir esses vasos. A oclu-são é feita com soluções hipertônicas esclerosantes e gomas teciduais, trombina, esponjas hemostáticas ou espirais metálicas.

O controle do sangramento foi conseguido com sucesso em 75% dos casos dos pacientes tratados assim, mas 40% tiveram um novo sangramento num período de dois a seis meses. Novo método, quando

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mento num período de dois a seis meses. Novo método, quando falham as técnicas endoscópicas, é o shunt portocava intra-hepático transjugular (SPIT). Definida a anatomia da veia porta o radiologista manobra o cate-ter da veia jugular para a veia hepática. A seguir utilizando uma técnica semelhante àquela de uma biópsia hepática transjugular um cateter mu-nido de uma agulha na ponta é passado através do parênquima hepático em busca de um dos principais ramos da veia porta. O trajeto é dilatado e canulado com endopróteses de fios metálicos entrelaçados.

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TRATAMENTO DA ASCITE NA CIRROSE HEPÁTICA

Na grande maioria dos casos, a ascite não constitui grande problema para um tratamento eficaz. Temos encontrado dificuldades na razão di-reta do grau de severidade de hepatopatia. Nos casos da doença avan-çada, a ascite poderá ser rebelde, mas nessas situações não é ela que nos preocupa e sim a insuficiência hepatocelular que acompanha o caso. Dian-te deste quadro, o tratamento da ascite, a não ser em casos de peritonite bacteriana associada, passa a ser secundário na maioria dos pacientes. Os pacientes que apresentam ascite pela primeira vez são tratados com ape-nas restrição salina e repouso e a regressão é comum nesses casos. A in-trodução de diuréticos deve ser feita se falhar esta tentativa. É impor-tante, antes de administrar diuréticos, que o médico se certifique de que a albumina plasmática seja superior a 3g e que o paciente não esteja desi-dratado. A restrição hídrica é recomendada em casos avançados, tendo como parâmetro níveis de sódio inferiores a 130mEq./l. O diurético de escolha para iniciar o tratamento é a espirolactona pela segurança e van-tagens que apresenta. Seus efeitos colaterais não costumam ser comuns, mas o paciente pode apresentar ginecomastia e hiperpotassemia.

Temos que ter em conta que a avaliação do efeito diurético da espi-rolactona deverá ser feita de 04 a 05 dias após o início do tratamento. Não havendo resposta satisfatória, poderemos fazer uso dos diuréticos de alça e dentre esses os tiazídicos e o furosemide são os usados. O uso dos diuréticos de alça sempre deixam um risco maior de instalação da encefalopatia hepática, por isso um controle dos eletrólitos, da creatini-na, da uréia e da albumina são importantes nesses casos. Usamos a para-centese muito raramente, pois quando a ascite não responde ao trata-mento na maioria dos casos está associada a uma PBE ou a um quadro da doença muito avançado, às vezes em fase final da enfermidade. Se usada a paracentese, a reposição de albumina passa a ser fundamental.

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Tratamento da ascite na cirrose hepática / 137

Os diuréticos osmóticos, tipo manitol, eventualmente podem beneficiar o paciente.

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PERITONITE BACTERIANA ESPONTÂNEA1

A peritonite bacteriana espontânea (PBE) passou de uma situação pouco descrita, na década de 70, para uma realidade cotidiana nos anos 80.

Entendemos por PBE a infecção do fluido de ascite, sem haver um foco intra-abdominal aparente casual da infecção.

Ao analisarmos as casuísticas, com infecção espontânea do líquido de ascite, descritas na literatura, observamos a descrição de duas variantes dessa doença.

O significado da primeira situação, ascite neutrofílica (AN), permanece obscuro. Nesse caso, não é conseguida a identificação do microorganis-mo em um paciente com manifestações clínicas e laboratoriais de PBE, o que talvez seja resultante de falso negativo do exame bacteriológico. Pa-ra alguns casos, talvez se possa sugerir que ocorra a resolução espontâ-nea de uma PBE. As defesas do organismo eliminam a bactéria, sem a utilização de antibioticoterapia, permanecendo, entretanto, um número de polimorfonucleares elevado no líquido de ascite.

O fato de sintomas, sinais e mortalidade serem semelhantes aos da PBE, os achados de hemocultura serem positivos em 33% a 57% dos ca-sos e de que os pacientes que sobrevivem a essa situação ou à PBE com freqüência alternarem os quadros sugere ser a AN uma variante da PBE. Estima-se que, em até 35% dos casos de pacientes com PBE, não seja iso-lado microorganismo. Em nossa série, este percentual atingiu 37%.

A outra variante a considerar é aquela rotulada de bacterioascite (BA). A presença de bactérias no líquido de ascite é chamada de bacteri- 1 Angelo Alves de Mattos, Autor deste capítulo, é Professor Titular da Disciplina de Gas-

troenterologia da Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre; Co-ordenador do Curso de Pós-Graduação em Hepatologia da FFFCMPA da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre (ISCM); Mestre, Doutor e Livre – Docente em Gastroenterologia.

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oascite e, quando não há sintomas, de bacterioascite assintomática. Re-presenta o intervalo entre a entrada da bactéria na cavidade peritoneal e sua eliminação ou o desenvolvimento de peritonite.

Os pacientes com BA parecem representar um estágio inicial da PBE ou, possivelmente, um estado de equilíbrio transitório entre o hospedei-ro e seu agente agressor, que pode ser rompido a qualquer momento.

A maior parte dos autores considera a BA como um estágio precoce da colonização bacteriana.

Inicialmente era considerado infreqüente o achado de bactérias em pacientes assintomáticos, sendo, no entanto, encontrado maior percentu-al em estudos em que a cultura do líquido de ascite era feita de forma independente dos achados clínicos. Assim, após a implementação da pa-racentese em pacientes com hepatopatia crônica e ascite, independente-mente do quadro clínico, houve um aumento de freqüência de quatro vezes de exames bacteriológicos positivos em pacientes com sintomas sugestivos de PBE, e de doze vezes em pacientes sem esses sintomas.

Embora o percentual de BA seja variado na literatura, Pinzello e co-laboradores e Runyon, em estudos prospectivos, observaram que 35% a 32%, respectivamente, de seus pacientes com infecção do líquido de asci-te apresentavam essa situação. Estes percentuais vêm ao encontro de nossos achados.

Do ponto de vista prático, consideramos PBE aqueles casos em que, na cultura do líquido de ascite, há crescimento bacteriano; o exame cito-lógico mostra contagem de polimorfonucleares (PMN) maior ou igual a 250 células por mm³ e há ausência de fonte intra-abdominal de infecção. Consideramos AN aqueles casos em que não há crescimento bacteriano na cultura do líquido de ascite, porém a contagem de PMN é igual ou superior a 500 células por mm³, na ausência de fonte intra-abdominal de infecção. Nesses casos, não deve haver evidência do uso de antibiótico nos últimos trinta dias que precederam a paracentese e deve ser excluída a possibilidade de tuberculose e carcinomatose peritoneal, pancreatite e de ascite hemorrágica com base em estudos apropriados do líquido de ascite. BA é considerada quando um microorganismo é isolado no líqui-do de ascite com uma população de PMN inferior a 250 células por mm³, sem haver evidência de fonte de infecção intra-abdominal.

A PBE e suas variantes constituem uma complicação que se desen-volve freqüentemente em pacientes cirróticos com ascite, principalmente quando de etiologia alcoólica. A sua incidência oscila entre 4% a 27%. Têm um prognóstico reservado, variando a mortalidade de 30% a 95%, dependendo da série avaliada e da época do estudo.

Em nossa experiência, a incidência e a mortalidade foram de 20% e 48% respectivamente.

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A patogenia da PBE ainda não está bem esclarecida. As rotas prováveis para que a bactéria cheque ao peritônio são di-

versas. Dentre as possíveis, destacaríamos: a) diretamente através da parede do trato gastrintestinal; b) através das trompas de Falópio, na mulher; c) através do sistema linfático; d) através da via hematógena, que parece ser a rota mais aceita. A

bacteremia espontânea pode ser a justificativa lógica para explicar a grande variedade de bactérias e focos primários de infecção encontrados nos pacientes com PBE. Outro forte argumento a seu favor é o fato de que, em quase 50% dos casos, o mesmo microorganismo é isolado simul-taneamente no sangue e no líquido de ascite.

A bacteremia transitória não é um evento raro, podendo ocorrer de-pois de trauma mínimo. É descrita após manipulação dentária ou gengi-val; após intubação endotraqueal; após massagem de algum foco infecta-do; após instrumentação não-cirúrgica do trato urinário; após períodos menstruais e mesmo em pessoas aparentemente hígidas.

Manipulações radiológicas ou endoscópicas, com ou sem esclerotera-pia, e mesmo enemas de limpeza usados inclusive como terapêutica na encefalopatia porto-sistêmica em pacientes com hepatopatia crônica po-dem precipitar a entrada de bactérias na corrente sangüínea, de maneira semelhante às já citadas. Todavia, não é provado que estes procedimen-tos aumentem o risco de PBE.

É provável que a bacteremia portal também ocorra de forma espon-tânea, mas que os filtros hepáticos removam os microorganismos antes de entrarem na circulação sistêmica.

A mucosa intestinal funciona como uma barreira às bactérias intesti-nais e às toxinas. Sobre certas circunstâncias esta barreira pode ser rom-pida, permitindo à bactéria translocar a parede intestinal e ter acesso à circulação sangüínea. Os três principais mecanismos implicados em expli-car a translocação bacteriana, que não podem ser excluídos em um paci-ente com hipertensão portal, são: alteração da flora intestinal, diminui-ção das defesas do hospedeiro e alteração da permeabilidade da mucosa intestinal.

Entende-se por translocação bacteriana a passagem de bactérias não-patogênicas, que normalmente colonizam o trato gastrintestinal, pelo epitélio mucoso, infectando sítios distantes como nódulos linfáticos me-sentéricos, baço e fígado.

A translocação de bactérias do intestino pode ocorrer de forma in-termitente nos pacientes com hipertensão porta e pode se constituir em importante mecanismo na patogênese da PBE.

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Assim, poderá sobrevir um quadro de PBE devido à incapacidade do fígado em remover as bactérias da corrente sangüínea, pois as anasto-moses porto-sistêmicas, tanto intra quanto extra-hepáticas, permitem que as bactérias realizem um curto-circuito, fugindo á captação do sistema retículoendotelial, o qual, provavelmente, seja o maior sítio de remoção das bactérias.

Independentemente destes fatores, a persistência da bacteremia e a extensão da infecção podem estar aumentadas pelos defeitos das defesas do hospedeiro. "Déficit" da imunidade celular, da função bactericida do soro, dos níveis de complemento, da capacidade de opsonização, da quimioatração leucocitária, da concentração de fibronectina e da função leucocitária podem comprometer a depuração das bactérias. A má nutri-ção e o alcoolismo que, com freqüência, acompanham esses pacientes são também reconhecidos como causa de queda dos mecanismos de defesa.

Por outro lado, o líquido peritoneal que normalmente tem uma ati-vidade antimicrobiana, perde parte dessa capacidade no doente cirróti-co. A opsonização, processo que envolve a superfície do microorganismo com imunoglobulina ou com o complemento, é fundamental à fagocitose e, no cirrótico, o índice opsônico do fluido de ascite é baixo.

A concentração do 3º e 4º componentes do complemento é a metade daquela encontrada no fluido peritoneal normal. Assim, o paciente cirró-tico se torna particularmente sensível ao desenvolvimento da PBE.

Em estudo prospectivo, quando avaliamos o nível de complementos e imunoglobulinas de uma população de 50 pacientes cirróticos com asci-te estéril, observamos ser o mesmo significativamente menor quando comparado com aquele encontrado em derrame peritoneal de outras eti-ologias.

Também foi demonstrado que a concentração de proteínas no líqui-do de ascite é menor naqueles pacientes com PBE, havendo uma estreita correlação entre a atividade opsônica, a concentração de proteínas e os níveis de complemento.

Pacientes com concentração de proteínas, no líquido de ascite, inferi-or a 1g/dl têm maior risco de desenvolver PBE.

Em uma série por nós estudada, observou-se uma associação entre o nível de proteínas proposto e os grupos de pacientes avaliados, havendo um número significamente maior de casos com uma concentração de pro-teínas aquém do nível crítico discriminativo escolhido nos grupos com PBE e AN.

Foi observado, por outro lado, que a concentração protéica do líqui-do peritoneal aumenta durante a diurese. Se o nível de complemento também aumenta, como parece ocorrer, a terapia com diurético teria um papel profilático.

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É importante salientar que a atividade bactericida e opsônica da asci-te e a concentração de várias substâncias defensivas no derrame perito-neal, como as imunoglobulinas, a fibronectina e o complemento variam nos pacientes cirróticos, justificando uma suscetibilidade individual no desen-volvimento da PBE.

Runyon considera que os pacientes com PBE, AN e BA teriam, res-pectivamente, uma atividade opsônica no líquido de ascite, baixa, mode-rada e boa, justificando, assim, o motivo pelo qual surge uma ou outra troca clínica.

Em resumo, poderíamos afirmar que, na patogênese da PBE, há um envolvimento de uma bacteremia a colonizar uma ascite suscetível à in-fecção por "déficit" de sua atividade antimicrobiana endógena.

Do ponto de vista epidemiológico, há um predomínio da PBE em pa-cientes do sexo masculino. A idade média de nossos pacientes foi de 42,17 anos, variando de 3 a 73 anos, semelhante àquela descrita nos tra-balhos publicados. A predominância da cor branca é descrita.

A doença hepática de base mais freqüente diagnosticada nos 65 epi-sódios por nós analisados foi a cirrose (89%). Em 55% desses casos, o álcool foi considerado o agente responsável pela hepatopatia. Estes a-chados correspondem àqueles da literatura.

A forma de apresentação clínica da PBE é extremamente pleomórfica, variando desde os pacientes assistemáticos até aqueles com quadro de peritonite franca. No entanto, entendemos que a maior parte compreen-de aqueles casos com manifestações oligossintomáticas.

Classicamente, a PBE é caracterizada por febre de início abrupto, ca-lafrios, dor abdominal, sinal de Blumberg presente e diminuição dos ru-ídos hidroaéreos. Náuseas, vômitos e diarréia são achados comuns. A febre é o achado mais comum, ocorrendo em 50% a 80% dos pacientes. Hipotensão e manifestações de encefalopatia porto-sistêmica são descri-tas com freqüência, embora a primeira, atualmente, tenha sido descrita com menor freqüência, presumivelmente devido a um diagnóstico mais precose. A ausência de sintomas abdominais varia de 7% a 54% dos ca-sos.

Este quadro se sobrepõe àquele encontrado em um paciente com he-patopatia crônica descompensada.

Com freqüência, os pacientes se apresentam com manifestações frus-tras do tipo febre de origem obscura, encefalopatia porto-sistêmica, dor abdominal incaracterística, falta de responsividade da ascite à terapêuti-ca utilizada ou simplesmente um quadro de deterioração clínica.

A PBE é, com grande freqüência, uma doença nosocomial, aparecen-do geralmente após a primeira semana de intervenção. Runyon não con-corda com esta assertativa, afirmando que alguns dos estudos que per-

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mitiram esta conclusão não realizavam paracentese de rotina por ocasião da internação. Caso esta conduta fosse utilizada, acredita-se que mais casos teriam sido diagnosticados no momento da baixa hospitalar.

Episódios recorrentes de PBE com a mesma bactéria ou com bacté-rias diferentes têm sido descritos.

Tendo em vista as manifestações clínicas da PBE serem muitas vezes atípicas e o prognóstico reservado que apresenta, caso não seja tratada de forma precose, é muito importante que seu diagnóstico seja feito de forma rápida e adequada. Para tanto, é fundamental o estudo do líquido de ascite. Embora, por razões óbvias, seu esclarecimento esteja centrado no exame bacteriológico, em decorrência dos resultados falso-negativos e na demora em obtermos seu resultado, é importante que tenhamos, a princípio, outros índices diagnósticos.

Dos parâmetros bioquímicos, parece-nos relevante a dosagem de proteínas. Assim, quando utilizamos o nível crítico discriminativo de 1g/dl, observamos uma diferença siginficativa entre os pacientes com PBE e AN e aqueles com BA e ascite estéril, o que vem ao encontro da literatura, quando a mesma sugere ser este o nível que separa os pacien-tes propensos a desenvolverem infecção do líquido de ascite.

No que tange à determinação do pH no líquido peritoneal e do gra-diente de pH na identificação da infecção do líquido de ascite, embora possam ser úteis, entendemos que pecam fundamentalmente pela baixa sensibilidade diagnóstica.

O primeiro trabalho clínico de relevância publicado, valorizando o estudo do pH nos derrames peritoneais, foi o de Gitlin e colaboradores em 1982. Sob a alegação de que a contagem de polimorfonucleares (PMN) no líquido de ascite seria de baixa especificidade, enfatizaram o valor do pH no diagnóstico da peritonite bacteriana espontânea, quando inferior a 7.32. Conn, em editorial, questionou a alta especificidade des-crita, sugerindo sua associação à contagem de PMN no líquido de ascite para o diag-nóstico da PBE.

Como o pH do líquido de ascite sofre o reflexo das variações do e-quilíbrio ácido-básico sistêmico, tem sido preconizado o uso gradiente de pH sangue-ascite (GpH).

O mecanismo para um pH baixo nos pacientes com peritonite bacte-riana espontânea não é claro. Embora o aumento de produção do ácido láctico possa ter participação, parece não ser a única causa. Outros ácidos orgânicos produzidos pelas bactérias, como os ácidos fórmico, acético, succínico, oxalacético, fumárico, valérico, cítrico, podem contribuir para tal. Uma diminuição do efluxo de gás carbônico, através da membrana peritoneal, pode também ter uma participação na redução do pH do lí-quido de ascite.

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Um dos principais inconvenientes da determinação do pH é que este parece não se alterar, enquanto não houver uma população de PMN su-perior a 250 células por mm³. Assim, só se encontram níveis inferiores a 7.35 quando há uma população de células superior a 2.000 por mm³. Lo-go, esse dado seria mais um índice indireto da presença de uma elevada celularidade no líquido de ascite, não refletindo a presença de bactérias, razão pela qual não diminui nos pacientes com bacterioascite.

Estas hipóteses vem ao encontro dos achados por nós descritos, já que, na BA onde a celularidade é baixa, não encontramos nenhum caso com pH inferior a 7.32.

Para alguns autores, o pH teria basicamente valor como indicador prognóstico. Sempre igual ou menor a 7.15, estaria associado a um mau prognóstico. Já valores baixos do pH estariam a refletir uma infecção maciça e séria. Esta hipótese, entretanto, nem sempre é aceita.

Em nossa experiência pessoal, sempre que o pH for inferior ou igual a 7.25, houve êxito letal.

Quando analisamos 65 pacientes com infecção do líquido de ascite, utilizando os níveis críticos discriminativos de 7.32 para o pH e 0.10 para o GpH, observamos que, embora exista uma associação entre estes valo-res e a proposição diagnóstica nos pacientes com peritonite bacteriana espontânea e nos que possuem ascite neutrofílica, a sensibilidade destes parâmetros é baixa. O GpH parece ter um poder discriminativo maior do que o do pH isolado, conforme já referido.

Na realidade, o grande parâmetro prático no diagnóstico da infecção do líquido peritoneal parece ser o exame citológico do fluido de ascite, através da contagem dos polimorfonucleares.

Ao avaliar-se o sedimento do líquido de ascite, prefere-se a conta-gem dos PMN, já que esta, diferentemente daquela dos leucócitos, não sofre influência da diurese. Este fato é explicado pela vida média baixa dos PMN.

Quando avaliamos uma série de pacientes cirróticos com ascite esté-ril, a média de PMN foi de 33 células por mm³.

Parece que, no fluido peritoneal infectado, o número de leucócitos não é inferior a 300 por mm³, e que, quando este é superior a 500 por mm³, com mais da metade de PMN, frente a um quadro clínico compatí-vel, a probabilidade de estar havendo peritonite bacteriana espontânea é grande.

Assim, a contagem de células e sua análise diferencial no líquido de ascite é de importância na sugestão precoce do diagnóstico da infecção da ascite. Deve-se observar, entretanto, que seu valor não é aceito por todos os autores, sendo criticado por não ser muito específico.

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É importante o conhecimento de que aproximadamente 10 ul de flui-do já permite uma contagem de células.

Quando se analisa o fluido de ascite sem infecção, em 97% dos casos, a contagem de PMN é inferior a 500 células por mm³, enquanto que 90% dos pacientes com PBE tem níveis superiores a este limite.

Naqueles casos em que houve traumatismo durante a punção, poderá haver aumento dos leucócitos, em decorrência do sangue contaminar o líquido de ascite. Como os PMN predominam no sangue, poderá haver erro quando da contagem diferencial. Para corrigir este fator erro, sub-traí-mos 1 PMN do líquido peritoneal, para cada 250 glóbulos vermelhos presentes.

Em nossa experiência pessoal, a contagem de PMN tem sido o parâ-metro de inclusão utilizado ab initio para rotular os pacientes como por-tadores de peritonite bacteriana espontânea ou de suas variantes.

Quando estudamos pacientes cirróticos com e sem infecção do líqui-do peritoneal, as médias de PMN por mm³ nos pacientes com PBE e AN foram estatisticamente diferentes quando comparadas com aquelas dos pacientes com BA e AE.

Um outro critério, que pode ser levado em conta no diagnóstico da infecção do líquido de ascite, é a diminuição do número de PMN com a terapêutica instituída.

A metaanálise de trabalhos descritos na literatura demonstra que o pH e o GpH perdem muito em sensibilidade, embora ganhem em especi-ficidade em relação à contagem de PMN. Há, no entanto, uma preferên-cia pelo uso do sedimento como parâmetro diagnóstico, tanto mais que, se nestes estudos os pacientes com AN fossem incluídos no grupo da PBE, o valor da contagem de PMN em muito seria acrescido.

O exame bacteriológico é realmente o "gold standart" da PBE. É sur-preendente o fato de uma única espécie de bactéria causar a infecção em 90% das situações. Isto significa que o líquido peritoneal é colonizado por uma única bactéria ou que, embora diferentes espécies de bactérias invadam a cavidade peritoneal, somente uma sobrevive.

Outro aspecto interessante é a baixa população bacteriana nessas si-tuações, havendo uma concentração média de 01 a 02 bactérias por ml, o que inclusive poderia explicar os freqüentes resultados falso-negativos das culturas.

A maior parte dos microorganismos responsáveis pela PBE é inte-grante da flora aeróbica normal do intestino, sendo que 60% a 80% são bactérias aeróbicas Gram negativas. A bactéria que mais freqüentemente é isolada nos casos de PBE é a E. coli. Outras bactérias como a K. pneu-moniae, S.pneumoniae e espécies de estreptococos são também encontra-das com relativa freqüência.

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É interessante notar que os anaeróbios não têm um papel de desta-que na PBE, já que dominam a flora intestinal, em particular os bacterói-des. A freqüência dos anaeróbios nas culturas gira ao redor de 5%.

A PBE, com múltiplos microorganismos ou com anaeróbios, é inco-mum e, muitas vezes, a infecção peritoneal estará na dependência de uma peritonite bacteriana secundária.

O exame bacterioscópico pode ser de utilidade no diagnóstico da pe-ritonite bacteriana espontânea entre 10 a 40% dos casos. Observe-se que, como para ser positivo necessita de uma contagem de bactérias superior a 10.000/mm³, muitas vezes será de pouco auxílio diagnóstico, uma vez que esta infecção cursa com uma baixa população de microorganismos.

Em nossa casuística, a positividade foi de 32% nos casos em que hou-ve crescimento bacteriano nas culturas.

O exame bacteriológico convencional decteta bactérias em 35% a 65% dos pacientes com ascite neutrofílica.

Em vista de um terço dos pacientes com PBE morrerem em até 7 dias após o diagnóstico, a velocidade com que a bactéria é identificada pode ser crucial, já que a terapêutica poderá então ser reorientada. Por outro lado, torna-se fundamental que a sensibilidade das culturas aumente, evitando uma interrupção prematura da antibioticoterapia, com sérios danos ao paciente. Em decorrência destes fatores, alguns autores, tendo o grupo de Runyon como incentivador, apregoam a realização do exame bacteriológico com inoculação do material coletado em frascos de hemo-cultura. O exame bacteriológico, quando feita a inoculação de 10 ml de líquido peritoneal em meio de hemocultura, à beira do leito, possibilita-ria uma positividade que gira ao redor de 60 a 90% dos casos.

Parece ser fundamental que a inoculação seja feita à beira do leito, já que teoricamente as bactérias poderiam ser destruídas no trajeto do ma-terial ao laboratório, em decorrência da refrigeração inadequada ou pela atividade antimicrobiana endógena continuada do fluido de ascite.

Quando analisamos a globalidade dos casos por nós avaliados de PBE e suas variantes, obtivemos um exame bacteriológico positivo em 63% dos casos.

É fundamental que a PBE seja diferenciada da peritonite bacteriana se-cundária (PBS). Embora ambas possam ser infecções letais, uma conduta conservadora em paciente com víscera oca perfurada ou uma conduta cirúrgica em um paciente com PBE é catastrófica.

A PBE ocorre com uma freqüência dez vezes maior do que a PBS. Em 10 a 15% dos pacientes com infecção peritoneal é encontrado um foco intra-abdominal de infecção.

Duas formas de PBS podem ser reconhecidas, dependendo da exis-tência de perfuração de uma víscera oca (úlcera péptica perfurada, rup-

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tura de um divertículo de cólon...) ou não (abcesso perinefrítico, apendi-cite aguda...).

Clinicamente não é possível a diferenciação entre a PBE e a PBS. Peritonite associada com perfuração pode ser identificada com base

na análise bioquímica do líquido de ascite, sendo caracterizada por pre-encher, no mínimo, dois dos seguintes critérios: níveis de proteínas su-perior a 1 g/dl; de glicose inferior a 50 mg/dl e atividade de DHL supe-rior ao seu limite máximo normal no soro.

Na realidade, estes critérios são utilizados não para indicar ab initio a necessidade de laparotomia, mas sim para que o clínico decida se deve ou não prosseguir uma investigação mais detalhada. Uma avaliação futu-ra, com exame radiológico simples de abdome ou com utilização de con-traste hidrossolúvel, permitirá um posicionamento mais definido. A ul-tra-sonografia pode ser de utilidade na detecção de processos loculados. A intervenção cirúrgica somente estará indicada nos casos em que hou-ver confirmação da fonte intra-abdominal.

Uma amílase elevada no líquido peritoneal pode sugerir a perfuração de víscera oca.

Na opinião de alguns autores, uma resposta após 48 horas de trata-mento, com diminuição do número de PMN e negativação do exame bac-teriológico, seria de valor na diferenciação entre a PBE e a PBS sem per-furação.

O tratamento dos pacientes deve ser instituído de forma precoce; lo-go, se necessita de indicadores para o seu início.

Como regra, seguindo o sugerido por alguns autores, inicia-se a an-tibioticoterapia naqueles pacientes com quadro típico de peritonite, in-dependentemente dos resultados dos exames no líquido de ascite; na-queles com quadro compatível, desde que o número absoluto de PMN seja superior a 250 células por mm³ e naqueles, mesmo assintomáticos, que tenham uma contagem de PMN superior a 500 células po mm³.

A via sistêmica é aquela utilizada rotineiramente em decorrência das concentrações de antibióticos adequadas atingidas no líquido de ascite, não se mostrando terapeuticamente inferior à instilação intraperitoneal.

A escolha do antibiótico pode ser orientada inicialmente pelo exame bacterioscópico, quando o mesmo for positivo, já que permite uma iden-tificação morfológica do tipo de bactéria. No entanto, geralmente o mesmo não favorece a utilização de antibiótico de espectro mais específi-co do que aquele empregado inicialmente na rotina ao tratamento da PBE, salvo se oferecer a suspeita de peritonite bacteriana secundária.

Na ausência de um indicador etiológico, deve ser utilizada antibioti-coterapia de largo espectro.

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Há uma tendência à utilização de cefalosporinas de largo espectro, como a cefotaxima. Felisart e colaboradores demonstraram ter a cefota-xima uma eficácia de 85% e a mortalidade hospitalar observada foi de 27%.

Em outros estudos, onde foi utilizado este antibiótico, a mortalidade hospitalar observada variou entre 17% a 38%. Em nossa experiência a mesma girou ao redor de 28%.

A dose preconizada é de 2g E.V. de 8/8h, sendo que naqueles paci-entes com creatinina sérica superior a 3mg /dl, o intervalo de adminis-tração pode ser prolongado para 12 horas.

A duração usual da antibioticoterapia em infecções severas varia de 10 a 14 dias. Na PBE, a duração do tratamento tem sido empírica. Hoefs e colaboradores, em estudo retrospectivo, apresentaram uma média de duração da terapia de 11,5 dias, com uma variação de 4 a 20 dias. Wilcox & Dismukes, em amplo artigo de revisão, sugerem uma duração de 10 a 14 dias.

A PBE é caracterizada pela baixa concentração de bactérias e pela fal-ta de invasão tecidual ou de um foco de infecção. Assim, tratamento de curta duração, menor do que 10 a 14 dias, tem sido estudado. Antibioti-coterapia com uma duração média de 4,8 dias, até que os PMN do líqui-do de ascite estejam abaixo de 250 células por mm³, proporciona resulta-dos semelhantes a tratamentos por períodos maiores. Runyon e colabo-radores, por exemplo, em estudo randonizado, demonstraram não haver diferença na eficácia do tratamento, nem na recorrência da PBE, quando foram utilizados cursos curtos (5 dias) ou longos (10 dias) de cefotaxima. Outros autores preconizam a utilização de antibiótico de até 2 dias após o desaparecimento dos sintomas e sinais de infecção. Nos casos de AN, o curso curto de antibiótico parece também ser eficaz.

Nossa conduta tem sido utilizar uma cefalosporina de terceira gera-ção por um período nunca inferior a 10 dias, conforme trdicionalmente sugerido.

Uma resposta bacteriológica pode ser alcançada entre 55% a 90% dos casos em que foi utilizada antibioticoterapia adequada.

Tem sido descrito que a ceftriaxone, em dose de 2g/24h é efetiva no tratamento da PBE.

Outros medicamentos como a associação de amoxicilina e ácido cla-vulônico, o aztreonam e inclusive o pefloxacin por via oral têm sido utili-zados.

Seja qual for o regime do tratamento, assim que o microorganismo for identificado, o programa de antibioticoterapia deve ser adequado.

A resposta ao tratamento pode ser avaliada pela repetição da paracentese 48 horas após o início da terapia. Quando a mesma for adequada, a contagem de PMN deve cair em 50% e as culturas se tornam

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da, a contagem de PMN deve cair em 50% e as culturas se tornam nega-tivas.

Os pacientes com AN devem ser tratados, obedecendo aos mesmos preceitos aplicados àqueles com PBE. Nesses casos parece ser de grande valia a realização de uma nova punção, já que a queda no número de PMN confirmará o diagnóstico.

Nos casos com bacterioascite, o tratamento deve ser instituído após a identificação da bactéria, embora não seja utilizado por todos nos casos assintomáticos. Nesses casos, dever-se-ia repetir a paracentese, deven-do-se introduzir o tratamento medicamentoso quando houvesse aumen-to significativo do número de PMN.

A sobrevida observada nos pacientes com PBE é substancialmente mais curta do que aquela relatada em pacientes com cirrose, submetidos a transplante hepático. Assim, o transplante hepático deveria ser consi-derado naqueles pacientes já candidatos pela doença básica e que sobre-vivam a um episódio de PBE e naqueles com PBE recorrente. Os pacien-tes com AN, pelo melhor prognóstico que apresentem, não seriam can-didatos a esta forma de terapia.

A PBE, a bacteremia e outras infecções tendem a ocorrer com mais freqüência nos cirróticos após hemorragia digestiva. Evidências experi-mentais sugerem que a hipovolemia deprime a função do sistema retícu-lo endotelial e pode também aumentar a permeabilidade da barreira in-testinal às bactérias entéricas. Uma outra explicação seria que estes paci-entes são submetidos a procedimentos invasivos que potencialmente po-dem veicular agentes infecciosos. Evidências com modelos experimentais de hipertensão porta sugerem que a mesma favorece a translocação bac-teriana em situação de choque hemorrágico.

Rimola e colaboradores demonstraram, em estudo prospectivo ran-domizado, que a utilização de antibióticos não-absorvíveis por via oral nessa população de pacientes leva a uma menor freqüência de bacteremia espontânea e peritonite causada por bactérias entéricas, embora a morta-lidade hospitalar não se tenha modificado. Soriano e colaboradores en-contraram resultados semelhantes com o uso da norfloxaxina.

Em termos gerais acredita-se que os pacientes cirróticos com ascite, sendo extremamente suscetíveis à infecção bacteriana, devam ser consi-derados candidatos à antibioticoterapia profilática, quando expostos a procedimentos invasivos. No entanto, é fundamental ter presente que, quando estes procedimentos puderem ser postergados, o ideal é primei-ro tratar a ascite.

A probabilidade de recorrência da PBE em cirróticos é de 43% em seis meses, 69% em um ano e 74% em dois anos. Os pacientes com doen-ça hepática mais severa, refletida por níveis elevados de bilirrubina, bai-

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xa atividade de protrombina e níveis baixos de albumina sérica ou com concentração baixa de proteínas no líquido de ascite, são aqueles que apresentam maior risco de recorrência.

Como a infecção contribui para piorar o prognóstico destes pacien-tes, entendemos ser fundamental o estabelecimento de medidas profilá-ticas para evitar a recorrência. A prevenção desta infecção pode ter mai-or impacto na sobrevida dos pacientes com cirrose do que o tratamento da mesma.

Estratégias sem a utilização de antibióticos para a prevenção da PBE incluem medidas que eliminem a ascite. A redução do fluido de ascite aumenta a sua concentração protéica, havendo uma relação direta entre esta e a atividade opsônica do líquido de ascite, sua concentração em imunoglobulina, em complemento e em fibronectina.

Pacientes com atividade opsônica adequada no líquido de ascite pa-recem estar mais protegidos de desenvolverem PBE.

Embora feitas estas considerações, demonstrando-se o efeito teórico benéfico dos diuréticos, não há trabalhos que demonstrem a redução da freqüência da PBE a partir de seu uso.

A profilaxia se centra na chamada descontaminação seletiva do intes-tino (DIS), com quimioterápicos seletivos para microorganismos aeróbi-cos.

A norfloxacina produz uma DIS, pois inibe a flora Gram negativa ae-róbica do intestino, preservando a flora aeróbica restante e a anaeróbica. Sendo as bactérias entéricas, os agentes mais comuns da PBE, particu-larmente os bacilos Gram negativos aeróbicos, tem sido sugerido que a DIS com esta droga pode ser útil na profilaxia da PBE, já que, na maior parte das vezes, a PBE é causada pela passagem de uma bactéria entérica para a circulação geral e após ao líquido de ascite.

O uso de 400 mg ao dia de norfloxaciana em estudo multicêntrico, duplo cego, controlado com placebo, com um tempo médio de acompa-nhamento de 6 meses, mostrou-se eficaz.

A probabilidade global de recidiva de PBE ao ano foi de 20% no grupo tratado e de 68% no grupo placebo. Neste estudo, no entanto, não houve diferença no número de readmissões e na mortalidade entre os dois grupos, sendo, então, prematura uma conclusão definitiva.

A incidência de infecção adquirida em hospital é maior em pacientes cirróticos do que na população em geral e esta aumenta de acordo com a duração da hospitalização. Por isso é importante o estudo prospectivo randonizado, em pacientes hospitalizados, em que foi demonstrado que o uso da norfloxacina em cirróticos com baixo teor de proteína no líqui-do de ascite, leva a uma menor incidência de PBE no grupo tratado, quando comparado ao controle, embora a menor mortalidade atingida

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no grupo tratado não seja estatisticamente diferente daquela do contro-le.

No que tange à profilaxia, é possível que um benefício na sobrevida seja alcançado naquele grupo de pacientes com doença hepática mais gra-ve pouco tolerante à PBE. Este e outros grupos de alto risco carecem de estudo.

A despeito de uma resposta bacteriana exitosa em mais da metade dos casos, podendo chegar a 89%, a sobrevida hospitalar é bem menos promissora, girando ao redor de 46%. A sobrevida média que inicial-mente oscilava ao redor dos 5% apresenta, nos últimos 10 anos, índices mais alentadores, continuando a doença, no entanto, com um prognósti-co reservado. Um diagnóstico e tratamento precoce, um uso mais racio-nal da antibioticoterapia e um melhor manejo das complicações nesses pacientes podem ser responsáveis por este aumento de sobrevida.

No estudo por nós realizado, o índice de óbitos foi de 48%, seme-lhante ao que é descrito.

O prognóstico parece depender fundamental da doença hepática de base e da deterioração adicional em resposta à infecção. A deterioração destes pacientes pode ser traduzida pelo aumento marcado de bilirrubi-nas, da creatinina e por uma leucocitose.

Nos pacientes que superam a infecção, é sugerido ser a idade e os níveis de creatinina os parâmetros que melhor predizem a sobrevida hospitalar.

Pacientes que apresentam hipertermia com calafrios parecem ter um melhor prognóstico.

A instituição precose de terapia específica pode ser um fator extra-hepático importante na sobrevida dos pacientes, particularmente naque-les com doença crônica, sem evidência de injúria aguda sobreposta.

Níveis baixos de glicose, atividade elevada de DHL, pH baixo e ní-veis elevados de ácido láctico na ascite são indicadores de peritonite se-vera.

No que tange ao espectro bacteriano parece que aquelas situações causadas por cocos Gram positivos são tratadas com maior sucesso.

Pacientes com ascite que apresentem baixa concentração de proteínas no derrame peritoneal e com alterações marcadas na cintilografia hepáti-ca, representando a existência de importante "shunting" intra-hepático, têm uma incidência a curto prazo de PBE ao redor de 50%.

Somente 25% a 38% dos pacientes com PBE e com alta hospitalar so-breviverão 1 ano, sendo que a metade destes terá uma recorrência e 50% dos quais morrerão.

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A mortalidade em um ano excede àquela observada após hemorragia digestiva resultante da ruptura de varizes de esôfago, o que demonstra o prognóstico empobrecido e a importância da temática aqui abordada.

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TERCEIRA PARTE

EPIDEMIOLOGIA

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14

EPIDEMIOLOGIA DA CIRROSE

A Cirrose Hepática é uma doença mundial. Todos os países dos quais se conhecem estatísticas têm, na cirrose, a causa de morte impor-tante. É estimado que, no mundo, morrem por dia 500 portadores dessa enfermidade. Nos Estados Unidos morrem por ano 50 mil.

Cirrose em autópsias

Estudos em autópsias mostram que a cifra varia de 3,5 a 16% de pa-cientes autopsiados portadores de cirrose hepática após a idade de 20 anos. No Japão, a cifra é de 4,9% e na Europa é de 4%. A tendência des-tes índices, tanto na Europa como em países nórdicos, é de aumentar nos próximos anos.

14.1 MORTALIDADE POR CIRROSE

Nos Estados Unidos, as causas de morte estão assim divididas por idade e sexo até a década de 80:

Dos 35 aos 54 anos

MASCULINO FEMININO CAUSA % CAUSA %

1. coração 49 1. câncer 29 2. câncer 27 2. coração 14 3. acidentes 14 3. acidente vascular

cerebral 5

4. cirrose 9 4. acidentes 5 5. acidente vascular cerebral

6 5. cirrose 5

6. suicídios 5 6. suicídios 2

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Epidemiologia da cirrose / 161

Acima desta faixa etária, passam a ter importância, nas causas de

morte, a pneumonia e o diabetes, sendo que a cirrose continua na mesma incidência.

Deve-se ressaltar que, nestes dados, cabe um comentário: O álcool está sempre envolvido de uma maneira ou outra nas cinco primeiras cau-sas de morte, principalmente nos acidentes automobilísticos em que a presença do mesmo, em estatísticas, chega a 70-80%. Nos problemas car-díacos e acidentes vasculares cerebrais também sua presença é marcante. Não entraremos em detalhes sobre alguns tipos de câncer, como o de esôfago, por exemplo, que parece ter estreita relação com o alcolismo.

As dificuldades de dados estatísticos, em muitas partes do mundo, tornam às vezes difíceis as conclusões corretas, pois a própria classifica-ção das enfermidades não é a mesma em todos os países e, em alguns, omite-se até o diagnóstico da cirrose alcoólica, com implicações no rece-bimento de apólices de seguro de vida. É sabido que no Brasil várias companhias de seguro não pagam o prêmio devido a portadores de cir-rose alcoólica e às vezes o médico é levado a omitir no atestado de óbito esse detalhe.

14.2 MORTALIDADE POR CIRROSE EM VÁRIOS PAÍSES

A França tem o recorde de maior incidência de cirrose no mundo e, paralelamente, o consumo de álcool per capita é o maior do mundo, como podemos observar no seguinte quadro:

Consumo absoluto do álcool por pessoa (por ano):

Consumo de álcool per capita

País Efron e Keller Moeschin e Righetti França 18.1 25.7 Itália 12.7 13.3 Switzerland 10.0 10.8 Alemanha 9.1 8.8 Estados Unidos 5.6 8.0 U.K. 5.6 6.2 Netherlands 3.4 3.2

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Gráfico 2 – Mortalidade anual por 100.000 habitantes x consumo anual de álcool (litros) per capita : Extraído de Lieber Na linha vertical – Mortalidade anual por 100.000 habitantes Na linha horizontal – Consumo de etanol em litros por pessoa

No gráfico 2, onde é mostrada a relação entre o consumo médio de álcool e a mortalidade por 100.000 habitantes por ano, vê-se que a França ocupa destacadamente a posição de vanguarda, seguida pela Itália e A-lemanha. Esta associação entre consumo de álcool e morte por cirrose é mais ou menos equivalente em quase todos os países. Um trabalho muito elucidativo é apontado no gráfico 2. Durante o período da Segunda Guerra Mundial, quando houve uma redução do consumo de álcool, na França o índice de morte por cirrose alcoólica, tanto em homens como em mulheres sofreu uma queda notória. Após a guerra, novamente o consumo de álcool começou a ser causa importante de mortalidade.

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Epidemiologia da cirrose / 163

Gráfico 3 – Relação entre a freqüência de alcoolismo e o número de mortes por ano pela cirrose em homens e mulheres na França entre 1925 - 1964: Fonte: Masse, Julian e Chislonpa. Dados da Masse, L. Lulian J. M. and Chislonpa.

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O consumo de álcool em vários países está representado no quadro abaixo, baseado numa pesquisa realizada por Righetti e Moeschlin:

País Litros per capita (média anual)

França 25,7 Itália 13,3 Suíça 10,8 Bélgica 9,8 Alemanha 9,1 Hungria 8,2 Suécia 8,2 Estados Unidos 8,0 Dinamarca 7,8 Noruega 7,2

Na América Latina, os estudos estatísticos de consumo de álcool não estão bem elucidados e as cifras não são uniformes.

14.3 CAXIAS DO SUL X RS

Chama a atenção a incidência marcante de Caxias do Sul em compa-ração ao resto do Brasil, mas é em relação ao estado do Rio Grande do Sul que os dados são realmente importantes. Nos estudos estatísticos de 1982 a 1990, temos a comparação de Caxias do Sul com o restante do es-tado. No gráfico 3, onde demonstramos os valores, nota-se que entre 1982 e 1990 houve um acréscimo na incidência de morte por cirrose de 11.17 para 15.51 em Caxias do Sul, enquanto no resto do estado o au-mento foi de 9.12 para 10.14. Isto mostra uma elevação na incidência de morte por cirrose em Caxias do Sul, comparando-se com o estado do Rio Grande do Sul, pelo alargamento entre as duas linhas de mortalidade, que iniciam próximas em 1982 e se afastam em 1990.

Sabe-se que o Chile é um país onde o consumo de álcool é muito grande, e a incidência de cirrose é significativa. Ultimamente houve um declínio na mortalidade por cirrose, sem haver uma diminuição do con-sumo de álcool. Este é um fato não compreendido em sua totalidade, mas admite-se que isso se deva às melhores condições de vida e aos re-cursos encontrados nos últimos anos.

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Epidemiologia da cirrose / 165

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14.4 SEXO E ÁLCOOL NA CIRROSE

O estudo sobre sexo e mortalidade por cirrose alcóolica difere nos vários países do mundo.

É sábido que a mortalidade por cirrose no homem é maior do que na mulher, pois existe maior consumo de álcool por parte do sexo masculi-no. Deve-se ressaltar, no entanto, que a mulher é mais suscetível a de-senvolver cirrose do que o homem. No nosso meio, numa estatística rea-lizada em Caxias do Sul, enquanto o consumo diário de álcool no homem é da ordem de 77,5%, na mulher é de cerca de 22,5%. Estes dados na nossa região são superpostos aos do Japão, do Canadá e dos Estados Unidos.

Levando-se em conta que o consumo de álcool no homem é maior que na mulher, vemos no quadro abaixo a incidência de cirrose alcóolica em ambos os sexos, num estudo publicado por Wilkinson:

Idade Homens Mulheres

30 - 40 anos 1 : 13,8 1 : 10 40 - 50 anos 1 : 12,6 1 : 6,9 50 - 60 anos 1 : 10,9 1 : 3,5

Vê-se que, na idade de 30 a 40 anos ( idade jovem ), as chances da mulher ter cirrose é de 1:10, ou seja, uma em cada 10 mulheres que inje-rem álcool tem cirrose, contra 1:13 no homem. A incidência é quase igual apesar do número de homens que ingerem álcool diariamente ser prati-camente o dobro. Só na idade mais avançada é que as cifras se nivelam.

14.5 CLASSE SOCIAL E CIRROSE

O uso de álcool não escolhe classes sociais, e conseqüentemente a cir-rose também, mas é inegável que certas profissões são mais propícias ao uso de álcool pela facilidade com que o mesmo pode ser consumido. É o caso da classe dos garçons, trabalhadores de bares e restaurantes, operá-rios de obras, principalmente os de mão-de-obra não-qualificada. O pró-prio tipo de trabalho e as responsabilidades do mesmo limitam o uso de álcool em certas horas do dia. Liberais e executivos ingerem a bebida alcóolica no final do dia, controlando-se durante as atividades. O que se

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Epidemiologia da cirrose / 167

observa é que o consumo do álcool tem determinadas horas para deter-minadas profissões.

14.6 EPIDEMIOLOGIA DA CIRROSE ALCOÓLICA NO BRASIL

As estatísticas no Brasil também sofrem, como em muitas países da América Latina, várias restrições e dados incompletos. Daquilo que po-demos estudar e coletar, tiramos algumas conclusões. Se analisarmos as regiões do Brasil, vemos que o Sudeste tem a maior incidência de cirro-se, como podemos observar no gráfico 6.

Regiões do Brasil – 1985 Cirrose – Coeficiente de Morte Específica

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Através de dados fornecidos pela Secretaria da Saúde, temos o Coe-ficiente de Morte Específica (CME) por cirrose hepática em mortes por 100 habitantes, como ilustraremos no quadro que segue:

Rondônia 7,18 Minas Gerais 8,65 Acre 9,54 Espírito Santo 5,89 Amazonas 5,74 Rio de Janeiro 13,22 Roraima 5,82 São Paulo 11,88 Pará 4,23 Região Sudeste 11,14 Amapá 1,37 Paraná 7,92 Região Norte 5,11 Santa Catarina 5,53 Maranhão 1,60 Rio Grande do Sul 8,89 Piauí 2,55 Região Sul 7,84 Ceará 2,79 Mato Grosso do Sul 3,78 Rio Grande do Norte 2,78 Mato Grosso 2,62 Paraíba 5,94 Goiás 4,39 Pernambuco 12,75 Distrito Federal 6,08 Alagoas 8,29 Região Centro-Oeste 4,29 Sergipe 5,65 Brasil 8,17 Bahia 3,95 Caxias do Sul 13,83 Região Nordeste 5,33

Nesta estatística vemos que Caxias do Sul tem como Coeficiente de Morte Específica para a cirrose a cifra de 13.83 contra 13.22 do estado do Rio de Janeiro e 12.75 de Pernambuco que seguem em segundo e terceiro lugares, respectivamente.

Traçando um dado comparativo entre o Brasil e a cidade de Caxias do Sul, vê-se que a média de morte específica no Brasil por cirrose é em 1985 de 8.17, e em Caxias do Sul temos um índice de 13.83, sendo que nos últimos anos já passou para 16.10 em 1989 e 15.51 em 1990.

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Epidemiologia da cirrose / 169

Dos dados do ano de 1993 sobre as causas de mortalidade em Caxias do Sul, entre 30 e 60 anos, verificou-se que a cirrose hepática passou a ocupar o 3º lugar calculado pelo coeficiente de morte específica, confor-me quadro abaixo:

Ordem Morte Específica* %

1º Câncer 20,58 2º Coração 12,83 3º Cirrose 09,86 4º Acidentes vasculares cerebrais 08,10 5º Acidentes automobilísticos 07,08 6º Suicídio 01,77 7º Pneumonia 01,11

* n = casos x população 100.000

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/ Álcool e Fígado • EDUCS 170

14.7 TRATAMENTO DA CIRROSE HEPÁTICA

E NOSSA CONDUTA FRENTE AO ALCOOLISTA

O tratamento da Cirrose Hepática e suas complicações é mencionado em outro capítulo dessa obra. Cabe a nós, complementando este traba-lho, propor uma conduta frente ao alcoolista.

Nosso serviço mantém uma média de 15 a 20 internações/dia de pa-cientes alcoólatras. Basicamente o paciente é tratado com: soluções glico-sadas, complexo B, sedação e tratamento específico, quando necessário, e aconselhamento sobre a abstinência do álcool. Durante a internação mé-dia de 05 (cinco) dias são realizadas reuniões sob nossa supervisão, com a presença dos integrantes dos grupos de alcoólicos anônimos da cidade. Essas reuniões têm sido certamente a causa do sucesso no tratamento da cirrose do alcoolista. O grupo de trabalho é composto pelos professores da disciplina de Gastroenterologia e Hepatologia da UCS com psiquia-tras, duas psicólogas e uma Assistente Social.

Após 02 (dois) anos do início dessa orientação, temos tido um resul-tado surpreendente com o grupo de alcoolistas do hospital e principal-mente com os que passaram pelo mesmo tratamento, formando um gru-po coeso, participando das visitas em quartos dos pacientes internados, estimulando o comparecimento às sessões.

Certamente procedendo desta forma, estamos convencidos de ter encontrado um caminho não definitivo, mas uma ajuda indiscutível e i-nestimável de valor no tratamento do alcoolismo.

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Alcoolismo em Caxias do Sul / 171

15

ALCOOLISMO EM CAXIAS DO SUL

INTRODUÇÃO

A cidade de Caxias do Sul vem apresentando uma alta mortalidade por cirrose alcoólica que, segundo os dados disponíveis, se equivale às maiores taxas do mundo e são bem superiores às do país como um todo e às do estado do Rio Grande do Sul. Várias hipóteses têm sido suscita-das para explicar este fato, que vão desde uma tendência étnica (popula-ção de colonização italiana e a Itália também é possuidora de uma das mais elevadas taxas mundiais de mortalidade por cirrose alcoólica) até os hábitos alcoólicos bastante difundidos, incluindo o início precoce do uso, especial-mente do vinho, que é de consumo corrente e até estimula-do em crianças. Para tentar clarear melhor os fatores envolvidos, reali-zamos um estudo dos vários aspectos que compõem os hábitos alcoólicos nesta região, como a difusão do uso de bebidas alcoólicas, o tempo de uso, a freqüência e a quantidade de etanol ingeridos.

15.1 MATERIAL E MÉTODOS

Foram aplicadas entrevistas qua averigüavam a ingesta alcoólica a-través do questionamento direto seqüencial a 1.000 pessoas, na sua mai-oria adultos de ambos os sexos, divididas em 2 grupos: a) 500 pessoas hígidas, que se apresentavam para exames médicos de admissão ao tra-balho – chamado de trabalhadores (examinados no Ambulatório Central da Universidade de Caxias do Sul / Sesi) e b) 500 pacientes internados em um hospital geral para tratamento de qualquer patologia clínica ou cirúr-gica (internações seqüenciais no Hospital Dr. Del Mese de Caxias do

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Sul), chamado de hospitalizados. Foram questionados os hábitos alcoóli-cos: se havia ingesta ou não, a freqüência do uso, os tipos e as quantida-des de bebidas usadas, o tempo de ingesta e conforme estas informações os que tiveram ingesta positiva foram divididos em ingesta alcoólica diária e ingesta semanal ou ocasional. Além disto, eram avaliados na entrevista os hábitos alimentares, o estado nutricional, a história da presença de pato-logias prévias ou presentes relacionadas ao álcool.

Também foram realizadas avaliações clínicas completas em casos que relatavam ingesta positiva diária e que permitiram tal avaliação no intui-to de relacionar a quantidade de etanol /dia ingerido e a presença ou não de sinais ou sintomas de patologias decorrentes do uso continuado do álcool.

Para complementar o perfil do alcoolismo nesta cidade, também fo-ram pesquisados os dados sobre o índice de alcoolismo como motivação de internação psiquiátrica nos 3 primeiro meses do corrente ano (traba-lho realizado na Clínica Psiquiátrica Dr. Paulo Guedes, que é a única clí-nica psiquiátrica aqui existente, possuindo assim dados abrangentes so-bre todas estas ocorrências na região).

15.2 RESULTADOS

No grupo trabalhadores, a idade variou dos 12 aos 62 anos; 290 eram do sexo masculino (58%) e 210 do feminino (42%); 347 relataram ingesta alcoólica (69,4%); 230 homens (66%) e 117 mulheres (34%) o que equivale a 55,7% das mulheres e 79,3% dos trabalhadores entrevistados relataram que faziam uso de bebidas alcoólicas. Destes, 89 relatavam ingesta diá-ria; 25,6% dos que bebiam o faziam diriamente, ou 17,8% dos 500 entre-vistados neste grupo assim divididos: – 69 homens (77,5%) e 20 mulheres (22,5) o que nos mostra que 24% dos homens e 9,5% das mulheres entre-vistados faziam uso de bebidas alcoólicas diariamente. (Quadro 1)

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Alcoolismo em Caxias do Sul / 173

Quadro 1 – Trabalhadores – Características e Hábitos Alcoólicos

POPULAÇÃO: 500 Trabalhadores FAIXA ETÁRIA: 12 a 62 anos SEXO: Masculino – 290 = 58%

Feminino – 210 = 42% RELATAM INGESTA ALCOÓLICA: 347 = 69,4% Masculino – 230 = 66% (79,3% dos homens)

Feminino – 117 = 34% (55,7% das mulheres) RELATAM INGESTA ALCOÓLICA DIÁRIA: 89 = 17,8% Masculino – 69 = 77,5% (24% dos homens)

Feminino – 20 = 22,5% (9,5% das mulheres)

Da segunda amostra, o grupo dos 500 hospitalizados, a idade variou de 5 a 86 anos, com uma média de 40,9 anos; 234 homens (46,8%) e 266 mulheres (53,2%). Destes, 221 (44,2%) relatavam uso de bebidas alcoóli-cas – 149 (67,4%) do sexo masculino e 72 (32,6%) do feminino, o que cor-responde respectivamente a 63,7% dos homens e 27% das mulheres des-te grupo. Ainda relataram que a ingesta alcoólica era diária 137 (27,4% do total deste grupo ou 62% dos que usam bebidas alcoólicas o faziam diariamente), destes 105 (76,6%) eram do sexo masculino e 32 (23,4%) do feminino – o que significa que este grupo 45% dos homens e 12% das mulheres tinham hábitos etílicos diários. (Quadro 2)

Quadro 2 – Hospitalizados – Características e Hábitos Alcoólicos

POULAÇÃO: 500 hospitalizados FAIXA ETÁRIA: 5 a 86 anos – MÉDIA: 40,9 anos SEXO: Masculino: 234 = 46,8%

Feminino : 266 = 53,2% RELATAM INGESTA ALCOÓLICA: 221 = 44,2% Masculino: 149 = 67,4% (63,7% dos homens)

Feminino: 72 = 32,6% (27% das mulheres) RELATAM INGESTA ALCOÓLICA DIÁRIA: 137 = 27,4% Masculino: 105 = 76,6% (45% dos homens)

Feminino : 32 = 23,4% (12% das mulheres)

Assim, deste grupo de 1.000 pessoas, na sua maioria adultos, obser-vamos uma distribuição por sexo de 524 homens (52,4%) e 476 mulheres (47,6%), um relato positivo para ingesta alcoólica em 568 (56,8%) dos quais 379 (66,7%) eram do sexo masculino e 189 (33,3%) do feminino, o que significa que 72,3% dos homens e 39,7% das mulheres entrevistados

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usavam bebidas alcoólicas. Mais importante, 226 (22,6%) ingeriam diaria-mente 174 (77%) homens e 52 (23%) mulheres, ou, em outras palavras, 33,2% dos homens e 10,9% das mulheres. (Quadro 3)

Quadro 3 – 1.000 Entrevistados – Características e Hábitos Alcoólicos

POPULAÇÃO: 1.000 SEXO: Masculino: 524 = 52,4%

Feminino : 476 = 47,6% RELATAM INGESTA ALCOÓLICA: 568 = 56,8% Masculino: 379 = 66,7% (72,3% dos homens)

Feminino : 189 = 33,3% (39,7% das mulheres) RELATAM INGESTA ALCOÓLICA DIÁRIA: 226 = 22,6% Masculino: 174 = 77% (33,2% dos homens)

Feminino : 52 = 23% (10,9% das mulheres)

15.3 INGESTA ALCOÓLICA POR IDADE E SEXO

No estudo mais detalhado dos dados obtidos com estas amostras, verificamos que a incidência de ingesta alcoólica é maior no sexo mascu-lino em todas as faixas etárias o que ficou mais evidenciado na população de hospitalizados onde chega a ser 2 ou até 3 vezes maior em algumas fai-xas etárias (este fato, no entanto, nos faz pensar que houve uma tendên-cia maior nas mulheres hospitalizadas de omitirem a ingesta alcoólica, já que nas mulheres da mesma faixa etária da população saudável a respos-ta positiva foi bem maior. Talvez isto possa ser imputado à tentativa de desvincular a ingesta do motivo da baixa hospitalar e a maior identifica-ção, o que não ocorre na população ambulatorial, onde, logo após a en-trevista, a pessoa não terá mais contato com a instituição). Quanto à rela-ção entre a ingesta positiva e as diferentes faixas etárias, observou-se que há uma distribuição mais ou menos homogênea em todas as faixas etárias, o que nos faz pensar que os hábitos de ingesta alcoólica se man-têm mais ou menos estáveis na população. Porém, há uma tendência ao aumento do uso nas mulheres – nas mulheres até 40 anos a ingesta posi-tiva foi de 44,5% contra 28,7% nas de mais de 40 anos. Esta tem sido uma tendência mundial e segundo Galambos a relação de alcoolismo ho-mem x mulher que era de 14:1 na década de 60, hoje está em 5:1 (dados idênticos aos relatados para o Brasil pela imprensa em 1993 (Jornal Na-cional da Rede Globo de 06/08/93). Para Sherlock este maior aumento

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Alcoolismo em Caxias do Sul / 175

nas mulheres nas últimas décadas envolveria vários fatores como: uma publicidade maior, a maior disponibilidade de bebidas alcoólicas em su-permercados e a liberação feminina que levou a mudanças comportamen-tais desde uma maior aceitação social da mulher bebendo, até a disponi-bilidade de recursos próprios para a compra da bebida. Para o uso de bebidas alcoólicas entre os sexos também os dados são comparáveis aos citados por Galambos para os EUA (75% dos homens e 56% das mulhe-res usam bebidas alcoólicas naquele país). (Quadros 4,5 e 6)

Quadro 4 – Trabalhadores – Ingesta Alcoólica por Idade e Sexo

Faixa Etária Homens Ingesta + Mulheres Ingesta + Total Ingesta +

Até 20 anos 118 85 72% 79 41 52% 197 126 = 64% 21 - 30 113 92 81% 71 44 62% 184 136 = 74% 31 - 40 36 33 92% 39 23 59% 75 56 = 75% 41 - 50 20 18 90% 14 7 50% 34 25 = 74% 51 - 60 2 1 50% 6 1 17% 8 2 = 25% 61 - 70 1 1 100% 1 1 100% 2 2 = 100%

Total 290 230 79% 210 117 52% 500 347 = 69%

Quadro 5 – Hospitalizados – Ingesta Alcoólica por Idade e Sexo

Faixa Etária Homens Ingesta + Mulheres Ingesta + Total Ingesta +

Até 20 anos 33 16 = 48,5% 37 10 = 27% 70 26 = 37% 21 - 30 52 29 = 56% 61 18 = 29,5% 113 47 = 42% 31 - 40 50 37 = 74% 43 11 = 26% 93 48 = 52% 41 - 50 27 20 = 74% 41 11 = 27% 68 31 = 46% 51 - 60 31 18 = 58% 30 8 = 27% 61 26 = 43% 61 - 70 21 14 = 67% 27 7 = 26% 48 21 = 44% 71 e + 20 15 = 75% 27 7 = 26% 47 22 = 47%

Total 234 149 = 64% 266 72 = 27% 500 221= 44%

Quadro 6 – 1.000 Entrevistados – Ingesta Alcoólica por Idade e Sexo

Faixa Etária Homens Ingesta + Mulheres Ingesta + Total Ingesta +

Até 20 anos 151 101 = 67% 116 51 = 44% 267 152 = 57% 21 - 30 165 121 = 73% 132 62 = 47% 297 183 = 62% 31 - 40 86 70 = 81% 82 34 = 41,5% 168 104 = 62% 41 - 50 47 38 = 81% 55 18 = 33% 102 56 = 55% 51 - 60 33 19 = 58% 36 9 = 25% 69 28 = 41% 61 - 70 22 15 = 68% 28 8 = 29% 50 23 = 46% 71 e + 20 15 = 75% 27 7 = 26% 47 22 = 47%

Total 524 379 = 76% 476 189 = 40% 1.000 568 = 57%

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15.4 QUANTIDADE DE ETANOL INGERIDO

Observamos que um grande número de pessoas que usam diaria-mente bebidas alcoólicas o fazem em valores de mais de 80g de etanol /dia, índice tradicionalmente considerado de grande risco para o desen-volvimento de hepatopatias alcoólicas, inclusive cirrose (Pequignot), es-pecialmente no sexo masculino – 54% (Quadro 9). Mesmo na população considerada saudável trabalhadores – apesar da maioria que faz uso diário de álcool relatar uma ingesta abaixo de 80g de etanol /dia, considerando que estes dois fatores: ingesta continuada e consumo acima de 80g de etanol /dia – são de alto risco para o desenvolvimento de hepatopatia alcoólica; os índices observados são de grande importância (25% dos homens e 5% das mulheres que usam álcool diariamente ultrapassam es-ta quantia – Quadro 7). Na observação da população de hospitalizados que bebem diariamente, chama a atenção a elevada percentagem de ingesta maior de 80g/dia – 72% dos homens e 22% das mulheres. Apesar deste estudo não correlacionar uso de álcool com a patologia que motivou a internação do paciente, esta diferença é bastante significativa em ambos os sexos, quando comparada com os mesmos dados referentes à popula-ção hígida o que nos leva a aventar a hipótese de que pelo menos alguns casos desta amostra o uso de álcool possa estar envolvido na determina-ção de uma maior morbidade que levou à necessidade de tratamento hospitalar. (Quadro 8) Quando se consideram todos os 1.000 entrevista-dos, observamos que 101 (10,1%) relatam ingesta alcoólica diária superi-or a 80g/etanol dia. (Quadro 9).

Quadro 7 – Trabalhadores – Quantidade de Ingesta Diária por Idade e Sexo

Quan-tidade

- de 80g 80 - 100g

100 - 150g 150 - 200g 200 - 250g > 250g

Sexo M F M F M F M F M F M F

- 20 anos 19 6 1 - 1 - 1 - - - - - 21 - 30 18 7 1 - 3 - - - - - - - 31 - 40 8 5 2 - 2 - - - 1 - 1 - 41 - 50 7 1 - 1 2 - - - - - - - 51 - 60 - - - - 1 - - - - - - - 61 - 70 - - - - - - - - - - 1 -

Total 52 19 4 1 9 0 1 0 1 0 2 0 Percentual 75% 95% 6% 5% 13% 0% 1,5% 0% 1,5% 0% 3% 0

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Alcoolismo em Caxias do Sul / 177

Quadro 8 – Hospitalizados – Quantidade de Ingesta Diária por Idade e Sexo

Quan-tidade

- de 80g 80 - 100g

100 - 150g 150 - 200g 200 - 250g >250g

Sexo M F M F M F M F M F M F

- 20 anos 1 2 - - 1 - 1 - - - - - 21 - 30 3 3 3 - 3 - - - - - 3 - 31 - 40 9 2 1 - 7 - 5 1 4 - 5 - 41 - 50 - 6 3 - 2 - 2 1 2 1 7 1 51 - 60 5 6 1 - 4 - 3 - 2 - 2 - 61 - 70 3 2 1 2 2 1 1 - - - 5 - 70 e + 8 4 1 - 1 - 2 - - - 2 -

Total 29 25 10 2 20 1 14 2 8 1 24 1 Percentual 28% 78% 9,5% 6,5% 19% 3% 13% 6,5% 7,5% 3% 23% 3%

Quadro 9 – 1.000 Entrevistados – Quantidade de Ingesta Diária por Idade e Sexo

Quan-tidade

- de 80g 80 - 100g

100 - 150g 150 - 200g 200 - 250g >250g

Sexo M F M F M F M F M F M F

- 20 anos 20 8 1 - 2 - 2 - - - - - 21 - 30 21 10 4 - 6 - - - - - 3 - 31 - 40 17 7 3 - 9 - 5 1 5 - 6 - 41 - 50 7 7 3 1 4 - 2 1 2 1 7 1 51 - 60 5 6 1 - 5 - 3 - 2 - 2 - 61 - 70 3 2 1 2 2 1 1 - - - 6 - 71 e + 8 4 1 - 1 - 2 - - - 2 -

Total 81 44 14 3 29 1 15 2 9 1 26 1 Percentual 46% 84% 8% 6% 17% 29% 9% 4% 5% 2% 15% 2%

Os que relatam uso de bebidas alcoólicas, porém não fazem o diari-amente, foram divididos em dois grupos: a) os que ingerem semanal-mente (59%), que inclui os bebedores de fim de semana e b) os que usam apenas em determinadas ocasiões (41%), não obedecendo a um ritmo específico, por exemplo, bebem em festas. Nestas categorias o relato de ingesta positiva foi maior no grupo considerado hígido: ingesta semanal 157 (31,4%) trabalhadores versus 45 (9%) hospitalizados e ingesta ocasio-nal 101 (20%) versus 39 (8%), respectivamente. Em relação a estas dife-renças, talvez, também sejam válidas as observações antes feitas sobre a possível omissão da ingesta em pacientes hospitalizados ou ainda, que em decorrência da presença de doenças haja uma abstinência maior nes-ses grupos. Ainda, em relação ao sexo, a ingesta de quantidades maiores de etanol ocorre no sexo masculino, sendo a diferença mais marcante nos bebedores de fim de semana, onde 60% dos homens contra 9% das mu-

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lheres ingerem quantidades maiores de 100g de etanol/semana. (Qua-dros 10, 11e 12)

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Alcoolismo em Caxias do Sul / 179

Quadro 10 – Trabalhadores – Quantidade de Ingesta Alcoólica Semanal e Ocasional por Idade e Sexo

Casos Ingesta Semanal = 157 Ingesta Ocasional = 101 Quantidade - de 100g + de 100g - de 100g + de 100g

Sexo M F M F M F M F

Até 20 anos 21 19 23 1 17 15 2 - 21 - 30 20 14 27 2 18 21 5 - 31 - 40 3 10 6 1 9 6 1 1 41 - 50 4 3 3 - 2 2 - - 51 - 60 - - - - - - - 1 61 - 70 - - - - - 1 - - Total 48 46 59 4 46 45 8 2

Percentual 45% 92% 55% 8% 85% 96% 15% 4%

Quadro 11– Hospitalizados – Quantidade de Ingesta Alcoólica Semanal e Ocasional por Idade e Sexo

Casos Ingesta Semanal = 45 Ingesta Ocasional = 39 Quantidade - de 100g + de 100g - de 100g + de 100

Sexo M F M F M F M F

Até 20 anos 1 6 9 - 3 2 - - 21 - 30 2 5 11 - 3 9 1 1 31 - 40 2 2 2 1 2 5 - - 41 - 50 1 - 1 - 1 2 1 - 51 - 60 - 1 - - - 1 1 - 61 - 70 - - - - 2 2 - - 71 e + - - - 1 1 2 - -

Total 6 14 23 2 12 23 3 1 Percentual 21% 95,5% 79% 12,5% 80% 96% 20% 4%

Quadro 12 – 1.000 Entrevistados – Quantidade de Ingesta Alcoólica Semanal e Ocasional por Idade e Sexo

Casos Ingesta Semanal = 202 Ingesta Ocasional = 140 Quantidade - de 100g + de 100g - de 100g + de 100g

Sexo M F M F M F M F

Até 20 anos 22 19 23 1 20 17 2 - 21 - 30 22 14 27 2 21 30 6 1 31 - 40 5 10 6 2 11 11 1 1 41 - 50 5 3 3 - 3 4 1 - 51 - 60 - - - - - 1 1 1 61 - 70 - - - - 2 3 - - 71 e + - - - 1 1 2 - -

Total 48 46 59 6 58 68 11 3 Percentual 40% 91% 60% 9% 84% 96% 16% 4%

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/ Álcool e Fígado • EDUCS 180

15.5 TEMPO DE INGESTA

Outro dado importante diz respeito ao tempo de uso de bebidas al-coólicas. Dos entrevistados que usam diariamente somam a este risco uma ingesta prolongada: – 81% relatam ingesta de mais de 5 anos e mesmo se considerarmos os níveis de risco para o desenvolvimento de hepatopatia alcoólica – 5 anos para mulheres e 10 anos para homens – observamos que 65% satisfazem esta condição. Comparando as duas amostras de população, a diferença mais marcante foi observado nos que consomem há um tempo mais prolongado, na faixa de mais de 25 anos de uso de bebidas alcoólicas diariamente. Os hospitalizados apresentaram índices de 52% e 53%, respectivamente para homens e mulheres, contra 12% e 15% para a mesma faixa dos trabalhadores. Isto em parte pode refle-tir a faixa etária mais elevada deste grupo, tendo assim maior tempo do uso de álcool. Cabe ainda salientar que mesmo as faixas etárias mais jo-vens relatam uma ingesta relativamente duradoura. Nos entrevistados de menos de 20 anos de idade, 35,5% tinham ingesta de mais de 5 anos, evidenciando um início em idade bem precose. (Quadros 13, 14 e 15)

Quadro 13 – Trabalhadores – Tempo de Ingesta Diária por Idade e Sexo

Tempo de Ingesta

- 1 Ano 1 - 5 5 - 10 10 - 15 15 - 20 + de 20

Sexo M F M F M F M F M F M F

Até 20 Anos - 1 13 3 6 2 3 - - - - - 21 - 30 1 - 6 1 9 3 3 2 3 1 - - 31 - 40 - - - - 3 1 4 1 5 - 2 3 41 - 50 - - - 1 3 1 - - 1 - 5 - 51 - 60 - - - - - - - - - - 1 - 61 - 70 - - - - - - - - 1 - - -

Total 1 1 19 5 21 7 10 3 10 1 8 3 Percentual 1,5% 5% 27,5% 25% 30% 35% 14,5% 15% 14,5% 5% 12% 15%

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Alcoolismo em Caxias do Sul / 181

Quadro 14 – Hospitalizados – Tempo de Ingesta Diária por Idade e Sexo

Tempo de Ingesta

- 1 Ano 1 - 5 5 - 10 10 - 15 15 - 20 + de 20

Sexo M F M F M F M F M F M F

Até 20 anos 1 - 2 2 - - - - - - - - 21 - 30 - - 5 1 4 1 3 1 - - - - 31 - 40 - - 1 1 9 - 8 1 5 1 8 - 41 - 50 - - - 1 - 1 1 - 1 - 14 7 51 - 60 - - 1 - - 1 - - 2 1 14 4 61 - 70 - - 1 - 2 - 1 1 1 - 7 4 71 e + - - 1 - - - - - 1 2 12 2

Total 1 0 11 5 15 3 13 3 10 4 55 17 Percentual 1% 0% 11% 16% 14% 9% 12% 9% 10% 13% 52% 53%

Quadro 15 – 1.000 Entrevistados – Tempo de Ingesta Diária por Idade e Sexo

Tempo de Ingesta

- 1 Ano 1 - 5 5 - 10 10 - 15 15 - 20 + de 20

Sexo M F M F M F M F M F M F

Até 20 anos 1 1 15 5 6 2 3 - - - - - 21 - 30 1 - 11 2 13 4 6 3 3 1 - - 31 - 40 - - 1 1 12 1 12 2 10 1 10 3 41 - 50 - - - 2 3 2 1 - 2 - 19 7 51 - 60 - - 1 - - 1 - - 2 1 15 4 61 - 70 - - 1 - 2 - 1 1 2 - 7 4 71 e + - - 1 - - - - - 1 2 12 2

Total 2 1 30 10 36 10 23 6 20 5 63 20 Percentual 1% 2% 17% 19% 21% 19% 13% 11,5% 12% 10% 36% 38,5%

Em relação aos que usavam bebidas alcoólicas semanalmente ou oca-sionalmente, o tempo de ingesta foi similar para ambos os sexos, quando se avalia a populção total. Para os que relataram ingesta semanal, 79% dos homens e das mulheres o faziam há menos de 10 anos. Para os de uso ocasional, também o tempo de ingesta foi de menos de 10 anos para 69% dos homens e 71% das mulheres. Porém, quando separamos as duas amostras, observamos que também nestas categorias de uso de álcool foi de mais tempo para os hospitalizados. Por exemplo, cerca de 22% dos tra-balhadores contra 46% dos hospitalizados relatavam o uso semanal ou ocasi-onal de álcool há mais de 10 anos. Se considerarmos uma aferência ao início do uso de álcool numa faixa etária mais precoce, observamos que aproximadamente 12% dos trabalhadores na faixa dos 21 aos 30 anos usa-vam bebidas alcoólicas há mais de 10 anos; este mesmo dado foi de 28% nos hospitalizados.

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/ Álcool e Fígado • EDUCS 182

Quadro 16 – Trabalhadores – Tempo de Ingesta Semanal e Ocasional por Idade e Sexo

Casos Ingesta Semanal = 157 Ingesta Ocasional = 101 Tempo de Ingesta - de 10 Anos + de 10 Anos - de 10 Anos + de 10 Anos

Sexo M F M F M F M F

Até 20 anos 43 20 1 - 19 15 - - 21 - 30 41 14 6 2 20 19 3 2 31 - 40 3 6 6 5 1 1 9 6 41 - 50 - 1 7 2 1 - 1 2 51 - 60 - - - - - - - 1 61 - 70 - - - - - - - 1

Total 87 41 20 9 41 35 13 12 Percentual 81% 82% 19% 18% 76% 74% 24% 26%

Quadro 17 – Hospitalizados – Tempo de Ingesta Semanal e Ocasional por Idade e Sexo

Casos Ingesta Semanal = 45 Ingesta Ocasional = 39 Tempo de Ingesta - de 10 Anos + de 10 Anos - de 10 Anos + de 10 Anos

Sexo M F M F M F M F

Até 20 anos 10 6 - - 3 2 - - 21 - 30 10 5 3 - - 8 4 2 31 - 40 - - 4 3 1 1 1 4 41 - 50 1 - 1 - - 1 2 1 51 - 60 - - - 1 - - 1 1 61 - 70 - - - - - - 2 2 71 e + - - - - - - 1 2

Total 21 11 8 5 4 12 11 12 Percentual 72% 69% 28% 31% 27% 50% 73% 50%

Quadro 18 – 1.000 Entrevistados – Tempo de Ingesta Semanal e Ocasional por Idade e Sexo

Casos Ingesta Semanal = 202 Ingesta Ocasional = 140 Tempo de Ingesta - de 10 Anos + de 10 Anos - de 10 Anos + de 10 Anos

Sexo M F M F M F M F

Até 20 anos 53 26 1 - 22 17 - - 21 - 30 51 19 9 2 20 27 7 4 31 - 40 3 6 10 8 2 2 10 10 41 - 50 1 1 8 2 1 1 3 3 51 - 60 - - - 1 - - 1 2 61 - 70 - - - - - - 2 3 71 e + - - - 1 - - 1 2

Total 108 52 28 14 45 47 24 24 Percentual 79% 79% 21% 21% 65% 66% 35% 34%

Page 186: Álcool e Fígado

Alcoolismo em Caxias do Sul / 183

15.6 ESTADO NUTRICIONAL

Para complementar este estudo, e tendo em vista um tradicional (tal-vez não tão importante como inicialmente pensado) papel da má nutrição no desenvolvimento de doenças relacionadas ao álcool, foi avaliado o estado nutricional dos entrevistados através do questionamento dos há-bitos alimentares, incluindo quantidade dos alimentos, da relação pe-so/estatura e do exame físico e medição da prega cutânea. Os entrevis-tados foram então classificados em bom, regular e mau estado nutricional e os extremos em obeso e marasmo. Estes dados foram então correlaciona-dos com o relato de ingesta alcólica. Na amostra da população conside-rada hígida – trabalhadores – a grande maioria apresentava boas condições nutricionais (cerca de 90%) e não houve diferenças entre os que usavam ou não bebidas alcoólicas, nem em relação ao sexo, observando-se ape-nas uma maior incidência de obesidade nas mulheres, porém sem relação com o relato do uso de álcool ou não (o que também ocorreu na popula-ção hospitalizada). Já na amostra da população hospitalizada o estado nutri-cional esteve mais comprometido e apenas cerca de 56% foram conside-rados bem- nutridos, mas, aqui também não houve diferenças entre a ingesta etílica positiva ou não. Provavelmente esta condição esteja rela-cionada com causa e/ou efeito da patologia que levou estes pacientes a necessitarem de tratamento hospitalar.

Assim, considerando toda a população entrevistada, houve de fato um percentual maior de considerados bem-nutridos nos que também relatavam ingesta alcoólica – 75% dos homens e 81,5% das mulheres com ingesta positiva foram considerados bem-nutridos contra, respectiva-mente, 66 e 65% dos com ingesta negativa. É importante salientar, no entanto, que esta ingesta diz respeito a todos os que usam álcool inde-pendente de uso abusivo ou não, prolongado ou não. (Quadros 19, 20 e 21). Cumpre lembrar que, conforme citado acima, os pacientes hospitali-zados além de apresentarem condições nutricionais piores também rela-tam um consumo de quantidades mais elevadas de etanol e por tempo mais prolongado quando o usavam do que a população hígida.

Page 187: Álcool e Fígado

/ Álcool e Fígado • EDUCS 184

Quadro 19 – Trabalhadores – Estado de Nutrição

INGESTA + INGESTA - M F M F

BOM 211 = 91,8% 104 = 88,9% 53 = 88,5% 84 = 90,3% REGULAR 17 = 7,4% 8 = 6,8% 6 = 10,0% 5 = 5,4% MAU 1 = 0,4% - = 0,0% - = 0,0% - = 0,0% OBESO 1 = 0,4% 5 = 4,3% 1 = 1,7% 4 = 4,3% MARASMO - = 0,0% - = 0,0% - = 0,0% - = 0,0%

Quadro 20 – Hospitalizados – Estado de Nutrição

INGESTA + INGESTA - M F M F

BOM 74 = 49,7% 50 = 69% 43 = 51,0% 104 = 53,6% REGULAR 63 = 42,3% 14 = 19% 36 = 42,0% 67 = 34,5% MAU 7 = 4,7% 4 = 6% 3 = 3,5% 9 = 4,6% OBESO 4 = 2,7% 4 = 6% 3 = 3,5% 13 = 6,8% MARASMO 1= 0,6% - = 0% - = 0,0% 1 = 0,5%

Quadro 21 – 1.000 Entrevistados – Estado de Nutrição

INGESTA + INGESTA - M F M F

BOM 285 = 75,2% 154 = 81,5% 96 = 66% 188 = 65,5% REGULAR 80 = 21,1% 22 = 11,6% 42 = 29% 72 = 25,1% MAU 8 = 2,1% 4 = 2,1% 3 = 2% 9 = 3,1% OBESO 5 = 1,3% 9 = 4,8% 4 = 3% 17 = 5,9% MARASMO 1 = 0,3% - = 0,0% - = 0% 1 = 0,4%

Alcoolismo e Hospital Psiquiátrico

Observamos neste aspecto que o alcoolismo foi o responsável por cerca de 1/3 das internações hospitalares realizadas no período pesqui-sado. (Quadro 22)

Quadro 22 – Internações Psiquiátricas

MÊS PSICÓTICOS NEURÓTICOS ALCOOLISTAS TOTAL janeiro 114 30 71 = 33% 215 fevereiro 94 14 53 = 33% 161 março 108 22 45 = 26% 175

Total 316 66 169 = 31% 551

Page 188: Álcool e Fígado

Alcoolismo em Caxias do Sul / 185

15.7 ASPECTOS CLÍNICOS

E QUANTIDADE DIÁRIA DE ETANOL INGERIDO

Quanto à presença de sinais e sintomas em relação à quantidade de etanol ingerido diariamente, observa-se que ela é fracamente crescente – a grande maioria dos sintomas ocorre nos que ingerem maiores quanti-dades, e os que usavam menos de 80g de etanol /dia não relataram qualquer alteração. O achado mais relevante foi a hepatomegalia, presen-te em 56% dos pacientes, seguida por náuseas e vômitos em 52%, ema-grecimento em 48%, anorexia e epigastralgia em 44% e tremores de ex-tremidades em 37%. Chama a atenção ainda que 19% tinham achados de patologia estabelecida como icterícia, alterações das características sexu-ais, 22% com alterações da crase sanguínea e 11% dos pacientes apresen-tavam indícios de maior severidade como ascite e hemorragia digestiva.

Quadro 23 – Aspectos Clínicos e Quantidade de Ingesta Diária – Estudo de 27 Casos

- de 80g 80-100 100-150

150-200

200-250

+ de 250 Total

M F M F M F M F M F M F Hepatomegalia - - 2 - 1 - 2 - 3 - 5 1 15 = 56% Náuseas, Vômitos - - 1 - 1 - 1 - 2 1 7 1 14 = 52% Emagrecimento - - 1 - 1 - - - 3 1 6 1 13 = 48% Anorexia - - 1 - 1 - 3 - 1 - 5 1 12 = 44% Dor Epigástrica - - 1 - 1 1 1 - 4 - 4 - 12 = 44% Tremores Extrem. - - 1 - 1 - 1 - - - 6 1 10 = 37% Diarréia - - - - - - 1 - 2 - 4 1 8 = 30% Adinamia - - - - 1 - 1 - 2 - 3 - 7 = 26% Alt. Crase Sang. - - - - - - 1 - 1 1 3 - 6 = 22% Insônia - - 1 - - - 1 - 1 1 2 - 6 = 22% Ansiedade - - - - - - 1 - - 1 3 1 6 = 22% Dispepsia Vaga - - - - - - 2 - 2 - 1 - 5 = 19% Dor Hipoc. Dir. - - - - 1 - - - 1 - 3 - 5 = 19% Dor em MMII - - - - - - - - 1 - 3 1 5 = 19% Icterícia - - 1 - 2 - 1 - - - 1 - 5 = 19% Dor Abd. Gener. - - - - 1 - 1 - - - 2 - 4 = 15% Alt. Carac. Sex. - - - - - - - - 2 - 2 - 4 = 15% Hipotonia Musc. - - - - 2 - - - 1 - - 1 4 = 15% Tontura - - - - - - - - - 1 2 1 4 = 15% Cefaléia - - - - - - - - 1 1 2 - 4 = 15% Ascite - - - - 1 - - - - - 2 1 3 = 11% Edema de MMII - - 1 - - - - - - 1 - 1 3 = 11% Hemor. Digest. - - - - 1 2 - - - - - - 3 = 11% Hipotrofia Musc. - - - - 1 - - - - - 2 - 3 = 11% Prurido - - 1 - - - 1 - - - - - 2 = 7% Delírio - - 1 - - - - - - - - - 1 = 4%

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15.8 CONCLUSÃO

Apesar das dificuldades que envolvem um trabalho de pesquisa so-bre a ingesta alcoólica, através da entrevista direta à pessoa – já citado por outros autores – que inclui uma tentativa comum de esconder o fato ou minimizar as quantias e a freqüência do uso, consideramos os dados aqui obtidos compatíveis com os descritos na literatura para outras po-pulações. Observamos que o uso de bebidas alcoólicas é bastante difun-dido nessa população, envolvendo 70% dos homens e 40% das mulheres e mais, que 40% dos homens e 11% das mulheres o fazem diariamente. O uso diário de quantidades consideradas de grande risco para o desen-volvimento de hepatopatias alcoólicas (mais de 80g de etanol /dia) foi encontrado em 10,1% da população pesquisada – 17,8% de homens e 1,7% das mulheres. Esta relação de cerca de 10:1 tem tendências a dimi-nuir, pois se observou uma maior difusão do uso de álcool em mulheres de faixas etárias mais jovens.

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16

DOENÇAS HEPÁTICAS EM ALCOOLISTAS CRÔNICOS

As estatísticas de mortalidade por cirrose mostram uma elevada in-cidência em nossa cidade, que apresenta coeficientes de mortalidade, por esta patologia, maiores do que os do estado do Rio Grande do Sul como um todo, em todos os anos pesquisados. Também maiores quando comparados aos do país ou com os de cada estado da federação (dados da Secretaria de Saúde). Estes dados confirmam nossa experiência na prática médica onde são muito freqüentes as doenças relacionadas ao alcoolismo.

Estes fatos motivaram nosso estudo sobre alterações hepáticas em al-coolistas crônicos desta região, pois ainda desconhecemos as razões pre-cisas que determinam sua maior ocorrência.

16.1 MATERIAL E MÉTODOS

Foram estudados 81 pacientes consecutivos internados num hospital geral desta cidade (Hospital Dr. Del Mese Ltda.) que relatavam história de etilismo crônico. Em todos, além da história clínica, foram avaliados os padrões de uso alcoólico: quantidades, duração, uso contínuo ou não. Também foram realizadas as assim chamadas provas de função hepática que consistiram nos seguintes exames: Bilirrubinas, Transaminase Oxalacética (Aspartato aminotransferase), Transaminase Pirúvica (Alanina amino-transferase), Gama Glutamil Transpeptidase, Fosfatase Alcalina, Tempo de Protrombina e Eletroforese de Proteínas. E, finalmente, todos foram submetidos à laparoscopia com biópsia hepática e estudo histológico.

Os dados obtidos foram então avaliados em termos de incidência de hepatopatias alcoólicas e a correlação entre os padrões de ingesta alcoó-

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Doenças hepáticas em alcoolistas crônicos / 187

lica, os sintomas, as alterações bioquímicas, macroscópicas e microscópi-cas.

16.2 RESULTADOS

Dos 81 casos estudados, 68 (83,95%) eram do sexo masculino e 13 (16,05) do feminino, uma proporção de cerca de 5:1. Esta proporção é idêntica à do alcoolismo, citada por Galambos para os EUA e à divulga-da pela imprensa para o Brasil. A maior proporção de homens reflete os hábitos de alcoolismo ainda mais difundidos no sexo masculino, apesar de ser crescente a proproção de mulheres (na década de 60 a proporção homens/ mulheres era de 14:1) e na atualidade é de 4:1. ( Quadro 24)

A faixa etária variou dos 23 aos 80 anos com uma média geral de i-dade de 46,2 anos. Nos homens a média foi de 47 anos (28 - 80 anos) e nas mulheres de 42 anos (23 - 59 anos). Também esta variação é compatí-vel com a observação repetidamente confirmada na literatura, de uma maior suscetibilidade das mulheres às lesões hepáticas alcoólicas que, além de surgirem com uma menor quantidade de álcool ingerido (20g a 40g de etanol/ dia = 1/3 da quantidade de risco do sexo masculino), também é com menos tempo de ingesta (5 anos, metade dos 10 anos con-siderados para os homens), o que se reflete na faixa etária em que ocor-rem as complicações.

Quando observamos a distibuição em cada faixa etária notamos que a maioria dos pacientes estavam entre a 4ª e a 6ª décadas de vida (81,3%), sendo similares as incidências em cada uma destas faixas (27,5%, 26,3% e 27,5%, respectivamente, na 4ª, 5ª e 6ª décadas). Em relação ao sexo, 96% das mulheres estão nestas faixas e 79,2% dos homens. Tam-bém não se observam diferenças significativas entre as três faixas etárias de maior prevalência em relação ao sexo. Entretanto, cabe salientar que 16,4% dos homens tinham mais de 60 anos, enquanto não houve nenhu-ma mulher nesta faixa de idade mais elevada. (Quadro 25)

Quanto à raça, 72 (88,9) eram brancos e 9 (11,1%) pardos ou pretos. Em relação ao sexo, observou-se que 92,6% (63) dos homens eram bran-cos e 7,4% (5) pardos ou pretos e nas mulheres 69,2% (9) brancas e 30,8 (4) pardas ou pretas. (Quadro 24)

Page 192: Álcool e Fígado

/ Álcool e Fígado • EDUCS 188

Quadro 24 – População Estudada

Total de Casos: 81 Homens: 68 = 83,95% Mulheres: 13 = 16,05% Faixa Etária: 23 - 80 anos Média de Idade: 46,2 Homens: 28 - 80 anos Média: 47 anos Mulheres: 23 - 59 anos Média: 42 anos Raça: Brancos: 72 = 88,9% Pardos e Pretos: 9 = 11,1% Homens: Brancos 63 = 92,6% Pardos e Pretos: 5 = 7,4% Mulheres: Brancas: 9 = 69,2% Pardas e pretas: 4 = 30,8%

Quadro 25 – Distribuição por Idade e Sexo

FAIXA E-TÁRIA

HOMENS % MULHE-RES

% TOTAL %

20 a 29 3 4,5 1 8 4 5 30 a 39 19 28,4 3 23 22 27,5 40 a 49 15 22,4 6 46 21 26,3 50 a 59 19 28,4 3 23 22 27,5 60 a 69 9 13,4 - - 9 11,3 70 a 79 1 1,5 - - 1 1,2 80 a 89 1 1,5 - - 1 1,2 TOTAL 68 100 13 100 81 100

Page 193: Álcool e Fígado

Doenças hepáticas em alcoolistas crônicos / 189

16.3 PADRÕES DE ALCOOLISMO

Duração da Ingesta Alcoólica

A maioria dos pacientes relatava uma ingesta alcoólica prolongada. Se considerarmos a duração de 10 anos de ingesta como fator de risco tradicionalmente aceito para o desenvolvimento de hepatopatia alcoólica crônica, principalmente cirrose, vemos que 91,5% dos casos estudados tinham mais de 10 anos de uso de álcool. Na verdade, a faixa de maior incidência (34,5%) foi de 20 a 30 anos de ingesta.

Também foi observada uma diferença em relação ao sexo: enquanto 38% das mulheres ingeriam há menos de 10 anos, apenas 3% dos homens encontravam-se nesta faixa. No lado oposto também se observa que ne-nhuma mulher relatava ingesta etílica há mais de 30 anos, enquanto esta foi a faixa de maior incidência no sexo masculino (37%). (Quadro 26)

Desta forma, podemos constatar que os pacientes, que procuram a-tendimento médico por patologias relacionadas ao álcool, tem um perío-do de ingesta alcoólica muito prolongado, bem acima dos índices de ris-co, e não é "gratuita" a alta incidência de hepatopatias nessa população.

Quadro 26 – Duração da Ingesta Alcoólica

TEMPO (anos)

HOMENS % MULHE-RES

% TOTAL %

1 a 5 - - 2 15 2 2,5 5 a 10 2 3 3 23 5 6 10 a 20 18 26 3 23 21 26 20 a 30 23 34 5 39 28 34,5

> 30 25 37 - - 25 31 TOTAL 68 100 13 100 81 100

Page 194: Álcool e Fígado

/ Álcool e Fígado • EDUCS 190

Quantidade de Etanol Ingerida

Tomando como referência as quantias de 80g de etanol /dia para os homens e 30g de etanol /dia para mulheres, descritas por Peguinot e tra-dicionalmente aceitas como as faixas de risco para o desenvolvimento da hepatopatia alcoólica mais severa, a cirrose, observamos que pratica-mente a totalidade de nossos pacientes apresentavam ingestas maiores que estas (98,5%) e mais, que a faixa de maior prevalência (38,5%) foi de ingesta bastante elevada = mais que 250g de etanol / dia.

Também neste caso, repetimos a constatação feita acima em relação à duração da ingesta, as quantias ingeridas pelos nossos pacientes foram muito elevadas, bem acima dos valores considerados de risco. (Quadro 27)

Page 195: Álcool e Fígado

Doenças hepáticas em alcoolistas crônicos / 191

Quadro 27 – Quantidade de Ingesta Alcoólica

G/ETANOL /DIA

HOMENS % MULHE-RES

% TOTAL %

Até 80 1 1,5 1 8 2 2,5 80 a 100 7 10 1 8 8 10 100 a 150 10 15 1 8 11 13,5 150 a 200 13 19 5 38 18 22 200 a 250 11 16 - - 11 13,5 > 250 26 38,5 5 38 31 38,5 TOTAL 68 100 13 100 81 100

16.4 QUADRO CLÍNICO

Os sinais e os sintomas apresentados por esse grupo de pacientes es-tão listados no Quadro 28. O mais comum dos achados foi a hepatome-galia, presente em 52 pacientes (64%), seguida da dor abdominal em 50 casos (62%), de naúseas, vômitos ou pituíta matinal em 43 (53%), da icte-rícia em 42 (52%) e de anorexia em 32 (40%). Observe-se que vários des-

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/ Álcool e Fígado • EDUCS 192

tes pacientes apresentaram sinais de doença hepática estabelecida e até avançada ou complicações desta, como 27 (33%) apresentavam ascite, evidenciando uma provável hipertensão portal subjacente; 6 pacientes (7%) apresentaram encefalopatia hepática e 15% (12 casos) complicaram seu quadro com uma hemorragia digestiva.

Um dado que não tem relação direta com uma hepatopatia, mas sim com o alcoolismo em si, e que vem a se somar nas evidências de grande ingesta alcoólica desse grupo, é a grande percentagem de pacientes que apresentaram indícios de síndrome de abstinência severa, com 37% (30 casos), apresentando delírio.

Quadro 28 – Aspectos Clínicos

HEPATOMEGALIA 52 64% DOR ABDOMINAL 50 62% NÁUSEAS, VÔMITOS, PITUÍTA 43 53% ICTERÍCIA 42 52% ANOREXIA 32 40% DELÍRIO 30 37% ADINAMIA 29 36% ASCITE 27 33% EMAGRECIMENTO 22 27% DORES EM MMII 19 24% DIARRÉIA C/ OU S/ ESTEATORRÉIA 17 21% ALTS. CRASE SANGÜÍNEA 14 17,3% ALTS. CARACT. SEXUAIS 13 16% ADEMA MMII 13 16% HEMORRAGIA DIGESTIVA 12 15% SINTOMAS DISPÉTICOS VAGOS 12 15% HIPOTONIA MUSCULAR 10 12% SPIDERS 10 12% INSÔNIA 10 12% TONTURAS 9 11% FEBRE 8 10% ENCEFALOPATIA HEPÁTICA 6 7% ERITEMA PALMAR 5 6% PRURIDO 5 6% CEFALÉIA 4 5%

Page 197: Álcool e Fígado

Doenças hepáticas em alcoolistas crônicos / 193

16.5 AVALIAÇÃO BIOQUÍMICA

GAMA GLUTAMIL TRANSPEPTIDASE (GAMA GT) A Gama GT não é um indicador de hepatopatia em si, mas, como ou-

tras enzimas microssomiais, é induzida pelo uso prolongado de álcool (além de elevar-se nos quadros colestáticos paralelamente à Fosfatase Alcalina), servindo, assim, como um útil marcador da ingesta alcoólica, especialmente no acompanhamento dos pacientes, averiguando sua abs-tinência etílica. Referimo-nos aqui à dosagem da Gama GT sérica total, que é habitualmente usada na prática clínica, pois Teschke e colaborado-res em estudos experimentais determinando as frações adulto e fetal da Gama GT pelo método de Korsten com cromatrografia de coluna, obser-vou variações em relação à hepatopatia presente: enquanto a esteatose e a hepatite alcoólica apresentavam aumentos de Gama GT às custas do tipo fetal a cirrose apresentava aumentos às custas do tipo adulto, sendo assim útil, segundo o autor supracitado, como indicador diagnóstico da hepatopatia subjacente. No entanto, estas dosagens não fazem parte do arsenal de avaliações bioquímicas disponíveis para a prática médica até o presente momento.

Nos casos por nós estudados, 85% dos pacientes apresentaram eleva-ções da Gama GT em níveis de 2 até mais de 10 vezes os valores nor-mais, sendo que a maior prevalência (58%) ocorreu nas faixas de eleva-ção pequena à moderada (até 6 vezes o valor normal). Neste particular, chama a atenção uma diferença dos níveis mais elevados em relação ao sexo – enquanto 39% das mulheres apresentam níveis de mais de 6 vezes o normal, apenas 9% dos homens estão nessa faixa. (Quadro 29)

Quadro 29 – A Gama Glutamil Transpeptidase

GAMA GT HOMENS % MULHE-RES

% TOTAL %

Normal 11 16 1 8 12 15 Até 2 x 24 35 2 15 26 32 2 a 4 x 15 22 2 15 17 21 4 a 6 x 12 18 3 23 15 19 6 a 8 x 1 1,5 4 31 5 6 8 a 10 x 1 1,5 - - 1 1 > 10 x 4 6 1 8 5 6

TOTAL 68 100 13 100 81 100

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Embora a icterícia fosse clinicamente observada em 52% dos pacien-tes, pela avaliação bioquímica foi observada hiperbilirrubinemia em 63% dos casos. Estes 11% possivelmente correspondem aos casos subclínicos de icterícia, em que esta era de grau leve e passou desapercebida ao e-xame físico. Dos que apresentaram alterações, a maior parte foi de hi-perbilirrubinemia de grau leve, até 5 mg/dl=46% e apenas 2% apresenta-ram níveis elevados de mais de 20 mg/dl. (Quadro 30)

Quadro 30 – Bilirrubinas

BILIRRUBINAS HOMENS % MULHE-RES

% TOTAL %

NORMAL 26 38 4 31 30 37 Até 5 mg % 29 43 8 61 37 46

5 a 10 7 10 - - 7 9 10 a 15 1 1,5 - - 1 1 15 a 20 4 6 - - 4 5

> 20 1 1,5 1 8 2 2 TOTAL 68 100 13 100 81 100

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Doenças hepáticas em alcoolistas crônicos / 195

Tempo de Protrombina (TP)

O tempo de protrombina pode ser considerado um indicador semi-quantitativo da função de síntese hepática e seus valores, assim como os das bilirrubinas são úteis na avaliação prognóstica das hepatopatias alco-ólicas.

Em nosso estudo, a maior parte dos pacientes tinha valores normais ou levemente alterados: 42% dos pacientes apresentaram valores de 100% de atividade, 48% apresentavam alterações moderadas, ficando a atividade acima de 62% do normal e 10% tinham índices de maior seve-ridade com valores abaixo de 62%. No tocante à diferença entre os se-xos, notamos que, enquanto apenas 23% das mulheres apresentavam va-lores de 100% de atividade de protrombina, 45% dos homens estavam nesta faixa. Por outro lado, 54% das mulheres tiveram TP de 74% ou menos contra apenas 27% dos homens. (Quadro 31)

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Quadro 31 – Tempo de Protrombina

TP (%) HOMENS % MULHE-RES

% TOTAL %

100 % 31 45 3 23 34 42 86 % 19 28 3 23 22 27 74 % 6 9 5 38,5 11 14 62 % 6 9 - - 6 7

< 62 % 6 9 2 15,5 8 10 TOTAL 68 100 13 100 81 100

Transaminases

As transaminases elevam-se em processos inflamatórios e necróticos hepáticos, sendo um sinalizador destes eventos nas hepatopatias alcoóli-cas. Assim, em um paciente que apresente hepatopatia alcoólica com ele-vação das transaminases, suspeitamos mais da presença de uma hepatite alcoólica ou de uma cirrose com atividade necrótica do que numa estea-tose.

É citado na literatura que a transaminase oxalacética eleva-se antes e com valores mais elevados do que a transaminase pirúvica nas hepatopa-

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Doenças hepáticas em alcoolistas crônicos / 197

tias alcoólicas e, que este dado e a razão TGO/TGP seriam úteis no di-agnóstico diferencial das hepatopatias alcoólicas daquelas de outra etio-logia. Esta diferença, entretanto, não foi observada em nossa amostra, estando os valores da TGO e da TGP em níveis similares e sem diferen-ças significativas.

É bom lembrar que as transaminases não têm maior valor diagnósti-co nas hepatopatias alcoólicas: valores normais de transaminases podem ser apresentados por pacientes com hepatopatia bem estabelecida e até severa, como a cirrose e, quando alterados, comumente são elevações relativamente pequenas, na maioria dos casos na faixa de até 4 vezes o valor normal, valores estes comuns a uma vasta gama de patologias he-páticas não-alcoólicas e outras doenças não-hepáticas.

Transaminase Oxalacética (TGO)

A maioria (89%) dos casos ora estudados apresentou valores de TGO normais (42%) ou com pequenas elevações que não ultrapassavam a 4 vezes os valores normais (47%). Apenas 2 pacientes (2,5%) tinham níveis superiores a 10 vezes o normal. A diferença dos valores da TGO entre homens e mulheres ficou por conta do fato que em nenhuma mulher teve valores superiores a 4 vezes o normal, enquanto 13% dos homens estive-ram nessas faixas superiores de alteração. (Quadro 32)

Quadro 32 – Transaminase Oxalacética

SGOT (URF)

HOMENS % MULHE-RES

% TOTAL %

Normal 29 43 5 38,5 34 42 Até 2x 14 20,5 5 38,5 19 23,

5 2 a 4x 16 23,5 3 23 19 23,

5 4 a 6x 3 4 - - 3 3,5 6 a 8x 2 3 - - 2 2,5

8 a 10x 2 3 - - 2 2,5 > 10x 2 3 - - 2 2,5

TOTAL 68 100 13 100 81 100

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Transaminase Pirúvica (TGP)

Da mesma forma que a TGO, a TGP esteve na maioria dos casos (87%) na faixa da mortalidade 43% ou com elevações discretas, até 4 ve-zes o valor normal (44%). Valores maiores que 10 vezes o normal foram vistos em seis pacientes (7%), em todos os homens e em nenhuma mu-lher os valores foram superiores a 6 vezes o normal, enquanto 12% dos homens estiveram nessas faixas. (Quadro 33)

Quadro 33 – Transaminase Pirúvica

SGPT (URF) HOMENS % MULHE-RES

% TOTAL %

Normal 30 44 5 38 35 43 Até 2x 17 25 6 46 23 28 2 a 4x 12 17,5 1 8 13 16 4 a 6x 1 1,5 1 8 2 3 6 a 8x 2 3 - - 2 3 8 a 10x - - - - - - > 10x 6 9 - - 6 7

TOTAL 68 100 13 100 81 100

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Doenças hepáticas em alcoolistas crônicos / 199

Fosfatase Alcalina (FA)

A fosfatase alcalina, embora não específica, é um bom indício da pre-sença de colestase. Nas hepatopatias alcoólicas não tem grande valor di-agnóstico ou prognóstico. Algumas vezes pode ter também uma utilida-de indireta – naqueles pacientes com elevações da Gama GT que necessi-tamos diferenciar entre um aumento por indução pelo álcool ou pela pre-sença de colestase. Uma elevação similar da fosfatase alcalina reforça a segunda hiopótese, enquanto níveis normais da FA fortalecem a primei-ra.

Neste grupo de pacientes, 41% apresentavam valores normais de FA e 49% pequenas elevações que não ultrapassam 2 vezes o valor normal, o que perfaz 90% do grupo. Apenas 5% tiveram valores superiores a 3 ve-zes o normal. Não houve diferenças significativas entre o sexo masculino e o feminino. (Quadro 34)

Quadro 34 – Valores da Fosfatase Alcalina

FA (U/1) HOMENS % MULHE-RES

% TOTAL %

Normal 29 42,5 4 31 33 41 Até 2x 33 48,5 7 54 40 49 2 a 3x 2 3 2 15 4 5 > 3x 4 6 - - 4 5

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TOTAL 68 100 13 100 81 100

Proteinograma

O proteinograma ou eletroforese das proteínas, embora também não específico, é considerado o melhor indicador bioquímico da presença de cirrose, quando apresenta as alterações típicas dessa patologia – diminui-ção da albumina e o aumento da gama globulina. Mas é importante levar em conta que estes achados não são exclusivos dessa doença e que, em alguns casos, não estão presentes mesmo em vigência de cirrose.

Nos pacientes alcoolistas estudados, 24,5% não tinham alterações no proteinograma; 21% mostravam as alterações antes citadas como suges-tivas de cirrose – aumento da gama globulina e diminuição da albumina e de outros; 16% além destas alterações também mostraram um aumento da alfa-2 globulina. Assim, teríamos neste grupo 30 pacientes (37%) com alterações à eletroforese das proteínas sugestivas da presença de cirrose. (Quadro 35)

Se observarmos apenas as alterações de cada fração e não o conjunto de alterações, veremos que 41 pacientes (51%) apresentaram a gama glo-bulina elevada, 36 (44%) a albumina diminuída, 22 (27%) a Alfa-2 globu-lina elevada, 15 (18,5%) a beta globulina elevada e 6 (7,5%) um aumento na Alfa-1 globulina.

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Doenças hepáticas em alcoolistas crônicos / 201

Quadro 35 – Proteinograma Sérico

ACHADOS Nº CASOS % Normal 20 24,5

? Gama, ? Alb. 17 21 ? Gama, ? Alb. ? Alfa-2? 13 16 ? Gama, ? Beta ? Alfa-1? 6 7,5 ? Gama, ? Alfa-2? 3 4 ? Gama, ? Beta? 1 1 ? Gama? 1 1 ? Alb? 6 7,5 ? Beta? 8 10 ? Alfa-2? 6 7,5 TOTAL 81 100

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16.5 LAPAROSCOPIA

A laparoscopia fornece vários subsídios valiosos na avaliação das he-patopatias, incluindo-se naturalmente as hepatopatias alcoólicas, além de permitir a realização de biópsia hepática sob visão direta, o que envolve um risco menor e é fundamental nos casos de lesão hepática localizada.

Através da macroscopia, o fígado pode mostrar aumento de tama-nho, o que é comum na esteatose, na esteatonecrose (hepatite alcoólica) e nas fases iniciais da cirrose ou diminuído como na cirrose avançada. Sua coloração pode ser ponteada por áreas amareladas – sugestivo da estea-tose, ou apresentar-se intensamente hiperemiado – comum na hepatite alcoólica; uma coloração mais escura pode ocorrer na siderose. A super-fície hepática pode ser lisa, comum quando o fígado é normal ou quando o paciente tiver apenas esteatose; apresentar irregularidades do seu re-levo (superfície granular) com pontos de depressão que podem ser su-gestivos de áreas de perda de tecido por necrose ou, o que pode ser considerado bastante típico da cirrose, ser nodular. Os nódulos podem ser pequenos e regulares (micronodular) ou maiores e grosseiramente irregulares na cirrose macronodular, podendo, ainda, ser observada uma associação dos dois tipos (cirrose mista). A cirrose alcoólica costuma ser micronodular. No entanto, com a progressão da doença, os nódulos po-dem se tornar maiores e polimorfos, uma necrose secundária pode pro-vocar depressões e cicatrizes e assim assumir um aspecto que se asseme-lha à cirrose macronodular. Na superfície dos nódulos, freqüentemente se observam pequenos cistos linfáticos. A cápsula de Glisson pode se mostrar opacificada, espessa ou formar aderências, o que é chamado "pe-rihepatite"e decorre de reações inflamatórias variadas, inclusive da hepa-tite.

Além da visão macroscópica do fígado, pela laparoscopia podemos ver outros sinais indicativos de hepatopatia, como por exemplo, a pre-sença de líquido ascítico, o aumento do volume esplênico e a hiperemia com acentuação do desenho vascular do peritônio nos casos de hiperten-são portal.

Os achados laparoscópicos desse grupo de pacientes estão listados no quadro 36. O achado mais freqüente foi a hepatomegalia, presente em 61 pacientes (71%), seguido de zonas de hiperemia em 49 (61%), espes-samento da cápsula de Glisson em 35 (44%) e pontos amarelados na su-perfície em 32 (40%). A superfície francamente nodular foi vista em 23 pacientes (29%).

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Doenças hepáticas em alcoolistas crônicos / 203

Quadro 36 – Achados Laparoscópicos

ACHADOS Nº CASOS % HEPATOMEGALIA 61 76% ZONAS DE HIPEREMIA 49 61% ESPESSAMENTO DA CÁPSULA 35 44% PONTOS AMARELADOS 32 40% SUPERFÍCIE NODULAR 23 29% SUPERFÍCIE GRANULAR 21 26% AUMENTO DA VASC. PERITONEAL 15 19% BORDOS ROMBOS 13 16% CISTOS LINFÁTICOS 13 16% FIBROSE 12 15% VESÍCULA TÚRGIDA 11 14% DIMINUIÇÃO DA ESPESSURA HEPÁTICA 6 7,5% ASCITE 5 6% CONGESTÃO HEPÁTICA 5 6% COLORAÇÃO PARDACENTA 4 5% LAGOS BILIARES 1 1% ESPLENOMEGALIA 1 1%

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Baseados nos achados laparoscópicos, foram formuladas hipóteses diagnósticas (Quadro 37) que posteriormente foram comparadas com os dados histológicos. Aqui o termo "hepatopatia difusa" foi utilizado quan-do o observador via alterações hepáticas, porém não características o suficiente para formular uma hipótese mais precisa. Foram feitas 130 hipóteses, considerando-se que o paciente poderia apresentar uma asso-ciação de quadros, como por exemplo, a hepatite alcoólica + esteatose, cirrose + hipertensão portal, etc.

Quadro 37 – Hipóteses Diagnósticadas – Achados Laparoscópicos

HIPÓTESE DIAGNÓSTICA Nº CASOS % HEPATITE ALCOÓLICA 35 44,0 % CIRROSE 22 27,5 % HEPATOPATIA DIFUSA 22 27,5 % ESTEATOSE 18 22,5 % COLECISTOPATIA 11 13, 5 % HIPERTENSÃO PORTAL 10 12,5 % FIBROSE 7 9,0 % FÍGADO DE ESTAFE 5 6,0 %

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Doenças hepáticas em alcoolistas crônicos / 205

16.7 HISTOLOGIA

O exame histológico é considerado o "Padrão- Ouro" no diagnóstico das hepatopatias alcoólicas, inclusive sua definição e classificação são fundamentalmente baseadas em achados microscópicos.

Em nosso estudo, comparável com o de outros autores, o achado his-tológico mais comum foi a esteatose, presente em 55 pacientes (68%), sendo o diagnóstico principal de 24 (30%) (foi considerado diagnóstico principal a patologia de maior severidade. Assim, se houvesse, por e-xemplo, cirrose e hepatite alcoólica, o caso ficou com o diagnóstico da cirrose ou, se numa hepatite fosse encontrada esteatose associada, o di-agnóstico foi hepatite alcoólica). O segundo diagnóstico histológico mais freqüente foi o de cirrose com 22 casos (27%); destes, 17 eram microno-dulares, 2 macronodulares e 3 mistos. A hepatite alcoólica foi diagnosti-cada em 11 pacientes (13,5%). A fibrose centrolobular (que alguns auto-res consideram uma quarta hepatopatia alcoólica, ao lado da esteatose, da hepatite e da cirrose, e não apenas uma conseqüência passiva de uma hepatite anterior) foi observada em 17 casos (21%), sendo o diagnóstico principal de 10 deles (12%). E, finalmente, 1 caso (1,2%) apresentou um hepatocarcinoma. Como vemos, de 81 pacientes etilistas crônicos que procuraram serviços médicos por problemas relacionados ao álcool e fo-ram aqui estudados, um índice elevado de 84% – 68 casos – apresentou uma hepatopatia alcoólica. Além disso outras alterações foram encontra-das no estudo histológico desses fígados, concomitantes ou não com as lesões mais típicas antes citadas. Destas, a mais comum foi uma colangite crônica, presente em 32 anos (39,5%), seguida pela colestase em 13 casos (16%), além da fibrose portal e da siderose, ambas em 10 casos cada (12%). (Quadro 38)

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Quadro 38 – Diagnósticos Histológicos

DIAGNÓSTICO Nº CASOS % ESTEATOSE (55 = 68%) 24 30,0% FIBROSE CENTROLOBULAR (17 = 21%) 10 12,0% HEPATITE ALCOÓLICA 11 13,5% CIRROSE 22 27,0% - MICRONODULAR: 17 - MACRONODULAR: 2 - MISTA: 3 HEPATOCARCINOMA 1 1,2% OUTRAS LESÕES ENCONTRADAS: - FIBROSE PORTAL 10 12,0% - COLANGITE CRÔNICA 32 39,5% - SIDEROSE 10 12,0% - COLESTASE 13 16,0% - PROLIFERAÇÃO DUCTAL 2 2,5% - GRANULOMAS 2 2,5% - QUADRO DE ICC 2 2,5% - HEPATITE REACIONAL INESPACÍFICA 2 2,5% - HEMOCROMATOSE 1 1,2%

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Doenças hepáticas em alcoolistas crônicos / 207

16.8 CONCLUSÃO

A proposição de avaliarmos as hepatopatias alcoólicas em etilistas crônicos, suas manifestações clínicas, bioquímicas, macro e microscópicas neste estudo nos levou a concluir que: a) a ingesta alcoólica na maioria destes pacientes, tanto em termos de quantidades de etanol ingeridas como em duração de ingesta, são bastante elevadas. Na maioria supe-rando em muito os valores considerados de risco para o desenvolvimen-to das hepatopatias alcoólicas, citadas principalmente para a cirrose. Este etilismo pesado talvez constitua uma das respostas para o elevado índice de mortalidade por cirrose nesta região. b) as alterações clínicas são va-riáveis desde totalmente assintomáticos do ponto de vista de repercus-sões hepáticas (um grande número de pacientes procurou atendimento médico por outras causas como gastrite aguda, hemorragia digestiva, síndrome de abstinência, polineuropatia alcoólica, e outras, incluindo problemas não-relacionados diretamente ao etilismo) até quadros flori-dos de sintomas de cirrose descompensada, incluindo sinais de hiperten-são portal e encefalopatia hepática. c) As alterações bioquímicas também foram variáveis, porém, em muitos casos, mesmo em presença de lesões histológicas, estiveram na normalidade. A Gama GT se mostrou um bom índice do uso de álcool, estando elevada na maioria desses pacientes que relatavam etilismo crônico e, mesmo naqueles que estavam em abstinên-cia há pouco tempo (menos de 30 dias). Devemos levar em conta que muitos estavam em abstinência, mesmo antes da internação, em decor-rência da presença de sintomas que acabaram por motivar sua busca de atendimento, fato também citado por outros autores. As transaminases não apresentaram grandes elevações na maioria dos casos, nem obser-vamos uma diferença entre a TGO e a TGP ou o valor na relação TGO/TGP no diagnóstico da etiologia alcoólica para a hepatopatia. Des-ta forma, as transaminases não têm grande valor diagnóstico, podendo estar normais mesmo em hepatopatias alcoólicas severas como a cirrose avançada e estando em quase todos casos de esteatose hepática. Mesmo assim são úteis nas hepatopatias alcoólicas, pois se elevadas nos fazem pensar na presença de processo inflamatório, ou seja, nos sugere ser o paciente portador de uma cirrose com atividade necrótica. A fosfatase alcalina esteve normal ou discretamente elevada na quase totalidade dos casos e não apresentou relação com o dia-gnóstico histológico, com a e-volução ou gravidade da lesão. As bilirrubinas e o tempo de protrombi-na também estiverem normais ou com alterações leves na maioria dos casos. No entanto, valores muito alterados se correlacionam bem com a

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gravidade do processo, sendo assim úteis como fatores prognósticos. O proteinograma foi bastante sensível correlacionando-se bem com o diag-nóstico histológico de cirrose quando presentes as alterações considera-das típicas – diminuição da albumina e aumento da gama-globulina: to-dos, exceto um paciente com cirrose não apresentou essas alterações. No entanto elas não foram específicas e os mesmos achados estiveram pre-sentes em alguns pacientes sem cirrose. Várias outras alterações isoladas nas proteínas séricas foram observadas, porém sem valor diagnóstico ou prognóstico da hepatopatia subjacente. d) A laparoscopia também mos-trou-se muito útil. Nos casos de cirrose houve um falso-positivo e um falso-negativo, nos demais o diagnóstico foi correto. Na esteatose, todas as vezes que foi descrita, a laparoscopia também esteve presente na his-tologia. No entanto, em cerca de 40% dos casos em que estava presente à microscopia não determinou a coloração mais amarelada na superfície hepática, considerada indício laparoscópico de sua presença. Não houve casos falso-positivos. Quanto à hepatite alcoólica, foi super-diagnosticada pela laparoscopia e os achados de hiperemia da superfície e hepatomegalia não corresponderam à hepatite em mais da metade dos casos. Finalmente, na quase totalidade dos casos que achados anormais foram descritos no exame laparoscópico, houve também anormalidades histológicas, e ambos foram muito freqüentes nesse grupo de etilistas. e) Pela histologia, observou-se que quase totalidade dos pacientes apresen-tavam alterações hepáticas, sendo que, em 84% estas permitiram diag-nosticar uma das hepatopatias alcoólicas clássicas – Esteatose, presente em dois terços dos casos, a hepatopatia alcoólica, a fibrose ou a cirrose (em 27%), e também um caso de hepatocarcinoma. Estes índices ultra-passam os de 1/5 a 1/3 citados na literatura para incidência de hepatite ou cirrose em etilistas crônicos, mas são compatíveis com várias observa-ções de lesões histológicas mesmo em pacientes sem evidências clínicas e laboratoriais.

Diante destas observações, concluímos que as alterações hepáticas nos pacientes etilistas crônicos são extremamente freqüentes, o que se mostra mais notório na investigação laparoscópica e principalmente his-tológica, e que estas devem ser incluídas na investigação das hepatopati-as de todo etilista crônico pesado.

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Alcoolistas e o vírus da hepatite C / 209

17

ALCOOLISTAS E O VÍRUS DA HEPATITE C1

Quando um médico se depera com um paciente que apresenta pro-blemas relacionados à função hepática e este paciente possui uma história positiva para o consumo de álcool, a tendência é escolher esta etiologia como a mais provável causa das alterações hepáticas do paciente, exclu-indo-se os outros possíveis tipos de injúrias ao fígado. Esta é uma con-duta questionável, pois o paciente alcoolista não está protegido de ou-tras doenças hepatobiliares e, pelo contrário, pode estar predisposto à lesão hepática por assumir fatores de risco similares aos dos não-alcoolistas, sejam estes socioeconômicos, epidemiológicos ou metabóli-cos.

Dentre as doenças hepáticas, não-causadas pelo álcool, existentes em pacientes alcoolistas, as causadas pelo vírus da hepatite C são as mais comuns.

17.1 O QUE É O VÍRUS DA HEPATITE C?

O vírus C da hepatite é um RNA vírus, clonado pela primeira vez em 1989 por Choo e colaboradores (apud 3), sendo o responsável pela maior parte dos casos de hepatite não-A não-B (NANB) pós transfusional e esporádicos, assim como por muitos casos de doença hepática crônica sem fator etiológico identificável. 1 Capítulo escrito por Sérgio G. S. de Barros, Doutor em Medicina pela Faculdade de Medi-

cina (FAMED) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Coordenador do Curso de Pós-Graduação em Medicina: Gastroenterologia. Professor Adjunto do Depar-tamento de Medicina Interna da FAMED-UFRGS. Médico Assistente do Serviço de Gastro-enterologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

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A prevalência de anticorpos detectáveis contra o vírus C (anti-HCV) é tão elevada quanto 80-90% (4,5) dos pacientes com hepatite NANB. Destes pacientes, cerca de 60% irão desenvolver hepatite crônica, de-monstrando a importância deste vírus como causa de doença hepática indolente, de progressão lenta.

17.2 EPIDEMIOLOGIA NO PACIENTE ALCOOLISTA

A presença de anti-HCV está documentada de várias maneiras na li-teratura. Se observarmos os alcoolistas como um todo sem subdividi-los em grupos que levam em conta sua doença hepática, a prevalência de anticorpos anti-HCV varia entre 10-45% dos alcoolistas com doença hepá-tica, muito elevada se comparada com a prevalência em controles (doa-dores de sangue voluntários ou pacientes alcoolistas sem doença hepáti-ca), que varia entre 1-3% nos diferentes estudos. Por outro lado, se nos preocuparmos em dividir os pacientes em subgrupos, a prevalência de soropositividade do anti-HCV se distribui da seguinte forma: 20% de fibroesteatose; 21,4-40% com hepatite alcoólica; 25-74% com hepatite crônica; 35,9-61% com cirrose.

Analisando estes dados, vemos que, mesmo observando os menores valores de soropositividade para o anti-HVC relatados na literatura, a sua prevalência é no mínimo 10 vezes superior em pacientes alcoolistas com doença hepática associada do que em pacientes alcoolistas sem doen-ça hepática ou doadores voluntários de sangue (que representam a popu-lação em geral).

É importante ainda ressaltar que a presença de anti-HCVestá associ-ada a uma maior severidade de lesão histológica hepática e também a uma maior severidade clínica da doença hepática, levando-se em conta tanto a classificação de Child-Turcote quanto a função discriminatória de Mad-drey. Se observarmos os critérios histológicos, parece que os paci-entes com anti-HCV positivo têm níveis de atividade histológica medi-dos pelos índices de Knodell, mais altos que aqueles pacientes sem anti-corpos detectáveis contra o vírus, embora alguns autores não tenham encontrado esta diferença, enquanto outros encontraram alterações his-tológicas menos significativas. Mesmo que os resultados não sejam to-talmente concordantes, parece claro que a presença de anti-HCV está relacionada com uma maior gravidade de doença hepática, o que ocorre até mesmo quando levamos em conta cada subgrupo de pacientes com lesão hepática (isto é, dentro de uma mesma classe, os pacientes anti-

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Alcoolistas e o vírus da hepatite C / 211

HCV positivos tem um grau mais severo de doença que os anti-HCV ne-gativos). Da mesma maneira que as alterações histológicas, os parâme-tros bioquímicos não apresentam concordância plena entre os diversos autores. Talvez o ponto de menor discussão seja a elevação dos níveis de ALT, sugerida por alguns autores como marcador de infecção viral, mas questionado por outros.

17.3 DETECÇÃO

É importante correlacionarmos os achados demostrados com as no-vas opções existentes na detecção de anticorpos contra o vírus C e da própria seqüência genômica do RNA. A maioria dos resultados citados atá agora tem como base a identificação de anticorpos contra o vírus C detectados pelo método ELISA, um teste que demonstra grande sensibi-lidade, mas possui o inconveniente de ter vários resultados falso-positivos, estimados por alguns autores entre 20-40% dos casos. Tal in-conveniente parece ter sido resolvido com a utilização de ensaios do tipo ELISA de segunda geração (ELISA II), que melhorou sensivelmente a especificidade da detecção do anticorpo contra o vírus C. Apesar destes resultados, técnicas mais modernas para detecção de anti-HCV, como por exemplo o uso de RIBA (recombinant immunoblot assay) ou suas variantes (RIBA 2, que detecta 2 porções do genoma viral), têm demons-trado ainda assim uma prevalência elevada de anti-HVC em pacientes alcoolistas com doença hepática, da ordem de 10,1% contra 1,6% em al-coolistas sem doença hepática e 0,6% nos pacientes não-alcoolistas. Em um estudo realizado no Japão, os resultados analisados comparando-se os diversos tipos de ensaios existentes, tendo-se como padrão-ouro a determinação e a ampliação do genoma viral através de PCR (polimerase chain reaction), demonstrando diretamente a presença do vírus no soro dos pacientes. Os achados foram similares aos do RIBA, demonstrando 10% de positividade para o HCV-RNA em pacientes com fibroesteatose, 15% em pacientes com hepatite alcoólica, 68% nos pacientes com hepatite crônica e 65% nos com cirrose. Mesmo tendo-se o PCR como padrão-ouro, a facilidade e o baixo custo do teste ELISA devem ser levados em consideração, pois os pacientes positivos (com título elevado) para anti-corpos anti-HCV por ELISA II tiveram 93% de positividade para o HCV-RNA. Inicialmente comprovados em pacientes não-alcoolistas, estes tes-tes tiveram recentemente sua reprodutibilidade demonstrada para os pacientes alcoolistas. Demonstrou-se que a utilização de testes sorológi-

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cos do tipo ELISA II é muito útil para a detecção de anti-HCV nos paci-entes alcoolistas, estando indicada a utilização de testes sorológicos mais específicos como o RIBA 2 e o PCR, denominados testes confirmatórios, naqueles casos onde este "screening" inicial seja duvidoso (sorologica-mente caracterizados como exames do tipo indeterminado ou para a to-nada de decisão de tratamento com o uso do interferon.

17.4 FATORES DE RISCO

Apesar de vários estudos realizados no Japão, nos Estados Unidos, na França, na Itália, e na Espanha, a hepatite viral do tipo C em alcoolis-tas com doença hepática ainda não foi bem caracterizada. Também não existe uma explicação para a elevada prevalência do vírus C em pacientes alcoolistas com doença hepática, visto que os fatores de risco para a transmissão de hepatite viral (uso de drogas injetáveis, exposição a flui-dos parentereais ou transfusões sangüíneas prévias) parecem não ter im-portância no desenvolvimento de soropositividade para o HCV. Os fato-res de risco acima citados, a comprovação da transmissão materno-fetal e os riscos ocupacionais aos quais estão sujeitos os trabalhadores na área de saúde não sustentam a elevada prevalência do anti-HCV nos alcoolis-tas. Apesar de alguns estudos sugerirem a atividade sexual como fator importante para a transmissão do vírus em pacientes alcoolistas, esta via não constitui um vetor freqüente de disseminação, o que é mais comum na concomitânica da infecção com o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV). Sendo assim, não é capaz de explicar a taxa de soropositividade dos indivíduos alcoolistas, devendo-se buscar outras possibilidades para que se compreenda esta disparidade em relação aos pacientes não-alcoolistas. A ingestão crônica de álcool, atuando como fator limitante da função e permitindo uma maior viremia, pode ser um fator diferencial entre o paciente alcoolistas e o não-alcoolista, assim como a ruptura da barreira mucosa gastrintestinal, causada pela toxicidade alcoólica, pode servir como porta de entrada e/ou saída para o vírus, permitindo que uma menor quantidade de inóculo viral apresente uma infectividade maior do que teria num paciente não-alcoolista, onde a imunidade não está prejudicada. Alguns estudos demonstraram que a identificação de fatores de risco parenterais (transfusão prévia, uso de drogas IV) tem sido mais freqüente nos pacientes alcoolistas. Os dados conflitantes dis-poníveis, até o momento, permitem inferir que são necessários maiores

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esclarecimentos sobre o papel dos fatores de risco para o desenvolvi-mento da hepatite viral do tipo C nos pacientes alcoolistas crônicos.

17.5 REPERCUSSÕES DA INFECÇÃO PELO VÍRUS C

O álcool também tem sido implicado como um modificador da repli-cação do HCV, possivelmente aumentando-a e conferindo desta maneira uma maior possibilidade de causar dano ao fígado em pacientes alcoolis-tas, alterando inclusive o papel oncogênico do HCV no carcinoma hepa-tocelular. Vários estudos têm mostrado a associação entre anticorpos detectáveis contra o vírus C e a ocorrência de carcinoma hepatocelular, detectando um risco 4 vezes maior que nos indivíduos soronegativos.

Estudos recentes têm demonstrado que o vírus da hepatite C é res-ponsável, em parte, por alguns achados histológicos compatíveis com o que se denominava antigamente de Doença Hepática Alcoólica, como por exemplo a presença de hepatite portal e/ou lobular e hepatite crôni-ca ativa.

A história natural da hepatite C, em especial no paciente alcoolista, ainda não está claramente definida. Estudos, utilizando a população em geral, demonstraram que um grande grupo de pacientes com anticorpos detectáveis contra o vírus C irá desenvolver doença hepática crônica, com níveis tão elevados quanto 60 a 705 dos pacientes.

17.6 HEPATITE VIRAL DO TIPO C

NOS ALCOOLISTAS DO RIO GRANDE DO SUL

A prevalência encontrada em nosso meio é semelhante aos achados descritos na literatura. Num estudo-piloto realizado em uma Unidade de Dependência Química de um hospital geral de Porto Alegre, encontrou-se uma prevalência de 11,9% (5 casos em 42 pacientes) de testes positivos para o anti-HCV ELISA II. A avaliação de fatores de risco, tais como: consumo de drogas injetáveis, história de transfusão sangüínea e/ou ex-posição de mucosas ou percutaneamente a sangue ( ex: picadas com agu-lhas contaminadas) ou outros fluidos orgânicos, história de homo ou bis-sexualismo, atuação em área de saúde não demonstraram diferenças en-tre os pacientes alcoolistas com testes positivos para o ELISA II em rela-

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ção aos negativos, assim como não foi evidenciada diferença entre os grupos no que diz respeito a achados de exame físico compatíveis com hepatopatia crônica (teleangectasias aracneiformes, eritema palmar, etc.), ecografia abdominal simples e com estudo doppler-fluxométrico dos va-sos do sistema portal e exames de laboratório.

17.7 TRATAMENTO

O tratamento da hepatite viral do tipo C está fundamentado princi-palmente na utilização do a-interferon recombinante. No entanto, os es-tudos realizados até o momento demonstram existir uma variabilidade no que diz respeito tanto à resposta terapêutica a esta droga como na incidência dos efeitos adversos decorrentes de seu uso. Não são todos os pacientes que são passíveis de tratamento por interferon, e vários fa-tores influenciam o resultado da terapêutica antiviral: o protocolo de administração do fármaco, as características individuais de cada paciente e sua diferente resposta às modalidades de tratamento empregadas e as propriedades inerentes a cada um dos subgrupos do vírus.Dentre os preditores de resposta ao fármaco, alguns dos mais importantes parecem ser a duração curta da doença (detecção em fases mais precoces) e as ca-racterísticas histológicas à punção percutânea. É mandatório que se pro-ceda à análise histopatológica de um fragmento hepático antes da institu-ição de qualquer tratamento com o interferon. Porém, o fator preditivo de uma resposta sustentada ao tratamento é o genótipo viral.

A resposta ao interferon (normalização ou diminuição dos níveis da ALT) ocorre em apenas 50% dos pacientes, sendo que em apenas 25% dos casos esta resposta é sustentada por um período de 6 meses ou mais. Provavelmente com a utilização de critérios mais restritos para a seleção dos pacientes possa ser oferecido um maior grau de benefício em relação ao uso do fármaco.

Não existem estudos disponíveis que permitam inferir que, mesmo após a normalização dos níveis de ALT, a terapia com interferon possa evitar progressão das doenças hepáticas causadas pelo vírus C, sendo necessário um maior seguimento dos pacientes a longo prazo para que esse efeito benéfico seja demonstrado ou refutado.

Alguns estudos preliminares sugerem que a ribavirina possa ter um efeito normalizador sobre as transaminases, mas são necessários estudos controlados e randomizados para que se possa estabelecer seu uso no tratamento das patologias originárias da infecção pelo vírus C.

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17.8 CONCLUSÃO

Baseando-se nos dados disponíveis até o momento, infere-se que a freqüência de testes positivos para os anticorpos contra o vírus C da he-patite em alcoolistas é comum, tornando-se indispensável a definição do status do paciente com problemas relacionados ao consumo de álcool em relação a esta patologia. Mais importante do que isto é o fato de que não estão ainda disponíveis preditores clínicos, laboratoriais ou da história do paciente que permitam definir quais os indivíduos alcoolistas com maior probabilidade de apresentarem anticorpos detectáveis contra o vírus da Hepatite C.

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